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Title: O Federalismo
Author: Lima, Sebastião de Magalhães, 1850-1928
Language: Portuguese
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*** Start of this LibraryBlog Digital Book "O Federalismo" ***


disponibilizada pela bibRIA.



O IDEAL MODERNO

BIBLIOTHECA
POPULAR
DE
ORIENTAÇÃO
SOCIALISTA


O FEDERALISMO

DIRECTORES

MAGALHÃES LIMA

E

TEIXEIRA BASTOS



COMP.A N.AL EDITORA
SECÇÃO EDITORIAL
ADM. J. GUEDES--LISBOA


O IDEAL MODERNO


O FEDERALISMO



POR

MAGALHÃES LIMA


LISBOA
SECÇÃO EDITORIAL DA COMPANHIA NACIONAL EDITORA
Administrador--JUSTINO GUEDES
50, Largo do Conde Barão, Lisboa
AGENCIAS
Porto, Largo dos Loyos, 47, 1.º
38, Rua da Quitanda, Rio de Janeiro
1898



PALAVRAS PRÉVIAS

Com a publicação do _Ideal Moderno_, tivemos, principalmente, em vista
a vulgarisação das idéas que, no extrangeiro, mais preoccupam os
espiritos, actualmente, e tanto concorrem para a renovação philosophica,
scientifica e social que caracteriza a nossa época. Desde os bancos da
Universidade que vimos fazendo a propaganda do federalismo, como a
cupula magestosa, destinada a completar o edificio republicano.
Resumindo n'um pequeno volume tudo o que temos publicado a tal respeito,
e expondo, n'uma edição portugueza, os principios que defendera no meu
livro--_La Fédération Ibérique_ que tão discutido foi, por occasião do
seu apparecimento, em Paris, julgo prestar um serviço á democracia
portugueza. A obra democratica só será estavel e só poderá triumphar,
quando, em vez de incensar homens, procurar apoiar-se nas ideias e nos
principios, unico alicerce a uma construcção solida e duradoira.



I

O que é o federalismo


Federação (do latim _foedus_) quer dizer pacto, alliança, que liga e
obriga as duas partes contractantes.

Proudhon define assim a federação: É um contracto ou uma convenção, em
virtude da qual um ou differentes chefes de familia, uma ou differentes
communas, um ou differentes grupos de communas ou de Estados, se obrigam
reciprocamente e egualmente, uns para com os outros, por um ou muitos
objectos particulares, cujo encargo pertence exclusivamente aos
delegados da federação. Por outros termos: a federação é o justo
equilibrio entre os dois polos sobre os quaes se baseiam todos os
systemas governamentaes, a _auctoridade_ e a _liberdade_. Por
auctoridade deve comprehender-se «o governo geral», composto dos
delegados dos Estados federados; e por liberdade a autonomia
municipal.[1]

O federalismo, segundo Pi y Margall, é o unico systema de governo que
pode conciliar os variados elementos que se encontram no meio de cada
sociedade: raças, religiões, idéas, costumes, linguas, etc., e o unico
systema capaz de realisar as aspirações do progresso cujo equilibrio
produz a evolução pacifica e continua da humanidade.[2]

A federação, longe de ser uma idéa antiquada, como pretendem muitos, é,
pelo contrario, uma idéa do nosso tempo, em perfeita harmonia com as
aspirações dos povos modernos. Montesquieu que não pertenceu certamente
nem á Antiguidade nem á Edade-Média, considerava-a como o unico systema
capaz de evitar os inconvenientes das grandes e pequenas nacionalidades.

Proudhon acabou por fazer do federalismo o seu programma de governo,
«aconselhando-o como a unica solução a todas as antinomias politicas,
como o melhor remedio contra as usurpações do Estado e a idolatria das
massas, como a mais solemne expressão da dignidade humana. É na
federação das raças que repousam, n'um equilibrio indestructivel, a paz
e a justiça.

Gervinus, um dos primeiros historiadores do seculo, é de parecer que só
pela realisação do principio federativo se poderá assegurar a liberdade
e a paz da Europa. Em 1852 annunciava elle já o engrandecimento actual
da Allemanha, predizendo o fim dos grandes Estados pela sua
transformação em federações. Oa paizes unitarios encontram-se expostos a
todos os perigos.[3]

Póde bem dizer-se que _unificação_ e _federação_ representam dois
graus profundamente distinctos da sociabilidade humana: o primeiro
deriva de um empirismo cego, da intervenção irracional de uma poderosa
individualidade, ao passo que o segundo é a obra consciente de uma
collectividade que procura, nas condições da sua propria existencia, a
garantia perpetua da sua independencia.[4]

_União_ e _annexação_ são cousas bem differentes de federação. A
annexação indica sempre uma idéa de fôrça e de violencia. A federação,
pelo contrario, assenta sobre a idéa de um accôrdo reciproco, de uma
mutualidade, de uma idéa baseada sobre o direito e a garantia mútuas.

Cada um dos Estados do Brazil, assim como cada Estado da grande
Republica americana, assim como cada cantão da valente Republica suissa,
teem assegurados o seu governo, a sua autonomia, os seus magistrados, a
sua policia, as suas fronteiras, as suas finanças, a sua administração,
e tudo isto bem garantido com a sua bandeira. Estes Estados constituem
verdadeiras nações, ligadas umas ás outras pelo laço federal, e
preparadas assim para todas as eventualidades que porventura possam surgir.

O federalismo é a evolução social, é a tradição historica, é a lei do
progresso, é a acção incessante da civilisação, é a monarchia de Carlos
V, transformada n'uma Republica poderosa e indestructivel, dividida em
Estados confederados; é, emfim, a alliança dos povos, elevando-se á
altura da missão que teem a cumprir na vida europeia.[5]

O federalismo é o systema de governo que consiste em reunir differentes
Estados n'uma só nação, _conservando a cada um d'elles a sua
autonomia_, sobretudo no que diz respeito aos interesses communs.

A Suissa[6] compõe-se de vinte e dois cantões, ou, para
falar com mais exactidão, de dezenove cantões e de seis meios cantões.
Estes cantões apresentam, entre si, differenças consideraveis em
extensão, população e riqueza, mas gosam todos dos mesmos direitos. Cada
cantão é um verdadeiro Estado, tendo leis o codigos especiaes, e
governando-se, quer por parlamentos, quer por assembléas populares
segundo sua constituição externa.

Encravada no meio da Europa, com 2.500:000 habitantes, sem exercito
permanente e sem marinha, a Suissa tem sabido impôr-se ao respeito e á
consideração das outras nações, por uma administração modêlo e pela
superioridade da sua constituição federal, a qual, no seu art. 2.º diz o
seguinte:


«A Confederação tem por fim assegurar a independencia da patria contra o
extrangeiro, proteger a liberdade e o direito dos confederados, e
augmentar a sua prosperidade commum.»


Citemos ainda alguns artigos:


Não ha na Suissa nem subditos, nem privilegios de logar, de nascimentos,
de pessoas ou de familias (art. 4.º).

A Confederação não tem o direito de manter exercitos permanentes (art.
13.º).

Todo o cidadão suisso é obrigado ao serviço militar. Os militares que,
no serviço federal, perderem a vida ou arruinarem a saude, teem direito
aos soccorros da Confederação para si ou para suas familias (art. 18.º)

A liberdade de consciencia e de crença é inviolavel (art. 49.º).

O livre exercicio dos cultos é garantido nos limites compativeis com a
ordem publica e os bons costumes (art. 50.º).

A ordem dos jesuitas e as sociedades n'ella filiadas não podem
estabelecer-se em parte alguma da Suissa, e toda a sua acção na Egreja e
na eschola é prohibida aos seus membros (art. 51).

O illustre publicista Emile Laveleye occupou-se, com toda a
imparcialidade, da applicação da doutrina federal á organisação da
politica franceza. Examinando, com o auxilio da historia, os diversos
elementos sociaes, chegou á conclusão "_que sem as liberdades locaes,
provinciaes e communaes, a Republica é um titulo sem livro, uma
instituição sómente nominal_." Um dos grandes erros da
«evolução--accrescenta--foi a destruição das assembléas provinciaes, e
duvido que a França chegue a possuir a verdadeira liberdade, sem
restabelecer de novo estas assembléas.[7]

Refutando as idéas unitarias e as suas consequencias desastrosas nos
governos dos Estados, Laveleye accrescenta: «A Revolução commetteu uma
falta, proscrevendo com furor o federalismo e os federalistas.» O
federalismo era a unica forma de governo que houvera podido garantir a
fôrça e a prosperidade da França, e os federalistas os unicos homens
capazes de salvar a Republica. As Republicas que duram e prosperam são
federações. Haja vista a Suissa e os Estados-Unidos da America.

Temos em nós mesmos o typo do systema. Com effeito o organismo humano é
composto de orgãos autonomos, mas subordinados a um centro regulador de
todos os nossos actos externos. É uma verdadeira federação onde se
observam os principios essenciaes, inherentes á theoria federalista: a
unidade na variedade, a autonomia na solidariedade.

Como é sabido e como tantas vezes se tem dito, os planetas, girando á
volta do sol e recebendo d'elle o calor e a luz, não teem todos os
mesmos movimentos nem a mesma vida. Cada planeta é uma variedade na
unidade do systema. Esta variedade na unidade, ou, o que vale o mesmo,
esta unidade na variedade é geral na natureza. Todos os seres obedecem á
lei da necessidade, excepto o espirito do homem.[8]

Em nosso juizo a idéa federalisia é a idéa republicana completada,
alargada e aperfeiçoada. Somos federalistas, socialistas e livres
pensadores, por isso mesmo que somos republicanos. A liberdade de
consciencia é a base de todas as liberdades e a Republica consagra a
_liberdade_. O socialismo é a expressão da egualdade e a Republica
consagra a _egualdade_. Federalismo significa fraternidade e a
Republica consagra a _fraternidade humana_. De extranhar é pois, que
republicanos, como taes considerados, tenham ainda receio de se
declararem federaiistas nos tempos que vão correndo, como se para uma
propaganda honesta e séria, fôsse preciso deturpar e inverter principios!



II

A Europa e o federalismo


As nacionalidades, taes quaes existem hoje, escreve José Leroux,
exclusivas e separadas umas das outras, como mundos áparte, são um
mal--são a causa do mal e a causa da guerra. Uma modificação é pois
necessaria a estes grupamentos humanos; é mister descentralisar as
nações; estabelecer em cada provincia, em cada cidade um centro de
actividade especial; é mister descentralisar e federar as nações entre
si. Federação na nação e federação das nações; união federal e autonomia
federal.

Para se ver quanto é justa a affirmativa do illustre descendente de
Pierre Leroux, o creador da palavra _socialismo_, bastar-nos-ha
relancear a vista pelo mappa da Europa.

Sob as differentes monarchias dominantes, a França esteve sempre
dividida em reinos e condados diversos; sob o dominio dos Capetos chegou
a contar sessenta e um Estados que não dependiam do monarcha senão
nominalmente. Até o fim do seculo XVIII a corôa não conseguiu attrahir a
si nenhum dos Estados independentes. O maior foi annexado pela conquista.

Durante a Edade-Média e os tres primeiros seculos do periodo
contemporaneo, a França não formou uma só nacionalidade senão em dois
periodos muito curtos: os quatro ultimos annos do reinado de Clovis e
sob Carlos Magno, de 771 a 817.

Será a federação um anachronismo?--pergunta Pi y Margall, no seu
precioso livro--_Las Nacionalidades_. Qual é hoje a nação mais
unitaria? A França, não é verdade? Pois, apesar d'isso, um guerreiro
habil, Napoleão I, comprehendendo a fôrça do federalismo, dissolve a
confederação allemã, mas restabelece-a sob o titulo de Confederação do
Rheno. Napoleão III, depois da batalha de Solferino, quiz confederar os
povos de Italia.

Poderão objectar-nos que os dois referidos monarchas não queriam para o
seu paiz o regimen federalista.

Convém, porém, dizer que, sem o querer ou sem o saber, a nação franceza
estava impregnada da idéa federalista.

No seu bello e grandioso movimento de 1789, celebrava os seus triumphos
revolucionarios com a festa da Federação, a maior festa que jámais
concebeu o espirito de um povo. Na celebre convenção, havia um partido
que podia não ser federal, mas que queria organisar as provincias
francezas, por meio de um ponto commum, afim de resistir á tyrannia da
assembléa de Paris.

A soberba e importantissima festa da Federação celebrou-se, no Campo de
Marte, a 14 de julho de 1789. De todos os pontos da França accorreram
mais de 60:000 homens com as bandeiras das suas respectivas provincias.
As bandeiras foram abençoadas pelo bispo de Autan no altar da patria.
Lafayette falou aos 60:000 delegados, em seu nome e em nome do exercito.
Nem então nem depois se deu a estes representantes da provincia outro
nome que não fosse o de confederados.

O que, sobretudo, devemos considerar n'uma grande épocha, é o aspecto
geral das cousas e os seus resultados immediatos. E é por elles,
effectivamente, e Madame Roland observa-o tambem nas suas _Memorias_,
que apreciamos as idéas dos Girondinos, ácêrca das provincias, e as
razões que Bozot invocava para defender este systema de governo.
Sustentava-se a unidade e a indivisibilidade da Republica, unicamente
por se reputarem necessarias, n'aquelle momento, como meio de resistir á
Europa coalisada.

A feição federativa da revolução de 1871, revela-nos factos ainda mais
caracteristicos. A Communa que se proclamou, em Paris, não era um
systema administractivo, mas um verdadeiro poder que legislou e decretou
para a cidade como houvera podido fazel-o a nação inteira e o governo da
assembléa. A Communa declarou-se autonoma e apresentou-se aos olhos da
França, como o modelo das outras communas, e, para que se não pudesse
duvidar das suas intenções, disse, pela bôcca de Breslay, seu
presidente: "Cada um dos diversos grupamentos sociaes terá hoje, na
Republica, a sua independencia. Tudo o que é local deve ser discutido e
administrado pela cidade; tudo o que é regional será tratado pela
região; tudo o que diz respeito á nação sel-o-ha pelo governo."

É uma fórmula de federalismo, expressa d'uma maneira precisa e completa.

Em 1871, viu-se esta mesma cidade de Paris levantar-se com as armas na
mão, e, cheia de enthusiasmo pela sua autonomia, proclamar a federação e
morrer pelo seu ideal.

Em que épocha se viu maior explosão do sentimento federalista?

A Communa queria, antes de tudo, defender a Republica, por a julgar a
unica forma de governo digna das modernas nações civilizadas, e por a
reputar uma garantia de ordem e de progresso que assegura ao individuo
como á collectividade o seu maior desenvolvimento e a mais completa
realisação dos seus direitos.

Eis as palavras, pronunciadas por François Jourde, delegado das finanças
durante a Communa:

"O movimento de 18 de março é triplice, no seu programma. É, ao mesmo
tempo, republicano, reivindicador das franquias municipaes e socialista.

"Em França impoz a Republica e reconheceu as liberdades communaes.

"Socialista, provocou o levantamento dos trabalhadores no mundo inteiro.
As suas reivindicações agitam todos os povos e impõem-se a todos os
governos.

".......................................................................

"O sr. Gladstone disse que o seculo XIX era o seculo dos operarios. E
disse bem. O seculo que vae começar assistirá á emancipação dos
trabalhadores.

"É mistér, pois, reconhecer que ao movimento inicial de 18 de março cabe
a honra de ter posto claramente os termos do problema: republica,
liberdades municipaes, solução do conflicto entre o capital e o trabalho.

"Os povos não se enganaram; em todas as partes do globo, o 18 de março é
celebrado como ponto de partida de uma era de emancipação, de egualdade
e de justiça."

      *      *      *      *      *

A nação ingleza é antiga. Mas a parte que actualmente se chama a
Gran-Bretanha pode dizer-se quasi moderna. Até o anno de 1603, a Escocia
manteve-ae separada, conservando ainda, durante um seculo, o seu
parlamento e as suas leis, que perdeu em 1707. Até o XII seculo,
Henrique II não teve a posse de uma parte da Irlanda. Os irlandezes
resistiram, durante muito tempo, a toda a tentativa de dominação;
luctaram até meados do seculo XVII. Vencidos, quantas vezes não tentaram
repellir o jugo? A miseria da Irlanda é proverbial. Ha sete seculos que
aquelle pequeno e valoroso paiz vive na oppressão. Ha sete seculos que
os irlandezes luctam contra a tyrannia e a oppressão inglezas. A causa
da Irlanda é sagrada, como é a causa de todas as victimas.

Os tres reinos da Gran-Bretanha estiveram divididos, durante os
primeiros seculos da Edade-Média. Os saxões estabeleceram quatro reinos
differentes durante metade do seculo V, e tres, no seculo VI. Depois da
expulsão dos romanos houve dois reinos na Escocia e cinco, pelo menos,
na Irlanda. Os sete reinos da Inglaterra reuniram-se n'um só, mas isso
foi depois do seculo XI.

Todos conhecem o fermento separatista que lavra na Escocia e na Irlanda,
para que se torne mistér insistir n'elle. E é ainda por causa das idéas
federalistas que a Inglaterra mantem as suas colonias. O principio terá,
mais tarde ou mais cedo, de se generalisar ao resto do paiz, porque será
esse o unico meio de evitar uma lucta civil ou uma terrivel revolução.
Só, pela applicação do systema federalista, se poderá conseguir a
harmonia na variedade de raças, de religiões e de linguas de que se
compõe a Gran-Bretanha.

      *      *      *      *      *

As republicas italianas, bem longe de terem vivido unidas pelos laços
politicos, eram, pelo contrario, rivaes, guerreando-se com frequencia.
As cidades de Genova, de Pisa, Milão e Pavia, Cômo e Milão, Milão e
Cremona guerrearam-se, entre si, por mais de uma vez. A guerra entre
Cômo e Milão durou dez annos. Estes pequenos Estados confederavam-se, a
cada passo, para a defesa, e muitas vezes tambem para a sua ruina. Na
guerra de Cômo, quasi todas as republicas da Lombardia se collocaram do
lado de Milão. Sobre a ruina das republicas de Gaeta, Napoles e Amalfi,
fundaram os normandos o reino da Sicilia.

Pelo meado do seculo XII, as republicas da Lombardia foram anniquiladas.
Veneza, Genova e Pisa conservaram o regimen republicano, posto que
muitas vezes destruido e outras tantas vezes reconstruido.

As cidades da Italia, de um lado, e os barões, por sua parte, mantiveram
este paiz dividido n'uma infinidade de pequenos Estados, durante toda a
Edade-Média.

Napoles e a Sicilia permaneceram, por oito seculos, independentes do
resto da peninsula, quer dizer, até 1861. Veneza foi-o de 697 a 1797;
Genova, depois do seculo X, até 1805. Não foram estes periodos
demasiadamente longos, para fazer d'estes Estados verdadeiras nações?

A tradição federalista de Carlo Cattaneo mantem-se ainda hoje viva na
Italia. Dario Papa, ha pouco fallecido, depois do seu regresso da
America, onde residiu por alguns annos, fundou em Milão um periodico
diario de grande circulação--_L'Italia del Popolo_,--com o fim de
advogar as idéas federalistas. Napoleone Colajanni, notavel sociologo e
criminalista, sustenta, em Roma, uma revista popular com eguaes intuitos.

A unidade italiana não passa de uma ficção, porque está longe de ser uma
realidade. Quem percorrer o paiz, como observador desinteressado, não
pode deixar de notar as differenças profundas que se dão de provincia
para provincia e o espirito de independencia que as anima. O caracter
varía e os costumes são outros e bem diversos, como, se, effectivamente,
se tratasse de povos de indole contrária. Para o verificar, basta
estabelecer um leve confronto entre Roma e Napoles. Dir-se-hia que os
habitantes das duas cidades se odeiam e se hostilisam encarniçadamente.
Tal é o abysmo que as separa e divide.

      *      *      *      *      *

A Allemanha tambem estava dividida em pequenos Estados que gosavam de
uma autonomia á parte. Todos esses Estados tinham as suas dynastias, as
suas instituições e as suas leis; raramente invadiam o territorio dos
seus vizinhos. Antes e depois de Othão havia, na Allemanha, seis
ducados: o de Saxe, o da Baviera, o de Sonabe, o da Franconia, o da
Lorena e o do Thuningue.

A geographia politica do paiz allemão foi sempre muito movimentada.
Houve alli reinos, principados, ducados, condados, archiducados, cidades
imperiaes ou livres, etc. N'este seculo ainda, a confederação germanica
era composta de quatro reinos, cinco grandes ducados, seis pequenos
ducados e dezenove principados.

Onde estão pois, os ultimos vestigios historicos da Allemanha? pergunta
mui judiciosamente o sr. Pi y Margall. A tendencia para a divisão é,
n'este caso, tão grande como na Italia; as guerras de povo para povo tão
frequentes, senão ainda mais; as fronteiras de cada Estado não estão bem
limitadas. É verdade que, durante seculos, houve na Allemanha
imperadores. Mas não puderam nunca dominar este espirito de divisão nem
impedir as guerras, nem sequer delimitar as fronteiras. Nunca puderam
dictar leis a todos os Estados nem sequer regular o exercicio do seu
poder politico.

O poder legislativo na Allemanha é exercido por duas assembléas--o
_Bundesrath_ e o _Reichstag_. O Bundesrath ou conselho federal é
composto de plenipotenciarios, representantes dos Estados que fazem
parte da confederação germanica. Conta 58 membros por cada 25 Estados, e
a Prussia dispõe, só á sua parte, de 19 vozes no conselho. A bem dizer,
o Bundesrath corresponde mais a uma especie de conselho de Estado,
legislando em nome da unidade allemã, do que a um senado. Estuda, adopta
ou rejeita as leis votadas polo Reichstag. O imperador não tem o direito
de declarar a guerra, sem a approvação do Bundesrath. Não se pode fazer,
ao mesmo tempo, parte d'este conselho e do Reichstag.

O espirito de divisão do povo allemão tem continuado a accentuar-se
n'estes ultimos tempos. Até, no partido socialista, se reflectem essas
tendencias separatistas na lucta em que se debatem, a cada passo,
bavaros e prussianos.

      *      *      *      *      *

A Hollanda fez outr'ora parte da Allemanha. Foi a sua conversão á
monarchia que a tornou unitaria. Para ser independente teve de manter-se
republica federal. Foi unificada por Napoleão, graças ao nefasto tratado
de Vienna que a annexou á Belgica, sob a denominação de reino dos
Paizes-Baixos. Quaes eram os verdadeiros limites da Hollanda? A Belgica
ou a França? A Hollanda comprehendeu provavelmente que os seus limites
deviam ser os da França, e por isso mesmo fez pagar caro á Belgica a sua
independencia. Com effeito, nem pela natureza nem pela diversidade das
linguas, nem pela historia se pode explicar a separação d'estes dois
povos. A capital da Belgica é no Brebante, que fazia parte da Hollanda.

Os belgas, como lingua, como religião, como costumes, não tinham nada de
commum com os hollandezes. Se é certo que soffreram a dominação
imperial, tambem, por outro lado, conservaram uma grande recordação do
dominio francez, durante a Revolução. Ser um povo livre, vivendo uma
vida propria, senhores dos seus destinos, segundo as suas aspirações
politicas e as suas necessidades economicas--eis o que elles mais
desejavam e ambicionavam.

A lingua hollandeza, ignorada pelos belgas, foi exigida em todos os
actos officiaes. A desproporção ridicula do numero dos representantes,
com respeito ao algarismo da população, a contribuição esmagadora para a
regularisação da divida hollandeza, foram outros tantos vexames que
augmentaram o descontentamento provocado pela annexação.

Nenhum dos processos adoptados, para constituir uma nacionalidade, pôde
jámais servir á Belgica para formar um só povo.

Prova-nos a historia que nunca foi senhora de si mesma. A sua lingua é
meia franceza, meia flamenga, e a sua população participa d'este contraste.

      *      *      *      *      *

Na Europa ha outras nações que offerecem as mesmas difficuldades.
Tomemos a Scandinavia, quer dizer, a Dinamarca, a Suecia e a Noruega. A
Dinamarca é uma peninsula entre o mar Baltico e o mar do Norte, cuja
base fica entre as bôccas do Trave e do Elbe. A Suecia e a Noruega
formam uma outra peninsula entre o golfo de Botnia, ao norte do mar
Baltico, o Oceano Atlantico e o Oceano Glacial Arctico. A sua base não é
tão definida como a da Dinamarca, mas encontra-se entre a emboccadura da
Tornéa e de Tana. Estas peninsulas estavam evidentemente destinadas a
formar um só corpo com a Finlandia. Vimol-as reunidas, na historia, de
1397 a 1523.

A Suecia e a Noruega não se constituiram, n'uma só nacionalidade, senão
durante a convenção diplomatica que reuniu estes paizes á Dinamarca em
1397, e muito mais tarde, sob o sceptro de Bernardotte. A Noruega foi
annexada á Dinamarca depois da dissolução do pacto de Colmar e só se
libertou para de novo se reunir á Suecia.

Os dois paizes foram, de resto, talhados pela natureza, para serem dois
povos federados, sob uma Republica.

A guerra dos Trinta Annos foi o começo e a causa da decadencia da
Dinamarca, que perdeu n'esta occasião, as provincias suecas. Perdeu mais
tarde egualmente o Schleswig-Holstein e o Lanenburg, partes integrantes
da peninsula e que a Allemanha lhe arrancou, invocando, não obstante, o
principio das nacionalidades.

      *      *      *      *      *

A Russia, a nação immensa, o maior imperio do mundo, passou tambem por
muitas vicissitudes. Decompôz-se, no seculo XI, em pequenos principados,
cujas invasões successivas do Oriente contribuiram para augmentar o
numero. No seculo XIII os mongoes atravessaram o Volga e provocaram
ainda outras divisões. Os reis da Russia do Norte tornaram-se então
vassallos dos chefes mongolicos, e apenas o principado de Moscow ficou
intacto com a sua inteira independencia.

Pode dizer-se que Moscow foi, dois seculos mais tarde, a origem e a base
do imperio russo.

Uma série de conquistas formou o formidavel imperio russo actual.
Conservará elle, ainda por largo tempo, os seus limites?

      *      *      *      *      *

Se quizessemos definir historicamente os limites da Austria, chegariamos
antes á dissolução do imperio do que a outra cousa. Porventura foi livre
e espontanea a reunião d'estes povos? A Bohemia foi uma nação
independente, durante oito seculos; no fundo é uma nação slava.

Acontece o mesmo com a Hungria. Ducado, depois do IX seculo, teve os
seus periodos de independencia e de grandeza.

As pequenas provincias da Austria tambem passaram de uma a outra nação,
sem se fixarem em nenhuma.

Não obstante a vontade real e imperial, não adoptou a Austria o systema
federativo, nas suas relações com a Hungria?

A Hungria, como é sabido, luctou pela sua independencia, em 1848.
Vencida, nunca cessou de ser para o imperio um elemento de perturbação e
de perigo. A Austria foi forçada a conceder-lhe a sua autonomia,
subordinando-a ao governo de Vienna pelos laços federativos. Rege-se
pelas suas leis, e possue o seu parlamento e a sua administração; no
interior é senhora de si mesma. Não será para extranhar que a Bohemia
siga approximadamente o seu exemplo.

A Turquia foi egualmente o producto da conquista. Encontramo-nos nos
mesmos embaraços para poder fixar os seus limites territoriaes e para
explicar a sua constituição tão artificial e tão exposta a mudanças.

Que significa tudo isto?

É simples a resposta: que a idéa federativa se tem manifestado em todos
os paizes da Europa e em todos os tempos; que semelhante tendencia é
inherente ás nações europêas; e que o futuro pertencerá á federação,
unico meio de reconstituir os antigos Estados, segundo as suas
afinidades historicas e naturaes.



III

A federação latina


Se alguma cousa prova a madureza de um principio, é a explosão quasi
simultanea dos sentimentos que elle evoca em muitos paizes, ao mesmo
tempo. O principio federativo apresenta-se pois, como a melhor base de
organisação e é egualmente considerado pelos povos opprimidos como o
melhor systema de regeneração politica e social. A idéa federativa tende
a assegurar o futuro de cada um pelo accordo de muitos, constituindo a
unidade na diversidade e conciliando a auctoridade do direito commum com
a liberdade dos direitos individuaes[9]

Não obstante as solemnes declarações, a cada passo repetidas contra o
federalismo, sustentamos que a unica solução para assegurar a
emancipação de um povo e para assegurar a paz e a independencia das
nações, reside no systema federal.

Os Estados federaes que até hoje teem existido, quer na Antiguidade,
como as amphyctionias gregas, quer em nossos dias, como os cantões
suissos e os Estados-Unidos da America, podem servir-nos de modelo.

Com effeito, as confederações suissa e americana nasceram de um
contracto de alliança. A alliança fez-se entre Estados independentes e
soberanos. N'estas condições, cada Estado despoja-se de uma parte da sua
soberania particular em beneficio da soberania collectiva. Segue-se
d'aqui que a auctoridade federal se compõe do conjuncto de todas as
concessões feitas pelas auctoridades locaes. É uma centralisação de
fôrças e de attribuições até alli separadas. Mas é uma centralisação
limitada nos seus direitos, na sua acção, por isso que cada Estado,
reservando a plenitude da sua soberania para tudo o que não faz objecto
especial de uma concessão, sabe o que conserva. A soberania particular,
sendo limitada pelas concessões feitas á soberania collectiva, torna-se
illimitada para tudo o que está fora d'estas concessões, emtanto que a
soberania collectiva se encerra, pelo contrario, no circulo das
concessões que não pode ultrapassar.

A apprendizagem da vida politica faz-se na liberdade do regimen
federalista. A communa livre é a eschola primaria da sciencia politica.
Não é a lei que dá o espirito de ordem: é a educação. Escriptores
auctorisados sustentam que a forma federal é a mais logica entre todas
aquellas que o futuro reserva ás nações europêas.

Um d'elles, o sr. Vivien, diz que o fraccionamento operado em França, em
1789, a divisão por departamentos, arranjada por Sieyês, repousava sobre
o capricho.

É certo que, as divisões por provincias, e raças, se teem mantido e se
manteem ainda, sem embargo de todos os esforços em contrario do nivel
administrativo. A Normandia, a Borgonha, a Bretanha, a Gasconha,
conservam quasi involuntariamente os seus velhos nomes e os seus velhos
limites, assim como teem conservado com o codigo, com a unidade de
medidas, com a unidade da moeda, e apesar da fusão provocada pela
facilidade das communicações, os seus costumes proprios, mais fortes que
as leis, os seus dialectos, as suas tradições no trabalho e as
differenças da sua religião. É uma questão de ethnographia. O clima é
mais poderoso que a vontade da politica.

Não é certamente em proveito do absolutismo e das velhas monarchias que
se manifesta esta tendencia para a reconstituição da provincia; não é
tão pouco em proveito unico da descentralisação; é em beneficio da
historia e da individualidade de raças; é porque, de facto, existe uma
revolta da natureza contra essa fusão systematica e arbitraria do sangue
e dos caracteres.

É interessante a opinião do sr. Julio Ferry sobre a Federação em França,
extrahida de uma carta que o illustre homem de Estado dirigiu ao comité
descentralisador de Nancy, composto, entre outros, dos srs. Carnot,
Garnier-Pagés, Jules Simon, Vacherot, Pelletan, Guizot, de Montalembert,
Berryer, etc.

"Apenas ha uma maneira de ser livre--dizia o sr. Julio Ferry--é de o
querer. A liberdade conquista-se, não se mendiga. Quando a provincia o
quizer; quando a idéa reformadora tiver despertado todas as fôrças
dispersas ou adormecidas, todas as intelligencias comprimidas, todas as
auctoridades sem emprêgo que a centralisação desloca e sacrifica, não
haverá mais poder nem partido que se sustentem; o municipalismo será o
unico senhor."

Sob o imperio das necessidades, tudo se transforma e tudo está em via de
se tornar internacional. Exposições internacionaes da industria; de
commercio; convenções postaes e telegraphicas; grandes companhias
exploradoras para a perfuração dos isthmos e das montanhas ou para a
construcção de vias ferreas e extracção do minerio e transportes
maritimos; tudo emfim, reveste um caracter internacional. Unem-se os
capitaes de todos os paizes para a exploração dos povos, e, por um bello
e singular contraste, os povos por seu turno dão-se as mãos para as
reivindicações dos seus direitos.

Em Hespanha, particularmente, tem sido a forma de governo federalista
mais estudada que nos outros paizes.

De todas as nações da Europa escrevia o sr. Germond de Lavigne na
_Revue Contemporaine_--a Hespanha, pela sua posição geographica, é
aquella que menos tem a recear dos seus vizinhos, e que menos
necessidade tem de uma força permanente. A Hespanha mostrou como
substitue os exercitos quando a sua independencia está ameaçada.

........................................................................

"Se a Hespanha quizesse, poderia o seu exemplo servir de licção aos
governantes e aos povos."

Já, na épocha do feudalismo, os pequenos reinos arabes, estabelecidos em
Granada, em Sevilha, em Toledo, em Saragoça, em Leão, não passavam de
fracções da nação mourisca, subordinados todos a um d'elles, que tinha
por chefe um logar-tenente do califado de Islam. Eram de origens
differentes, segundo as épochas em que haviam sido fundados, segundo as
invasões que lhes haviam fornecido o seu contingente: arabes de Yémen,
mouros de Marrocos, kabylas de Djurjura ou berbéres do Riff; mas obraram
evidentemente n'um fim e segundo um accôrdo commum. Formaram a federação
sarracena, assim como mais tarde, sob uma apparencia monarchica, mais
arbitraria que regular, os differentes reinos hespanhoes formaram a
união das Hespanhas. Por mais afastada que esteja esta épocha, a
federação não deixou de ser nas tradições dos differentes povos, a forma
mais natural para a administração da peninsula; e, posto que se hajam
fundido entre si, mercê dos esforços das monarchias modernas, com os
seus systemas de constituição, os Estados hespanhoes conservam ainda o
seu caracter particular, e direi até a sua autonomia.

"Nos tempos modernos, os bascos, sem embargo das ambições que se teem
agitado em volta d'elles, permanecem bascos e cantabros. Debalde a
invasão napoleonica dividiu o sólo em departamentos; debalde a
restauração dos Bourbons fez tres provincias da sua republica. Tiraram
d'ahi um emblema: tres mãos reunidas com a seguinte divisa: _Trurac
Bat_, (tres n'uma) e defendem sempre com ardor as liberdades
consagradas pelos seus _fueros_."

Não ousaram tocar nas Asturias. Havia sido o berço das restaurações
christãs, e os asturianos dizem que só elles são a Hespanha, por Pelagio
e Cavadonga.

O Aragão ficou independente com os _fueros_ intactos, focos de
independencia e de insurreição Saragoça não esquece que foi sobre o sólo
do seu palacio que o rei curvava a cabeça deante da _justicia mayor_.
Recorda-se tambem que Philippe II fez desapparecer violentamente esta
independencia, ainda hoje sentida pela nação aragoneza.

Os catalães sempre em revolta, sempre apaixonados pela Republica
conservam a recordação dos tempos em que as suas provincias viviam sob
as mesmas leis do reino de Aragão, e em que partilhavam com o soberano o
poder legislativo. Não reconheciam a auctoridade d'aquelle senão na sua
qualidade de conde de Barcelona, não pagando outros impostos que os
livremente consentidos e não fornecendo senão os soldados que queriam.

A Navarra é tambem senhora da sua administração interna. É regida por
uma deputação provincial, e conserva o caracter democratico das suas
velhas instituições municipaes. Os montanhezes dos valles de Batzan, de
Leran e de Roncevaux são tão bascos e tão ciosos da sua independencia
como os guipuzcoanos.

A Galliza está no fim do mundo. Foi a primeira provincia a auxiliar a
insurreição de Pelagio contra o poder arabe. Mas nem por isso os
gallegos ficaram menos independentes. Entrincheirados atraz das suas
torrentes, encerrados nas suas montanhas, importaram-se pouco com a
auctoridade e consideravam muito pouco os condes, encarregados de as
representar junto delles. Os senhores dominavam; os vassallos eram
livres. Os gallegos são hoje muito pacificos e de poucos cuidados.

Leão foi, pelo contrario, depois de Oviedo, o verdadeiro nucleo da
monarchia hespanhola e foi a capital dos vinte primeiros reis. Leão viu
o Cid e os reis do Cid, D. Sancho e D. Affonso. As conquistas dos
christãos extenderam-se. Castella pôde triumphar de Leão. A realeza foi
installar-se em Burgos, levando atraz de si tudo o que fazia de Leão uma
capital.

Os leonezes viviam todos da cultura do sólo. Sustentam com as suas
pastagens tão afamadas os numerosos rebanhos que os seus pastores
obrigam a emigrar, durante o inverno, para as grandes terras da
Extremadura. Mostraram-se, por vezes, ciosos das liberdades publicas, e
uniram-se aos castelhanos, quando estes se ergueram para defender os
seus privilegios contra a invasão de Carlos V, no momento em que os
aragonezes, os catalães e os valencianos, tão ciosos, não obstante, das
suas liberdades, assistiam desinteressados á lucta. Succedeu o mesmo com
a Extremadura. A indifferença é a grande palavra da hespanha. E como não
haviam de ser indifferentes os _extremeños_? Não chegam a ser 60 por
legua quadrada; teem poucas estradas, pouca industria e participam
pouquissimo do movimento das outras partes do reino. O paiz pertence a
grandes proprietarios, a communidades: não cultivam a terra e vivem da
venda das suas pastagens. É o paiz mais triste e mais desolador da
Hespanha, decidido a viver tranquillamente em sua casa, inquietando-se
pouco com os outros. Que lhe pode importar a realeza que nunca se
occupou d'elle?

As duas Castellas foram o theatro das grandes agitações liberaes, dos
_communeros_. Não foi uma parte da Castella, foi a Castella inteira
que se levantou contra o despotismo de Carlos V.

Foram os castelhanos que, entre os seus velhos privilegios, invocaram o
direito de fazerem parte das côrtes dos deputados, eleitos, ao mesmo
tempo pelo clero, pela nobreza, pelas communas, sendo expressamente
interdito á Corôa o influir de qualquer modo para a nomeação d'esses
deputados. Nenhum membro das côrtes podia receber, sob pena de morte,
uma pensão ou um logar para si ou para qualquer dos seus. As côrtes
tinham o direito de se reunirem, em épochas regulares, ainda mesmo
quando não eram convocadas pelo rei. Eis o que eram as duas Castellas,
as provincias, na apparencia, as mais monarchicas, mas, ao mesmo tempo,
as mais convictas do poder e dos direitos das nacionalidades.

A bem dizer, a organisação do poder, nos tempos de maior gloria para a
hespanha, a realeza não foi senão o primeiro emprego da Republica,
voluntariamente conferida pela nação e benevolamente por ella deixada
nas mãos dos herdeiros dos primeiros eleitos. A Republica, dissemos nós?
Cervantes, no seu immortal romance, não põe outra expressão na bôcca do
seu heróe, quando falla do Estado, e é curioso de ver, como, n'este
livro, que é um modelo, em todos os pontos de vista, a idéa de nação, do
poder e da supremacia de nação predominam em todas as questões de
philosophia e de politica, desenvolvidas por esse maniaco sublime, que é
o verdadeiro typo do cidadão liberal.

O espirito independente do conquistador arabe, ficou sendo o espirito
das populações andaluzas, sempre indoceis, e, muitas vezes,
revolucionadas. O que e peculiar á raça andaluza, é o nivel perfeito
entre os homens, qualquer que seja a sua categoria social. O grande
senhor e o homem do povo encontram-se na rua e approximam-se
familiarmente. Não é, no primeiro, um esforço de benevolencia, nem no
segundo um acto de familiaridade inconveniente.

N'este rapido estado, ao mesmo tempo tão lucido e tão pittoresco, o sr.
Germond de Lavigne conclue que o systema federativo deve constituir,
para esta nação, a base da sua reorganisação.

Quando a Republica--escrevia o sr. Theophilo Braga--tiver dividido a
hespanha em Estados autonomos: Galliza, Asturias, Biscaya, Navarra,
Catalunha, Aragão, Valencia, Murcia, Granada, Andaluzia, Nova Castella,
Velha Castella e Leão, é então que Portugal, tendo a sua autonomia
garantida, poderá entrar livremente na constituição do pacto federal dos
Estados livres da peninsula iberica.

Proclamadas as duas Republicas, a federação impor-se-ha logicamente. As
tradições do partido republicano portuguez, são federalistas com
Henriques Nogueira, e absurdo seria o contrario, por isso que a
federação é a suprema expressão da Republica. A federação iberica seria
o primeiro passo para a federação latina, que, por seu turno, seria o
preambulo da federação humana. Na phrase de Charles Letourneau, a
federação terá de ser, primeiro, politica entre os grandes Estados, e,
em seguida, socialista entre as communas e as cidades. É este o limite
maximo da idéa federativa, na sua forma mais racional e humana.



IV

O Federalismo e a peninsula hispanica[10]


O federalismo é, como atraz fica dito, o systema de governo, que
consiste na reunião de varios estados em um só corpo de nação,
_conservando cada um d'elles a sua autonomia_ em tudo que não affecta
os interesses communs.

D'aqui se deprehende, que os federalistas são os inimigos
irreconciliaveis e os adversarios mais intransigentes da _união
iberica_, quer esta se apresente sob a fórma monarchica, quer se
manifeste sob a forma republicana.

Entre federalistas e monarchicos ou republicanos ibericos não ha
transigencias nem contemporisações possiveis.

Entre estes dois systemas ha um abysmo.

A federação hispanica é o ideal generoso e imperecivel de todos os
espiritos illustrados, incapazes de se deixarem corromper pelos sordidos
interesses ou pelas ambições mesquinhas de uma politica gananciosa e
vil. Ao passo que a _união iberica_, em todos os seus aspectos, é
illogica, irracional, contraria á evolução, anti-scientifica, e uma
traição de lesa nacionalidade, que fére profundamente as nossas
tradições e pretende expungir a nossa autonomia, e dilacerar a nossa
existencia como nação.

O sr. Theophilo Braga no seu notavel estudo ácerca das _Modernas Idéas
na Litteratura Portugueza_ dá-nos a noção perfeita e clara dos destinos
futuros e da missão historica que está reservada aos povos que habitam a
peninsula hispanica.

Vejamos:


Condições ethnicas e historicas do federalismo peninsular

"As condições de existencia de qualquer sociedade, ou propriamente os
elementos staticos da sua constituição, comprehendem o _territorio_, a
_raça_, o _percurso historico_ e a _contiguidade_ ou o _isolamento_ de
outros povos. Todos estes factores imprimem fórma ao typo da
nacionalidade, sua organização politica e caracteres da sua civilisação,
embora a acção das individualidades governativas malbaratem as energias
sociaes em levarem á realisação pratica os seus modos de vêr theoricos.

"Nenhum progresso ou evolução das forças dynamicas da sociedade pode ser
attingido sem a consideração dos elementos staticos. Emquanto a
organisação e a acção politica não forem a resultante das condições
staticas, que são a base espontanea da ordem, os governos exercendo-se
sem plano, serão a principal força perturbadora da sociedade, fazendo e
desfazendo anarchicamente, como na lenda da têa de Peneloppe.

"É esta obcecação deante das forças staticas, que determina o estupendo
absurdo sociologico de se procurar manter a ordem pela repressão, e o
progresso pelas agitações revolucionarias. Quando a Politica fôr
comprehendida como uma sciencia de observação e de applicação, o
conhecimento das forças staticas sociaes levará a aproveitar esses
impulsos dirigindo-os da mesma fórma que o engenheiro se aproveita de
uma queda de agua, ou a industria de uma riqueza local, ou o commercio
de uma via de communicação. Então a ordem deixará de ser a justificação
dos abusos da auctoridade, e o progresso não será a utopia demagogica,
mas a simples evolução de um estado normal da sociedade.

"Applicando estes principios á politica que compete á nação portugueza,
tomamos as suas condições staticas deduzindo do seu logar no territorio
da peninsula hispanica, das tendencias da sua raça, dos seus
antecedentes historicos, da contiguidade das outras nacionalidades, qual
a fórma como este paiz deve ser governado, e a organisação politica que
possa _assegurar-nos uma autonomia segura_, e um progresso que nos
torne solidarios com a civilisação europêa. Servir esta aspiração com
emoções patrioticas só conduz os ingenuos a serem ludibriados pelos
interesses d'aquelles que se colligaram com uma familia dynastica, para
quem Portugal é um feudo explorado em commum.

"O criterio scientifico é impessoal, como desinteressadas as conclusões a
que chega; desde o momento que a mesologia da peninsula se acha bem
conhecida, e que os caracteres anthropologicos são persistentes, e que a
marcha historica em seus emmaranhados conflictos está explicada, são
simples as deducções de todos estes elementos para estabelecer a
politica normal ou positiva de que depende a nacionalidade portugueza."

A politica de aventuras e de sentimentalismo é plenamente absurda. As
sciencias modernas não a acceitam, nem a consentem. Pode servir a um
grupo qualquer de ambiciosos ou de cubiçosos e farmilentos, que busquem,
por sobre os hombros dos ingenuos e ignorantes, galgar ás eminencias do
poder. Mas para todos os cerebros pensantes, para todos os espiritos
energicos, para todos os homens que consideram a politica como uma
sciencia, obedecendo a leis tão invariaveis como são as leis cosmicas e
biologicas, que regem o universo, para esses pensadores o futuro de
Portugal e da Hespanha hade ser fatalmente a federação iberica.

      *      *      *      *      *

A unificação da peninsula, nas diversas phases de governos unitarios,
produziu sempre innumerosas catastrophes.

A conquista romana esbateu nos povos peninsulares as duas feições mais
proeminentes e mais valiosas do seu organismo social: o
_individualismo_ e o _separatismo_. Educou-os e habituou-os, depois
de os ter sugado até á medulla, a obedecer cegamente ao poder central.
Levada no turbilhão de vicissitudes que acompanham as nações
conquistadoras, reduzida a provincia de um poder central e longinquo,
chegou o momento em que o longo braço de ferro de Roma devia cingir a
Hespanha para só a arrojar de si, exhausta e transfigurada, nas mãos de
barbaros indomitos.

De feito, deixou a peninsula á mercê dos vandalos, alanos e suevos, que
assignalaram a sua irrupção por todo o genero de devastações.

A unificação obtida pelo imperio romano, depois de subjugados e
degenerados os povos peninsulares, preparou a entrada dos barbaros que
converteram todo o paiz quasi n'um ermo. Foi este o mais valioso
resultado da espoliação latina, e do governo unitario da Hespanha.

Pouco depois transpunham os Pyrenéus as hostes wisigothicas, que deviam
durante tres seculos dominar a peninsula Constituida ainda mais uma vez
uma só nação, tal era a impossibilidade de prender por fortes laços de
unidade os povos peninsulares, que bastou uma simples batalha, nas
margens do Chryssus ou Guadalete, para desmoronar inteiramente a
phantasiosa unidade peninsular.

É indubitavel, opina um illustre historiador, que esta jornada foi
decisiva, e que n'ella se fez pedaços o imperio wisigothico.

Vejamos agora o que escreve o sr. Theophilo Braga:


"As duas correntes de unificação e desmembração politica."

"Quem lançar um rapido olhar pela historia da Hespanha, vê que toda a
sua existencia nacional se dispendeu em uma agitação constante, de um
lado em reivindicar as autonomias dos pequenos estados, ou
_separatismo_, e do outro, em incorporar todos esses estados livres
debaixo de um sceptro, tendo por centro de convergencia ora a monarchia
leoneza, ora a monarchia navarra, ora a monarchia castelhana. A
monarchia, como o demonstra Charrière, foi sempre um elemento
extrangeiro para a Hespanha, e o facto de ser ella essencialmente
unitaria o prova; porque a Hespanha, pelos seus relevos orographicos,
pelas suas differentes raças, é um paiz destinado a constituir-se em
Federação de pequenos estados, ao passo que os monarchas forçaram sempre
estas qualidades naturaes, tentando pela violencia a unificação politica."

"Quem fez a primeira unificação politica da Hespanha? O Imperio romano.
Depois da queda do Imperio, vieram os wisigodos que, sob Leovigildo,
restauraram a unidade imperial. Depois vieram os arabes que sob o
kalifado de Cordova, conseguiram tambem a unidade politica, que os
destruiu. Depois veiu a reconquista neogothica, que procurou restaurar a
unidade dos tempos de Leovigildo, primeiramente sob o sceptro leonez de
Affonso III, em seguida pela absorpção da Navarra sob Sancho, depois
pela unificação castelhana sob Fernando Magno e Affonso VI, por cuja
morte Portugal pôde quebrar os seus circulos e constituir-se como estado
e nacionalidade livre."

"Não ficam aqui os esforços para a unificação politica dos estados
peninsulares; a monarchia de Fernando e Isabel consumiria a obra da
morte d'estas fecundas nacionalidades, e Filippe II, em 1580, unifica
Portugal como provincia no territorio hespanhol."

"Quando a monarchia não podia unificar pelas armas, empregava os
casamentos reaes, como em Fernando com Isabel, em D. Affonso V de
Portugal com a Beltraneja, no principe D. Affonso com Isabel; emfim, os
casamentos dos reis D. Manoel e D. João III, como os de Carlos V e
Filippe II, visavam á unificação das duas nações."

"Se a republica, na peninsula hispanica, tem um destino sério e
progressivo, é dar a essas tendencias _separatistas_, que são
immorredouras, a fórma consciente e disciplinada de _pacto
federativo_, reconstruindo a autonomia d'esses pequenos Estados da
Edade-média.

"Tudo o que não fôr isto, é um absurdo, uma violencia, e não se fará sem
sangue, para se tornar a desfazer, como em 1640."


Se a França em 1790, tivesse acceitado a orientação dos girondinos,
formando os Estados unidos das Gallias, em logar de constituir a
republica una e indivisivel, teria resistido incolume a todos os embates
das monarchias absolutas, não seria a victima sangrenta das loucas
ambições napoleonicas, não veria o seu solo talado pelos exercitos dos
autocratas europeus, nunca o seu estandarte da liberdade, se abateria,
humilhado, perante, a reacção, e outra poderia ser já a sorte de todos
os povos neolatinos, que attentam em Paris como na Athenas moderna.

Os povos confederados não teem, nem querem conquistadores ou heroes.
Reputam-nos o que elles realmente são: os algozes da humanidade.

Entre uma federação e um governo unitario ha a mesma differença que
encontramos entre Washington e Bonaparte: um cidadão illustre e um
aventureiro abjecto.

      *      *      *      *      *

Quando um povo tem atravessado de roldão phases politicas, debaixo de
systemas acintemente sophismados, e que tendem todos, na sua essencia, a
afasta-lo de uma determinada marcha evolutiva, perturbando-o na sua vida
economica, industrial, fabril, commercial, civil e social, a necessidade
urgente de retomar o logar que lhe compete no convivio das outras nações
civilisadas, não se lhe impõe só como um direito--está-lhe prescripto
como um dever rigoroso e inadiavel.

Hespanha e Portugal, tal é a força da sua cohesão ethnica e social,
desde a reconquista neogoda teem tido governos, existencia politica e
feições economicas e civis de um parallelismo, que surprehenderá somente
quem ignorar a communhão de crenças e de opiniões, e a egualdade de
sentimentos, de faculdades e de acções reflexas d'estes dois povos irmãos.

Distanceados, por uma multiplicidade de causas, que não é para aqui
relatar, do estado da opulencia e desenvolvimento de outras nações
europêas, veem-se a braços estes dois povos com as crises successivas de
uma politica ardilosa, reaccionaria e expoliadora, tanto das suas
liberdades publicas como dos seus interesses economicos. E a par d'estas
administrações subversivas, sem orientação nem programma definido e
consciencioso de governo, accumulam-se, sem estudo nem solução pratica,
todos os problemas sociaes em que se debate o proletariado. Problemas
que pela sua gravidade e urgencia preoccupam e são anciosa e tenazmente
meditados e discutidos pelos trabalhadores de todos os paizes civilisados.

Todos prevêem, que o seculo futuro será mais ou menos proximamente
iniciado por uma revolução social, quer seja a consequencia irresistivel
da guerra que se prepara, quer se manifeste como o complemento das
reivindicações postergadas e da miseria com que luctam as classes
populares.

Se, no meio da instabilidade d'acção governativa e da lassidão que
affecta as articulações do organismo politico d'estas duas nações,
incidir tambem uma transformação social, será então tarde para deter a
formosa peninsula hispanica na beira do abysmo a que essas duas
correntes a podem impellir.

O _ultimatum_ que a Inglaterra nos arremessou, nunca se nos afigurou
uma simples expoliação, envolta n'uma brutesa. A Gran-Bretanha, pratica
como é, nunca exerce a sua acção por uma forma brutal, quando não tem de
ceder a cousas superiores. A sua mão de ferro ao empolgar bens alheios,
vem sempre calçada de uma luva de macio e frizado velludo--são estas as
pragmaticas da Carthago da actualidade.

O _ultimatum_ da velha Albion foi claramente um acto grosseiro, sim,
mas energico e violento de previsão.

Se um dia a Hespanha e Portugal formarem os Estados Unidos da peninsula,
reunidas que sejam, sob o mesmo regimen, as colonias dos dois povos,
terminarão os insultos e arremettidas da Inglaterra, á Africa
portugueza, porque lh'o não consentirá uma grande nação: a Republica
federal da Iberia.

Estará proxima a realização do pacto federal, que hade unir as duas
nações irmãs, ou virá ainda demorado o dia em que essa grandiosa
transformação se possa effectuar? É isto que a Gran-Bretanha não pode
precisar, porque acontecimentos tão poderosos na sua desenvolução
dependem de factores que fojem aos calculos dos mais sagazes homens de
Estado--e possue-os esta potencia tão solertes como os educava e d'elles
se servia a famosa Republica de Veneza.

Todavia a anarchia social e economica que lavra nos dois paizes, a falta
de orientação politica e do systema de governar que se manifesta tanto
em Portugal como em Hespanha, aggravados ainda com a desorganisação das
suas finanças, com o empobrecimento das suas industrias, com o atrazo
dos seus processos na creação de fontes de riqueza, com a delapidação
dos erarios publicos, e com a perturbação que promana da falta de decoro
e de honestidade nos actos mais singelos da vida politica, todas estas
cousas engrossando a corrente caudal das aspirações e das impaciencias
da democracia, podem, n'uma dada hora, no momento psychologico, galgar
os diques artificiaes, construidos pela politica das monarchias
europeias e tornar um facto indiscutivel esse esplendoroso ideal de
todos os pensadores e crentes da peninsula hispanica.

É este o receio da rainha dos mares, e por isso se apressou, não olhando
aos meios, a praticar o acto de extorsão mais violento e cynico de que
temos memoria na historia das nações civilisadas.

A nós, este proceder da nossa fiel e antiga alliada, feriu-nos como fere
uma affronta, que tem por causa unica a depredação do que nós possuimos,
confiados no direito das gentes, e a que tinhamos ligadas gloriosas
tradições. Affronta que tivemos de devorar sem desforço immediato;
porque a honra e a altivez decorosa da familia peninsular perderam-se
nas mãos dos nossos sinistros homens de Estado.

Mas a par da affronta, fica o vaticinio, a par do ultrage resta a
preoccupação da Gran-Bretanha, o pensamento que a deixa mal dormida, a
previsão de que a peninsula hispanica hade proclamar por uma lei fatal
da evolução a Republica federal que porá um dique á sua arrogancia.

      *      *      *      *      *

"Não foi o sceptro dos reis, escreve o sr. Theophilo Braga, que dividiu
a Hespanha, mas sim as montanhas que irradiam da cordilheira dos
Pyrineus, a que vem do norte a oeste, que em quatro ramificações divide
a Catalunha, Aragão, Asturias, Galliza e Vasconia; e a que vem de norte
a sul, na vertente oriental, limitando Valencia, Murcia e Granada, e na
vertente occidental ou atlantica, a Castella Velha, Leão, Castella Nova,
Extremadura e Andaluzia.

"Essas ramificações conservaram a persistencia dos diversos typos
anthropologicos, das raças que povoaram a Hespanha; definiram as fórmas
das agrupações sociaes em rudimentos de estados autonomos; sustentaram
as suas differenças ethnicas nos _dialectos_ que ainda falam, nos
modos da sua _actividade_, nas _legislações_ civis porque se regem,
até mesmo nas suas _danças_ e _cantares_ tradicionaes em que se
expressa a _indole_ de uma independencia tão absolutamente
desconhecida da politica."


Um erudito historiador, querendo explicar a disposição hereditaria e
sempre inalteravel para o _separatismo_, que se encontra nos povos que
occupam a nossa peninsula, observa que a confiança inabalavel que os
iberos mantiveram, sempre no seu proprio arrojo, manifesta-se pela mesma
forma na continuada tendencia das diversas fracções da Hespanha, desde
Pelayo até aos nossos dias, para se isolarem em vida autonomica
distincta, sem attenderem nem á sua fraqueza, nem á pequena extensão do
seu territorio.

Foi evidentemente o individualismo, rebellando-se contra o poder central
e contra a unidade que determinou as revoluções do occidente da
Peninsula, no decurso dos seculos VIII a XII.


"As parcialidades, opina Alexandre Herculano, compunham-se, dividiam-se,
ou transformavam-se sem custo, á mercê do primeiro impeto de paixão ou
calculo ambicioso. Tal era a fragilidade do elemento unitario, e tal era
a energia das tendencias separatistas."


D'este estado tumultuario derivou a separação definitiva de Portugal, e
a consolidação da autonomia portugueza.


"Obra a principio de ambição e orgulho, observa o illustre escriptor, a
desmembração dos dois condados do Porto e de Coimbra, veiu, por milagres
de prudencia e de energia, a constituir, não a nação mais forte, mas de
certo a mais audaz da Europa nos fins do XV seculo."


De feito, em todos esses reinos christãos que se formam dos fragmentos
da conquista arabe, em todas essas provincias, que substituiram o poder
sarraceno, conservando com uma transparente affectação sob a monarchia
central, o nome vão de reinos, não se encontra por ventura, a mesma
irresistivel inclinação para o federalismo e a mesma repulsão para a
unidade? Ainda hoje pergunta um notavel publicista, tres seculos de
despotismo deixaram por acaso mais solido o principio do unitararismo?
Não vemos nós ao primeiro abalo pender logo para a desmembração cada um
dos fragmentos d'este corpo mal unido, e onde os sonhos de independencia
nunca cessam de se manifestar.

Embora nos seus traços geraes a familia iberica tenha uma grande
homogeneidade de relações ethnicas e de qualidades genericas, todavia,
cada um dos membros d'este grande corpo, que constitue a Peninsula
possue condições suas proprias que se não confundem, elementos de uma
modalidade tão accentuada, que demonstram sobejamente as causas
irreductiveis de individualismo e separatismo hereditarios, que
determinam todos os seus actos.

Tanto na sua vida physica como na vida moral, a Hespanha é um composto
de contrastes e não parece formar um todo senão por uma aggregação
artificial. Differe tanto o caracter dos habitantes de cada provincia,
como o seu aspecto physico.

Ao lançarmos os olhos sobre o mappa da Peninsula, todos os contrastes e
variedade que encontramos nas familias ibericas teem logo uma facil
explicação. Afóra excepções diminutas, cada provincia do territorio
iberico está separada das outras por uma barreira de montanhas, que lhe
cria uma barreira natural, assaz elevada para separar dois povos e dois
Estados. Cada parte está tão isolada do todo, como a propria Peninsula
se acha separada do resto da Europa. É por isso que a historia da
Peninsula pyreneica está tão patente na sua configuração physica como o
caracter d'um homem que se nos revella nos traços da sua physionomia.



V

A Federação e a paz


Todos os pensadores progressistas--escreve Benoit Malon--estão de
accordo sobre o futuro dos Estados socialistas que não serão outra cousa
senão republicas federadas, constituindo cada uma d'ellas uma estreita
federação de communas engrandecidas e transformadas politica e socialmente.

A Republica, sendo a fórma politica que mais se coaduna com a dignidade
humana, os Estados que fundarem os povos emancipados não poderão ser
senão republicanos-federalistas, por isso que só o federalismo concilia
o respeito das necessidades regionaes com os grandes interesses das
nações livremente constituidas e com os da suprema confederação
internacional que ligará e tornará solidarios todos os povos.

Na conferencia interparlamentar de 1892, foi votada a seguinte moção:


Considerando:

Que a paz na Europa é uma condição indispensavel da civilisação e que
não é possivel sem a justiça, e, por conseguinte, sem a união;

A conferencia faz votos:

Para que a ideia de uma confederação de Estados, tendente a definir o
direito internacional e a favorecer a fraternidade dos povos, possa
conquistar o maior numero de sympathias e de adhesões.


Accrescentaremos a esta uma outra proposta, sobre a federação europeia,
apresentada ao congresso da paz, pelos srs. Moneta, S. J. Copper e a
baroneza de Suttner:


Considerando que os prejuizos causados pela paz armada e o perigo
imminente para a Europa de uma grande guerra, dependem do estado de
anarchia no qual se encontram as differentes nações europeias em face
umas das outras;

Considerando que a união federal da Europa--que é tambem reclamada pelos
interesses commerciaes de todos os paizes--poria termo a este estado de
anarchia constituindo um estado juridico europeu;

Considerando que a união federal para os interesses communs em nada
lesaria a independencia de cada nação nos seus negocios interiores, nem,
por conseguinte, na sua fórma de governo;

O Congresso convida as sociedades europeias da paz e os seus adherentes
a acceitarem uma união dos Estados, baseada sobre o direito das gentes,
com o fim supremo da propaganda, e convida todas as sociedades do mundo
a insistirem, principalmente nos periodos de eleições politicas, sobre a
necessidade de se estabelecer um congresso permanente das nações, ao
qual deveria ser submettida a solução de todas as questões
internacionaes, como meio de resolver os conflictos pela lei e não pela
violencia.


Ou o bem estar e a federação, ou a miseria e anarchia internacional--diz
Novicow.

Somos solidarios uns com os outros. Solidarios todos os homens de uma
mesma nação. Solidarias egualmente as nações que formam uma só e grande
familia--o mundo civilisado, a humanidade.[11]

A era pacifica só poderá ser definitivamente inaugurada pela pratica do
federalismo. A federação é o fim, o ideal supremo da Europa, escreve
Strada.[12] Como chegar até lá?--eis a questão. Com a federação, a
Europa tornar-se-hia uma America poderosissima.


FIM


    [1] Proudhon.

    [2] Pi y Margall--_Las Nacionalidades_.

    [3] Gervinus--_Introduction á l'histoire du dix-neuvième-siècle_.

    [4] Theophilo Braga--_As modernas idéas da litteratura portugueza_.

    [5] Visconde de Ouguella.

    [6] Hepworth Dixon--_La Suisse contemporaine_.

    [7] E. Laveleye--_Essais sur la forme de gouvernement_.

    [8] Teixeira Bastos

    [9] Regnault--_La Province_.

    [10] Este capitulo encerra parte de um estudo feito com a
    collaboração do illustre e fallecido escriptor visconde de Ouguella,
    que não chegámos a concluir e que tencionavamos publicar em volume.

    [11] M. von Egidy--_A era sem violencia_.

    [12] Strada--_L'Europe sauvée et la fédératian_.



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