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Title: Como eu atravessei Àfrica do Atlantico ao mar Indico, volume segundo
Author: Pinto, Alexandre Alberto da Rocha de Serpa, 1846-1900
Language: Portuguese
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nationale de France (BnF/Gallica) at http://gallica.bnf.fr)



COMO EU ATRAVESSEI ÀFRICA DO ATLANTICO AO MAR INDICO, VIAGEM DE
BENGUELLA Á CONTRA-COSTA.

A-TRAVÈS REGIÕES DESCONHECIDAS;

DETERMINAÇÕES GEOGRAPHICAS E ESTUDOS ETHNOGRAPHICOS.

Por SERPA PINTO.


Dois Volumes.


Contendo 15 mappas e facsimiles, e 133 gravuras feitas dos desenhos do
autor.

VOLUME SEGUNDO.

Segunda Parte--A FAMILIA COILLARD.


LONDRES:
SAMPSON LOW, MARSTON, SEARLE, e RIVINGTON,
EDITORES,
CROWN BUILDINGS, 188 FLEET STREET.
1881.


[_Tôdos os direitos sam reservados_.]



LONDRES:
NA TYPOGRAPHIA DE GUILHERME CLOWES E FILHOS (COMPANHIA LIMITADA),
STAMFORD STREET E CHARING CROSS.



CONTEÜDO.


CAPÌTULO IX.


NO BARÔZE.

     No alto Zambeze--O rei Lobossi--O reino do Barôze, Lui ou
     Ungenge--Os conselheiros do rei--Grande audiencia--Audiencias
     particulares--Parece que tudo me corre bem--Eu explicando
     geographia a Gambela--Volta-se a face aos negocios--Intrigas--Os
     Bihenos querem voltar--Uma embaixada a Benguella--Quimbundos e
     Quimbares--A prêta Mariana--Tentativa de assassinato--6 de
     Setembro--Incendio e combate--Retiro para as montanhas


CAPÌTULO X.


A CARABINA D'EL-REI.

     A traição--Perdido--A Carabina d'El-Rei--Miseria--Novas scenas com
     o rei Lobossi--Partida--No Zambeze--Caça--Moangana--O Itufa--As
     pirogas--Sioma--Cataracta de Gonha--Bellezas naturaes--O basalto--A
     região das cataractas superiores--Balle--Bombué--Na foz do rio
     Gôco--Cataracta de Nambue--Os ràpidos--Viagem vertiginosa--Catima
     Moriro--Quisseque--Eliazar--Carimuque--O rio Machila--Muita
     caça--Tragedia--Embarira


     Capìtulo Supplementar

       *       *       *       *       *

Segunda Parte.--A FAMILIA COILLARD.



CAPÌTULO I.


EM LEXUMA.

     Prêso em Embarira--O Doutor Benjamin Frederick Bradshaw--O campo do
     Doutor--O Pão--Graves questões--Os chronòmetros não
     param--Francisco Coillard--Lexuma--As damas Coillard--Doença
     grave--Receios e irresoluções--Chegada do missionario--Tomo uma
     decisão--Partida de Lexuma (em Inglez, _Leshuma_)


CAPÌTULO II.


MOZIOATUNIA.

     Viagem ás cataractas--Tempestades--A grande cataracta do
     Zambeze--Abusos dos Macalacas--Regresso--Patamatenga--M^{r.}
     Gabriel Mayer--Tùmulos de Europêos--Chêgo a Deica--A familia
     Coillard


CAPÌTULO III.


TRINTA DIAS NO DESERTO.


     O Deserto--Florestas--Planicies--Os Macaricaris--Os Massaruas--O
     grande Macaricari--Os rios no deserto--Morte da Córa--Falta de
     àgua--O ùltimo chá de Madame Coillard--Xoxom (_Shoshong_)


CAPÌTULO IV.


NO MANGUATO.

     Doença grave--Um Stanley que não é o Stanley--O Rei Cama--Os
     Inglezes em Àfrica--A libra esterlina--M^{r.} Taylor--Os
     Bamanguatos a cavallo--Cavallos e cavalleiros--Despedidas--Parto
     para Pretoria--Acontecimentos nocturnos--Volto a Xoxom--¿Pararám os
     chronòmetros?


CAPÌTULO V.


DE SHOSHONG A PRETORIA.

     Catraio--Apparece o vagom--Despedida de M^{r.}
     Coillard--Tempestades--O vagom tombado--Trabalhos de nôvo
     gènero--Chuvas--O Limpôpo--Fly--Caçadas--No Ntuani--Um Stanley que
     não presta--Augusto furioso--Adicul--Os leões--Stanley desanima--Os
     Böers nomadas--Nôvo vagom--Peripècias--Doenças graves--Um
     Christophe de mil diabos--Madame Gonin--O ùltimo
     tùmulo--Magalies-berg--Pretoria


CAPÌTULO VI.


NO TRANSVAAL.

     Ràpido esbôço da historia dos Böers--O que sam os Böers--Suas
     emigrações e trabalhos--Adriano Pretorius--Pretorius--As minas de
     diamantes--Brand--Burgers--Juizo errado á cerca dos Böers--O que eu
     vi e que eu penso


CAPÌTULO VII.


NO TRANSVAAL (_continuação_).

     M^{r.} Swart--Difficuldades--D^{or.} Risseck--Eu gastrònomo!--Sir
     Bartle Frere e o Consul Portuguez M^{r.} Carvalho--O Secretario
     Colonial M^{r.} Osborn--Jantares e saraus--O missionario Rev.
     Gruneberger--M^{r.} Fred. Jeppe--O jantar do 80 de
     infanteria--Major Tyler e Capitão Saunders--Insubordinação--M^{r.}
     Selous--Monseigneur Jolivet--O que era Pretoria--Uma photographia
     de pretas--Episodio burlêsco da guerra tràgica dos Zulos


CAPÌTULO VIII.


O FIM DA VIAGEM.

     A chegada do Coronel Lanyon--Parto de Pretoria--Heidelberg--Um
     _dog-cart_--O Tenente Barker--Dupuis--Peripecias de uma viagem no
     Transvaal--Newcastle--A diligencia--Episodios
     burlescos--Pietermaritzburg--Durban--Volto a Maritzburg--Didi
     Saunders--Episodios em Durban--O Consul Portuguez M^{r.} Snell--O
     Danubio--O Commandante Draper--Regresso á Europa


Conclusão


Breve Vocabulario


Indice

       *       *       *       *       *

LISTA DAS ILLUSTRAÇÕES.


FIG.

94.--O Rei Lobossi
95.--Gambela
96.--Matagja
97.--Cachimbos de fumar o Bangue
98.--Vasilha para leite feita de madeira
99.--Objecto de Ferro forjado que serve de Lenço de assoar aos Luinas.
Especie de Espàtula
100.--Pratos e Escudellas para a comida
101.--Colhér
102.--Machado de cortar madeira
103.--Artigos de Barro
104.--Homem Luina
105.--Mulhér Luina
106.--Azagaias Luinas
107.--Machadinhas de guerra
108.--Porrinho
109.--Ataque contra o acampamento no Lui
110.--Casa na Itufa
111.--O meu Barco
112.--Acampamento na Sioma
113.--Cataracta de Gonha
114.--Passagem dos Barcos em Gonha
115.--Cataracta de Cale
116.--Ràpidos de Bombue
117.--Nos ràpidos
118.--Três Europêos atravessáram o rio
119.--O Campo do Doutor Bradshaw
120.--Monsieur e Madame Coillard
121.--Acampamento da Familia Coillard em Lexuma
122.--Interior do Campo de Monsieur Coillard em Lexuma
123.--Mozioatunia. A Queda de Oeste.
124.--Mozioatunia. Maneira pouco còmmoda de medir àngulos.
125.--O Rio depois da Cataracta
126.--Os Tumulos em Patamatenga
127.--Os Desfiladeiros de Letlotze
128.--Ruinas da Casa do Rev. Price (Xoxom)
129.--No Deserto
130.--Fly, o meu Cavallo do Deserto
131.--Fly perseguindo os Ongiris
132.--Uma Vista do Alto Limpôpo
133.--Montes termìticos junto ao Limpôpo
134.--Os meus Bôis foram salvos
135.--O ùltimo enterro
136.--Magalies-berg
137.--O que restava da Expedição
138.--Eu em Pretoria (_De uma photo. de Mr. Gross_)
139.--Betjuanas (_De uma photo. de Mr. Gross_)

Mappa de Mozioatunia

Três Facsìmiles, de pàginas do Diario, dos Livros de Càlculos, e do Albo de
Cartas



COMO EU ATRAVESSEI ÀFRICA

       *       *       *       *       *

Primeira Parte.--A CARABINA D'EL-REI.



CAPÌTULO IX.


NO BARÔZE.

     No alto Zambeze--O rei Lobossi--O reino do Barôze, Lui ou
     Ungenge--Os conselheiros do rei--Grande audiencia--Audiencias
     particulares--Parece que tudo me corre bem--Eu explicando
     geographia a Gambela--Volta-se a face aos negocios--Intrigas--Os
     Bihenos querem voltar--Uma embaixada a Benguella--Quimbundos e
     Quimbares--A prêta Mariana--Tentativa de assassinato--6 de
     Setembro--Incendio e combate--Retiro para as montanhas.


A 25 de Agôsto levantei-me muito incommodado e ardendo em febre. Estava
no alto Zambeze, junto do 15^{to} parallelo austral, na cidade de
Lialui, nova capital estabelecida pelo rei Lobossi, do reino do Barôze,
Lui ou Ungenge, que tôdos estes nomes pode ter o vasto imperio da Àfrica
tropical do sul. Como se sabe pêlas descripções de David Livingstone, um
homem vindo do Sul á frente de um exèrcito poderôso, o guerreiro
Chibitano, Basuto de origem, atravessou o Zambeze junto da sua
confluencia com o Cuando, e invadio os territorios do alto Zambeze,
sujeitando ao seu dominio tôdas as tribus que habitavam o vasto paiz
conquistado.

Chibitano, o mais notavel capitão que tem existido na Àfrica Austral,
partira das margens do Gariep com um pequeno exèrcito formado de Basutos
e Betjuanas, ao qual foi aggregando os mancêbos dos povos que vencia, e
ao passo que caminhava ao norte, ia organizando essas phalanges, que
depois se tornáram tão terriveis, ja na conquista do alto Zambeze, ja na
defensa do paiz conquistado.

A êsse exèrcito, formado de elementos differentes, de povos de muitas
raças e origens, deu o seu chefe o nome de Cololos, e d'ahi lhe veio o
nome de Macololos que tão conhecido se tornou em Àfrica.

No alto Zambeze encontrou Chibitano muitos povos distinctos, governados
por chefes independentes, que não podéram, separados como estavam, oppor
séria resistencia ao terrivel guerreiro Basuto.

Tão sabio legislador, como prudente administrador, e audaz guerreiro,
Chibitano soube dar união aos povos conquistados, e fazer com que elles
se considerassem irmãos no interesse commum.

Estes podiam agrupar-se em três divisões, marcando três raças
distinctas.

Ao sul, abaixo da região das cataractas, os Macalacas; no centro, os
Cangenjes ou Barôzes; e ao norte, os Luinas, raça mais vigorosa e
intelligente, que devia substituir um dia os Macololos na governação do
paiz.

É propriamente no paiz do Barôze ou Ungenge, que se tem conservado as
sedes do govêrno desde o tempo de Chicreto, o filho e successor de
Chibitano; e tôdos os povos de Oeste chamam ao vasto imperio Lui ou
Ungenge, ao passo que os povos do sul lhe dam o nome de Barôze. Mais
tarde, n'este capìtulo, terei occasião de falar na historia d'este pôvo
desde a ùltima visita de Livingstone até á minha passagem ali;
proseguindo agora a narrativa das minhas aventuras sôb o reinado de
Lobossi, e do seu conselheiro ìntimo Gambela.

A organização polìtica do reino do Lui é muito differente da dos outros
povos que eu tinha visitado em Àfrica. Ali ha dois ministerios
perfeitamente definidos, o da guerra, e dos negocios estrangeiros; sendo
este ùltimo dividido em duas secções, cada uma com o seu ministro. Uma
d'ellas trata dos negocios de Oeste, outra dos do Sul. Isto é, uma trata
com Portuguezes de Benguella, outra com os Inglezes do Cabo.

Na occasião da minha chegada, os conselheiros do rei eram quatro, dois
dos quaes não tinham pasta; sendo ministro dos negocios estrangeiros de
Oeste um tal Matagja, e accumulando duas pastas, a da guerra e a dos
negocios estrangeiros do sul, Gambela, o presidente do consêlho do rei.
Aprendi bem estes detalhes, para regular a minha conducta nas graves
questões que tinha a tratar.

Logo de manhã, fui avisado, de que o rei Lobossi me esperava.

Larguei os meus andrajos, e vesti o ùnico vestuario que ja possuia,
dirigindo-me em seguida á grande praça onde devia ter logar a audiencia.

Elle estava sentado em uma cadeira de espaldar, no meio da grande praça,
e por de tras d'elle um nêgro fazia-lhe sombra com um guarda-sol.

Era um rapaz de 20 annos, de estatura elevada, e proporcionalmente
grôsso.

Vestia um casaco de cazimira prêta sobre uma camisa de côr, e em logar
de gravata, trazia ao pescôço um sem-nùmero de amulêtos.

As calças eram de cazimira de côr, e deixavam ver as meias de fio de
escocia, muito alvas, e o sapato baixo bem lustrado.

Um grande cobertôr de listas multicolôres em guisa de capote, e na
cabêça um chapéo cinzento, ornado de duas grandes e bellas pennas de
avestrús, completavam o traje do grande potentado.

Na mão um pedaço de madeira lavrada, ao qual estavam prêsas muitas
clinas de cavallo, servia-lhe para enxotar as môscas, acção que elle
fazia com tôda a gravidade.

Á sua direita, em cadeira mais baixa, estava sentado o Gambela, e na
frente os três conselheiros. Umas mil pessôas, sentadas no chão em
semi-cìrculo, deixavam perceber a sua jerarchia pelas distancias a que
estavam do soberano.

[Figura 94.--O Rei Lobossi.]

Á minha chegada o rei Lobossi levantou-se, e logo em seguida os
conselheiros e tôdo o pôvo. Troquei um apertar-de-mão com elle e com
Gambela, abaixei a cabêça a Matagja e aos outros dous conselheiros, e
sentei-me junto a Lobossi e a Gambela.

Depois de uma troca de comprimentos e de finezas, que mais pareciam de
uma côrte Europea do que de um pôvo bàrbaro, eu disse ao rei, que não
era negociante, que vinha visital-o por ordem do Rei de Portugal, e que
tinha a falar-lhe em assumptos que não podiam ser tratados ali diante de
tão numerosa assemblea.

[Figura 95.--Gambela.]

Elle respondeu-me, que sabia e comprehendia isso, e que a recepção que
me mandara fazer na vèspera e a que elle mesmo me fazia ali, me
mostravam que eu não era confundido com um negociante qualquér; que eu
era seu hòspede, e teriamos tempo de falar em negocios, porque elle
esperava ter a felicidade de me possuir algum tempo na sua côrte. Depois
de me dizer esta amabilidade, despedio-se de mim, que voltei a casa
abrasado em febre.

No meu pàteo encontrei trinta bôis, que o rei me mandava de presente.

Disse-me o escravo favorito de Lobossi, que seria delicado da minha
parte, mandar matar os bôis, e offerecer a melhor perna de bôi ao rei, e
dar carne á gente da côrte.

Dei ordem a Augusto para fazer isso, e houve logo uma carnificina
enorme, sendo tôdos os bôis mortos, e a sua carne distribuida entre os
meus carregadores e a gente da côrte; tendo o cuidado de mandar ao rei e
aos quatro conselheiros a melhor parte, cabendo ainda assim o melhor
quinhão a Gambela, a quem fiz notar a distincção que fazia.

[Figura 96.--Matagja.]

As pelles, que ali sam muito estimadas, offereci eu a Matagja e Gambela.

Pêla 1 hora, fui recebido pêlo rei em audiencia particular, em uma casa
tambem semi-cilìndrica, mas de grandes dimensões, que não contava menos
de 20 metros de comprido por 8 de largo.

Lobossi estava sentado em uma esteira, e em frente d'elle os quatro
conselheiros occupavam outra, de companhia com alguns fidalgos, entre os
quaes estava um velho vigoroso, cuja physionomia sympàthica e expressiva
me impressionou. Era Machauana, o antigo companheiro de Livingstone, na
viagem que o cèlebre explorador fez do Zambeze a Loanda, e de quem elle
fala, no seu roteiro com tanto elogio.

Uma enorme panella de quimbombo foi collocada no meio da casa, e depois
de o rei ter bebido, bebêram tôdos com profusão, e nem me offerecêram,
sabendo que eu só àgua bebia.

Conversámos sôbre cousas indifferentes, e eu entendi não dever falar-lhe
ainda dos meus negocios. Entre outras cousas, falámos a respeito de
lìnguas differentes, e Lobossi pedio-me que falasse um bocado em
Portuguez, para elle ouvir. Recitei-lhe as Flôres d'Alma do poema "D.
Jayme," e os prêtos ficáram encantados ao escutar a harmonia da nossa
lìngua, que o mimôso e grande poeta, Thomas Ribeiro, soube imprimir e
fazer resaltar n'aquellas estrophes singelas.

Quando eu ia retirar-me, o rei disse-me baixo, de modo que ninguem
percebeu, que lhe fôsse falar depois de ser noute fechada.

Pouco depois de eu chegar a casa, apparecêu-me ali Machauana, com quem
conversei sôbre Livingstone, e que me fez os maiores protestos de
amizade.

Á noute, pelas 9 horas, fui á morada do rei. Elle estava n'um dos pàteos
interiores, sentado em uma esteira, junto a um grande fôgo, que ardia
n'uma bacia de barro de dois metros de diàmetro. Na sua frente, em
semi-cìrculo, uns 20 homens, armados de azagaias e escudos, conservavam
a maior immobilidade e silencio.

Pouco depois de eu chegar, chegou o Gambela, e começou a nossa
conferencia.

Eu principiei por lhe dizer, que tinha sido obrigado a deixar no caminho
os ricos presentes que lhe trazia, mas que, ainda assim, tinha podido
salvar algumas pequenas cousas que lhe daria, e entre ellas uma farda e
um chapéo, que lhe apresentei logo.

Era uma d'essas fardas ricamente agaloadas, que tôda Lisboa vio aos
lacaios postados nas antecàmaras do Marquez de Penafiel, e que fôram
vendidas quando o opulento fidalgo trocou a sua residencia luxuosa de
Lisboa, pelo viver mais buliçôso da capital da França.

Lobossi ficou encantado com a farda e com o chapéo armado, e fêz-me mil
agradecimentos. Depois de uma pequena conversa sem importancia, entrámos
em assumpto.

No Barôze falam-se três lìnguas. O Ganguela, a lìngua Luina, e o Sezuto,
idioma deixado ali pêlos Macololos, que modificáram os costumes
d'aquelles povos a ponto tal, que até lhes implantáram a sua lìngua, que
é a lìngua official e elegante da côrte.

Era n'este idioma que falavam Lobossi e Gambela, servindo-me de
intèrpretes Verissimo e Caiumbuca. Eu disse ao règulo, que vinha da
parte do rei de Portugal (o Mueneputo), nome pêlo qual sua Magestade
Fidelissima é conhecido entre tôdos os povos da Àfrica Austral, e que é
formado por duas palavras--_Muene_, que quer dizer Rei, e _Puto_, nome
dado em Àfrica a Portugal. Disse-lhe, que o meu fim principal era abrir
caminhos ao commercio, e que estando o Lui no centro de Àfrica, e ja em
communicação com Benguella, desejava abrir o caminho do Zumbo, e assim
um mercado muito mais perto, onde elles poderiam ir abastecer-se dos
gèneros Europêos de que precisassem.

Elle queixou-se muito da falta que nos ùltimos tempos lhe havia feito o
não virem ali negociantes de Benguella, não me occultando que, entre
outras cousas, estava sem pòlvora. Eu respondi-lhe, que elles viriam, se
com elles fizessem bons negocios, e que eu lhe podia affirmar, que o
Mueneputo estava dispôsto a proteger o commercio com elle, se elle se
compromettesse a não consentir nos seus estados a compra e a venda de
escravos.

Não lhe occultei a falta de meios com que eu lutava, e mostrando-lhe o
desejo e empenho que tinha em abrir o caminho do Zumbo, prometti-lhe, se
elle me coadjuvasse na emprêsa, fazer-lhe chegar de Tete, no menor tempo
possivel, a pòlvora e mais artigos de que elle carecia.

O Gambela, homem intelligente e fino diplomata (tambem os ha prêtos),
quiz por vêzes enredar-me, mas eu não sahia da verdade e da lògica, e
elle foi vencido.

No fim de muito discutir, ficou decidido, que o rei Lobossi mandaria uma
comitiva a Benguella, para guiar a qual eu lhe daria um homem de
confiança, com cartas para o governador e para Silva Porto, e que elle
me daria a gente de que eu precisasse para ir comigo ao Zumbo.

Era uma hora da noute quando eu me retirei, e ainda que sempre
desconfiado de prêtos, não posso deixar de confessar que me retirei
satisfeito.

O dia foi tôdo muito occupado, e depois de á uma hora me recolher,
sobreveio-me um enorme accesso de febre.

Levantei-me muito doente no dia seguinte, e mandei logo Quimbundos e
Quimbares construirem um acampamento meio kilòmetro ao sul de Lialui,
para o quê obtive autorização do rei.

Pêlas 10 horas, fui visitar Lobossi, que encontrei n'uma grande casa
circular, cercado de gente, e tendo diante de si seis enormes panellas
de capata. O meu Augusto, Verissimo, Caiumbuca e a gente do règulo,
dentro em pouco estavam bêbados a cahir, e ninguem se entendia ali. Eu
voltei a casa, e tive de deitar-me, de tal modo me recresceu a febre.

Foi immensa gente visitar-me, e como eu não tinha remedio senão ouvir
uns e outros, porque aquelles nêgros não t[~e]m a menor consideração por
um doente, peiorei muito.

Lobossi mandou-me seis bôis, cuja carne foi tôda furtada pêla gente
d'elle, porque a minha estava longe construindo o acampamento, e
Augusto, Verissimo e Camutombo completamente bêbados, não quizéram saber
d'isso.

No dia immediato, Lobossi veio visitar-me logo de manhã; eu estava um
pouco melhor, mas a febre era constante e não queria ceder aos
medicamentos.

Ás 10 horas, Lobossi mandou-me pedir para comparecer diante do seu
grande consêlho, que fizera convocar expressamente para eu expor os meus
projectos.

Outra vez Gambela, que presidia á assemblea, me quiz embaraçar, e outra
vez se saío mal. Tive de explicar Geographia a Gambela e aos
conselheiros da corôa.

Tracei-lhes no chão o curso do Zambeze, e a leste parallelo a elle o
curso do Loengue, que, com o nome de Cafúcué, vai entrar no Zambeze a
jusante dos ràpidos de Cariba.

Mostrei-lhes que em 15 dias alcançaria a povoação de Cainco, situada em
uma ilha do Loengue, e que descerìamos o rio embarcados até ao Zambeze,
e por este ao Zumbo.

Afirmei-lhes, que o Loengue não tinha cataractas, e que o Zambeze de
Cariba ao Zumbo era perfeitamente navegavel.

Insisti pois n'este ponto, demonstrando-lhes, que apenas com uma
travessia por terra de 15 dias, que se podia reduzir mesmo a 10
(citando-lhes para isso um facto de uma expedição Luina que, partindo de
Narieze, tinha alcançado Cainco em 8 dias), com uma pequena travessia
por terra, elles estariam em ràpida, communicação com os
estabelecimentos Portuguezes de Leste, por vias fluviaes completamente
navegaveis.

O pùblico estava admirado da minha erudição, e Gambela, que sabia mais
geographia Africana do que muitos ministros d'estado Europêos, e que
conhecia ser verdade o que eu expunha, cedeu ás razões.

Depois de longa e acalorada discussão, foi resolvido, que se enviasse a
comitiva a Benguella, e que me fôsse dada a gente sufficiente para
atravessar o Chuculumbe até Cainco, deixando três ou quatro fortes
postos no caminho, para segurar a passagem áquelles que, indo comigo até
ao Zumbo, tivessem de regressar. No fim da sessão, houve grande
enthusiasmo, e fôram logo nomeados os chefes que deviam ir a Benguella,
e os que me deviam acompanhar.

Voltei a casa com um tal accesso de febre que perdi a razão, melhorando
ás 6 horas da tarde.

Á noute, annunciáram-me a visita de Munutumueno, filho do rei Chipopa, o
primeiro rei da dinastia Luina.

Mandei-o entrar, e vi um rapaz de 16 a 17 annos, muito elegante e
sympàthico.

Trazia uma calça prêta e uma farda de alferes de cavallaria ligeira, em
muito bom estado. Fez-me profunda impressão ver aquella farda! ¿A quem
teria pertencido? ¿Como teria ido parar ao centro d'Àfrica?

Talvez alguma viuva necessitada encontrasse na venda d'aquelle objecto,
que pertencêra a um espôso estremecido, algumas migalhas de pão para
matar a fome.

Perguntei a Munutumueno ¿como tinha obtido aquella farda? e elle
respondeu-me, que tinha sido presente de um sertanejo Biheno, havia ja
muito tempo.

Indaguei, se não lhe havia encontrado nada nos bolsos, e elle
respondeu-me, que não tinha bolsos. Uma farda de official sem bolsos,
era impossivel.

Pedi-lhe para m'-a deixar examinar, e tendo elle desabotoado o peito,
effectivamente vi que não tinha bôlso ali.

Roguei-lhe, que se voltasse, e comecei a explorar-lhe os bolsos das
abas. Elle estava admirado, porque não sabia que tinha bolsos ali. Em um
d'elles os meus dêdos encontráram um pequenino bilhête.

¿Iria saber a quem tinha pertencido aquella farda?

¿O que conteria aquelle papelinho dobrado que eu tinha diante dos olhos
e não me atrevia a abrir?

Cheio de commoção, desdobrei o papél, e vi n'elle algumas linhas
escritas a lapis, que li àvidamente.

Não pude conter uma gargalhada.

O papél dizia assim:--

"Se lhe não sou indifferente, rogo-lhe o obsequio de me indicar o modo
de nos correspondermos."

Por baixo um nome e uma morada.

Sabia de quem fôra a farda.

O nome era o de um dos meus amigos e antigo condiscìpulo, que hôje
occupa uma distintissima posição n'uma das armas scientìficas do
exêrcito Portuguez.

Um dia em pùblico commetti a indiscrição de pronunciar o nome do
signatario do bilhête, que eu possuo, e ainda que indiscreto fui, não
creio ter de modo algum offendido aquelle nobre official e distincto
cavalheiro.

Uma farda que o talento e a applicação ao estudo fizéram trocar por
outra, mais distincta; que, abandonada ou dada a algum criado, pêla
instabilidade das cousas, foi parar ao centro de Àfrica, creio é cousa
que não desdoura ninguem. Em quanto ao bilhête de amôres, creio bem que
ainda menos o deve vexar.

Infelizes d'aquelles que, aos desoito annos, não escrevêram bilhêtes
assim, e mais infelizes os que depois dos trinta ja os não podem
escrever.

"Aquillo, meu amigo, foi cousa que um _papá_, ou uma _máma_, sempre
impertinentes em taes casos, te não deixou entregar, ao sahir do theatro
ou de um baile, á tua Dulcinea d'aquella noute, ou que a tua timidez dos
desoito annos fêz recolher ao bôlso. Imagino, meu amigo, que te deves
ter rido, sabendo que aquelle bilhête esquècido, depois de atravessar os
mares, atravessou aquelles inhòspitos paizes, e andou em companhia de um
prêto no alto Zambeze. É verdade, que, para te consolares, sabes que
esse prêto era filho de rei."

N'esta aventura, eu fui o ùnico tôlo, em ter tido pensamentos tristes, á
vista do bilhête encontrado no bôlso da farda de um alferes de
cavallaria, porque logo devia suppor, que tal bilhête só podia ser um
bilhête d'amôres.

Um alferes de cavallaria, em Portugal, como em tôdos os paizes, é sempre
um fogacho onde as maripôsas v[~e]m queimar as azas douradas.

Pensando na proposição que acabo de formular, deitei-me cheio de
tristeza, lembrando-me que ja era major.

No dia immediato, recresceu a febre a ponto de eu não poder andar.
Lobossi foi visitar-me, e levou com-sigo o seu mèdico de confiança.

Era um velho, pequeno e magro, de barba e cabello branco.

Principiou elle por tirar do pescôço um cordão onde tinha enfiado oito
metades de caroços de uma fruta qualquér que eu não conhecia. Começou,
com grande recolhimento, a pronunciar umas palavras màgicas, e atirou
com os caroços ao chão. D'estes, uns ficáram com a parte interna voltada
para a terra, outros com a externa. Elle leu n'aquella disposição,
concluindo da leitura, que os meus parentes mortos se tinham apossado de
mim, e que era preciso dar-lhes alguma cousa para elles me deixarem. Eu
aturei tudo com a maior paciencia, fingindo acreditar o que elle me
dizia, e dei-lhe um pequeno presente de pòlvora.

N'aquelle dia o Gambela deu-me um presente de dez cargas de milho e
massambala.

Estando concluido o meu acampamento, mudei para elle.

No dia 29 de Agosto, a febre cedeu um pouco ás fortes doses de quinino
que tomei, e senti bastantes melhoras. O meu estado moral é que peiorava
de instante a instante.

Tinha alguns momentos de desalento inexplicaveis. A minha energia cedia
ante a fraqueza moral que se apossava de mim.

Estava sôb o pêso esmagador de um terrivel ataque de nostalgia.

O rei mostrava muitos cuidados pêlo meu estado, mas cada portador que
vinha encarregado de saber da minha saude, era emissario de um pedido
cada vez mais impertinente.

N'aquelle dia mandou elle os seus mùsicos tocarem e cantarem para me
enterter, mas mandou em seguida pedir-me dois cartuxos de pòlvora por
cada mùsico.

N'essa tarde ouvi grandes toques de tambores na cidade, e o rei
mandou-me pedir, que mandasse dar alguns tiros na grande praça, desejo
que eu satisfiz mandando doze homens dar fôgo.

Sube depois que aquillo era uma convocação á guerra, e antes de falar
nos motivos d'ella, direi em poucas palavras a historia do Lui, desde o
ponto em que ficou narrada pêlo D^{or.} Livingstone, isto é, desde a
morte de Chicrêto.

O imperio, poderosamente sustentado pêla mão de ferro, sabia prudencia e
fina polìtica de Chibitano, marcou-se com uma profunda pègada de
decadencia no reinado de seu filho Chicrêto. David Livingstone, muito
grato aos favôres de Chicrêto, que lhe deu os meios de ir a Loanda e a
Moçambique, é talves bastante suspeito nos elogios que dispensa a este
rei; e mesmo na narrativa da viagem que ali fez depois com seu irmão
Carlos e o Doutor Kirk, não pôde deixar de narrar a desordem e profunda
decadencia em que encontrou o imperio Macololo.

Das gentes vindas do sul com Chibitano, isto é Macololos, poucos
existiam ja, tendo sido decimados pêlas febres do paiz, que nem os
naturaes poupam. A embriaguez e o uso do bangue, de mistura com os
desregramentos dos chefes, tinham feito perder tôda a autoridade aos
invasores. Môrto Chicrêto, succedeu-lhe seu sobrinho Omborolo, que devia
reinar durante a minoridade de Pepe, irmão muito mais nôvo de Chicrêto,
e filho ainda do Grande Chibitano.

Os Luinas conspiravam, e um dia Pepe foi assassinado. Omborolo não
tardou a ter a mesma sorte, e tendo sido ordenada uma _Saint Barthélemi_
por os Luinas, os restos d'esse forte exèrcito invasor foi assassinado,
escapando apenas poucos, sôb o commando de Siroque, irmão da mãe de
Chicrêto, que fugio para Oeste, passando o Zambeze em Nariere.

Os Luinas, depois d'essa carnificina traiçoeira, acclamáram seu chefe
Chipópa, homem de tino, que não deixou desmembrar o paiz, e procurou
conservar o imperio, poderoso como em tempo de Chibitano.

Chipópa reinou muitos annos, mas as ambições apparecêram e, em 1876, um
tal Gambela fel-o assassinar, e acclamar seu sobrinho Manuanino, criança
de 17 annos.

O primeiro acto do poder de Manuanino foi mandar cortar a cabêça a
Gambela, que o tinha feito rei, e desprezando tôdos os parentes e amigos
do pai que o eleváram ao poder, chamou para junto de si só os parentes
maternos. Aquelles conspiráram, fizéram uma revolução, e tentáram
assassinal-o, em Março de 1878; mas Manuanino, tendo alguns fiéis, pôde
escapar-se, e fugio para o Cuando, onde assaltou e devastou a povoação
de Mutambanja.

Lobossi, acclamado rei, enviou contra elle um exèrcito, e Manuanino têve
de retirar d'ali, e repassando o Zambeze em Quisséque, internou-se no
paiz do Choculumbe, atravessou este paiz, e foi juntar-se a uns brancos,
caçadores de elephantes, que estavam na margem do Cafuqúe. Lobossi
entendeu, que a sua segurança dependia da morte de Manuanino, e mandou
contra elle um nôvo exèrcito. Foi do resultado d'aquella expedição que
n'esse dia chegáram noticias.

Chegados perto do logar onde estava o ex-soberano com os brancos, que
elles chamam _Mozungos_, intimáram estes a que lhes entregassem
Manuanino para o matarem, e como houvesse recusa, elles os atacáram,
mas, com tanta infelicidade, que fôram completamente batidos pêlos
brancos; escapando muito poucos, que n'essa tarde chegáram a Lialui a
narrar o seu desastre.

Eis aqui o motivo porque os tambores tocavam convocando á guerra; e
porque o rei Lobossi me pedio que mandasse dar tiros na grande praça da
cidade.

Ja que falei na historia do Lui, não dêvo proseguir sem narrar um dos
seus episodios mais interessantes, porque se refere a um typo
verdadeiramente sympàthico.

É Siroque, aquelle Macololo, que, na occasião da Saint Barthélemi dos
Macololos, conseguio escapar com um grupo de gente, passando o Zambeze.

Siroque, intrèpido e audaz, caminhou a oeste até encontrar o Cubango,
onde se estabeleceu, vivendo da caça dos elephantes.

Depois subio o rio até ao Bihé, e fixou-se ali por muito tempo, chegando
por vêzes a ir a Benguella em comitivas sertanejas. Um dia porem, tendo
umas questões em que bateu os que o atacáram, retirou por prudencia para
o interior; indo acampar no rio Cuando abaixo do Cuchibi, onde continuou
a vida de caçador.

Siroque era intelligente e bravo, e de uma familia que tinha reinado,
não podia deixar de ser ambiciôso.

Sonhou com o restabelecimento da monarchia Macolola no Lui, e foi-se
approximando d'ali pêlo Cuando.

Um pombeiro do Bihé, seu amigo e que lhe tinha fornecido pòlvora,
denunciou-o, e Manuanino, então acclamado de pouco, fel-o assassinar
junto da povoação de Mutambanja, pêla mais cobarde traição.

Tôdos os seus fôram vìctimas, e a azagaia do assassino de Siroque abrio
o tùmulo ao ùltimo dos Macololos.

Aquelle dia amanhecido tão bonançoso para o adolescente monarcha, que só
via sorrir-lhe a vida, tornara-se de repente sombrio e carregado,
envolvido em nuvens de tempestade.

As noticias más succedem-se, e corria o boato, de que Lo Bengula, o
poderoso rei do Matebeli, projectava um ataque contra o Lui.

Andavam tôdos desorientados, tôdos emittiam alvitres, todos pensavam
loucuras; só dois homens se conservavam serenos no meio d'aquelle pôvo
semi-louco. Eram Machauana e Gambela--Gambela o ministro da Guerra,
Machauana o General em chefe.[1]

Ordens acertadas e ràpidas eram dadas por elles a emissarios fiéis, que
partiam para povoações distantes.

¿O que seria de mim no meio dos novos acontecimentos que agitavam o
paiz?

Diziam e repetiam, que fôram os _Muzungos_ que matáram os sicarios de
Lobossi, enviados contra Manuanino, e se ali se soubesse que eu era
_Muzungo_, estava irremediavelmente perdido. Estes povos felizmente
ignoram isso, e pensam que os Portuguezes de leste sam de outra raça
differente dos Portuguezes de oeste.

No Lui, os Portuguezes das colonias de oeste sam chamados _Chiudéres_,
nome que lhes dam os Bihenos; os das colonias de leste, _Muzungos_; e os
Inglezes do sul, _Macúas_. A tôdo e qualquér prêto que vem das colonias
Portuguezas chamam _Mambares_, de certo corrupção da palavra
_Quimbares_, com que sam designados os prêtos semi-civilizados de
Benguella. D'ahi proveio o erro do Doutor Livingstone, arranjando a
oeste das serras de Tala Mugongo uma raça de _Mambares_.

Os _Quimbares_ sam prêtos de qualquér procedencia, geralmente escravos
ou libertos, que ja sam meio-civilizados. Sam, finalmente, a gente das
senzalas de Benguella e as escravaturas dos brancos da costa.

Em Benguella chamam _Quimbundos_ ao gentio selvagem do interior,
designando com esse nome mais particularmente os Bihenos.

No dia 30, logo de manhã, Lobossi mandou dar-me parte de que se ia fazer
a guerra, e dos motivos que a isso o obrigavam.

O emissario foi o proprio Gambela, que me disse logo, que, sendo o
Chuculumbe o theatro da guerra, era impossivel a minha viagem por ali; e
por isso, que tudo o que havìamos combinado estava prejudicado.

Aquelles acontecimentos tornavam muito crìtica a minha posição.

N'essa tarde, estando eu com um nôvo e violento accesso de febre, viéram
prevenir-me, de que os pombeiros Bihenos me queriam falar.

Levantei-me a custo e fui ouvil-os.

Depois de variados preàmbulos, disséram-me, que me iam deixar, porque
viam o mao caminho que as cousas tomavam no Lui, e só desejavam voltar
ao Bihé.

Cobardes! Abandonavam-me no momento em que eu mais precisava d'elles!

Miguel, o caçador de elephantes, o pombeiro Chaquiçongo, e dois
carregadores, Catiba e um carregador, e o Doutor Chacaiombe, viéram
protestar-me a sua amizade, e declarar-me que ficavam comigo. Tôdos os
_Quimbares_ me viéram fazer igual declaração.

Aquella resolução inesperada dos Bihenos fêz-me recobrar o sangue frio
que ja não tinha ha dias. Augmentavam as difficuldades, era preciso
lutar, e eu sacudi o entorpecimento moral que se ia apossando de mim.

Immediatamente despedi os Bihenos, que puz fora do acampamento,
entregando-os ao prêto Antonio, o velho Antonio que eu tinha designado a
Lobossi para ser chefe e guia da comitiva que elle ia mandar a
Benguella.

Fiz em seguida a conta á minha gente, e achei-me com 58 homens.

No dia immediato, Lobossi veio a minha casa, e fêz-me repetidas
exigencias de cousas que eu não possuia, e elle queria por fôrça que eu
tivesse e lhe desse. Estava cada vez mais importuno. Era uma criança,
mas criança impertinentissima. Precisava de uma paciencia sem limites
para o aturar.

Lobossi mandou-me chamar n'essa noute. Fui la, e elle disse-me, que a
minha viagem pêlo Chuculumbe era impossivel, mas que me daria guias e
alguma gente para eu tornear pêlo sul e ir ao Zumbo.

Disse-me, que o boato a respeito dos Matebeles não tinha fundamento, que
d'aquelle lado havia paz e elle terminaria facilmente com Manuanino.
Queixou-se muito amargamente de eu lhe dar poucas cousas, dizendo, que
se eu nada mais tinha, lhe desse tôdas as armas e a pòlvora que possuia,
porque, seguindo para o Zumbo com gente d'elle, seria defendido por
ella, e não precisava levar tanta gente armada.

Offereci-lhe as armas dos Bihenos que me tinham deixado n'esse dia, e
que tive o cuidado de lhes tirar, e sete barris de pòlvora, mas
neguei-me formalmente a dar-lhe uma só que fôsse das outras, dos homens
que me ficáram, ou das minhas particulares.

Retirei-me pouco satisfeito d'aquella entrevista.

No primeiro de Setembro, levantei-me muito doente, e depois de ter feito
as observações da manhã, tornei a deitar-me; quando o Verissimo entrou
espavorido na barraca, e me diz, que Lobossi mandara chamar tôda a minha
gente, e lhe exposera, que eu tinha vindo ali de propòsito para me ir
juntar aos _Muzungos_ que estavam no Cafuque com o Manuanino, e
fazer-lhe guerra a elle. Isso estava demonstrado pêla minha insistencia
em querer ir ao Chuculumbe. N'essa noute fôra elle prevenido dos
projectos que eu meditava, e por tanto, me ia obrigar a sahir dos seus
estados, e só me deixaria livre o caminho do Bihé.

Encarregara elle o Verissimo de me vir fazer a intimação; cousa que em
nada me desconcertou o espìrito, porque, desde a vèspera á noute, eu
esperava novidade grande.

Mandei chamar o Gambela, mas elle têve o cuidado de fazer com que o não
encontrassem em tôdo o dia.

Um recado que fiz chegar a Lobossi, mostrando-lhe a inconveniencia do
passo que dava, porque eu lhe podia fazer muito mal impedindo os
sertanejos do Bihé de virem ali, têve por ùnica resposta nôvo mandado de
despejo, e só livre o caminho do Bihé.

Á tarde, nova prevenção, de que as forças que estavam reunidas para a
guerra, não sahiriam sem eu ter deixado o paiz do Lui em caminho de
Benguella.

Respondi ao enviado, que dissesse ao rei Lobossi, que dormisse sôbre o
caso, porque a noute era bôa conselheira, e que esperava ainda a sua
ùltima decisão no dia immediato.

A 2 de Setembro, logo de manhã, recebi a visita de Gambela, que vinha da
parte do rei, ordenar-me que sahisse do seu reino immediatamente, e que
o ùnico caminho livre era o do Bihé. Não pode passar nem por ali, nem
por ali, nem por ali, me disse elle, apontando para o N., E. e S.

Contra tôdos os usos do paiz, o Gambela, em quanto estêve em minha casa,
conservou as armas na mão, e eu entretive-me brincando com um magnìfico
revólver Adams-Colt.

Fingi que meditei a minha resposta, e disse-lhe, "Amigo Gambela, vá
dizer a Lobossi, ou tome o recado para si, que eu não arredo um passo
d'aqui para seguir o caminho de Benguella. Tem ahi um numeroso exèrcito,
que me venha atacar; eu saberei defender-me, e se morrer, o Mueneputo
lhe tomará contas d'isso. Vocês estam indispostos com os Matebeles,
ameaçados pêla guerra civil levantada por Manuanino, indisponham-se
tambem com o Mueneputo, e estam perdidos. Outra vez lhe repito, que não
sahirei d'aqui senão para seguir o meu caminho."

Gambela sahio da minha barraca furioso.

N'essa noute Machauana veio furtivamente visitar-me. Previnio-me elle de
que Gambela aconselhara ao rei para me mandar matar, e que Lobossi se
negara a isso terminantemente. O caso foi passado em conselho, a que
assistia Machauana, que me fez mil prevenções para estar de sôbre-aviso.

A larga conversação que tive com o antigo companheiro de Livingstone,
mostrou-me que entre elle e Gambela havia reixa velha. O antigo
guerreiro de Chibitano, depois muito afeiçoado ao rei Chipopa, só
pensava em ver occupar o trôno do Lui ao filho d'este, seu pupillo e seu
protegido, o joven Munutumueno, o meu alferes de cavallaria ligeira.

Tendo podido ler no coração do velho aquelle odio e aquella affeição,
considerei-me salvo. O seu poder era grande, porque elle tinha
influencia n'uma enorme parte das tribus do Lui; e por isso as azagaias,
que tanto ferem ali nas revoluções, o tinham poupado. Fiz-lhe muitos
protestos de gratidão, e pedi-lhe, que me prevenisse logo que o rei
Lobossi determinasse matar-me. Elle prometeu, e retirou-se.

Eu fui deitar-me, levando a referver na mente, um plano singelo, que me
abstive de communicar a Machauana, para lhe evitar idéas cubiçosas, que
elle não tinha n'aquelle momento.

Resolvi, se acaso Lobossi decretasse a minha morte, chamar cinco dos
meus homens mais decididos, uma especie de cães que eu tinha comigo,
como eram Augusto, Camutombo e outros, e ir com elles logo á audiencia
do rei, onde tôdos estam desarmados, fazel-os, a um signal meu, saltarem
sôbre Lobossi, Gambela, Matagja e os outros dois conselheiros ìntimos, e
eu de um pulo acercar-me de Machauana o general em chefe, o homem que
tinha ali acampados dez mil guerreiros, e gritar-lhe bem alto "¡Viva
Munutumueno, rei do Lui, viva o filho de Chipopa!"

Uma revolução feita n'estes termos não podia deixar de dar bom resultado
n'um paiz que ama as revoluções, e onde se faria a primeira em que não
houvesse uma gôta de sangue derramado.

Acalentando este pensamento salvador, adormeci profundamente, para
acordar, no dia 3, ao chamamento do meu muleque Catraio, que me vinha
prevenir, de que Lobossi estava ali, e me queria falar.

Levantei-me e fui receber o rei. Elle vinha participar-me, que tinha
mudado de parecer, e que tôdos os caminhos estavam livres para mim.

Que me daria guias até ao Quisséque, mas que, em vista das cousas que se
estavam passando nos seus estados, não podia dar-me fôrça para me
seguir, nem se responsabilizava por qualquér desastre que me podesse
acontecer, indo eu com 58 homens apenas.

Agradeci-lhe aquella decisão, e declarei-lhe, que tinha por costume, só
eu mesmo me responsabilizar pêla minha vida, e não tornar ninguem
responsavel d'ella.

Antes de se retirar, fêz-me muitos pedidos, que ficáram sem satisfação,
por não ter nada do que elle queria. Um dos pedidos que me fazia tôdos
os dias, era o de seis cavallos. Tendo-me visto chegar a pe, e sabendo
que eu não tinha cavallos, era impertinencia tal desejo.

Sube depois, que a nova decisão tomada por Lobossi fôra filha de
reïteradas instancias do Machauana, que lhe mostrou a inconveniencia do
passo que dava, fazendo-me sahir dos seus estados a pesar meu.

No dia 4, de manhã, estando um pouco melhor da febre, fui assistir a uma
audiencia do rei, que se mostrou em extremo amavel para comigo. Logo ao
nascer do sol, Lobossi sahi dos seus aposentos, e ao som de marimbas e
tambores, dirige-se á grande praça, onde vai sentar-se junto a uma alta
sebe semi-circular, cujo centro é occupado pêla cadeira real.

Por de traz d'elle senta-se a gente que compõe a côrte, e á sua direita
Gambela e os outros conselheiros, se estam presentes.

Na frente do règulo, a 20 passos, a mùsica em linha, e aos lados, em
muitas fileiras, o pôvo.

Ali tratam-se um certo nùmero de negocios, que não precisam ser tratados
em conselho privado. Aquella audiencia é tambem judicial. N'aquelle dia
tratava-se de um crime de furto. O queixoso chamou o accusado, que veio
sentar-se em frente d'elle, e fez a accusação. O acusado negou o crime,
e logo de entre o pôvo sahio um homem que veio advogar em favor do réo.
Ali qualquér amigo ou parente pode defender o amigo ou parente.

Gambela tomou a palavra, e o accusado veio ajoelhar em frente d'elle;
fêz-lhe varias perguntasse mandou-o embora.

Continuou o debate, comparecendo testemunhas de accusação e defesa. O
crime foi provado, e o accusador pedio, que lhe entregassem a mulhér do
ladrão; ficando indemnizado da perda de uns fios de missanga, objecto do
roubo, pêla posse da mulhér.

Terminado este debate, apparaceu outro homem accusando a mulhér de lhe
não obedecer. Esta accusação foi seguida de muitas outras semelhantes, e
mais de vinte sùbditos de Lobossi fizéram amargas queixas contra as
espôsas; demonstrando-me, que as mulheres em Lialui estavam em completa
revolta domèstica. Depois de alguma discussão, foi resolvido, que tôda a
mulhér que não obedecesse cega e absolutamente ao marido, fôsse amarrada
e mettida na lagôa, onde passaria uma noute só com a cabêça de fora.

Aprovada esta nova lei, Gambela ordenou a alguns chefes, que a
promulgassem nas povoações.

Uma cousa muito curiosa n'aquellas audiencias é o modo porque Gambela
conferenceia com o rei em segrêdo, diante de tôdos. A um signal de
Gambela, começa a mùsica a tocar, e os oito batuques fazem uma bulha de
tal modo infernal, que é impossivel perceber uma palavra das que trocam
o rei e o ministro.

Em seguida á audiencia, o rei vai para um aposento proprio para se
embebedarem.

V[~e]m panellas e panellas de capata, e elle e os seus prestam um
verdadeiro culto ao deos Baccho. D'ali vai para a cama, e á tarde,
depois de novas libações, dá nova audiencia. Logo que, ao anoutecer,
termina a audiencia, vai comer, e segue para o serralho, d'onde
raramente sahi antes da uma hora, e recolhendo a casa para dormir, vahi
deitar-se ao som ruidoso dos tambores.

O cessar dos batuques annuncía que o règulo está recolhido, e então a
guarda, composta de uns quarenta homens, começa a tocar uma mùsica, que,
apesar de monòtona, é agradavel; e tôda a noute cantam um côro suave e
harmonioso a meia voz. Esta mùsica que no Barôze acalenta o sono do
soberano, serve para mostrar que a guarda vela em tôrno do seu aposento.
N'estes poucos traços dou uma idéa resumida do viver monòtono do
autòcrata Africano, viver repartido entre a lascivia tôrpe e a
embriaguez brutal.

N'aquelle dia, 4 de Setembro, sube, que devia a vida a Machauana, que,
em conselho privado, se opôz formalmente a que me mandassem assassinar;
dizendo, que elle tinha estado em Loanda com Livingstone, e ali tinha
sido muito bem tratado pêlos brancos, assim como os Luinas que o
acompanhavam; e por isso não podia consentir que fizessem mal a um
branco da mesma raça.

Chegou mesmo a ameaçar os poderes constituidos, o que era caso grave
para elles; porque no Lui os ministros morrem sempre na queda dos
ministerios; precaução tomada pêlos novos conselheiros, que com alguns
golpes de azagaia cortam pela raiz as opposições.

Cá na Europa, algumas vêzes, procura-se denegrir a reputação dos
antecessores, buscando desdoural-os aos olhos do pôvo, para lhes
diminuir a fôrça moral como opposição. Eu acho mais nobre, mais digno e
mais seguro o systema polìtico dos Luinas, o que não quer dizer que o
recommende.

O conselho, em vista da attitude e das razões de Machauana, decidio, que
eu não morrêsse; mas, parece que algum dos conselheiros por conta
propria decidio o contrario; porque, n'essa noute, estando afastado do
acampamento, preparando-me para tomar alturas da lua, uma azagaia de
arremesso passou tão perto de mim que a aste vergastou-me o braço
esquêrdo. Olhei para o lado d'onde partira a arma, e vi um prêto a vinte
passos, empunhando outra. Tirar o revólver e fazer fôgo sôbre elle, foi
acto mais instinctivo do que pensado. Ao estampido do tiro, o assassino
virou costas e correu em direcção a Lialui. Corri sôbre elle.
Sentindo-me no encalço, o prêto deitou-se por terra. Receei uma cilada,
e foi a passos medidos que me approximei d'elle, prompto a fazer fôgo.

Vi que o membrudo indìgena estava de bruços com as azagaias cahidas ao
lado.

Peguei-lhe n'um braço, e ao tempo que senti as carnes estremecerem ao
contacto da minha mão, senti um lìquido quente correr-me por entre os
dêdos. O homem estava ferido. Fil-o erguer, e elle disse-me, tranzido de
mêdo, umas palavras que eu não entendi. Apontando-lhe o revólver,
obriguei-o a acompanhar-me ao acampamento.

Ali não fizera sensação o tiro de revólver, porque tôdas as noutes se
ouvem mais ou menos tiros. Chamei dous muleques de confiança, e
entreguei-lhe o meu prisioneiro, cuja ferida examinei. A bala entrara
junto á cabêça superior do hùmero direito, perto da clavìcula, e não
tendo sahido, suppuz estar fixa na omoplata. Não lhe apparecendo sangue
nas vias respiratorias, calculei que o pulmão não tinha sido offendido,
assim como o fio de sangue que corria da ferida, pêla sua tenuidade me
mostrava que nenhum dos vasos importantes da circulação tinha sido
cortado. N'estas condições a ferida não apresentava gravidade, pêlo
menos de momento.

Depois de lhe fazer um ligeiro curativo, mandei chamar o Caiumbuca, e
ordenei-lhe que me acompanhasse a casa do rei, fazendo com que os
muleques conduzissem para ali o ferido.

Lobossi tinha voltado de casa das amantes, e conversava com Gambela
antes de se deitar. Apresentei-lhe o ferido e perguntei-lhe o que era
aquillo. O rei mostrou um grande terror, vendo-me coberto de sangue do
assassino, que eu nem tinha lavado; e um olhar trocado entre Gambela e o
ferido, mostrou-me quem tinha sido a cabêça que enviara aquelle braço.
Lobossi mandou logo retirar d'ali o prêto, e disse-me, que aquillo era
um grande agouro, e que ja não durmiria aquella noute socegado.

Narrei o acontecido, e Gambela apoiou muito o que eu tinha feito,
lastimando que eu não tivesse morto o prêto, e dizendo-me, que ia matar
meio mundo.

O prêto era desconhecido em Lialui, e os da guarda de Lobosi disséram
nunca o terem visto. Lobossi pedio-me, que guardasse sôbre o facto o
maior segrêdo, assegurando-me, que não me acontecia outra em quanto
estivesse nos seus estados.

Eu voltei ao campo mais desconfiado que nunca das amabilidades de
Gambela.

Por noute fora, senti que alguem tentava penetrar na minha barraca, e
puz-me a pe sem ruido, prompto a sorprender aquelle que julgava fazer-me
sorpresa.

A pessôa era de certo conhecida, porque a minha cadella Traviata não
ladrava, e fazia festas com a cauda para o ponto por onde alguem se
introduzia de rastos.

Esperei um momento, e ao clarão da fogueira conheci a prêta Marianna,
que, com meio côrpo dentro da barraca, me fazia signal para que
entivesse calado.

Entrou, achegou-se a mim e disse-me: "Toma cautela. O Caiumbuca
atraiçôa-te. Depois que voltou com-tigo de casa do rei, tornou a Lialui
a falar com Gambela; e logo que chegou aqui, reunio com muito socêgo a
gente de Silva Porto, e estêve a falar com elles na barraca d'elle. Eu
fui escutar, e ouvi falar em te matarem. O Verissimo tambem la estava.
Elles disséram, que como tu não entendias a lìngua do Lui, quando tu
lhes dissesses uma cousa para dizer ao rei, elles diriam outra, e te
dariam tambem a resposta trocada, que assim haviam de fazer com que o
rei te matasse.

"Toma cautela, olha que elles sam muito maos."

Agradeci muito á pequena o aviso e dei-lhe o ùnico collar de missanga
que me restava, e que eu reservava para uma das favoritas de Machauana.

A declaração da Marianna, veio ferir-me profundamente. Os homens em que
eu confiava eram os primeiros a atraiçoar-me.

Mil pensamentos tristes, que não conseguíram alquebrar-me o espìrito,
produzíram uma noite de insomnia. É verdade, que a prevenção de Marianna
veio dar-me uma vantagem enorme sobre elles, que ignoravam que eu lhes
conhecia a traição nos seus detalhes; e de manhã ao levantar-me, eu
repetia a mim mesmo o rifão Portuguez, de que "um homem avisado vale por
quatro."

Gambela foi visitar-me, e repetio-me mil protestos de amizade; mas eu
presentia que o perigo pairava em tôrno de mim, e que a espada de
Damocles estava suspensa sôbre a minha cabêça.

N'esse dia entreguei a Gambela as cartas para o governador de Benguella,
e a comitiva do rei do Lui, commandada por três chefes Luinas e guiada
pêlo velho Antonio de Pungo Andongo, seguio caminho da costa.

Com ella fôram os Bihenos que me haviam abandonado. Estava satisfeito
com aquelle primeiro resultado obtido; e se os meus trabalhos se
perdêssem e mais nada fizesse, o ter posto um pôvo tão poderôso em
relações com a civilização Europea da costa, era ja um resultado
importante da minha viagem.[2]

A revelação feita n'essa noute por Marianna trazia-me preoccupado, e eu
só pensava no meio de parar o golpe que me feria, com a traição
d'aquelles em que eu mais confiava.

Formei um plano que decidi pôr em pràtica n'esse mesmo dia.

A narrativa dos repetidos e graves acontecimentos que se déram comigo
depois da minha chegada ao Lui, não me tem deixado falar dos povos
Luinas e seus costumes.

Em logar de encontrar ali essa raça forte e vigorosa, creada por
Chibitano, e que existio com o imperio Macololo, fui deparar com uma
raça abastardada, misto de Calabares, Luinas, Ganguelas e Macalacas, que
t[~e]m unido o seu sangue marcando cada cruzamento uma pègada de
decadencia. O uso immoderado do bangue ou cangonha (_Cannabis Indica_),
a embriaguez e a syphilis, t[~e]m lançado aquelle pôvo no mais abjecto
embrutecimento moral, e enfraquecimento physico.

[Figura 97.--Cachimbos de fumar o Bangue.]

O primeiro d'aquelles três grandes inimigos da raça prêta chegou-lhe do
sul e leste pêlo Zambeze; os dois outros fôram ali importados pêlos
Bihenos, que lhe trouxéram ainda outro inimigo não menos terrivel, o
tràfico da escravatura.

Poucos paizes Africanos leváram tão longe como os Luinas a pràtica da
polygamia. ¡Gambela, á èpocha da minha estada no Barôze, tinha mais de
setenta mulheres!

O Lui, ou Barôze propriamente dito, isto é, o paiz que fica ao norte da
primeira região das cataractas, compõe-se, da enorme planicie onde corre
o Zambeze, que tem de 180 a 200 milhas do N. a S., e por vêzes, de 30 a
35 O. a E., planicie elevada 1,012 metros ao mar; do paiz mais elevado a
leste, onde assentam innùmeras povoações, que v[~e]m estabelecer as suas
culturas na grande planicie; e ainda na enorme planura do Nhengo, onde
corre o Ninda. A planura do Nhengo é separada do leito do Zambeze por
uma nervura de terreno elevado de 20 metros, que corre parallela ao rio,
e onde estam muitas povoações, livres das maiores cheias.

Durante o tempo das grandes chuvas, a planicie do Zambeze é inundada, e
eu medi em algumas àrvores onde tinham ficado signaes do maior nivel das
àguas três metros.

No parallelo 15^o tem ella uma largura de trinta milhas, e por isso, na
èpocha das cheias, calculando uma corrente mìnima de 20 metros por
minuto, devem passar ali 240 milhões de metros cùbicos d'àgua por hora.
Isto dá uma medida do que sam as chuvas na Àfrica tropical,
acrescentando-se, que regularmente a inundação atinge o seu màximo em
oito dias.

O pôvo Luina, que em grande parte vive na planicie, retira para o paiz
montanhoso durante as inundações.

Ao retirar das àguas, volvem a occupar as povoações abandonadas na
invernía, e cobrem o campo com os seus rebanhos enormes, que, diga-se a
verdade, não encontra ali um pasto viçoso em èpocha alguma do anno;
porque os prados sam formados, pêla maior parte, de caniçal, onde abunda
uma especie do _Calamagrostis arenaria_.

As culturas sam feitas mais na margem direita do que na esquerda do
Zambeze, e sempre junto das encostas.

A inundação deixa na planicie um sem-nùmero de pequenas lagôas, que se
atulham de vegetação aquàtica, e que sam outros tantos focos miasmàticos
de infecção palustre. Ha èpochas no anno em que os proprios indìgenas
sam fortemente atacados pelas febres endèmicas.

Nas lagôas abunda peixe e ha muitos batràchios.

É d'estas lagôas que se fornecem de àgua potavel os indìgenas, mas é
preciso confessar, que elles só a bebem depois de transformada em
Capata.

Os Luinas sam pouco agricultôres, e muito pastôres. Os seus rebanhos
constituem a sua principal riqueza, e no leite das vacas encontram o seu
principal alimento.

O haver do Luina consiste em algumas vaccas e algumas mulheres.

O leite frêsco e o leite azêdo (coalhado) sam, com a batata dôce, a base
da sua alimentação. A farinha de milho é empregada para fazer a Capata,
de mistura com a de massambala, principal cultura do paiz.

Os Luinas fabricam o ferro, e tôdas as suas armas e tôdos os seus
utensilios, sam feitos no paiz. Não usam facas, e não podemos deixar de
nos admirar das esculpturas que fazem em madeira, sabendo que não
empregam facas, e mais ainda, logo que conheçamos o instrumento com que
trabalham. No Lui, onde o machado termina a obra grossa de desbaste,
começa a obra da azagaia. O ferro d'esta é instrumento para tudo. Os
bancos onde se assentam, as escudellas em que comem as vasilhas do
leite, e tôdos os seus utensilios de madeira, sam cortados com ella.

[Figura 98.--Vasilha para leite feita de Madeira.]

Entre elles ha um primorosamente trabalhado, em geral, e é a colhér.
Vivendo de leite, o Luina não pode prescindir da colhér, e dispensa a
faca. O seu systema de alimentação explica a falta d'esta e o muito uso
d'aquella.

[Figura 99.--Objecto de Ferro forjado que serve de Lenço de assoar aos
Luinas. Especie de Espàtula.]

[Figura 100.--Pratos e Escudellas para a comida.]

[Figura 101.--Colhér.]

[Figura 102.--Machado de cortar Madeira.]

A industria ceràmica limita-se no Barôze á fabricação de panellas para
cozinha, para a capata, e grandes talhas de barro para guardar cereaes.
Àlém d'isto, fornalhas para os cachimbos de fumar o _bangue_.

[Figura 103.--Artigos de Barro.
1. Panellas de cozinha.
2. Tálha de guardar cereaes.
3, 3. Fornalhas dos cachimbos.]

O Luina só fuma o _bangue_; o muito tabaco que cultivam é empregado
exclusivamente para cheirar, e d'elle fazem grande uso homens e
mulheres. É este o pôvo mais coberto que encontrei em Àfrica. É raro
ver-se ali um homem ou mulhér despidos da cintura para cima. Os homens,
como ja disse no capìtulo anterior, usam umas pelles passadas em um
cinto, que pendem adiante e atraz, chegando até aos joêlhos. Um manto de
pelle, que posto, assemelha as capas do tempo de Henrique 3^o,
cobre-lhes o tronco e cahi-lhes até meia perna.

Um largo cinto de couro, independente do que lhes segura as pelles da
cinta, muitas manilhas e muitos amulêtos, completam o seu trajar. As
mulheres trajam um saio de pelles, que adiante chêga ao joêlho, e atraz
desce até ao grôsso da perna. Sôbre o saio um largo cinto enfeitado de
buzio (_caurim_). Um pequeno manto de pelles, muitas missangas ao
pescôço e muitas manilhas nos braços e pernas, sam o vestuario do paiz.
Vemos hôje muitas indìgenas substituindo as pelles por estôfos Europêus,
os capotes por cobertores de algodão, e mesmo tôdo o trajar gentìlico,
por o fato do homem civilizado; mas eu aqui não curo das excepções, falo
no traje primitivo do paiz, e não nas innovações que o commercio ali tem
levado. É preciso contudo revelar, que este pôvo tem uma tendencia
manifesta para se vestir. De certo, antes da invasão dos Macololos, os
Luinas deviam andar muito pouco cobertos. Os povos Chuculumbes, seus
vizinhos de leste, andam completamente nús, homens e mulheres. A oeste
os Ambuelas fôram tambem encontrados nús, pêlos primeiros sertanejos
Portuguezes que ali se aventuráram,[3] e ainda hôje não se cobrem muito.

[Figura 104.--Homem Luina.]

O trajar dos Luinas que eu descrevi, é o mesmo usado outróra pêlos
Macololos, e por isso é de crer que fôsse introduzido por elles.

Essa tendencia, que eu faço notar, d'este pôvo para se vestir, deve
merecer a attenção do commercio, e é uma tendencia a explorar em
beneficio d'elle, dos indìgenas e da civilização.

[Figura 105.--Mulhér Luina.]

As mulheres nobres, e em geral as ricas, untam o côrpo com manteiga de
vacca misturada de talco em pó, que lhes dá á pelle um lustro
avermelhado, e ao mesmo tempo um cheiro desagradabilissimo.

Entre os Luinas encontram-se muitas espingardas de fulminante, de
fàbrica Ingleza, levadas ali pêlos sertanejos do sul, e outras de silex
Belgas, vindas do commercio Portuguez de Benguella; mas os indìgenas, ao
contrario do que acontece, com tôdos os povos da costa de Oeste até ao
Zambeze, preferem as armas de fulminante, e alguns ha, que só querem ja
carabinas raiadas. Não usam cartuxo como os Bihenos e povos
circumvizinhos d'estes, e trazem a pòlvora sôlta em cornos, ou em
cabaças. As armas do paiz sam azagaias, porrinhos, e machadinhas. Não
usam frechas.

[Figura 106.--Azagaias Luinas.]

[Figura 107.--Machadinhas de guerra.]

[Figura 108.--Porrinho.]

T[~e]m por arma defensiva grandes escudos ogivaes, de couro de bôi
armados em madeira. Cada homem traz, em geral, de cinco a seis azagaias
de arremêço.

Os ferros d'estas azagaias, sem serem envenenados, não sam por isso
menos terriveis; devido ás barbas desencontradas que lhes fazem, de modo
que, na maior parte dos ferimentos, é preciso matar o ferido para lh'-as
arrancar do côrpo.

O que eu vi usarem os Luinas, e mostrou a preferencia que t[~e]m, fôram
as missangas chamadas no commercio de Benguella, missanga leite, azul
celeste e Maria 2^a.

Os cassungos finos, branco, azul e encarnado, sam tambem estimados.

Fazendas tôdas sam bôas para o Lui, preferindo elles as melhores. O
arame de latão, de três a quatro milìmetros de diàmetro, tem valor, e a
roupa feita, cobertôres, armas de percussão, fulminantes, pòlvora,
chumbo em barra, e artigos de caça, sam ali cotados em subido prêço.

Em tôdo o paiz o commercio é feito exclusivamente com o règulo, que faz
d'elle monopolio; pertencendo-lhe tôdo o marfim que se caça nos seus
estados, e tôdos os gados dos seus sùbditos, a quem elle os pede quando
precisa. Das fazendas, armas e outros artigos que permuta, faz presentes
aos seus caçadores, chefes de povoação, côrte, etc.

As mulheres gozam de bastante consideração, e entre a nobreza não fazem
nada, passando a vida sentadas em esteiras, a beber capata e a cheirar
tabaco. Possúem muitos escravos, pêla maior parte Macalacas, que as
servem.

Os grandes rebanhos dos Luinas, sam de bôis de uma raça magnìfica, e
mesmo as suas gallinhas e cães sam de melhores raças do que os que
encontrei até ali.

O valle do Barôze está cercado por éste a sul da terrivel mosca zê-zê, o
que os obriga a concentrarem os gados na planicie, e torna difficil a
sahida d'elles, a não ser para oeste no caminho de Benguella, tôdo limpo
do prejudicial diptéro.

Eis em curto resumo o que eu vi d'esse paiz, que primeiro, antes da
invasão de Chibitano, foi visitado por um Portuguez (Silva Porto), que
foi visto depois por David Livingstone, debaixo do imperio dos
Macololos, e que eu encontrei em condições bem differentes, sôb a
dinastia Luina, em 1878.

Retomando a narrativa das minhas tristes aventuras, no dia 5 de
Setembro, dia seguinte ao da revelação de Marianna, resolvi fazer com
que os traidôres fôssem trahidos por um dos seus, e lancei as minhas
vistas sôbre Verissimo Gonçalvez.

Chamei-o á minha barraca, e mostrei-lhe antes de lhe falar, a copia de
uma carta apòcrypha, escrita para Benguella, em que eu dizia ao
governador, que, tendo desconfianças de Verissimo, lhe pedia que
mandasse prender a mulhér, o filho, e a mãe d'elle, e se acaso
acontecesse eu ser vìctima de alguma traição, as mandasse para Portugal,
onde eu disse ao Verissimo que os meus parentes as fariam queimar vivas.

Depois d'este exordio, assegurei-lhe, que aquella carta fôra escrita
como simples prevenção, porque eu confiava plenamente na sua dedicação
por mim; mas que essa dedicação tinha de estar vigilante, porque eu
desconfiava levemente do Caiumbuca, e se me acontecêsse alguma desgraça,
eu não poderia evitar os horrores que estavam reservados aos entes que
lhe eram caros. Disse-lhe sobre tudo, desconfiava que Caiumbuca não
transmittia ao rei o que eu lhe dizia, assim como me dava transtornadas
as respostas de Lobossi. Que elle deveria estar sempre presente nas
minhas entrevistas com Lobossi, e dizer-me em Portuguez (Caiumbuca não
falava Portuguez) o que elle dizia ao rei.

Verissimo, embaraçado, disse-me, que eu não me enganava, e contou-me
tudo. Eu preveni-o, que não deixasse perceber nada a Caiumbuca, e que me
tivesse ao corrente do que elle tramava.

N'essa tarde, Lobossi mandou-me dizer, que estava prompta a gente que me
devia acompanhar, para eu seguir para a costa de Moçambique, e por isso
podia partir quando eu quizesse.

Eu estava um pouco melhor, e desde a minha chegada ao Zambeze, ainda não
tinha passado tão bem como n'esse dia.

O meu acampamento era muito grande, porque os Quimbares se haviam
dividido pêlas barracas dos Quimbundos depois da sahida d'estes. O
centro era um largo circular, de não menos de cem metros de diàmetro. A
um lado, dentro da fila das barracas, ficava a minha barraca, cercada
por uma sebe de canas, que fechava um recinto, onde só entravam os meus
muleques de serviço.

Era a 6 de Setembro. O thermòmetro durante o dia tinha marcado com
persistencia 33 graos centìgrados, e o calor reflectido pêla areia tinha
sido incòmmodo.

A noute apresentou-se serena e frêsca, e eu, sentado á porta da minha
tenda, pensava no meu Portugal, nos meus e nos amigos, no futuro da
minha emprêsa, tão ameaçada ali, e ora alegre ora triste, não perdia a
fé e esperava. O acontecimento da ante-vèspera vinha pairar como nuvem
nêgra sôbre o ceo lìmpido da esperança.

Os meus Quimbares, recolhidos nas barracas, conversavam junto das
fogueiras, só eu estava fora. De sùbito prendeu-me a attenção um
sem-nùmero de pontos luminosos que vi atravessarem o espaço.

Sem saber ao principio explicar o que seria aquillo, tive um
presentimento, e sahi do cercado de caniço que rodeava a barraca.

Logo que cheguei fora, tudo me foi revelado, e um grito pungente de
angustia suprema escapou-se-me da garganta.

Alguns centos de indìgenas cercavam o acampamento, e lançavam achas
ardentes sôbre as barracas cobertas de herva sêca.

Em um minuto o incendio, ateado por um vento forte de este, tomava
incremento horrivel. Os Quimbares sahiam espavoridos das barracas
incandescentes, e pareciam loucos.

Augusto e a gente de Benguella reuníram-se em tôrno de mim. Em presença
de um perigo tão terrivel, aconteceu-me o que por mais de uma vez me tem
acontecido em iguaes circunstancias. Fiquei sereno e tranquillo de
espìrito, pensando só em lutar e vencer.

Gritei á minha gente, semi-louca de se ver apertada em um cìrculo de
fôgo, e consegui reunil-a no meio do espaço interior do campo.

Á frente de Augusto e dos muleques de Benguella, entrei na minha barraca
em chamas, e consegui tirar d'ali as malas dos instrumentos, os meus
papéis e trabalhos, e a pòlvora. A esse tempo as barracas abrazavam
tôdas, mas o fôgo não podia attingir-nos. Verissimo estava a meu lado,
inclinei-me para elle e disse-lhe, "Eu defendo-me aqui por muito tempo,
passa por onde poderes e como poderes, e vai a Lialui dizer a Lobossi
que a sua gente me ataca, diz tambem a Machauana o perigo que côrro."

Verissimo correu ás barracas em chamas, e eu vi-o desapparecer por entre
as labaredas. A esse tempo ja as azagaias ferviam em tôrno de nós, e ja
haviam alguns ferimentos graves, entre elles um do prêto Jamba de Silva
Porto, que tinha uma azagaia cravada no sobrolho direito. Ás azagaias
respondiam os meus Quimbares com as balas das carabinas, mas o gentio
avançava sempre, e ja entrava no acampamento, onde as barracas
consumidas não offereciam barreira insuperavel. Em tôrno de mim, que
desarmado segurava a bandeira da minha patria, estavam batendo-se como
verdadeiros bravos os meus valentes Quimbares. ¿Estavam tôdos? Não.
Faltava ali um homem, um homem que deveria estar ao meu lado e que
ninguem tinha visto. Caiumbuca, o meu immediato, desapparecêra!

[Figura 109.--Ataque contra o acampamento no Lui.]

Ao amortecer do incendio, eu vi que o perigo era real e enorme. Eram cem
contra um.

Parecia a imagem do inferno ver aquelles vultos nêgros, que com
estridente grita pulavam ao clarão das chamas, avançando para nós
cobertos com o alto escudo e brandindo as puidas azagaias. Foi um
combater encarniçado em que as carabinas de carregar pêla culatra, pêlo
seu fôgo sustentado, continham em respeito aquella horda selvagem.

Contudo eu calculava que o têrmo do combate não estava longe, porque as
munições desappareciam ràpidamente; eu só tinha no comêço quatro mil
tiros para as carabinas Snider, e vinte mil para as armas de carregar
pêla bôca, mas não seriam essas as que me defenderiam; e logo que o fôgo
abrandasse, por faltarem as armas de carregamento ràpido, serìamos
esmagados pêlo gentio desvairado. O meu Augusto, que parecia um leão
raivoso, chegou-se a mim com suprema angustia, mostrando-me a carabina,
que acabava de rebentar. Disse ao meu muleque Pépéca, que lhe entregasse
a minha carabina de elephante e a cartuxeira. Augusto correu para a
frente, e fez fôgo para onde o grupo do gentio era mais compacto. Um
momento depois, a grita infernal dos assaltantes tomou um tom
differente, e virando costas, tomáram elles precipitada fuga.

Só no dia seguinte, pêlo rei Lobossi, eu devia saber o que produzira um
tal reviramento. Fôram os tiros do meu Augusto.

Na cartuxeira de que elle lançou mão havia balas carregadas de
nitro-glicerina.

O effeito d'estas, fazendo desapparecer em bocados, pêla explosão, as
cabêças e os peitos em que acertavam, produzio o pànico no meio
d'aquelle gentio ignaro, que vio n'uma coisa nova para elle, um feitiço
irresistivel.

Foi a Providencia que me quiz valer.

Conheci que estava salvo. Meia hora depois, appareceu-me o Verissimo,
com uma grande fôrça capitaneada por Machauana, que vinha em meu
soccôrro, por ordem do rei Lobossi. Lobossi mandava dizer-me, que era
estranho a tudo, e que, provavelmente, o seu pôvo, sabendo que eu fôra
ali para os atacar de combinação com os Muzungos de leste, que estavam
com Manuanino, fizéram aquillo por sua conta; mas que elle ia tomar as
mais vigorosas providencias para eu não soffrer mais aggressões. Tudo
aquillo, se não foi ordenado por elle, foi por Gambela.

Verissimo, vendo os desastres do combate, perguntou-me ¿o que haviamos
de fazer? e eu respondi-lhe com as palavras de um dos maiores homens
Portuguezes dos ùltimos sèculos:--"Enterrar os mortos, e tratar dos
vivos."

No incendio soffrémos perdas graves, mas mais graves eram as pêrdas de
vidas por tão insòlito ataque. A bandeira Portugueza estava furada das
azagaias selvagens, e salpicada do sangue dos bravos; mas as manchas que
tinha, só serviam para fazer realçar a sua pureza immaculada; e mais uma
vez, longe da patria, e por terras ignotas, tinha-se sabido fazer
respeitar, como sempre o soube, e como sempre o saberá.

Depuz as armas de soldado, para me improvisar em cirurgião cuidadoso, e
o resto da noute foi passado a curar os feridos e a alentar os sãos,
sempre apercebido e vigilante, apesar dos novos protestos do rei
Lobossi.

Logo que amanheceu, fui procurar o rei, e falei-lhe àsperamente sôbre o
acontecimento da noute. Tornei-o, diante do seu pôvo, responsavel pêlas
desgraças d'aquella noute; e disse bem alto, que aquelles que tivessem a
chorar a perda de parentes, só a elle deviam lançar culpas.

Disse-lhe, que queria seguir sem perda de tempo, e annunciei-lhe, que ia
estabelecer o meu campo nas montanhas, onde podesse com vantagem
resistir a um nôvo ataque.

Elle teimou muito comigo, para lhe dar ou ensinar o feitiço que eu tinha
empregado na vèspera, fazendo com que os prêtos rebentassem por si. Era
assim que elles explicavam o caso funesto das balas explosivas
inconscientemente empregadas por o meu Augusto.

Apesar da muita vontade que eu tinha de deixar a planicie e ir para as
montanhas, não pude realizar esse desejo senão a 9, por causa do estado
dos feridos; e no dia 7 e 8, lutámos com a fome; porque ninguem nos quiz
vender de comer, e o rei dizia, que nada tinha para me dar. Fôram as
lagôas que fornecéram abundante pesca e alguns patos muito magros.
Machauana mandou-me leite, e continuou a mostrar-me a maior dedicação.
Foi, como disse, a 9 que deixei a planicie e alcancei as montanhas perto
de Catongo, chegando tôdos, feridos e sãos, no maior estado de fraqueza.

O nôvo systema adoptado, de nos matarem pêla fome, preoccupou-me, e
dava-me sèrios cuidados n'um paiz sem caça.

Tinha-mos, é verdade, a pesca das lagôas.



CAPÌTULO X.


A CARABINA D'EL-REI.

     A traição--Perdido--A Carabina d'El-Rei--Miseria--Novas scenas com
     o rei Lobossi--Partida--No Zambeze--Caça--Moangana--O Itufa--As
     pirogas--Sioma--Cataracta de Gonha--Bellezas naturaes--O basalto--A
     região das cataractas superiores--Balle--Bombué--Na foz do rio
     Gôco--Cataracta de Nambue--Os ràpidos--Viagem vertiginosa--Catima
     Moriro--Quisseque--Eliazar--Carimuque--O rio Machila--Muita
     caça--Tragedia--Embarira.


Depois de marcha de 15 milhas, acampei na floresta que cobre os flancos
das montanhas de Catongo. Marcava esta aldea a S.E. uma milha distante
do sitio que escolhi para acampar.

Junto do meu campo havia uma pequena aldeola, onde eu mandei pedir de
comer. Algumas mulheres viéram vender pouca cousa a trôco dos invòlucros
metàlicos dos cartuxos queimados das carabinas Winchester.

Depois de construido o campo, fomos pescar nas lagôas pròximas, e
tirámos algum peixe, que se comia cozido em àgua sem sal.

De Caiumbuca não havia noticias, e eu convencia-me que elle tinha
partido com a gente que retrocedêra ao Bihé; quando n'essa tarde me
viéram dizer, que elle estava no acampamento, e me queria falar.

Apresentou-se, dizendo que fôra acompanhar a comitiva de Lobossi, que
seguira com o prêto Antonio, porque tinha de mandar prevenir a gente da
sua libata no Bihé, de que tinha muita demora ainda no sertão, pois
seguia comigo para a costa de leste.

Eu fiquei perplexo, e sem saber o que deveria fazer com relação a elle;
e depois de pensar um momento, resolvi aceitar a desculpa da ausencia
d'elle na noute do combate, e não lhe mostrar que tinha perdido a minha
confiança, e que sabia da sua projectada traição. Elle pedio-me para
regressar n'essa noute a Lialui, dizendo, que voltaria no dia immediato
com a gente que Lobossi me deveria mandar, para eu seguir para
Quisseque, logo que o estado de alguns feridos m'o permittisse.

Disse-lhe, que pedisse ao rei para mandar-me dar mantimentos, a menos
que não quizesse que morrèssemos á fome no seu paiz.

Caiumbuca partio sem falar a ninguem da minha gente.

No dia 10, continuei a mandar pescar nas lagôas para ter que comer e os
meus.

Passei o dia trabalhando; e tendo para o lado de oeste um horizonte sem
fim, onde, como em pleno mar, o espaço azulado vinha unir-se á terra em
cìrculo enorme, lembrei-me de determinar a variação da agulha magnètica
pêla amplitude, mèthodo mais simples do que o dos azimuthes, que eu
tinha sido forçado a empregar até então.

Preparei a agulha de marcar, e estava dispondo-a para a observação,
muito antes de tempo, porque o sol estava ainda elevado do horizonte uns
dez graos; quando um phenòmeno curiosissimo se deu na atmosphera. Estava
ella lìmpida, de um azul um pouco carregado mas sem uma nuvem, sem um
extracto no horizonte. De repente o limbo inferior do sol começou a
perder a sua forma circular, e a desapparecer lentamente, como se eu
observasse um occaso no oceano; e isto dez graos acima do horizonte, por
ceo na apparencia limpo, como ja disse. Só depois do seu completo
desapparecimento é que se podia mal perceber, pêlo feixe de luz que em
leque se espargia no ceo, uma barra de extractos, tão iguaes em côr ao
azul da atmosphera, que a vista mais apurada a confundiria com ella;
parecendo que a limpidez do firmamento não era interrompida até ao
horizonte. Algumas vêzes mais observei igual phenòmeno, mas não a tanta
altura, nem tão perfeitamente definido.

Como eu esperava, n'esse dia, não me appareceu, nem Caiumbuca, nem a
gente que Lobossi devia mandar-me.

Na noute de 10 para 11, eu queria observar um reapparecimento do 1^o
satèlite de Jùpiter, que deveria ter logar pròximo da meia-noute; e como
eu não quizesse perder essa observação, por encontrar grande differença
em longitude na posição do Zambeze, recomendei ao Augusto, que me
chamasse quando a lua estivesse na altura que lhe indiquei, o que
correspondia ás 11 horas; e cheio de fadiga, deitei-me cêdo, e adormeci
profundamente; esperando que Augusto velasse, depois da instante
recommendação que eu lhe tinha feito. Por noute fora acordei ao
chamamento de Augusto, e acordei sem sobresalto, julgando ser a hora
indicada por mim; mas, logo que respondi ao meu fiel nêgro, elle
disse-me, cheio de commoção: "Senhor, estamos atraiçoados; a gente fugio
tôda, e roubáram tudo."

Levantei-me, e sahi da barraca.

O acampamento estava deserto.

La fora, Augusto, Verissimo, Camutombo, Catraio, Moêro e Pépéca, e as
mulheres dos muleques, estavam silenciosos e pasmados olhando uns para
os outros.

Não pude conter uma gargalhada.

O que me admirava ali, era ver Augusto, o Verissimo e Camutombo ao pe de
mim.

Era tão crìtica a minha posição, vivendo no meio de tantas miserias,
rodeado de tantos perigos, que não sei mesmo quem n'elles quereria ser
meu socio. Ànimos mais fortes e espìritos mais enèrgicos do que os dos
prêtos que acabavam de fugir, não teriam querido partilhar da minha
sorte.

Sentei-me, rodeado das oito pessôas que haviam ficado e puz-me a indagar
o succedido. Queria pormenores que ninguem me dava. A gente tinha fugido
tôda, sem que algum dos presentes a presentisse. Os cães, habituados com
elles, não ladráram. O Pépéca foi passar revista ás barracas, e nada
encontrou.

As poucas cargas que tinham ficado á porta da minha barraca, e que
consistiam em pòlvora e cartuxos, haviam desapparecido.

Fugíram roubando a minha propria miseria. Só me restava o que havia
dentro da minha barraca. Eram os meus papéis, os meus instrumentos, e as
minhas armas; mas armas de nenhum valor, porque uma das cargas roubadas
continha os meus cartuxos, e sem elles de nada serviam.

Fui sem detença fazer inventario do meu miseravel haver, e achei-me com
trinta tiros de balas d'aço para a carabina Lepage, e com vinte e cinco
cartuxos de chumbo grosso da espingarda Devisme, que de pouco ou nada
serviam. Era tudo quanto possuia.

Não pude deixar de curvar a cabêça ante este ùltimo golpe que me feria,
e um atroz confrangimento de coração trouxe-me, pêla primeira vez em
Àfrica, o presentimento de que estava perdido. Estava no centro
d'Àfrica, no meio da floresta, sem recursos, dispondo de trinta balas
apenas, quando só da caça poderia viver e só a caça me poderia salvar; e
tinha em tôrno de mim só três homens, três crianças e duas mulheres!

Augusto exprobrava-se o ter adormecido, quando eu o mandara velar, e
entrou n'um furor louco, querendo ir na pista dos fugitivos e matar
tôdos. Custou-me a conter a ira feroz do meu prêto fiel; e sem
consciencia do que dizia, sem a menor convicção nas palavras que
proferia, ordenei-lhes que se fossem deitar, que não receiassem nada,
porque eu remediaria tudo. Eu ficaria de véla. Recolhidos ás barracas,
eu fiquei junto da fogueira, quasi inconsciente e sem fôrças. O abalo
moral tinha despedaçado o côrpo, já fortemente abatido pêlas febres.
Sentado, com os braços encostados nos joêlhos e a cabêça encostada ás
mãos, eu olhava fito para a crepitação da chama, sem ter um pensamento,
sem uma idéa, em perfeito estado de imbecilidade. Contudo, o instincto
filho do hàbito, fêz-me sentir, que estava desarmado; chamei o meu
muleque, e sem ter consciencia d'isso, pedi-lhe uma arma. Elle entrou na
barraca e trouxe-me uma, que eu, sem reparar, colloquei sôbre os
joêlhos.

Durou muito tempo aquelle estado de abatimento, até que as idéas
principiáram a vir mostrar-me os horrôres da minha posição. Havia muitos
mêzes, que eu caminhava ávante, pobre e sem recursos; havia muito tempo
que eu contava ùnicamente com a caça para sustentar a minha caravana.
Essa idéa perfeitamente arraigada no meu espìrito, tinha-me dado sempre
a fôrça de seguir, de ter fé e de esperar. De repente sentia em mim um
vazio enorme. A idéa tinha cahido por terra, e desapparecido com a caixa
que continha os meus tiros, o meu thesouro, o meu ùnico recurso.

Deve ser ao encarar uma posição como a minha que o homem se suicida.

Com aquella pungente agonia que me dilacerava a alma, deixei pender a
cabêça e os meus olhos fixáram-se na carabina que eu tinha pousada nos
joêlhos. Olhei, a talvez meio minuto, e uma idéa atravessou-me o
espìrito. De um salto entrei na barraca, e corri a levantar as pelles do
meu leito, debaixo das quaes, para levantar a malinha que me servia de
travesseiro, estava um estôjo de couro, rectangular, baixo e comprido.

Foi com mão febril que abri aquelle estôjo esquècido, e apalpei trèmulo
os objectos que elle continha. As idéas occorriam-me de nôvo em tumulto.
Deixei o estôjo, e abri a mala dos instrumentos, onde a caixa do meu
sextante Casella estava entalada por duas latas, que senti debaixo da
mão com que apalpava. Sahi precipitadamente da barraca e do acampamento,
e corri ao mato, onde de dia tinha posto a enxugar o meu grande
tresmalho, depois da pesca. A rêde estava estendida, e tensa pêlo peso
do chumbo que lhe envolvia a tralha.

Apalpei phrenètico aquelle chumbo, e colhendo a rêde voltei ao campo,
curvado ao pêso d'ella. Cheguei junto á fogueira, e depuz no chão o meu
fardo.

Quem visse o que eu tinha feito havia alguns minutos, julgarme-hia
louco, e louco estava eu de contente.

O avaro devorando com os olhos àvidos de cubiça o thesouro que empobrece
a sua miseria, não deve ter na vista expressão differente da que eu
tinha a olhar para aquella carabina. É que ella para mim era a vida, a
salvação, e tudo. É que ella para o meu paiz era uma expedição coroada
de èxito; era a realização de um voto formulado por elle no seu
parlamento; era o bom èxito obtido, tanto mais meritorio, quanto mais
estorvado.

A arma que afagava nas mãos, como afagaria uma filha estremecida, a arma
que me ia salvar, e comigo a expedição atravez d'Àfrica, era a Carabina
d'El-Rei.

No estôjo d'aquella arma havia apparêlhos para fazer balas, e tudo o
necessario para se carregarem os cartuxos, logo que existissem os
invòlucros metàlicos, cada um dos quaes, pêlo seu systema de
construcção, pode servir muitas vêzes. Uma pequena caixa, que vinha no
estôjo ja quando El-Rei me offerecêra o valioso presente, continha
quinhentos fulminantes.

As idéas que se succediam em mim quando me lembrei d'aquelle recurso,
trouxéram-me a reminiscencia de duas latas de pòlvora que eu desde
Benguella empregava, á falta de cousa melhor, para entalar a caixa do
sextante dentro da mala. Faltava o chumbo, mas a minha rêde de pesca ia
fornecer-m'-o.

Assim, pois, eu podia dispor de alguns centos de tiros; e com alguns
centos de tiros sentia-me com fôrça de criar recursos n'esse paiz de
caça.

O resto da noute foi para mim como manhã bonançosa depois de noute de
temporal.

Ao alvorecer, ainda não tinha formado um plano, mas estava tranquillo e
confiante.

Mandei chamar o chefe da aldeola pròxima, e convenci-o a mandar dois
homens a Lialui contar o succedido ao rei Lobossi; disse-lhe tambem, que
ia mudar o meu campo para mais pròximo da aldea, e logo nós quatro, eu,
Verissimo, Augusto e Camutombo, construímos quatro barracas e um forte
cercado, onde nos recolhémos com o meu magno espolio.

N'esse dia trabalhei como um rude lenhador, e de machado em punho,
cortei a madeira para a minha barraca, e construi-a eu mesmo.

Durou o trabalho até depois do meio dia, hora a que me estendi nas
pelles de leopardo do meu leito, dormindo a sono sôlto até ao
pôr-do-sol.

O meu Augusto tinha pescado, e tinham armado laços aos patos,
conseguindo agarrar um. Entretivémos com aquella alimentação sem
condimentos a fome ja impertinente, e eu volvi a deitar-me, mas dormi
pouco e pensei muito. Sustentar nove pessôas era mais facil do que
sustentar uma grande comitiva, e por isso a questão mais momentosa e que
mais urgente era resolver, estava, se não resolvida, pêlo menos muito
simplificada por si mesmo.

A idéa de proseguir na minha viagem estava perfeitamente arraigada em
mim, e sem ainda saber como, sem ter chegado a formular um projecto,
sabia que havia de ir, porque queria ir. A minha confiança era tal, que
os meus homens ja estavam descuidosos e indifferentes. Diziam elles, que
eu sabia o que havia de fazer, e quando lhes dizia, que não tinha ainda
formado um plano, riam-se e diziam:--"o Senhor bem sabe ja."

Passei o dia preparando cartuxos da Carabina d'El-Rei. Tinha 2
kilogrammas de pòlvora finissima, e como a carga de cada cartuxo era de
5 drachmas (8 grammas e meia), podia com aquella pòlvora carregar
duzentos e trinta e cinco tiros, que com alguns que eu ainda possuia, e
com os trinta de balas d'aço da carabina Lepage, prefaziam um total de
trezentos cartuxos.

Chumbo para ballas havia de mais, porque o peso das duzentas e trinta e
cinco balas era ao menos de nove kilogrammas, sendo o de cada bala de 35
grammas, e o chumbo da rêde devia pesar um pouco mais de trinta kilos.

Fulminantes tinha duzentos a mais.

Voltáram os portadores que mandei a Lobossi, com recado d'elle, para que
eu fôsse viver para Lialui até tomar uma deliberação.

Decidi logo não sahir do mato onde estava, e mandar o Verissimo a Lialui
tratar com elle. Dei-lhe as minhas ordens, e mandei que sahisse antes de
amanhecer no dia immediato, para ter tempo de voltar no mesmo dia.

Um violento accesso de febre prostrou-me, e tive de me recolher muito
doente.

No dia seguinte a febre tinha augmentado, e eu estive impaciente até á
volta do Verissimo, que só chegou de tarde.

Vinham com elle uns muleques do règulo, que me traziam alguma comida, e
um presente de leite coalhado, enviado por Machauana. Lobossi mandava
dizer-me, que era muito meu amigo, e que estava prompto a ajudar-me, mas
que fôsse eu viver para casa d'elle; e que com tempo decidiriamos o que
havìamos de fazer. Mandei dizer-lhe pêlos muleques, que logo que
estivesse melhor iria falar-lhe; mas que não deixaria o mato, e que me
era impossivel ir viver com elle, por causa das febres. Estava ancioso
por me achar só com Verissimo, para ter noticias de Lialui.

A primeira cousa que elle me contou fêz-me logo profunda impressão.
Disse-me, que, quando chegara a casa de Lobossi, estava reunido o grande
consêlho em discussão acalorada.

Uns enviados do Chefe de Quissique, Carimuque, tinham chegado ali,
pedindo accesso no paiz para um missionario Inglez, que estava em
Patamatenga, e queria vir ao Lui.

Á entrada d'esse sujeito no paiz do Barôze opunha-se com tôda a sua
eloquencia o ministro dos estrangeiros Matagja, e d'ahi nascêra a
acalorada discussão a que assistira o Verissimo; sendo resolvido em
consêlho, que não fôsse concedida a licença para o homem penetrar nos
estados do rei Lobossi.

O Verissimo, que me contou este incidente, a que não ligou a menor
importancia, começou a narrar-me o que tinha podido colher de noticias
ácerca das intrigas dos muleques de Silva Porto e Caiumbuca; mas eu é
que não o escutava ja, e aquelle missionario Inglez (_Macúa_, diziam
elles) não se me tirava do pensamento. Quando o Verissimo acabou o seu
aranzel, que eu não ouvi, tinha resolvido o meu problema, e a resolução
consistia, em ir encontrar aquelle missionario.

Como realizal-a não sabia ainda, mas que o encontraria era ja convicção
minha.

Fui àvidamente buscar uma pèssima carta d'Àfrica que tinha, e calculando
approximadamente onde seria Patamatenga, medi uma distancia de
seiscentos kilòmetros.

Seiscentos kilòmetros, a uma media de 10 kilòmetros por dia, eram
sessenta dias de jornada, e trezentos tiros que eu possuia, divididos
por sessenta dias, dava-me cinco tiros por dia. Ardia ja em desejos de
me pôr a caminho, mas ardia em febre tambem, e comecei por deitar-me.

Nos dias 14 e 15 a febre cresceu de intensidade, não me permittindo
sahir da barraca; mas tendo algumas melhoras na noute de 15 para 16,
resolvi logo ir a Lialui falar ao rei, e tratar de pôr em execução um
plano que tinha concebido, para ir encontrar o missionario, idéa que me
não sahia da mente.

Ainda muito doente, parti logo de manhã para casa de Lobossi. Fui muito
bem recebido por elle, que negou ter sido connivente com Caiumbuca e os
prêtos do Silva Porto, na fuga dos meus _Quimbares_; o que era falso,
porque sem o consentimento d'elle, não poderiam elles ter passado o
Zambeze.

Pedi-lhe que me ajudasse a ir encontrar um missionario que eu sabia
estar em Patamatenga; ao que elle respondeu, perguntando-me, ¿como
queria eu ir para ali, não tendo carregadores? Esta pergunta do rei foi
muito applaudida pêlos assistentes, que notáram a esperteza d'elle em
m'-a fazer.

Disse-lhe, que era verdade não ter carregadores, mas que tinha o rio
Liambai, e elle tinha barcos, e se elle me desse barcos, eu dispensava
os carregadores, tanto mais que não tinha cargas.

Elle contestou, que havia effectivamente o Liambai, mas que o rio tinha
cataractas, e ¿como as poderia eu passar? Novos applausos da parte do
auditorio.

Respondi, que sabia isso, mas que ali os barcos e as cargas iam por
terra, e a jusante das quedas continuàvamos a navegar.

Elle retorquio, que o seu pôvo tinha muito pouca fôrça, e não podiam
arrastrar os barcos por terra. Novamente applaudido; estava fazendo um
gôsto immenso em patentear o seu espìrito fino diante dos ouvintes; e de
salto, sem esperar resposta, perguntou-me, ¿porque não tinha ido viver
com elle para Lialui, como me tinha ordenado?

Respondi serenamente, que não tinha ido, nem iria, por muitas razões;
sendo a principal, o ser elle um refinado velhaco, que, desde a minha
chegada, só tinha procurado enganar-me, para me roubar. Chamei-lhei
ladrão e assassino, levantei-me e puz-me a caminho.

O auditorio, estupefacto do meu atrevimento, nem se lembrou de me
embargar o passo.

Dirigi-me a casa de Machauana, onde estive conversando com Monotumueno,
o filho do rei Chipopa, e legìtimo herdeiro do poder, a quem fiz a
profecia de que ainda seria rei do Lui.[4]

Ia a retirar-me para as minhas montanhas, quando um enviado de Lobossi
veio pedir-me em nome d'elle para eu lhe ir falar. Fui logo.

O rei disse-me, que não tinha razão para me zangar com elle, que era
muito meu amigo, que ia aprontar barcos, e que o Liambai estava livre
para mim.

Eu fiz-lhe um grande sermão, em que lhe disse, que elle era mal
aconselhado; que o que tinha dado o poder e grande nome aos reis
Macololos, foi a grande protecção que dispensáram a Livingstone. Que os
Luinas queriam perder o commercio; e que elle completaria a ruina do Lui
começada por Manuanino. Que o seu pôvo, não a camarilha que o rodeava,
mas o seu pôvo sensato, ainda o expulsaria do poder, por incapaz de
governar, e não fazer mais do que disparates.

Fêz-me novos protestos de amizade, affirmando-me, que me daria os
barcos, e que não seria por culpa d'elle se eu não chegasse a alcançar o
missionario, mesmo porque queria que eu mudasse de opinião a seu
respeito.

Assegurou-me, que voltasse descançado para Catongo, onde me mandaria
dizer que os barcos estavam promptos, logo que tivesse arranjado as
tripulações. Chamou diante de mim o Chefe de Libouta, e deu-lhe ordens a
esse respeito.

Eu não acreditava em nada d'aquella comedia, e disse-lh'-o. Elle
pedio-me que não formasse maos juizos, e esperasse os factos.

Voltei a casa de Machauana, que conversou largamente comigo a respeito
de Caiumbuca e da fuga dos meus Quimbares. Por elle sube tôda a verdade,
nos seus detalhes, e só fiquei ignorando quem fôra ao longe o motor dos
acontecimentos.

Chegado ao Lui, fui sinceramente bem recebido por aquella gente, e o
nome do Mueneputo, com que eu me abrigava, foi escutado com respeito.
Declarei os meus projectos, e elles fôram calorosamente approvados,
porque muito convinha aos Luinas estar em communicação com a costa de
Leste. Dias depois da minha chegada, rebentou no Chuculumbe a revolução,
á testa da qual se achava Manuanino, o rei destronado. Caiumbuca foi
então dizer a Lobossi, que eu não era estranho áquella revolta, e que
queria ir para Leste juntar-me aos brancos que apoiavam Manuanino.
N'essa occasião Caiumbuca levara os Bihenos a abandonar-me,
dizendo-lhes, que o rei o prevenira de que me ia mandar matar, e não
poderia impedir que fôsse morta a gente que estivesse comigo.

Os Bihenos, levados por elle, declaráram-me, que não queriam estar
comigo, e Caiumbuca fingio-se indignado.

A primeira e ùnica vez que em Àfrica faltei ao meu principio de
sertanejo, de desconfiar ali de tôdos e de tudo, fui enganado. É verdade
que Silva Porto, o homem em quem eu tinha a màxima confiança, disse-me e
escreveu-me, que podia fiar-me em Caiumbuca, e eu fiei-me n'elle.

Facilmente podia desfazer aquella intriga entre homens instruidos; mas
deve comprehender-se, que para prêtos, foi bem tramada, e não seria
facil convencel-os da verdade.

Apesar d'isso, a minha attitude chegou a convencer Lobossi, e foi então
que os muleques de Silva Porto fôram dizer ao rei, que tinham ordem de
seu senhor para me abandonarem ali, mandando-lhe elle dizer, que me
fizesse matar, se queria que os sertanejos do Bihé voltassem ali, sem o
quê não teria mais relações com Benguella.

Foi então que tentáram matar-me, affirmando Machauana, que Lobossi
sempre se opoz a isso, assim como a maioria do seu consêlho, mas que
Gambela era de opinião contraria.

Caiumbuca e os muleques de Porto fôram dizer a Lobossi, que tôdo o que
eu tinha nas minhas malas eram roupas e fazendas muito ricas,
despertando-lhe assim a cubiça, que a tantos exploradores tem perdido no
Continente Africano.

Apesar de tôdas as intrigas e dos factos que ellas produzíram, eu ia
continuar a minha viagem com a gente de Benguella, quando o ataque da
noute de 6 de Setembro m'a dizimou, e uma nova intriga dos prêtos de
Silva Porto levou á fuga os restantes. ¿Por ordem de quem trabalhou
Caiumbuca? Eis o que não pude saber.

Por sua conta creio que não; que pouco tinha a lucrar n'isso. A
encommenda vinha feita do Bihé, e eram emissarios d'ella os muleques de
Silva Porto. Caiumbuca tomou o papél principal, depois das instrucções
recebidas dos prêtos de Belmonte. O mandatario estava ao longe, muito ao
longe.

A causa estava na minha missão, e na guerra que, em nome do meu
Portugal, eu fazia, sem trèguas, ao commercio da escravatura.

Alguns exploradores Africanos, e sôbre tôdos o _Commander_ Cameron e
David Livingstone, t[~e]m apontado muitos factos horriveis e
verdadeiros, do commercio da escravatura, feito no interior d'Àfrica por
sertanejos Portuguezes.

Por muitas vêzes, a opinião pùblica em Portugal tem levantado a sua voz
potente, contra as asserções vilipendiosas dos accusadores estrangeiros,
querendo negar factos que elles asseveram; e em que ella não acredita,
porque, na sua ìndole bondosa, é incapaz de os comprehender e de os
admittir.

Infelizmente elles sam verdadeiros; e mais ou menos romantizados, não
deixam de conter um germen de realidade.

¿Mas serám esses factos uma nòdoa para Portugal? Não sam. Affirmo-o, e
sustento-o.

Os sertanejos Portuguezes, que mais se aventuram no interior do
continente Africano, quando o fazem, deixáram de ser Portuguezes.

Sam condenados, fugidos dos presidios da costa, sam homens a quem a
sociedade supprimio as garantias do cidadão, sam rèprobos a quem a
sentença infamante da justiça imprimio um indelebil ferrête de
ignominia; sam os salteadores e assassinos, a quem a patria banio do seu
seio com horror, que podéram quebrar o grilhão de ferro com que estavam
acorrentados ao patìbulo aviltante; e fugindo a um mundo onde só os
espera o desprezo da gente civilizada, vam ao longe buscar entre os
selvagens a guarida que perdêram, e continuar ali a sua vida de crimes.

Taes homens não deshonram a sua patria, porque não t[~e]m patria.

Querer tornar Portugal solidario dos crimes dos sertanejos Africanos, é
querer tornar a França responsavel dos actos da Communa, a Amèrica do
assassinio de Lincoln, a Italia dos salteadores dos Abruzos.

Ha rèprobos em tôda a parte, e não podem ser nòdoas nos povos que os
esmagam na sua justa indignação.

Dos sertanejos Europeus que t[~e]m estado estabelecidos no Bihé, de dois
apenas tenho noticia, que não pertencessem a tal ordem de gente. Sam
elles Silva Porto, e Guilherme José Gonçalves; mas estes fôram sempre
queridos e estimados do indìgena e do Europêu, gozáram sempre da
consideração que a sua honradez e probidade lhes grangeáram, fôram
cidadãos prestantes, que, com um tràfico legal e digno, nem chegáram a
fazer fortuna, e fôram muitas vêzes vìctimas dos outros.

O nome de Silva Porto é respeitado pêlo gentio, e conhecido n'uma grande
parte da Àfrica central pêla corrupção da palavra _Prôto_, e mais de uma
vez me servi d'elle para desfazer obstàculos.

Em Cassange, como em Tete, outras duas portas da Àfrica central, ha
Portuguezes dignos e nobres, que t[~e]m feito um grande serviço á
humanidade no commercio lìcito com o interior; esse commercio, que é o
mais seguro mensageiro da civilização na terra dos nêgros.

Não confundamos pois; não confundamos, e será pouco nobre ir buscar a
autoridade do explorador, para lançar, apontando factos verdadeiros, mas
nada producentes, um labéo sôbre um pôvo nobre, o primeiro que deu mão
forte á Inglaterra contra o tràfico infame; sôbre um pôvo que sacrificou
os seus interesses Africanos legislando a abolição da escravatura;
contra um pôvo, o mais livre do mundo, que estendeu a sua liberdade até
á Àfrica, mandando para lá as leis que o regem na Metròpoli; chegando ao
excesso de abolir ali a pena de morte, e de lhes mandar um còdigo que
por libèrrimo é impossivel entre gente mais que semibàrbara.

Não precisa Portugal justificação; que o defendem os factos, as leis e a
energia que emprega na grande obra da civilização Africana; mas, falando
do tràfico da escravatura de que por vêzes ia sendo vìctima, não me pude
eximir a pôr a questão nos seus verdadeiros têrmos.

José Alves, Coimbras e outros, esses nem ao menos sam Portuguezes de
nascença; não se parecem com Portuguezes na côr, sam indìgenas, sem
instrucção, verdadeiros selvagens de calças e chapéos.

Affirmo tambem, que é mais difficil viajar em Àfrica por terras onde
elles t[~e]m andado, do que nas regiões bàrbaras dos canibaes, que nunca
víram um estranho. Aqui fazem a guerra ao explorador, quando a fazem, de
armas na mão frente a frente; ali é a traição e a covardia que o
esperam. Aqui é explorar na brenha espinhosa onde o leão occulta o seu
antro; ali é caminhar n'um prado relvoso, entre venenosas serpentes.

Outra cousa inconveniente ao explorador é ir ás sedes dos grandes
potentados. Veja-se o que tem acontecido no Muatayanvo; veja-se o que
aconteceu a Monteiro e Gamito no Muata-Casembe; veja-se o que me tem
acontecido a mim com Lobossi, no Lui.

O sertanejo Biheno, na cubiça de obter o marfim, dá tudo ao règulo;
chêga a dar-lhe a roupa que leva vestida, e volta ao Bihé de tanga de
pelles, como os seus carregadores.

No Lui, quando era muito frequentado por sertanejos Bihenos, havia o
costume, de elles entregarem tudo ao règulo, e esperarem que elle lhes
desse pêla factura que levavam, o que entendesse sufficiente.

O explorador que hôje chêgue ali e não faça o mesmo, está perdido.

Àlém d'esta, outra razão deve aconselhar o explorador a evitar os
grandes potentados; é ella o caso de uma aggressão, sempre de recear.

Com os pequenos senhores que povôam a maior parte da Àfrica austral,
poderá, em tal caso, levar a melhor; em quanto nos grandes imperios será
forçosamente esmagado.

Isto pensava eu voltando ao meu campo nas montanhas de Catongo, a 17 de
Setembro, depois de ter comido leite coalhado e batatas em casa de
Machauana.

Cheguei a Catongo ja noute, e sube que o meu Augusto tinha morto uma
gazella, o que nos fazia òptimo arranjo.

As armadilhas improvisadas continuavam a dar patos e francolins.

Nos dias seguintes, os trabalhos tomáram-me tôdo o tempo; podendo obter
uma longitude muito approximada, e fazendo uma rigorosa determinação da
declinação da agulha, estudos meteorològicos, etc.

No dia 19, ainda não tinha recebido mais novas do rei Lobossi, e decidí
mandar lá o Verissimo, a saber se a offerta das canôas era ou não
comedia. N'esse dia apparecêram ali uns prêtos, que pêlo typo conheci
logo não serem do paiz. Diziam elles serem da Luêna, e querendo indagar
onde ficava essa terra, elles mostravam-me o N.E., e por meio de nòs
dados em uma correia fina, faziam-me comprehender que tinham andado
vinte e seis dias para chegar ali. Vinham em nome do seu chefe
comprimentar o rei Lobossi, e sabendo que estava um branco no paiz,
viéram ver-me, por ser animal nôvo para elles.

Para falarmos, servia-me de intèrprete o velho chefe da aldeola, que
falava a lìngua dos Machachas, lìngua em que elles se exprimiam bem,
dizendo, ainda assim, ser muito differente da sua. Disséram-me, haver no
seu paiz muitos elephantes, e serem caçadores; empregando para isso a
azagaia, ùnica arma de que usam. Sam franzinos de côrpo e de pequena
estatura, com feições bastante regulares. Uns vinte que eu vi, traziam,
quasi tôdos, na cabêça uns penachos feitos de sêdas de elephante,
demonstrando cada penacho um elephante môrto pêlo que o traz. Vestem
pelles como os do Cuchibi, e trazem pannos de _liconde_ para se
cobrirem.

Traziam manilhas de ferro e de cobre fabricadas por elles. A
difficuldade que havia de nos entendermos não me permitio levar muito
longe as averiguações ácerca do paiz d'elles e dos terrenos que
atravessáram para chegar ali.

No dia 21, Verissimo voltou de Lialui, dizendo, que as canôas estavam
promptas, e que Lobossi me mandava pedir para ir ficar na cidade no dia
immediato. Enviei logo um homem ao rei, dizendo-lhe que só iria em dois
dias, por estar doente; sendo o verdadeiro motivo d'essa demora, o ter
de fazer observações e completar estudos meteorològicos no dia 22. Por
esse mesmo enviado mandei dizer a Gambela, que me apromptasse aposento
em sua casa, porque iria ser seu hòspede. Eu queria fazer do ladrão
fiél.

A 23 de Setembro, deixei Catongo, e caminhei para Lialui, onde cheguei
ás duas horas e meia da tarde. Gambela esperava-me com pompa, e foi
conduzir-me ao alojamento que me tinha preparado. A marcha por um sol
abrasador prostrou-me de fadiga, e só á noute pude ir visitar Lobossi.
Elle recebeu-me muito bem, dizendo-me, que estava convencido de que fôra
illudido por Caiumbuca e pêlos muleques do Silva Porto; que acreditava
ser eu um enviado do governo do Mueneputo, e que me queria dar todas as
satisfacções pêlos transtornos que eu tinha soffrido nos seus estados,
de que elle dizia não ter tido a menor culpa.

Aproveitei tão bôas disposições, para renovar o meu pedido de gente e
auxilio, para seguir pêlo paiz do Chuculumbe até Caiuco, e descer depois
o Loengue embarcado, e ir ao Zumbo pêlo Zambeze. Respondeu-me, que isso
não podia ser, porque esse projecto encontrava uma grande opposição nos
velhos do seu conselho. Que o Munari (Livingstone), no tempo de
Chicreto, ja tinha feito aquella viagem com gente do Lui, e que nenhum
dos que com elle fôram para leste voltara mais ao paiz.

Os velhos falando elle n'isso, disséram-lhe, que me perguntasse o que
era feito dos seus irmãos Mbia, Caniata e Scuêbu, e muitos outros que
fôram e não voltáram. Diziam elles, que, ao partir, Livingstone
prometteu, que os tornaria a trazer ali; e ainda hôje as mulheres e os
filhos esperam por maridos e pêlos pais.

Affirmou-me, que se podesse, me daria gente, mas a resistencia do pôvo
era grande, e não lhe convinha ir contra ella. Os três barcos estavam ás
minhas ordens para descer o Zambeze, e nada mais podia fazer por mim.

A 24 de Setembro, logo de manhã recebi a visita de Lobossi, que se vinha
despedir de mim, e apresentar-me os seus escravos que deviam tripular as
canôas até umas povoações do Zambeze, onde o chefe me deveria dar novos
barcos e novas tripulações. Deu-me uma pequena ponta de marfim, para eu
offerecer ao chefe das povoações onde arranjaria os barcos, e trazia
tambem um bôi para a matalotagem. Agradeci-lhe muito, e separámo-nos nos
melhores termos de amizade. Segui a S.O., e depois de uma hora de
caminho, encontrava o braço do rio a que chamam pequeno Liambai, e pouco
depois, três pequenas canôas largavam a margem, levando a minha bagagem,
a mim, a Verissimo, Camutombo e Pépéca.

O Augusto, Moero e Catraio, com as duas mulheres, seguíram por terra,
acompanhados do caçador Jasse e do chefe Mutiquetéra, mandados por
Lobossi, para seguirem comigo, e irem dando as suas ordens aos chefes, a
fim de ter o caminho livre.

Mais dois entes, de que me tenho descurado de falar, dois entes que
representavam duas dedicações inquebraveis, aquelles que desde a minha
sahida não me haviam dado um ùnico dissabor, estavam ali comigo, sempre
promptos a seguir quando eu marchava, a pararem quando acampava, a
dispensarem-me mil caricias quando me viam triste, a divertirem-me
quando alegre estava. Eram Córa e Calungo, a minha cabrinha e o meu
papagaio.

A viagem do rio ia separar-me tôdos os dias de Córa, que não podia ir
sempre embarcada pêla exiguidade de espaço nas canôas, mas Calungo
voando sem mêdo para o meu hombro, seguio embarcado.

Depois de termos navegado ao sul por um quarto de milha, deixámos o
pequeno Liambai, e mettemos a S.O. por um canalête, por onde o braço
oeste do rio deita um pequeno veio de àgua, de lagôa em lagôa para o
braço leste.

No intervallo entre as lagôas, ás vêzes de mais de cem metros, o navegar
é difficil, porque é difficil navegar onde não ha àgua. Foi preciso
muitas vêzes descarregar os barcos e arrastal-os sôbre um fundo de lôdo.
Nas lagôas o caniçal espêsso embaraçava tambem a navegação.

Depois de um trabalho violento e aturado, parámos ás seis horas na
margem de uma lagôa, em planicie recentemente queimada, onde não havia
com que construir o mais pequeno abrigo.

Tinha havido o cuidado de levar lenha, e com ella podémos assar carne,
que eu comi com appetite voraz, por não ter ainda n'esse dia tomado
alimento. Estendi depois a minha cama de pelles sôbre a terra hùmida e
deitei-me ao relento.

Os remadores estivéram tôda a noute assando carne e comendo; fazendo
assim desapparecer a maior parte do bôi dado por Lobossi, e mostrando
que a capacidade estomàchica dos sùbditos do rei do Lui é
verdadeiramente incommensuravel.

Depois de uma pèssima noute, parti ao alvorecer do dia 25, e naveguei em
uma lagôa por meia hora, entrando em seguida no braço principal do
Liambai. Apparecia nas margens uma tal quantidade de caça, que fiz parar
a flotilha, e entrar em serviço a Carabina d'El-Rei; que, na sua estrea,
me forneceu logo vìveres que calculei chegariam para dois dias, apesar
da voracidade dos Luinas.

O Liambai tinha ali uns 200 metros, e muito fundo. A corrente era
pequena, e essa mesma não aproveitada pêlos remadores, que receando os
hippopòtamos, que sem cessar vinham resfolgar no pego, iam sempre
encostados ás margens, onde a àgua pouco funda não permitia o accesso
aos enormes pachidermes. Tìnhamos de parar de instante a instante, para
tirarmos àgua das canôas velhas e fendidas.

Parei junto a Nariere, para calafetar o meu barco, e em quanto os prêtos
faziam trabalho com hervas e barro, medi a velocidade da corrente, que
achei ser de 24 metros por minuto. O meu rumo medio era S.E., mas o rio
dá ali voltas curtas em grande zig-zag; tendo eu em uma d'ellas navegado
por 20 minutos a N.O. Acampei na margem esquêrda, pêlas cinco da tarde,
nas mesmas condições da vèspera, sem abrigo e ao relento.

Muitas vêzes, n'aquelle dia, quando fugiamos aos hippopòtamos de um
lado, appareciam elles no outro, e corrémos perigo grave.

Eu não lhes quiz atirar, para não gastar as munições. Só quem se vê no
centro d'Àfrica com pouca pòlvora sabe o valor de um tiro.

Os barqueiros, que eram escravos do rei Lobossi, quizéram ser insolentes
comigo; mas eu metti-os na ordem a pao, segundo instrucções recebidas do
proprio Lobossi, que prevenira o caso.

O Verissimo, que desde Quillengues resistira á febre, cahio com um
violento accesso, e eu mesmo não estava sem ella.

No dia immediato naveguei apenas por espaço de uma hora, parando junto á
povoação de Nalólo, governada por uma mulhér, irmã de Lobossi. Mandei
pedir-lhe desculpa de a não ir visitar, allegando a minha doença e a
febre do meu intèrprete Verissimo. Ella aceitou a desculpa, e enviou-me
um pequeno presente de massamballa. Apesar de doente, fui caçar, para
fazer nova provisão de vìveres, e consegui matar dois antìlopes
(Pallahs). As pelles, como as da ante-vèspera, fôram sêcas com cuidado e
guardadas.

Pude trocar uma perna de carne de Pallah por um pequeno cesto de feijão
fradinho.

Verissimo peiorou muito n'esse dia, e eu á noute ardia em febre tambem,
tendo, apesar d'isso, de dormir ao relento n'um terreno hùmido. Acordei
completamente encharcado do orvalho, e muito doente. Segui viagem, e
depois de seis horas uteis de navegação, com o rumo medio de S.S.E.,
acampei, sempre na margem esquêrda.

Apesar de outra noute pèssima, a febre ia cedendo a fortes doses de
quinino, e no dia 28, naveguei por hora e meia para alcançar a povoação
de Moangana, cujo chefe me devia fornecer um barco por ordem de Lobossi.

O velho Moangana era um Luina de cabellos grisalhos, muito respeitoso,
que me recebeu muito bem, dizendo-me, que no dia immediato me levaria
elle mesmo á povoação da Itufa, onde eu devia pernoitar, um barco e
algum presente que me podesse arranjar.

O vento era fortissimo de leste, e encrespava as àguas do rio, que não
tinha menos de uma milha de largo. Havia perigo para canôas tão pequenas
como as nossas, mas, apesar d'isso, seguímos, e em hora e meia chegámos
a Itufa, grande aldea, na margem esquêrda.

Mais de uma vez estivémos em grande risco de soçobrar, e declaro que é
triste perspectiva a de cahir a um rio coalhado de crocodilos.

O Verissimo ia um pouco melhor e eu mesmo, apesar da febre quasi
constante que me minava, sentia-me com mais fôrças.

Ja me esperavam na aldea, prevenidos pêlos meus muleques que jornadeáram
por terra, e que, com o caçador Jasse, e com o chefe, haviam chegado
n'essa manhã.

O chefe recebeu-me bem, dando-me logo uma casa, e offerecendo-me uma
panella de leite coalhado e uma cêsta de farinha de milho; mas começou
por dizer-me, que tinham enganado Lobossi, e que elle não tinha barco.

Comi um pouco de leite e farinha, e os meus muleques n'um momento
fizéram desapparecer o resto do presente do chefe, declarando-me que
tinham fome, depois de terem comido tudo. Instei com o chefe para me
obter alguns vìveres mais; mas elle respondeu-me, que só a trôco de
fazendas m'os dariam, e como eu não as tinha, nada se poderia fazer.

Dei aos muleques as pelles dos antìlopes que tinha môrto, e a trôco
d'ellas sempre arranjáram farinha, ginguba e tabaco.

Á noute, quando me fui deitar, vi que estava rodeado de aranhas enormes,
muito chatas e nêgras, que desciam das parêdes em vagaroso caminhar; e
fugi da casa, indo deitar-me no pàteo ao relento. Estava escrito, que
durante a minha viagem no Zambeze, nem uma só noute um tecto abrigaria o
meu sono.

No dia 29, logo de manhã, chegou o velho Moangana com o promettido
barco.

Veio renovar os seus protestos de amizade, e retirou-se; dizendo-me, que
tinha cumprido as ordens do seu rei Lobossi, e esperava que eu estivesse
satisfeito, porque elle queria a amizade dos brancos.

Na Itufa continuavam as difficuldades para a outra canôa; o chefe só
fazia repetir-me, que a não tinha, e lastimar que houvessem enganado
Lobossi e a mim.

Os Luinas e Macalacas t[~e]m por hàbito esconder as canôas em lagôas
interiores cobertas de caniçal, que communicam com o rio por pequenos
canalêtes disfarçados pêla vegetação e só d'elles conhecidos. Quando não
querem que as vejam, difficil é encontral-as.

O caçador Jasse e o chefe Mutequetera, conhecedores das manhas dos
Luinas, tanto buscáram entre os caniçaes das lagôas, que encontráram uma
canôa; fazendo o chefe da Itufa mil protestos, de que ignorava que ella
estivesse ali.

As casas da Itufa sam, como tôdas as dos Luinas, de três formas
differentes, e taes como ja descrevi falando das povoações de Canhete e
da Tapa; mas aquellas que t[~e]m a forma tronco-cònica sam de muito
grandes dimensões. A que me foi offerecida pêlo chefe, a casa das
aranhas, media, no quarto interior, 6 metros de diàmetro, e no exterior
10.

[Figura 110.--Casa na Itufa.]

N'estas dimensões, não podem como as outras ser construidas só de
caniços, e umas fortes estacas verticaes sustentam o tecto, cuja armação
é de longas varas de madeira.

Ha ainda na Itufa outro typo de casas, que é original d'ali.

Sam compostas estas de uma casa ogival, a que addicionam uma
semi-cilìndrica deitada no sentido do eixo, formando assim dois
compartimentos distinctos. Estas casas sam grosseiramente construidas,
ao passo que a casa tronco-cònica, verdadeiro typo da casa Luina, é
edificada com cuidado, e muito resguardada.

Pêla primeira vez, depois de ter deixado o Bihé, vi gatos em Àfrica, que
os ha em abundancia na povoação da Itufa. Ha tambem ali muitos cães de
bôa raça, que empregam com vantagem na caça dos antìlopes.

Continuava a difficuldade de obter vìveres, mas a carabina suppria a
falta de fazendas para permutações, e sempre ìamos obtendo alguma
farinha de massambala a trôco de carne e pelles.

As tripulações estavam promptas, e os dois barcos em acção de seguir,
quando uma nova difficultade veio retardar a viagem.

Os remadores declaráram, que não embarcavam, em quanto eu não deposesse
nas sepulturas das mulheres dos antigos chefes da Itufa, alguns massos
de missanga branca.

Sem ser cumprido esse preceito, afirmavam elles estarmos sujeitos a
innùmeros perigos durante a viagem; porque as almas das mulheres dos
chefes, desassocegadas e irritadas, nos perseguiriam sem trègua. Eu, que
não tinha missanga, nem branca nem prêta, chamei o chefe e mostrei-lhe a
absoluta impossibilidade de socegar as almas das fidalgas da Itufa. Elle
a muito custo pôde resolver as tripulações a seguir, mas foi só no
primeiro de Outubro que largámos d'ali.

O meu nôvo barco era uma piroga, cavada em um comprido tronco de
Mucusse, e media 10 metros de longo, por 44 centìmetros de bôca, e 40
centìmetros de pontal.

As duas àrvores empregadas no alto Zambeze para a fabricação das
almadias, sam o _Cuchibi_ e o _M'ucussi_, enormes leguminosas das
florestas, da região das cataractas. A madeira d'estas àrvores gigantes,
é de extrema dureza, e de maior densidade do que a àgua.

A minha piroga era tripulada por quatro homens, um á proa e três a ré.

Eu ia sentado na frente, a um têrço do comprimento do barco, sôbre a
minha mala pequena, que continha os meus trabalhos. O duplicado do meu
diario, observações iniciaes, etc., levava eu amarrados ao côrpo com uma
cinta de lã. As minhas armas iam ao meu lado, e as pelles do meu leito
completavam a carga.

Na outra canôa, Verissimo, Camutombo e Pépéca, as malas da roupa e
instrumentos, e a caça que ia matando. Os remadores remam sempre de pe,
para equilibrarem as canôas, que se voltariam sem isso. O remar em taes
barcos é verdadeiro exercicio acrobàtico.

[Figura 111.--O meu Barco.
Remos.]

Uma piroga do alto Zambeze é como um patim gigantesco, em que o remador
tem de fazer tôdos os prodigios de equilibrio do patinador sôbre o gêlo,
para sustentar a posição estavel. Foi em taes condições que eu, no dia 1
de Outubro, deixei a Itufa, e me aventurei sôbre o rio gigante, cujas
ondas levantadas por um forte vendaval de leste, ameaçavam a cada
momento submergir as estreitas almadias.

Depois de quatro horas de viagem, parei na margem esquêrda, em uma
pequena enseada, onde a gente que vinha por terra tinha dado ponto de
reunião aos barqueiros. As minhas novas tripulações eram mais comedidas
do que os muleques do rei que me trouxéram a Itufa, mas começavam ja com
pedidos e exigencias.

Não encontrei caça no mato, mas, tendo chegado alguns bandos de patos a
uma lagôa pròxima, fui ao barco buscar a espingarda de caça miüda, de
que só tinha 25 cartuxos, e consegui matar 17 patos, de 6 tiros.

O ponto onde eu estava, era o extremo sul da grande planicie do Lui. As
duas nervuras de montanhas, que no parallelo 15 estam distanciadas de 30
milhas, convergem ali; só parando para dar um leito de dois kilòmetros
ao Zambeze. Á planicie monòtona e nua succede o paiz accidentado e
coberto de luxuosa vegetação. Ás margens de arêa branca e finissima, uma
arêa que, comprimida sôb os passos do homem, solta vagidos como os de
uma criança, produzindo uma impressão inexplicavel, porque, estando
muito sêca, imita um fraco grito humano. A essas margens de arêa tão
extraordinaria, succede, em transição ràpida, o terreno vulcànico; e sam
blocos de basalto que marginam o rio.

Foi com o maior sentimento de prazer que os meus olhos se fixáram sôbre
esses penêdos denegridos, vomitados em ondas de fôgo nas èpochas
primitivas do mundo. Desde o Bihé, que não via uma pedra, e com
satisfação olhava para aquellas que via ali.

Quando o meu cozinheiro Camutombo tratava de acender fôgo para cozinhar
os patos, o lume communicou-se á herva alta e sêca que cobria o solo, e
logo, assoprado por um vento forte, voou por sôbre a terra em ondas de
chamas.

O atear do incendio foi tão ràpido, que por um momento estivémos
envolvidos n'elle; tendo de nos precipitar nas canôas para lhe escapar.

No dia immediato parti, sempre a S.S.E., e depois de quatro horas de
navegação, comecei a encontrar grandes filões basàlticos, atravessando o
rio no sentido E.O. Alguns v[~e]m tanto á flôr d'àgua, que tornam
difficil a navegação, e ainda que a corrente é inapreciavel, foi preciso
diminuir a velocidade dos barcos para evitar choques perigosos,
n'aquelles paredões naturaes.

O rio começa, na região basàltica, a ser povoado de ilhas cobertas de
vegetação pomposa. Pêla tarde, avistámos um bando de ongiris
(_Strepsiceros kudu_) que pastavam na margem direita.

Desembarquei um pouco a montante, e consegui matar um dos soberbos
antìlopes.

Mandei seguir o barco, e eu caminhei por terra por espaço de uma hora.

Levantei bandos de francolins, codornizes, e pintadas (_Numida
meleagris_), que nunca tantos vi em Àfrica. A terrivel môsca zê-zê
tambem é abundantissima ali, incommodou-me muito na floresta com as suas
picadas dolorosas, mas inoffensivas para o homem; e tantas havia e tanto
me perseguíram, que até depois de estar no barco ainda por muito tempo
estive coberto d'ellas.

Fui acampar n'uma ilha muito extensa de um aspecto lindissimo, depois de
seis horas uteis de navegação a rumo de S.S.E.

O Verissimo estava completamente restabelecido, mas eu era devorado por
uma febre lenta e contìnua, que me minava a existencia.

No dia 3 de Outubro, segui viagem, sempre por entre ilhas formosissimas,
cobertas de vegetação luxuriante. Navegámos, havia duas horas, quando
vimos dois leões que na margem direita bebiam àgua do rio. Apesar de eu
ter estabelecido como regra não me entremetter com feras, sem a isso ser
forçado, e apesar ainda do valor que então tinham para mim os cartuxos,
os instinctos do caçador vencêram a razão, e mandei abicar a canôa á
margem, direita aos bichos.

Os leões, percebendo-nos, deixáram o rio, e fôram postar-se em uma
eminencia a duzentos metros. Saltei em terra e caminhei para elles.

Deixáram-me approximar a uns cem metros, e depois poséram-se lentamente
a caminho para montante do rio, parando de nôvo depois de curto espaço.
D'essa vez acerquei-me a cincoenta metros, mas elles caminháram de nôvo
e embrenháram-se em um pequeno massiço de arbustos. Eram dois leões
machos de grandeza desigual, tendo um quasi o dôbro da corpolencia do
outro.

Cheguei junto do matagal, e perscrutando a brenha, vi a cabêça de um dos
magestosos animaes, por entre os arbustos, a vinte metros de mim.
Preparei a carabina, e ao apontar, senti um tremor convulso percorrendo
tôdos os membros. Lembrei-me de que estava fraco e debilitado pêla
febre, e receei que o pulso tremêsse ao dar ao gatilho. Tive uma
sensação singular que até então não havia experimentado, e que
provavelmente era a do susto. Por um esfôrço de vontade o tremor parou,
a carabina tomou firme a direcção que eu lentamente lhe dava, e como ao
atirar a um alvo, quasi fui sorprendido pêlo meu proprio tiro. Passou
ràpida a nuvem de fumo, e nada vi no sitio onde segundos antes se
mostrava a cabêça da soberba fera. Carreguei novamente o cano vazio, e
com dois tiros promptos, dei volta ao massiço. Para o lado do Norte
seguiam as pégadas de um leão, mas de um só. O outro estava ainda ali.
Aventurei-me no cerrado de arbustos, e entre um tufo d'hervas vi o corpo
inerte do rei das florestas Africanas. A bala _express_ esmigalhando-lhe
o cràneo, cortara-lhe de golpe a vida. Chamei gente, e n'um momento a
pelle e garras fôram-lhe arrancadas.

Na massa encephàlica foi encontrada a bala que produzio a morte.[5]

Ao largar a margem, principiámos a sentir, mal distincto, um ruido
longinquo, semelhante ao do mar revolto quebrando nas rochas das praias.
Devia ser uma cataracta, e essa idéa, que logo me occorreu, foi
confirmada pêlos remadores. Pouco depois, os filões basàlticos
multiplicavam-se, formando paredões naturaes, sempre no sentido E.O.;
mas, ao contrario do que tinha acontecido até ali, o rio ja levava uma
corrente ràpida que tornava perigosissimo o navegar.

Um bando de Malancas que vimos na margem direita, obrigou-me de nôvo a
parar, e conseguindo eu matar uma, proseguindo na viagem depois de nova
interrupção de uma hora.

[Figura 112.--Acampamento na Sioma.]

Pêla tarde, fomos acampar junto das aldeas da Sioma, estabelecendo o meu
campo sôb uma gigante Figueira-Sycòmoro, perto do rio.

A viagem d'esse dia foi de cinco horas e meia, sempre a rumo S.S.E.

N'essa noute o meu sono foi acalentado pêlo ruido da cataracta de Gonha,
que, a jusante dos ràpidos da Situmba, interrompe a navegação do
Zambeze.

No dia 4, logo de manhã, depois de ter comido um prato enorme de
ginguba, presente do chefe das povoações, tomei um guia e dirigi-me para
as cataractas. O braço do Liambai cuja margem esquerda eu descia,
correndo a principio a S.E., vai vergando para O., até que chega a
correr perfeitamente E.O.; e n'essa posição recebe dois outros braços do
rio, que formam três ilhas cobertas de vegetação esplèndida. No sitio
onde o rio começa a curvar para O., ha um desnivelamento de três metros
em 120, formando os ràpidos da Situmba. Depois da juncção dos três
braços do Zambeze, toma elle uma largura de seiscentos metros apenas, e
logo ali deita um pequeno braço a S.O., pouco fundo e obstruido. O resto
das àguas encontram um corte transversal de basalto, com um
desnivelamento ràpido de 13 metros, e n'elle se precipitam com fragôr
immenso.

O corte é N.N.O., e forma três grandes quedas, duas aos lados, e uma no
meio. Por entre as rochas que separam as três grandes massas de àgua,
cahem um sem-nùmero de cascatas de maravilhoso effeito. Ao Norte, um
terceiro braço do rio continúa a correr no mesmo nivel superior da
cataracta, e despenha-se no ramo principal em cinco cascatas
lindissimas, a ùltima das quaes fica quatrocentos metros a jusante da
grande queda. Ahi o rio encurva de nôvo a S.S.E., estreia a 45 metros, e
conserva uma corrente de 150 metros por minuto.

Os diversos pontos-de-vista que se gozam da borda sôbre tôdo o espaço
das quedas, sam sorprendentes, e nunca vi em paiz algum dos que tenho
visitado, paizagem mais bella.

Gonha não tem a imponencia das grandes cataractas. Ali a paizagem é
suave, variada e atrahente. A mistura da floresta pomposa, com a rocha e
com a àgua, estam harmonizadas, como por mão de artista habil em tela
primorosa.

[Figura 113.--Cataracta de Gonha.]

Mêsmo o despenhar da àgua no abismo, não causa ruido pavoroso, e é de
certo amortecido pêla vegetação enorme que a rodea.

[Mappa: Alto Zambeze -- Cataractas de Gonha]

Ali não se elevam vapôres, que convertidos em chuva alaguem as
visinhanças; ali o accesso é livre a tôda a parte, parecendo que a
natureza se comprazeu a tornar facil a visita á sua bella obra. Gonha é
como a casquilha que se mostra, que se deixa contemplar, para que a
admirem.

Depois de levantar a planta da grandiosa cataracta, demorei-me ali até á
noute, não cançando os olhos de ver tão esplèndido quadro, em que a cada
momento descobria uma nova belleza.

Voltei ao meu campo, saudoso pêla lembrança de que não veria mais em
minha vida, o espectàculo sublime que deixava para sempre.

No dia 5, fui ver o caminho por onde deveriam passar os barcos para
jusante da cataracta, e era elle por floresta espêssa, e não inferior em
extensão a cinco kilòmetros, porque em tôda essa extensão o Zambeze,
apertado em margens de rocha apenas distanciadas de 40 a 50 metros,
conserva uma velocidade de 150 metros por minuto, e é tal o referver das
àguas, que impossivel é navegar nelle.

Este espaço estreito a jusante da cataracta de Gonha, chama-se o
Nanguari, e termina por uma pequena queda do mesmo nome.

O ponto onde recomeça a ser navegavel chama-se o Mamungo.

A passagem dos barcos por terra foi feita por gente das povoações da
Sioma, povoações de Calacas ou escravos, governados por un chefe Luina,
mandados, estabelecer ali pêlo governo do Lui expressamente para o
serviço de carregarem os barcos por terra; serviço a que sam obrigados
sem terem direito a retribuição alguma.

Foi fatigante aquelle trabalho, e eu fiquei verdadeiramente penalizado
de não ter nada que desse áquelles desgraçados, que tão humildemente se
prestam a trabalho tão rude.

O Zambeze em Mamungo alarga a duzentos metros, mas continúa apertado em
cinta de rocha, onde estam marcadas as cheias por traços horizontaes
provenientes dos depòsitos das àguas lodosas. Por esses traços vi que as
àguas se elevam ali a 10 metros, nas màximas cheias, acima do nivel de
então, que deveria ser o mìnimo proximamente.

Logo que sôbre as rochas basàlticas começa a haver terra vegetal,
principia uma vegetação frondosa. O aspecto do Zambeze n'aquelle ponto
assemêlha o do Douro no seu têrço medio, com a differença apenas, de que
n'aquelle o granito é substituido por basalto.

Depois de ter navegado por espaço de hora e meia, encontrei a foz do rio
Lumbé, onde parei. Este rio vem do N., e tem, pròximo da embocadura, 20
metros de largo, por um e meio de fundo. Cem metros antes de entrar no
Liambai, é-lhe superior de trinta metros, e por isso despenha-se em
cascatas, que seriam talvez lindissimas se ali perto não ficasse Gonha.

Segui, depois de ter visitado a foz do Lumbé, mas n'esse dia apenas
naveguei por mais duas horas; porque, tendo visto uns ongris, acampei, e
fui caçar. Consegui matar dois antìlopes, que nos demorámos a preparar;
decidindo não navegar mais n'aquelle dia.

No dia 7, deixei o acampamento, e tendo navegado uma hora, encontrei a
cataracta Cale.

[Figura 114.--Passagem dos barcos em Gonha.]

Ali o rio corre a S.E., e toma uma largura de novecentos metros. Três
ilhas o dividem em quatro ramos. O segundo, de oeste, é o que contém
maior volume d'àguas, mas é tambem aquelle em que o desnivelamento é
mais ràpido.

Nos outros braços o desnivelamento, que é de três metros, produz-se em
cem de extensão, enquanto n'este não se estende a mais de quarenta.
Tôdos os canaes sam obstruidos com rochêdos desencontrados, onde as
àguas resaltam com fragor immenso.

Descarregámos os barcos, que fôram arrastados por um canalête junto á
margem direita, e logo a jusante da queda reembarcámos e seguímos
viagem. Meia hora depois, passàvamos uns ràpidos, onde só pequenos
canaes sam praticaveis, e por onde os remadores governáram as pirogas
com prodigiosa destreza.

[Figura 115.--Cataracta de Cale.]

Pouco depois, outros ràpidos fôram passados com igual felicidade; sendo
o resto da navegação d'esse dia por entre pontas de rochas açoutadas por
violenta corrente d'àgua, sem que outros desnivelamentos ràpidos
apparecêssem.

Ao acampar, eu sentia-me gravemente doente. A febre havia recrescido, e
a falta de alimentação vegetal era sensivel. O dormir sempre ao relento,
e o nenhum resguardo que era forçado a ter, tendo de sustentar a minha
gente pela carabina, faziam peiorar o meu padecer constante. N'essa
noute, rebentou sôbre nós uma violenta trovoada, e com ella cahíram as
primeiras gôtas d'àgua d'aquella nova èpocha das chuvas.

O dia 8 de Outubro veio encontrar-me mais doente, mais abatido de côrpo,
mas não mais fraco de espìrito. Segui viagem, e meia hora depois,
encontrava os grandes ràpidos de Bombue.

O rio forma um grande ràpido central, onde o desnivelamento é de 2
metros. Do lado de Este três canalêtes obstruidos por innùmeras rochas,
e de Oeste um canal mais largo, onde o desnivelamento é mais ràpido.

A montante dos primeiros desnivelamentos, uma ilha coberta de vegetação
divide o rio em dois braços iguaes. Bombue tem mais dois
desnivelamentos, sendo o segundo trezentos metros a jusante do primeiro,
e o terceiro duzentos metros a jusante d'este. Tôdos estes ràpidos sam
cheios de pontas de rochas desencontradas, tornando impossivel a
navegação.

Os barcos descarregados fôram lascados junto a terra, operação fadigosa,
que levou muito tempo.

[Figura 116.--Rapidos de Bombue.]

Pozémos os barcos a caminho, encontrando um ràpido que sem querer
passámos embarcados com inaudita felicidade; e depois de 4 horas de
viagem, parámos junto á confluencia do rio Jôco. Viajei n'esse dia por
entre ilhas de uma belleza admiravel, que apresentavam os panoramas mais
pintorescos á minha vista, fatigada da monotonia do planalto Africano.

N'essa tarde, estando a repousar, fui acordado em sobresalto por os
nêgros, que tinham visto perto alguns elephantes. Apesar do meu mao
estado de saude, tomei a carabina e segui-os.

Na margem do Jôco avistei eu os enormes pachidermes, que se enlodavam
n'um paúl.

Tomei-lhe o vento e approximei-me cauteloso. Eram sete soberbos animaes.

A floresta espêssa que descia até junto ao paúl, permittio-me
approximar-me sem ser visto.

Por um momento contemplei aquelles gigantes da fauna Africana, e não
posso occultar que tinha remorsos prematuros de lhes fazer mal. A
necessidade venceu o escrúpulo, e atirei ao mais pròximo, dirigindo-lhe
a bala ao frontal. O colosso oscillou um momento, sem mover as patas, e
dobrando os joêlhos, foi cahindo de vagar sôbre elles--posição que
conservou um momento, tombando depois para o lado, e fazendo tremer a
terra com o baque enorme.

Os outros seis atravessáram o rio Jôco em apressado trotar, e
desapparecêram na floresta.

Acerquei-me do inoffensivo quadrùpede, e ao contemplar a minha obra de
destruição, não pude deixar de olhar para mim, depois de olhar para
elle, e de me achar bem pequeno. O meu estado era tão melindroso, que ja
não pude voltar por meu pé, e tive de ser amparado pêlos nêgros para
chegar ao acampamento.

No dia immediato estava peior, e sobreveio-me uma grande inflammação do
fìgado. Deitei causticos, que pulverizei de quinino depois de cortados.

A doença não me permittia partir n'aquelle dia, e resolvi ficar ali até
experimentar melhoras. N'esse dia aconteceu ao meu Augusto a mais
extraordinaria aventura de que tenho tido conhecimento. Atirou a um
bùfalo que ferio, e que correu ràpido sobre elle. Augusto tirou o
machado, e no momento em que a fera baixava a cabêça para lhe marrar,
atirou-lhe um golpe á fronte, com a sua força hercùlea.

Homem e bùfalo roláram por terra. A gente que estava perto do meu
valente nêgro, julgára este morto, quando víra o feróz ruminante
levantar-se e fugir. Augusto levantou-se, e àlém do abalo do choque, não
tinha soffrido nada.

Os nêgros acercáram-se d'elle, quando o meu muleque se abaixou, e depois
de apanhar o machado, apanhou, tão admirado como os que o viam, um côrno
do animal, cortado cerce pêlo golpe vigoroso.

Nas matas da região das cataractas, ha o Cuchibi, o Mapole, o Opumbulume
e a Lorcha, frutos que mais ou menos se encontram no planalto, e àlém
d'esses, dois frutos privativos d'ali, a Mocha-mocha, e o Muchenche.
Este ùltimo é muito sacharino, e d'elle fiz eu um refresco muito
agradavel.

Os causticos pulverizados de quinino, e três grammas d'elle que
introduzi no organismo, em três injecções hypodèrmicas a curtos
intervallos, acalmáram o meu estado febril, e no dia 10 levantei-me com
sensiveis melhoras. A primeira noticia que me déram foi que o meu
Augusto desapparecera desde a vèspera, e não tinha sido encontrado por
alguns homens que o fôram procurar ao mato.

Esta noticia deu-me grande cuidado, porque o Augusto é de um atrevimento
louco, e fêz-me recear uma desgraça. Mandei gente em tôdas as direcções
a buscal-o, e eu mesmo fui com alguns homens, apesar do meu estado, e do
muito que me faziam soffrer os causticos. Fôram infructuosas as nossas
pesquizas, e da excursão apenas trouxémos dois seb-seb (_Rubalis
lunatus_) que eu matei, e muitas varas de madeira, que os Luinas
colhêram proprias para astes de azagaias, e que sam do mesmo pao de que
fazem os remos. Chamam-lhe Minana.

De volta ao campo, secámos ao fôgo muita carne dos antìlopes.

Esta região, a que chamam o paiz de Mutema, é abundantissima de caça da
floresta, e desde o elephante até á codorniz, ha milhares de animaes de
tôdas as familias, gèneros e especies do planalto Africano. No Zambeze,
ao contrario, escaceia a caça d'àgua, abundantissima na região das
planicies.

Pêla tarde appareceu o meu Augusto, dizendo que se tinha perdido na
floresta, e que encontrara uma povoação de Calacas, onde lhe tinham
furtado tudo o que elle trazia, excepto a espingarda.

Os Luinas, ouvindo isto, declaráram que iam desforçar o Augusto, e por
mais esforços que empreguei não consegui contel-os.

Alta noute voltáram os marinheiros, carregados com os despojos do saque,
e entre elles vinha o casaco do meu muleque.

É costume d'elles, logo que encontram povoações de Calacas na região das
cataractas, saqueal-as e destruil-as. N'essa noute o meu estado de saude
aggravou-se bastante, mas apesar de me sentir gravemente doente, dei
ordem de partir no dia immediato.

Uma hora depois de ter deixado a foz do rio Jôco, encontrei os grandes
ràpidos de Lusso.

Desembarquei e segui por terra, fazendo três kilòmetros em três horas.

O rio em Lusso toma uma grande largura e divide-se em muitos ramos,
formando ilhas cobertas de vegetação esplèndida.

Depois do bello panorama de Gonha, nada vi mais bello do que os ràpidos
de Lusso.

Embarquei de nôvo por baixo dos ràpidos, e tendo navegado por duas
horas, parei a montante da cataracta de Nambue.

As ilhas, com a sua vegetação pomposa, continuavam a apresentar os mais
atrahentes aspectos.

Decidi passar a cataracta n'esse dia, e houve grande trabalho, com a
pouca gente de que dispunha, para arrastar os barcos por terra. Levou
quatro horas aquelle fadigoso lidar, mas consegui dormir a jusante da
queda.

A cataracta de Nambue tem quatro desnivelamentos: o primeiro é de meio
metro, o segundo, 150 metros a jusante, é de dois metros, e
perfeitamente vertical, o terceiro, 60 metros abaixo, é de um metro, e o
ùltimo, tambem de 1 metro, fica a 100 metros d'este.

Occupam por isso as quedas uma extensão de 310 metros. O Zambeze corre
ali N.S., mas logo abaixo verga a S.O. para tornar a tomar o seu curso
regular a S.S.E.

Durante a noute estive á morte. A febre intensa devorava-me, e nunca
pensei chegar a ver nascer o dia 12 de Outubro, dia sempre festivo para
mim, por ser o anniversario de minha mulhér. As repetidas injecções
hypodèrmicas de sulphato de quinino em alta dose, conseguíram dominar a
febre. Eu chamei o Verissimo e Augusto, e entreguei-lhes os meus
trabalhos, recommendando-lhes, que, se eu morrêsse, proseguissem na
viagem até encontrar o missionario, e lh'os entregassem.

Fiz-lhes ver, que o Mueneputo os recompensaria bem se elles salvassem
aquelles papéis, e os entregassem em mão segura, que os fizesse chegar a
Portugal.

Ás 6 horas da manhã do dia 12, senti um grande allivio e decidi seguir
viagem.

Parti ás 6 e meia, e ás 7 e 15 minutos, passei uns pequenos ràpidos, e
logo abaixo outros, mais desnivelados, extensos e perigosos. Entestámos
ao ùnico canal praticavel, e logo que o barco se achou envolvido na
corrente, um hippopòtamo veio resfolgar a jusante. Estàvamos entre
Scylla e Charybdis, ou a fera ou o abismo. Tornámos a entestar com a
corrente e subindo o rio, por uma habil manobra, pozémo-nos a coberto do
perigo junto a um rochêdo quasi em sêco.

[Figura 117.--Nos ràpidos.]

O barco da carga, receando o cavallo-marinho, desviou-se do canal, e foi
impellido com velocidade enorme de encontro ás rochas de um canalête
obstruido. Nunca pensámos que se salvasse, mas elle derivou por entre as
fragas e passou o perigo, tendo recebido apenas um golpe de àgua que
quasi o encheu.

Ás 7.50, outros ràpidos, e ás 8, uns muito desnivelados e extensos.
Quizémos sahir em terra, porque sentiamos a jusante um ruido enorme,
semelhante ao rebombar dos trovões pêlos alcantiz das serras, que nos
fez recear grandes ràpidos, ou uma cataracta impossivel de transpor. Foi
baldado esfôrço. A margem mais pròxima, a esquêrda, ficava-nos a 600
metros, e a corrente ràpida, quebrando-se entre os cabêços basàlticos, e
resaltando em ondas de espuma, tornava impossivel o abeirar á margem.
Sam momentos indescriptiveis estes.

Levado por uma corrente vertiginosa, tendo diante de si o desconhecido,
presentindo o perigo imminente a cada desnivelamento do rio que se lhe
mostra, arrastado de voragem em voragem pêlos turbilhões da àgua
revôlta, o homem experimenta a cada momento sensações novas, e cem vêzes
soffre a agonia da morte, para sentir outras tantas o prazer da vida.
Das 8 horas e 5 minutos ás 8 e 40, passámos seis ràpidos de pequeno
desnivelamento; mas a essa hora, uma queda desnivelada de um metro se
nos apresentou na frente. Semelhante ao homem que, em corrida, estaca
por um movimento instinctivo, ao ver o abismo aberto sôb o seu caminho,
o meu barco, como se fôsse animado, parou, por um impulso dos remos;
machinal e inconsciente nos tripulantes. Esse momento de hesitação
produzio o desgovêrno, e a comprida piroga atravessou na corrente, e
saltou ao abismo, na corôa de espuma de uma onda enorme. Foi um segundo,
mas foi o peior momento da minha vida. Era a Providencia que nos
salvava. Se o barco tivesse atestado de prôa com a voragem, seria
submergido, e estariamos perdidos. O desgoverno d'elle foi-nos a
salvação. Logo abaixo d'estes, outros ràpidos menores; e então fizémos
fôrça de remos para uns rochêdos, que a meio rio estavam collocados em
ponto onde a corrente era mais fraca. Abeirámos a elles, e estivémos a
tirar àgua e a arrumar as cargas, desarranjadas pêlo abalo dos ràpidos.
Segui ás 8 e 55 minutos, e logo, ás 9 e 15, encontrámos novas
cachoeiras. Ás 9 e 25, os grandes ràpidos da Manhicanga. Ás 9 e 30,
outros; e d'ahi aos grandes ràpidos da Lucanda, que passámos ás 11 e 8
minutos, saltámos em sete cachoeiras mais. Depois de passarmos um
pequeno ràpido, encontrámos a cataracta de Catima-moriro (_apaga o
fôgo_) ao meio-dia.

É Catima-moriro o ùltimo desnivelamento da região superior das
cataractas do alto Zambeze. D'ali até á nova região de ràpidos, que
precede a grande cataracta de Mozi-oa-tunia, o rio é perfeitamente
navegavel.

O espìrito tambem se fatiga como o côrpo, e foi verdadeiramente fatigado
de espìrito, que eu cheguei ao têrmo d'essa perigosa jornada do dia 12,
jornada que não posso relembrar sem terror. As commoções d'aquelle dia
tinham sárado o côrpo, e achava-me sem febre, mas muito fraco. Appareceu
muita caça, mas a minha fraqueza e as dôres que me produziam os
causticos ainda abertos, não me permittíram caçar.

O curso do rio foi sempre a S.S.E.

D'ahi em diante, o rio torna a ter o mesmo aspecto do Barôze, planicies
enormes, fundo de areia, e nem mais um rochêdo. As margens sam formadas
por camadas sobrepostas de argila esverdeada. O vento leste era de nôvo
fortissimo, e encrespava a superficie das àguas, levantando ondas
bastante grandes. Apesar d'isso, segui a 13, e fui acampar junto da
povoação de Catongo. De nôvo tinha peorado, e era prostrado pêla febre
que me mettia no barco para seguir.

Ali em Catongo encontrei a minha gente, que tinha deixado na foz do
Jôco, e que chegou n'essa noute.

Sube, que na vèspera tinham corrido um eminente perigo, sendo atacados
por um bando de leões. Subindo para cima de àrvores podéram escapar-lhe,
mas estivéram muito tempo cercados por elles. A minha cabrinha Córa foi
içada por um pano que lhe atáram aos cornos, e estêve amarrada a um
tronco junto de Augusto. O Augusto matou um dos leões, atirando-lhe de
cima da àrvore, e trocou em Catongo a pelle d'elle por uma grande porção
de tabaco.

No dia 14, naveguei a leste, direcção que toma o Zambeze, e fui acampar,
pêla tarde, ja perto da povoação do Quisseque.

O rio continúa a dividir-se, formando grandes ilhas, mas não como as da
região das cataractas. Sam canaviaes monòtonos, que cançam a vista.

Tivémos n'esse dia pescadores, que nos fornêceram abundante peixe. Fôram
os Uanhis, como lhes chamam os Luinas, e que não sam mais do que
_pygargos_ gigantêscos que povoam as margens do rio. Fôram perseguidos
alguns, que abandonáram o peixe que levavam.

Uma d'essas Àguias aquàticas, tinha nas garras poderosas um peixe mais
corpulento do que uma pescada, e levou-o fugindo dos meus remadores, sem
que mostrasse esfôrço ao voar.

Todavía, a maior parte abandonavam a prêsa, para fugir mais ràpidamente.

Estes pygargos do Zambeze, que não vi acima da região das cataractas,
t[~e]m a cabêça, o peito e a cauda completamente brancos, e as azas e
costas de um nêgro de èbano.

Sam exactamente como a especie Americana descripta com o nome de
_pygargo de cabeça branca_, mas menos corpulenta do que a ave que serve
de emblema ao pavilhão dos Estados-Unidos.

No dia 15 de Outubro, cheguei de manhã ao Quisseque, tendo navegado por
uma hora a leste.

Não quiz ir para a povoação, ja desconfiado do gentio, e fui acampar no
meio do caniçal de uma ilha fronteira. Mandei prevenir o chefe de que
estava ali, e deitei-me abrasado em febre, que de nôvo reapparecera
intensa.

Pouco depois da minha chegada, appareceu na ilha um homem trajando á
Européa, que, pêla côr de café com leite da pelle, eu reconheci ser um
filho das margens do Orange.

Disse-me, por intermedio do Verissimo, usando da lìngua Sesuto, que era
criado do missionario, e estava ali esperando a resposta do rei Lobossi
a respeito de seu amo. Por elle sube, que o missionario era Francez, o
que sôbre modo me fez admirar. Este homem, que se chamava Eliazar,
vendo-me muito doente, mostrou por mim carinhos que nunca vi em nêgro.

Dizendo-lhe eu, que vinha de propòsito procurar seu amo, elle
manifestou-me o seu contentamento, e assegurou-me, que o missionario era
o melhor homem do mundo.

Eu não sei explicar porque tive um prazer enorme sabendo que o meu homem
era Francez, mas é facto que o tive.

Estava eu conversando com Eliazar, quando chegou o chefe, cujo nome é
Carimuque, mas que tambem é conhecido pêlo de Moranziani, nome de guerra
dos chefes do Quisseque.

Disse-lhe, que queria seguir viagem no dia immediato, porque estava
muito doente, e precisava encontrar o missionario, para elle me dar
remedios.

Preveni-o de que não tinha vìveres, nem com que os comprar, e elle
prometteu-me mandar n'esse dia mesmo comida para mim e para os meus.

N'essa tarde os meus remadores começáram a gritar que não deixariam o
Quisseque sem serem pagos. Eu chamei-os e fiz-lhe ver, que não tinha
nada que lhes dar. Que o marfim só poderia ser convertido em fazendas
logo que eu chegasse ao missionario que as deveria ter, e por isso para
serem pagos era preciso seguir ávante.

Elles parecêram convencer-se com o meu argumento. Passei uma noute
horrivel no caniçal da ilha. Eram cobras que perseguiam ratos, e ratos a
fugir de cobras, os companheiros que tive em tôrno de mim. A febre
augmentou. Carimuque veio ver-me na manhã de 16, e trouxe-me um presente
de massamballa e uma pequena porção de farinha de mandioca.

Declarou-me elle, que os marinheiros se recusavam a seguir sem serem
pagos, e que por isso mandasse eu recado ao missionario para elle me
mandar as fazendas, e esperasse ali os enviados.

Recusei terminantemente fazel-o, e declarei-lhe, que lhes não pagava se
elles não seguissem no dia immediato. Depois de grandes debates, em que
fiz prova de enorme paciencia, e em que Eliazar pleiteava por mim,
repetindo cem vêzes, que seu amo, logo que me visse, pagaria tudo o que
elles quizessem, ficou resolvido que no dia 17 nos porìamos de nôvo em
viagem.

N'esse dia chegáram ali os enviados que Carimuque mandara ao Lui com a
mensagem do missionario.

Como se sabe, e eu ja narrei no comêço d'este capìtulo, Matagja
opposera-se formalmente ao ingresso do missionario no paiz do Lui. A
resposta do rei Lobossi, dada por Gambela, vinha cheia de hypocrisia, e
não era uma negativa formal.

Mandavam dizer-lhe, que muito estimariam que elle fôsse para ali; mas
que, n'aquelle momento, as guerras e a falta de commodidade que poderiam
offerecer-lhe em Lialui, cidade novamente construida, fazia com que
elles lhe pedissem, que se fôsse embora, e voltasse no anno seguinte.
Para Carimuque vinha uma ordem positiva para não lhe dar meios de elle
seguir para o Norte. Eliazar, que ficou muito triste com a mensagem do
rei Lobossi, continuou fazendo-me companhia, e falando-me sempre de seu
amo a quem tecia verdadeiros panegyricos.

Nesse dia, ás 4 horas da tarde, desencadeou sôbre nós uma horrivel
trovoada, que despejou copiosa chuva até ás 6 horas. Carimuque veio
ver-me de nôvo, e trouxe-me duas gallinhas.

Parti ás 9 horas do dia 17, e depois de navegar por duas horas e meia,
encontrei a foz do rio Machila. Naveguei a E.S.E.

O rio Machila tem ali quarenta metros de largo por seis de fundo, mas de
certo influe n'esta altura a àgua do Zambeze que o represa.

Corre em uma planicie enorme, onde pastam milhares de bùfalos, zêbras e
grande variedade de antìlopes. Vi ali muitos coroanes, e presenciei um
effeito de miragem sorprendente, apresentando-me tôda aquella manada
heterogènea, de patas para o ar.

Nunca vi tanta caça junta como ali, é ella muito esquiva, e não deixa
approximar a menos de duzentos metros.

Pude matar uma zêbra, que nos forneceu òptima carne, muito melhor do que
a de qualquér antìlope. Depois de duas horas de demora ali, segui
viagem, e naveguei por duas horas e meia mais, parando, ás 5 da tarde,
por vermos na margem uma àrvore velha trazida pêla corrente, onde fomos
fazer provisão de lenha para a noute. Foi um verdadeiro beneficio
aquella àrvore, sem a qual não teriamos lenha para cozinhar em campinas
despidas de arvorêdo.

Quando ìamos a seguir, appareceu um prêto, gritando que os outros barcos
tinham amarrado muito acima e acampado ali a gente. Tivémos que voltar a
traz, por não termos provisões no meu barco, e ir a carne na barco da
carga.

Só ás 6 e 30 minutos, ja noute, juntei a minha gente, e acampei com
elles.

N'essa occasião ja iam tôdos embarcados, porque Carimuque tinha pôsto
dois barcos grandes á minha disposição, e n'elles eu havia accommodado
Augusto, as mulheres, os pequenos e a minha cabrinha.

Calungo, o papagaio, esse viajou sempre comigo.

Carimuque tinha-me feito um presente valioso, n'uma porção de farinha de
mandioca, o melhor alimento que ali podia ter, para mim tão doente e tão
debilitado.

N'essa noute quiz comer uma pouca de farinha, e fui encontrar o saquinho
que a continha completamente vazio.

Entrando em averiguações do caso, sube que fôra o meu muleque Catraio
que a furtara e comêra.

N'essa noute, um drama terrivel passou-se junto do meu campo, no meio
das trevas.

Foi o combate cruento entre um bùfalo e um leão, que terminou pêla morte
d'aquelle em arrancos de agonia, ao passo que o seu vencedor dava
prolongados rugidos, acompanhados por um côro de hyenas. De manhã, a 100
metros do acampamento, fomos encontrar os despojos do bùfalo, cuja
cabêça estava intacta, e do qual existiam apenas ossos e farrapos de
carne deixados pêlas hyenas.

Segui viagem, e depois de cinco horas de navegação, entre ilhas
divididas por canalêtes, formando um systema complicado, aportei sôbre
um ràpido desnivelado de um metro, primeiro elo da cadea de cachoeiras
que vai terminar pêla grande cataracta de Mozi-oa-tunia.

Com o basalto reapparece a floresta lindissima, onde, entre outras
àrvores, sôbressahem já os baobabs, esses gigantes da flora Africana,
que eu não via desde Quillengues.

Desembarquei, e fui deitar-me á sombra de um d'esses colossos vegetaes.

Tinha terminado a minha navegação no alto Zambeze, e d'ali até encontrar
o missionario o meu caminhar era de nôvo a pé.

A povoação de Embarira distava seis milhas do ponto onde eu estava, e
para lá partíram os marinheiros com as cargas.

Eu adormeci, e só acordei por noute escura. Só o Verissimo, Camutombo e
Pépéca estavam junto de mim. Perguntei-lhes ¿porque estàvamos ainda ali?
respondendo-me o Verissimo, que não tinha querido interromper o meu
sono. Apesar do escuro da noute, ia pôr-me a caminho, quando reparei que
não tìnhamos uma só arma. O Verissimo, que de vez em quando fazia
asneira, deixara levar as minhas armas para Embarira. Não fiquei
socegado, vendo-me sem armas no meio de uma floresta infestada de feras.
Mandei-os logo juntar lenha para fazer uma fogueira, mas ás escuras
elles nenhuma encontravam que servisse.

Pépéca lembrou-se então de ter visto perto de nós um barco velho, que
effectivamente encontrámos, mas a dura madeira do Mucusse resistia ao
corte da minha faca de mato.

Lembrei-me de o jogar como arìete contra o tronco do baobab, e logo nós
três dando-lhe o movimento de vai-vem, o lançámos com a màxima fôrça. A
canôa fez-se em rachas na parte que soffreu o choque. Esta operação,
repetida algumas vêzes, forneceu lenha e com ella uma bôa fogueira.

Estàvamos dispondo-nos a dormir ali, quando sentímos gente, e logo
appareceu o Augusto com alguns homens, que vinham procurar-me.

Parti com elles, e cheguei a Embarira pêla meia noute. O chefe da
povoação tinha-me preparado uma casa, onde me recolhi cheio de febre e
fadiga.

Estava em Embarira, na margem esquêrda do rio Cuando, cujas nascentes
havia descoberto e determinado três mezes antes.

Estava pròximo a alcançar o missionario, de quem esperava auxilio para
poder continuar a minha viagem, e estava em vèspera de novas aventuras,
que não calculava ainda.

O estado da minha saude muito melindroso, a dùvida no futuro, as
apprehensões do presente, e milhares de persovejos, que tinha a casa
onde me recolhi, fizéram-me passar uma noute atribulada.

Depois, uma outra idéa, não me sahia da mente. Ao chegar ali, sube, que
um branco (Macua), que não era nem missionario nem commerciante, estava
acampado de fronte de mim, na outra margem do Cuando.

¿Quem seria o meu companheiro n'aquellas remotas paragens?

Ardia em curiosidade, e contava os instantes para o alvorecer do dia
seguinte.



CAPÌTULO SUPPLEMENTAR.


A pàginas 184, em capìtulo anàlogo a este, tratei por modo succinto, dos
paizes comprehendidos no meu caminho entre a costa de Oeste e o Bihé.

N'este capìtulo buscarei epitomar o que nos meus trabalhos escolhi de
mais interessante, relativo ao vasto territorio que medea do Bihé ao
curso superior do rio Zambeze, até onde termina a narrativa da minha
viagem na pàgina antecedente.

Apresentando um resumo das minhas determinações astronòmicas, dos meus
estudos meteorològicos, etc., sem pedantismo o faço, e creio apenas,
n'isso cumprir um dever, tornando pùblicos um certo nùmero de estudos e
trabalhos de que fui encarregado, e que, se não interessam a alguns
leitores, podem merecer attenção de outros.

Sem querer alcunhar-me de sabio, declarar-me ignaro seria affectação.

Àlém da carta geral d'Àfrica tropical do sul, quiz eu apresentar algumas
cartas parciaes dos paizes que mais merecéram a minha attenção no
caminho que segui, por poder dar a estas um desenvolvimento de detalhes
que a pequena escala d'aquella não comportaria.

Vou tratar d'esse enorme tracto de territorio, debaixo do ponto de vista
geogràphico, com tanto mais interesse, quanto elle é desconhecido aos
geògraphos; que nas suas cartas o t[~e]m preenchido até hoje com linhas
mal seguras, traçadas pela mão trèmula da dùvida, colhida nas
informações pouco idòneas e contradictorias de gente ignara.

Um Europeo, Silva Porto, atravessou aquella parte da planura Africana,
antes de mim, e em grande parte muito mais ao sul do caminho que segui;
mas Silva Porto nunca publicou as suas interessantissimas notas, que
agora anda pondo em ordem; e é preciso dizer, que, se essas notas dam um
valioso subsidio ao estudo da ethnographia Africana, pelo muito que a
sua vista observadora perscrutou dos costumes e do viver dos nêgros, dam
ellas um fraco auxilio ás sciencias geogràphicas, em que elle, por falta
de elementos, não pôde fazer um trabalho sério.

Sam paizes completamente novos á geographia aquelles que apresentei nos
antecedentes capìtulos, e de que vou tratar n'este.

As coordenadas geogràphicas dos principaes pontos do meu itinerario
fôram calculadas dos elementos que adiante publíco.

Começarei por descrever o systema fluvial d'esta parte da planura
Africana.

As ùltimas àguas que correm á costa de Oeste nascem em tôrno do Bihé,
dentro de um V enorme formado por dois rios, o Cubango e o Cúito, que,
depois de se unirem em Darico, vam correr a S.E. no Deserto do Calaari.

O systema fluvial da Costa Oeste, entre a foz do Cuanza e a do Cunene,
termina quasi ali; recebendo ainda o Cuanza alguns affluentes de Leste,
que vam buscar as suas àguas ao meridiano 18 E. Greenw.; taes sam: o rio
Onda, que ainda nasce dentro do àngulo formado pelo Cubango e Cúito, e o
Cuiba e o Cuime, que entrelaçam as suas nascentes com as do Cúito e as
de outro rio, o Lungo-é-ungo, que pelo Zambeze vai lançar no mar Indico
àguas bebidas nos charcos de Cangala, por 18 de longitude; e que
percorrem a enorme distancia de mil quatrocentas e quarenta milhas, para
atingirem a meta que a natureza lhes marcou. A latitude destas
nascentes, que, em amigavel convivio, partilham as suas àguas para
pontos da terra tão distantes, é pròximamente de 12° e 30', isto é, está
n'essa faxa, comprehendida entre os parallelos 11 e 13, onde nascem os
dois rios gigantes da Àfrica Austral, o Zaire e o Zambeze, e seus
principaes affluentes.

Entre o Equador e o parallelo 20 austral, esses dois rios formam dois
systemas d'àguas perfeitamente definidos, mas que t[~e]m um traço commum
de união no parallelo 12 e na faxa que borda esse parallelo 60 milhas ao
Sul e ao Norte, entrelaçando ali as suas origens muitos dos grandes
affluentes dos dois colossos, e formando de per-si cada um d'elles um
systema d'àguas que vai engrossar as duas artérias principaes.

Assim pois, entre os meridianos 18 e 35 a leste de Greenwich, e os
parallelos 8 e 15 austraes, tôda a àgua que corre ao Norte vai entrar no
Atlàntico por 6°, 8', com o nome de Zaire; tôda a que corre ao sul entra
no Oceano Indico por 18°, 50', com o nome de Zambeze.

Caminhando a E.S.E. afastava-me da bem pronunciada linha divisoria das
àguas dos dois grandes rios, e ao passo que os meus ex-companheiros se
entregavam ao estudo de um d'esses systemas d'àguas filial do Zaire, eu
seguia passo a passo outro filial do Zambeze; e á medida que avançava no
interior do continente, esse systema ia-se apresentando firmemente
definido e claro.

Os paizes de que falei nos anteriores capìtulos, os mesmos de que estou
tratando aqui, sam a sede de um systema fluvial, que forma um dos
principaes, se não o principal, affluentes do Zambeze.

O rio Cuando, artèria principal d'este systema, nasce, por 18°, 57' de
longitude, 12°, 59' latitude, n'um pequeno charco apaülado, superior ao
nivel do mar em 1362 metros.

A sua foz, na confluencia com o Zambeze, está collocada em 17°, 49' de
latitude, 25°, 23' de longitude, na altura de 940 metros do nivel do
mar. A extensão do seu curso é de 540 milhas geogràphicas, ou
pròximamente mil kilòmetros. O seu desnivelamento da nascente á foz é de
422 metros, ou de um metro em cada 2369 metros de curso.

Os affluentes do rio Cuando, pela maior parte navegaveis, representam
uma extensão de vias fluviaes não inferior a mil milhas geogràphicas, ou
pròximamente mil e oitocentos kilòmetros, que com o curso d'aquelle rio
perfaz um total superior a 1600 milhas, ou perto de tres mil kilòmetros.
Estes algarismos enormes representam a importancia d'aquella parte do
planalto Africano.

Forçando a minha marcha, entre mil difficuldades, pude seguir a linha
das nascentes do grande rio e seus principaes affluentes, que ficáram
perfeitamente determinados nos seus cursos superiores.

Aos traçados hypothèticos, a que a maior parte dos geògraphos preferiam
deixar na carta d'aquella parte d'Africa um branco enorme, pude
substituir um traçado firme e seguro do paiz ignoto.

O rio Queimbo, o Cubanguí, o Cuchibi e o Chicului, sam todos rios
navegaveis, banhando fèrteis paizes e promettendo um futuro áquella
parte do continente nêgro, livre do zê-zê, a môsca terrivel, que corta
cerce o porvir de muitos outros terrenos Africanos.

Agora, que em breves traços apresentei o grande e principal systema
d'aguas das terras comprehendidas entre o Bihé e o Zambeze, vou
succintamente falar da sua orographia.

Para isso preciso antes dizer duas palavras da constituição geològica do
solo, que facilmente explica os pequenos accidentes d'elle.

O solo Africano Austral é rocha das èpochas primitivas. Se junto ás
costas, nos terrenos baixos observamos os depòsitos sedimentares, e o
trabalho da àgua, elles acabam ali, para não deixar perceber mais do que
a acção do fôgo.

Os calcàreos terminam nas escarpas oeste das montanhas que formam os
primeiros degraos do planalto. Succede-lhes immediatamente o terreno
plutònico, e encontramos até ao Bihé o granito primitivo, profusamente
distribuido. Do Bihé para leste o granito vai desapparecendo, e àlém
Cuanza é substituido pelos xistos argilosos, e micaxistos.

É sempre o terreno eruptivo, mas debaixo da acção do metamorphismo.
Effectivamente, do Cuanza ao Zambeze o solo é metamòrphico.

Sam xistos e micaxistos, tornados de tal modo plàsticos, pela acção das
grandes àguas, que do Bihé ao Zambeze, se algum viajante tencionar um
dia ali atirar alguma pedrada, eu recommendo-lhe, que leve pedras do
Bihé e d'onde termina a região granìtica, porque em todo o caminho que
segui não encontra uma só.

A natureza do terreno explica por si mesma o seu pouco accidentado, e a
falta de cataractas e ràpidos nos rios d'esta região Africana. Em tôdo o
caminho que segui ha uma depressão constante no terreno até ao leito do
Zambeze, formando uma inclinação suave. Esta depressão é de 292 metros,
em 720 kilòmetros, que medeiam da margem do rio Cuanza á planicie do
Nhengo.

A orographia d'aquella região é produzida pela acção da àgua, e
perfeitamente marcada pelas depressões dos leitos dos rios.

30 a 40 metros acima do nivel das àguas correntes, se elevam systemas de
montes de cumiadas arredondadas e uniformes, acompanhando sempre sem
excepção o curso das àguas.

A flora que se nos apresenta no Bihé, e onde a planura attinge a sua
maior elevação, mais pobre em àrvores, mas riquissima em arbustos e
plantas herbàceas; na parte leste do paiz do Bihé, e sobre tudo
àlém-Cuanza, já recupera, com a menor elevação do solo, tôda a sua
riqueza tropical.

A caça, que escaceia desde o paiz do Huambo até pròximo da nascente do
Cuando, reapparece abundante d'ali até ao Alto Zambeze. Seis raças
perfeitamente distinctas, e que os sertanejos da costa confundem debaixo
do nome genèrico de Ganguelas, assentam as suas povoações do Cuanza ao
Nhengo.

O paiz a leste do Cuanza, na parte que é cortado pelos rios, Cuime, Onda
e Varea, e seus pequenos affluentes, é habitado pelos Quimbandes.

Do Cuito á nascente do Cuando, assentam as suas povoações os Luchazes.
Os affluentes de E. do Cuando, este mesmo rio, sam povoados de gentes de
raça Ambuela.

Como disse na minha narrativa, o paiz dos Luchazes está sendo invadido
por uma emigração enorme de Quiôcos ou Quibôcos, que tendem a
estabelecer-se nas margens do rio Cuito. Entre este rio e o Cuando e
muito para o sul, o paiz, sem povoações fixas, é com tudo occupado por
uma grande população nòmada, os Mucassequeres.

A margem sul do rio Lungo-é-ungo e seus pequenos affluentes, sam
habitados por os Lobares. Tres d'estas raças, os Quimbandes, Luchazes e
Ambuelas, falam a mesma lìngua, o Ganguela, com pequenas modificações.

Os Quiôcos e Lobares falam dialectos differentes, e os Mucassequeres uma
lìngua original, tão diversa das outras, que é impossivel serem
comprehendidos de povos estranhos.

Os Quimbandes sam indolentes e pouco guerreiros, pouco agricultores e
pobres em gados, occupando um paiz fertilissimo, em todas as condições
de dar a riqueza aos seus possuidores.

Formando federação, não deixam de andar em questões continuadas com os
vizinhos da mesma raça.

Não sam bravos, mas sam ladrões, e atacam sempre as comitivas do Bihé
que vam negociar cêra mais ao interior, logo que essas comitivas sam
fracas e elles conhecem que podem vencer.

É certo, logo que desfila uma comitiva no paiz, estarem elles embuscados
a contar as espingardas que traz, e o nùmero de caixas de pòlvora, que
se distinguem pelo seu invòlucro de pelle de leopardo, costume adoptado
pelos sertanejos Bihenos.

Se alguem entrar no paiz dos Quimbandes com 50 espingardas e seis ou
oito caixas de cartuxos, pode dormir descançado, que só terá d'elles
amizade e respeito.

Os Luchazes, um pouco mais agricultores do que os Quimbandes, não
possuem já rebanhos bovinos, e apenas ha aqui e àlém algum gado caprino
de inferior especie.

Já cuidam de colher cêra, e sam um pouco mais industriosos do que os
seus vizinhos de oeste.

Em quanto a valor e honestidade, orçam pelo mesmo. Constituidos em
federação como aquelles, cada povoação tem um chefe independente, um
pequeno senhor, que não se dá ares de tyranno com o seu pôvo.

Os Ambuelas, de muito melhor ìndole, não sam nada guerreiros. Sam talvez
a melhor gente indìgena d'Àfrica Austral.

Grandes cultivadores, não trabalham menos na colheita da cêra. Sam
pobres, podendo ser riquissimos se tivessem gados.

Formam federação como os outros, mas os chefes conservam um pouco mais
de independencia.

Em geral, vi n'Àfrica, que mais felizes e livres sam os povos governados
por pequenos senhores. Não se praticam ali as scenas de horror tão
vulgares nos grandes imperios regidos por autòcratas.

Se o roubo é vulgar, é desconhecido ali o assassinio, ao passo que entre
os grandes potentados o roubo vem depois do homicidio.

Sem pertenções a propheta, quero crer, que, um dia, será entre aquelles
povos que se estabelecerám os mais seguros elementos de civilisação
Europea n'Àfrica.

É minha opinião, que nos paizes occupados pelas confederações Africanas,
regidos por pequenos règulos, de ìndole menos guerreira, por se
reconhecerem mais fracos, é que deve entrar a civilisação com mão forte,
debaixo da forma do commercio, do missionario e do explorador.

Divirjo, por tanto, da opinião do mais ousado dos exploradores, do mais
enèrgico trabalhador Africano, do mais dedicado apòstolo da civilisação
do continente nêgro, do meu amigo H. M. Stanley.

Diz elle, que devem os missionarios atacar a Àfrica pelos grandes
potentados.

Não penso assim, e o estudo dos factos demonstra-me o contrario.

O Matebelle desde 25 annos que possue missionarios Inglezes, e não ha
ali um só Christão! Se o chefe é catechizado, o seu pôvo obedece e finge
seguir a lei de Christo.

É como a estàtua de Nabuchodonosor, tem pes de barro aquella
civilisação.

Môrra o chefe, venha outro que não queira trocar o harém onde ceva a
brutal lascivia, pelo thàlamo nupcial onde uma só espôsa lhe acompanhe
os passos na carreira da vida, e cahio o monumento, a civilisação
desfez-se, e não ha àmanhã um só christão na igreja que hoje regorgitava
de pôvo.

O commercio é bem recebido pelo grande potentado, porque representa
interesses immediatos materiaes de que elle colhe o fruto.

No Matebelle, onde os missionarios Inglezes não t[~e]m podido fazer
escutar a doutrina de Christo, os negociantes Inglezes t[~e]m
introduzido com o vestuario e com outras necessidades que t[~e]m sabido
crear, uma civilisação relativa.

Podem apontar-me o exemplo do Bamanguato, mas eu respondo com o que já
disse. Môrra o rei Khama, e vá ao poder um sova que não queira ser
Christão, e tôdos os cathequizados se esvaïrám como fumo. Os negociantes
continuarám o seu tràfico, mas o missionario terá de repetir com elle as
orações do Domingo, ás pessôas de familia que o rodeam.

Digo-o sem receio de errar.

No Transvaal, entre pequenos règulos, vemos muitos indìgenas que seguem
a lei do Evangelho. No Basuto ha Christãos convictos, independente da
influencia d'alguns chefes que o não sam.

Se os exemplos sam estes, aquelles que vêem no missionario o primeiro
mensageiro da civilisação Africana, que ataquem os pontos fracos do
reducto, e não vam perecer ingloriamente onde o cruzamento dos fogos é
mais activo.

Eu sou apologista do missionario, merecem-me a maior consideração não só
as missões, em si mesmo, mas os seus membros espalhados no meio dos
povos bàrbaros do continente nêgro. Tenho visto em quasi todos os que
conhêço a tendencia para seguirem um caminho differente d'aquelle que
aponto.

Tôdos querem um grande nùmero de adeptos para a catechese, sem olharem
ao terreno em que semeam.

Uma vez que incidentalmente falei dos missionarios Africanos, vou
ràpidamente dizer duas palavras mais sôbre o assumpto, que me proponho a
ratar um dia largamente em obra adequada.

Eu francamente não creio o cèrebro do prêto á altura de comprehender um
certo nùmero de questões, comezinhas entre povos de raças evidentemente
superiores.

As questões abstractas sam sublimes e incomprehensiveis a tão inferiores
organizações.

Explicar theologia a um prêto equivale a expor as sublimidades do
càlculo differencial a uma assemblea de camponios.

Mas, se o prêto não está á altura de poder jàmais comprehender as
verdades da religião de Christo, têm sem dùvida o sentimento do bem e do
mal, e está nas condições de comprehender os principios de moral commum.

Marchem para entre os povos ignaros d'Àfrica Central os missionarios,
sigam sem trepidar o caminho que lhes impõe a sua missão evangèlica, mas
desvendem os olhos.

Tomem para si o que ha de abstracto na sciencia de Deus, e não queiram
ensinar aos nêgros o que ha de sublime n'ella para cèrebros mais bem
organizados. Ensinem moral e só moral, com o exemplo e com a palavra;
criem necessidades aos que a ignorancia faz prescindir de tudo;
criem-lhes necessidades, que ellas farám nascer o trabalho, e só por
elle se regenera um pôvo.

Quero missionarios, mas quero missionarios do christianismo e da
civilisação, homens que compenetrados dos seus devêres para com Deos e
para com a sociedade, saibam firmar o edificio social em sòlidas bases;
ensinando o bem e o trabalho, e tudo o que o prêto possa comprehender;
esperando a occasião que o tempo, a civilisação, não deixará de trazer,
se elle bem trabalhar, para ir pouco a pouco incutindo nos ànimos as
verdades da theologia e da moral.

Busque primeiro fazer do prêto um homem, que tempo terá de fazer do
homem um Christão. Seguir o caminho contrario é edificar na areia.

No correr d'esta obra terei ainda de falar nas missões Africanas, e
falarei desassombradamente com a consciencia de que presto um verdadeiro
serviço á causa das missões e á causa da humanidade, apontando erros de
que ellas estam eivadas.

O homem que mais poderia coadjuvar o missionario em Àfrica seria o
negociante.

Infelizmente o commercio sertanejo está em mãos de bem tristes apòstolos
da civilisação.

Já falei dos Portuguezes, e com bem pesar meu tenho de metter
estrangeiros em linha igual. Por um lado, a invasão do commercio pelos
Àrabes de Zanzibar não dá em civilisação e cultura o que devia dar,
porque a dissolução de costumes de taes gentes destroe tudo quanto o
commercio adianta.

Por outro lado, os _traders_ (traficantes) Inglezes, creio que deixam
muito a desejar em moralidade, segundo ouvi dizer a missionarios seus
conterraneos. Esta questão, do commercio sertanejo como meio
civilisador, é questão que me proponho a tratar um dia, e que não é
cabida aqui, onde só por incidente falei de missões e commercio.

Volvendo a entrar em assumpto, dizia eu, que os paizes comprehendidos
entre o Cuanza e o Zambeze estam em condições de receberem com mais
facilidade do que os outros povos que conhêço em Àfrica, o impulso
civilisador que a Europa hoje se empenha em imprimir aos esquècidos
povos do grande continente.

Deixando estes paizes, dos quaes já falei detidamente nos anteriores
capìtulos, vou entrar no Alto Zambeze.

Até ali era eu o primeiro explorador a pisar aquellas paragens, o
primeiro a descrevel-as, o primeiro a apresentar uma carta geogràphica
que as representasse; ali havia sido já precedido por outro, e por outro
que se tornou tão distincto na obra da civilisação Africana, que ganhou
um tùmulo em Westminster Abbey, e repousa hoje junto dos reis, dos
grandes homens de Inglaterra. Vinte annos antes de mim, David
Livingstone percorreu aquelle paiz.

N'esse tempo era elle governado por outra raça, e eu fui encontral-o em
condições bem differentes.

As condições de geographia physica eram as mesmas; mas os geògraphos que
seguirem outros, terám sempre rectificações a fazer, terám sempre alguma
cousa a acrescentar.

Entre a carta de Livingstone e a minha ha differenças que já déram nas
vistas a alguns geògraphos Europeos.

Que o vulto respeitavel do cèlebre explorador me perdôe se eu o
contradizer em alguns pontos da sua geographia do Alto Zambeze. Era a
sua primeira viagem, e o Missionario ousado estava longe ainda de ser o
explorador geògrapho do futuro. Elle mesmo não se vexa de confessar que,
n'esse tempo, de balde tentou medir a largura do rio por um processo
trigonomètrico comezinho.

Da confluencia do Liba á do Cuando, o Zambeze apenas recebe na margem
direita dois affluentes, o Lungo-é-ungo e o Nhengo.

Quem viaja da Costa de Oeste vê logo, que entre o Nhengo e o Cuando
nenhum rio pode existir. Assim pois o rio Longo, o Banienko, etc., sam
traços filhos de informações erròneas.

Na longitude do Zambeze, no parallelo 15, encontrei tambem differença
grande para oeste; notando-se que essa differença envolve um êrro
manifesto; porque eu observava os reapparecimentos do primeiro satèlite
de Jùpiter, e havendo erro da minha parte era esse erro prejudicial a
mim, porque envolvia approximação da determinação de Livingstone.

Cada quatro segundos que eu visse mais tarde o reapparecimento, era uma
milha mais a favor d'elle.

O que poderia produzir um erro que me afastasse da posição determinada,
era eu ver o satèlite antes do reapparecimento, o que é materialmente
impossivel.

O curso do Alto Zambeze, na parte em que o visitei, isto é, do parallelo
15 á cataracta de Mozi-oa-tunia, é dividido em quatro trôços
perfeitamente distinctos. Do parallelo 15 (e mesmo muito mais do Norte)
até pròximo do parallelo 17, é perfeitamente navegavel em tôdas as
èpochas do anno.

Ahi começa a apparecer o terreno vulcànico, e com elle o basalto. É a
primeira região dos ràpidos e cataractas, onde fôra um serio obstàculo,
a grande cataracta de Gonha; tudo mais com pequeno trabalho se tornava
facilmente navegavel, abrindo um canal junto de uma das margens. Mesmo
em Gonha, era de pequena difficuldade profundar um canalête que existe
na margem esquêrda junto do caminho que segui por terra, e que vem
designado na carta, por onde se escôam àguas na èpocha das cheias.

Da ùltima cataracta, Catima-Moriro, até á confluencia do Cuando, torna o
rio a ter uma navigabilidade facil.

D'ahi para jusante novos ràpidos vam terminar na enorme cataracta de
Mozi-oa-tunia, e essa região não poderá nunca ser aproveitada como via
importante, porque uma sèrie de abismos lhe corta um futuro melhoramento
qualquér quanto a navegação.

No valle do Alto Zambeze ha terrenos productivos e ferteis. Vastas
pastagens alimentam milhares de rêzes nos valles, acima e abaixo da
região das cataractas. Na região montanhosa ha a môsca Zê-zê, e torna-se
difficil passar os gados de Lialui ao Quisseque.

Contudo, a môsca está concentrada nas florestas da região das
cataractas, e para leste do Barôze não existe, porque os povos
Chuculumbes sam grandes pastôres.

O valle do Alto Zambeze, cheio de belleza, fertil e rico, exhala do seu
seio envôlto nos aromas das suas flôres o miasma pestilente. Os
Macololos fôram dizimados pelas febres, e quando as azagaias do rei
Chipopa libertáram o paiz dos ùltimos conquistadores, já o clima tinha
feito a sua obra de destruição.

Os Bihenos, que resistem ás febres de quasi tôdos os paizes Africanos
que visitam, sam fulminados pelos miasmas do Zambeze.

No paiz entre o Bihé e o Zambeze, onde as caravanas se demoram muito
tempo a permutar cêra, é rarissimo haver um caso de febre no gentio
Biheno; àlém da planicie do Nhengo, multiplicam-se as sepulturas
d'elles.

Verissimo, indìgena e possuindo uma organização refractaria ao miasma,
Verissimo, que nunca em sua vida estivera doente, não pôde escapar ao
clima do Barôze, e vímos no capìtulo antecedente ser elle prostrado pêla
febre. Eu mesmo, que resisto bastante ás endemias Africanas, sentia
respirar a morte com o ar que respirava ali.

Esta verdade, se tivera sido apregoada ha mais tempo, teria poupado a
vida á familia Elmore, que só d'abeirar-se ao paiz succumbio; porque o
clima na região do Quisseque, e da confluencia do Cuando até Linianti,
não tem melhores condições de salubridade do que o Barôze.

Cumpro um dever falando bem alto a linguagem da verdade a respeito de um
paiz que está merecendo a attenção da Europa.

Ahi fica ella, e salva está a minha responsabilidade de informador
consciencioso, para todas as desgraças, que aquella voragem ainda ha de
causar aos que não crerem.

¿Será por isso o Lui um paiz de que se dêva fugir e ao qual ninguem se
deverá abeirar? Não é, e eu vou procurar demonstrar, que elle deve
merecer uma séria attenção, não só á Europa em geral, como muito
particularmente a Portugal.

A Àfrica Austral, entre os parallelos 12 e 18, tem uma largura media de
dois mil e seiscentos kilòmetros, e a partilha das àguas para as duas
costas faz-se a um quinto d'esta extensão, junto á Costa de Oeste;
porque se faz pròximo do meridiano 18 E. Greenw., isto é, a 600
kilòmetros apenas, da Costa Oeste.

D'ahi já se lançam dois rios, cujas àguas se juntam ao Zambeze, o
Lungo-é-ungo e o Cuando.

Antes de vermos a importancia d'estes dois cursos d'àgua, estudemos o
proprio rio gigante, aquelle que bebe as àguas de tôdo o planalto
Africano ao sul do parallelo 12 até ao parallelo 20, e a leste do
meridiano 18.

O Zambeze divide-se naturalmente em tres grandes trôços perfeitamente
distinctos:

O alto curso, o curso medio, e o curso inferior.

O Alto Zambeze comprehende o rio desde as suas nascentes, ainda ignotas,
até á sua grande Cataracta Mozi-oa-tunia.

O curso medio estende-se desde Mozi-oa-tunia aos ràpidos de Cabrabassa;
e o Baixo Zambeze d'ahi ao Mar Indico.

Vejamos agora quaes sam as condições de navigabilidade de cada uma
d'estas partes do rio, e qual a sua importancia relativa, e a dos seus
affluentes.

Já n'este mêsmo capìtulo descrevi as condições do Alto Zambeze e por
isso começarei por tratar do seu curso medio.

Conta elle de Mozi-oa-tunia a Cabrabassa uma extensão de 460 milhas
geogràphicas, ou de 828 kilòmetros, e divide-se em duas regiões
perfeitamente distinctas, a superior e a inferior, cada uma das quaes é
extensa de 230 milhas, ou 414 kilòmetros.

A região superior, que principia na grande cataracta e termina nos
ràpidos de Cariba, não tem importancia como via navegavel, nem pelos
affluentes que recebe, todos pequenos e inaproveitaveis á navegação.

Tem esta região alguns trôços navegaveis, mas em pequenas extensões, e
logo interrompidos com ràpidos. A segunda parte do curso medio, de
Cariba a Cabrabassa, está em condições bem differentes, tanto por
offerecer uma facil navigabilidade como por os importantes affluentes
que recebe do Norte. De um d'estes affluentes me occuparei em breve.

O Baixo Zambeze, de Cabrabassa ao mar, conta uma extensão de 310 milhas
geogràphicas, ou 560 kilòmetros, onde apenas poucas milhas sam occupadas
pelas cachoeiras de Cabrabassa; sendo o resto do curso navegavel, ainda
que em más condições, por falta de àgua na estação estia.

Esta parte do rio, mesmo nas más condições em que está da confluencia do
Chire a Tete, é ainda uma grande via por onde se faz todo o commercio do
interior com Quelimane. Recebe elle um affluente importante, o Chire,
magnìfico rio, que da sua foz a Chibisa, não tem cataractas, sendo
perfeitamente navegavel. O Chire que vem do Norte, no seu têrço medio
corre a S.E. quasi parallelamente ao Zambeze; e por isso de Chibisa a
Tete apenas medea uma distancia de 65 milhas geogràphicas, ou 117
kilòmetros, em terreno pouco accidentado, e que hoje, sem caminhos, se
vence facilmente a pé em cinco dias.

Esta circunstancia é muito para merecer a attenção; porque, sendo o rio
Zambeze pobre em profundidade da foz do Chire a Tete, não o é do Mazaro
ao mar; e assim, navegando-se por elle e pelo Chire até Chibisa,
chegamos a 5 dias de jornada a pé, de Tete, com toda a rapidez que nos
podem proporcionar aquellas magnìficas vias. Os 117 kilòmetros que
separam Chibisa de Tete, podem ser vencidos em um dia com uma simples
estrada de rodagem, e em tres horas com uma ferrovial.

Estam pouco ou nada estudados os ràpidos de Cabrabassa, e não faço idéa
até que ponto elles constituem um sério obstàculo á navegação, e se com
pequeno ou grande trabalho se poderia remover esse obstàculo.

Sei porem, que a região que elles occupam é pouco extensa, o que já
constitue uma vantagem indiscutivel.

Voltemos ao curso medio do Zambeze.

Recebe elle pelo norte dois importantes rios, o Aruangua do norte, e o
Cafucué.

O primeiro, em cuja foz assentou outrora a importante e commercial villa
do Zumbo, cujas ruinas attestão até que ponto a ouzadia Portugueza, ia
fundar os seus mercados, introduzindo a civilisação e o commercio nas
mais remotas terras Africanas, é um rio volumoso em àguas, mas, (dizem
os sertanejos Portuguezes) muito cortado de cataractas.

Seria contudo importantissimo o seu estudo, ainda que não lhe vejo a
mesma importancia que tem o outro rio, o Cafucué, de que vou falar.

Os pombeiros Bihenos passam ao norte do Lui, atravessam o paiz dos
Machachas, e encontram um rio enorme a que elles chamam o Loengue. Esse
rio é percorrido por elles nas suas viagens de tràfico, que o sobem até
ás origens, e descem até á foz, onde toma o nome de Cafucué.

Alguns dos que estavam comigo fizéram muitas vezes essa viagem, e raro é
o Biheno que não tenha estado em Caiuco.

Miguel, o meu caçador de elefantes, de quem mais de uma vez falei no
correr da minha narrativa, passou dois annos n'aquelle paiz caçando
elefantes, e muitas vezes percorreu o rio embarcado de Caiuco a
Semalembue; isto é uma distancia que eu calculo grosseiramente em 220
milhas geogràphicas, ou 400 kilòmetros.

De Lialui a Caiuco deve a distancia ser de 220 kilòmetros, porque é
facilmente vencida pelos Luinas em dez dias, havendo exemplos de ter
muitas vezes sido ganha em 8 e 7. Em virtude d'estes dados, lancemos um
ràpido golpe de vista ao estudo que temos feito do Zambeze, e
reconheceremos que, n'uma extensão de 900 milhas geogràphicas, ou 1620
kilòmetros, seguindo pelo Zambeze, Chiri-Tete, Cafucué ou Loengoe, a
Caiuco e Lialui, temos apenas 18 dias de caminho por terra, 5 de Chibisa
a Tete, 3 de Cabrabassa, e 10 de Caiuco a Lialui; representando uma
extensão de 400 kilòmetros, e por isso sendo aproveitados 1220
kilòmetros de vias fluviaes perfeitamente navegaveis.

Voltemos agora ao Alto Zambeze, e vejamos quaes as suas circunstancias
com relação aos seus affluentes. De um sabemos nos já que é navegavel, o
Cuando, mas sabemos tambem, que elle desàgua entre duas regiões de
cataractas; o que o isola das partes importantes do curso do Zambeze.

Mas da região que está entre a sua foz e o Lui, já disse que não vejo
impossibilidade de ser facilmente tornada em via aproveitavel; e logo
que assim seja, e mesmo agora, poderìamos descer do Lui, e subir pelo
Cuando até perto do meridiano 18.

Contudo, outro rio poderia fornecer-nos o meio de attingir aquelle ponto
mais directa e facilmente, se fôsse navegavel.

Era elle o Lungo-é-ungo.

O Lungo-é-ungo é a grande estrada dos Bihenos para o Alto Zambeze, e por
isso muito conhecido d'elles. Affirmam-me, que não tem cataractas, e não
deve tel-as, correndo em terreno igual ao do Cuando e do Ninda.

O seu desnivelamento é de 400 metros em 540 kilòmetros de curso.

Dizem os Bihenos, e affirmáram-me os naturaes, sempre que andei pròximo
d'esse rio, que elle não tem cataractas, como já disse, mas que por
vezes a sua corrente é muito violenta, sendo preciso puxar as canôas á
cirga. Sendo isto verdade, como supponho, chegarìamos do Mar Indico,
quasi á Costa de Oeste d'Àfrica, apenas com 18 dias de caminho por
terra, a pé! Isto é, em uma extensão superior a dois mil kilòmetros,
apenas terìamos de caminhar em terra 400!

A exploração do Loengue ou Cafucué e a do rio Lungo-é-ungo sam hoje das
mais importantes a emprehender na Àfrica Austral, e sam relativamente
faceis e pouco custosas.

Não pude deixar de chamar a attenção para este ponto, que resolve o
problema da facil communicação entre as duas costas.

Já vam longas estas divagações, em um capìtulo onde eu apenas tencionava
apresentar os meus trabalhos geogràphicos e meteorològicos.

Nas seguintes pàginas vai publicado d'esses trabalhos, o que eu julguei
mais interessante para alguns leitores.

Ás observações iniciaes de astronomia que me déram a determinação dos
pontos do meu caminho, seguem-se aquellas que me premitíram fazer o
relêvo do continente.

V[~e]m depois as notas meteorològicas, com interrupções inevitaveis
quando se é só a fazer um trabalho tal.

Constam ellas de dois boletins, que registam as observações feitas 0 h.
43 m. de Greenwich, e ás 6 horas da manhã do logar em que me achava,
hora a que dava corda aos chronòmetros.

O estudo d'esses boletins mostra sempre a grande uniformidade das
oscillações baromètricas, e as enormes desigualdades de temperatura e de
humidade do ar nos paizes a que se referem.

Vê-se tambem, que os ventos reinantes sam do quadrante Este em todo o
paiz do Bihé ao Zambeze.

Como já tive occasião de dizer, e bem se comprehende ao ler a minha
narrativa, não pude fazer collecções naturalistas, e apenas,
aproveitando muito pouco papél de que podia dispor, levei das nascentes
do rio Ninda algumas plantas, que estam em poder do Snr. Conde de
Ficalho, para serem estudadas, e onde parece já terem apparecido algumas
especies novas.

É opinião do Snr. Conde de Ficalho, que o cereal muito cultivado entre
os Quimbandes e Luchazes, a que eu chamo _Massango_, e erradamente
chamei Alpiste, é uma especie de _Penicillaria_, a que chamavam outrora
os botànicos _Penicetum typhoideum_.

Aquelle que eu designo com o nome de _Massamballa_ é o _Sorghum_.



*Quadro das Observações Astronòmicas pelo Major Serpa Pinto do rio
Cuanza ao Zambeze*.


 +--------------+---------------------------+---------------+-------------+
 |   Anno de    |       Logares onde        |   Hora dos    | Estado para |
 |    1879.     |         observei.         | Chronòmetros. |  Greenwich. |
 +--------------+---------------------------+---------------+-------------+
 |              |                           |   H.  M.  S.  |  H.  M.  S. |
a| Junho     17 |Mavanda                    |      ---      |     ---     |
b|   "        " |    "                      |    9  12  39  |+  3  47  18 |
c|   "        " |    "                      |    5  53  44  |+  3  47   4 |
d|   "        " |    "                      |    5  37  55  |     ---     |
e|   "       22 |    "                      |    9  25  38  |+  3  47  48 |
f|   "       24 |Rio Onda                   |      ---      |     ---     |
g|   "        " |    "                      |    8  57   0  |+  3  47  54 |
h|   "       25 |    "                      |      ---      |     ---     |
i|   "       26 |    "                      |    9  42  58  |+  3  48  10 |
j|   "       30 |1.5 milha a O. do rio Cuito|      ---      |     ---     |
l|   "        " |    "                      |    9   3  51  |+  3  48  46 |
m| Julho      2 |Alem do Cuito              |      ---      |     ---     |
n|   "        3 |    "                      |    0  29  32  |+  3  49   7 |
o|   "        " |    "                      |    3  53   7  |     ---     |
p|   "        4 |Cambimbia                  |      ---      |     ---     |
q|   "        " |    "                      |    8  56  46  |+  3  49  15 |
r|   "        " |    "                      |      ---      |     ---     |
s|   "        " |    "                      |    8  55  26  |+  3  49  15 |
t|   "        6 |Cambuta                    |      ---      |     ---     |
u|   "        " |    "                      |    9   0   2  |+  3  49  31 |
v|   "        7 |    "                      |      ---      |     ---     |
x|   "        " |    "                      |    9  10  14  |+  3  49  39 |
z|   "       10 |Nascente do Cuando         |      ---      |     ---     |
0|   "       11 |    "                      |    8  53  23  |+  3  50  24 |
1|   "        " |    "                      |      ---      |     ---     |
2|   "       14 |Nascente do Cubangui       |      ---      |     ---     |
3|   "        " |    "                      |    9  11  11  |+  3  50  54 |
4|   "       17 |Cangamba                   |    9   2  40  |+  3  51  24 |
5|   "       18 |    "                      |      ---      |     ---     |
6|   "       19 |    "                      |      ---      |     ---     |
7|   "        " |    "                      |    9   5   8  |+  3  51  44 |
8|   "       23 |    "                      |    9   9  29  |+  3  51  56 |
9|   "        " |Margem Direita do Cubangui |    4  49  47  |+  3  52   5 |
A|   "        " |    "                      |    4  52   5  |+  3  52   5 |
B|   "        " |    "                      |      ---      |     ---     |
C|   "       29 |Caú-eu-hue                 |      ---      |     ---     |
D|   "        " |    "                      |    8  55  42  |+  3  52  48 |
E|   "        " |    "                      |    8  58  22  |+  3  53   1 |
F|   "        " |    "                      |    8  59   5  |+  3  53   1 |
G|   "        " |    "                      |    8  59  42  |+  3  53   1 |
H|   "       31 |    "                      |    8  45  30  |+  3  53  19 |
I|   "        " |    "                      |    8  46  28  |+  3  53  19 |
J|   "        " |    "                      |    8  47  27  |+  3  53  19 |
L|   "        " |    "                      |    8  48  58  |+  3  53  19 |
M|   "        " |    "                      |    8  50  40  |+  3  53  19 |
N| Agosto     3 |    "                      |    9   9  11  |+  3  53  49 |
O|   "        4 |Margem Esquerda do Cuchibi |    3  15   7  |+  3  53  51 |
P|   "        " |    "                      |    2  40  47  |     ---     |
Q|   "        5 |Ponto onde deixei o Rio    |      ---      |     ---     |
R|   "        " |    "                      |    8  53   7  |+  3  54   0 |
S|   "        7 |Rio Chicului               |      ---      |     ---     |
T|   "        " |    "                      |    9   0   6  |+  3  54  16 |
U|   "       10 |Nascente do rio Ninda      |    6  57  20  |+  3  54  41 |
V|   "        " |    "                      |    6  58  20  |+  3  54  41 |
X|   "        " |    "                      |    3   3  52  |-  2   7  56 |
Z|   "       11 |    "                      |      ---      |     ---     |
=|   "        " |    "                      |    3   3   9  |-  2   7  53 |
-|   "       13 |Margem do Ninda            |      ---      |     ---     |
+|   "        " |    "                      |    6  33   5 }|             |
/|              |                           |              }|   3  55   7 |
*|   "       16 |    "                      |    6  55  53 }|             |
:|   "        " |Povoação de Calomba        |      ---      |     ---     |
;|   "        " |       "                   |    6  29  36 }|             |
!|              |                           |              }|+  3  55  33 |
?|   "        " |       "                   |    6  54   8 }|             |
 |              |                           |               |             |
^|   "        " |       "                   |    6  31  48 }|             |
'|              |                           |              }|+  3  55  33 |
.|   "        " |       "                   |    6  51  46 }|             |
,|   "       18 |Povoações do Nhengo        |      ---      |     ---     |
\|   "        " |       "                   |    8  58  21  |+  3  55  42 |
"|   "       21 |Canhete                    |      ---      |     ---     |
$|   "       25 |Lialui                     |      ---      |     ---     |
%|   "       29 |   "                       |      ---      |     ---     |
&| Setembro  10 |Catongo                    |      ---      |     ---     |
(|   "       12 |   "                       |    3  46  19  |+  3  57  35 |
)|   "        " |   "                       |    1   9  50  |     ---     |
[|   "       19 |   "                       |    9   6  53  |+  3  58  42 |
]|   "        " |   "                       |    3   4   9  |     ---     |
«|   "       20 |   "                       |    0  20   0  |+  3  58   0 |
»|   "       21 |   "                       |    6   2   0  |-  1  33   0 |
<|   "        " |   "                       |    6   0   0  |-  1  33   0 |
>|   "       22 |   "                       |    5  38   0  |-  1  33   0 |
~| Outubro    1 |Sinanga                    |      ---      |     ---     |
{|   "        4 |Sioma                      |      ---      |     ---     |
}|   "        " |   "                       |   10  10   1  |+  4   0  40 |
_|   "        9 |Confluencia do Jôco        |    9   8   9  |+  4   1  30 |
£|   "        " |       "                   |   10  42   0  |-  1  36   0 |
#|   "       11 |Cataracta de Nambué        |   12   3   0  |-  1  37   0 |
¨|   "        " |       "                   |    3  48  34  |+  4   1  50 |
 +--------------+---------------------------+---------------+-------------+


 +----------------+-----------+-----+-----+-------+-----+-----------------+
 |    Natureza    |   Dupla   |     |     |       |     |                 |
 |       da       | altura do | [A] | [B] |  [C]  | [D] |   Resultados.   |
 |   Observação   |   astro.  |     |     |       |     |                 |
 +----------------+-----------+-----+-----+-------+-----+-----------------+
 |                |   °  '  " | °  '|H. M.|  '  " |     |          °  '   |
a|Altura Mer. [*-]| 107 32 20 | --- | 1  9| -0 40 |  1  |Lat.     12 35 S.|
b|Chron. [*-]     |  83 45 10 |12 35| --- | -0 35 |  3  |Long.    17 26 E.|
c|   "   [)-]     |  70 33 10 |12 35| --- |   "   |  1  |Diff. do Chron.  |
 |                |           |     |     |       |     |    4^h.57^m.6^s.|
d|Eclipse do 1^o. |     ---   | --- | --- |  ---  | --- |Long.    17°30'E.|
 | satèlite de Jup|           |     |     |       |     |                 |
e|Chron. [*-]     |  79 30 16 |12 35| --- | -0 50 |  3  | "       17 30 E.|
f|Altura Mer. [*-]| 107 24 10 | --- | 1 10| -0 30 |  1  |Lat.     12 37 S.|
g|Chron. [*-]     |  88 24 20 |12 37| --- | -0 25 |  1  |Long.    17 45 E.|
h|Altura Mer. [*-]| 107 25 30 | --- | 1 10| -0 30 |  1  |Lat.     12 38 S.|
i|Chron. [*-]     |  73 18 40 |12 37| --- | -0 40 |  1  |Long.    17 46 E.|
j|Altura Mer. [*-]| 107 31 20 | --- | 1 12|   "   |  1  |Lat.     12 48 S.|
l|Chron. [*-]     |  86  4 24 |12 48| --- |   "   |  5  |Long.    18  7 E.|
m|Altura Mer. [*-]| 107 35 50 | --- | 1 12|   "   |  1  |Lat.     12 54 S.|
n|Chron. [)-]     |  83 23 30 |12 57| --- | -0 40 |  3  |Diff.para o logar|
 |                |           |     |     |       |     |  5^h. 2^m. 45^s.|
o|Eclipse do 1^o. |     ---   | --- | --- |  ---  | --- |Long.    18°23'E.|
 | satèlite de Jup|           |     |     |       |     |                 |
p|Altura Mer. [*-]| 107 50  0 | --- | 1 13| -0 40 |  1  |Lat.     12 56 E.|
q|Chron. [*-]     |  86 38 40 |12 56| --- |   "   |  3  |Long.    19 41 E.|
r|Altura Mer. [*-]| 107 50 20 | --- | 1 14|   "   |  1  |Lat.     12 56 S.|
s|Chron. [*-]     |  87  3 47 |12 56| --- |   "   |  4  |Long.    19 41 E.|
t|Altura Mer. [*-]| 108  9  0 | --- | 1 15|   "   |  1  |Lat.     12 58 S.|
u|Chron. [*-]     |  87  3 50 |12 58| --- |   "   |  3  |Long.    18 43 E.|
v|Altura Mer. [*-]| 108 22  0 | --- | 1 15|   "   |  1  |Lat.     12 58 S.|
x|Chron. [*-]     |  83 57 36 |12 58| --- |   "   |  3  |Long.    18 45 E.|
z|Altura Mer. [*-]| 109  2  0 | --- | 1 16|   "   |  1  |Lat.     12 59 S.|
0|Chron. [*-]     |  89 36 30 |12 58| --- |   "   |  3  |Long.    18 57 E.|
1|Altura Mer. [*-]| 109 16 50 | --- | 1 16|   "   |  1  |Lat.     12 59 S.|
2|   "            | 109 43 40 | --- | 1 18|   "   |  1  | "       13 12 S.|
3|Chron. [*-]     |  83 33 16 |13 12| --- |   "   |  3  |Long.    19 27 E.|
4|   "            |  86  1 40 |13 38| --- | -0 50 |  3  | "       19 41 E.|
5|Altura Mer. [*-]| 110  9 20 | --- | 1 19|   "   |  1  |Lat.     13 38 S.|
6|   "            | 110 30 50 | --- |  "  |   "   |  1  | "       13 38 S.|
7|Chron. [*-]     |  85 41 33 |13 38| --- | -1 50 |  3  |Long.    19 41 E.|
8|Azimuth 26° 15' |  84 42 30 |  "  | --- | -0 20 |  1  |Variação 18 22 O.|
9|Chron. [*-]     |  87 48 50 |13 48| --- | -0 35 |  3  |Long.    19 42 E.|
A|   "            |  88 37 27 |  "  | --- |   "   |  3  | "       19 44 E.|
B|Altura Mer. [*-]| 111 42 40 | --- | 1 19|   "   |  1  |Lat.     13 48 S.|
C|   "            | 112 58 40 | --- |  "  | -1  0 |  1  | "       14 30 S.|
D|Chron. [*-]     |  89 23 10 |14 30| --- |   "   |  1  |Long.    20 19 E.|
E|   "            |  88 28 40 |  "  | --- |   "   |  1  | "       20 17 E.|
F|   "            |  88 15  0 |  "  | --- |   "   |  1  | "       20 16 E.|
G|   "            |  88  2 20 |  "  | --- |   "   |  1  | "       20 16 E.|
H|   "            |  93 16 50 |  "  | --- |   "   |  1  | "       20 17 E.|
I|   "            |  92 59 10 |  "  | --- |   "   |  1  | "       20 16 E.|
J|   "            |  92 39 40 |  "  | --- |   "   |  1  | "       20 17 E.|
L|   "            |  92 11  0 |  "  | --- |   "   |  1  | "       20 15 E.|
M|   "            |  91 36 30 |  "  | --- |   "   |  1  | "       20 17 E.|
N|   "            |  86  5 50 |  "  | --- | -0 55 |  2  | "       20 15 E.|
O|   "            |  76 56 50 |14 34| --- |   "   |  2  |Diff.para o logar|
 |                |           |     |     |       |     | 5^h. 14^m. 56^s.|
P|Eclipse do 1^o  |    ---    | --- | --- |  ---  | --- |Long.    20 23 E.|
 | satèlite de Jup|           |     |     |       |     |                 |
Q|Altura Mer. [*-]| 116  8 10 | --- | 1 21| -0 55 |  1  |Lat.     14 42 S.|
R|Chron. [*-]     |  91 47 53 |14 42| --- |   "   |  3  |Long.    20 25 E.|
S|Altura Mer. [*-]| 117 21 40 | --- | 1 21|   "   |  1  |Lat.     14 39 S.|
T|Chron. [*-]     |  89 44 50 |14 42| --- |   "   |  3  |Long.    20 38 E.|
U|Alt. prox. do   | 118 37 50 | --- | --- |   "   |  1  |Lat.     14 46 S.|
 | Mer. [*-]      |           |     |     |       |     |                 |
V|         "      | 118 35 10 | --- | --- |   "   |  1  | "       14 46 S.|
X|Chron. [*-]     |  89 35 15 |14 46| --- |   "   |  3  |Long.    20 55 E.|
Z|Altura Mer. [*-]| 119 26 20 | --- | 1 23| -0 50 |  1  |Lat.     14 46 S.|
=|Chron. [*-]     |  90  8 46 |14 46| --- |   "   |  3  |Long.    20 56 E.|
-|Altura Mer. [*-]| 120 33 30 | --- | 1 25| -0 55 |  1  |Lat.     14 48 S.|
+|                |           |     |     |       |     |                 |
/|Alturas         | 120 17 10 | --- | --- |   "   |  2  |Long.    21 16 E.|
*| iguaes [*-]    |           |     |     |       |     |                 |
:|Altura Mer. [*-]| 122 12  0 | --- | 1 25| -0 50 |  1  |Lat.     14 54 S.|
;|                |           |     |     |       |     |                 |
!|Alturas         | 121 52 10 | --- | --- |   "   |  2  |Long.    21 41 E.|
?| iguaes [*-]    |           |     |     |       |     |                 |
^|                |           |     |     |       |     |                 |
'|     "          | 121 58 50 | --- | --- |   "   |  2  | "       21 41 E.|
.|                |           |     |     |       |     |                 |
,|Altura Mer.[*-] | 123 15 50 | --- | 1 28|   "   |  1  |Lat.     15  1 S.|
\|Chron. [*-]     |  90 53 53 |15  1| --- | -0 55 |  3  |Long.    22  2 E.|
"|Altura Mer. [*-]| 124 53 40 | --- | 1 30|   "   |  1  |Lat.     15 11 E.|
$|Altura Mer. [*-]| 127 34 40 | --- | 1 30| -0 55 |  1  |Lat.     15 13 S.|
%|     "          | 130 22 20 | --- |  "  |   "   |  1  | "       15 13 S.|
&|     "          | 139  8  0 | --- | 1 31| -3 30 |  1  | "       15 17 S.|
(|Chron. [)-]     |  71 42 50 |15 17| --- | -0 20 |  3  |Diff.para o logar|
 |                |           |     |     |       |     |   5^h.30^m.53^s.|
)|Reapparecimento |    ---    | --- | --- |  ---  | --- |Long.    23°19'E.|
 | do 1^o sat. de |           |     |     |       |     |                 |
 | Jup.           |           |     |     |       |     |                 |
[|Chron. [*-]     |  91 35 43 |15 17| --- | -0 55 |  3  |Diff.para o logar|
 |                |           |     |     |       |     |   5^h.31^m.36^s.|
]|Reapparecimento |    ---    | --- | --- |  ---  |  1  |Long.    23°15'E.|
 | do 1^o sat. de |           |     |     |       |     |                 |
 | Jup.           |           |     |     |       |     |                 |
«|Amplitude mag.  |    ---    |15 17| --- |  ---  |  1  |Variação 18 38 O.|
 | 18° 40'        |           |     |     |       |     |                 |
»|Amplitude mag.  |    ---    |  "  | --- |  ---  |  1  |  "      18 11 O.|
 | 17° 20'        |           |     |     |       |     |                 |
<|Amplitude mag.  |    ---    |  "  | --- |  ---  |  1  |  "      18 33 O.|
 | 19° 10'        |           |     |     |       |     |                 |
>|Amplitude mag.  |    ---    |  "  | --- |  ---  |  1  |  "      18 44 O.|
 | 18° 20'        |           |     |     |       |     |                 |
~|Alt. Mer.[+]    |  58  5  0 | --- | --- | -1  0 |  1  |Lat.     16  8 S.|
 | Dubuhe ([a] de |           |     |     |       |     |                 |
 | Cygne)         |           |     |     |       |     |                 |
{|   "   "        |  57  5  0 | --- | --- |   "   |  1  |  "      16 37 S.|
}|Chron. [)-]     |  86  3 30 |16 37| --- | -1  5 |  1  |Long.    23 45 E.|
_|   "   [*-]     |  89 19  3 |17  7| --- | -0 50 |  3  |  "      24 15 E.|
£|Altura Mer. [)-]| 138 30  0 | --- | --- | -1  0 |  1  |Lat.     17  7 S.|
#|       "        | 115 55  0 | --- | --- |   "   |  1  |  "      17 18 S.|
¨|Chron. [)-]     |  81 46  0 |17 18| --- |   "   |  1  |Long.    24 22 E.|
 +----------------+-----------+-----+-----+-------+-----+-----------------+


*Legenda*:
[A] Latitude Sul.
[B] Longitude em tempo.
[C] Erro do instrumento.
[D] N^o. de Obs.

[*-] símbolo do sol por cima da barra
[)-] símbolo da lua por cima da barra
[+] símbolo de estrela
[a] Letra grega "Alpha"



*Quadro das Observações Hypsomètricas, feitas de Caconda á foz do rio
Cuando no Zambeze, para determinar o relevo do Continente*.

Anno de 1878.

---------+----+-----------------------------+-------+-----+---+-----+------
         |    |                             |       |     |   |     |
   Mez.  |Dia.| Designação das localidades. |  [A]  | [B] |[C]| [D] | [E]
         |    |                             |       |     |   |     |
---------+----+-----------------------------+-------+-----+---+-----+------
Fevereiro|  9 |Quipembe                     | 636.0 | 19.6| 23|95.09|1,550
    "    | 10 |Pessengue                    | 638.5 | 16.0| " |95.20|1,506
         |    | (ao nivel do rio Cuando)    |       |     |   |     |
    "    | 11 |Quingolo                     | 632.5 | 21.2| " |94.94|1,604
    "    | 13 |Palanca                      | 635.0 | 20.3| " |95.05|1,566
    "    | 14 |Capôco                       | 631.3 | 25.2| " |94.91|1,627
    "    | 22 |Quimbungo                    | 632.0 | 20.9| " |94.92|1,609
    "    | 24 |Cunene (ao nivel do rio)     | 636.5 | 19.7| " |95.12|1,538
    "    | 25 |Dumbo (paiz do Sambo)        | 625.0 | 20.2| " |94.61|1,707
    "    | 26 |Burundoa                     | 629.0 | 18.1| " |94.78|1,646
    "    | 27 |Gongo                        | 631.0 | 18.0| " |94.88|1,613
    "    |  " |Ao nivel do rio Cubango      | 635.0 | 25.0| " |95.05|1,579
    "    | 28 |Chindonga                    | 633.0 | 18.5| " |94.96|1,589
 Março   |  1 |Cataracta do rio Cutato dos  | 636.0 | 26.5| " |95.09|1,570
         |    | Ganguelas                   |       |     |   |
    "    |  2 |Lamupas                      | 633.0 | 18.1| " |94.96|1,580
    "    |  4 |Capitão do Quingue           | 631.0 | 20.0| " |94.88|1,620
    "    |  6 |Rio Cuchi (ao nivel d'àgua)  | 638.0 | 21.0| " |95.18|1,526
    "    |  8 |Bilanga (Vicente) (Bihé)     | 631.0 | 18.2| " |94.88|1,623
    "    |  9 |Candimba (Bihé)              | 630.0 | 17.8| " |94.83|1,629
    "    | 20 |Belmonte (Bihé)              | 627.6 | 22.6| " |94.72|1,681
 Junho   |  3 |Commandante (Bihé)           | 647.9 | 20.0| " |95.60|1,379
    "    | 12 |Liúica (ao niv. do Cuanza)   | 654.9 | 25.9| " |95.89|1,304
    "    | 24 |Rio Onda                     | 650.9 | 22.0| " |95.72|1,347
    "    | 30 |Rio Cuito (20 metros sobre   | 647.9 | 24.0| " |95.60|1,389
         |    | o nivel do rio)             |       |     |   |     |
 Julho   |  2 |Licócótoa                    | 644.9 | 20.0| " |95.47|1,421
    "    |  4 |Cambimbia                    | 645.9 | 20.0| " |95.51|1,408
    "    |  5 |Serra Cassara Cahiéra        | 635.9 | 20.0| " |95.09|1,542
    "    |  7 |Cambuta                      | 647.9 | 21.0| " |95.60|1,381
    "    |  9 |Cutangjo                     | 650.6 | 21.0| " |95.51|1,348
    "    | 11 |Nascente do rio Cuando       | 650.3 | 24.9| " |95.70|1,362
    "    | 14 |Nascente do rio Cubangui     | 652.6 | 20.0| " |95.79|1,345
    "    | 17 |Cangamba                     | 661.0 | 24.0| " |96.14|1,228
    "    | 23 |Ponto onde deixei o Cubangui | 664.0 | 23.0| " |96.27|1,193
    "    | 30 |Caú-eu-hue (Cuchubi)         | 666.0 | 27.7| " |96.35|1,154
 Agosto  |  5 |Ponto onde deixei o rio      | 669.0 | 25.0| " |96.47|1,133
         |    | Cuchibi                     |       |     |   |     |
    "    |  7 |Rio Chicului                 | 669.0 | 24.9| " |96.47|1,133
    "    | 11 |Nascente do rio Ninda        | 667.0 | 28.3| " |96.40|1,143
    "    | 18 |Planicie do Nhengo           | 677.3 | 28.1| " |96.81|1,012
    "    | 25 |Lialui                       | 676.5 | 27.0| " |96.78|1,018
 Setembro| 15 |Catongo                      | 677.4 | 32.6| " |96.81|1,027
 Outubro |  5 |Sioma                        |  ---  | 20.0| " |96.80|  999
    "    |  9 |Foz do rio Jôco              | 679.0 | 20.0| " |96.88|  974
    "    | 16 |Quisseque                    |  ---  | 22.0| " |96.96|  952
    "    | 18 |Confluencia do Quando        |  ---  | 37.5| " |97.08|  940
    "    | 21 |Povoação de Embarira         | 681.0 | 37.4| " |96.96|  979
 Novembro| 21 |Mozi-oa-tunia                | 694.0 | 27.0| " |97.48|  795
---------+----+-----------------------------+-------+-----+---+-----+------

*Legenda*:
[A] Baròmetro.
[B] Thermòmetro.
[C] Temperatura ao niv. do mar.
[D] Hypsòmetro.
[E] Altitude em metros.



*Boletim Meteorològico feito a 0^h. 43^m. de Greenwich*.

Anno de 1878.

--------+----+-----+-----------+-------+---------------+-------------------
        |    |     |Thermòmetro|       |               |
  Mez.  |Dia.| [A] |centìgrado.|  [D]  |  Direcção do  |  Estado da
        |    |     |-----+-----|       |  vento.       |  atmosphera.
        |    |     | [B] | [C] |       |               |
--------+----+-----+-----+-----+-------+---------------+-------------------
Maio    |  1 |629.8| 21.5| 18.4|  ---  |E. fraco       |Alguns cirros.
   "    |  2 |630.0| 22.7| 19.8|  ---  |E. forte       |Nublado.
   "    |  3 |630.0| 22.1| 19.1|  ---  |E. fraco       |Limpo.
   "    |  4 |629.9| 22.5| 19.4|  ---  |  "            |   "
   "    |  5 |630.0| 22.3| 19.1|  ---  |  "            |   "
   "    |  6 |630.0| 22.0| 19.3|  ---  |  "            |   "
   "    |  7 |629.7| 22.4| 19.3|  ---  |O.S.O. fraco   |   "
   "    |  8 |630.0| 22.5| 19.8|  ---  |Calma          |   "
   "    |  9 |629.2| 20.5| 16.6|  ---  |  "            |   "
   "    | 10 |629.8| 20.2| 16.4|  ---  |N.E. fraco     |Algumas nuvens.
   "    | 11 |630.0| 20.8| 16.9|  ---  |E.N.E.         |   "
   "    | 12 |630.5| 21.0| 17.5|  ---  |E.N.E. forte   |Nublado.
   "    | 13 |630.2| 20.6| 16.4|  ---  |  "            |Limpo.
   "    | 14 |630.5| 20.5| 16.7|  ---  |E.M^{to}. forte|   "
   "    | 15 |630.5| 20.3| 16.8|  ---  |  "            |   "
   "    | 16 |630.2| 21.5| 17.7|  ---  |Calma          |   "
   "    | 17 |630.6| 22.0| 18.9|  ---  |E. moderado    |Alguns cirros.
   "    | 19 |630.5| 21.9| 18.7|  ---  |  "            |Limpo.
   "    | 20 |630.6| 21.8| 18.9|  ---  |  "            |   "
   "    | 21 |630.7| 20.9| 17.6|  ---  |E. forte       |   "
   "    | 22 |630.2| 20.8| 17.9|  ---  |Calma          |   "
   "    | 28 |645.1| 22.5| 17.4|  ---  |  "            |   "
   "    | 29 |644.9| 23.1| 18.1|  ---  |E. fraco       |   "
   "    | 30 |642.7| 23.2| 18.1| + 5.3 |E.S.E.         |   "
   "    | 31 |642.1| 23.9| 18.0| + 7.0 |  "            |   "
Junho   |  1 |642.1| 23.4| 19.0| + 6.0 |Calma          |   "
   "    |  2 |642.8| 23.0| 18.8| + 5.0 |  "            |   "
   "    |  3 |643.0| 22.9| 18.1| + 2.8 |E.S.E.         |   "
   "    |  4 |643.1| 23.7| 19.2| + 5.0 |E. forte       |   "
   "    |  5 |643.0| 23.3| 19.0| + 7.0 |Calma          |   "
   "    |  6 |643.2| 25.2| 19.9| + 4.0 |E. fraco       |   "
   "    |  7 |645.1| 24.1| 19.7| + 6.0 |E.S.E.         |   "
   "    |  8 |650.0| 22.4| 18.3| + 0.2 |S. fraco       |   "
   "    |  9 |648.4| 24.5| 21.8| + 0.7 |Calma          |   "
   "    | 10 |650.6| 24.7| 21.7| + 3.0 |  "            |   "
   "    | 11 |650.5| 24.9| 21.5| + 6.0 |  "            |   "
   "    | 12 |650.6| 24.5| 21.2| + 5.0 |E.S.E.         |   "
   "    | 13 |650.1| 24.9| 21.9| + 4.0 |  "            |   "
   "    | 14 |643.1| 25.1| 18.7| + 7.0 |Calma          |   "
   "    | 15 |643.1| 24.9| 19.0| +10.0 |  "            |   "
   "    | 16 |642.8| 25.0| 19.1| + 7.0 |E.S.E.         |   "
   "    | 17 |642.8| 24.8| 19.7| + 8.0 |S. fraco       |   "
   "    | 18 |642.6| 24.8| 19.5| + 9.0 |  "            |   "
   "    | 19 |642.4| 25.1| 19.4| + 5.0 |Calma          |   "
   "    | 20 |641.6| 24.9| 19.8| + 4.0 |  "            |   "
   "    | 21 |641.2| 25.2| 18.2| + 7.0 |  "            |   "
   "    | 22 |641.0| 24.8| 17.6| + 6.0 |  "            |Ceo limpo.
   "    | 23 |646.2| 23.9| 16.1| + 5.0 |E. forte       |   "
   "    | 24 |646.0| 25.4| 15.2| + 3.0 |  "            |   "
   "    | 25 |645.8| 25.7| 15.6| + 2.7 |E. forte       |   "
   "    | 26 |645.0| 25.3| 15.0| - 0.7 |    "          |   "
   "    | 27 |644.9| 24.5| 15.2| - 1.3 |    "          |   "
   "    | 28 |643.7| 26.1| 18.7| + 1.1 |Calma          |   "
   "    | 29 |642.8| 26.7| 18.6| + 3.7 |    "          |   "
   "    | 30 |640.3| 27.2| 18.0| + 1.8 |E. fraco       |   "
Julho   |  1 |641.5| 27.1| 18.7| + 2.6 |    "          |   "
   "    |  2 |639.1| 26.7| 18.9| + 0.7 |E. forte       |   "
   "    |  3 |640.1| 24.1| 16.9| + 1.0 |    "          |   "
   "    |  4 |639.5| 23.8| 12.3| + 2.5 |    "          |   "
   "    |  5 |642.0| 23.6| 15.6|  ---  |E. fraco       |   "
   "    |  6 |643.0| 23.0| 16.5| + 0.7 |E. forte       |   "
   "    |  7 |644.0| 24.0| 17.9| - 0.1 |E. fraco       |   "
   "    |  8 |642.9| 23.7| 17.2| + 2.5 |    "          |   "
   "    |  9 |644.8| 24.5| 17.1|  ---  |E. forte       |   "
   "    | 10 |645.0| 24.9| 17.8|  ---  |E.S.E.         |   "
   "    | 11 |644.0| 25.7| 18.4|  ---  |    "          |   "
   "    | 12 |650.0| 24.3| 17.1| - 0.1 |E. fraco       |   "
   "    | 13 |651.0| 26.2| 18.5| + 0.1 |Calma          |   "
   "    | 14 |646.8| 23.1| 16.9| + 2.1 |E. fraco       |   "
   "    | 15 |651.9| 22.7| 16.5| + 2.7 |Calma          |Nuvens (cirros).
   "    | 16 |652.0| 23.1| 16.9| + 3.1 |    "          |   "
   "    | 17 |651.7| 27.4| 21.9|  ---  |    "          |Ceo coberto.
   "    | 18 |651.8| 27.6| 22.4| + 7.6 |    "          |   "
   "    | 19 |652.0| 28.4| 19.9| + 9.0 |    "          |Algumas nuvens
        |    |     |     |     |       |               | (cirros).
   "    | 20 |651.4| 29.5| 18.0| + 5.0 |    "          |Extractos e cirros.
   "    | 21 |652.2| 28.2| 17.5| + 2.0 |E. forte       |Ceo limpo.
   "    | 23 |655.9| 26.8| 15.4|  ---  |E. fraco       |   "
   "    | 24 |655.1| 27.5| 15.9|  ---  |E. forte       |   "
   "    | 26 |657.0| 28.1| 16.1| - 1.5 |S.E. forte     |   "
   "    | 27 |658.0| 30.1| 17.6| + 1.8 |    "          |   "
   "    | 28 |658.3| 30.6| 18.1| + 3.2 |    "          |   "
   "    | 29 |657.7| 31.4| 16.2| + 4.0 |N.N.E.         |   "
   "    | 30 |657.5| 30.7| 16.8| + 3.7 |Calma          |   "
   "    | 31 |657.4| 29.2| 18.9| + 8.7 |S.E. fraco     |   "
Agosto  |  1 |658.0| 29.0| 18.1| + 5.1 |Calma          |   "
   "    |  2 |657.8| 30.3| 18.1| + 1.2 |S.E. fraco     |   "
   "    |  3 |658.6| 31.5| 17.9| + 3.4 |    "          |   "
   "    |  4 |660.0| 30.2| 18.4| + 4.1 |E. forte       |   "
   "    |  5 |659.5| 30.8| 17.7| + 3.0 |E.S.E. forte   |Algumas nuvens
        |    |     |     |     |       |               | (cirros).
   "    |  6 |660.1| 30.7| 17.1| + 1.9 |    "          |Limpo.
   "    |  7 |660.2| 31.0| 16.8| + 2.1 |    "          |   "
   "    |  8 |661.6| 31.1| 17.0| + 1.5 |E. forte       |   "
   "    |  9 |658.5| 30.4| 17.3| + 2.0 |    "          |Ceo limpo.
   "    | 10 |657.0| 31.2| 14.5| + 1.0 |    "          |   "
   "    | 11 |655.2| 28.8| 13.6| + 2.9 |    "          |   "
   "    | 12 |660.0| 28.2| 14.3| + 2.3 |    "          |   "
   "    | 13 |662.6| 28.5| 14.1| + 2.3 |    "          |   "
   "    | 14 |664.1| 28.1| 14.2| + 3.0 |E. forte       |   "
   "    | 16 |667.5| 28.7| 14.4| + 2.7 |    "          |   "
   "    | 17 |668.3| 28.4| 14.5| + 3.7 |    "          |   "
   "    | 18 |668.5| 28.3| 14.9| + 3.1 |Calma          |   "
   "    | 19 |667.8| 30.0| 15.1| + 4.4 |E.N.E.         |   "
   "    | 20 |663.5| 33.2| 16.8| + 3.9 |N.N.E.         |   "
   "    | 21 |668.2| 27.4| 14.8| + 9.6 |E.N.E.         |   "
   "    | 22 |667.9| 29.3| 14.5|  ---  |E. forte       |   "
   "    | 23 |668.5| 30.5| 19.2| +14.0 |     "         |   "
   "    | 29 |668.7| 34.9| 15.7|  ---  |E.N.E. forte   |   "
   "    | 30 |668.2| 35.2| 15.6|  ---  |     "         |   "
   "    | 31 |668.9| 35.1| 16.4|  ---  |     "         |   "
Setembro|  1 |668.1| 30.7| 15.9|  ---  |     "         |   "
   "    |  2 |668.5| 29.1| 15.7|  ---  |     "         |   "
   "    |  3 |668.0| 34.8| 17.9| + 7.0 |     "         |   "
   "    |  4 |667.0| 34.8| 19.2| + 6.0 |     "         |   "
   "    |  5 |667.9| 32.1| 17.6| + 5.8 |     "         |   "
   "    |  6 |668.0| 32.7| 16.4| + 9.0 |     "         |   "
   "    |  7 |668.1| 33.0| 17.5|  ---  |     "         |   "
   "    |  8 |668.0| 33.5| 19.3| + 7.0 |     "         |   "
   "    | 10 |668.5| 32.3| 20.8| +14.0 |     "         |   "
   "    | 11 |668.3| 33.2| 19.7|  ---  |     "         |   "
   "    | 12 |668.1| 33.8| 20.4|  ---  |     "         |   "
   "    | 13 |667.7| 34.2| 18.8|  ---  |     "         |   "
   "    | 14 |667.4| 35.4| 18.1|  ---  |     "         |   "
   "    | 15 |667.3| 35.9| 17.4|  ---  |     "         |   "
   "    | 17 |667.8| 35.3| 16.8|  ---  |E. forte       |   "
   "    | 18 |666.5| 36.4| 18.7|  ---  |     "         |   "
        |    |     |     |     |       |               | Grande orvalho da
        |    |     |     |     |       |               | noute.
   "    | 19 |668.2| 34.5| 16.8|  ---  |     "         |   "      "
   "    | 20 |668.0| 32.8| 21.4|  ---  |     "         |Alguns cirros,
        |    |     |     |     |       |               | muito orvalho.
   "    | 21 |668.5| 32.3| 23.7|  ---  |E. fraco       |Nublado, cumulos.
   "    | 22 |669.0| 33.0| 19.7|  ---  |E. forte       |   "      "
   "    | 25 |666.8| 36.2| 22.1|  ---  |E.S.E.         |Cumulos, muito
        |    |     |     |     |       |               | orvalho.
   "    | 26 |667.0| 35.4| 20.1|  ---  |     "         |   "      "
   "    | 29 |666.0| 34.7| 21.8|  ---  |     "         |   "      "
   "    | 30 |665.0| 30.8| 23.0|  ---  |     "         |   "      "
Outubro |  1 |668.2| 34.2| 22.1|  ---  |E. forte       |Limpo, muito
        |    |     |     |     |       |               | orvalho.
   "    |  2 |668.2| 34.2| 23.3|  ---  |     "         |   "     "
   "    |  3 |667.8| 31.9| 23.4|  ---  |     "         |   "     "
   "    |  4 |667.6| 34.0| 24.5|  ---  |     "         |Nublado.
   "    |  5 |667.9| 33.5| 24.6|  ---  |     "         |   "
   "    |  6 |668.8| 34.1| 23.4|  ---  |E.S.E.         |   "
   "    |  7 |670.0| 35.9| 28.7|  ---  |     "         |   "
        |    |     |     |     |       |               | Grande trovada.
   "    |  8 |670.0| 34.8| 26.5|  ---  |E. fraco       |Nublado.
   "    |  9 |670.8| 37.1| 23.3|  ---  |     "         |   "
--------+----+-----+-----+-----+-------+---------------+-------------------

*Legenda*:
[A] Baròmetro.
[B] Seco.
[C] Molhado.
[D] Mìnima aproximada.



*Estudo das Oscillações diurnas do Baròmetro, feito de 3 em 3 horas.
Catongo (Alto Zambeze). Altitude 1,027 metros.*

Anno de 1878.

---------+------+----------+----------+----------+----------+-----------
         |      | 6 horas. | 9 horas. | Meio-dia.| 3 horas. | 6 horas.
   Mez.  | Dia. +-----+----+-----+----+-----+----+-----+----+-----+-----
         |      | [A] | [B]| [A] | [B]| [A] | [B]| [A] | [B]| [A] | [B]
---------+------+-----+----+-----+----+-----+----+-----+----+-----+-----
Setembro |  17  |670.6|19.2|671.3|30.2|669.3|35.1|667.5|34.4|668.3|27.3
   "     |  18  |670.0|19.7|670.6|31.9|668.8|35.7|660.0|36.0|667.3|30.4
   "     |  19  |670.7|21.1|671.5|28.0|669.5|34.6|667.5|33.7|668.4|27.8
   "     |  20  |670.6|18.0|671.4|26.5|669.0|31.5|667.5|32.7|668.4|29.1
   "     |  21  |670.0|19.8|671.3|27.2|669.5|33.8|668.0|33.0|668.5|29.0
   "     |  22  |671.5|21.5|672.0|28.5|670.3|32.8|668.5|32.9|669.0|31.2
---------+------+-----+----+-----+----+-----+----+-----+----+-----+-----

*Legenda*:
[A] Baròmetro.
[B] Thermòmetro.



*Estudo do Estado Hygromètrico da Atmosfera, feito de 3 em 3 horas.
Catongo (Alto Zambeze).*

Anno de 1878.

--------+----+-----------+-----------+-----------+-----------+------------
        |    | 6 horas.  | 9 horas.  | Meio-dia. | 3 horas.  | 6 horas.
        |    +-----------+-----------+-----------+-----------+------------
  Mez.  |Dia.|Thermòmetro|Thermòmetro|Thermòmetro|Thermòmetro|Thermòmetro
        |    |centìgrado.|centìgrado.|centìgrado.|centìgrado.|centìgrado.
        |    |-----+-----|-----+-----|-----+-----|-----+-----|-----+------
        |    | [A] | [B] | [A] | [B] | [A] | [B] | [A] | [B] | [A] | [B]
--------+----+-----+-----+-----+-----+-----+-----+-----+-----+-----+------
Setembro| 18 | 19.7| 15.0| 31.9| 16.6| 35.7| 18.1| 36.0| 15.9| 30.4| 14.2
   "    | 19 | 21.1| 10.5| 28.0| 13.4| 34.6| 15.0| 33.7| 19.2| 27.8| 15.0
   "    | 20 | 18.0| 13.9| 26.5| 18.3| 31.5| 20.5| 32.7| 22.3| 29.1| 18.5
--------+----+-----------+-----------+-----------+-----------+------------

*Legenda*:
[A] Seco.
[B] Molhado.



*Boletim Meteorològico feito ás 6 horas da manhã (hora média do logar)*.

Anno de 1878.

---------+----+-------+-----++---------+----+-------+------
         |    |       |     ||         |    |       |
   Mez.  |Dia.|  [A]  | [B] ||   Mez.  |Dia.|  [A]  | [B]
         |    |       |     ||         |    |       |
---------+----+-------+-----++---------+----+-------+------
Fevereiro|  9 | 626.0 | 19.6||Julho    | 26 | 658.0 |  5.4
   "     | 10 | 628.5 | 16.0||   "     | 27 | 658.9 |  1.7
   "     | 11 | 622.5 | 21.2||   "     | 28 | 659.5 |  4.6
   "     | 12 | 623.0 | 20.4||   "     | 29 | 660.3 |  4.6
   "     | 13 | 625.0 | 20.3||   "     | 30 | 660.0 |  7.2
   "     | 14 | 622.0 | 15.8||   "     | 31 | 659.3 | 14.9
   "     | 15 | 621.0 | 16.0||Agosto   |  1 | 661.0 |  8.8
   "     | 16 | 622.3 | 16.5||   "     |  2 | 660.7 |  4.8
   "     | 17 | 622.5 | 18.8||   "     |  3 | 661.5 |  5.7
   "     | 18 | 622.5 | 20.0||   "     |  4 | 662.3 |  8.8
   "     | 19 | 620.0 | 19.5||   "     |  5 | 661.7 |  8.7
   "     | 20 | 622.0 | 20.0||   "     |  6 | 662.0 |  5.6
   "     | 21 | 622.5 | 17.2||   "     |  7 | 662.1 |  4.9
   "     | 22 | 622.0 | 20.9||   "     |  8 | 663.4 |  2.6
   "     | 23 | 621.5 | 21.2||   "     |  9 | 663.6 |  3.5
   "     | 24 | 618.5 | 17.3||   "     | 10 | 660.5 |  3.8
   "     | 25 | 615.0 | 20.2||   "     | 11 | 658.0 |  6.4
   "     | 26 | 619.0 | 18.1||   "     | 12 | 657.2 |  4.9
   "     | 27 | 621.0 | 18.0||   "     | 13 | 662.0 |  4.5
   "     | 28 | 623.0 | 19.5||   "     | 14 | 664.8 |  5.8
Março    |  1 | 623.0 | 18.2||   "     | 15 | 666.5 |  5.9
   "     |  2 | 623.0 | 18.1||   "     | 16 | 669.2 |  6.5
   "     |  3 | 617.0 | 16.6||   "     | 17 | 670.0 |  6.9
   "     |  4 | 620.0 | 18.5||   "     | 18 | 670.2 |  9.3
   "     |  5 | 621.5 | 20.0||   "     | 19 | 670.0 |  8.5
   "     |  6 | 621.5 | 18.2||   "     | 20 | 667.0 | 10.2
   "     |  7 | 619.0 | 17.7||   "     | 21 | 666.0 |  2.2
   "     |  8 | 621.0 | 18.2||   "     | 22 | 669.4 | 18.8
   "     |  9 | 620.0 | 17.8||   "     | 23 | 669.0 | 20.0
Maio     | 28 | 645.0 | 12.6||   "     | 24 | 670.0 | 16.0
   "     | 29 | 644.8 | 14.2||   "     | 25 | 670.0 | 14.5
   "     | 30 | 642.3 |  9.4||   "     | 26 | 671.0 | 13.7
   "     | 31 | 642.0 | 10.0||   "     | 27 | 671.2 | 15.0
Junho    |  1 | 641.9 | 12.2||   "     | 28 | 672.3 | 14.0
   "     |  2 | 643.0 |  9.9||   "     | 29 | 671.0 | 15.0
   "     |  3 | 643.2 |  8.6||   "     | 30 | 671.0 | 14.8
   "     |  4 | 643.0 | 10.0||   "     | 31 | 670.6 | 12.1
   "     |  7 | 645.0 | 11.4||Setembro |  1 | 670.0 | 16.1
   "     |  8 | 649.8 |  5.8||   "     |  2 | 670.0 | 13.7
   "     |  9 | 648.5 |  5.1||   "     |  3 | 670.0 | 11.3
   "     | 10 | 651.0 |  6.5||   "     |  4 | 670.0 | 10.0
   "     | 11 | 650.8 |  9.1||   "     |  5 | 670.5 | 13.2
   "     | 13 | 650.0 |  7.1||   "     |  6 | 670.0 | 16.2
   "     | 14 | 650.0 |  8.0||   "     |  7 | 669.6 | 13.6
   "     | 15 | 643.0 | 11.2||   "     |  8 | 670.0 | 12.3
   "     | 16 | 642.9 |  9.2||   "     |  9 | 671.3 |  4.1
   "     | 17 | 643.0 | 11.5||   "     | 10 | 670.0 | 19.4
   "     | 18 | 642.9 | 11.9||   "     | 11 | 669.0 | 20.3
   "     | 19 | 642.6 |  7.4||   "     | 12 | 678.1 | 19.8
   "     | 20 | 641.2 |  6.8||   "     | 13 | 669.0 | 20.5
   "     | 21 | 641.5 |  9.1||   "     | 14 | 670.2 | 14.7
   "     | 22 | 641.5 |  9.7||   "     | 15 | 671.0 | 19.2
   "     | 23 | 641.0 |  7.9||   "     | 16 | 672.0 | 18.6
   "     | 24 | 646.9 |  4.6||   "     | 17 | 670.6 | 19.2
   "     | 25 | 646.1 |  3.6||   "     | 18 | 670.0 | 19.7
   "     | 26 | 645.2 |  1.8||   "     | 19 | 670.7 | 21.1
   "     | 27 | 645.0 |  1.9||   "     | 20 | 670.6 | 18.0
   "     | 28 | 644.0 |  2.1||   "     | 21 | 670.0 | 19.8
   "     | 29 | 644.0 |  3.6||   "     | 22 | 671.0 | 21.5
   "     | 30 | 643.0 |  4.1||   "     | 23 | 671.0 | 22.2
Julho    |  1 | 643.0 |  4.1||   "     | 24 | 670.0 | 21.7
   "     |  2 | 642.5 |  5.8||   "     | 25 | 669.0 | 15.4
   "     |  3 | 640.1 |  1.8||   "     | 26 | 668.8 | 15.7
   "     |  4 | 641.1 |  3.1||   "     | 27 | 668.8 | 12.6
   "     |  5 | 641.0 |  3.4||   "     | 28 | 669.0 | 18.0
   "     |  6 | 643.8 |  1.4||   "     | 29 | 668.6 | 21.0
   "     |  7 | 643.2 |  0.7||   "     | 30 | 669.9 | 19.2
   "     |  8 | 644.0 |  1.4||Outubro  |  1 | 668.5 | 17.1
   "     |  9 | 643.5 |  2.5||   "     |  2 | 670.0 | 18.8
   "     | 10 | 645.2 |  2.3||   "     |  3 | 670.6 | 16.1
   "     | 11 | 645.2 |  2.2||   "     |  4 | 671.0 | 12.5
   "     | 12 | 645.0 |  2.3||   "     |  5 | 671.5 | 15.7
   "     | 13 | 650.0 |  1.5||   "     |  6 | 670.0 | 16.2
   "     | 14 | 651.5 |  1.8||   "     |  7 | 672.0 | 21.8
   "     | 15 | 647.3 |  3.7||   "     |  8 | 673.5 | 23.1
   "     | 16 | 652.3 |  5.0||   "     |  9 | 673.0 | 15.3
   "     | 17 | 652.6 |  7.1||   "     | 10 | 673.0 | 19.6
   "     | 18 | 654.0 | 11.2||   "     | 12 | 672.0 | 20.7
   "     | 19 | 653.4 | 13.7||   "     | 13 | 674.0 | 22.7
   "     | 20 | 653.3 |  9.3||   "     | 14 | 676.0 | 21.8
   "     | 21 | 654.9 |  6.1||   "     | 15 | 675.0 | 19.1
   "     | 22 | 655.2 |  5.1||   "     | 16 | 674.3 | 21.7
   "     | 23 | 657.8 |  5.0||   "     | 17 | 673.0 | 21.2
   "     | 24 | 657.0 |  5.9||   "     | 18 | 676.0 | 21.2
   "     | 25 | 656.0 |  6.0||         |    |       |
---------+----+-------+-----++---------+----+-------+------

*Legenda*:
[A] Baròmetro.
[B] Thermòmetro.



SEGUNDA PARTE

A FAMILIA COILLARD.



COMO EU ATRAVESSEI ÀFRICA.

Segunda Parte.--A FAMILIA COILLARD.



CAPÌTULO I.


EM LEXUMA.

     Prêso em Embarira--O Doutor Benjamin Frederick Bradshaw--O campo do
     Doutor--O Pão--Graves questões--Os chronòmetros não
     param--Francisco Coillard--Lexuma--As damas Coillard--Doença
     grave--Receios e irresoluções--Chegada do missionario--Tomo uma
     decisão--Partida de Lexuma (em Inglez, _Leshuma_).


Foi tormentosa a noute que passei em Embarira. Assaltado por milhares de
persovejos, e por nuvens de mosquitos, tive de abandonar a casa que me
offerecêra o chefe, e ir procurar ao ar livre um refugio a tão cruél
tormento. Ao incòmmodo produzido pêlo ataque dos insectos vinha
juntar-se a anciedade da idéa de encontrar no dia seguinte um Europeu,
um homem desconhecido, mas com o qual eu contava ja para sahir dos
embaraços em que estava. Amanheceu finalmente o dia 19 de Outubro depois
de uma longa noute não-dormida.

As primeiras noticias que pude colher fôram de que o missionario estava
a 12 ou 14 milhas d'ali, mas que do outro lado do rio Cuando vivia um
Inglez.

Pedir uma canôa ao chefe para passar o rio foi o meu primeiro impulso,
mas obtive a mais formal negativa, a pretexto de que não havia canôa.

Depois de grande controversia, elle declara-me que me não deixa sahir da
sua povoação sem eu ter pago aos marinheiros uma certa porção de
fazendas.

Chamei o Jasse e mostrei-lhe a impossibilidade de fazer pagamentos sem
ter communicado com o Inglez, e ter d'elle obtido fazendas para os
fazer, porque eu nenhumas tinha.

Jasse reune os marinheiros e o chefe e fala-lhes n'esse sentido, mas
nada obtem, e a recusa de me deixarem ir á outra margem do Cuando é
formal.

Vendo que nada fazia, pedi-lhes que fizessem chegar um recado meu ao
Inglez, e escrevi algumas palavras n'um bilhête de visita. Foi o
Verissimo o mensageiro. A má noute velada, e a febre constante
prostráram-me. Deitei-me ao ar livre, esperando a resposta á minha
mensagem.

Seria passada uma hora, quando appareceu diante de mim um homem branco.
A sensação que experimentei ao ver um Europêu é indefinivel.

O homem que eu tinha diante de mim poderia ter de 28 a 30 annos, e
possuia um typo perfeitamente Inglez.

Barba pouca e muito loura, olhos azues, grandes e vivos, cabello cortado
rente e tão louro como a barba.

Vestia uma camisa de grossa tela, cujo collarinho desabotoado deixava
ver um peito amplo e forte, como as mangas arregaçadas expunham á vista
uns braços musculosos, queimados pêlo sol Africano.

As calças de estôfo ordinario estavam seguras por um forte cinto de
couro, d'onde pendia uma faca Americana.

Nos pes sôbre umas meias azues de algodão grôsso, uns sapatos que pêlas
costuras, tôdas feitas por fora, logo se via serem obra d'elle mêsmo.

Disse-lhe quem era; expuz-lhe as minhas circunstancias, e pedi-lhe para
me ceder a fazenda de que eu precisava, a trôco de marfim que eu lhe
podia dar. Mostrei-lhe a necessidade que tinha de me libertar d'aquelle
encargo para escapar áquella gente e ir encontrar o missionario.
Respondeu-me elle, que não tinha fazendas, que estava tambem sem
recursos, e que só mandando eu a Lexuma as poderia obter.

O seu modo de falar e a delicadeza das suas phrases mostravam-me logo,
que aquelle homem não era um ente vulgar. Elle dirigio-se ao chefe, e
convenceu-o a deixar-me ir á outra margem do rio, com a condição de que
voltaria á noute para Embarira.

Partimos, e depois de atravessar um grande rio, aquelle Cuando cujas
nascentes eu havia descoberto, e determinado mezes antes, chegámos a um
pequeno campo onde nos appareceu outro branco.

Era homem de elevada estatura, de longa barba e cabêllos brancos, que
mostravam não uma idade provecta, desmentida pêla agilidade do côrpo e
expressão da physionomia, mas sim a velhice prematura, producto de
longos soffrimentos e trabalhos.

Vestia como o primeiro, e só estava um pouco melhor calçado.

Conversámos sobre a minha posição, e vimos que elles nada podiam fazer
por mim, porque estavam tambem sem recursos.

Fui bastante absoluto empregando a palavra _nada_, porque se não tinham
outra cousa a dar-me, tinham um soffrivel jantar, e eu tinha fome.

Depois de saciar o meu voraz appetite, combinei com elles escrever ao
missionario, a pedir-lhe fazendas para o pagamento aos remadôres.

Expedi um portadôr para Lexuma e voltei a Embarira, onde me deitei ao ar
livre, com a lembrança da noute terrivel da vèspera.

Dormi a noute de um somno ùnico e profundo. Ao amanhecer do dia 20,
estavam junto de mim, vindas de Lexuma, as fazendas precisas para os
pagamentos das tripulações. Paguei tudo, e obtive do chefe carregadôres
sufficientes para levarem as minhas cargas e o marfim a Lexuma;
escrevendo por elles ao missionario, a quem pedi hospedagem, e a quem
pedia para pagar ali aos carregadôres.

Ao meio-dia, uma ligeira piroga, impellida pêlo remar de dous prêtos,
corria por sobre as aguas do Cuando, levando a seu bordo três homens
brancos.

A piroga velha e rachada fazia muita àgua, e por isso o homem que ia na
frente descalçara os sapatos que levava na mão, em quanto o da ré,
acocorado, esgotava incessantemente a muita àgua que colhia o fragil
batél.

O do meio, magnificamente calçado á prova d'àgua, contemplava distraido
o deslisar dos enormes crocodilos que fluctuavam á mercê da corrente, e
pouco caso fazia da humidade da canôa.

Estes três brancos, reunidos ali, no centro d'Àfrica, pêlos azares das
explorações, eram eu, o D^{or.} Benjamin Frederick Bradshaw, explorador
zoològico, e Alexandre Walsh, zoologista tambem, preparador de
exemplares e companheiro do doutôr.

Chegados á margem direita, foi logo posta á minha disposição uma das
três cubatas que elles tinham.

O D^{or.} Bradshaw, òptimo cozinheiro, como é habil mèdico, sabio
distincto, e caçador famôso, foi logo preparar um almôço de perdizes que
elle tinha môrto n'essa manhã. O cozinheiro do doutor, um activo
Macalaca, deitado de peito no chão, contemplava a seu amo a trabalhar na
cozinha, e contentava-se em o ver trabalhar.

O appetite, guardado desde a vèspera, fazia dilatar as fossas nasaes ao
sentirem o cheiro delicioso que sahia em condensado vapôr das caçarolas
do D^{or.} Bradshaw.

[Figura 118.--Três europêos atravessáram o rio.]

Os condimentos de que eu estava privado havia tantos mêzes, exhalavam
aromas deliciosos ao olfato de um faminto.

A cozinha estava feita, ìamos para a mêsa, onde havia uma grande panella
de milho cozido em grão, e um alentado prato de caril de perdizes.
Tìnhamos dado a primeira garfada nos pratos, quando na barraca entrou um
prêto com um objecto envolvido em alva toalha de linho.

[Figura 119.--O Campo do Doutor Bradshaw.]

Vinha da parte do missionario Francez. Desdobrei a toalha, que continha
um côrpo bastante pesado, e fiquei commovido diante de um enorme pão de
trigo, que tinha nas mãos.

¡Pão! Pão, que eu ja não via ha um anno; pão, que era para mim sempre a
cada comida em que o não tinha, uma recordação saudosa; que era um sonho
constante das noutes de fome; do qual cheguei muitas vêzes a ter um
desejo immoderado, e pêlo qual comprehendi que se possa commetter um
crime para o haver, quando privado d'elle por muito tempo.

As làgrimas viéram humedecer as minhas pàlpebras resequidas, e creio que
foi aquella uma das mais violentas commoções que senti na minha viagem.

Esquèci um pouco as perdizes do doutor, para comer, com voracidade,
d'aquelle pão, que saboreava com delicias nunca experimentadas em
gastronomia.

Foi Benjamin Bradshaw quem suspendeu o meu furor voraz, que me poderia
ser fatal, e que me fez tomar uma òptima chàvena de cacao, em seguida á
qual um sono profundo dormido n'uma barraca, lìvre do sereno da noute,
veio restaurar as fôrças.

Tôda a minha gente e as cargas haviam partido para Lexuma, ficando
comigo apenas Augusto e Catraio e a mala dos instrumentos.

Amanheceu alegre o dia seguinte, que deveria ser um dos mais atribulados
da minha vida.

Depois de um òptimo almôço de perdizes e chocolate, e quando nos
deliciàvamos a fumar o aromàtico tabaco do Chuculumbe, chegáram os
carregadôres que na vèspera tinham partido para Lexuma, fazendo grande
grita e dizendo, que não tinham sido pagos ali.

Admirou-me o facto, sôbre tudo por o Verissimo me não ter escrito, e por
ter ido com as cargas o marfim que seria garantia a tôdo o pagamento que
ali se fizesse.

Nós não tìnhamos fazendas, e não sabìamos que fazer diante das
exigencias dos selvagens, que teimavam em que tinham sido roubados,
porque tinham levado as cargas d'ali a Lexuma, e não tinham recebido o
menor pagamento. Pouco depois, chegáram o chefe de Embarira Mocumba e
Jasse, que começáram uma questão fortissima comigo e com os Inglezes,
ameaçàndo-nos e dizendo-nos as maiores insolencias.

Eu estava envergonhado e aflicto por ver os Inglezes, que tanto me
tinham obsequiado, mettidos em uma questão que me era particular, e
sêrem insultados por minha causa; mas impossivel me tinha sido prever um
tal acontecimento.

Depois de mil exigencias a que era impossivel satisfazer, elles com
Jasse á frente declaráram que iam a Lexuma rehaver as bagagens e o
marfim, e que tomariam conta de tudo até sêrem pagos; partindo em
seguida, mas deixando ali o chefe Mucumba com um grande trôço de gente a
vigiar-nos.

Por consêlho do D^{or.} Bradshaw, nós entrámos em uma das barracas e
pozémos as armas á mão, promptos a uma enèrgica defêsa, em caso de um
ataque provavel.

Ao cahir da tarde Mucumba começou a fazer uma grita enorme, e chamando a
sua gente invadio as duas barracas, levando de uma d'ellas a minha mala
dos instrumentos, que fez logo transportar ao barco e passar á outra
margem.

Voltáram a cercar a terceira barraca, em que nós estàvamos, exigindo que
eu fôsse com elles para Embarira. Receioso de que os meus hospedeiros se
expozessem por minha causa a um perigo eminente, queria-me entregar ao
gentio, e libertal-os de um conflicto inevitavel; quando o D^{or.}
Bradshaw me pedio que o não fizesse, e declarou-me que me não deixaria
partir, e que deveriamos resistir-lhes a tôdo o trance.

Na barraca estàvamos quatro homens, três brancos e o meu Augusto,
dispostos a vender caras as vidas, e era tal a nossa attitude que os
gentios recuáram ante a idéa de um ataque que seria fatal a muitos.
Depois de um consêlho prolongado entre as cabêças, decidíram elles
abandonar o campo e passar á outra margem.

Dàva-me cuidado não ver o meu muleque Catraio, que comecei a supor teria
sido feito prisioneiro, quando elle me appareceu na barraca, com o seu
riso intelligente e velhaco, trazendo na mão os meus chronòmetros, que
tinha ido á outra margem buscar á minha malla, em quanto os Macalacas
nos cercavam e ameaçavam. Mais uma vez Catraio impedia que os
chronòmetros parassem por falta de corda.

Estàvamos sós, mas muito apprehensivos, porque o doutor, que conhecia
bem os indìgenas d'ali, dizia, que elles não passariam sem voltar á
carga.

Pêlas 9 horas da noute, chega ao campo o missionario Francez, François
Coillard, e sabendo tudo o que se tinha passado, afirmou-nos que os
carregadores haviam sido pagos generosamente em Lexuma, e que elle se
encarregava de fazer ouvir razão ao chefe Mucumba.

No dia immediato, logo de manhã, o chefe Mucumba, Jasse e innùmeras
gentes, passáram o rio e viéram ao nosso campo.

M^{r.} Coillard, que fala a lingua do paiz como fala Francez ou Inglez,
fez um discurso ao chefe de Embarira, mostrando-lhe a pouca-vergonha dos
carregadores, que tendo sido generosamente pagos em Lexuma, viéram
dizer, que nada haviam recebido, e que tinham sido roubados.

Mucumba entregou logo tudo o que tinha roubado na vèspera, e deu muitas
satisfações, fazendo recair a culpa sôbre os seus homens que o tinham
enganado. Quando parecia que tudo corria bem e se havia harmonizado,
appareceu Jasse levantando uma nova questão.

Queria elle, que eu pagasse aos seus muleques particulares que tinham
vindo em seu serviço, e com quem eu nada tinha.

Eu argumentei-lhe com o caso da tripulação de um pequeno barco que do
Quisseque viéra em serviço dos outros remadores, e a quem eu nada tinha
dado. Depois de um curto debate, habilmente dirigido por M^{r.}
Coillard, elle recebeu duas jardas de fazenda para cada homem, e ficou
terminada a questão.

Fomos almoçar satisfeitos, julgando que estariam terminados os
incidentes desagradaveis d'aquelle dia, mas não estava escrito no livro
do destino que assim fôsse.

[Figura 120.--Monsieur e Madame Coillard.]

Jasse voltou de nôvo á carga com nova exigencia. Queria elle, que eu lhe
pagasse e ao chefe Mutiquetera, a quem eu ja havia pago com largueza.

Começou nova questão, em que de nôvo me prestou grande auxilio M^{r.}
Coillard; sendo preciso para a terminar, o prometter um cobertôr a cada
um d'êlles.

Mandou logo M^{r.} Coillard a Lexuma um portador buscar os dois
cobertôres, e a fazenda que êlle havia tirado da sua pacotilha, para
pagar á gente de Jasse.

Assim terminou finalmente aquella sèrie não interrompida de questões,
para o quê concorreu poderosamente a intervenção que n'ellas tomou
M^{r.} Coillard.

Disse-me elle, que ia partir para o Quisseque, a receber a resposta do
rei Lobossi a seu respeito, mas que em 10 ou 12 dias estaria de volta; e
por isso me pedia, que fôsse esperar o seu regresso para Lexuma, onde me
esperava sua espôsa Madame Christine Coillard; e só então poderìamos
discutir maduramente o que convinha fazer de futuro.

Resolvi seguir para Lexuma no dia immediato; porque queria determinar a
posição d'aquelle ponto, e fazer um certo nùmero de observações.

Durante a noute tive um violento accesso de febre, e de manhã sentia-me
muito mal.

O D^{or.} Bradshaw não me quiz deixar partir sem tomar algum alimento, e
por isso só as 10 horas pude deixar a margem do Cuando. O doutor e seu
companheiro deviam abandonar aquelle ponto no mesmo dia, e irem para
Lexuma, porque as scenas dos dias antecedentes aconselhavam-n-os de
evitar o contacto com aquelle gentio malèvolo.

Eu parti por um calor de 40 graos centìgrados, n'um terreno arenoso,
onde o caminhar era difficil. A febre tirava-me as fôrças, e mais me
arrastava do que caminhava. O terreno era coberto de arvorêdo, e
elevava-se logo a partir da margem do rio. Depois de cinco horas de
marcha lenta e penosa, encontrei um pequeno còrrego, onde pude saciar
uma sêde ardente. Só duas horas depois cheguei a Lexuma. Eram 6 da
tarde.

N'um estreito valle de oitenta metros de largo, enquadrado em montes
pouco elevados e de vertentes suaves, cresce uma herva grosseira e
rachìtica. Uma bella vegetação arbòrea guarnece as montanhas que
enquadram o pequeno valle, que se estende na direcção N.S. Na encosta de
E. algumas barracas agglomeradas formam o estabelecimento de um
sertanejo Inglez, M^{r.} Phillips.

Em frente a Oeste, duas aldeias abandonadas sam a feitoria de George
Westbeech.

Ao N. das aldeas de M^{r.} Westbeech, uma forte palissada cerca um
terreno circular de 30 metros de diàmetro, onde havia uma casinha de
côlmo, dois _wagons_, ou carrêtas de viagem, e uma barraca de campanha.
Era o acampamento da familia Coillard, era Lexuma emfim.

Entrei ali no recinto velado pêla alta estacaria de madeira, com o côrpo
extenuado pêlo cansaço e o espìrito abalado pêla commoção violenta que
sentia.

Diante de mim, á porta da casinha de côlmo, estavam sentadas duas damas,
bordando a côres em grossa talagarça.

Ao ver aquellas damas ali, no centro d'Àfrica, a minha commoção foi
indescriptivel.

[Figura 121.--Acampamento da familia Coillard em Lexuma.]

A recepção que me fez Madame Coillard foi aquella que faria a um filho,
se esse filho fôra eu. Com uma delicadeza extrema, pôz-me logo
perfeitamente á vontade, e disse-me, que ainda não tinham jantado,
porque esperavam por mim para pôr-se á mêsa. Convidou-me a entrar na
barraca de campanha, onde uma mêsa coberta de fina e alva toalha
sustentava um serviço modesto, contendo um jantar succulento. Defronte
de mim sentava-se Madame Coillard; ao meu lado Mademoiselle Elise
Coillard, sobrinha d'ella, de olhos baixos e physionomia rubra de pudôr,
por ver um estrangeiro desconhecido entrar tão de golpe na sua vida
ìntima e velada, espalhava em tôrno de si esse perfume de candura que
cerca e envolve a mulhér formosa aos desoito annos.

[Figura 122.--Interior do campo de Monsieur Coillard em Lexuma.]

Madame Coillard multiplicava-se em cuidados extremosos, e pêlo fim do
jantar eu comecei a provar uma sensação estranha. Aquellas damas, o
jantar, o serviço, o chá, o assucar, o pão, tudo enfim se me baralhava
na mente com traços mal definidos. Cheguei a não poder formular uma só
idéa, e a recear, que a cabêça enfraquecida não podesse supportar as
impressões d'aquelle momento.

Não tenho a consciencia de ter terminado aquelle jantar, sei apenas que
me achei só na barraca. Então um abalo violento sacudio tôdo o meu
côrpo; um soluço tolheu-me o ar na garganta, e as làgrimas saltáram
ardentes dos meus olhos desvairados, banhando-me as faces que queimavam
de febre. Chorei e chorei muito, não me envergonho de o dizer, e creio
que aquellas làgrimas fôram a minha salvação.

Se eu não tivesse chorado, teria talvez enlouquecido.

Que se riam aquelles que acharem ridìculas as làgrimas n'um homem; pouco
me importa o seu motejar estòlido. Infeliz de quem não encontra nos
sentimentos do coração o pranto que vem marejar nos olhos, e o soluço
que estrangula a fala, mais verdadeiras provas da gratidão sentida, do
que as frases mais eloquentes em protestos fervorosos.

Eu, por mim, não me envergonho de ter chorado, e feliz serei se podér
ainda chorar em iguaes trances.

Quanto tempo estive n'aquelle estado de excitação não o sei eu; mas,
muito tempo depois, entravam as damas na barraca e preparavam-me uma
cama com cuidados extremos.

A apparição das duas carinhosas senhoras veio trazer nova perturbação ao
meu espìrito. Eu não sabia que dizer-lhes, e creio que só lhes dizia
disparates.

Foi mesmo sem consciencia do que fazia que eu lhes narrei um boato
ouvido de manhã em Embarira, que apregoava ter havido um grande incendio
no Quisseque, nas casas do chefe Carimuque, e terem sido ali prêsa das
chamas as bagagens do missionario.

Deitei-me e creio que dormi.

Ao alvorecer da manhã seguinte, as scenas da vèspera desenhavam-se
confusamente na minha imaginação enfraquecida.

Parecia-me sonho tudo o que se passava n'aquelle sertão longìnquo.

Levantei-me, e ao ver que era realidade o que me cercava, o meu espìrito
volveu de nôvo a um deploravel estado de perturbação.

Machinalmente, sem a menor consciencia dos meus actos, por um poder
filho do hàbito, dei corda e comparei os chronòmetros, fiz as
observações meteorològicas, e registei tudo no meu diario.

Pouco depois, Mademoiselle Elisa, com a sua touca e avental branco,
entrava risonha na barraca, e vinha cuidar dos aprestes da mêsa para o
almôço.

Madame Coillard continuou envolvendo-me dos maiores desvelos.

Não posso ainda hôje explicar porque produziam em mim, espìrito forte,
uma tal impressão aquellas damas; mas é certo que a sua apparição
produzia-me logo uma especie de delirio.

Passáram dois dias que eu não sei como fôram passados; no fim d'elles
succumbí. A febre apossou-se de mim com violencia assustadôra, e com
ella veio o delirio. O meu estado era grave, mas dois anjos velavam á
minha cabeceira.

A 30 de Outubro, o delirio deixou-me um momento de lucidez. Conheci que
a vida estava apenas prêsa por um fio a um côrpo despedaçado pêlas
fadigas e fomes da jornada, e pensei que não me levantaria mais.

N'esse dia entreguei a Madame Coillard os meus papéis, pedindo-lhe que
os fizesse chegar com segurança ás mãos do Governo de Portugal.

O D^{or.} Bradshaw fizera-me repetidas visitas durante os dias
antecedentes, e empregara tôda a sua sciencia mèdica para me salvar.

Contudo a febre não cedia, e o estòmago não supportava medicamento
algum. Decidi eu mesmo tentar um ùltimo esfôrço, e comecei a dar
repetidas injecções hypodèrmicas com fortes doses de quinino.

A 31 fiquei espantado de ainda estar vivo, e redobrei a dose do quinino
pêla absorpção hypodèrmica. O D^{or.} Bradshaw aconselhou-me e fêz-me
tomar uma forte dose de laudanum. A 1 de Novembro, começáram a
manifestar-se as primeiras melhoras.

Nunca estive cercado de tão extremosos cuidados como ali.

As melhoras continuáram ràpidas no dia seguinte, em que ja me pude
levantar um pouco. Pareceu-me perceber que não sobejavam muito os
vìveres, e isso tirou-me um pouco o sono durante a noute. Na madrugada
seguinte, quando ainda tudo dormia no campo, levantei-me cauto e fui
chamar os meus prêtos.

Sahi com elles cambaleando ainda nas pernas debilitadas, e internei-me
na floresta, sem que alguem desse fé da minha escàpula. Pêla tarde
voltei com os meus homens curvados ao pêso da caça que tinha môrto.
Madame Coillard estava afflicta, pensando que eu havia abandonado o
campo para sempre, e fui recebido com a maternal censura de quem ralha
em familia.

Como em todas as minhas doenças graves, não tive convalescença, e a
minha forte organização fêz-me passar do estado valetudinario ao
perfeito estado de saude, em transição ràpida.

Com a robustez do côrpo veio o socêgo do espìrito, e só então pude
encarar reflectidamente a posição em que o destino me collocara. Pêla
conversação repetida com Madame Coillard, pude perceber que não
sobejavam recursos ao missionario. O meu marfim, bem pago, mas pago em
fazendas a que os agentes da casa Westbeech and Phillips déram subido e
exageradissimo valor, pouco produzio. Madame Coillard só via um meio de
sahirmos do apuro em que estàvamos, e êsse era, o de nos não separarmos,
por não ser possivel dividirem comigo os poucos recursos que tinham.

Contudo, esperàvamos a volta do missionario, do Quisseque, para tomar
uma resolução definitiva.

A idéa de ficar com elles aterrava-me.

Havia ali uma formosa criança, que impressionava a cada momento a minha
imaginação ardente de Portuguez.

¿Ser-me-hia possivel, n'um viver tão ìntimo, n'um isolamento tão grande,
impedir que uma fala escapada n'um momento de loucura, um olhar vibrado
n'um lampejo de delirio, fôssem offender a casta menina, descuidosa na
sua innocencia càndida?

Tremia por mim e por ella.

Decidi, pois, fazer um estudo de mim mesmo até á volta do missionario, e
calcular bem até que ponto eu seria capaz de ser honrado.

Passei três dias atribulados no estudo que fazia do meu espìrito.
¿Poderia eu namorar-me d'aquella meiga criança? De certo não; e a
lembrança sempre viva de uma espôsa idolatrada, era segura garantia aos
meus sentimentos.

Mas, se o coração estava defendido, não o estava a imaginação fèrvida, e
podia, n'um momento de desvario, com uma phrase imprudente, cometter uma
infamia--porque infamia seria fazer subir o pejo ao rôsto d'aquella em
cuja casa eu tinha sido recebido com a intimidade de um filho.

Àlém d'isso, o meu devêr era ainda maior. Era preciso evitar a tôdo o
custo, que a fama das proêsas que os meus de mim apregoavam; que a
posição, um pouco romàntica, em que eu me achava entre aquella familia;
não fôssem impressionar a novél imaginação dos desoito annos de uma
mulhér.

¿Poderia eu sustentar durante mezes o papél de uma reserva absoluta, na
grande intimidade da vida que ia levar?

Um dia pensei que era capaz de o fazer, e desde êsse dia tracei a minha
conduta futura, de que não arredei um só passo.

Muitos mezes depois eu tinha sido comprehendido por uma mulhér, que
soube ler no meu ìntimo com essa fina perspicacia que só ellas possuem
para ler nos arcanos da alma os mais recònditos sentimentos; e não
hesito em dizer, que fui comprehendido por Madame Coillard, porque, na
vèspera da nossa separação, ella escreveu no meu diario um versìculo do
Psalmo 37, que me revelou o seu pensamento.

Estava resolvido a ficar com elles, quando más novas chegáram do
Quisseque.

M^{r.} Coillard confirmava, em uma longa carta escrita a sua espôsa, o
boato do incendio a que ja me referi.

Tudo quanto elle tinha em casa do chefe Carimuque fôra prêsa das chamas,
e isso vinha ainda complicar a situação, diminuindo o seu haver.

Àlém d'esta, outra noticia veio consternar mais a bondosa espôsa do
missionario. Dizia elle que Eliazar, o homem que estava em Quisseque e
de quem ja falei, fôra atacado de um accesso de febre de mao caracter, e
estava em perigo.

Madame Coillard muito affeiçoada áquelle Catechista, que fôra outrora
seu servidor, ficou desde êsse momento em cuidados extremos.

Dois dias depois, a 6 de Novembro, uma nova carta do missionario veio
augmentar a tristeza que reinava no acampamento de _Leshuma_. Eliazar
estava peior e receiava-se que não podesse salvar-se.

No dia 7, eu tinha ficado levantado até tarde da noute, por ter a fazer
observações astronòmicas; ficando comigo as duas senhoras, em conversa
cujo assumpto era o missionario e a doença de Eliazar.

Madame Coillard disse-me, que tinha um forte presentimento de que seu
marido chegaria n'aquella noute. Propuz-lhe irmos ao seu encontro, e
tendo sido aceite o alvitre pelas duas corajosas damas, pozémos-nos a
caminho de Embarira.

A um kilòmetro do acampamento, eu que caminhava adiante d'ellas,
preveni-as de que sentia rumor de gente na floresta; mas julgáram ser
engano, porque ainda um kilòmetro àlém ninguem encontrámos. Contudo, eu
sabia não me enganar, porque mais de uma vez um rumor mal definido e só
perceptivel a ouvidos de sertanejo, tinha chegado até mim. Sem isso não
teria animado aquellas damas a esperar n'uma floresta povoada de feras,
e onde me sentia pouco á vontade pêla responsabilidade que tomava.

Pelas onze e meia, o rumor que por vêzes percebi tornou-se distincto
para os meus ouvidos, e não duvidei affirmar que gente calçada caminhava
no trilho que seguìamos. Pouco depois alguns vultos aparecêram na
sombra, e o missionario, acompanhado de dois ou três prêtos, estava
diante de nós.

Madame Coillard procurava em vão alguem junto de seu marido. Esse alguem
faltava. Mais uma sepultura tinha sido cavada no alto Zambeze, mais uma
lição estava dada aos imprudentes que se arriscam n'aquelle paiz da
morte.

Voltámos tristes e silenciosos ao campo de Lexuma.

No dia immediato tive uma larga conversa com M^{r.} Coillard. O que eu
previa ja era realidade. O missionario, falto de recursos, não me podia
dar o sufficiente para eu fazer a viagem até ao Zumbo.

Discutímos largamente todos os alvitres, e a ùnica possibilidade de
èxito era não nos separarmos e seguirmos juntos até ao Bamanguato, onde
eu poderia obter meios de seguir avante. Elle tinha pressa de partir,
porque àlém de não sêrem fartos os meios para uma espera qualquér,
Lexuma era-lhes fatal. Duas sepulturas de dois dos seus mais fiéis
servidôres tinham sido abertas ali.

Contudo, eu queria ir visitar a grande cataracta do Zambeze, e ficou
combinado que elle me esperaria até ao regresso, o que importava uma
demora de 12 a 15 dias.

Ficou decidido que eu partisse para Mozioatunia no dia 11, e Madame
Coillard, com maternal sollicitude, começou logo a tratar dos meus
aprestes de viagem.

No dia 10, uma forte tempestade cahio sobre nós, e sobreveio-me um
accesso de febre. Verissimo tambem adoeceu com febre. Este estado de
tempo e de doença continuou no dia 11, impedindo-me de realisar o
projecto de seguir n'esse dia para as cataractas.

No dia 12 eu estava melhor, mas o Verissimo tinha peiorado, sendo
necessario renunciar á partida ainda n'esse dia.

Então o missionario propoz-me seguirmos todos a 13 para o kraal de
Guejuma, e d'ali seguir eu ao destino projectado.

Effectivamente, ás 10^{h.} e 20^{m.} da noute de 13, deixámos o campo de
_Leshuma_. Era difficil o jornadear por entre a floresta com os pesados
_wagons_. A cada passo um tronco de àrvore ou um penêdo travava as
rodas, e era preciso cortar o tronco ou remover a pedra. O meu Augusto,
usando da sua força athlètica, fazia verdadeiros prodìgios.

Só ás 6 horas da tarde do dia 15 podémos alcançar o kraal de Guejuma,
tendo jornadeado noute e dia apenas com pequenos descanços, para os bois
pastarem e nós repousarmos. Não ha àgua entre estes dous pontos, e ainda
que tìnhamos uma escaça provisão para nós, os pobres bôis passáram três
dias sem beber. Por isso, logo que chegámos a Guejuma, êlles faziam
esforços inauditos para se libertarem dos jugos e correrem ás lagôas de
pèssima agua, que abastecem aquelle kraal, estabelecido pêlos sertanejos
Inglezes para repousar e têrem os gados, que não podem guardar em
_Leshuma_ por haver ali a terrivel môsca zê-zê.

O nosso caminho fôi por uma planicie arenosa e hùmida, onde os _wagons_
se enterravam dando grande canceira aos bôis.

Apesar do mao estado da minha saúde, determinei seguir no dia immediato
para as cataractas, e Madame Coillard não deixou um momento de se
occupar das minhas provisões de viagem.

Não me foi possivel encontrar um guia, mas apesar d'isso, não vacillei
um instante em partir.



CAPÌTULO II.


MOZIOATUNIA.

     Viagem ás cataractas--Tempestades--A grande cataracta do
     Zambeze--Abusos dos Macalacas--Regresso--Patamatenga--M^{r.}
     Gabriel Mayer--Tùmulos de Europêos--Chêgo a Deica--A familia
     Coillard.


Logo na manhã do dia 16 fiz os meus preparativos de viagem, e bem pouco
trabalho tive, porque Madame Coillard ja tinha preparado a parte mais
importante d'elles, a dispensa; tendo eu mesmo de entrevir, para mostrar
a impossibilidade de levar tudo o que ella queria que eu levasse, pois
que não tinha como carregadores mais do que dois homens, Augusto e
Camutombo.

Comigo deveria partir toda a minha gente que eu não quiz deixar em
Guejuma, receioso de que algum fizesse disparte na minha ausencia.
Ficáram apenas as minhas bagagens, a minha cabrinha Córa e o meu
papagaio Calungo.

Para a Àfrica não serve muito o rifão Europêu que diz, "quem tem bôca
vai a Roma;" mas sim outro se pode inventar para ali, e é elle, que
"quem tem bùssola vai a toda a parte."

Monsieur e Madame Coillard estavam verdadeiramente afflictos por me
verem partir sem guia e a pe. Mal sabiam elles quanto me era socia a
floresta Africana e como eu sabia andar n'ella.

Outro motivo de afflicção para elles era, a dùvida em que estavam de que
me não viesse a faltar àgua no caminho, por eu não ter meio de conduzir
nenhuma, e ser o paiz em extremo sêco. Tranquillisei-os como pude,
assegurando-lhes, que não contava morrer de sêde.

Como eu devêsse demorar-me de 12 a 15 dias n'aquella excursão, ficou
combinado, que elles partiriam para o kraal de Deica, onde eu deveria ir
encontral-os.

Finalmente, depois de mil demonstrações da mais afectuosa amizade, parti
ás 10 horas, sendo acompanhado durante um kilòmetro por M^{r.} e Madame
Coillard, que então se despedíram de mim, e voltáram ao kraal.

Segui sempre ao Norte na planicie, e uma hora depois encontrei uma
emmaranhada floresta, em que me embrenhei, para não alterar o meu rumo.
Depois de caminhar por quarenta minutos na mata, deparei com uma pequena
lagôa de àgua cristalina, e parei junto d'ella para deixar passar as
horas de maior calor. A esse tempo uma trovoada longinqua fuzilava ao
norte, deixando mal ouvir o rebombar dos trovões.

Deixei aquelle ponto ás 2 horas, a tempo que se formavam em tôdas as
direcções trovoadas ameaçadoras. Ás 4 horas, encontrei um trilho de caça
muito seguido de frêsco, e indo por elle á descoberta, fui dar a um
grande charco lodôso, habitual bebedouro de feras. Acampei ali, e
tratámos de construir abrigos contra a chuva que ameaçava cahir em
abundancia.

Os pedòmetros annunciavam a marcha de nove milhas geogràphicas.

Na manhã seguinte, parti ás 6 horas, e sustentei marcha de 4 horas,
interrompida apenas por uma pequena demora, proveniente de um forte
chuveiro que cahio pelas sete horas e meia. Parei para comer junto de
uma lagôa que dá nascensa a um riacho correndo a E.S.E.

Ao meio-dia, segui a N.N.E., mas tive que sustar a marcha ás 3 horas,
porque os meus ja não podiam dar um passo, tendo os pés despedaçados,
pêla pedra miúda e sôlta que encontràvamos desde a 1 hora, no terreno ja
bastante accidentado.

Eu mêsmo, doente e fraco, ja não podia soportar as grandes marchas que
antes fazia.

Durante a ùltima parte da marcha atravessei três pequenos riachos, que
correm a S.E. em leitos basàlticos.

As montanhas pedregosas, mas cobertas de vegetação arbòrea, correm
tambem a S.E., e não apresentam elevações, acima dos valles, maiores do
que 50 metros.

Acampei junto a um pequeno depòsito de àguas pluviaes.

Na manhã seguinte continuei a jornada, sempre em terreno pedregôso e
accidentado. Atravessei florestas muito espêssas, mas onde se não
encontram os gigantes vegetaes peculiares á flora intertropical.

Ainda n'essa manhã passei dois còrregos correndo a S.E.

Desde a vèspera caminhava eu em terreno de formação vulcànica. Passou
por ali uma revolução enorme, que deixou profundamente assignalada a sua
passagem com traços indeleveis, em gigantêscas obras de basalto.

No leito dos ribeiros e na escarpa das montanhas, o sol dardejando os
seus raios sôbre a pedra côr de fôgo, faz parecer, que ainda ali correm
ondas de lava.

Eu achava-me em bôa saúde, mas os meus difficilmente podiam caminhar
descalços, por sôbre a pedra cortante. Fiz apenas marcha de quatro
horas, e fui acampar junto de um ribeiro; tratando logo de construir
abrigos para nos acolhermos de uma tempestade imminente.

O sitio do meu acampamento era lindissimo. Um ribeiro d'àgua cristalina
correndo ao N., ficàva-me por oeste. Um còmoro coberto de frondoso
arvorêdo embelezava a leste a paizagem.

No limitado valle, àrvores enormes de muito differentes proporções das
que até ali encontrara, cobriam o meu campo formado de quatro pequenas
barracas.

Do norte, muito ao longe, o vento trazia um ruido semelhante ao ribombo
de mil longinquos trovões. Era Mozioatunia no seu bramir eterno.

Sahi a caçar e encontrei profusão de francolins, de que fiz bôa
provisão.

Matei tambem uma lebre, muito differente das da Europa nas côres do
pello, menor em tamanho, mas igual em fórmas. Tornàva-se muito
distincta, por ter o dôrso e as orêlhas quasi prêtas, e o ventre e
cabêça de um amarello d'óchre muito carregado, e pintado de manchas
nêgras.

De volta da caça, observei no meu campo um caso muito singular.

Vi milhares de termites trabalhando ao ar livre, e sem o menor cuidado
de cobrirem o seu caminho, ja nas àrvores ja na terra. Passei uma òptima
noute, depois de um bom jantar de perdizes.

No dia immediato, logo á sahida, passei um pequeno ribeiro que corre a
N.O., e depois de se juntar áquelle em cuja margem acampei, corre como
elle ao N. Segui sempre o curso d'esse ribeiro n'um valle pedregoso e
àrido, e depois de três horas de marcha parei, para descançar e comer o
resto das perdizes mortas na vèspera. Segui ao meio-dia, mas, uma hora
depois, tive de parar.

Muitas trovoadas, que desde manhã fusilavam perto do horizonte em todas
as direcções, subíram aos ares e viéram estacionar sôbre mim. Uma chuva
torrencial cahia, ou antes batia, sobre nós, tocada por um vento rijo de
N.N.E. Os nimbus espêssos e nêgros, pairavam perto da terra e despediam
das suas entranhas carregadas de electricidade, torrentes d'àgua e
torrentes de fôgo.

[Mappa de Mozioatunia]

Como eu disse, o sitio em que caminhava era um valle profundo despovoado
de àrvores. Montìculos de rocha terminados por vèrtices ponteagudos,
atrahiam o raio que os abrasava com o seu fôgo potente. Uma faísca veio
esmigalhar um penêdo a pouca distancia de mim.

Era um espectàculo tremendo e horroroso. Vi ali pêla primeira vez o raio
dividir-se. Uma faízca separou-se pròxima da terra em cinco, que
partíram quasi horizontalmente a ferir cinco pontos differentes; algumas
vi separarem-se em quatro, em duas, e três, quasi tôdas.

Ziguezagues de fôgo cruzavam os ares em todas as direcções, e abrasavam
a atmosphera. É preciso ter-se assistido a uma trovoada nos sertões da
Àfrica Austral, para bem se fazer idéa do que seja uma tempestade
medonha.

A minha gente prostrada por terra, horrorizada e escorrendo em àgua,
estava tranzida de frio e mêdo. Eu gracejava com elles e procurava
animal-os, mostrando uma tranquillidade que estava mui longe de ser
verdadeira.

Uma hora depois a tormenta, como que fatigada do seu pelejar insano, foi
diminuindo de intensidade, e eu pude pôr-me a caminho ás 2 horas e meia.

Ás três horas tive de parar, obrigado por uma forte chuva que não se
demorou muito em passar.

Pelas 5 horas passava em frente da grande cataracta e acampava a
montante d'ella, aproveitando umas barracas que ali encontrei e
reconstruí.

Durante a noute uma nova tormenta cahio sôbre o meu campo, e muitas
àrvores fôram derrubadas pêlo raio. A chuva torrencial inundou as
barracas, apagou os fogos e molhou tudo e a todos. Durou esta tempestade
até ás 4 horas da manhã, hora a que cessou quasi de repente.

Foi aquella uma noute cruél. Ali ja ao estampido dos trovões se juntava
o bramir da cataracta, e era qual produziria sons mais roucos e
medonhos.

O dia amanheceu chuvoso, e até ás 9 horas foi impossivel sahir das
barracas.

A essa hora rasgou-se o ceo nublado, e o sol veio illuminar a esplèndida
paizagem. Contudo era difficil caminhar n'um terreno encharcadissimo e
lodôso.

Uma forte apprehensão me perturbava o espìrito. A chuva da noute
estragava o pão e mais provisões dadas por Madame Coillard. Os
mantimentos chegariam ainda para dois dias, mas não podiam ir mais àlém.
Eu tinha contado com dois recursos, a caça e os Macalacas da outra
margem, que me venderiam massango.

Era porem impossivel caçar por tal tempo, e os Macalacas que passáram o
rio pediam taes exorbitancias por pequenos pratos de massango, que me
não era dado adquiril-os.

Ao meio-dia cheguei á extremidade oeste da grande cataracta. O Zambeze
duas milhas a montante da queda corre a E.N.E., e vai encurvando a E.,
direcção que leva no momento de encontrar o abismo em que se precipita.

¿_Mozi-oa-tunia_, ou _Mezi-oa-tuna_? Não sei, e ninguem o sabe. No paiz
uns dizem um nome, outros o outro.

Antes que os Macololos tivessem invadido o paiz ao norte do Zambeze, os
Macalacas chamavam _Chongue_ á grande cataracta.

Viéram os Macololos e pozéram-lhe um nome da lìngua Sesuto que elles
falavam.

Os Macololos desapparecêram e o nome ficou, como ficou aos povos
conquistados a lìngua dos invasores.

Um pouco corrompido, é verdade, mas sempre subsistindo, o Sesuto é a
lìngua official do Alto Zambeze.

_Mezi-oa-tuna_ quer dizer em Sesuto "a àgua enorme," e ainda que a
phrase parêça um pouco disparatada, esta composição é vulgar entre as
linguas bàrbaras da Àfrica Austral, para exprimir uma idéa, que a
pobrêza das lìnguas só poderia exprimir por uma longa phrase. Assim
pois, pode bem ser que seja _Mezi-oa-tuna_, o nome posto pelos Macololos
á grande cataracta.

[Figura 123.--Mozioatunia. A queda de oeste.]

Eu contudo inclino-me á opinião de Madame Coillard, que conhece a fundo
a lìngua Sesuto, de que seja _Mozi-oa-tunia_, o nome dado outróra pelos
guerreiros de Chebitano á maravilha do Zambeze.

Effectivamente, _Mezi-oa-tuna_ era uma phrase nova, uma composição de
palavras feita expressamente, ao passo que _Mozi-oa-tunia_ é uma phrase
ja feita, quotidiana, vulgar na lìngua dos Basutos. Quando o marido
volta a casa e pergunta á mulhér se a comida está ao fôgo, ella
responde-lhe "mozi-oa-tunia," "o fumo se levanta." Assim pois é mais de
supor que fôsse este ùltimo o nome dado pelos estrangeiros á cataracta,
por ser phrase vulgar entre elles, e ser bem apropriada á idéa.

Mozi-oa-tunia não é mais do que uma longa cova, um sulco gigantêsco,
aquillo para que se inventou a palavra abismo, mas abismo profundo e
immenso, onde Zambeze se precipita n'uma extensão de mil e oitocentos
metros.

O corte das rochas basàlticas que formam o paredão norte do abismo, é
perfeitamente traçado na direcção E.O., e tem uma extensão de mil e
oitocentos metros.

Parallelo a elle, outro enorme paredão basàltico distanciado na parte
superior, ao mesmo nivel, de cem metros, forma o outro muro do abismo.
Os pes d'estas moles enormes de basalto nêgro, formam um canal por onde
o rio corre depois de se despenhar, canal que é de certo muito mais
estreito do que a abertura superior, mas cuja largura é impossivel
medir.

No paredão do sul, proximamente a três quintas-partes d'elle, a Àfrica
foi rasgada por outra fenda gigantêsca perpendicular á primeira; fenda
que primeiro se encurva a oeste, e vergando depois pêlo sul a leste, vai
conduzindo em caprichôso ziguezague o rio, que ella la no fundo aperta
em estreito abraço de rochêdos.

Na cataracta o grande paredão do norte onde o rio se despenha é em
partes perfeitamente vertical, apresentando apenas as saliencias e
escabrosidades das rochas.

Uma enorme convulsão vulcànica fendeu ali a terra, e produzio aquelle
abismo enorme, em que se veio precipitar um dos maiores rios do mundo.
De certo o trabalho potente da àgua ja modificou muito a superficie das
rochas, mas não é difficil ao ôlho observador, o perceber bem, que
aquellas escarpas profundas, distanciadas hôje, fôram despegadas umas
das outras.

O Zambeze, encontrando no seu caminho aquella voragem, abìsma-se n'ella
em três cataractas grandiosas, porque duas ilhas, que occupam dois
grandes espaços no paredão do norte, o dividem em três ramos.

A primeira cataracta é formada por um braço que passa ao sul da primeira
ilha, ilha que occupa no rectàngulo que desenha a forma superior da
fenda, o extremo oeste.

Este braço precipita-se por isso no pequeno lado oeste do rectàngulo.

Tem sessenta metros de largo e oitenta de queda vertical, cahindo em uma
bacia d'onde a àgua vai procurar o fundo do abismo e unir-se ás outras
em ràpidos e cascatas quasi invisiveis pêla espêssa nuvem de vapôr que
envolve tudo lá em baixo.

A ilha que separa aquelle braço do rio é coberta de vegetação frondosa,
vegetação que se estende até ao ponto onde a àgua se despenha,
produzindo uma paizagem sorprendente.

É esta a menor das quedas, mas é a mais bella, ou antes a ùnica que é
bella, porque tudo mais em Mozi-oa-tunia é horrivel. Aquella voragem
enorme, nêgra como é nêgro o basalto que a forma, escura como é escura a
nuvem que a envolve, teria sido escolhida se fôsse conhecida nos tempos
bìblicos, para imagem do inferno, inferno d'àgua e trevas, mais terrivel
talvez que o inferno de fôgo e luz.

Para augmentar o sentimento de horror que se experimenta diante
d'aquelle prodigio, até é preciso arriscar a vida para a poder ver.
¡Vel-a! impossivel; Mozi-oa-tunia nem se deixa ver.

Ás vezes, lá no fundo, por entre a bruma eterna, percebem-se formas
confusas, semelhando ruinas medonhas.

Sam pontas de rochêdos de enorme altura, onde a àgua, que os açouta,
partindo-se em glòbulos se torna nuvem, nuvem eterna, que constantemente
alimentada tem de pairar sobre o rochêdo em que se formou, em quanto a
àgua cahir e o rochêdo se erguer ali.

Em frente da ilha do jardim, no meio de um arco-iris, concèntrico a
outro mais desvanecido, vi eu por vêzes, ao ondular da bruma,
desenharem-se confusamente, uma serie de picos, semelhantes aos
miranetes de uma cathedral phantàstica, que a um lado lançava aos ares
uma frecha de enorme altura.

Continuando a examinar a cataracta, vemos o comêço do paredão N. logo em
seguida á queda de oeste, ser occupado em uma extenção de duzentos
metros por uma ilha, aquella de que ja falei, que separa o braço do rio
que vai formar a primeira queda. Ali é o ùnico ponto em que se vê tôdo o
paredão, porque n'aquella extensão de duzentos metros o vapor não chêga
completamente a encobrir o fundo.

Foi n'esse ponto onde eu fiz as primeiras medições, e por meio de dois
triàngulos, achei para largura superior do corte 100 metros, e 120 para
altura vertical do paredão.

Esta altura vertical é superior mais a leste, porque o fundo do sulco
desce até ao corte que encana o rio ao sul. N'esse ponto tambem obtive
elementos para medir a altura.

Nas primeiras medições eu tinha por base o lado 100 metros, achado para
largura superior do sulco, mas era preciso ver o pé do paredão, e tive
de arriscar a vida para isso.

Tirei os pannos ao meu Augusto e ao meu muleque Catraio e amarrei-os.
Estes pannos de zuarte pintado e ja muito usados, não me offereciam uma
grande segurança, mas não tinha outro meio de me suspender no abismo.
Passei o fragil amparo em volta do peito, para me ficarem as mãos
livres, e tomando o sextante debrucei-me na voragem. Seguravam as
extremidades o meu Augusto e um Macalaca da povoação das quedas. Elles
tremiam com mêdo e faziam-me tremer, levando eu por isso muito tempo a
medir o àngulo. Quando lhes disse que me puxassem, e me pude equilibrar
sôbre as rochas, foi como se tivesse acordado de um pesadêlo horrivel.

Li no nonio 50° 10', e logo que registei a medida, comecei a
horrorizar-me do que tinha feito. Um excesso de vaidade mal-cabida, o
querer apresentar com a maior aproximação a altura da cataracta, acabava
de me fazer commetter a maior imprudencia que commetti em tôda a viagem.

Medir e triangular ali é difficilimo, e começa por faltar terreno onde
se possa medir uma base com algum rigor.

Eu apenas pude medir 75 metros, e isso com trabalho enorme.

Só posso suppor que os triàngulos feitos pêlo D^{or.} Livingstone da
ilha do Jardim, fôram resolvidos só com os àngulos; porque lados não
podia d'aquelle ponto medir nenhum. Pena é que não ficasse a fòrmula. A
medição da altura com um cordél e uma pedra atada na ponta, acho-a
tambem extraordinaria; porque as escabrosidades da rocha deveriam soster
o prumo, e àlém d'isso, da ilha do Jardim apenas se vê, na voragem
profunda, uma espêssa nuvem que tudo encobre, sendo impossivel divisar
nada lá em baixo, ainda que o Doutor atasse á pedra tôda uma peça de
algodão branco, em logar de um farrapo de 60 centìmetros, como elle diz
que fez. Fôsse como fôsse, elle foi mais feliz e mais esperto do que eu,
que pouco fiz, dispondo para isso de melhores instrumentos e mais
recursos.

[Figura 124.--Mozioatunia. Maneira pouco còmmoda de medir àngulos.]

Em seguida á primeira ilha onde fiz as medições, vem a parte principal
da cataracta, e é ella comprehendida entre essa ilha e a do Jardim. Ali
é que a maior porção d'àgua se despenha n'uma compacta massa de
quatrocentos metros de extensão, e ali é que o abismo atinge tôda a sua
profundidade. Vem, em seguida, a ilha do Jardim, de quarenta metros de
face sôbre a fenda; e depois a terceira queda, formada por dezenas de
quedas, que occupam tôdo o espaço entre a ilha do Jardim e a extremidade
leste do paredão. Esta terceira queda deve ser a mais importante no
tempo das cheias, logo que as pedras que na estiagem lhe dividem as
àguas fôrem cobertas, e não existir mais do que uma ùnica e enorme
cataracta.

A àgua que cae das duas primeiras quedas e parte da terceira junto da
ilha do Jardim, correm a leste, o resto da terceira a oeste, e
encontrando-se, unem-se em choque immenso, e voltam ao sul n'um referver
medonho, correndo ràpidas no fundo do abismo, em canal pedregôso, que as
entala nos seus caprichosos ziguezagues.

No ponto onde as àguas, ja em um canal ùnico, se dirigem ao sul, fiz uma
experiencia que narrarei em capìtulo separado d'este, e que me permittio
obter uma altura muito aproximada da maior profundidade do abismo. Não
me foi possivel fazer mais, e duvido mesmo que mais se possa fazer, a
menos de se ir expressamente preparado para estudar a cataracta; e creio
que para isso será possivel inventar algums meios apropriados para
trabalhar ali, debaixo de uma chuva eterna, e no meio de um vapôr denso
que nada deixa ver.

[Figura 125.--O Rio depois da Cataracta.]

Ilhas, bordas da cataracta, rochêdos mêsmos, tudo é coberto de uma
vegetação esplèndida, mas de um verde-nêgro triste e monòtono, embora um
ou outro grupo de palmeiras tente quebrar a melancolia do quadro,
fazendo sobressahir as suas palmas elegantes ás copas dos arvorêdos que
as cercam.

Uma chuva eterna molha sem cessar as proximidades do abismo, onde rola
como que uma trovoada sem fim.

Mozia-oa-tunia não se pode desenhar, e excepto a sua extremidade oeste,
tudo ali é nuvem de vapôr, que encobre uma paizagem medonha.

Não é dado visitar esta sobêrba maravilha sem que um sentimento de
terror e de tristeza se aposse de nós.

¡Que differença entre a cataracta de Gonha e Mozi-oa-tunia!

Em Gonha tudo é risonho e bello; ali tudo é soturno e triste!

Ambas sam attrahentes, ambas sam verdadeiramente grandiosas; mas Gonha é
attrahente e bella como a virgem formosa coroada das flores da
innocencia, arrastando o alvo vestido nas ruas do jardim, embalsamadas
pelas auras perfumadas da manhã de estio: Mozi-oa-tunia é grandiosa e
imponente como o salteador requeimado pêlo sol de verão e pêlo gêlo do
inverno, o trabuco na mão, o crime na idéa, entre os fraguêdos da serra,
por noite escura e triste.

Gonha é bella como a manhã bonançosa da primavera; Mozi-oa-tunia é
imponente como a noute tempestuosa do inverno.

Gonha é bella como o primeiro sorrir da criança nos braços da mãe;
Mozi-oa-tunia é imponente como o ùltimo arquejar do ancião nos braços da
morte.

Gonha é o bello na sua mais sublime expressão da formosura;
Mozia-oa-tunia é o bello na sua mais expressiva revelação da grandeza e
magestade.

Depois da contemplação da mais prodigiosa maravilha natural do
continente Africano, voltei ao meu campo fortemente impressionado pêlo
que acabava de ver. O tempo melhorara, mas conservava-se encoberto.
N'essa noute fui assaltado por nuvem de mosquitos, que não me deixáram
um momento de repouso.

Logo de manhã, parti para a cataracta, que visitei de nôvo, concluindo
os trabalhos começados na vèspera, e que me entretivéram o dia tôdo. De
volta ao campo, apparecêram ali uns Macalacas com massango, pedindo-me
quatro jardas de fazenda por um prato d'elle, que não continha meio
litro de grão.[6]

Ainda que muito necessitado de adquirir vìveres, não quiz abrir um tal
exemplo, e recusei comprar.

Então o Macalaca disse-me, que a fazenda e a missanga não se comia, que
eu teria fome, e então lhe daria tudo o que elle quizesse por um prato
de comida.

Fui-lhe dando logo dois pontapés. Chegou o dia 22 de Novembro, dia que
eu tinha fixado para o regresso, mas a minha posição era crìtica.
Tìnhamos apenas comida para dois dias, e não lograriamos alcançar Deica
antes de seis.

Era impossivel partir sem ter feito provisões de mantimentos.

Não esperando ja obter nada dos Macalacas, fui caçar apesar do mao
tempo.

Pouco distante do acampamento, pude atirar a uma malanca, e voltava ás
barracas para a mandar esquartejar e trazer ali; quando chegou o chefe
das povoações das quedas, que pêla primeira vez eu via, e me vinha
visitar.

Com elle vinham muitos prêtos, que fôram ajudar a conduzir a malanca que
eu havia môrto. Uma tão importante peça de caça fez logo diminuir no
mercado o prêço dos vìveres. O chefe foi á sua povoação d'onde trouxe
quantidade de mantimentos e duas gallinhas, pedindo-me por tudo a pelle
da malanca e o meu cobertor. Necessitado de partir, e não querendo fazer
questões, aceitei o contracto, e elle retirou-se satisfeito.

Lá foi o meu cobertor! socio de tantas noutes mal dormidas n'aquelles
sertões Africanos.

Pude enfim deixar Mozi-oa-tunia, e fui pernoitar nas mêsmas barracas que
tinha construido na tarde do dia 18.

No dia immediato deixei o caminho que seguira até ali quando demandava a
cataracta, e endireitei ao sul. Não me tinha sido difficil encontrar a
grande cataracta do Zambeze que de longe se annuncia; mas encontrar um
ponto que não existe nas cartas e cuja posição eu tinha calculado por
informações vagas, não me era facil.

N'um paiz como aquelle, despovoado e virgem, eu poderia bem passar perto
do kraal de Patamatenga sem o ver, nem dar d'elle conta. Contudo, pelos
meus càlculos, Patamatenga devia-me ficar ao Sul verdadeiro, e eu
endireitei para la, dispôsto a não alterar aquelle rumo por nenhum
motivo que fôsse.

Depois de marcha de quatro horas, fui acampar junto de um còrrego em
sitio medonho. Nem uma àrvore, nem uma herva. Só penedias nêgras
formavam a paizagem, escurecida ainda por um ceo carregado de pesados
nimbus.

Um silencio profundo reinava n'aquelle pequeno valle da tristeza.

No caminho d'êsse dia encontrei alguns leões, que evitei com cautela.

Vem a propòsito falar aqui de certa mania louca que ataca quasi sempre o
explorador noviço. É tal o seu enthusiasmo por afrontar os perigos, que
chêga a creal-os onde elles não existem.

A Àfrica offerece cada dia, a cada passo, taes estôrvos ao viajante,
taes perigos ao caminheiro, que sam elles de sobra para fazer abortar a
maior parte das expedições que tentam devassar os seus segrêdos.

A prudencia deve ser o guia de tôdas as acções do exploradôr; o que não
quer dizer, que ella mesma não aconsêlhe, em outra dada circunstancia,
um excesso de temeridade, quando essa temeridade fôr precisa á salvação
commum.

Uma das maiores loucuras em Àfrica é caçar feras. A pòlvora vale no
sertão tanto como o ouro, e o tiro dado em uma fera é um tiro
desperdiçado, é o resultado de uma expedição arriscado, é ás vêzes a
salvação de tôda uma caravana, que será perdida sem chefe, posta na
balança do acaso, unicamente por satisfação de uma vaidade pessoal.

Em quasi tôda a minha viagem, obrigado a caçar para viver, tive muitas
vêzes de affrontar as feras; o que não me teria acontecido se, dispondo
de recursos sufficientes, me podesse ter dispensado da caça. Uma fera
morta em defensa propria e em encontro fortuïto, é um obstàculo
destruido; um leão procurado e môrto por o exploradôr geògrapho é um
obstàculo creado, é uma imprudencia commettida, é e deve ser um remôrso
na sua existencia.

Eu commetti algumas faltas d'essas, e sempre depois tive o
arrependimento sincero.

Hôje se voltasse á Àfrica em viagem de exploração ou encarregado de
outra qualquer missão importante, não arriscaria o fim principal, para
me dar um prazer que é fumo, porque apenas vem um momento lisongear o
amor-proprio.

Ja pensava assim, quando de volta da cataracta evitava os leões, que
fugiam de mim como eu fugia d'elles.

Não havia lenha perto do sitio onde decidi ficar, e o meu Augusto foi
procural-a longe. Trouxe alguns troncos de àrvores sêcos, que, ao
partir, deixavam apparecer nas rachas escorpiões enormes. No caminho
mesmo, e ainda ali, haviam innùmeros dos repugnantes articulados.

N'esse dia, uma violenta tempestade vinda do S.S.E. passou sôbre nós, e
durante duas horas despejou copiosa chuva.

Durante a noute, soprou rijo o vento S.E., que muito nos incommodou,
tendo por abrigos, como tìnhamos, apenas um ceo nebuloso. A 24 de
Novembro, segui sempre ao Sul por caminho difficil.

As montanhas corriam a S.E. e por isso nós subìamos e decìamos
continuamente, em terreno pedregoso, e àrido. Depois de cinco horas de
fatigante caminhar, encontrei um pequeno charco, junto ao qual acampei.

Subindo a um outeiro que me ficava pròximo, avistei ao sul uma planicie
enorme, onde não pude divisar os menores signaes de àgua, por mais que a
perscrutei com o meu òculo potente.

Receei muito que me faltasse a àgua d'ali em diante. É verdade que
n'aquelle paiz abunda o _Mucuri_, e onde elle existe não se morre á
sêde. O _Mucuri_ é um grande auxilio do viajante nas florestas
ressequidas da Àfrica Austral. É elle um arbusto de 60 a 80 centìmetros
de altura, que produz na extremidade das suas radìculas, uns tubèrculos
esponjosos, ensopados de um lìquido insìpido que sacia a sêde.

Não é facil porem encontrar os tubèrculos logo que se encontra a planta.

Crescem êlles nas pontas de pequenas radìculas que, irradiando das
raizes principaes, vam muito longe do caule alimentar e desenvolver
aquellas excrescencias extraordinarias. O melhor meio de os encontrar é
o empregado pêlo gentio Africano, de se collocarem junto á planta e ir
descrevendo cìrculos concèntricos a passos lentos, batendo o terreno com
um pao. Onde a terra dá um som ôco e surdo ahi estam os tubèrculos, que
t[~e]m de 10 a 20 centìmetros de diàmetro e affectam a forma
pròximamente esphèrica. Fiz bôa provisão d'elles no dia immediato antes
de deixar o sitio em que passei uma pèssima noute.

Sustentei marcha de sete horas, ja em planicie coberta de àrvorêdo e
altas gramìneas. De àgua nem signaes.

Pêla tarde parámos extenuados de fadiga, e resolvia acampar, quando
sôbre a minha cabêça, na àrvore a que estava encostado, ouvi o arrullar
das rôlas Africanas.

A àgua devia estar perto, porque aquella era a hora das avezinhas
bebêrem, e sem bebedouros pròximos as rôlas não estariam ali. A rôla em
Àfrica é indicio de haver àgua perto do sitio onde se mostra de manhã e
á tarde, porque aquella ave não passa sem beber duas vêzes ao dia.

Mandei logo Verissimo e Augusto explorar os arredores, e uma hora depois
voltava Verissimo tendo encontrado uma pequena nascente um kilòmetro ao
N.O.

Fui acampar ali ja por noute escura.

Pêlos mêus càlculos no dia immediato deverìamos chegar a Patamatenga.

Amanheceu o dia 26 de Novembro, e puz-me em marcha. Logo á sahida do
ponto em que acampei, encontrei uma espêssa mata que me levou 20 minutos
a transpôr.

Ao sahir d'ella, um ribeiro bastante volumoso corria em leito de pedra,
e àlém d'elle um kraal magnìficamente construido, mostrou-me, por sôbre
a sua forte palissada o tecto ponteagudo de muitas casas.

Eu tinha dôrmido junto a Patamatenga sem o saber, e tinha passado uma
pèssima noute ao relento, quando poderia ter dormido em òptima cama e no
conchêgo de uma bem construida casa.

Um Inglez, cujo nome ignorava, veio buscar-me ao rio e levou-me ao
kraal, principiando logo, antes de mais conversa, a dar-me de comer. Ás
onze horas ja eu tinha comido não sei quantas vêzes, e êlle veio
annunciar-me que se estava fazendo um petisco. Tinha ali um òptimo
cosinheiro Europêu. Não consentio que eu seguisse para Deica, sendo o
seu argumento, que deveria passar o dia com elle, porque o devia passar.

Escrevi um bilhete a M^{r.} Coillard, a participar-lhe que estava de bôa
saúde, e que chegaria a Deica no dia immediato.

O Inglez, logo que vio a minha resolução em ficar, mandou matar o seu
melhor carneiro, e convidou-me a ir ver o seu quintal. Fomos, e elle
começou a fazer barbaridades. Destruio um batatal nôvo, só para tirar
umas seis batatas.

Apanhou quantos tomates, cebolas, e pimentos ali haviam.

Não pude impedir aquelle furor de destruição para me dar a comer de tudo
quanto tinha, e até creio que tudo quanto tinha se eu me demorasse em
sua casa. O quintal era magnìfico e muito bem tratado, mas n'aquella
èpocha do anno pouco podia offerecer. Ainda assim o meu Inglez voltou
triumphante com seis batatas, dezaseis tomates, alguns pimentos e muitas
cebollinhas que foi entregar ao cozinheiro para o jantar. ¡Jantar!... Eu
não sei que nome deverei dar áquella comida! Pelo nùmero devia ser muito
mais do que ceia, pêla hora menos do que _lunch_!

Pude soster o furor do meu hospedeiro em dar-me de comer, e consegui ir
com elle dar um passeio nos arredores do kraal.

Encontrámos no caminho cinco montìculos de pedras que marcam as
sepulturas de cinco Europêos, adormecidos ali para sempre, e deitados ao
lado uns dos outros á sombra do arvorêdo, n'essa mesma terra que lhes
infiltrou no organismo, pêlo ar que deu a respirar, o veneno que lhes
deveria cortar as existencias, com prematuro passamento.

¡Quantos tùmulos como aquelles não t[~e]m um logar incerto, no meio
d'êsse continente enorme, e não escondem o segrêdo da sepultura de
homens, que deixáram longe affeições e ternuras, que nem podem ter o
amargo prazer de derramar uma làgrima sôbre a terra que occulta um ente
estremecido!

Os cinco tùmulos de Patamatenga encerram os despojos de cinco homens
cujos nômes vou citar, e se algum amigo ainda se lembrar d'elles, terá
ao menos o conhecimento do canto da terra onde repousam para sempre.

O primeiro tùmulo encerra Jolly, môrto em 1875; o segundo Frank Cowley,
o terceiro Robert Bairn, ambos mortos em 1875; o quarto Baldwin, e o
quinto Walter Carre Lowe, mortos em 1876. Em Abril do anno de 1878,
morreu tambem ali perto o Sueco Oswald Bagger, que está enterrado em
Lexuma.

[Figura 126.--Os Tumulos em Patamatenga.]

Depois de visitar aquelle cemiterio improvisado no meio do sertão
longìnquo, voltei ao kraal de Patamatenga, onde fui obrigado a comer
vàrias ceias.

Na conversação com Gabriel Mayer, o meu hospedeiro, eu fugia de narrar
qualquer episòdio passado da minha viagem em que figurasse a falta de
vìveres, porque ao ouvir taes narrativas, o bom Inglez entrava em furor
e mandava logo pôr a mêsa, mêsa que ja me mettia tanto mêdo como por
vêzes me tinha mettido a fome.

No dia seguinte, depois de ter almoçado duas vêzes, antes das 7 horas da
manhã, parti a essa hora, tendo de levar vàrios petiscos para o caminho,
porque Gabriel Mayer não consentio que eu partisse sem essa condição.

Depois de cinco horas de marcha a leste, alcancei o acampamento de
Deica, onde a familia Coillard me esperava, e onde fui recebido com as
maiores demonstrações de simpathia.

D'aquelle lado não tinha chovido como em Mozi-oa-tunia, e ficámos em
grande embaraço para partir, porque encontrariamos o deserto sêco, e
impossivel nos seria atravessal-o antes de cahirem as chuvas necessarias
para encher os charcos onde deverìamos encontrar a àgua precisa.

Nos dias 28 e 29 de Novembro, percebemos que haviam trovoadas muito ao
longe ao Sul e S.S.E., e isso animou-nos a partir, esperando que ellas
tivessem despejado alguma chuva no deserto.

No dia 28 improvisei, com anzóes que trazia, uns pequenos aparêlhos de
pesca, e fui com as damas Coillard pescar a uma lagôa que nos ficava uns
duzentos metros a oeste do campo. Conseguímos pescar muitos peixes
miudos, e eu tive um verdadeiro prazer por ver o gôsto que gozavam
aquellas senhoras n'um divertimento nôvo para ellas, quando sentiam a
ligeira canna vergar ao pêso de um peixe que se estorcia na ponta da
linha, prêso ao anzol que a sua imprudente voracidade lhe fizera morder.

No dia 30 resolvémos partir a 2 de Dezembro, ainda que corriamos o risco
de não encontrar àgua logo nos primeiros dias de viagem, mas uma
importante consideração nos levava a não differir a partida. Èramos
quinze pessôas, e a provisão de mantimentos pequena. D'ali ao Bamanguato
não poderìamos obter vìveres, e em Deica mêsmo nenhuns podìamos haver.

Era pois preciso caminhar sôbre Xoxom (_Shoshong_) o mais depressa
possivel, para alcançar a cidade do rei Khama antes que viesse a fome.

Ficou por isso resolvido que partìssemos no dia dois, resolução que foi
apoiada pêla chuva que cahio nos dias 30 do mez e 1 de Dezembro.

Antes de emprehender a narrativa d'essa aventurosa viagem atravez do
deserto, preciso dizer duas palavras á cerca dos meus companheiros.

Que elles me perdôem pêlo que vou escrever, se a sua modestia for ferida
pelas minhas palavras; mas é preciso que se saiba o nome e os feitos de
alguns d'esses obscuros trabalhadores Africanos, que deixam a Europa e a
vida civilizada, para irem longe da patria trabalhar tenazmente na
grande obra da civilização do Continente Nêgro.

No paiz do Basuto, paiz que confina ao sul e leste com as colonias do
Cabo e Natal, e ao norte e oeste com o estado livre de Orange, fôram, ha
cincoenta annos, estabelecer-se alguns missionarios protestantes
Francezes. Estes homens, cujo nùmero augmentava de anno para anno,
conseguíram domar um pôvo bàrbaro de canibaes, e eleval-o a um estado de
civilização e de instrucção a que ainda não chegou pôvo algum da Àfrica
Austral.

Hôje as escolas Christãs do Basuto contam os discìpulos por milhares, e
uma grande parte da população sendo Christã, abandonou a polygamia e os
costumes bàrbaros dos seus antepassados.

Os missionarios acháram o campo ja pequeno para o seu nùmero, sentíram a
necessidade de expansão, e fôram estabelecer os seus cathechistas para o
norte do Transvaal junto ao Limpôpo.

Quizéram ir mais longe, e uma expedição foi organizada, tendo por chefe
um joven missionario, com destino ao paiz do Baniais ou Machonas,
situado entre o Matabele e as terras Natuas. Esta expedição foi infeliz.
Entrando no Transvaal, soffreu insultos dos Boers, que a
impossibilitáram de seguir ávante, chegando até a serem prêsos em
Pretoria o missionario e seus homens de cathechese.

Foi então que M^{r.} François Coillard, director da Missão de Leribé,
foi encarregado de dirigir a expedição que falhara. Partio de Leribé,
ponto situado perto do rio Caledon, affluente do Orange e a oeste do
Mont-aux-sources, e com sua espôsa e sua sobrinha e seus cathechistas,
caminhou ao Norte, e por entre innùmeras difficuldades, que só uma
vontade tenaz pode vencer, conseguio alcançar o paiz a que se destinava.

Muito bem recebido pelos Machonas, deu comêço aos seus trabalhos, quando
foi atacado por uma fôrça de Matebeles, que o fizéram prisioneiro e o
conduzíram com tôda a expedição perante o seu chefe, Lo-Bengula.

O que o missionario e aquellas pobres damas soffreram durante o tempo
que estivéram em poder do terrivel chefe dos Matebeles é uma historia
triste e compungente.

O chefe, que pretende ter direitos sôbre o paiz dos Machonas,
exprobou-lhes o terem ido ali sem a sua prèvia licença, e não lhes
permitio voltar lá.

Retrogradou pois até Xoxon, capital do Manguato, e não querendo deixar
sem resultado tão dispendiosa e fadigosa jornada, deliberou fazer uma
tentativa sôbre o Barôze. Tinha a vantagem de falar a lingua do paiz,
bem como os seus cathechistas, que, Basutos de origem, podiam trabalhar
facilmente em um paiz onde se falava a sua propria lìngua.

Não foi feliz no Barôze, e ainda que bem recebido e cheio de promessas
do astuto Gambela, não lhe consentíram o accesso àlém de Quisseque.

Fôram estes, que exponho muito resumidamente, os motivos que leváram a
familia Coillard ao Alto Zambeze, e que occasionáram o nosso encontro
n'aquellas remotas paragens.

M^{r.} Coillard e sua espôsa, á èpocha do nosso encontro, estavam em
Àfrica havia ja vinte annos!

M^{r.} Coillard é homem de quarenta annos, sua espôsa tem a idade que
tem tôdas as damas casadas logo que passam dos vinte e cinco, não tem
idade.

O missionario nutre uma grande paixão pelos indìgenas, á civilização dos
quaes votou a sua vida.

Sempre tranquillo em gesto e palavra, não se altera nunca, e só tem na
bôca o perdão para todas as faltas que vê commetter.

François Coillard é o melhor e o mais bondoso dos homens que eu tenho
conhecido.

A uma intelligencia superior reune uma vontade inquebrantavel, e a
teimosia precisa para levar a cabo qualquer emprehendimento difficil.

Muito instruido, o missionario Francez tem uma alma moldada para
comprehender os mais sublimes sentimentos, e é mesmo poéta.

Procurando e glorificando-se de encontrar qualidades bôas nos indìgenas
Africanos, não vê ou não quer ver as más.

É um grande defeito êsse, mas tem elle ampla escusa na sublimidade dos
sentimentos que o dictam.

Madame Coillard, como seu marido, é de uma bondade extrema.

Não se chêga a ella o necessitado sem ir satisfeito, o triste sem ir
consolado.

Para elles tudo sam irmãos, e tanto estendem a mão ao indìgena como ao
Europêu, ao pobre como ao rico, logo que indìgena, Europêu, pobre e rico
precisam d'elles.

Eu, por mim, não lhes poderei nunca agradecer os serviços que me
fizéram, serviços que me obrigáram tanto mais, quanto maior foi a
delicadeza com que fôram feitos.

O correr da narrativa mostrará quem sam estas gentes de quem falo agora
muito lacònicamente, e que deviam ser meus socios na longa viagem que
ìamos emprehender a traves de um deserto desconhecido, porque, deixando
o caminho das caravanas, ìamos traçar uma nova estrada.



CAPÌTULO III.


TRINTA DIAS NO DESERTO.

     O Deserto--Florestas--Planicies--Os Macaricaris--Os Massaruas--O
     grande Macaricari--Os rios no deserto--Morte da Córa--Falta de
     àgua--O ùltimo chá de Madame Coillard--Xoxom (_Shoshong_).


A 2 de Dezembro, começáram logo de manhã os preparativos de partida.

Um vagom de viagem em Àfrica do Sul é uma pesada construcção de madeira
e ferro, de 6 a 7 metros de comprido por 1,8 a 2 de largo, assente sobre
4 fortes rodas de madeira, e tirado por 24 a 30 bôis, junguidos a fortes
cangas, prêsas a uma corrente longa e grossa, fixa á ponta do cabeçalho
no carro.

Esta especie de casa ambulante, é carregada com as bagagens e fazendas
do viajante, e disposta de modo a offerecer-lhe tôdas as comodidades
caseiras.

O vagom de M^{r.} Coillard era uma verdadeira maravilha.

Construido expressamente para aquella viagem sôb as suas vistas e com a
sua experiencia de viajeiro, tinha commodidades que nunca vi em outro.

A minha bagagem foi arrumada com a da familia Coillard no fundo do
vagom, ficando apenas á mão aquillo de que eu poderia precisar a miúdo.

Elles faziam prodigios para darem logar a todos os meus volumes de
carga, como, durante a viagem, se encolhiam para me dar logar a mim
mêsmo.

Uma partida depois de 15 dias de descanço é sempre muito demorada.

Ha muita cousa que arrumar, e no momento de partir descobre-se sempre,
que ha uma canga quebrada, que faltam as pitas aos chicotes, que os
cubos das rodas precisam ser untados, mil cousas emfim que fazem
retardar de algumas horas o momento prefixo.

Depois de essas precauções tomadas por M^{r.} Coillard, e dictadas por
uma longa experiencia de tal modo de viajar, conseguímos deixar Deica
pelas 2 horas da tarde, e endireitámos ao sul.

O nosso comboio compunha-se de quatro vagons, dous pertencentes a M^{r.}
Coillard, e dous outros de M^{r.} Frederick Phillips, de quem falarei
mais tarde.

Depois de uma jornada de três horas e meia, encontrámos àgua em uma
pequena lagôa, recentemente cheia pêla chuva dos dias anteriores, e
pernoitámos junto d'ella.

No dia immediato seguímos a S.S.E., e depois de duas horas de viagem
parámos hora e meia, para dar descanço aos bôis.

Foi de três horas a segunda parte da jornada, e ainda fizémos uma
terceira tirada das 7 ás 9 da noute.

Sendo explorados os arredores do sitio em que acampámos, encontrou-se
àgua um kilòmetro a E.N.E.

No dia 4 só podémos partir ás 4 e meia horas da tarde, para darmos tempo
aos bôis de bebêrem durante tôda a manhã: e n'esse dia a nossa jornada
foi apenas de duas horas e meia, porque, encontrando uma lagôa de òptima
àgua, acampámos junto d'ella, ainda que os prêtos de M^{r.} Phillips
diziam haver ali a terrivel môsca zê-zê, o que me parece precisa
confirmação.

Contudo, por prudencia, no seguinte dia partímos logo de madrugada, e
viajámos por sete horas e meia, em três andadas, a ùltima das quaes
findou ás 9 da noute. Junto do ponto onde pernoitámos não appareceu
àgua. A viagem d'êsse dia foi difficil, por entre emmaranhada floresta,
onde os vagons corréram grande perigo de partir as rodas de encontro aos
troncos de àrvores colossaes.

A 6, de manhã, jornadeámos por duas horas a S.E., encontrando no fim
d'ellas uma lagôa de àgua permanente, a ùnica àgua que no tempo sêco se
encontra de Deica até ali. Chama-se Tamazêze.

Descansámos por sete horas, e seguímos ás 3 da tarde; indo acampar, ás
6, junto de outra bella lagôa tambem permanente, a que os Massaruas
chamam Tamafupa.

A jornada d'aquêlle dia foi por entre florestas lindissimas, onde
abundam espinheiros brancos. O solo é coberto por uma espêssa camada de
arêa. Junto á lagôa um formôso tapête de relva cobre o terreno,
levemente accidentado.

Mas no meio d'aquella relva viçosa cresce uma planta herbàcea de que os
bôis sam àvidos, e da qual é preciso desvial-os com cuidado, porque é
mortal peçonha para êlles.

Estive n'essa noute até tarde levantado, para fazer observações
astronòmicas, e talvez ahi tivesse origem o violento accesso de febre
que me atacou no dia immediato.

Por algumas horas o delirio tirou-me a consciencia, e só ao recuperar a
razão pude dar tino dos cuidadosos desvelos que me eram dispensados pêla
familia Coillard.

O dia seguinte foi ainda passado no mais angustiôso soffrimento, e só ao
terceiro dia nos pozémos em viagem, indo eu em deploravel estado. Foi-me
arranjada uma cama no vagom de M^{r.} Coillard, e rodeado da familia,
que redobrava em affectuosos cuidados, cercando-me de tôdas as
commodidades que a si tiravam, fiz uma jornada que pouca consciencia
tenho de ter feito. Sei que a 10 de Dezembro estàvamos acampados em um
logar que uns chamam Muacha e outros Nguja.

Ali, com o caminho seguido pêlos negociantes Inglezes, devìamos deixar
um d'elles, que, como ja disse, era nosso companheiro de viagem desde
Deica.

M^{r.} Frederick Phillips, o companheiro de viagem que ìamos deixar, é
um _Inglez de Inglaterra_. Homem de fina educação, affecta uns modos
grosseiros e semi-selvagens, que não podem encubrir as suas bôas
maneiras originaes.

É este um dos seus fracos.

O outro elle mesmo o define em algumas palavras que lhe ouvi. "Quizera,
me disse elle, que tudo o que existe no mundo, que tudo o que cobre a
terra, fôsse marfim, e eu só senhor d'elle."

Se eu não tivesse a certeza de que M^{r.} Phillips era Inglez, pêla
fòrmula do desejo julgàra-o nascido em Tarbes.

M^{r.} Phillips, de elevada estatura e robusto em proporção, tem um
rôsto enèrgico e sympàthico, que dizem ter feito uma profunda impressão
na irmã do terrivel Lo-Bengula, o rei do Matabelle, que tem feito as
mais altas diligencias para o desposar. É no Matabelle que êlle tem a
sua principal residencia Africana, e se eu o encontrei no Zambeze, foi
porque a ausencia ali de M^{r.} Westbeech seu socio, o obrigou áquella
viagem por interesses commerciaes.

M^{r.} Phillips, que encontrei em Lexuma, fêz-me offerecimentos, pondo á
minha disposição um dos seus vagons, para eu continuar a minha viagem
para o sul, e se os não devi aceitar, não deixo por isso de lhe tributar
muita gratidão.

Depois de nos despedirmos de M^{r.} Phillips em Nguja, partímos ao Sul,
e jornadeámos por três horas e meia, indo acampar, ás 7 e meia, em sìtio
onde não havia àgua.

No dia seguinte, depois de duas horas e meia de caminho, parámos em um
logar chamado em lìngua Massarua Motlamagjanane, palavra que quer dizer,
muitas cousas que se succedem umas ás outras, e isto por se dar êsse
caso com uma sèrie de pequenas lagôas que encontrámos estanques.

A floresta toma ali um nôvo aspecto, e ás àrvores meãs succedem ja
verdadeiros colossos vegetaes, assombrando com as elevadas copas um mato
denso de emaranhados arbustos, difficìlimo de transpôr.

Seguímos ás 4 horas, e duas horas depois, atravessàvamos a mais sobêrba
e bella floresta virgem que encontrei em Àfrica.

Logo ao anoutecer, tivémos de parar, porque era impossivel proseguir em
tão densa floresta sem arriscar os vagons a um accidente sèrio.

N'essa noute eu começava a achar-me completamente restabelecido, e a
febre tinha cedido a doses diàrias de quatro grammas de quinino.

Meia hora depois de partir, no dia immediato, atingìamos a orla da
floresta, e encontràvamos àgua n'um pequeno charco lodôso. Diante de nós
estava a planicie descoberta, àrida e sêca; essa planicie, que foi pêla
primeira vez atravessada dois graos a Oeste por Livingstone, ainda um a
oeste do meu ponto por Baines, e um grao e mais leste por Baldwin,
Chapman, Ed. Mohr e outros; essa planicie arenosa e inhòspita, o Saara
do sul, o Calaari emfim.

Ainda jornadeámos por espaço de duas horas, indo dar descanço aos bôis
ás 11 e meia, junto a uns rachìticos e pequenos espinheiros, que com a
sua vegetação mesquinha faziam sentir mais a nudêz do deserto.

Algumas trovoadas formávam-se pelo Norte, e ás duas horas aproximávam-se
de nós, deixando cahir de nêgros nimbos grossas gôtas de chuva tèpida.

Desde o Zambeze até ali o terreno é arenôso, sendo o sub-solo formado
por uma camada argilosa muito plàstica de côr castanho-escura. A
espessura da camada de arêa branca e fina que forma o solo varia entre
10 e 50 centìmetros.

Àgua apenas aparece aqui e àlém na estação das chuvas, nas depressões de
terreno. Algumas vêzes, como n'aquelle dia ao sahir da floresta, era
ella uma lama espêssa e fètida. Tôdo o paiz até ao ponto em que o
deixámos n'aquella manhã, é coberto por uma floresta, que vai
progressivamente augmentando em espessura e no pompôso da vegetação, ao
passo que se afasta do Norte.

O que mais se vê sam ainda leguminosas, e uma immensa variedade de
acacia cobre o solo. Flôres do mais variado e brilhante colorido, das
formas mais mimosas e delicadas, ao passo que encantam a vista,
embalsamam o ar com os seus suaves perfumes. Viajar ali é difficilimo.

Abrir caminho para o carro, de machado em punho; ás vêzes, durante 10 e
mais kilòmetros, haver um solo de cincoenta centimetros de area, onde as
rodas dos vagons se enterram profundamente; fazer uma milha em quarenta
minutos, tal é o viajar n'aquellas brenhas, quando se viaja bem.

A esse enorme terreno, comprehendido entre o Zambeze e o Calaari, chamei
eu nas minhas cartas o Deserto de Baines.

Foi uma homenagem ao trabalhador infatigavel, o primeiro que devassou
aquellas paragens inhòspitas, e cuja vida foi tão deserta de gôsos e de
glòrias, como aquêlle paiz é deserto de gentes.

Do ponto em que parámos de manhã, seguímos ás 4 horas da tarde, logo que
a tormenta passou, e jornadeámos até ás 8 da noute, parando n'um matagal
de espinheiros baixos, onde foi difficil acampar no meio das hervas e
entre os abrolhos.

Durante a noute, chacaes e hyenas déram-nos um concêrto infernal, vindo
vocalizar um côro orpheònico, em tôrno do sitio onde chegava a claridade
dos fogos do campo.

De manhã choveu, e nós seguímos ás 5 horas e meia, sahindo logo dos
espinheiros, que poderìamos ter evitado sem umas trevas profundas que na
vèspera nos tinham impossibilitado de escolher outro caminho.

Sustentámos uma caminhada de cinco horas, apenas com um pequeno
descanço, encontrando uns charcos produzidos pêla chuva da manhã, que de
nenhum proveito nos fôram a nós, por serem de àgua salgada, mas que,
ainda assim, servíram aos bôis sedentos, que os esgotáram em pouco
tempo.

Era preciso encontrar àgua, e seguímos ainda por quatro horas, parando
no fim d'ellas sem termos logrado o nosso intento. Pude fazer n'essa
noute uma bôa observação do reapparecimento do primeiro satèlite de
Jùpiter.

Logo ao alvorecer, caminhámos por hora e meia no deserto arenoso e
àrido, onde as rodas dos vagons se enterravam profundamente.

No fim d'este tempo de jornada, encontrámos o leito sêco de um rio cuja
margem direita seguímos por uma hora, passando-o no momento em que elle
encurvava a S.O., e por isso nos desviava do rumo a seguir. As escarpas
do sulco arenôso eram de três metros e muito inclinadas. Foi medonho o
precipitar dos vagons n'aquelle fôsso, e compungente o trabalho dos bôis
para desenterrarem aquellas enormes màchinas de transporte, e
fazèrem-n-as subir nas contra-escarpas.

Acampámos logo.

No leito arenôso do rio algumas lagôas deixavam ver pequenas massas
d'àgua lìmpida e cristallina, que alegrava os olhos cançados da aridez e
secura do deserto. Corrémos pressurosos a ellas, mas aos primeiros
tragos bebidos a alegria converteu-se em angustia cruciante. Aquella
àgua era tão salgada como a do mar.

Contudo, alguns poços cavados muito fundo, longe das lagôas, déram uma
àgua quasi potavel. Era preciso tiral-a a baldes para a dar aos pobres
bôis ja sedentos e cançados. Aquelle rio, ou antes aquelle leito sêco,
era o do Nata, que no seu curso inferior, quando corre, toma o nome de
Xua (_Shua_).

Foi decidido que ficàssemos ali dois dias, por ser o immediato ao da
nossa chegada um domingo, e a familia Coillard não gostar de fazer
viagem em tal dia. Preparou-se para isso um melhor acampamento, podendo
obter-se ramos de àrvores nas margens do rio, ja povoadas da vegetação
que o paiz carece ao Norte.

Pêlo meio-dia estava prompto um kiosque, e estabelecido o campo.

As damas Coillard andavam n'uma labutação activa. Faziam o pão e
preparavam tudo o que os poucos elementos de que dispunham lhes
permittiam, para a festa do Domingo.

Depois da minha ùltima febre, e dos mil cuidados e carinhos de que eu
tinha sido alvo, o contacto ìntimo com aquellas damas a que a doença me
tinha obrigado, modificou profundamente o meu espìrito, e senti em mim
uma alteração profunda.

Até ao momento de as encontrar, eu havia esquècido, no meio dos
selvagens com quem só vivia, o que fôssem carinhos e afagos.

O viver entre aquellas damas veio trazer-me á memoria que no mundo ha
anjos, rosas perfumadas que embalsamam o caminho espinhôso da vida,
frêscos oasis em que o caminheiro repousa das fadigas do deserto àrido.

A lembrança de uma espôsa estremecida, e de uma filha adorada, veio
estar sempre presente ao meu pensamento, avivada pêla vista constante
d'aquellas duas senhôras, instrumentos innocentes e inconscientes de um
soffrimento atroz que me causavam.

Quantas vêzes, fatigado e doente, eu me sentava ao pé d'ellas, e por um
momento era feliz, não pensando que eram para mim dois entes estranhos,
lançados no meu caminho por o mais extraordinario dos acasos!

Quantas vêzes inconsciente não ia curvando a cabêça aturdida, em busca
de um regaço de mulhér adorada, e cahia em mim, e levantava-me e fugia!

Ah! como eu as odiava então!!

Este soffrimento constante, sempre alimentado pêla vista d'ellas, e
exacerbado pêlos seus carinhos, traduzio-se n'um mao humor que me não
deixava um momento.

Perdi tôdas as formas sociaes de delicadêza, e transformei-me na imagem
da mais brutal grosseria.

Bastava Madame Coillard dizer uma palavra, para ser logo grosseiramente
contrariada. Um dia em que eu tinha subido para o vagom bastante
fatigado, ellas priváram-se de quantas almofadas tinham para se
encostarem e amortecer os choques violentos de um carro sem molas, para
me fazêrem um leito commodissimo.

Achei-me tão bem que adormeci em caminho, velando ellas pêlo meu sono, e
não cessando de arranjarem uma ou outra almofada desaconchegada pelos
solavancos do carro.

Madame Coillard estava contente com a sua obra. Tinha de certo tido uma
viagem tormentosa, mas eu tinha estado bem, tinha dormido.

Era tal a sua satisfação que não pôde deixar de me perguntar se eu havia
estado còmmodamente, certa de que eu só lhe poderia responder com um
agradecimento expressivo. Pois não foi assim. Disse-lhe, que o seu vagom
era um vagom infernal, que eu nem mesmo havia podido dormir um momento,
e que tinha passado o dia incommodadissimo.

Depois d'esta brutalidade insòlita, encarei com ella, e vi làgrimas a
querer marejar-lhe nos olhos. Fiquei tão furiôso que fugi para longe.

Casos idènticos repetiam-se a miüdo, e no correr da narrativa
apparecerám ainda.

Hôje custa-me a comprehender como no meu espìrito se pôde fazer uma tal
alteração, e como eu cheguei a commetter taes barbaridades.

Os dois dias passados na margem do Nata não fôram dos peiores para mim.

Tinha observações a fazer, trabalhos atrazados a completar, e um paiz
curiôso a estudar; e isso era agradavel diversão ao meu viver monòtono
do deserto.

Creio que n'êsses dois dias não fui tão grosseiro como de costume.

O Deserto do Calaari, nas partes em que tem àgua, é frequentado por uma
população nòmada. Sam os Massaruas, a que os Inglezes dam o nome
genèrico de _Bushmen_. Os Massaruas sam selvagens, mas muito menos do
que os Mucassequeres, que encontrei junto aos confluentes do Cuando, por
15 de latitude Sul e 19 de longitude E. Greenw. Os Massaruas sam muito
prêtos, t[~e]m os ossos molares muito salientes, olhos pequenos e vivos,
e cabêllo pouco.

Viéram alguns ver-nos, e eu dei-lhes tabaco e pòlvora. O seu
contentamento foi grande. Voltáram de tarde, a offerecer-me um cabaz de
peixe frêsco, que tinham ido pescar nas lagôas para mim.

No dia seguinte, em uma excursão que fiz, visitei o seu acampamento.

Vi que tinham panellas em que cozinhavam, e outros, ainda que poucos,
indicios de uma civilização rudimentar.

Vi uma vasta provisão de tartarugas terrestres, que elles muito apreciam
como manjar. As mulheres cubriam a sua nudez com algumas pelles, e
enfeitavam-se de missangas, bem como os pequenos.

T[~e]m por armas azagaias e pequenos escudos ogivaes. Usam ao pescôço um
sem-nùmero de amulêtos, e trazem nos braços e pernas manilhas de couro.

Rapam o cabêllo junto das orêlhas, deixando no alto um cìrculo que vem
tangente á testa. Falam uma lìngua bàrbara muito notavel pêlo modo
porque nos fere o ouvido, dividindo as palavras com um estalo dado com a
lìngua, a que chamam _cliques_.

A 16 de Dezembro partímos, seguindo a margem esquêrda do rio, e parámos
junto d'ella, depois de cinco horas de jornada.

Os Massaruas, que chamavam Nata ao rio no ponto em que passámos o
Domingo, ja lhe chamam Xua (_Shua_) ali onde acampámos, a cinco horas de
caminho.

Andámos sempre na margem d'êlle com os rumos de S.O., S.E., S.S.E.,
S.S.O. e S., o que deu um rumo medio de sul, e não resta a menor dùvida,
que o Nata e o Xua sam um e o mesmo rio, que, como quasi todos os rios
de Àfrica, tem diversos nomes em diversos trôços do seu curso.

Esta parte do deserto é coberta de uma herva curta e rachìtica, e só
aqui e àlém se vê uma ou outra àrvore solitaria.

Com tudo, nas bordas do rio ha alguma vegetação, e de espaço a espaço
não deixa de ser amena esta ou aquella païsagem que se nos apresenta á
vista.

A àgua dos poços cavados no leito do rio nem sempre é potavel, e a das
lagôas é completamente saturada de saes.

O terreno do deserto apresenta pequenas clareiras onde nada vegeta, e
onde o solo é coberto por uma espêssa camada de saes, depòsitos de àguas
evaporadas.

As informações dos Massaruas a respeito de falta de àgua eram
assustadoras, e nós resolvemos não avançar mais n'aquêlle dia, para
aproveitarmos o mais tempo possivel alguma bôa que ali se encontrou em
poços cavados profundamente.

Desde que percorrìamos aquelle bôrdo do Calaari, notava eu que um
fortissimo vento de leste soprava rijo nas primeiras horas da manhã;
sendo que do meio dia para a tarde uma brisa suave de oeste durava
algumas horas.

Eu atribuo aquêlle phenòmeno constante, á influencia na atmosphera do
enorme deserto arenôso que nos ficava a oeste.

A arêa reflectindo o calor solar, deveria produzir uma dilatação
atmosphèrica, que determinaria durante o calor a corrente branda para
leste; ao passo que êsse ar lentamente dilatado de dia, seria
ràpidamente retrahido pêlo frio intenso da noute, e produziria um
desiquilìbrio, que originara a fortissima corrente nas primeiras horas
do dia.

M^{r.} Coillard achou prudente partir só na tarde do dia immediato, para
saciar bem os bôis, antes de ir procurar àguas muito problemàticas; mas
eu decidi seguir só com o meu Pépéca, e combinámos encontrar-nos nas
margens do Simoane.

O meu fim era sôbre tudo visitar os lagos a que os Massaruas chamam os
_Macaricáris_.

Depois de atravessar sete milhas de Macaricáris, entrei n'uma floresta,
que percorri n'uma extensão de três milhas até encontrar um leito de
rio, com alguma àgua encharcada, que eu suppuz devia ser o Simoane.

Desci por elle até ao Grande Macaricari. Depois de um longo passeio nas
cercanias, fui procurar um sitio onde calculei que os vagons deveriam
passar e esperei.

Só ás nove da noute, e noute de trevas profundas, o meu ouvido
exercitado pôde perceber ao longe a bulha dos vagons, e caminhando para
ali fui sahir-lhes ao encontro. Madame Coillard estava em cuidados, por
me ver ausente tôdo o dia só com uma criança, e a primeira cousa que
fez, ao parar dos vagons, foi preparar-me chá, bebida de que ella sabia
eu ser àvido, e n'essa noute diz o meu diario que tomei a seguir seis
grandes chàvenas d'êlle.

Effectivamente, o gasto que eu fazia na provisão de chá de Madame
Coillard era enorme.

O ribeiro Simoane, que então era apenas uma serie de pequenas lagôas de
três metros de largo, corre a Oeste no tempo das grandes chuvas, e vai
entrar directamente no Grande Macaricari.

Tôdo aquelle paiz, e sôbre tudo a floresta entre a qual corre o Simoane,
apresentava indicios de ter chovido muito ali, e por isso as lagôas do
Simoane tinham àgua, e esta era quasi bôa.

No tempo sêco ellas secam, e em alguma que conserva pouca àgua, é esta
tão saturada de saes que não se pode aproveitar.

Desde que chegámos ás margens do Nata, em tôdos os pontos onde
paràvamos, appareciam os Massaruas sempre a pedir alguma cousa.

O que valia era fugirem se nos zangàvamos com êlles.

Aquêlles Massaruas que sam valorosos e combatem o elephante e o leão,
sam cobardes diante do homem, e sôbre tudo do branco.

Só ás 4 horas da tarde deixámos aquelle ponto, onde os bôis encontravam
um viçoso pasto e abundante àgua; e caminhando a S.O. fomos acampar, ás
8 horas e meia, em sitio sêco.

No dia 19, depois de quatro horas de jornada a S.S.E., costeando sempre
o terreno que se eleva para o Este, deparámos com o leito sêco de um rio
cujas margens alimentam uma vegetação luxuriante. Os Massaruas que
apparecêram logo, disséram chamarem-lhe Lilutela, e ser o mesmo que
outros chamam Xuani (_Shuani_) ou pequeno Xua. Este nome de Xuani deve
ter sido dado áquelle rio por gentes do sul, que falassem a lìngua
Sesuto ou algum dos seus dialectos, porque n'aquella lìngua os
substantivos formam o diminuitivo com a terminação _ani_.

O Lilutela, nome que eu lhe conservo, por ser o empregado pelos povos
nòmadas do deserto, tem o seu leito cavado entre uma floresta formada de
àrvores gigantes, mas limpa de arbustos. Esta floresta, que começou umas
nove milhas ao N. do Simoane, parece ser a orla de uma densa mata que em
terreno mais elevado corre Norte-Sul poucas milhas a leste do nosso
caminho.

O terreno desde a margem esquêrda do rio Nata é consistente, e não
arenoso como até ali. O solo é formado por uma funda camada de argila
muito plàstica, e no tempo das grandes chuvas deve ser um atoleiro
enorme.

Um dos Massaruas que appareceu ali foi mostrar uma lagôa um kilòmetro a
oeste, onde os bôis podéram matar a sêde e nós fazer provisão d'àgua.

As margens do Lilutela sam cobertas por uma espêssa camada de guano, e
na estação em que o rio leva àgua devem ser habitadas por milhões de
aves.

Seguímos no mesmo dia ás 5 da tarde, debaixo da má impressão de que não
encontrarìamos àgua no dia immediato, facto que nos foi affirmado pelos
Massaruas. Jornadeámos até ás 11 e meia da noute, sempre por entre a
floresta pomposa.

Partímos no dia 20 ás 8 da manhã, e meia hora depois, passàvamos o leito
sêco do rio Cualiba, que vai ao Grande Macaricari, correndo a Oeste.

A floresta ali é cheia de calhaos roliços trabalhados pêla àgua, e
povoada de caracoes enormes, e buzios de grandes dimensões.

Fômos acampar àlém do leito do Cualiba, para procurarmos àgua.

Aparecêram alguns Massaruas, mas não nos quizéram indicar onde faziam
provisão d'ella, coisa que elles usam com os forasteiros. Depois de
vàrias tentativas feitas no leito do rio, pudémos obter àgua n'um pôço
que cavámos um kilòmetro a jusante do nosso campo.

Partímos ás 4.25 minutos, parando logo ás 5. e 10, para dar de beber aos
bôis em um charco que encontrámos, formado pêla chuva, que cahia
torrencial desde as duas horas.

Ainda n'esse dia jornadeámos por duas horas, indo acampar ás 8, depois
de termos atravessado uma parte do grande Macaricari.


O Grande Macaricari.

N'aquelle deserto do Calaari, paiz tão notavel, onde a natureza se
comprazeu a juntar os mais disparatados elementos, onde a floresta
pomposa toca a planicie àrida e sêca, onde a arêa sôlta é continuação do
terreno argiloso ao mesmo nivel, onde a secura está, muitas vêzes, perto
da àgua; n'aquelle deserto, que por vêzes quér imitar o Saara, outras a
Pampa da Amèrica, outras os Stepes da Russia; n'aquelle deserto elevado
três mil pes ao mar, uma das cousas mais notaveis é o Grande Macaricari.

O Grande Macaricari é uma bacia enorme, bacia onde o terreno se deprime
de 3 a 5 metros, e que deve ter no seu maior eixo de 120 a 150 milhas, e
no menor de 80 a 100.

Como tôdos os _Macaricaris_, afecta a forma pròximamente ellìptica, e
tem como todos o seu maior eixo no sentido leste-oeste.

_Macaricaris_ sam, em lìngua Massarua, bacias cobertas de saes, onde a
àgua das chuvas se conserva por algum tempo; desapparecendo na estação
estiva, por a evaporação, e deixando ali outra vez depositados os saes
que dissolvêra. Sam abundantissimos os _Macaricaris_ n'aquella parte do
deserto, e eu visitei muitos, cujos eixos maiores, sempre no sentido
leste-oeste, tinham três milhas, e mais.

As bacias sam de areia grossa, coberta por uma camada cristallina de
saes, que atinge a espessura de um a dois centìmetros.

Creio que não é so chlorurêto de sòdio o sal que forma aquella camada,
ainda que é aquelle que predomina.

Os depòsitos calcàreos que aquellas àguas deixam pêla ebullição,
evidenceiam que os saes de cal tambem se cont[~e]m na camada crystallina
dissolvida n'ellas, em proporção notavel.

Fiz collecção de muitos pedaços d'aquella camada que reveste o interior
das bacias dos _Macaricaris_, mas, infelizmente, n'uma caixa que cahio
ao mar ao embarcar no vapor _Danubio_, em Durban, se perdêram êlles, com
outros exemplares preciosos que trazia para a Europa.

O grande lago recebe na estação chuvosa um volume enorme d'àguas pelos
rios Nata, Simoane, Cualiba e outros; sendo que todas as àguas que
n'aquellas latitudes cahem desde a fronteira do paiz dos Matebeles,
v[~e]m a elle, porque o terreno elèva-se progressivamente a leste até ao
meridiano 28° ou 28° e 30' de Greenwich.

Estas àguas, que formam torrentes enormes, devem encher o Grande
Macaricari em pouco tempo.

Este enorme charco communica com o Lago Ngami pêla Botletle, e o seu
nivel é o mesmo d'aquelle Lago; dando esta circunstancia logar a um
phenòmeno muito notavel. Estando os dois lagos distanciados de alguns
graos, muitas vêzes as grandes chuvas caem a leste, e o Macaricari
transborda, sem que as fontes que alimentam o Ngami tenham augmentado de
volume. Então a Botletle corre a oeste do Macaricari para o Ngami.
Outras vezes dá-se o caso inverso, e o Ngami envia as suas àguas ao
Macaricari. Este é o seu curso natural, sendo o Ngami alimentado por um
rio permanente e volumoso.

¿Mas o que succede a tôda essa àgua que de tôdos os lados corre ao
grande charco? Desapparecerá só pêla evaporação?

¿Não haverá tambem ali uma grande infiltração que por conductos
misteriosos e subterràneos vá dar nascença a êsses innumeros riachos,
que em plano inferior correm ao mar de uma e outra costa?

¿O que é feito das àguas do Cubango, rio volumoso e permanente, que
desapparece n'êsse deserto insondavel?

As àguas do Cubango, na minha opinião, chêgam ao Grande Macaricari e
desapparecem ali.

A Botletle não é mais do que o Cubango, que tem um alargamento a que
chamáram o Ngami.

Sem o Grande Macaricari, a parte da Àfrica Austral comprehendida entre o
parallelo 18 e o rio Orange, seria um paiz fertilissimo, e nas condições
climatològicas e meteorològicas que a protegem, seria um paiz de grande
futuro.

Bastava o Cubango para a fertilizar. Mas o Cubango, bem como tôdos os
rios que quizéram entrar no Calaari, encontrou no seu caminho um paiz
arenoso e perfeitamente horizontal, que lhe dispersou as àguas, como que
dizendo: "Não passareis d'aqui;" e a pouca que encontrou um esgôto, e
pensou salvar-se, foi cahir no Grande Macaricari, que a bebeu àvido, sem
que ainda assim podesse matar a sua sêde insaciavel.

Os rios que t[~e]m as suas nascentes ao sul do parallelo 18, e a oeste
do meridiano 27, ao norte do Orange, e a oeste do Limpôpo, não sam
permanentes; e, caudalosas torrentes na estação das chuvas, não sam mais
do que sulcos arenosos na estação estiva.

As àguas de quasi tôdos vam a essa linha que une o Ngami ao Grande
Macaricari onde se perdem, talvez para volverem de nôvo n'uma nova
estação das chuvas.

Algumas vêzes, como n'aquelle anno, até a Botletle mostrou aos
habitantes dos juncaes das suas margens o seu fundo arenoso e branco.

É bem digna de estudo esta parte d'Àfrica, ainda hôje envolvida em
misterioso véo, mas tão inhòspita é ella, que por muito tempo saberá
occultar os seus segrêdos aos olhos dos investigadôres scientìficos.

No dia 21 seguímos ao Sul, deixando o Macaricari ás 5 horas da manhã, e
fomos parar, quatro horas depois, junto de uma pequena lagôa de bôa
àgua, produzida pêla chuva que cahio copiosa na vèspera.

O paiz que atravessámos era coberto de vegetação arborescente, sendo o
mato formado de espinheiros que difficultavam o viajar.

Partímos ao meio-dia, alcançando pêlas duas horas o ribeiro Tlapam, que,
ao contrario do que esperàvamos, não nos offereceu uma gôta d'àgua
potavel; e por isso continuámos jornada até ás 9 horas da noute, hora em
que encontrámos uma pequena lagôa permanente, a que os Massaruas chamam
Linocanim (_o pequeno ribeiro_), porque esta lagôa dá nascença a um
pequeno ribeiro que corre a leste, provavelmente ao rio Tati.

Das 6 ás 8 horas cahio sobre nós uma horrorosa tempestade, com copiosa
chuva, que encharcou o terreno, tornando difficilimo o rodar dos carros.

Algumas cabras de M^{r.} Coillard e a minha Córa, querendo refugiar-se
da tormenta, procuráram abrigar-se debaixo dos vagons, que rodavam, e
uma foi logo esmagada pelas rodas.

A minha Córa foi a segunda vìctima. A roda passou-lhe sobre os ilìacos,
e eu, ainda que ella chegou viva a Lino Canin, supuz logo que não podia
viver muitas horas.

N'aquella noute foi morta no nosso campo uma cobra venenosissima.

Desde o rio Nata até ali, vi mais cobras venenosas do que em tôdo o
resto da viagem. Na vèspera um asqueroso e enorme sapo veio meter-se nas
peles da minha cama, e ao acordar achei-me cara a cara com tão amavel
companheiro. Escorpiões, centopeias e os mais repugnantes insectos, eram
meus socios de cama, vindo procurar junto ao meu côrpo o calor que tão
apreciado é pelos animaes de sangue frio.

É preciso um hàbito constante do deserto para se poder dormir sobre umas
pelles na terra dura em companhia de taes animalejos.

Deve comprehender-se, que estas insignificantes bagatellas, reunidas a
todas as outras causas, mantivessem o meu mao humor a uma altura
constante. O tempo chuvoso continuava persistente, e o ceo sempre
encoberto não me permittia fazer observações astronòmicas, o que
contribuia para acirrar o meu espìrito ja muito iracundo.

N'aquelle dia tôdos os meus cuidados, tôdos os meus momentos, fôram
dedicados a tratar da minha pobre Córa, que morreu pêla tarde.

¡Pobre animal! Perdi em ti a ùnica grande affeição que encontrei nas
terras Africanas, antes de conhecer a familia Europea que me recebeu no
seu seio. Perdi em ti a companheira constante dos meus dias de tristeza,
a amiga dilecta dos meus poucos momentos de alegria!

¡Pobre Córa! A sepultura que te cavei junto a Linocanim será sempre um
pensamento triste na minha lembrança, e as poucas linhas que aqui te
consagro, dictadas por a saudade que me deixaste, sam a expressão
sincera do muito que eu te queria, pêlo muito que me eras dedicada.

Agora, leitor endurecido e crìtico severo, trata-me de frìvolo pêlo
pouco que acabo de escrever de assumpto que taxarás de futil, trata-me
como quizeres de mal, que só me darás o direito a lastimar-te. Ha
bagatellas na vida que sam verdadeiros acontecimentos para o homem que
sente, meras puerilidades para aquelle a quem as paixões ja mirráram o
coração.

Se és dos ùltimos, ri-te de mim e deixa-me que te lastime.

Não contesto que me leves grande superioridade, mas eu sou de outro
feitio, e estou bem assim.

Córa morrendo deixou-me uma recordação viva n'um filho que tinha, a que
os Basutos de M^{r.} Coillard déram o nome Coranhana.

A tarde do dia 22 foi tormentosa, e das 3 horas ás 6 e meia a chuva
cahia torrencial.

No dia immediato partímos ás 6 horas, indo parar ás 9 em um logar onde
os Massaruas caváram um grande pôço, logar a que elles chamam Tlala
Mabelli (_fome de mabelli_).[7] No fundo do pôço apenas encontrámos uma
lama fètida inaproveitavel.

Ainda n'esse dia fizémos uma jornada de cinco horas e meia, sempre
debaixo de chuva copiosa.

A 24 seguímos viagem, e depois de quatro horas e meia de caminho,
encontrámos um pôsto de Massaruas, sujeitos ao rei Cama do Manguato.
Chamam aquelle pôsto a Morralana, do nome de uma àrvore que abunda ali.

Disséram-nos os Massaruas que podìamos seguir em linha recta, porque a
muita chuva cahida nos dias anteriores nos faria encontrar àgua no
caminho, sem o quê terìamos de fazer um grande desvio por leste para não
morrermos á sêde.

Ás 11 horas começou uma chuva forte que só moderou ás 2; seguímos então,
mas logo ás 4 parámos, por termos encontrado uma lagôa cheia de àgua
magnìfica, e sabermos pelos Massaruas, que só três dias depois
poderìamos encontrar de nôvo àgua aproveitavel.

¡Triste vèspera de Natal! Eu estava n'esse dia de um mao humor atroz.
Sentado dentro do vagom para me abrigar da chuva, estavam junto a mim
M^{r.} Coillard e as damas.

Elles conversavam, eu estava calado; furioso. Não sei a que propòsito
Madame Coillard falou de George Eliot.

Foi como o fôgo chegado á pòlvora aquelle nome que ouvi.

Voltando-me para Madame Coillard, disse-lhe, que George Eliot não
escrevia senão disparates, porque era uma mulhér o seu George Eliot, e
que uma mulhér só podia escrever disparates.

Madame Coillard, ferida por esta minha brutal aggressão, quiz discutir,
mas eu só lhe respondia, que as mulheres não nascêram para escritôras,
que logo que se metiam a isso não podiam deixar de escrever tolices; que
o seu mistér era governar casas, e não fazer livros.

Chegou a discussão ao ponto de eu ver a bôa dama commovida, e de fugir
d'ali.

Momentos depois cahia em mim, e avaliava tôda a extensão do meu
arrebatamento, sem poder explicar como se produziam no meu espìrito taes
alterações, logo que eu me dirigia a ella.

Eu, o maior admirador de George Eliot; eu, que reli _Romola_ e _Adam
Bede_, ficando ainda com desejo de ler aquellas obras primas da cèlebre
romancista Ingleza; eu que presto um verdadeiro tributo ao mèrito de
Staël e Sand; eu que me ufano de ter entre os primeiros literatos do meu
paiz Maria Amalia Vaz de Carvalho, a mulhér que escreveu um dos melhores
livros que modernamente se tem escrito ali; eu fazendo violencia ao que
pensava e ao que sentia, sustentava, contra a minha convicção, uma idéa
estùpida, só e só para contrariar aquella bôa dama, que me pagava as
aggressões insòlitas com mais cuidados e com mais desvelos!

Amanheceu 25 de Dezembro, dia de Natal, que, sendo dia festivo e de
descanço em tôdo o mundo Christão, para nós foi dia de trabalho rude,
porque jornadeámos por trêze horas, em três caminhadas, e só á uma hora
da noute acampámos.

Era a secura do paiz que nos forçava a alargar as jornadas, e mêsmo
assim, só contàvamos ter àgua três dias depois. N'êsse dia encontràmos
um bando de Bamanguatos, que o rei Cama mandava a M^{r.} Coillard com
bôis frêscos para os vagons. Por elles soubémos a nova das mortes do
Capitão Paterson, M^{r.} Sergeant e M^{r.} Thomas, e alguns serviçaes,
que tinham ido ao Matebelli em serviço do govêrno Inglez, e que se dizia
têrem sido assassinados por Lo Bengula.

A chuva tinha cessado, mas o ceo continuava sempre completamente
coberto. Eu fui n'esse dia atacado de um ligeiro accesso de febre, que
me quebrou as fôrças. Havia um anno que, em Quillengues, eu luctava com
a morte n'aquelle mesmo dia. Estavam então junto a mim Capello e Ivens.

¡Quanto me lembrei d'elles!

¿Onde estariam? ¿Qual teria sido o seu destino no meio d'aquelles paizes
inhòspitos? N'êsse triste dia de Natal, fatigado da jornada, abatido da
febre, quanto me lembrei tambem dos meus! De minha filha, que fazia
annos, e da festa de familia, que se fazia sem mim!

Quantas familias no mundo, n'esse dia, sentadas ás mêsas que vergavam ao
pêso das iguarias, desperdiçando vinhos e desprezando a àgua, estavam
longe de pensar, que no sêco deserto quatro Europêos fatigados seriam
felizes com alguma d'essa àgua, que por tôda a parte era desprezada!

A não ser alguns d'esses entes que de perto nos tocam e que nos não
podem esquècer, ¿quem se lembraria de nós em tal dia?

¡Ha momentos bem tristes entre tôdos os momentos sempre tristes da vida
do explorador!

No dia 26, logo de madrugada, fizémos uma primeira marcha de quatro
horas, andando em uma planicie que se eleva um pouco para o sul, coberta
de herva e apresentando aqui e àlém algumas pequenas matas. O terreno de
areia amarello-avermelhada deixava enterrar as rodas dos vagons quasi
até aos eixos, e tornava difficilima a tracção d'elles.

Ainda n'esse dia fizémos duas jornadas, uma de cinco outra de quatro
horas, sem percebermos o menor signal de àgua. Acampámos ás onze e meia
da noute, á entrada de um valle, onde o terreno nos pareceu difficil e
perigoso de transpor no meio das trevas.

Ao despertar, uma formosa paizagem, formosa para olhos cançados da
monotonia e aridez do deserto, nos veio alegrar a vista.

O pequeno valle á entrada do qual passámos a noute era verdejante e
bello. As colinas que o formavam não tinham mais elevação de 20 metros,
mas eram pintorescas.

Até meia altura deixavam ver a nu um agglomerado de pedras basàlticas
cheias de furos, e cujas arestas puidas mostram que houve ali um
persistente trabalho da àgua.

Apesar da viçosa herva que cobria o fundo do vale àgua nenhuma
encontrámos, ainda que ella deve correr ali em profusão no tempo das
grandes chuvas.

Disséram-nos as gentes Bamanguatas que se chamava aquelle sitio
Setlequane.

Os bôis dos vagons fugíram durante a noite, e sequiosos fôram ao longe
procurar àgua, que não encontráram, sendo reconduzidos ao campo por
gente que despachámos em sua busca, só ás 11 do dia.

Partímos a essa hora, e três horas depois encontràvamos o leito sêco do
rio Luale. Este rio, como quasi tôdos os d'aquelle paiz, só tem àgua
corrente na estação das grandes chuvas, mas em tôdo o tempo pode
encontrar-se alguma estagnada em alguns poços mais profundos. Todavia,
ali ha àgua permanente, e sendo a primeira permanente que lhe fica ao N.
em Linocanim, ha entre estes dous pontos uma distancia de 128
kilòmetros, distancia impossivel de transpor na estação estiva.

Homens e bôis matáram ali a sêde, e nós decidímos seguir logo avante.

Quando ìamos a partir percebémos que faltavam cinco cabras de M^{r.}
Coillard.

Fizémos seguir os vagons e as damas, ficando eu e M^{r.} Coillard com
alguns prêtos para procurar as cabras.

Eu pude por muito tempo seguir o rasto, mas perdi-o depois; e ás 6 e
meia da tarde, ja noute, decidímos ir encontrar os vagons, deixando ali
alguns prêtos para continuar as buscas no dia immediato. Partímos
sòzinhos por noute de trevas profundas. M^{r.} Coillard, sempre
descuidoso, e crente na protecção de Deos, ia desarmado, levando na mão
uma ligeira _badine_; eu, que creio em Deos, mas que tambem creio em
feras no continente Africano, levava a minha melhor carabina.

Uma hora depois de deixarmos o Luale, ouvímos pròximo de nós á nossa
esquêrda, um desagradavel côro de hyenas e chacaes, que não podémos
enxergar.

Este M^{r.} Coillard produzia ás vêzes em mim uma impressão estranha.

Ha coisas n'aquelle homem que me não é dado comprehender.

Um dia, narrando-me com tôdo o calor que o seu espìrito de poeta lhe
dava, um dos mais commoventes episòdios da sua viagem, me disse elle:
"¡Estivémos quasi perdidos!" "Mas," retroqui eu, "o senhor tinha armas,
tinha dez homens dedicados e armados com-sigo, podia, nas circunstancias
que me pinta, sahir da difficuldade fàcilmente."

"Não podia," me disse elle; "não podia sem matar um homem; e eu não mato
um homem, nem mêsmo para me salvar e aos meus."

Fiquei pasmado a olhar para aquelle homem, typo nôvo para mim, sem poder
comprehender que n'aquella organização meridional e ardente podesse
existir uma coragem de gêlo, uma coragem que não acha explicação no meu
espìrito.

Era a coragem filha d'aquellas _flôres d'alma_ que um dos maiores poetas
Portuguezes soube diffinir e descrever em phrase espressiva e bella. Era
a coragem dos martyres, que a poucos é dado entender e sentir. Eu, por
mim, declaro que a não entendo, e posso quando muito admiral-a.

Por vêzes, na minha viagem, me encontrei no meio da floresta desarmado,
ou melhor falando, sem carabina, que alguma outra arma sempre trazia; e
todas as vêzes que isso aconteceu, uma inquietação vaga, uma perturbação
ligeira me atribulava o espìrito.

Não posso, por isso, comprehender o homem que passeia nos sertões
Africanos de _badine_ na mão, vergastando as hervas do caminho. Deve ser
sublime aquella coragem, e pena tenho de a não possuir.

O caminho que eu e M^{r.} Coillard seguìamos é povoado de feras, e o
valoroso Francez dispunha-se a passal-o sòzinho e desarmado, se eu não
teimasse em o acompanhar.

Madame Coillard, em cuidados por nos ter deixado atrás, fez parar os
vagons e esperou por nós, que a encontrámos depois de três horas de
marcha.

Seguímos logo, indo acampar, á uma hora da noute, junto do ribeiro Cane.

Logo de manhã, appareceu o meu Augusto com as cabras perdidas, que elle
encontrara de noute. Seguímos ás 7 horas, a travez de um paiz montanhoso
e coberto de luxuriante vegetação, offerecendo a cada passo panoramas
lindos.

As montanhas correm a S.O., e todas as àguas, se as houvesse, deviam
correr a leste.

Depois de duas grandes jornadas, fomos acampar junto do leito sêco de um
ribeiro chamado Letlotze, onde podémos encontrar àgua n'um pequeno pôço.
Foi decidido que passarìamos ali o dia immediato, que era Domingo, dia
em que a familia Coillard não viajava.

Logo na madrugada seguinte, fomos sobresaltados por uma desagradavel
noticia.

Os bôis tinham ido de noute ao charco encontrado na vèspera, e tinham
esgotado completamente a provisão d'àgua com que contàvamos.

[Figura 127.--Os Desfiladeiros de Letlotze.]

Mandou-se á descoberta, e foi o meu Catraio quem, depois de longas e
demoradas pesquizas, encontrou alguma àgua muito longe do acampamento.

O sitio em que estàvamos era lindissimo, e passámos ali um agradavel
dia.

A 30 de Dezembro, posémo-nos a caminho ao alvorecer.

Eu, que acordei n'êsse dia de pèssimo humor, estava possuido de uma
verdadeira raiva, e nunca cheguei a sentir tanto òdio a alguem como
então senti por aquellas damas, pelo missionario, por tôdos que me
rodeavam.

Aquelle estado do meu espìrito atribulado exacerbou-se ao ouvir, que
M^{r.} Coillard desejava fazer uma grande jornada n'aquelle dia.

Effectivamente, entestámos com os desfiladeiros de Letlôtze, e
caminhámos 25 kilòmetros sem parar.

Parámos emfim, e procurei logo afastar-me do acampamento, para não fazer
alguma loucura. Depois de um passeio nos arredores, voltei, e ao
aproximar-me do campo por entre os arbustos, vi Madame Coillard, que
falava com Mademoiselle Elise com modo contristado.

Não podia ouvir o que diziam, mas o que vi foi bastante para perceber do
que se tratava.

Mademoiselle Elise tinha na mão a lata do chá, Madame Coillard um pires.
Foi despejado no pires tôdo o contendo da lata, e divido em duas partes,
uma das quaes volveu para a lata, outra entrou no bule.

Era o ùltimo chá de Madame Coillard. Compungio-me tanto o ver o
sentimento que se lia no rosto de uma dama Escoceza ao servir o seu
ultimo chá, que o meu mao humor cahio por terra, e cahio para sempre,
porque não mais volveu.

Ainda n'êsse dia jornadeámos por três horas, indo acampar ás 7 e meia em
sitio sêco.

A nossa viajem foi sempre pêlos desfiladeiros de Letlôtze, onde um sulco
profundo serpea em apertadas curvas, mostrando o leito sêco de um rio do
mesmo nome. Sete vêzes atravessámos aquelle sulco, com grande risco dos
vagons que se precipitavam das suas escarpas profundas e inclinadas.

As montanhas que corôam aquelle desfiladeiro sam bellas, e a serra
apresenta um dentado original.

A 31 de Dezembro, depois de uma jornada de duas horas, entràvamos em
Xoxom (_Shoshong_); a grande capital do Manguato.

Ás 8 horas eu comprava um saco de batatas e outro de cebôlas; encontrava
um Stanley (que não é H. M. Stanley, mas de quem terei que falar muito);
e ás 11 horas comia um òptimo almôço de batatas com presunto, um
magnìfico _beef-steak_, e apertava a mão do règulo Càma, o indìgena mais
notavel da Àfrica Austral.

Madame Coillard ja tinha nova provisão de chá.



CAPÌTULO IV.


NO MANGUATO.

     Doença grave--Um Stanley que não é o Stanley--O Rei Cama--Os
     Inglezes em Àfrica--A libra esterlina--M^{r.} Taylor--Os
     Bamanguatos a cavallo--Cavallos e cavalleiros--Despedidas--Parto
     para Pretoria--Acontecimentos nocturnos--Volto a Xoxom--¿Pararám os
     chronòmetros?


Com o alvorecer do dia primeiro de Janeiro vi eu começar em Àfrica um
nôvo anno.

Havia dôze mêzes que n'êsse mesmo dia eu tinha deixado Quilengues, e
feito uma grande marcha para o interior, ainda convalescente da primeira
grave doença que tive em Àfrica. Em Xoxom, um anno depois, o Dia de
Anno-Bom devia ser para mim um dia de descanço, e a vèspera da ùltima
perigosa enfermidade que me ameaçou a vida n'aquella longa e fadigosa
jornada.

Passei entre a familia Coillard aquelle dia festivo, na casa meia
arruinada que pertencêra ao missionario Mackenzie, e que nós fomos
occupar.

No dia 2, fui á cidade, ao bairro Europeo, e em uma das casas Inglezas
déram-me um magnìfico xaruto, um _puro Londres_. Ha quanto tempo eu não
via um xaruto, e com que prazer aspirei o cheiro delicioso do tabaco
Havano!!

N'êsse dia apparecêram-me os simptomas de uma febre perigosa.

A doença tomou um caracter assustador, e até ao dia 7 estive entre a
vida e a morte. Os carinhos e desvelos que me dispensou Madame Coillard
não se podem descrever, e de certo a ella devi outra vez o não ter
morrido n'aquellas inhòspitas paragens.

A 7 melhorei bastante, e pude receber a visita de Stanley. Stanley é um
fazendeiro do Transvaal. E Inglez, mas casou em Marico com uma Böer.

Viera a Xoxom vender batatas e cebôlas, eu comprei-lhe um saco de cada
coisa, e aluguei-lhe o vagom para continuar a minha viagem.

N'aquelle dia pude falar largamente com elle e concluímos o contrato.

Por esse contrato o vagom ficava ao meu serviço, bem como elle, que
seria apenas o _driver_ (conductor), devendo obedecer-me em tudo e por
tudo.

O homem tambem impoz uma condição que aceitei, e foi, a de passarmos por
sua casa, para que a mulhér o não julgasse comido pelos leões.

Stanley disse-me logo, que não iria àlém de Pretoria, porque tinha um
filho pequenino longe do qual não podia viver. Tive de transigir no
contrato com os affectos paternaes do fazendeiro Transvaaliano.

Stanley é homem de trinta annos, alto, barba e cabello muito louro,
physionomia vulgar e nada enèrgica, um typo completamente opposto ao seu
homònymo o grande Stanley. Não era sem um certo acanhamento que eu o
tratava por aquelle nome.

Depois de longa conferencia, ficou decidido que elle estivesse prompto a
partir no dia 13, retirando-se em seguida tão satisfeito comigo como eu
ficara com elle.

O Manguato, ou paiz dos Bamanguatos, occupa na Àfrica Austral uma àrea
que se não pode precisar bem, tão vasta é ella.

Ao Sul do Zambeze e ao Norte do parallelo 24, a Àfrica é dividida, de
mar a mar, em três grandes raças superiores e distinctas.

A leste, os Vatuas ou Landins, cujo chefe é Muzila. Em seguida, os
Matebeles ou Zulos, cujo chefe é Lo-Bengula.

A oeste, os Bamanguatos, cujo chefe é Cama.

Muitos, grandes e pequenos grupos, de raças inferiores, estam sujeitos a
estas três raças dominantes, e incontestavelmente superiôres ás outras.

Taes sam entre os Matebeles os Macalacas, entre os Bamanguatos os
Massaruas.

Àlém d'estas, outras castas formam aqui e àlém pequenos grupos, e as
povoações dos juncaes da Botletle, e do Ngami, sujeitas ao rei Cama, e
os Baniaes e outros povos de leste sujeitos a Lo-Bengula, sam de
differente origem.

Estes três grandes potentados sam inimigos,[8] e usam bem differente
polìtica.

Cumpre-me aqui só falar de Cama, e por isso deixarei em silencio o que
poderia dizer dos outros dois poderosos règulos, cujos paizes não
visitei.

O Manguato era, ha poucos annos, governado por um velho imbecil e
bàrbaro.

Era o pai de Cama.

Cama, Christão convicto, educado pelos Inglezes, homem civilizado, de
elevada intelligencia e superior bom-senso, não podia ter as bôas graças
de seu pai, e ainda que primogènito, e por isso herdeiro legal do poder,
soffria uma guerra sem trègua do velho imbecil, que trabalhava para
fazer seu successor a seu filho segundo Camanhane.

Cama, querendo evitar as intrigas que em Shoshong (_Xoxom_) lhe moviam
os inimigos, retirou-se prudentemente para a Botletle; mas em caminho
tôdo o seu gado foi disperso pela sêde, e reunido pelos Massaruas foi
levado a seu pai.

Cama reclamou o que era seu e lhe foi negado, tendo por ùnica resposta,
que o fôsse elle mesmo buscar a _Shoshong_, que ali lhe cortariam a
cabêça.

Elle replicou, que iria, e marcou o comêço da primavera seguinte para
isso, avisando que estivessem preparados para o receber. Effectivamente,
apresentou-se no Manguato á frente de uma respeitavel fôrça reunida na
Botletle e no Ngami, e tendo batido em differentes combates a gente de
seu pai, tomou a cidade de Xoxom pouco depois.

Foi acclamado règulo, e seu pai depôsto. Entregou a seu pai tôdo o gado
e riquêzas que lhe pertenciam; deu bôa esmola a seu irmão Camanhane,
mandando-os viver para o sul junto de Corumane.

Um anno depois, Cama chamava seu pai e seu irmão para junto de si, e
fazia-lhes os maiores beneficios.

Todavia o pai e o irmão, logo que se acháram vivendo na capital,
conspiráram contra o generoso règulo, que, desgostoso por se ver
envolvido em novas intrigas, entregou o govêrno a seu pai, e retirou-se
para o Norte.

Os Bamanguatos porem tinham apreciado o govêrno sabio de Cama, e não
podiam aturar outro règulo; o que deu logar a que fôssem em massa buscar
o filho e de nôvo deposessem o pai. Este quiz retirar-se para Corumane e
levou Camanhane comsigo, mas Cama, sabendo da pobreza em que estavam,
ainda os encheu de beneficios.

Esta ùltima scena da historia do Manguato passou-se sete annos antes da
minha estada ali, e desde então o poder de Cama consolidou-se
completamente.

Cama, nas guerras que sustentou com os seus e com estranhos, adquirio
reputação de grande capitão.

No tempo em que estive em _Shoshong_, Camanhane ja vivia ali, ainda que
não tem a menor ingerencia nos negocios pùblicos. Cama perdoou-lhe,
chamou-o para junto de si e enriqueceu-o.

Ao contrario de tôdos os governos indìgenas d'Àfrica, o de Cama não é
egoista. Antes de pensar em si mesmo pensa elle primeiro no seu pôvo.

Uma grande parte d'êsse pôvo é Christã, e tôdos andam vestidos á
Europea.

Nem um só Bamanguato deixa de ter espingarda, mas não se vê nunca um
homem armado n'aquelle paiz, fora das florestas.

Cama nunca traz armas. Vai repetidas vêzes ao bairro missionario, que
fica a dois kilòmetros da cidade, e volta por noite fora, só e
desarmado.

Não ha outro chefe em Àfrica que o faça.

Tem este règulo 40 annos, ainda que parece muito mais nôvo. É alto e
robusto, mas a sua physionomia inculca pouco.

Tem modos distinctos, e o seu trajar á Europea é apurado e de um aceio
exquisito. Como tôdos os Bamanguatos, é destro cavalleiro, bom atirador
e afamado caçador.

Quasi tôdos os dias Cama almoçava comigo em casa de Madame Coillard, e
sentava-se á mesa com os modos e distincção de um cavalheiro Europeu.

Cama é muito rico, mas a sua riqueza é partilhada pêlo seu pôvo.

Ha annos, veio um flagello aos campos Bamanguatos, e sobreveio a fome,
mas o pôvo de _Shoshong_ não a sentio.

Cama comprou cereaes em tôda a parte, só em uma semana gastou cinco mil
libras esterlinas, mas a sua gente têve de comer.

É bello ver a respeitosa amizade com que tôdos o saudam quando passa nas
ruas. Não é o cortejar a um rei, é o saudar a um pai.

Elle visita as casas dos pobres e as dos ricos, e a tôdos anima ao
trabalho.

Os Bamanguatos trabalham muito.

Nos campos ajudam as mulheres no amanho das terras, e ja empregam a
charrua importada de Inglaterra.

Àlém de grandes cultivadôres, sam pastôres e t[~e]m muitos gados.

Em casa trabalham a curtir pelles e a cosel-as com nêrvos de antìlopes,
fazendo ricas coberturas que usam no inverno.

No tempo da caça sam caçadores, e as abestruzes e os elephantes sam
perseguidos por elles.

Em tôdos êstes misteres sam animados pêlo seu chefe, que os visita, ja
nos campos, ja no labutar domèstico.

Sam muito amigos dos Europêos, e aquelle que chêga ao Manguato está tão
seguro como na Europa.

Cama anda sempre só, e quando, muito é seguido por dois criados
acavallo. Elle anda sempre acavallo.

¿Como no meio de tantos povos bàrbaros se acha um tão differente
d'elles?

Deve-se isso aos missionarios Inglezes, e não posso deixar no escuro os
seus nomes. Três homens trabalháram n'aquella grande obra.

Com a mesma imparcialidade com que até aqui tenho falado dos prêtos, vou
agora falar dos brancos, e se não deixo de convir que muitos
missionarios, e muitas missões Africanas, sam estereis, ou antes
contraproducentes, preciso admittir, por factos que vi, que outras dam
verdadeiros resultados, pêlo menos apparentes.

O homem é fallivel, e tirado do meio social em que foi creado, privado
dos confôrtos que lhe conchegáram a infancia, perdido, por assim dizer,
no meio dos povos ignaros da Àfrica, habitando um clima inhòspito,
comprehènde-se que sôffra uma profunda modificação no seu espìrito.

Esta deve ser a regra geral que tem excepções. As excepções sam os
homens verdadeiramente fortes, aquelles que apoiam a sua moral
n'aquellas _flôres d'alma_ que tão bem descriptas fôram pêlo grande
poeta da Beira, aquellas _flôres d'alma_ que dam o olvido ao mesquinho
pêlo amor trahido, que dam confôrto ao nàufrago quando a esperança de
alcançar a terra se perde, ás quaes se encommenda o monje ao soffrer o
martyrio dado pelos bàrbaros onde foi levar a civilização.[9]

Os homens que as possuem, podem, entregues a si mesmos, caminhar ávante
e attingir um fim sublime; mas estes homens sam verdadeiras excepções. A
materia é fraca, e mais fraco ainda é o espìrito humano.

Se assim não fôra, dispensavam-se as leis e os govêrnos, e a sociedade
estaria constituida em outras bases.

Bastavam as _flôres d'alma_ para governarem o mundo.

As paixões a que está sujeito o homem levam muitas vêzes o missionario,
que é homem e fraco por ser homem, a seguir um caminho errado.

A luta entre cathòlicos e protestantes nas missões Africanas sam um
exemplo d'isso, sam a demonstração incontestavel de que as paixões más
podem actuar no missionario como em qualquer outro mortal.

Os missionarios protestantes (os maos ja se entende) dizem ao prêto, que
"o missionario cathòlico é tão pobre que nem tem com que comprar uma
mulhér!" aviltando assim o homem; que tão aviltado é o pobre entre os
povos Africanos como entre os Europeus.

Por outro lado, os cathòlicos empregam toda a sorte de traça para
desvirtuar os protestantes. D'essa luta nasce a revolta, e produz-se a
esterilidade de muitas missões, onde concorrem missionarios de crenças
diversas. Falei n'isto incidentalmente para mostrar, que os missionarios
tem paixões e erram. Essa é até a regra geral.

Ao sul do tròpico o paiz está coberto de missionarios, e ao sul do
tròpico a Inglaterra sustenta uma guerra constante com as populações
indìgenas.

É porque o mao trabalho de muitos desfaz o que alguns construem de bom.

Deixemos porem em paz os maos, e falemos dos bons.

Dizia eu, que três homens trabalháram na obra da civilização relativa (e
para mim apparente) do Manguato.

Digo apparente, porque estou convencido de que o règulo que substituir
Cama, se não quizér admittir o missionario, levará com-sigo a população
inteira, que não hesitará entre a doutrina de Christo, que não entende,
e o serralho que lhe delicía a lascivia; que não hesitará entre o padre
e o règulo.

Mas essa civilização do Manguato é hôje notavel a tôdos os respeitos, e
o primeiro homem que trabalhou n'ella foi o Rev. Price, creio que o
mesmo que ultimamente foi encarregado da missão de Udjidji no Tanganika,
e que tão infeliz foi na primeira viagem. O segundo foi o Rev.
Mackenzie, o actual missionario de Corumane; e o terceiro aquelle que
ainda hôje prega o Evangelho aos Bamanguatos, o Rev. Eburn; que eu não
tive a honra de conhecer, por estar ausente em viagem de missão, mas
cujas qualidades pude apreciar pelas suas obras que vi, como pêlo
respeito que lhe tributam indìgenas e Europêos.

É com o maior prazer que cito estes nomes dignos, e merecedores de serem
apontados como exemplos aos trabalhadores da civilização Africana; é
tanto maior a minha satisfação fazendo-o, que não conheço pessoalmente
nenhum d'estes distinctos cavalheiros.

Shoshong (_Xoxom_) é a capital do Manguato.

O valle de Letlotze alarga para o sul, tomando uma largura de três
milhas, e continuando a ser enquadrado por altas montanhas. É no valle
encostada ás montanhas do Norte que assenta a cidade dos Bamanguatos,
cidade populosa de 15 mil almas, e que em tempos do pai de Cama chegou a
contar trinta mil.

As montanhas rasgam-se ali para deixar passar uma torrente que se forma
nos tempos chuvosos, e que divide um bairro da cidade. É no fundo d'essa
garganta, mesmo, por baixo das altas montanhas de rochas àridas cortadas
a pique, que os missionarios estabelecêram as suas vivendas.

O sitio foi pessimamente escolhido, porque é hùmido e insalubre.

Provavelmente, a falta d'àgua (falta d'agua, que se faz cruelmente
sentir em Shoshong) determinou aquella escôlha, fazendo aproximar os
missionarios ao leito do ribeiro, onde na estação estiva alguns poços
fornecem àgua á população sedenta da cidade de Cama.

As casas em Shoshong sam construidas de caniço e côlmo, sam cilìndricas
com tectos cònicos. Estam divididas por bairros, e um labyrintho de ruas
estreitas e tortuosas lhes dá accesso.

No bairro missionario existem as ruinas da casa do Rev. Price, a casa do
Rev. Mackenzie muito deteriorada, onde eu habitei, e a igreja
abandonada, por ser pequena para conter a multidão que concorre aos
officios divinos.

Isto a oeste, ou na margem direita do córrego. A leste, ou na margem
esquêrda, uma edificação nova, melhor situada do que as outras, é a
residencia do actual missionario. Todas estas edificações sam de tijolos
com tecto de ferro estanhado.

[Figura 128.--Ruinas da casa do Rev. Price (Xoxon).]

Do lado oppôsto da cidade, em planicie livre, está situado o bairro
Europêo, e as casas de tijolos mostram as moradas dos negociantes
Inglezes.

N'uma d'essas casas, a de M^{r.} Francis, ha um pôço que fornece àgua á
colonia Britànica.

Os Inglezes em Àfrica não sam como os povos dos outros paizes, e por
isso vam mais longe do que elles, ainda que o seu temperamento e a sua
ìndole estam muito longe de igualar a dos povos da raça Latina, em bôas
condições para resistir ao clima e associar com o gentio.

Um Inglez decide ir negociar para o sertão, mete em um vagom tôda a
familia e tôdos os havêres, e parte.

Chêga, edifica logo uma casa, rodea-se de tôdas as commodidades que pode
ter, e diz com-sigo: "Eu vim aqui para fazer fortuna, e se a não fizér
em tôda a minha vida, tenho de passar aqui essa vida. Procuremos pois
passal-a bem."

Não pensa mais na Inglaterra, esquece o passado e olha só para o
presente e para o futuro. Nostalgia nenhum tem.

Outros ha, e muitos, de classe inferior, que não querem mesmo voltar á
patria, e que se estabelecem logo para sempre.

N'isto consiste a sua fôrça colonizadôra. Outra cousa que os Inglezes
fazem logo é introduzir a libra esterlina em toda a parte.

Chêga um indìgena com marfim, pelles, pennas, ou outro gènero do
commercio, e quer pòlvora, armas, etc. Os Inglezes não entendem
permutações directas. Dam-lhe o valor em libras, e vam vender-lhe ao
outro lado do armazem o que o gentio carece.

Ao principio custa; mas o indìgena vai-se habituando, vai conhecendo a
vantagem do dinheiro, e depois ja não quer outra cousa. O negociante
assim sabe bem o negocio que faz. Ha no Manguato um negociante Inglez,
de que terei que falar muito ao diante, M^{r.} Taylor, que ja chegou a
introduzir em Shoshong o papel de crèdito.

Lêtra passada por elle é recebida pêlo chefe Cama e por muitos gentios
ricos.

Depois d'êste ràpido esbôço que acabo de fazer do Manguato, não posso
deixar de falar na minha posição em _Shoshong_, que era verdadeiramente
crìtica.

Tinha a fazer uma grande viagem para alcançar Pretoria, o ponto mais
pròximo onde poderia alcançar meios de uma autoridade Europea; tinha de
pagar dìvidas ja feitas com a sustentação da minha gente, estava sem
roupa; os meus prêtos, cobertos de andrajos, pediam-me algumas jardas de
panno para se vestirem, e eu não tinha dinheiro algum.

M^{r.} Coillard offerecia-me a sua bôlça, mas bem precisa lhe era ella
para que eu ousasse aceital-a. Queria mesmo saldar algumas dìvidas que
com elle contrahira, por saber que elle tinha a fazer ainda uma longa
viagem, e não lhe sobejarem os meios.

O meu embaraço era grande, e tristissima a minha posição.

Eram estas as minhas circunstancias, quando, no dia 8, acompanhei Madame
Coillard a fazer uma visita á familia Taylor.

M^{r.} Taylor tem sido um grande viajante, ja estêve no Zambeze, conhece
tôdo o Transvaal, a Colonia do Cabo e todos os paizes do sul d'Àfrica.

Estabelecido definitivamente no Manguato, a sua casa é uma das primeiras
casas commerciaes de _Shoshong_. Só em marfim a sua exportação orça por
trinta mil libras por anno. M^{r.} Taylor é homem sèrio e de grande
crèdito.

M^{r.} Taylor era casado, havia três annos, com uma joven e formosa
Ingleza, de cabellos e olhos prêtos.

Dotada de uma educação esmeradissima, Madame Taylor embalsama o ambiente
que a cerca com esse perfume que envolve toda a mulher de sociedade.

Junto d'ella, n'esse dia, cheguei a esquècer-me de que estava no remoto
sertão Africano, para me julgar transportado a um salão do West-End em
Londres.

A conversação estabeleceu-se entre mim, Madame Taylor, Madame e
Mademoiselle Coillard, e veio a pello falar-se da minha pròxima viagem.

Disse-se, que me era impossivel viajar n'aquelle paiz sem um cavallo, e
a propòsito d'isso, M^{r.} Taylor convidou-me a ir ver os seus. Chegados
á cavallariça, elle apontou-me para um magnìfico corredor do deserto,
castanho claro com cabos prêtos, e disse-me: "Eis o cavallo que lhe
convem para viajar e caçar."

Eu conheci logo o grande valor do animal, que pêlas cicatrizes miúdas e
redondas assignaladas sôbre os curvilhões, me mostrava ter tido a
_horse-sickness_, e estar por isso á prova, sendo o que ali se chama um
cavallo _salé_. As outras qualidades eram reveladas pelas pernas finas e
nervosas, apresentando uma musculatura desproporcional, pescôço longo e
pouco guarnecido de clinas, olhar vivo e intelligente, cabêça sêca e
elegante, e abundantissima cauda. Ficáram me os olhos n'aquelle bello
animal, e triste disse a M^{r.} Taylor, que não tinha dinheiro para lh'o
pagar. "_Yes_, me disse elle, _it is a valuable horse_" (Effectivamente,
é um cavallo de grande valor).

Voltámos á sala, e eu não pude deixar de falar ás damas do formoso
animal que acabava de examinar.

Pouco depois voltàvamos a casa, e pêlo caminho Madame Coillard mostrava
a maior afflicção pêla minha falta de recursos, em quanto M^{r.}
Coillard redobrava de offerecimentos sinceros da sua ja magra bôlça.

As noutes que passàvamos na casa do Rev. Mackenzie eram horriveis.
Aquella casa deshabitada ha muito, estava cheia de insectos asquerosos,
que nos sugavam o sangue, roubavam o sono, deformavam as feições e
atormentavam a paciencia. Eram milhões de carrapatos e milhões de
persovejos.

Umas carraças semelhantes ás dos cães no sul da Europa, castanhas e
chatas, mas que depois de saciadas tomavam a forma esphèrica e uma côr
esbranquiçada, produziam inflammações horriveis no sitio onde mordiam.
Era um supplicio indescriptivel aquelle. Depois de uma d'estas pèssimas
noutes, Madame Coillard tinha-me mandado chamar para o almôço, e ja
ìamos para a mêsa, quando se fez annunciar M^{r.} Taylor.

Dirigio-se a mim, e com esse ar frio e seriedade de tôdo o legitimo
Inglez, disse-me, que me vinha trazer o cavallo castanho que eu tinha
admirado na vèspera, duzentas libras que eram tôdo o ouro que n'aquelle
momento tinha em caixa, e me offerecia ainda o seu crèdito, tanto junto
dos outros negociantes do Manguato, como em Pretoria, se eu carecêsse
d'elle.

Declaro que cahi das nuvens com tal offerecimento nem de leve
sollicitado, e que apenas pude balbuciar algumas palavras banaes de
agradecimento; de tal modo fiquei commovido.

M^{r.} Taylor almoçou com-nôsco, e em seguida eu acompanhei-o a sua
casa.

Montava ja o sobêrbo cavallo, e sentia essa sensação de prazer que tôdo
o cavalleiro sente ao montar um formoso animal, sôbre tudo quando está
privado d'esse prazer ha muito tempo.

Falámos largamente dos meus negocios, e eu não aceitei o dinheiro,
contentando-me com o cavallo que me era muito preciso, e admittindo que
elle pagasse as minhas dìvidas ja contrahidas em despêsas de viagem, que
montavam a cento e oito libras, e sacasse sôbre mim em Pretoria, onde
contava haver dinheiro do govêrno Inglez.

M^{r.} Taylor, por um requinte de delicadeza, sacou a dois mêzes de
vista sôbre o meu aceite que devia ter logar em Pretoria.

A 10 de Janeiro acabava eu de pôr em dia os meus trabalhos, e
preparàva-me para a partida.

Não posso deixar de citar aqui os nomes de M^{r.} Benniens, M^{r.}
Clark, e M^{r.} Musson, que me dispensáram os maiores favôres e
coadjuváram a minha partida; estando eu certo de que, sem o anticipado
cavalheirismo de M^{r.} Taylor, teria encontrado n'elles o apoio
monetario de que carecia.

Em vista dos favôres que ali recebi de estranhas gentes, não pude deixar
de lançar um golpe de vista ao passado, e recordar-me de Caconda e do
Bihé.

O parallelo que estabeleci entre o apoio que encontrei nos sertões
concorridos por Portuguezes e Inglezes, veio mais uma vez confirmar a
minha opinião, sôbre a qualidade das gentes que de Portugal vam aos
sertões Africanos.

Tenho viajado muito e conhêço muitos povos. Nenhum vi ainda tão
hospitaleiro e tão bondoso como o Portuguez.

Quantas vêzes, nas minhas caçadas, eu tenho ido bater ás portas dos
aldeões das nossas serras, e sempre as tenho visto abrir de par em par
ao forasteiro que pede um abrigo. O pobre aldeão reparte com o hòspede o
melhor da sua ceia, e da enorme caixa enfumada sahe o melhor do seu
bragal para a cama do desconhecido. Subindo da cabana do pôvo rude ás
casarias do lavrador abastado, e d'ahi ás habitações solarengas, em
tôdas vemos revelada a hospitalidade Portugueza n'uma simples indicação.
Tôdas t[~e]m os quartos para hòspedes. Quando um Portuguez edifica uma
casa, não pensa só na familia e nos seus, pensa tambem no forasteiro que
lhe pode vir pedir abrigo, e edifica para elle. É que para o Portuguez o
estranho que chêga é recebido como familia, na choupana do pobre e no
palacio do rico. Este traço na vida material de um pôvo que edifica
contando com o hòspede, define a sua hospitalidade. É por isso que grito
bem alto, que não sam Portuguezes os homens que me recebêram mal em
Caconda e no Bihé. É por isso que eu verbero acerbamente o systema de
mandar para as colonias o que ha de mais baixo, vil e ignobil entre os
criminosos da Metròpoli. É ali que está uma das causas mais
determinantes do atraso de muitas das nossas ricas possessões. Ali está
o escolho em que esbarra muitas vêzes a acção do govêrno.

Em Caconda só encontrei estôrvos á minha viagem. No Bihé êsses estôrvos
recrescêram, e não se limitáram a exercer uma acção local;
acompanháram-me até ao Zambeze. Ali no Manguato só encontrei bôa
vontade, só encontrei auxílio, e era quem mais podia fazer por mim.

Isto não se commenta.

Durante a minha estada em _Shoshong_, era ali a ordem do dia a morte do
Capitão Paterson e dos seus companheiros no paiz do Matebeli.

Corriam versões differentes, mas todas concordes em que elles fôram
assassinados por ordem de Lo-Bengula.

O Capitão Paterson sahira de Pretoria encarregado de uma missão official
junto de varios règulos Africanos; missão de que involuntariamente tive
conhecimento por um d'estes com quem elle tratou, e sôbre a qual guardo
a maior reserva, pêlo respeito que me merecem todas as missões
particulares dos governos. Acompanhava-o M^{r.} Sergeant e alguns
serviçaes, e no Matebeli reunìra-se M^{r.} Thomas, joven Inglez, filho
de um missionario ha muito residente no Matebeli, e elle mesmo nascido
ali. O Capitão Paterson, depois de tratar o que tinha a tratar com
Lo-Bengula, decidio ir ver a maravilha Africana, a cataracta de
Mozioatunia.

O joven Thomas pedio licença ao règulo para acompanhar aquella
expedição, licença que lhe foi concedida.

Na vèspera da partida porem, um dos favoritos do règulo foi procurar o
môço Inglez, e disse-lhe em nome do seu chefe, que não acompanhasse o
Capitão Paterson.

M^{r.} Thomas foi procurar Lo-Bengula, e perguntar-lhe porque lhe negava
a permissão antes concedida.

Lo-Bengula respondeu-lhe, que elle tinha sido criado pelos Matebelis, e
por isso era querido como um filho da tribu.

Que tinha um presentimento de que alguma desgraça poderia acontecer
áquelles Inglezes, e por isso o aconselhava a ficar ali e a deixal-os
seguir sós.

M^{r.} Thomas disse-lhe, que não se importava com os presentimentos, e
foi.

Não devia voltar como os outros dous Inglezes. ¿O que se passou? ¿Quem o
saberá? Só o terrivel Lo-Bengula.

Uns, diziam, que fôram envenenados, outros mortos a tiro; mas eu, que
conheço o systema dos grandes potentados Africanos, duvido de que alguma
cousa certa se possa saber nunca; porque elles matam logo os executôres
das suas sinistras ordens, e fêcham o segrêdo dos seus crimes em novas
sepulturas.

Tudo quanto se dizia para provar uma ou outra opinião eram razões,
talvez plausiveis, para quem não conhecesse a Àfrica, mas para mim não.

Diziam, por ex., que os Macalacas que, por ordem de Lo-Bengula, os
tinham acompanhado, apparecêram depois com galões e outros objectos
furtados aos Inglezes, o que provava que houvera assassinio e roubo.

Isto não provava nada; porque, se êlles tivessem morrido de morte
natural, as suas bagagens seriam logo saqueadas.

Diziam outros, que, faltando a àgua, o chefe da caravana Matebeli fôra
explorar terreno sòzinho, e voltando muito tempo depois, indicara um
pequeno charco pouco distante, e que o Capitão Paterson ao beber
d'aquella àgua dissera, "_estou envenenado_." ¿Quem veio contar isto, se
ninguem da gente d'elles escapou?

Noticias de origem Matebeli diziam, que elles tinham bebido àgua de uma
lagôa naturalmente envenenada, e por isso tinham morrido tôdos. Isto é
outro absurdo.

Tôda a àgua das lagôas Africanas é veneno, mas não é veneno que mate
n'um dia como o arsènico e os saes de mercurio, ou como muitos
alcaloides vegetaes.

O veneno d'aquellas àguas infiltra-se no organismo, deteriora-o
lentamente, pode matar com o tempo, porque é o miasma palustre e não
outra cousa; mas não destroe a vida algumas horas depois de absorvido, e
caso produzisse esse effeito em uma organização especial, não o produzia
de certo em tanta gente.

Assim, pois, é tambem inverosimil a versão do envenenamento natural.

Outros affirmavam, que elles fôram traiçoeiramente fusilados; alguns
diziam, que fôram mortos a azagaias. ¿Quem trouxe a nova?

Parece que houve crime, porque não é possivel que a febre matasse n'um
dia tanta gente, e entre ella, gente aclimada no paiz, como o joven
Thomas e os indìgenas; parece que houve crime, mas se o houve o segrêdo
ficará entre Deos e Lo-Bengula.

Um dos viajantes Africanos que me merece mais crèdito, M^{r.} François
Coillard, que ainda se demorou muito em _Shoshong_ depois da minha
partida d'ali, assegurou-me na Europa, muito tempo depois, que o rei
Cama conhecia o segrêdo da morte d'aquelles infelizes, e deixou-me
perceber, que um crime horroroso fôra praticado por ordem do malvado
Zulo.[10]

A 11 de Janeiro, havia na casa derrocada que habitàvamos um labutar
incessante. Eram Madame e Mademoiselle Coillard a preparar-me provisões
para a viagem. Faziam biscoutos com pròdiga largueza.

¿Como poderei eu jàmais agradecer tantos favôres? N'aquelle dia tambem
recebi presentes de Madame Taylor. Um grande açafate de _cakes_ e um
cestinho de ovos, cousa bastante rara em _Shoshong_.

No dia immediato estava prompto a partir, mas decidí seguir viagem no
dia 14, não querendo deixar _Shoshong_ a 13.

Eu não tenho preconceitos, nem antipathias com nùmeros, mas d'essa vez o
embirrar com o 13 foi desculpa dada a mim mesmo, para me demorar mais um
dia com essa bôa familia a quem tanto devia.

Pude ali alcançar alguns cobertôres de pelles, d'aquelles que os
Bamanguatos fazem para seu uso, e que sam cosidos com nêrvos de
antìlopes.

Pêlas minhas observações achei uma differença enorme na posição de
_Shoshong_, marcada em uma carta de Marenski que possuia M^{r.}
Coillard.

No dia 13 fiz as minhas despedidas aos negociantes Inglezes, exceptuando
M^{r.} Taylor, que estava ausente a seis milhas de Shoshong, no seu
pôsto de gado.

Apesar d'o meu caminho ser ao sul, e o pôsto de gado de M^{r.} Taylor ao
norte, decidi ir la no dia 14 fazer as despedidas a quem tanto me
obrigara.

Effectivamente, n'êsse dia de manhã, segui para la. As damas Coillard e
Madame Clark partíram adiante em uma carriola puxada por dois cavallos.

Eu sahi muito depois, em companhia do règulo Cama e de M^{r.} Coillard.

Eu, n'esse dia, tinha de fazer a primeira jornada no caminho de
Pretoria, e essa jornada era de dôze milhas, para poder alcançar àgua
potavel, o que, com outras dôze que eu ia andar de manhã, perfazia um
total de 24, o que é um pouco forçado n'aquelle clima.

Seguímos pois acompanhados de dôze cavalleiros Bamanguatos.

Logo que deixámos as ruas da cidade, o chefe Cama deu de esporas ao
cavallo e partio, mão baixa. Depois de uma corrida vertiginosa de meia
hora, passou elle ao galope. Perguntei-lhe ¿para que era aquella pressa?
e elle respondeu-me, que era assim que se andava no Manguato, e que os
cavallos descançavam bem no galope, para darem outra corrida. Disse-lhe,
que tinha razão, mas que o meu cavallo tendo de fazer uma grande marcha
n'esse dia, talvez não entendêsse isso como elle. Que não queria ir de
encontro aos hàbitos dos cavalleiros Bamanguatos, mas que me desse elle
um dos seus cavallos, e mandasse o meu para _Shoshong_, onde eu o
encontraria frêsco para a jornada d'esse dia.

Mandou Cama logo apear um dos seus que voltou á cidade com o meu _Fly_,
em quanto eu montava uma êgua magnìfica que elle deixava.

Seguímos a toda a brida, e d'ahi a pouco estàvamos no pôsto de M^{r.}
Taylor.

¡Tìnhamos gasto cincoenta e cinco minutos! Madame Taylor fez-nos servir
um magnìfico lunch, e depois das mais cordiaes despedidas voltámos a
_Shoshong_.

O systema da volta foi o mesmo da ida, brida e descançar no galope!

Os Bamanguatos não usam freios nos cavallos, e apenas os dirigem com um
bridão Inglez. Dizem elles que os freios e as barbellas não deixam
correr os cavallos.

Chegámos em um momento a _Shoshong_.

Stanley estava prompto a partir, e só esperava o meu signal. Dei-lhe
esse signal, e elle fez estalar o longo chicote por sôbre as cabêças dos
bôis, que se poséram lentamente a caminho, arrastando o pesado vagom.
Com elle fôram os meus prêtos, á excepção de Augusto e Pépéca, que
ficáram comigo. Passei ainda algumas horas com as damas Coillard, mas
era forçôso deixal-as, e fazendo soberanos esforços para occultar a
minha commoção, disse-lhes um ùltimo adeos, saltei sôbre o cavallo e
parti.

Tive a coragem de não me voltar em quanto as podia ver!

O sol desapparecia ja no horizonte quando deixei _Shoshong_.

Segui o caminho que me foi indicado, e três horas depois, entendi que
estava no ponto onde devia pernoitar, mas o vagom não apparecia. Era
tarde da noite, e noite de trevas profundas.

Chamei, gritei, e ninguem respondeu. Poucos momentos depois,
apparecêram-me dois indìgenas. Eram vedêtas de Cama, que receioso de um
ataque nocturno dos Matebelles, guarda a sua cidade com uma linha
contìnua de sentinellas a muitas milhas de distancia. Estam estas
atalaias tão bem dispostas, que podem soccorrer-se, e fazer um momento
face ao inimigo, em quanto alguns homens correm á cidade nos ligeiros
cavallos a dar o alarme.

Os dois homens que me apparecêram acabavam de rondar os postos do sul, e
afiançáram-me, que, havia muitos dias, nem um só vagom tinha tomado
aquelle caminho; asseverando, que eu devia ter passado pêlo meu antes de
chegar ali.

Estava muito habituado á vida das florestas para que passasse, mesmo nas
trevas, pêlo vagom sem o ver, e se me escapasse a mim, não escaparia ao
meu Pépéca, que tem olhos de lince.

Os dois Bamanguatos proposéram-me o acompanhar-me a buscar o vagom e
partíram comigo.

Depois de explorarmos uma grande parte do valle sem encontrarmos
vestigios da carroça, cahimos de nôvo em _Shoshong_, desesperados,
acabrunhados de fadiga, e sem poder explicar o caso.

Eram altas horas, ¿e que fazer? Resolvi ir bater á porta de M^{r.}
Coillard, e esperar o dia.

M^{r.} e M^{me.} Coillard levantáram-se logo, e em quanto eu narrava o
acontecido ao missionario, Madame Coillard só pensava em me dar de comer
e em me preparar bôa cama.

Eu até ali, como depois, dormia sôbre a terra em umas pelles, a despeito
dos esforços de Madame Coillard em me querer dar uma cama; como as
minhas pelles tinham partido no vagom, ella n'essa noite aproveitou o
ensejo de se vingar da minha reluctancia, e fêz-me uma cama Europea.

Não podémos decifrar o enigma, e reservámos para o dia seguinte o
desvendar o misterio do desapparecimento do meu Stanley.

Eu, quebrado de fadiga, fui dar bôa ração ao cavallo, e cahi extenuado
no leito.

Apesar do cançaço, não pude conciliar o sono, porque uma anciedade
horrivel me confrangia o coração.

Como ja disse, encontrei uma grande differença na posição de _Shoshong_
em longitude, e tôdas as minhas observações eram chronomètricas e
referidas á ùltima observação que fiz do eclipse do primeiro satèlite de
Jùpiter. Essa posição nova só me podia ser confirmada, por uma nova
cotisação dos chronòmetros em longitude determinada, e esses
chronòmetros, que eu não sabia onde estavam por ignorar onde estava o
vagom, iam parar no dia seguinte por falta de corda.

A poucos será dado comprehender o que eu soffri com esta idéa.



CAPÌTULO V.


DE SHOSHONG A PRETORIA.

     Catraio--Apparece o vagom--Despedida de M^{r.}
     Coillard--Tempestades--O vagom tombado--Trabalhos de nôvo
     gènero--Chuvas--O Limpôpo--Fly--Caçadas--No Ntuani--Um Stanley que
     não presta--Augusto furioso--Adicul--Os leões--Stanley desanima--Os
     Böers nomadas--Nôvo vagom--Peripècias--Doenças graves--Um
     Christophe de mil diabos--Madame Gonin--O ùltimo
     tùmulo--Magalies-berg--Pretoria.


Mal se adivinhava o alvorecer da manhã, e ja eu estava a pe e vestido.

Os chronòmetros não se me tiravam da idéa, e a preoccupação era grande e
motivada.

M^{r.} Coillard participava do meu sobresalto, e não me quiz deixar
partir sòzinho. Mandou pedir um cavallo ao rei Cama, e seguio comigo no
rasto do vagom.

Tive de fazer novas despedidas ás damas Coillard, e novamente senti os
desgôstos d'aquella separação.

Em breve eu e M^{r.} Coillard deixàvamos _Shoshong_, e nos internàvamos
no esteval que cobre os campos ao sul da cidade.

Seguìamos o rasto do pesado carro, quando mui pròximo divisámos um nêgro
sentado junto ao caminho. Ao acercar-nos d'elle eu conheci-o. Era o meu
muleque Catraio. Caminhou para mim, trazendo nas mãos um objecto
volumoso, e ao abeirar-me, disse-me, "_Sinhô_, dê cá as chaves para
tirar os relogios da mala, que sam horas de dar corda."

Exultei ao ver a mala dos instrumentos onde estavam os chronòmetros, e
sem pedir ao muleque explicações do desapparecimento do vagom, saltei do
cavallo, e entreguei-me ás minhas observações matinaes quotidianas.
Estava escrito que durante a minha longa jornada os meus chronòmetros
não teriam nunca de parar!

Catraio, sempre vigilante por aquella obrigação, velava por elles.

O missionario ficou sorprendido com o cuidado do prêto.

Ali, como em Embarira, Catraio tinha impedido os chronòmetros de
pararem, como durante as minhas mais graves doenças o tinha feito.

Catraio fôra educado por um Portuguez, que desde pequeno lhe conheceu a
bossa da velhacaria, e que têve o cuidado de lh'-a desenvolver á
pancada.

O muleque, perdida a vergonha, que talvez nunca têve, em breve perdeu o
mêdo ao castigo, e fêz-se bêbado e ladrão.

Seu amo, a quem elle chegou a fazer um roubo importante com arrombamento
de um cofre, isto aos dôze annos, decidio desfazer-se d'elle para
sempre, e mandou-o deitar á margem em Nôvo-Redondo.

Quando em Benguella eu procurava um muleque intelligente e ladino para o
meu serviço particular, mais de uma pessôa me falou em Catraio, que a
fama das tratantadas tornara conhecido.

Dirigi-me ao que fôra seu amo, e consegui que elle o mandasse buscar a
Nôvo-Redondo. Ao ver a physionomia expressiva e intelligente do prêto,
fiquei satisfeito com o passo que dera chamando-o a mim. Catraio até ali
tinha sido levado á pancada, eu resolvi tratal-o por bons modos, nunca
lhe falei na sua vida passada, nunca lhe fiz uma recriminação.

Sendo elle o prêto mais intelligente de todos aquelles que me cercavam,
eu incumbi-o de me ajudar nos meus trabalhos scientìficos. Catraio, que
não sabia ler ou escrever, conheceu em poucos tempos todos os meus
instrumentos e todos os meus livros. Quando, separado dos meus
companheiros, me vi sòzinho em Àfrica, tive uma grande apprehensão,
lembràndo-me que, durante uma doença, os meus chronòmetros poderiam
parar. Chamei o Catraio e fiz-lhe o seguinte discurso edificante:

"Fica sabendo que de hôje em diante, tôdos os dias, logo de madrugada,
tu tens de te apresentar diante de mim com os chronòmetros,
thermòmetros, baròmetro e caderno diario, isto esteja eu são ou muito
doente, longe ou perto, ficando tu na intelligencia, de que não tens
desculpa nas circunstancias mais extraordinarias, se o não fizeres.
Agora escuta-me bem. Nunca te bati como nunca te ralhei, mas, se os
chronòmetros pararem por falta de corda, eu espèto-te n'um enorme espêto
de pao, e asso-te vivo nas brazas de uma enorme fogueira."

Catraio, que não acreditava muito que um branco fôsse bom, e que
desconfiava mais da brandura do meu trato do que das pancadas habituaes,
julgou ter descoberto a minha maneira de castigar uma falta, e o espêto
de pao e a fogueira aterráram-n-o.

Começou a trazer tôdas as manhãs os instrumentos, a coisa foi passando a
hàbito, e eis a razão porque, ainda nas minhas mais graves doenças, os
chronòmetros tivéram corda e fôram comparados; eis a razão porque em
Embarira Catraio, com risco de vida, os foi empalmar aos Macalacas; eis
a razão porque ainda n'aquelle dia fôram salvos de parar, porque elle,
vendo que eu não chegara na vèspera, mesmo de noute se pôz a caminho e
me veio encontrar á hora propria.

Livre da apprehensão que me torturava, tratei de interrogar o muleque
sôbre o facto do desapparecimento do vagom, e soube que o Inglez se
tinha enganado, e tinha tomado um caminho transversal pêlo bom caminho,
mas que, logo ao alvorecer, partiria, e iria esperar-me no logar
ajustado para o encontro na vèspera.

Eu e M^{r.} Coillard seguímos no bom caminho, e ás 9 horas encontrámos o
vagom.

Mandei fazer o almôço, e ao meio-dia separei-me d'êsse homem a quem
devia tanta gratidão, e cujos favôres sam d'aquelles que não se podem
retribuir nunca, porque tudo que por elle eu fizesse pesaria, em uma
balança justa, muito menos do que tudo o que recebi d'elle.

Parti immediatamente, e fui acampar ás quatro horas, em sitio sem àgua.

N'essa noute, quando ia a deitar-me, senti o galope de um cavallo, que
me chamou a attenção. O meu Fly rinchava, e os cães ladravam e
arremettiam para o lado de _Shoshong_.

Pouco depois, chegava ao meu campo um cavalleiro Bamanguato, e
entregava-me uma carta e um embrulho.

A carta dizia, que fôra encontrada em casa a minha espingarda Devisme, e
M^{r.} Coillard apressava-se em mandar-m'a.

Escrevi-lhe algumas palavras de agradecimento, e remunerei o portador,
que voltou logo a tôda a brida.

No dia immediato, 16 de Janeiro, parti á uma hora da madrugada,
alcançando ás três horas uma lagôa, ùnica àgua permanente que existe
entre o Limpôpo e _Shoshong_.

N'esse dia ainda fiz duas jornadas, uma de três outra de quatro horas,
acampando pelas cinco da tarde. Das quatro ás dez da noute a chuva cahio
torrencial, inundou-me o vagom, cuja cobertura velha e esburacada nada
abrigava, e causou-me perdas sensiveis, sendo a maior, tôdo o pão e
biscoutos preparados por Madame Coillard, que ensopados n'àgua se
tornáram em massa não aproveitavel.

Na marcha ùltima d'esse dia tive de alterar o meu rumo que era Sul, e
meti a S.E., para evitar os accidentes do terreno, que tornavam
difficilimo o rodar do vagom, e ameaçavam despedaçal-o a cada momento. O
vagom de Stanley era uma velha carriola, meio apodrecida e
desconjuntada, e que a cada passo parecia querer desfazer-se.

[Figura 129.--No Deserto.]

Só ás 8 horas do dia seguinte, depois de uma jornada de três horas,
entrei no meu rumo, entrando no caminho abandonado na vèspera. O terreno
continuava accidentado, mas era preciso seguir n'elle.

Ao descer uma eminencia, as rodas de um lado do vagom entráram n'um
sulco profundo, e o vagom tombou, ficando encostado a duas àrvores que
lhe amparáram a queda. Eu ja desconfiava que o meu Stanley não prestava
para nada, mas tive a convicção d'isso no primeiro embaraço que
encontrámos. O homem, ao ver o vagom tombado, sentou-se, fechou as mãos
na cabêça e julgou-se perdido.

Mandei dejungir os bôis, e fui estudar a maneira de levantar o carro sem
o despedaçar. Augusto, Verissimo e Camutombo fôram cortar três fortes e
compridas estacas, que amarrei ao vagom e por meio de cordas dadas ás
àrvores do outro lado, consegui sustental-o na sua posição natural,
empregando para isso apenas uma junta de bôis.

Em seguida, enchi o sulco com paos e folhagem, para que as rodas
d'aquelle lado podessem descançar ao mesmo nivel das do outro lado. Este
trabalho durou mais de quatro horas, e quando consegui pôr o vagom em
estado de rodar e mandei jungir os bôis, ao primeiro esfôrço que elles
fizéram, a corrente tirante partio-se em bocados.

Nova demora, nôvo trabalho a ligar os elos da corrente partida com tiras
de couro de girafa, isto debaixo de uma chuva torrencial, e o meu
Stanley sempre pasmado e sem saber o que havia de fazer.

Consegui partir ás três horas e meia, mas tive que parar logo depois,
porque o temporal recresceu, e o terreno argiloso encharcado não
permittia o rodar do vagom, que, muito abalado pêla queda, se desfazia
em pedaços. A tempestade foi horrivel até ás 10 horas da noute, e
durante duas horas, os raios cahiam muito pròximos, lascando as àrvores
da floresta. O terreno, sempre accidentado, é coberto de mata espêssa,
que vegeta n'um solo de argila muito plàstica.

[Figura 130.--Fly, o meu Cavallo do deserto.
(De uma photo. feita em Pretoria.)]

No dia 18, parti ás seis da manhã, e meia hora depois entrava n'uma
planicie completamente encharcada, e onde as rodas do carro se
enterravam na argila até aos cubos. Fazia-se um kilòmetro por hora
n'aquelle terreno difficil.

Ás 10 horas pude alcançar uma pequena eminencia, mais enxuta, onde
parei.

Estava junto á margem esquêrda do Limpôpo, conhecido ali pêlo nome de
rio dos crocodilos.

Fui logo ao rio, que tem ali 50 metros de largo, com uma corrente de 30
metros por minuto. Não tinha meio de lhe avaliar a profundidade.

O tempo tinha melhorado, e eu, ao deixar o rio, segui parallelamente á
margem, deixando Fly ir a passo, as rèdeas largas e pendentes.

De repente, o meu fino cavallo fitou as orêlhas, rinchou e precipitou-se
de um salto no meio do esteval, começando em uma carreira desenfreada.
Sem saber explicar o caso, sobresaltei-me e tentei sostel-o, mas elle
não queria obedecer ao freio.

Nada tranquillo e pensando que o nobre animal fugia por evitar um
perigo, estava perplexo, quando percebi diante de mim um rumorejar nas
estêvas, e vi os cornos retrocidos de alguns _ongiris_.

Percebi tudo; eu não fugia, perseguia. Desde esse momento comecei a
ajudar o cavallo, que ganhava terreno sôbre os ligeiros antìlopes.

Quanto tempo durou aquella corrida vertiginosa não sei. Passei matas,
onde ficáram os restos dos meus andrajos, com alguma pelle do meu côrpo,
passei clareiras e planicies, onde os antìlopes e cavallo se atascavam
em lôdo. O cavallo ganhava terreno, mas lentamente, só tarde me acerquei
dos ongiris e pude atirar-lhes. Um cahio, e os outros seguíram mais
ligeiros ainda, instigados pêlo mêdo que lhes causou o estampido do
tiro.

Fly parou, e foi cheirar o animal, que se estorcía nas vascas da morte,
com o mesmo prazer com que o faria um cão de caça.

¿Onde estava eu? ¿Onde me ficava o vagom? Não o sabia; porque não sabia
a que rumos tinha andado.

Isso preoccupava-me um pouco, mas eu lembrei-me de caminhar a leste até
encontrar o Limpôpo.

A esse tempo, um enorme temporal cahio sobre mim. Era-me impossivel
carregar o antìlope sôbre o cavallo, porque não tinha fôrça para isso.
Decidi abril-o, e tirar-lhe os intestinos, a ver se então o poderia
elevar do solo.

Bastante pràtico no serviço de magarefe, em breve concluí aquelle
trabalho.

A minha esperança não foi perdida, e pude, ainda que a custo, guindar o
animal sôbre o arção, onde o amarrei.

[Figura 131.--Fly perseguindo os Ongiris.]

Puz-me a caminho para leste, mas Fly embirrou em querer caminhar ao
norte, e comecei a pensar que talvez o cavallo tivesse mais razão do que
eu, e deixei-o tomar aquelle rumo. Uma hora depois, avistava o vagom,
onde a minha gente não estava sem receios, pêla demorada ausencia que
tive.

Era ja tarde, e estava extenuado de fadiga; por isso decidi ficar
n'aquelle ponto. Ao anoutecer, apparecêram ali uns prêtos do règulo
_Sesheli_ que iam a _Shoshong_, e por elles escrevi ao missionario
Coillard, a prevenil-o do mao estado dos caminhos, e a dizer-lhe, que
não seguisse o meu rumo.

Durante a noute cahio uma horrorosa tempestade, e de nôvo ficámos
encharcados. Apesar d'isso, a fadiga do dia trouxe o sono e dormi
profundamente, para acordar com uma dôr horrivel no sangradouro do braço
direito. Levantei a manga da camisa, e fiquei trèmulo ao ver um enorme
escorpião nêgro que me picara o braço n'aquelle ponto mesmo, sôbre a
artèria brachial. Era impossivel sarjar sem ferir a artèria, empregando
para isso a mão esquêrda, com a qual sou pouco geitoso, e o receio de
aggravar a situação fazendo algum disparate, levou-me a decidir não
fazer nada. Em poucos minutos a inchação era enorme e as dôres
violentissimas.

No maior desespêro, tomei três grammas de hydrato de chloral e cahi em
modôrra.

Era alto dia quando sahi d'aquelle sono, provocado pêlo poderoso
anesthèsico.

As dôres tinham abrandado, e só existia uma inflammação local, com um
tumor do tamanho de uma ervilha no sìtio do ferimento, tumor que só
desappareceu mêzes depois.

O engorgitamento dos tecidos era grande, e tolhia-me os movimentos.

Apesar d'isso, ainda fui caçar n'êsse dia, e tanta caça encontrei que
resolvi ficar ali. Matei dois leopardos.

A noute foi de tempestade, e os insectos torturáram-me.

Alguns leões rondáram o campo, e fizéram-nos estremecer com os seus
rugidos estridentes.

Seguímos ás 8 horas do dia 20, mas o terreno argiloso, encharcado da
chuva, pegava-se ás rodas do vagom, e formava blocos que as impediam de
girar, sendo a câda momento preciso tirar-lh'-os a machado.

Foi um fadigante labutar, e ás 10 horas parei, porque estàvamos todos
extenuados de fadiga. A chuva cahia forte, e só podémos de nôvo por a
caminho o vagom ás 2 horas, parando ás 4 e meia junto do rio Ntuani.

Ao chegar ali, uma triste decepção nos esperava. O rio Ntuani, que é um
riacho sem importancia, e quasi sempre sêco, tinha 60 metros de largo, e
deu-me, nas sondagens que fiz junto á terra, 7 metros d'àgua.

Impossivel era atravessal-o com um vagom, antes de muito tempo.

Tratei, pois, de acampar ali, e construí para isso um bom acampamento,
de barracas cobertas de herva.

Havia muitos dias que eu andava completamente molhado, mas felizmente a
minha saude não se ressentia d'isso.

A nossa posição era melindrosa, porque tìnhamos falta de vìveres, e
havia ja dois dias que estàvamos reduzidos a uma alimentação puramente
animal, e so tìnhamos para comer a carne da caça que eu matava.

Não havia perigo da fome, e eu não reciava d'ella em paiz de caça como
aquelle; mas comer só carne assada, sem sal nem outro condimento, é duro
e pouco hygiènico.

O tempo melhorou um pouco, e eu pude continuar caçando. Um Inglez, em
_Shoshong_, dèra-me muitos cartuxos das armas Martini-Henry, que serviam
perfeitamente na Carabina d'El-Rei, e eram os que eu então empregava com
grande resultado.

Tìnhamos carne em abundancia, mas eu ja não a podia soportar.

Fazia uma nova collecção de pelles, e a facilidade que me offerecia o
vagom para o transporte d'ellas, como a nenhuma necessidade que teria de
as vender, deixàva-me a esperança de que estas chegariam á Europa.[11]

Na manhã de 21, vi com prazer que o rio baixara trinta centìmetros
durante a noute.

Comi uma perna de puti (_Cephalophus mergens_), saltei sôbre o meu Fly,
e parti para a caça. Na orla de uma mata marginal do Ntuani, o meu nobre
cavallo começou n'um correr desenfreado. Eu ja sabia que ia em
perseguição de caça, mas não via nada.

Corri assim por meia hora, e só então avistei por sôbre os arbustos do
matagal uns pequenos pontos nêgros que se moviam com rapidez prodigiosa.

Era nôvo para mim o animal que perseguia, e só n'uma clareira me pôde
ser a verdade revelada. Quatro abestruzes fugiam diante do meu Fly, que
nem um só momento lhe perdia a pista, apesar das voltas furtadas que
davam.

Entrámos em planicie descoberta, e ali comecei a tomar um verdadeiro
interesse n'aquella caçada de nôvo gènero.

Fly era o meu mestre. Abandonei-lhe o freio, tomei as rèdeas do bridão,
e deixei-o ir. O valente animal agradeceu-me o alìvio que lhe dava com
um relinchar de alegria, e seguio mais ràpido.

As abestruzes, ainda que podendo produzir uma carreira mais veloz do que
o cavallo, não a podem sustentar como este, e param a miúdo. Era isso
que me fazia ganhar terreno sôbre as ligeiras aves.

Algum tempo depois ja não era preciso mais do que o galope para as
acompanhar, e chegáram a parar a sessenta metros de mim. Estavam
alcançadas, e na primeira corrida poderia atirar-lhes.

Assim foi, e pouco depois a Carabina d'El-Rei fazia ecoar na planicie o
estampido da sua dupla descarga.

Junto das enormes aves estava eu perplexo, e sem saber o que fizesse,
deixava pastar o meu nobre cavallo; quando me apparecêram Augusto,
Verissimo e Camutombo, que andavam caçando tambem e ouviram os meus
tiros. Disséram-me elles estar perto o acampamento, e por isso mandei
depenar cuidadosamente as abestruzes, e esperei o fim d'aquelle trabalho
para voltar com elles ao vagom.[12]

Ao chegar ali, verifiquei que o rio tinha descido setenta centìmetros.

Ainda n'esse dia até á noute o nivel da àgua baixou de quarenta
centìmetros, o que perfazia desde a vèspera 1 metro e 40 centìmetros.

Eu punha as minhas marcas n'um ponto onde a escarpa vertical me
permittia medir as differenças de nivel, mas o meu Stanley não entendia
assim, e espetava paos n'um sitio em que a barreira descia com
inclinação suave, o que dava em resultado elle contar jardas quando eu
contava centìmetros. A cada momento elle vinha muito contente dizer-me
que o rio tinha baixado dois pés.

O dia 23 amanheceu bonançoso e lìmpido, promettendo muito, porque o rio
baixou dous metros e meio durante a noute. Senti logo de manhã uma
grande gritaria, e indagando o caso, sube que haviam desapparecido as
botas do meu Inglez, que se achava descalço. Depois de varias
conjecturas sôbre aquelle importante facto, elle chegou á conclusão, de
que os chacáes lhe tinham furtado as botas e os haviam comido. Eu nunca
pude explicar o caso, mas elle explicava-o assim.

O facto era que o pobre homem tinha de continuar descalço e, eu nada lhe
podia fazer, porque àlém de as minhas botas serem pequenas para o seu
enorme pé, só tinha umas tambem.

Passei o dia caçando, e á noute pude fazer observações astronòmicas, e
determinar a posição da confluencia do Ntuani com o Limpôpo.

Durante êsse dia o nivel da àgua baixou de 1 metro e 60, mas durante a
noute conservou-se estacionario, e tendo chovido na madrugada de 24,
recéei nova enchente. Muitas vêzes ouvi a M^{r.} Coillard narrativas de
casos idènticos ao meu, em que um vagom tinha de estacionar junto a um
miseravel ribeiro (tornado sobêrbo com as chuvas), por um mez e mais.

Essa idéa aterrava-me, e resolvi estudar o rio, a ver se seria possivel
a passagem do vagom. Achei effectivamente um ponto onde a àgua me dava
pêlo pescôço em tôda a largura, e determinei passar ali.

Stanley, ja habituado com o meu modo de decidir questões, começava a não
achar nada extraordinario.

Assou-se muita carne, e almoçámos. Quando estàvamos a terminar o almôço,
ouvímos grande alarido na margem opposta, e vimos que chegavam um
comboio de vagons e dois homens brancos.

Puz-me a observar o que elles faziam, e vi que depois de mandarem um
muleque metter-se no rio, muleque que voltou á margem logo que a àgua
lhe cobrio a cintura, contentáram-se de espetar pauzinhos para marcar o
nivel d'àgua, dejungíram os bôis, e acampáram.

Olhei para as minhas marcas e vi-as cobertas com um centìmetro de àgua.
O Ntuani crescia de nôvo.

Descarreguei immediatamente o meu vagom, e mandei Augusto e Camutombo
passar as cargas, á cabêça, no sitio onde eu reconhecêra o vao.

Os meus dois prêtos pêla sua fôrça hercùlea, e pêla destreza adquirida
no hàbito de superar difficuldades, faziam a admiração dos dois brancos
e dos nêgros que os acompanhavam.

Uma hora depois, estavam tôdas as cargas na margem direita, e eu dava
ordem a Stanley, espantado d'aquillo tudo, para jungir o gado.

Logo que tudo estêve prompto, fiz que Augusto se metêsse a través do
rio, levando a soga dos bôis da frente, que nadáram sem difficuldade,
seguidos dos outros, sendo que três juntas tomáram pé na outra margem
antes de que o vagom entrasse na àgua.

Era o que eu queria. Então gritei a Augusto e Camutombo para tanger, e
n'um momento o vagom precipitou-se nas àguas do rio. Stanley, agarrado
ao carro, têve um momento de enthusiasmo, e ajudou a manobra.

Eu, logo que vi o vagom salvo na outra margem, atirei-me vestido ao rio,
e nadei para la.

Chegado que fui, disse ao Catraio que me desse roupa enxuta, isto é, as
ùnicas camisa e meias que eu tinha fora do côrpo, e fiz a mudança. Os
dois Europeos, que ao ver-me chegar a terra caminháram para mim,
suspendêram-se a dez passos, vendo que comecei logo a despir-me. Depois
de mudar de roupa, penteei os meus longos cabellos e barba, que estavam
encharcados.

Logo que terminei o meu _toilet_, os dois sujeitos acercáram-se e
disséram-me os dois mais sonoros "_Good morning, sir_," que tenho
ouvido.

Correspondi ao comprimento, e perguntei-lhes d'onde vinham. Disseram-me
sêrem dois negociantes Inglezes, M^{r.} Watley e M^{r.} Davis, e irem
para _Shoshong_, tendo deixado Marico havia um mez.

Eu disse-lhes tambem quem era, e d'onde vinha. Ao saberem que eu chegava
de Benguella, os dois sertanejos não podéram conter a sua admiração, e
disséram-me, que ja se não espantavam com o que me víram fazer ali
n'aquella manhã.

Fôram êstes os primeiros comprimentos que recebi pêla minha viagem, e
é-me grato o recordal-os, porque fôram aquelles que mais impressão me
fizéram, pêla rudeza com que fôram formulados, e por virem de homens
endurecidos nas lides Africanas.

Dei-lhes caça, e elles déram-me uns biscoutos, chá, assucar e sal.

Passámos o dia no mais agradavel convìvio, e a 25 de manhã, depois de se
têrem encarregado de uma carta para M^{r.} Coillard, deixei-os, seguindo
no meu caminho.

O rio tinha de nôvo tomado àgua, e por isso deviam ter ali ainda muita
demora; motivo porque M^{r.} Davis decidio seguir só com alguns prêtos
para _Shoshong_, deixando com os vagons a M^{r.} Watley. M^{r.} Davis,
no momento em que eu ia a partir, fez o que eu tinha feito na vèspera e
atravessou o Ntuani a nado.

Parei junto ao Limpôpo; ao meio-dia, depois de marcha de três horas.

[Figura 132.--Uma Vista do Alto Limpôpo.]

Muito fatigado, e precisando de pôr em ordem alguns trabalhos, não sahi
a caçar. Estava sentado junto á margem do rio desenhando a paizagem,
quando senti perto um tiro, e um _steinbok_ passou correndo junto a mim,
e precipitando-se no rio começou a nadar para a outra margem.

A àgua, que em volta d'elle se tingia de sangue, e o esforço que
empregava ao nadar, mostravam-me que ia mal ferido. Augusto appareceu
correndo e chegou ainda a tempo de ver o resultado do seu tiro. O
antìlope ia quasi attingir a outra margem, quando a àgua se revolveu em
tôrno d'elle, uma cauda verde-nêgra e dentada espadanou as ondas, e
steinbok e crocodilo desapparecêram no pego. Estava destinado que eu não
provasse da saborosa carne do pequeno herbìvoro.

Augusto, tão valente como bruto, queria por fôrça ir matar o crocodilo,
"que roubou minha caça," dizia elle.

O bom do prêto estava furioso.

Ainda n'esse dia fiz uma jornada de uma hora, não indo mais àlém, por
encontrar muita caça.

Ja caçava mais para obter pelles do que alimentação, porque ja
abandonàvamos a carne, tanta era ella.

[Figura 133.--Montes termìticos junto ao Limpôpo.]

O meu Stanley, depois que se vio sem botas, não sahia de dentro do
vagom, e passava o tempo a comer e a dormir.

A 26, fiz, logo de manhã, uma jornada de cinco horas, subindo sempre a
margem esquêrda do Limpôpo.

Mal tìnhamos parado, Augusto veio dizer-me, que andava pastando perto um
enorme _chucurro_ (rhinoceronte).

Passei ràpidamente o freio ao cavallo, que ainda não tinha
desaparelhado, montei e segui Augusto.

O enorme pachiderme ja sentira o rumor do campo, e puzera-se ao largo.

Avistei-o a quinhentos metros, e ainda que Fly fez o seu dever, tive em
breve de renunciar á perseguição da fera, que se internou em mato tão
emmaranhado que impossivel me era seguil-a.

É notavel que, tendo eu atravessado de Benguella até ali, visse o
primeiro rhinoceronte junto ao Limpôpo, onde hôje sam raros, pêla grande
caça que lhe fazem os Böers.

Outro animal que abunda no Calaari, de que por vêzes avistei bandos, e
que nunca pude matar, fôram as girafas.

É tão ligeiro e sustentado o seu correr, tão penetrante a sua vista, tão
fino o seu ouvido, que difficil é chegar ao alcance de tiro, quando uma
grande demora no paiz não permitte ao caçador empregar a astucia.

Depois de ter desistido da perseguição do chucurro, voltei ao campo,
quando encontrei Augusto que vinha no meu seguimento. Elle poz-se ao
lado do cavallo e veio conversando comigo.

De repente, junto a uns arbustos, vi-o apontar a arma e fazer fôgo.

Acavallo, e por isso tendo a cabêça muito mais alta do que elle, eu não
vi a que tinha atirado o meu prêto, quando deveria ser o primeiro a
avistar a caça. Perguntei-lhe o que fôra aquillo, e elle respondeu-me,
entrando no mato, e arrastando um leopardo que não estava a mais de seis
metros de nós.

Voltei ao vagom, em quanto Augusto ficou a esfolar o bicho.

De tarde ainda fiz uma jornada de três horas, por terreno muito
accidentado e coberto de floresta densa.

Ao passar um còmoro, avistei o _Zoutpansberg_, que marquei a leste.

O sìtio onde acampei para passar a noute é conhecido dos Böers, e tem o
nome de _Adicul_. Não havia lua, mas o ceo estava lìmpido, e resolvi
fazer observações, para determinar aquella posição.

Esta circunstancia foi causa de evitar uma grande desgraça.

Eu tinha obtido no Manguato uma lanterna para magnesio, que ali fôra
deixada por Mohr, ou outro, e que não servia, por falta do combustivel.

A mim servia ella, porque eu tinha muito fio de magnesio.

Empregava-a eu para ler de noute os nonios dos instrumentos.

N'essa noute, tinha acabado de ler no nonio do meu sextante Casella, a
altura da _Canopus_ ([Grego: a] do Argus) no momento da sua passagem
meridiana, e fazia horarios pêla _Aldebaran_ ([Grego: a] do Touro),
quando a dez passos de mim, rebentou um trovão medonho.

O meu Fly, preso a uma das rodas do vagom, deu tal puxão á corrente que
fez mover o pesado carro, e os bôis entráram de golpe no recinto onde
estàvamos, tremendo em convulções de mêdo.

Larguei o sextante e peguei na carabina, sempre pousada junto a mim.

Augusto virou o foco da luz para a brenha d'onde sahira o rugido feroz,
e alumiou as cabêças sobêrbas de dois enormes leões.

As feras fascinadas pêla luz deslumbrante da combustão do magnesio, n'um
momento de hesitação que tivéram, déram-me o tempo de apontar firme; os
dois tiros succedêram-se com o intervallo de poucos segundos, e ambas
cahíram fulminadas.

Voltei-me para o vagom, onde senti um barulho infernal, e vi que
Camutombo fazia esforços inauditos para segurar o meu Fly, que se
levantava, e assustado forcejava por partir a corrente. O meu Inglez
estava mettido no vagom de espingarda na mão, e ameaçava matar todas as
feras do continente Africano se ellas se atrevêssem a atacar os seus
bôis.

[Figura 134.--Os meus bôis fôram salvos.]

Deixei aos prêtos o prazer de esfolarem os leões, e era bello ouvir o
que cada um dizia de si mesmo n'aquella conjunctura. Não havia um só que
se tivesse assustado, e para o fim creio mesmo que cada um ja contava
aos outros que os leões haviam sido esganados por elle.

Creio que só dois homens ali não tivéram mêdo, e esses fôram Augusto e
Verissimo.

Augusto, que me allumiou firme, e Verissimo, que me disse muito
descançado: "Eu nem peguei na espingarda, porque o S^{nr.} ia atirar, e
eu sabia que os leões estavam mortos."

Larguei a carabina para pegar de nôvo no sextante, e tomar as minhas
alturas da _Aldebaran_; occupação de que tinha sido distrahido por tão
importunos hòspedes.

Ia-me deitar, quando novos rugidos de leão se fizéram ouvir.

Sem termos um campo fechado, eu receei pêlo que pudesse succeder, e
passei a noute velando com tôda a gente junto ás fogueiras. Os rugidos
duráram tôda a noute, e a elles respondia com o ressonar sonoro o meu
Stanley, que estendido dentro do vagom, sonhava talvez com aquelle filho
pequenino de que se não podia separar, ou quiçá com as botas que não
tinha.

Parti ás 6 da manhã, para parar ás 9, sempre junto á margem do rio.

Ao acampar, todos pensáram mais em dormir do que em comer, e Stanley,
que não tinha velado a noute, offereceu-se obsequioso para vigiar pêlos
seus bôis.

Ás 4 da tarde, depois de uma bôa refeição de carne assada (a carne
n'esta parte da viagem occupa o logar do massango de alguns mêzes
antes), partímos de nôvo, indo acampar, ás 8 e meia da noute, junto ao
rio Marico.

O alvorecer do dia 28 veio mostrar-me que eu estava n'um sitio baixo e
pantanoso, pouco arborizado e deserto.

Mal tinha acabado de fazer o meu _toilet_, quando Stanley se acercou de
mim e começou a dizer-me, que as saudades do filho pequenino e a falta
de botas, o impediam de continuar ao meu serviço.

"Que d'aquelle ponto sahia um caminho transversal, que o levaria em oito
dias a sua casa, e que, por isso, elle, os seus bôis, e o seu vagom,
deixariam de estar ás minhas ordens desde esse dia."

Declarei-lhe, que se enganava, que elle tinha feito um contrato comigo
diante de M^{r.} Coillard, e que esse contrato era para me servir até
Pretoria. O homem recusou-se terminantemente a passar d'ali.

Mostrei-lhe que a razão estava do meu lado, por tanto não cedia, uma vez
que eu tinha a felicidade de juntar á minha justiça a fôrça.

Este ùltimo argumento foi efficaz, e o homem vio que eu não recuaria
ante o empregar a força, e por isso acommodou-se, protestando a favor
dos bôis e do vagom, sua propriedade.

O Augusto, que logo de madrugada tinha ido caçar, voltou pêlo meio-dia,
e disse-me, que perto havia encontrado um acampamento de Böers.

Disse-lhe, que me guiasse para lá, montei a cavallo e segui o meu fiél
prêto.

Um quarto de hora depois, entrava no campo dos Böers.

Muitos vagons collocados parallelamente, entre elles algumas cubatas de
caniço e palha; montes de despojos de caça; um alpendre com um tôrno de
tornear madeira; um cercado com bôis e muitos cavallos--eis o aspecto do
acampamento de Böers nòmadas que encontrei.

Algumas mulheres, de vestido de chita e toucas brancas, acarretavam àgua
de um pôço. A uma porta, duas, que não tinham nada de feias, descascavam
enormes cebôlas. Uma porção de pequenos, sujos e esfarrapados, brincavam
sôbre um chão enlodado.

A minha entrada fez sensação, e uma mulhér velha, e ainda mais feia do
que velha, veio arengar-me. Não entendi uma só palavra das que me disse
aquelle estafermo, e só percebi, ao abeirar-me d'ella, que era ainda
mais porca do que feia e velha.

Para responder á fala da mulhèrzinha, que tinha empregado o Hollandez
corrompido dos Böers, escolhi o Hambundo, e respondi em lìngua do Bihé.

Estàvamos pagos e entendidos. Ella não percebeu uma só das minhas
palavras, como eu não entendi uma só das suas.

Eu, sempre perseguido pêla velha, fui-me approximando das raparigas das
cebôlas, que eram ao menos novas e bonitas, e falei-lhes em Inglez,
Francez, Portuguez e Hambundo, sem poder fazer-me comprehender.

Chamei o meu Augusto, que ja arranhava algumas palavras de Sesuto,
aprendidas no Barôze e no convìvio das gentes de M^{r.} Coillard, e
disse-lhe, que perguntasse áquellas meninas, se não haviam homens ali.
Elle dirigio-se a ellas, mas foi logo interpellado pêla velha. Com
custo, por meio d'aquelle intèrprete, sube, que os homens andavam á
caça.

A velha, sabendo pêlo Augusto que eu não era Inglez, mudou de modos para
comigo, e creio que começou a tratar-me melhor.

As raparigas mettiam as cebôlas em um panellão enorme, e punham-n-as ao
fôgo nadando em àgua.

Pouco depois, chegavam uns sete homens a cavallo.

Havia um velho de longa barba branca, cinco entre trinta e quarenta
annos, e um rapazola de dezoito ou dezanove. Apeáram-se e viéram
cercar-me.

O velho falava bem Inglez, e um dos outros falava um pouco.

Pudémos entender-nos. Expliquei-lhe quem era e d'onde vinha, duas cousas
que elles não entendêram muito bem, e disse-lhes, que era Portuguez, e
não Inglez, porque ja tinha percebido que elles não gostavam dos
Inglezes. Contei-lhes o caso do meu Stanley me querer deixar, e o velho
disse-me logo, que mandasse descarregar o vagom e despedisse o homem,
porque elles me dariam meios de continuar a viagem.

Não quiz ouvir aquillo duas vêzes, e mandei logo o Augusto buscar o
vagom para ali.

No entanto, os Böers recebiam-me com franca hospitalidade, e até a velha
ja se sorria para mim. ¡Que hediondo sorriso! Pouco depois comia cebôlas
cosidas e carne assada. Aquelles Böers, em quanto a provisões, só tinham
mais do que eu cebôlas.

Chegou o vagom que mandei descarregar, despedindo logo o seu dono, que
se retirou satisfeito, como eu fiquei satisfeito por me ver livre
d'elle.

Falei aos Böers, mostrando-lhes a necessidade que tinha de seguir o mais
depressa possivel, e elles promettêram-me, que no dia immediato teria um
vagom e bôis.

Á noute, elles contáram-me, que tinham feito parte d'essa immensa leva
de emigrantes, que, logo depois da annexação do Transvaal, tinham fugido
ao jugo estrangeiro, e caminhado ao norte, inconscientes do que faziam,
e ignorantes dos perigos do Calaari. Seiscentas familias que se
internáram no inhòspito deserto víram os seus gados mortos ou dispersos
pêla sêde, e fôram vìctimas do passo precipitado e inconsciente que
déram. A vanguarda, em nùmero de vinte-e-tres pessôas, podéram alcançar
o Ngami, mas os seus gados iam esgotando os pequenos charcos, e aquelles
que os seguiam encontravam a morte junto ás lagôas deseccadas. Ao nùmero
dos poucos que ainda conseguíram voltar, pertenciam aquelles que me
davam a hospitalidade franca dos Böers. Encontráram, ali junto ao
Limpôpo, tanta caça, que decidíram ficar n'aquelle sitio, e viviam uma
vida nòmada, acampando nos logares mais proprios ás suas explorações
venatorias.

No dia seguinte, em quanto as raparigas me serviam um almôço de carne e
cebôlas, regado com òptimo leite, os homens preparavam um vagom ao qual
jungiam apenas quatro juntas de bôis.

O velho disse-me, que iria para tomar conta do vagom seu neto, um rapaz
de 16 annos chamado Low, levando com-sigo um seu irmão, pequeno de 12
annos, de nome Christophe.

Os bôis dos Böers fôram-me passar o vagom para àlém do Marico, o que foi
difficil, por o rio ir bastante cheio; e depois das melhores despedidas,
fiz a primeira jornada em caminho de Pretoria.

Os Böers sabiam que havia Pretoria, mas nunca la tinham ido, e por isso
o meu Low ignorava o caminho.

Eu incumbi-me de lh'o ensinar, e para isso deixei o ùnico caminho
seguido, aquelle de Marico e Rustemberg; e dando um traço com uma règua
na carta de Marenski, tirei um rumo em perfeita linha recta, e segui
n'elle a través da planicie.

Desde que passámos o rio Ntuani andàvamos cobertos de carrapatos, e
bastava passarmos um pouco entre a herva para ficarmos cheios dos
repugnantes insectos.

Quatro pessôas na minha gente apparecêram com uma febre que se
apresentou logo de mao caracter. As duas mulheres, Moero e Pépéca.

Tive de lhes preparar o vagom a modo de as poder deitar n'elle, porque
era impossivel caminharem.

Tôdos nós estàvamos extenuados pêlas fadigas de uma tão longa jornada
qual a de Benguella até ali; e sempre mal alimentados, sentiamos a
fadiga a degenerar em doença, e exaustos de fôrças sentìamos a doença a
terminar na morte.

A insalubridade das margens do Limpôpo, e sôbre tudo a do rio Marico,
veio profundamente affectar as nossas saudes, ja vacillantes em corpos
derrancados, e tôdos em geral nos sentímos doentes.

Ainda assim, eu, dotado de uma organização especial, era quem mais
resistia á extraordinaria canceira que nos acabunhava. E felizmente para
tôdos, que eu resistia mais do que elles!

A noute do ùltimo de Janeiro foi tormentosa de chuva e trovoada.

Eu não me entendia com as duas crianças Böers que me acompanhavam, e que
só falavam o Hollandez; mas ainda assim, fazia-lhes dirigir o vagom á
minha vontade.

No primeiro de Fevereiro, tôda a gente estava peior, e sôbre tudo o
estado das duas mulheres e dos dois pequenos assustava-me. Eu mesmo
ardia em febre.

Resolvi forçar as marchas o quanto possivel, para no mais curto espaço
alcançar o paiz habitado e alguns recursos.

Apesar do meu estado, logo que puz o vagom a caminho, afastei-me d'elle
e fui caçar, conseguindo matar um sebseb. Fui encontrar o vagom, e fiz
com Augusto, Verissimo e Camutombo fôssem buscar o antìlope môrto.

Em seguida forcei a marcha até ás cinco e meia da tarde.

Parei até ás 9 da noute para descançar os bôis, fazer observações, e
determinar o meu ponto, e sôbre tudo para tratar dos doentes.

Ainda n'essa noute jornadeei das 9 ás 10 horas.

O estado do Pépéca e de Mariana era muito grave. Estavam em delirio, e
tinha-se-lhes declarado o typho.

Os causticos, que eu lhes tinha aberto com àgua a ferver (por não ter
outra cousa), eram continuamente pulverizados de sulfato de quinino, e
durante a noute dei-lhes três injecções hypodèrmicas com uma gramma de
sulfato cada uma.

Moero e Marcolina, a mulhér de Augusto, não apresentavam symptomas de
tanta gravidade como os outros dois, mas ainda assim estavam sujeitos ao
mesmo tratamento.

Na manhã seguinte o estado dos doentes era o mesmo. Depois de lhes curar
os causticos, resolvi partir, e não me appareciam os dois pequenos
Böers. Fui em sua busca, e não longe, junto a um extenso paúl, a que
elles chamavam a Cornocopia, me pareceu que elles estavam pastando,
porque os vi apanharem herva e comel-a com sofreguidão. Aproximei-me
para ver o que faziam, e conheci não me enganar. Os rapazes comiam
herva. Ao abeiral-os, elles estendêram para mim as mãos cheias de uma
gramìnea, espècie de caniço fino e de um verde muito claro. Por
curiosidade peguei n'um de aquelles caniços, e provei. A minha admiração
foi extraordinaria ao encontrar n'aquella gramìnea o mêsmo gôsto da cana
de assucar.

Percebi então porque pastavam os rapazes. Era pura goloseima.

Fiz com que viessem ao vagom e puz-me a caminho.

N'aquella planicie appareciam muitas aranhas parecidas com a tarantula,
cuja mordedura (me fizéram comprehender os rapazes) é mortal. Isto creio
que deve carecer de demonstração, porque em Àfrica se diz o mesmo dos
escorpiões, e eu affirmo não ser verdade.

Depois de cinco horas de bôa jornada, parei, e logo que tratei dos meus
doentes, que continuavam mal, fui caçar, afim de arranjar de comer para
elles e para mim.

Só voltei ao vagom ás 6 horas, trazendo atravessado no arção um sobêrbo
antìlope. Parte do caminho notei que o meu cavallo, sempre fiél, vinha
inquieto, e fazendo curvêtas que não eram de uso.

Ao chegar ao campo pude explicar a razão do caso. O antìlope
(_Cervicapra bohor_) com o pescôço pendido, veio, com um dos agudos
cornos, fazendo uma larga ferida ao meu pobre Fly.

Depois de medicar os enfermos e a mim, e de comer alguma cousa, ainda
jornadeei n'essa noute por duas horas.

A 3 de Fevereiro, parti ás 4 da manhã, e parei ás 9.

Logo que acampei, avistei dois vagons de Böers que caminhavam para mim.
Tive esperanças de obter d'elles alguns vìveres, porque só tinha para
comer os restos do antìlope da vèspera.

Baldada foi a minha esperança. Eram duas familias de emigrantes que
caminhavam, só escudados na caça, e com quem tive de repartir a pouca
carne que ja tinha.

Disse-me um, que falava Inglez, que eu ia entrar em paiz sem caça, mas
que, se força-se as marchas, poderia, seguindo o trilho dos vagons
d'elles, alcançar n'essa noute a missão do Piland's Berg.

O paiz continúa, sendo uma planicie enorme, da qual se erguem aqui e
àlém ex-abrupto algumas serras.

Assim era o Piland's Berg, que eu marcava ao sul.

Resolvi pois forçar as marchas, para alcançar a missão de que me faláram
os Böers; mas, quando dei ordem á partida, apareceu-me Low consternado,
dizendo muita cousa que eu não entendia, mas fazendo comprehender, que
seu irmão Christophe faltava. A mim é que me não faltava mais nada,
senão aturar o endiabrado rapaz.

Montei a cavallo, e larguei-me por matos e charnecas a procurar meninos
perdidos. Chamei, dei tiros, corri em todas as direcções, descrevendo
cìrculos em tôrno do vagom, mas nenhum resultado tirei d'isso; e depois
de seis horas de buscas inuteis, voltei ao carro, extenuado de fadiga, e
tendo de balde cançado o meu pobre cavallo.

N'esse dia ja se não jantou, por não haver que comer.

Low chorava e arrepelava os cabellos, dizendo muita cousa em Hollandez,
e se ás vêzes imaginava que eu queria partir d'ali vinha deitar-se de
joêlhos aos meus pes, pronunciando o nome do irmão.

Eu estava verdadeiramente perplexo, e ora me enfurecia contra os Böers,
ora tinha por o estado de Low a maior compaixão.

Os meus doentes não melhoravam, mas medicamentos e dieta não lhes
faltava.

Resolvi passar ali a noute, e confesso que não deixava de entrar em
furor, ao lembrar-me do tempo precioso que perdia em circunstancias tão
graves como aquellas em que estàvamos.

Ás 9 da noute, senti grande alarido, e percebi que o Christophe tinha
chegado.

Não me entendendo com elles, só dias depois, por um intèrprete, pude ter
a explicação do facto.

Christophe, logo que o vagom parou n'aquella manhã, foi para o mato
apanhar pàssaros com visco. Entretêve-se por la até que eu o fui
procurar.

Vendo-me gritar por elle e dar tiros, têve mêdo de que eu lhe batêsse ou
o matasse; escondeu-se no matagal o melhor que pôde, e la se deixou
ficar tôdo o dia.

Veio a noute, e o mêdo dos bichos foi superior ao mêdo de mim, e o
pequeno voltou ao vagom.

Não me faltava, na minha viagem, senão aturar uma criança.

Ás quatro horas da manhã; segui viagem, e parei ás 8, porque o nosso
estado não nos permittia grandes esforços.

A leste de mim, corria N.N.O. um systema de montanhas que marginam o
Limpôpo.

Descancei até ás 11 horas, seguindo a essa hora, alcancei _Soul's Port_,
a missão do _Piland's Berg_, ás 4 da tarde.

Estabeleci-me em umas ruinas, a duzentos metros da casa do missionario,
a quem mandei um bilhête de visita.

Pouco tempo depois, entrava nas ruinas uma dama acompanhada de um
criado, que trazia uma grande bandeja de pêcegos e figos. Era Madame
Gonin, a espôsa do missionario. Seu marido estava ausente, e so chegaria
no dia immediato.

Ao passo que escutava Madame Gonin, comia pêcegos e figos com fome de
trinta e duas horas! Dei-lhe escusa do que fazia, dizendo-lhe, que tinha
fome.

A dama retirou-se, e algum tempo depois, enviàva-me uma òptima ceia.

Dois prêtos vinham carregados de comida para a minha gente.

Fui agradecer-lhe, e voltei ás minhas ruinas.

No dia seguinte, julguei livres de perigo os meus dois doentes mais
graves, Mariana e Pépéca.

Logo de manhã, fui a uma fazenda de Böers, a ver se obtinha vìveres.

O paiz em tôrno de Piland's Berg é muito cultivado, e aqui e àlém
alvejam no sopé da serra algumas casas de Böers.

Dirigi-me a uma d'ellas.

Fizéram-me entrar n'uma sala, que em tôdas as casas dos habitantes do
Transvaal desempenha o duplo fim de casa de mêsa e sala de visitas.

Aquella tinha sufficiente pé direito, era espàçosa e alegre. As parêdes,
pintadas a frêsco, representavam cupidos vendados, despedindo
traiçoeiras frechas contra corações enormes engrinaldados de rosas, isto
sôbre um fundo azul celeste, dado em àguada pouco nìtida.

O pintor não fôra nenhum Rubens ou Van Dyck, mas preciso declarar, que
ainda assim, me sorprendeu o trabalho artìstico d'aquella sala; superior
ao de umas certas salas de mêsa, de muitas casas de Lisboa, que figuram
no primeiro plano um boneco pequenino, pescando á linha n'um rio, onde
ao longe navegam dois namorados enormes tocando bandolim; ao passo que
em uma àrvore encarnada e azul, muito distante, pousa uma arara
vermêlha, maior ainda do que a àrvore, do que os namorados e do que o
pescadôr.

Ao menos, nas pinturas mytològicas da sala Böer havia uma significação,
e aquellas rosas engrinaldando os corações feridos, vinham lembrar, que
as chagas d'amor, como as rosas, t[~e]m perfumes e t[~e]m abrolhos.

Eu, se algum dia, depois de longa vivenda em Lisboa, por êsse poder de
imitação, que me faz admittir as theorias de Darwin, chegar ao requinte
de mandar pintar a minha sala de jantar por artista indìgena,
dar-lhe-hei as indicações da escola Transvaaliana.

A sala da casa Böer, àlém das pinturas das parêdes, pouco mais tinha de
notavel. Uma grande mêsa, algumas cadeiras, uns vasos com plantas
floridas nos vãos das janellas. Cortinas pendentes de guarnições de pao
despolido, feitas de caça branca, com um recorte encarnado, e cujas
extremidades inferiôres, muito longe do chão, davam ás janellas esse ar
desastrado de uma menina de quatorze annos, que, trajando vestido nem
curto nem comprido, nos deixa perplexos, sem saber se devemos cortejar
uma dama, ou beijar uma criança.

A um canto, sôbre uma pequena mêsa, o livro dos Böers, uma Biblia
enorme, com fêchos de prata, sôbre uma encadernação outrora vermêlha e
hôje de côr indefinida, pêlo uso das mãos sebentas, de três gèrações de
Böers.

Faziam-me as honras da casa duas damas Transvaalianas, vestidas, como
tôdas as do paiz, de chita, e trazendo na cabêça toucas brancas. Uns
poucos de pequenos, quasi tôdos do mesmo tamanho, agarrávam-se aos
vestidos d'ellas e trepávam-lhes aos joêlhos. O modo porque eram
recebidos, parecia mostrar-me que eram tôdos filhos de ambas as damas; o
que me causava o maior espanto, e me fazia entrever uma cousa nova para
mim.

Verissimo servia-me de intèrprete, empregando a lìngua Sezuto. Antes de
lhe dizer o que queria, perguntei-lhes ¿de quem eram filhos aquelles
meninos? Ambas, ao mesmo tempo, com esse orgulho de tôdas as mães (em
quanto os filhos sam pequeninos, e não v[~e]m, pêlo seu tamanho, revelar
segrêdos de idades que se devem occultar), respondêram: "Sam nossos."

O caso complicava-se com aquella resposta, e eu cada vez entendia menos.

Entrei em explicações e sube afinal, que os pequenos eram uns de uma,
outros de outra; mas, como ellas seguiam o costume Böer, de viverem dois
casaes na mesma vida domèstica, tôdos elles eram reputados filhos de
cada uma.

O paradoxo physiològico tinha desapparecido, mas erguia-se a meus olhos
outro psychològico não menos extraordinario.

No Transvaal dois casaes podem viver sôb o mêsmo tecto, e comerem da
mesma panella; e dois amigos combinam casar no mesmo dia e irem viver
juntos com suas mulheres; e depois com filhos e netos, para sempre. E
vivem, e sam felizes, e não ha ali intrigas e desgôstos entre elles!
Ainda, entre elles, comprehende-se; mas entre ellas! É admiravel.

A vida patriarchal dos Böers revela-se n'este traço.

Depois de me explicarem estas cousas, eu disse ao que ia. Precisava de
provisões. As bôas raparigas offerecêram-me logo dois enormes pães, e
disséram-me, que não podiam vender-me gallinhas ou patos sem estarem
presentes os seus maridos, que tinham ido para a labutação dos campos;
mas pedíram-me para esperar um pouco, porque elles não tardariam a
voltar para o almôço.

Uma desappareceu, e provavelmente foi para a cozinha, em quanto a outra
trouxe para a sala uma màchina de costura, e poz-se a trabalhar.

Eu fui dar uma volta no quintal, onde me ficáram os olhos na hortaliça,
que ali crescia cuidadosamente tratada.

¡Que fome eu tinha de alimento vegetal!

Algum tempo depois, chegáram os Böers, que me encontráram em flagrante
delicto de colher feijões que comia crus.

Voltei com elles a casa.

Logo que entrámos na sala dos Cupidos, reunio-se a familia tôda, e tôdos
se sentáram nas cadeiras junto ás parêdes.

Veio, em seguida, uma prêta com uma pequena banheira, e o mais velho dos
homens desçalçou as botas, e lavou os pes; seguio-se o outro, as damas e
os pequenos, e a prêta correu á roda da casa com a banheira.

Em seguida, fomos para a mêsa.

Veio então a Bìblia, e o mais velho leu, com profundo recolhimento,
alguns versìculos do Livro dos Nùmeros, o quarto Livro de Moisés.
Começou o almôço; eu, com o estòmago cheio de couves cruas e feijões
colhidos do pe, não podia comer nada, o que contrariava os meus
hospedeiros; mas tomei uma chàvena de pèssimo café com òptimo leite.
Depois de almôço, os bons dos fazendeiros offerecêram-me seis gallinhas
e dois patos, e nada quizéram receber por isso.

Levei de hortaliças quanto pude carregar no meu cavallo.

Logo que cheguei a _Soul's Port_, sube do regresso do missionario, por
um convite para jantar, escrito por elle, que encontrei nas mãos de
Augusto.

Fui ver logo os meus doentes, que achei melhores, sôbre tudo o pequeno
Moero, que ja se tinha levantado.

D'ali segui para a casa do missionario, onde fui cordialmente recebido.

M^{r.} Gonin, Francez e amigo de M^{r.} Coillard, exultou com as bôas
noticias que lhe dei dos amigos que tinha deixado em _Shoshong_.

Tive um jantar magnìfico, e tanto mais agradavel, que a elle assistiam
três damas, Madame Gonin e duas jovens e formosas Inglezas do Cabo,
hòspedas da casa.

Depois de jantar voltei ás ruinas onde tinha acampado, para fazer
observações, e determinar a minha partida para o dia seguinte. Ao chegar
ao vagom, uma má nova me esperava.

Low veio dizer-me, que haviam desapparecido dois bôis, e não tinha sido
possivel encontral-os. Os seis bôis que restavam não poderiam arrastar o
vagom d'ali a Pretoria.

Decidi ficar ali a procurar os bôis, e dei-as precisas ordens, para que
tôda a gente semi-vàlida logo de madrugada se posesse em campo.

Fôram baldados tôdos os esforços, e os bôis não apparecêram.

Communiquei ao missionario Gonin o meu grande embaraço, e fui logo
tranquillizado por elle, que poz á minha disposição uma das suas juntas
de bôis.

Àlém d'isso, ordenou a um dos seus criados, um Btjuana chamado Farelan,
para me acompanhar até Pretoria; servindo-me ao mesmo tempo de guia e de
intèrprete, ja para com o gentio, ja para com os Böers, porque falava
bem o Hollandez.

Dispostas assim as cousas, determinei seguir no dia 7, e depois de
agradecer a M^{r.} e Madame Gonin tantos favôres, parti ás 6 horas da
manhã, indo parar, ás 10, junto a uma casa de Böers, que me recebêram
muito bem, dando-me abundantes provisões.

Ainda n'esse dia fiz duas grandes jornadas. Dos meus doentes, a Mariana
e o Pépéca, apresentavam sensiveis melhoras, ainda que promettiam uma
demorada convalescença; Moero estava em via de restabelecimento, mas
Marcolina, a mulhér de Augusto, dava-me cuidados, porque se achava em um
estado adynàmico, com febre constante, que não cedia ao tratamento.

No dia 8, o estado de Marcolina era muito grave.

Parti ás 4 da manhã, e ás 5 encontrava o rio Quetei, pròximo da sua
confluencia com o Machucubiani.

A difficuldade da passagem foi grande, por serem muito apicadas as
margens e levarem os rios muita àgua.

Depois de três horas de trabalho violento, conseguímos transpol-o, e
acampámos na margem opposta.

Marcava meia milha a O.N.O. o Pico Bote, onde foi pelejada a ùltima
batalha entre Böers e Matebelles, sendo estes completamente batidos e
forçados a recuar para àlém do Limpôpo.

Depois de um descanço de três horas, segui avante e jornadei por oito
horas, em duas marchas.

O sitio onde acampei, junto a um riacho que corre ao Limpôpo, era
coberto de rochas, massas enormes de granito, o primeiro que encontrava
depois do Bihé.

A disposição geològica do terreno mostrava-se-me, tal qual, a parte do
planalto da Costa de Oeste entre Quillengues e Bihé.

A flora é que ali é muito differente. No planalto, costa de oeste,
apparece uma vegetação arbòrea opulenta; ao passo que, n'esta parte do
Transvaal, apenas se vê um ou outro arbusto rachìtico; mas a vegetação
herbàcea é rica, e sôbre tudo as gramìneas t[~e]m desenvolvimento
grande.

No dia 9 de Fevereiro, o estado de Marcolina era tão grave, que decidi
não continuar viagem até ver se ella obtinha melhoras. Baldados fôram os
esforços empregados para a salvar, e ao meio-dia expirou.

¡Pobre mulhér! ¡Depois de tão aturadas fadigas, depois de tão àrduos
trabalhos, veio perder a vida quando estava pròxima a encontrar o
descanço e o confôrto!

Marcolina era a legìtima mulhér de Augusto. Viera com elle de Benguella
até ali, e mesmo no tempo das aventuras galantes do marido, nunca o
abandonou, apesar dos maos tratos que d'elle recebia.

Augusto chorava como uma criança junto ao cadaver da sua companheira
fiél.

Na madrugada seguinte, Camutombo e o Betjuana Farelan, abriam uma
profunda cova, onde se enterrava a mesquinha.

Eu, de cabêça descoberta e commovido, vi cahir a terra sôbre o cadaver
frio.

Ali, na margem do ribeiro, junto a Betania, deixava eu a ùltima vìctima
da expedição Portugueza através d'Àfrica. D'ali levava uma saudade
pungente. ¡Ainda bem que aquelle devia ser o ùltimo tùmulo!

[Figura 135.--O ùltimo enterro.]

Voltando ao vagom, perguntava a mim mesmo, se a sciencia tem direito a
taes sacrificios; se o homem, no orgulho de juntar mais um àtomo de
saber ao pouco que sabe, pode dispor para isso da vida do seu
semelhante, e immolal-o cruamente a um ìdolo tão vão como os outros?

No meu espìrito não podia formular uma resposta á pergunta que fazia, e
hôje digo que isto é uma questão a debater entre o homem e a sua
consciencia.

Logo que cheguei ao vagom, dei ordem de partida, e segui adiante, para
ir visitar a missão de Betania.

Betania é uma aldeia de quatro mil habitantes de raça Betjuana, formada
de casas bem construidas, e muitas de janellas envidraçadas.

O missionario que ali encontrei, Hollandez ou Allemão, chamava-se M^{r.}
Behrens.

Appareceu-me fumando em um enorme cachimbo de louça, e uma das primeiras
cousas que me perguntou foi, ¿se eu lhe tinha trazido umas pas que me
emprestara para abrir a cova de Marcolina?

Um quarto de hora depois, eu deixava a casa do missionario, e seguia
caminho, indo parar, ás 11 horas, junto de uma aldea de Böers.

Viéram elles logo buscar-me para suas casas, e tive de entrar em casa de
tôdos. Em tôdas fui obrigado a tomar alguma cousa, e em tôdas recebi
presentes de batatas, frutas, hortaliças e gallinhas. A custo me pude
desembaraçar d'aquella bôa gente, e pude partir ás 3 da tarde.

Encontrei outra vez a margem esquêrda do Limpôpo, que subi por três
horas, para chegar a um vao conhecido do meu guia Farelan.

Junto ao vao estava grande porção de vagons Böers. O rio trasbordava, e
não dava passagem, diziam elles.

Como Farelan conhecia o vao, disse-lhe, que se metêsse á àgua e fôsse
até onde podesse. O Betjuana passou o rio com àgua pêlo pescôço. Mandei
logo tanger os bôis, e fiz entrar o cavallo na àgua, passando o rio em
um momento. Eu e os meus já sabìamos lidar com um vagom e com os rios da
Àfrica.

Os Böers ficáram pasmados, mas pasmados ficáram na outra margem, debaixo
de uma chuva torrencial que cahia.

Acampei ali. No dia immediato, os alvôres da manhã viéram mostrar-nos o
rio que tinha sahido do seu leito, e que deveria levar mais três a
quatro metros de àgua.

Os Böers que receiáram na vèspera arriscar os vagons, tinham que esperar
muitos dias para o passarem.

Eu segui viagem, e ás onze horas e meia, passava a enorme serra que
divide o Transvaal no sentido este-oeste, o Magalies-Berg.

Foi difficìlima a passagem da alta serra, e sôbre tudo a descida na
vertente do sul perigosa. O vagom, sem travão, precipitàva-se sôbre os
bôis e ameaçava despedaçar-se. Tive de pôr os doentes a pe, com receio
de um accidente.

Low cahio, e uma roda do vagom esmigalhou-lhe as phalanges da mão
esquêrda.

Fiz-lhe um primeiro curativo, e tratei de forçar as marchas, para
alcançar Pretoria, onde elle podia ser cuidadosamente tratado. O
Betjuana Farelan previne-me de que façamos provisão de lenha em uma mata
no sopé da serra; porque d'ali a Pretoria só encontrarìamos planicies
desarborizadas. Assim fizémos, continuando a jornadear dia e noite,
apenas com o descanço necessario para os bôis.

Finalmente, no dia 12 de Fevereiro, ás 8 da manhã, acampava uma milha a
N.N.O. de Pretoria, e deixando ali o vagom e os meus, entrava sòzinho na
capital do Transvaal.

[Figura 136.--Magalies-berg.]



CAPÌTULO VI.


NO TRANSVAAL.

     Ràpido esbôço da historia dos Böers--O que sam os Böers--Suas
     emigrações e trabalhos--Adriano Pretorius--Pretorius--As minas de
     diamantes--Brand--Burgers--Juizo errado á cerca dos Böers--O que eu
     vi e que eu penso.


Estou em Pretoria, a Capital do Transvaal, e antes de continuar a
narrativa das minhas aventuras, vou dizer algumas palavras da historia
d'este paiz e dos seus habitantes. Não se arreceiem os meus leitores do
caso. Ainda que um moderno historiador Francez n'um bello livro escreveu
a conceituosa phrase, "L'histoire ne commence et ne finit nulle part,"
eu prometto-lhes que o ràpido golpe-de-vista que vou lançar sôbre a
historia d'este pôvo será tão curto, como curta é ella.

Não sei quando acabará, se é que não findou ja ou está a findar, mas o
comêço da vida Böer, desde que essa vida tomou a forma de nacionalidade
autonòmica, é dos nossos tempos, é d'este sèculo.

Bartholomeu Dias primeiro, e Vasco da Gama depois, os ousados
Portuguezes que afrontáram antes de ninguem as tempestades do Cabo,
pensando só na India, como na terra da promissão, pouco ou nenhum caso
fizéram da extrema Àfrica do Sul.

Foi só em 1650 que a Hollanda--não o govêrno Hollandez, mas a companhia
das Indias--ali fundou uma feitoria, para refrescar os seus galeões em
viagem do mar Ìndico, feitoria estabelecida pêlo Doutor Van Riebeck.

Esta feitoria ergueu-se onde hôje assenta a formosa cidade do Cabo.

A companhia das Indias, que pouco se importava com a Àfrica, não pensou
em fundar ali uma colonia, e antes pôz tôdos os estôrvos á iniciativa
particular, que tendia a cultivar a terra e a commerciar com o indìgena.

Pelejavam-se então na Europa as guerras de religião, e com a revogação
do Edicto de Nantes e a perseguição dos Protestantes em França, muitos
emigráram, e entre elles alguns fôram para a Hollanda. A companhia das
Indias deu-lhes transporte para a Àfrica, e elles aceitando-o
pressurosos, fôram deixados no Cabo. Não chegava a duzentos o seu
nùmero, e se attentarmos a que, segundo diz a historia, van Riebeck não
levou com-sigo mais de cem pessôas; e dando-se mesmo o caso de que essa
população tivesse duplicado no tempo decorrido de 1650 á chegada dos
emigrantes Francezes, estes equilibravam em nùmero com a população
Hollandeza.

Faço notar esta circunstancia, porque, sendo estes dous elementos que
déram principio a essa raça hôje chamada os Böers, quero concluir, que
n'esse pôvo, a respeito do qual se tem escrito tão pouco e tão errado, o
sangue Francez, se não domina, ao menos equilibra com o Hollandez.

O governo Hollandez, desde o estabelecimento dos emigrados Francezes no
Cabo, trabalhou para lhes cortar tôdas as relações com a mãe patria, e o
primeiro golpe que n'ellas deu, foi a prohibição do uso da lingua natal,
ja na celebração do culto divino, ja nas relações especiaes com o
govêrno, e nos actos officiaes.

Custa a comprehender como o obtêve, mas é facto que lhe quebrou aquelle
laço que nas futuras gèrações os podia prender á França; e de tal modo,
que quando o General Clarke, em 1795, chegou ao Cabo com o Almirante
Elphinstone, e se apossou da colonia em nome da Inglaterra, nem um so
Böer falava ou comprehendia o Francez.

Muito antes da occupação Ingleza, que se não tornou effectiva senão em
1806, èpocha em que a Inglaterra se apossou definitivamente do Cabo pêla
fôrça, desprezando as convenções da paz de Amiens, que restituia aquella
colonia aos Hollandezes, ja muito antes os colonos fugiam aos vexames do
govêrno da Hollanda; e internando-se no continente iam longe
estabelecer-se onde encontravam bons terrenos para cultura e bons pastos
para os gados; preferindo brigar com o gentio e prover á sua propria
defêsa, a estar em relações e sôb a protecção de um govêrno que os
tornava verdadeiros escravos.

D'ahi data o nome e a vida errante dos Böers, nome bem pouco em harmonia
com tal vida, porque Böer quer dizer fazendeiro ou lavrador, o que dá
uma idéa de estabilidade, que elles não tinham nem ainda hôje t[~e]m;
sendo mais pastôres e nòmadas do que lavradôres sam.

O primeiro que nos fala dos Böers na sua vida quasi primitiva, reduzidos
como fôram a prover elles mêsmos ás necessidades da vida absoluta, é
Levaillant, que visitou o interior da Àfrica do Sul, antes da Revolução
Franceza, isto é, 14 ou 15 annos antes da primeira occupação do Cabo por
Clarke e Elphinstone. Levaillant diz muito mal d'elles nas suas relações
com as tribus indìgenas.

Trata-os de dèspotas e de abuso constante da fôrça. Devemos dar crèdito
ao que diz Levaillant, mas devemos tambem examinar sem paixão as
circunstancias em que viviam aquelles homens, duas vêzes emigrantes, e
errando sem patria n'um paiz hostil. Accusam-n-os n'esse tempo de abusar
da fôrça, quando a fraquêza estava do lado d'elles, como sempre estêve.

Tinham armas é verdade, mas os Cafres tinham o nùmero, e eu sei o quanto
vale o nùmero sôbre as armas, e sabe-o hôje a Europa, e sôbre tudo a
Inglaterra.

Os Zulos, os Cafres, e os Basutos t[~e]m lh'o ensinado.

Não devemos lançar á conta de espìrito de crueldade, represalias filhas
da necessidade de impor o respeito pêlo terrôr a tribus indomaveis e
ferozes. O que lançam em rôsto aos Böers de roubarem e dividirem entre
si os gados e as riquêzas dos povos vencidos, é hôje admittido como
direito da guerra, e a nação vencedôra impõe á vencida um tributo que
não é mais do que o que faziam os emigrantes Franco-Hollandezes, aos
Cafres vencidos; que não era differente proceder do que tivéram os
Inglezes n'aquellas mêsmas paragens no fim das guerras de 1834 e 1846.

Apesar de se terem internado no continente, os Böers so em 1825 passáram
o rio Orange, inclinàndo-se a N.E. para fugirem da esterilidade do
deserto que se estende ao Norte e N.O. da confluencia do Vaal.

Fôram obrigados a isso pêla falta de chuvas que então houve no paiz que
elles occupavam.

A abolição da escravatura depois da guerra de 1834 trazia os Böers
descontentes, porque perdiam com ella os braços que os ajudavam.

Sem patria, sem historia, e por isso sem amor a nenhuma terra, elles
começáram uma nova emigração em massa, e o nùmero dos fugitivos que
passáram o Orange foi avaliado em oito mil.

Elegêram então um chefe, e recahio a escôlha em Pieter Retief, cujo
primeiro passo foi, expedir uma nota ao govêrno do Cabo, na qual lhe
dizia, que eram livres e livres iam escolher um paiz para habitar.

Nessa nota havia exarada a intenção em que estavam de viver em paz com o
gentio, de não admittirem a escravatura, e de estabelecerem nìtidamente
quaes as relações que deviam existir entre amos e criados.

Receando dos Cafres, os Böers, passado o Orange caminháram ao norte, mas
fôram, nos Zulos que occupavam a margem direita do Vaal, encontrar
inimigos mais terriveis do que aquelles que evitavam.

O cèlebre Muzilicatezi, que depois se tornou conhecido como rei do
Matebeli, tentou sustar a marcha dos emigrantes, e por isso elles
tivéram de pelejar uma sangrenta batalha, em que leváram de vencida o
valente chefe Zulo.

Então Pieter Retief dirigio a caravana a leste, e tendo noticias de um
paiz magnìfico que se estendia para àlém da Cordilheira do Drakensberg
até ao mar, guiou para ali a sua horda de aventureiros.

Ao chegar ao paiz desejado, um nôvo obstàculo lhe veio tolher o passo.

Uma tribu poderosa e guerreira procurou destruir aquelle punhado de
valentes. Fôram mortìferos os combates travados entre Retief e o chefe
Cafre Dingam, e n'um d'elles a victoria dos Böers custou a vida do seu
chefe Retief, e a Gert Maritz seu immediato.

Senhores das terras de Natal, os Böers escolhêram uma posição magnìfica
para fundar uma cidade, e elegêram um nôvo chefe. A cidade têve o nome
de Pietermaritzburg, nome que foi um monumento immorredouro levantado á
memoria dos dois primeiros chefes Böers.

O homem escolhido para nôvo chefe foi Adriano Pretorius, que tempo
depois devia ser o primeiro presidente da rèpùblica Transvaaliana, e
cujo nome devia ser perpetuado como os de Retief e Maritz na futura
capital dos Böers.

De 1840 a 1842, os emigrantes vivêram tranquillos, cultivando a terra e
apacentando os gados na sua nova patria.

Pensavam mesmo ja em firmarem a sua autonomia, constituindo-se em
rèpùblica sôb o protectorado de uma nação Europea; quando Sir George
Napier, por ordem do govêrno da Metropoli, mandou occupar a Natalia por
fôrças Inglezas, fazendo saber aos Böers que a Inglaterra não consentia
que os seus sùbditos formassem estados independentes sôbre as costas
marìtimas.

Pretorius recebeu muito mal o enviado de Sir George Napier, e foi junto
a Pietermaritzburg que se trocáram as primeiras ballas entre Böers e
Inglezes. Prevenido da resistencia dos Böers, o governador do Cabo
reforçou as tropas de Natal e esmagou a insurreição. A pouca sympathia
que os Böers votavam aos Inglezes, desde esse dia converteu-se em
aversão profunda.

Começou para os emigrantes uma nova èpocha de àrdua peregrinação, e
abandonando a terra escolhida, fôram novamente procurar um paiz àlém do
Drakensberg, um paiz onde podessem ser livres e senhôres.

Ao passar a elevada cordilheira espalháram-se ao norte e ao sul do Vaal;
estabelecendo as suas residencias no terreno comprehendido entre o Vaal
e o Orange, e mesmo ao norte sôbre a margem direita do Vaal, onde
fundáram a cidade de Potchefstroom, em 1843.

Sabendo que o Govêrno Inglez considerava aquelle paiz como seu, e como
seus sùbditos os habitantes, Pretorius persuadio a muitos dos Böers o
emigrar de nôvo, e com elles caminhou ao norte. Têve de bater-se com os
Zulos, que, vencidos n'uma ùltima batalha no Pico Botes, fôram
rechaçados para àlém do Limpôpo, onde o seu chefe Muzilicatezi
estabeleceu o reino do Matebeli.

Foi então que fôram fundadas mais duas povoações, Lydenburg e
Zoutpansberg.

É preciso notar, que a cada nova emigração, muitos dos Böers se
recusavam a seguir o enthusiasmo pêla liberdade que inflammava outros, e
conservàvam-se nos paizes abandonados, tendo, por isso, de se sujeitar
ao govêrno Inglez.

Foi assim que muitos não deixáram as suas residencias entre o Orange e o
Vaal, e cortáram, por assim dizer, relações com aquelles que emigravam
sempre. Esse nùcleo que ficou, deu origem aos que hôje formam o Estado
livre do Orange, e ali fundáram a cidade de Bloemfontein, sua capital.

Lord Grey, sendo Ministro das Colonias em Inglaterra, em 1852, entendeu
que eram bastante grandes e ruinosos os dominios Inglezes na Àfrica, e
resolveu de limital-os.

Querendo, ainda assim, fazer as cousas em grande e talhar por largo, deu
ordem ao Governador do Cabo para declarar o Vaal como fronteira norte
dos dominios Britànicos, e para conceder os direitos de autonomia aos
sùbditos Inglezes que se estabelecêssem àlém d'aquelle limite.

É d'esta data o tratado feito com os Böers, pêlo qual a Grã-Bretanha os
reconheceu livres e lhes concedeu os direitos de autonomia; é d'esta
data que têve um nome o paiz comprehendido entre o Vaal e o Limpôpo; é
d'esta data que o govêrno do Transvaal se constituio definitivamente; é
n'esta data que Adriano Pretorius foi eleito presidente da nova
rèpùblica.

Os Böers insurgentes, os teimosos em fugir ao jugo estranho, acabavam de
constituir uma nação, de crear um paiz, e de estabelecer a sua
liberdade; ao passo que os Böers fiéis aos Inglezes so em 1854, mais de
um anno depois, fôram livres e podéram constituir-se em nação, formando
o Estado Livre do Orange.

É verdadeiramente admiravel ver estes grupos, onde não abundavam os
recursos de instrucção, porque o Böer so lê e so conhece a Biblia; ver
estas gentes ignorantes dos regimens governativos, a que fugiam havia um
sèculo, de repente constituìrem-se em nações, formarem um systema
governativo, elegerem assembleas nacionaes, e legislarem sensatamente!

Adriano Pretorius foi um homem a todos os respeitos notavel, e que teria
feito um nome mêsmo entre povos menos rudes do que os Böers.

Inflammado pêlo ardor da liberdade, sabia incutir o seu enthusiasmo no
ànimo dos que o rodeavam, e pertinaz n'uma idéa grandiosa, vio coroados
de èxito os seus esforços, dando uma pàtria aos seus, e fixando n'um
paiz riquissimo, tôdo um pôvo disperso.

Este grande homem apenas entrevio a sua obra, porque morreu ao
concluil-a. O suffragio geral levou ao poder seu filho, do mesmo nome,
criado nos mesmos enthusiasmos de seu pai.

O nôvo Pretorius procurou dar melhor organização aos serviços da nação,
mas o mesmo desejo de liberdade que animava os Böers a fugirem ao
dominio Inglez, fazia que muitos procurassem escapar ao dominio do
governo central da Rèpùblica. Contudo, encontràvam-se sempre que era
preciso ligar-se contra um inimigo estrangeiro, e as muitas guerras que
sustentáram para acalmar os indìgenas, sempre hostís, sam d'isso prova.

Em 1859, os Böers do Estado Livre do Orange acclamáram seu presidente a
Pretorius, que, director supremo dos negocios das duas rèpùblicas,
pensou logo em levar a effeito uma união vantajosa para os interesses
communs.

O govêrno Inglez andou de tal modo n'essa questão, que Pretorius nada
pôde alcançar, e abandonando Bloemfontein, voltou ao Transvaal, onde
tomou de nôvo a direcção dos negocios pùblicos.

D'ahi até 1867, aquelles dois povos, que apenas contavam um 15 outro 13
annos de existencia autonòmica, não fôram perturbados no seu viver rude
e pacìfico, a não ser por pequenas questões com o gentio logo acalmadas;
mas, em 1867, os Böers dos dous estados, Transvaal e Orange, fôram
sorprendidos por uma noticia que veio perturbar por um momento a sua
vida tranquilla. Nas fronteiras oeste dos dous estados, tinham sido
descobertas as suas ricas e prodigiosas minas de diamantes, e aquelle
pedaço de terreno promettia uma riqueza inexgotavel ao seu possuidor.

Naturalmente Böers do Transvaal e Böers do Orange lançáram para elle as
vistas cubiçosas.

A terra que de um momento a outro tomou tão grande importancia, e que,
como o Brazil, a California e a Australia, chamou logo a si aventureiros
de tôdas as nações, pertencia a uma tribu, os Gricuas, mestiços de
origem Böer, que a esse tempo eram governados por um tal Waterboer, que
não perdeu tempo em fazer valer os seus direitos ao terreno cubiçado.

Entre os aventureiros que o fulgor dos diamantes atrahia áquella nova
Golgonda, abundavam Inglezes, que excediam todos os outros em nùmero.

A vontade de se apossar do terreno diamantìfero so foi manifestada
claramente pelos Böers do Orange em 1870, anno em que o presidente Brand
convidou Waterboer a uma conferencia, e procurou convencel-o de que era
senhor, por direitos adquiridos, do cubiçado thesouro.

Waterboer não se deixou convencer, e retirou para o seu paiz, teimoso em
querer continuar a ser senhor d'elle.

O presidente Brand, pêla sua parte, não cedeu tambem, e publicou uma
proclamação, em que dizia ser dos estados do Orange a terra dos Gricuas,
enviando logo ali um delegado da rèpùblica para se estabelecer como
governador.

Os Böers do Transvaal a esse tempo procuravam de traçar nìtidamente as
fronteiras do seu paiz, e acabavam de referendar com Portugal o tratado
da demarcação da sua fronteira de Este, negociado, em Julho de 1869,
entre o proprio Pretorius e o Visconde de Duprat, commissionado, para
isso, pêlo Govêrno Portuguez. O tratado de 1852 definia sufficientemente
as suas fronteiras sul e su-este, mas as outras fronteiras eram
demarcadas, a Norte pêla môsca zê-zê junto ao Limpôpo, e a oeste, por
cousa nenhuma.

Entendeu pois Pretorius, que tanto direito tinha o presidente Brand como
elle á posse da terra Gricua, e mandou para ali um delegado official da
Rèpùblica, como o Orange mandara o seu.

Havia três annos que a primeira pedra d'esse carvão puro e scintillante,
a que a vaidade humana deu um tão extraordinario valor, apparecêra nos
perdidos sertões da Àfrica do sul, e ja nos terrenos saibrosos onde as
mãos àvidas de centenares de aventureiros escavavam os pequenos seixos,
se levantava uma cidade opulenta, onde formigava a vida e a civilização
da Europa.

Era Kimberley. Era uma maravilha edificada com diamantes, como S.
Francisco da California foi edificada com ouro. Era um d'esses prodigios
que brotam da terra, junto á mina que se explora, que crescem ràpidos em
grandeza e em civilização, que t[~e]m um commercio nôvo e forte, que
arroteia terreno virgem, que t[~e]m um cèrebro nôvo e inventivo, e que
nascido hôje, àmanhã desenvolvido pêlas fôrças novas que o avigoram,
effeitúa agora em mêzes e semanas, o que antes demandava sèculos e
annos.

A mina é o mais poderoso principio do desenvolvimento de uma terra
virgem.

A mina é o mais poderoso incentivo da colonização de uma terra agreste.

Scintille o diamante, fulgure a pepita do ouro, negreje o bloco de
hulha, lance a mina do seu seio cavernoso, o cobre, o ferro e o chumbo,
e ali no deserto julgado àrido, em tôrno do chumbo, ferro, cobre, hulha,
ouro e diamante, nasce a vida, cria-se a civilização, e o progresso
caminha ràpido como os seus modernos elementos, o vapor e a
electricidade.

Hontem as enxadas rudimentares dos indìgenas esgravatavam uma polegada
de terra, e hôje as locomòbiles poderosas, lançando aos ares o grito da
civilização no sibilar do apito, vam movendo arados que revolvem fundo a
terra, virgem desde a sua formação geològica, e vem trazer á superficie
em glebas recurvadas o pedaço de solo que nunca cuidou ter outro
movimento àlém do que as leis do Creador lhe marcáram no espaço
infinito.

Ali, onde hontem um rio caudaloso apresentava barreira insuperavel aos
passos do raro caminhante, hôje uma ponte construida de bocados de ferro
ligados em harmònica architectura pelas leis sublimes da sciencia, dá
facil passagem a uma população condensada, que nem sequér pensa nas
àguas revôltas que lhe correm aos pes.

O pàntano que hontem exhalava o miasma pestilento, está hôje convertido
em parque ameno, cujas àrvores modificam a atmosphera e o clima.

O ferro que, hontem elementarmente tirado da terra, apenas servia para a
imperfeita ponta da azagaia bàrbara, corre hôje nas fôrmas gigantescas,
e resfriando em forma de _rails_, vai estender-se n'essas arterias
enormes onde pulsa o sangue das nações modernas.

Do trabalho e da creação material nascem novas idéas, o cèrebro
reforça-se, as faculdades creadôras do engenho humano desprendem-se mais
e mais, e vôam longe, trazendo cada dia novos e poderosos elementos ao
progresso e riquêza das nações.

Foi assim que a Amèrica em um sèculo passou àlém da Europa, é assim que
a Àfrica um dia irá àlém da Amèrica.

Na terra Gricua, onde, em 1867, apenas cabanas abrigavam uma população
bàrbara; em 1870 elèva-se uma cidade Europea, ainda envôlta no cahos das
populações nascentes, mas sentindo em si tôdos os elementos de progresso
ràpido. N'estas condições, não podia admittir sequér a dominação de
povos tão atrazados como Böers e Gricuas.

Muito occupada de si mesmo para se poder occupar de vizinhos importunos,
apellou para a Inglaterra.

O diamante e o ouro tem o poder sobrenatural de fascinar o rei como
fascina o proletario, e se Böers e Gricuas estavam offuscados pêlo
brilho dos diamantes Africanos, a Inglaterra não deixou de se commover
ás scintillações dos seixos preciosos, e decidio logo no seu cèrebro
intelligente e cùpido, que a terra Gricua era sua e não podia ser
d'outrem.

Á proclamação do presidente Brand seguio-se uma proclamação do
Governador do Cabo, em que se dizia, pouco mais ou menos, que a terra
pertencia aos Gricuas, e que os Gricuas pertenciam á Inglaterra.

Esta proclamação precedia o proprio Governador, que entendeu dever ir ao
logar do litigio.

A recepção que lhe foi feita pêlos mineiros, foi enthusiàstica e
esplèndida.

Os Gricuas, que se sentiam fracos em presença dos Böers, uníram-se
naturalmente á Inglaterra.

Então o Governador, forte com o apoio de mineiros e Gricuas, entrou
abertamente em negociações com os Böers dos dous Estados, e fàcilmente
chegou a convencer Pretorius á desistencia dos seus direitos mais do que
problemàticos. Não aconteceu porem o mesmo com o presidente Brand, que
não so recusou a proposta de ser a questão decidida por uma arbitragem
do Governador da Natalia, pedindo que essa arbitragem fôsse de um dos
soberanos da Europa, e ainda mais, fazendo reunir uma fôrça consideravel
de Böers para empregar as armas como argumento supremo. O Governador
procurou e conseguio prudentemente soster esta manifestação guerreira do
Estado Livre, que teria sèrias consequencias n'aquelles paizes.

Ao mesmo tempo, o govêrno Inglez annexava ao Cabo o paiz diamantìfero,
sem se importar muito com o que ali se passava.

Brand todavia não desistia dos seus direitos, como Pretorius.

Este, Böer, e tendo apenas a educação rudimentar dos Böers, aprendida
nas pàginas da Biblia, vivia e sustentava-se mais pêlo nome herdado de
seu pai, do que pelas suas qualidades pessoaes. Fôra mais facil á
Inglaterra tratar com elle do que com o presidente Brand, filho da
Colonia, mas possuindo uma bella intelligencia, uma vasta erudição, e
todas as tricas e chicanas de advogado que é.

Brand foi educado na Europa, é doutor pêla Universidade de Leyde, tem
carta de jurisconsulto nos tribunaes de Inglaterra, e foi professor na
escola do Cabo. Um homem n'estas condições, e dotado de um caracter
enèrgico e forte, não se calava em presença das annexações da
Inglaterra, e continuou a gritar e a provar que a terra Gricua era sua
propriedade.

Em seis annos fez seiscentos protestos, até que um dia Lord Carnarvon, o
estadista Inglez, que melhor tem sabido comprehender os interesses
coloniaes da Grã-Bretanha, o convidou a ir a Londres tratar directamente
com elle a interminavel demanda.

Brand em Londres continuou a pugnar pelos interesses do seu paiz, e
cedeu os direitos á terra Gricua mediante uma indemnização pecuniaria de
105 mil libras.

Foi assim que Lord Carnarvon cortou de uma vez para sempre as
complicações entre os Böers do Estado Livre e as Colonias Inglezas do
Sul d'Àfrica.

Brand aproveitando a somma recebida em favor do seu paiz, tratou de lhe
dar tôdo o desenvolvimento que uma pequena nação pode ter, com uma
pequena quantia como aquella.

Mas deixemos os Böers do Orange, dos quaes falei apenas por se ligar a
sua curta historia com a do Transvaal, e voltemos a este paiz.

Como disse, Pretorius transigio logo com o Governador do Cabo na questão
da posse da terra Gricua, e isso foi motivo para se desacreditar entre o
seu pôvo.

A assemblea nacional (Volksraad) apresentou um voto de censura ao seu
presidente, e preciso foi depol-o, e escolher quem o substituisse.

Foi então eleito um Hollandez, Francisco Burgers, o terceiro presidente
da rèpùblica Transvaaliana.

Francisco Burgers, homem intelligente e illustrado, ministro protestante
da Igreja reformada, pensou, logo que assumio o poder, levantar o
Transvaal ao nivel das nações adiantadas da Europa. Tôdas as idéas do
ùltimo presidente eram nobres e elevadas, mas não podemos deixar de
admittir que elle commetteu erros manifestos de administração. Burgers
não era homem pràtico, e não conhecia sufficientemente o elemento que
governava, para saber como lhe dar o feitio que elle lhe queria dar.

É sempre melindroso falar de um alto personagem que vive, quando a
crìtica tem de analysar os seus actos, e se eu não me posso eximir a
falar do D^{or.} Burgers, porque á sua administração se ligam factos da
maior importancia, não quero de modo algum impor a minha opinião a
respeito do governo do ùltimo presidente do Transvaal.

Direi abertamente o que penso, e que formem os outros os juizos que
quizerem.

Durante a minha estada no Transvaal, não deixei de indagar, por tôdos os
modos ao meu alcance, os factos da ùltima administração Böer, e sôbre
elles edifiquei a opinião que vou expor.

O presidente Burgers, tomando conta do Govêrno, quiz caminhar mais
depressa do que devia n'um terreno tão pouco nivelado. As questões
financeiras fôram as que primeiro chamáram a sua attenção, e bem preciso
era isso, porque no Transvaal não haviam finanças.

As despezas de administração eram pequenas, é verdade, mas as receitas
geraes eram pequenissimas e mui irregularmente cobradas. Havia algum
papél moeda e pouco dinheiro Inglez.

Burgers cunhou moeda de ouro extrahido das minas de Lydenburg, e
conseguio em pouco tempo restabelecer o crèdito, muito abalado, do seu
paiz adoptivo. Para isso têve lutas ingentes e ignoradas, com um pôvo
pouco subordinado, e disseminado n'um territorio enorme, onde as
communicações eram e sam ainda hôje difficeis, e onde ainda não foi
possivel fazer um censo aproximado. Outro assumpto importante que
preoccupava o presidente, era a questão da fôrça pùblica. Elle percebia
bem que o systema de defêsa empregado até então pelos Böers, a que
chamavam o _commando_, isto é uma convocação geral para a guerra, era
muito deficiente, e não podia continuar, n'um estado que elle queria
elevar á altura dos paizes Europêos.

A questão de regularizar um exèrcito entre os Böers apresentava grandes
difficuldades, e encontrou uma sèria opposição.

Um terceiro ponto de não menos importancia a tratar, e do qual se
occupou logo o presidente, foi o da viação pùblica.

Burgers instituio os primeiros juizes, e abrio as primeiras escolas
pùblicas no Transvaal.

Isto era muito para um pôvo na infancia, e foi feito de repente.

N'isso e só n'isso commetteu um êrro o presidente da rèpùblica.

Uma especie de febre de progresso se apossou do D^{or.} Burgers, que fez
uma viagem á Europa, em 1875, com o duplo fim de arranjar dinheiro e um
pôrto de mar ao seu paiz.

Para o dinheiro foi bater á porta dos Banqueiros de Amsterdam, para
obter um pôrto foi pedil-o ao govêrno de Lisboa.

Em Amsterdam como em Lisboa foi escutado, e ao passo que obtinha um
crèdito na Hollanda, fazia um tratado em Portugal para uma ferrovia que
ligasse Pretoria ao soberbo pôrto de Lourenço Marques.

Burgers voltava triumphante ao Transvaal, onde o esperavam as maiores
decepções.

Durante a sua ausencia, havia-se renovado uma antiga pendencia com um
règulo indìgena, Secúcúni, ao qual era preciso fazer a guerra.

Burgers não hesitou, e fez convocar um _commando_ ao qual adheríram uns
dois mil Böers e outros tantos indìgenas. Elle mêsmo se poz á frente do
pequeno exèrcito e foi atacar o règulo sublevado.

Ou fôsse que Burgers não nascêra para general, ou fôsse por uma d'essas
outras causas difficeis de apreciar, que tantos desastres t[~e]m causado
ás tropas regulares Inglezas em Àfrica, o pequeno exèrcito, depois de
uma curta guerra em que poucas vantagens alcançou, têve de retirar.

A êsse tempo chegava ao Natal Sir Theophilus Shepstone, que ia de
Londres, onde Lord Carnarvon sempre na idéa de fazer uma confederação
dos estados da Àfrica do Sul, tinha feito reunir delegados das diversas
provincias para discutir tal projecto.

Parece que Sir Theophilus Shepstone levava instrucções do govêrno Inglez
a respeito do Transvaal, porque, logo que chegou a Durban, seguio para
Pretoria.

Não quero de modo algum entrar, n'uma obra do caracter d'esta, em
apreciações sôbre o facto da annexação; e por isso limitar-me-hei a
narrar os factos com a verdade que até hôje não tem sido dita. Para bem
se comprehenderem esses factos, é preciso mostrar o que era o Transvaal
á epocha da chegada de Sir Theophilus a Pretoria.

A população Böer, difficil de avaliar, mas que os càlculos mais
aproximados faziam montar a vinte-e-uma mil almas, estava espalhada n'um
territorio immenso, igual em superficie á Inglaterra e Escocia reunidas.

N'esse grande paiz três cidades apenas eram nùcleos de uma população
mais condensada, e algumas aldeas separadas por distancias enormes,
augmentadas ainda pêla difficuldade das communicações, reuniam pequenos
grupos de habitantes.

As três cidades, Potchefstroom, Pretoria e Lydenburg continham
populações, que eram tudo menos Böers. As minas do ouro haviam attrahido
a Lydenburg aventureiros de todas as nacionalidades, predominando o
elemento Inglez importado da Australia.

Pretoria era uma cidade nascente em que predominava o elemento
Hollandez, mas não Böer.[13]

Potchefstroom era de todas aquella que era habitada por maior nùmero de
Böers, mas ainda assim, elles estavam em minoria em presença dos
Hollandezes e Inglezes.

As aldeas, das quaes as mais importantes eram Rustenburg, Marico, e
Heidelberg, ja tinham a população Böer misturada com Inglezes e
Hollandezes. A grande população Böer estava disseminada em casaes, e
fugia naturalmente das cidades onde não podia fazer pastar os seus
gados.

Se era difficil fazer um recenseamento da população branca do Transvaal,
mais difficil era ainda avaliar a população indìgena. Tenho visto
càlculos que a estimam de duzentas a novecentas mil almas.

O paiz estava coberto de missões de três ou quatro differentes
sociedades de Inglaterra, de algumas Allemãs, e outras Hollandezas.
Estes missionarios exerciam a sua acção sôbre o indìgena, porque
Hollandezes tinham os seus pastores nas parochias, e Böers que sabem
tanto de Biblia como os pàrochos, até d'elles prescindiam.

A sêde do govêrno estava em Pretoria, a mais pequena das três cidades do
Transvaal, mas aquella que melhor se acha collocada.

Os homens que tinham a direcção principal dos negocios pùblicos eram
Hollandezes.

Esta era a posição da população heterogènea do Transvaal em principios
d'Abril de 1876.

Vejamos agora ràpidamente, qual era a posição moral, verdadeira ou
apparente, dos Böers.

Primeiro examinemos qual o juizo que fora d'Àfrica se fazia dos
Franco-Hollandezes da rèpùblica Africana. Era elle de certo pèssimo.

O Böer era um selvagem branco, possuindo todos os maos instinctos do
selvagem, àvido de rapina, devastando e incendiando as aldeas do
indìgena, pobre martyr da brutalidade e rapacidade de tão extraordinario
malvado.

Foi assim que elle nos foi apresentado por alguns missionarios, os
ùnicos que na Europa nos davam noticias dos antigos emigrantes do Cabo.

Forte contra o fraco, o Böer era cobarde e fraco em presença do forte.

O que havia de verdade n'este juizo eu o direi ao diante.

Então estavam elles moralmente desconceituados para com aquelles que
apenas os conheciam por informações; e tinham perdido um pouco o
prestigio entre o gentio pêlo revez soffrido com Secúcúni. Falavam
mesmo, e entre elles discutia-se a questão, de depor o presidente
Burgers, elegendo para seu chefe um Böer, P. Kruger, que estava dispôsto
a tirar a desforra do indìgena Secúcúni.

N'estas circunstancias a annexação era facil, e Sir T. Shepstone soube
aproveital-a. As cidades que não tinham nada de Böers, eram por elle, e
n'ellas se obtivéram facilmente petições, que, digamos a verdade, eram
dirigidas por Inglezes.

Tambem se disse, que os prêtos queriam ser Inglezes; e então Sir T.
Shepstone, por uma proclamação, de 12 de Abril de 1876, declarou que o
Transvaal era uma provincia Ingleza. Sir Theophilus Shepstone quando fez
a proclamação estava escoltado por 25 homens apenas, que estavam
acampados em barracas no jardim da casa que elle habitava.

Assim, pois, a annexação do Transvaal foi pacìfica, e não interveio
n'ella a fôrça armada, que elle mesmo não tinha, porque o regimento 80
de infanteria, que, debaixo do commando do Major Tyler, depois entrou no
Transvaal, estava a esse tempo acampado na fronteira do Natal àlém do
Drakensberg. A annexação foi pacìfica, mas os Böers so soubéram d'ella
depois de annexados.

Sir Theophilus Shepstone, o homem que melhor conhece e melhor sabe viver
com o indìgena d'aquellas paragens, soube o que fez.

Os Böers, espantados de se acharem Inglezes de um dia para outro,
tivéram o seu movimento instinctivo e hereditario de emigrarem de nôvo.

Uma parte d'elles tomáram a vanguarda n'esse movimento que se devia
effeituar em massa, e ja narrei no capìtulo anterior como fôram, pêla
maior parte, destruidos pêla secura do Deserto.

Aquella immensa catàstrophe sustêve os que lhe deviam seguir os passos,
e perfeitamente apertados n'um cìrculo de môsca zê-zê, que lhes era
barreira insuperavel, tivéram que curvar a cabêça de nôvo ao jugo da
Inglaterra.

¿Acabará aqui a historia do Transvaal como paiz autonòmico?

¿Quem o sabe?

É preciso ter vivido entre os Böers para se avaliar quão forte é n'elles
o desejo da liberdade, quão profundo o odio que votam aos que chamam
seus oppressôres.

Deixemos por aqui este ràpido golpe-de-vista lançado sôbre a curta
historia do Transvaal, mas antes de reatar o fio da minha narrativa de
viagem, quero ainda dizer duas palavras sôbre os Böers.

Vivi entre elles, perscrutei a sua vida ìntima, desci a exacerbar-lhes
as paixões. Vi-os ao trabalho, cavalguei junto d'elles por brenhas e
florestas, e apreciei a sua destreza como caçadores, a sua coragem em
face do perigo.

Não me preoccupa a paixão; se recebi d'elles as mais affectuosas provas
de amizade, ja por mais de uma vez n'este livro tenho patenteado a minha
gratidão a favôres maiores recebidos de Inglezes.

Falo, pois, com a consciencia de que as minhas palavras sam a mais
rigorosa expressão da verdade, sem que no meu espìrito haja ao dictal-as
a menor influencia apaixonada.

Digo isto, porque mais uma vez tenho de falar dos missionarios, falando
dos Böers, e não desejo que nem de leve se pense, que actua no meu ànimo
um acinte formado contra tão uteis instituições, que eu sou o primeiro a
proteger e a approvar; mas cujas chagas ulcerosas precisam do corte
fundo do escalpêllo da crìtica, do cauterio ardente da censura
verdadeira, para cicatrizarem de uma vez para sempre.

O Transvaal não é uma nação que se possa avaliar pêlas nações da Europa.

Ali ha uma só classe social--o Pôvo. Não ha distincções e tôdos sam
iguaes em absoluto. Sem escolas, tôdos sam ignorantes; trabalhadôres,
tôdos sam abastados; religiosos, e bebendo na Biblia, ùnico livro que
conhecem, as leis da moral, tôdos sam honestos.

O principio que estabeleceu, na idade media, as distincções na Europa, a
coragem pessoal, difficil é ter cabida entre os Böers, porque tôdos sam
valorosos. Como entre tôdos os povos que vivem uma vida elementar, só
toma ascendente sôbre os outros, aquelle que tem o dom da palavra.

A vida do Böer é regulada pêlos preceitos Bìblicos, e é verdadeiramente
patriarchal. Entre os Böers não ha a mentira, o adulterio é
desconhecido.

O Böer casa cêdo, e ou fica vivendo na casa de seus paes, ou dos paes de
sua mulhér, ou unido a outro vai perto arrotear novos terrenos, e
começar uma vida nova. A ùnica distincção entre os Böers é a da idade, e
o mais nôvo escuta sempre o mais velho. A mulhér trabalha e ajuda o
casal n'um labutar incessante. O Böer tem necessidades muito limitadas,
e pode satisfazel-as.

Os emigrantes Francezes da revogação do Edito de Nantes eram, muitos
d'elles, artìfices, e transmitíram até á gèração actual a arte de
trabalhar a madeira e o ferro. Nas casas do Transvaal é facil ver a um
canto um tôrno, e um Böer torneando os pés das suas mobilias singelas.

Fora, n'um alpendre, em atanaría rudimentar, curtem-se os coiros de que
elles mesmos fazem o seu calçado.

As outras necessidades da vida sam facilmente satisfeitas por gentes que
não t[~e]m outra ambição àlém da liberdade, e que ha um sèculo a buscam
quasi em vão.

¿Como, pois, sendo os Böers taes como eu os descrevo, se diz d'elles
tanto mal?

A explicação do facto está em pouco para quem viveu no Transvaal, entre
elles, e isento da paixão de raça que pode perturbar o espìrito mais
justo e sisudo. Quem tem desacreditado os Böers sam os missionarios.
Digo-o e sustento-o. Depois que os Böers, occupando o Transvaal, e
pacificando pêla fôrça as aguerridas tribus que lhes disputáram a posse,
déram uma certa segurança ao paiz, dezenas de missionarios corréram a
estabelecer-se ali.

D'estes uns eram bons, muitos maos. Preciso dizer aqui o que é o bom e o
que o mao missionario.

Bons sam aquelles que, intelligentes e illustrados, possuindo as
qualidades que se requerem nos ministros de Deos, caminham para o seu
fim desassombradamente; edificando com paciencia, com paciencia
soffrendo o revés de hôje na esperança do triumpho de àmanhã; ensinando
a moral com o exemplo e com a palavra; indo de vagar sem a agitação da
paixão que cega, possuidos da responsabilidade da sua missão augusta.

Bons sam aquelles que á intelligencia e illustração reunem aquellas
_flôres d'alma_ de que falei.

Estes existem, mas infelizmente sam em pequeno nùmero.

Maos sam os missionarios que, pouco intelligentes e quasi ignaros,
pensando que a sciencia da vida consiste em saber mal e interpretar
peior algumas passagens dos Livros Santos, empregam tôdos os meios, mais
ou menos dignos, para alcançar um fim ficticio; e corroïdos do veneno da
vaidade, ou movidos pêlo interesse pessoal, querem apresentar ás
sociedades que os enviam, resultados extraordinarios, alcançados por
meios que não se avaliam na Europa, e que sam a causa principal da
prolongação da luta travada em Àfrica entre a civilização e a barbària.

Para estes, o fim principal é insinuar-se no ànimo do indìgena, e na
falta de qualidades que lhe ensinem o caminho a seguir, usam um meio
facil para obter o seu fim, meio que lhes dá sempre bom resultado.

É elle o de prègar a revolta.

Para os ouvidos do indìgena é sempre mùsica harmoniosa a frase que o
ensina a revoltar-se contra o branco.

Os missionarios que t[~e]m pouco saber e pouca intelligencia começam por
gritar-lhe, a cada hora, a cada momento, no pùlpito sagrado, que so deve
ouvir a linguagem da verdade; que elles sam iguaes ao branco, sam iguaes
ao homem civilizado; quando so lhes deveriam dizer o contrario, quando
so lhes deveriam dizer:--"Entre ti e o Europêo ha uma differença enorme,
e eu venho ensinar-te a vencel-a."

"Regenèra-te, deixa os teus hàbitos de indolencia, e trabalha; deixa o
crime, e pratica a virtude que eu te ensinar; aprende e deixa a
ignorancia; e então, e so então, poderás alcançar um logar junto ao
branco; poderás ser seu igual."

Esta é a verdade que lhe ensinam os missionarios bons, esta é a verdade
que lhe não sabem dizer os maos.

Dizer ao selvagem ignaro, que elle é igual ao homem civilizado, é
mentir, é commetter um crime, é faltar a tôdos os devêres que lhe impoz
aquelle que o mandou á Àfrica, é atraiçoar a sua missão sagrada.

Dizer ao selvagem ignaro, que elle é igual ao homem civilizado, é abrir
a jaula á fera diante do pôvo descuidôso que tranquillo está confiado em
que a chave está em mão segura.

Não! o indìgena, tal como o missionario o encontra n'Àfrica, não é igual
ao homem civilizado, está muito longe d'isso.

N'elle estam adormecidos os instinctos bons, para so se revelarem os
maos.

N'elle ha a indolencia e o horror ao trabalho; n'elle ha a ignorancia
absoluta: e bastam estas qualidades más, àlém de outras, para cavarem um
abismo entre elle e o branco.

O systema seguido pêlos missionarios maos é o estabelecimento da
desordem; é a maior barreira levantada ao progresso da Àfrica Austral.

Os Böers, tendo conquistado um paiz de ha pouco, em breve percebêram
que, se alguns missionarios eram auxilio poderoso á sua dominação,
outros lhe criavam conflictos e obstàculos.

Começáram, pois, a fazer guerra a estes, que procuráram logo
desconceitual-os aos olhos da Europa.

D'ahi nasce o exàgero da ma fama dos Böers. Esta é uma verdade que eu
tenho a coragem de dizer n'um livro d'estes, e que ninguem ainda disse
antes de mim.

Vivi entre os Böers, ouvi a muitos exaltar as qualidades de tal ou tal
missionario, e deprimir os actos de outros e outros. Vivi em Pretoria, e
ali, n'um meio muito superior, ouvi a mesma cousa, de Hollandezes e
Inglezes. Vivi com missionarios, e encontrei n'elles mesmos as verdades
que affirmo.

Não t[~e]m d'isso culpa as bem-intencionadas sociedades que os
subsidiam; não t[~e]m d'isso culpa as autoridades que os apoiam, e que
sam d'elles muitas vêzes as primeiras vìctimas.

O missionario deve ser um dos primeiros elementos da futura civilização,
e d'elles devemos esperar muito; mas, taes como muitos sam, so dam
resultados contraproducentes.

O mao missionario prègou a revolta, e o Böer foi atacado. Houve guerra
cruenta, e para a Europa fôram relatados os factos horrosos praticados
pêlos Böers, contra os bons, innocentes, e pacìficos indìgenas!!

¡Não nos ceguemos, nos nossos bem intencionados sentimentos, a ponto de
admitirmos absurdos, de sonharmos chimeras!

¡Eu ja li em alguma parte, que o Böer era muito inferior ao nêgro!!

¡Outra asserção que ja ouvi affirmar tambem, foi, que o Böer era
refractario ao progresso!

¡Outro absurdo, outra aleivosia, sahida da mesma fonte!

Não é o missionario o homem que hade levar o adiantamento ao Böer, e a
razão d'isso é o meu principal argumento contra a obra de muitas
missões, contra o caminho errado que seguem em Àfrica.

Ja tive occasião de falar em missionarios bem intencionados, mas que
erravam na sua missão querendo ensinar as abstracções da theologia aos
prêtos. Esta verdade revela-se no nada que elles obt[~e]m junto aos
Böers.

O Böer sabe tanta theologia como o missionario, se não sabe mais do que
muitos, bebida na Biblia, ùnico livro que elle lê e estuda.

O missionario que julga o seu trabalho ser ensinar a Biblia, nada tem
que ensinar ao Böer, e deixa-o no estado em que o encontrou.

¡Depois grita, que o Böer é refractario ao progresso!

Sim! elle não adiantou um passo, porque o não soubéram fazer avançar. A
culpa não está no discìpulo, está no mestre.

Outra aleivosia levantada contra os fazendeiros do Transvaal, é o
ferrête de cobardes que lhes querem imprimir na fronte altiva.

Eu tive occasião de avaliar a coragem dos Böers; mas, se a não tivesse,
bastava-me a historia das guerras vencidas por elles contra Zulos,
Cafres e Basutos, para os soppôr bravos.

Deos queira que elles não mostrem ainda o seu valor, de modo a fazer
calar os aleivosos.

Hôje que escrêvo estas linhas, chegam á Europa rumôres de uma tentativa
de sublevação Böer; será ella uma calamidade á Àfrica Austral, que tôda
a Europa deve lastimar; será esmagada, como ninguem o pode duvidar; mas
virá trazer um desmentido formal áquelles que chamam cobardes aos Böers.

[Figura 137.--O que restava da expedição.]



CAPÌTULO VII.


NO TRANSVAAL (_continuação_).

     M^{r.} Swart--Difficuldades--D^{or.} Risseck--Eu gastrònomo!--Sir
     Bartle Frere e o Consul Portuguez M^{r.} Carvalho--O Secretario
     Colonial M^{r.} Osborn--Jantares e saraus--O missionario Rev.
     Gruneberger--M^{r.} Fred. Jeppe--O jantar do 80 de
     infanteria--Major Tyler e Capitão Saunders--Insubordinação--M^{r.}
     Selous--Monseigneur Jolivet--O que era Pretoria--Uma photographia
     de pretas--Episodio burlêsco da guerra tràgica dos Zulos.


Era em Pretoria, ja cidade Ingleza e capital da provincia Transvaaliana,
que eu entrava na manhã de 12 de Fevereiro de 1879.

Encontrei logo o thesoureiro do Govêrno, M^{r.} Swart, que me fez os
mais cordiaes offerecimentos, mas que me disse, não me convidar para seu
hòspede, porque não tinha na pequena casa que habitava um quarto a
offerecer-me.

Fomos aos hoteis. Nem um quarto, nem uma cama!

Voluntarios, que de tôdas as partes corriam a alistar-se nos corpos que
se organizavam ali, attrahidos por uma paga de cinco xelins por dia,
enchiam tudo, e criavam-me um embaraço enorme. Eu, que até ali tinha
tido cama, desde Benguella, comecei, na primeira cidade civilizada que
encontrava, a não ter onde me deitar!

Emfim, depois de muitas buscas e de me terem provado que as
conveniencias sociaes (eu ja me tinha esquècido das conveniencias
sociaes) me não permittiam dormir na praça pùblica, onde eu ficaria
optimamente nas minhas pelles de leopardo, pude obter um canto, no Café
Europêo, onde me metti, com a promessa de um quarto em poucos dias.
Estava arrumado, mas começáram novas difficuldades para acommodar a
minha gente.

Mandei chamar o Böer Low, que precisava de tratar a mão esmagada pêlo
vagom, mas preveni Verissimo, que se deixasse ficar acampado fora da
cidade até nova ordem.

O portador voltou com Low e Verissimo, que me veio dizer, que a minha
gente tinha fome, e era preciso dinheiro para lhe dar de comer.

Fiquei espantado ao ouvir aquillo. Eu ja me havia esquècido de que o
dinheiro era absolutamente necessario em paiz civilizado, e não tinha
nenhum.

Contudo comprehendi que era preciso havel-o, e fui pedil-o ao meu
hospedeiro M^{r.} Turner, que logo m'o prontificou. Mandei Low a um
mèdico, e eu dirigi-me a casa de M^{r.} Swart, que me convidara a
jantar.

M^{r.} Swart tinha feito convites e programma. Eu que sube isso, fiz
tambem grande _toilet_. Os meus calções, que da fazenda primitiva ja
pouco tinham, e onde os remendos deitados por mim (que nunca tive grande
geito para alfaiate) se sobrepunham, fôram cuidadosamente escovados do
pó e da lama de vinte differentes paizes. Achei um par de meias, que
tinham sido repassadas com grande pericia por Madame Coillard, e que
faziam vista. As minhas botas ferradas, essa obra prima de Tissier de
Paris, fôram pêla primeira vez engraixadas, e não tinham má apparencia.
O casaco dàva-me mais cuidados, porque tinha uns bolços de couro, que
haviam sido outrora prêtos, mas que então haviam tomado uma côr
exquisita. Lembrei-me do tinteiro de M^{r.} Turner, e com uma penna de
gallinha procedi á pintura d'elles, que tomáram um prêto baço, talvez
ainda peior do que a côr que tinham.

Depois de bem penteada a longa barba e os mais longos cabellos, fui para
casa do Thesoureiro do Transvaal.

Ao passar os umbraes da porta do salão, fiquei deslumbrado.

As damas em toilet, os homens de casaca, os leques, as vistosas e
brilhantes côres das sêdas, os tapêtes, os espêlhos, tudo aquillo que eu
ja tinha esquècido em tantos mêzes de vida rude e selvagem,
produzíram-me uma impressão que não pode ser avaliada.

[Figura 138.--Eu em Pretoria.
(De uma photographia de Mr. Gross.)]

Deve sentir cousa semelhante o cego, a quem o bisturi ligeiro do mèdico
levantou a cataracta que o tinha sepultado nas trevas, e que depois de
muitos mêzes de escuridão vê a luz.

Eu estava perturbado, e sôbre tudo as mãos incommodàvam-me muito.

Não sabia que fazer d'ellas, e buscava de balde em que as occupar.

Faltàva-me o pêso da carabina, que eu procurava instinctivamente, em
vão.

Fomos para a mêsa. Eu conduzi pêlo braço a dona da casa, e ao chegar os
meus andrajos ás sêdas que a cobriam, comecei a perceber que estava
muito mal vestido.

Á mêsa experimentei novas sorprêsas. Os cristaes, as porcelanas, os
vinhos rutilando nas jarras lapidadas, confundiam-me, e sôbre tudo o
_menu_ exquisito, escrito em elegantes cartões, intrigàva-me.

Commetti de certo desatinos, mas não posso bem avaliar tôda a extensão
dos meus disparates, tão inconsciente estava.

Terminado o jantar, voltámos á sala, onde continuava a minha confusão,
até que uma dama se sentou ao piano.

Os seus dêdos corrêram ligeiros sôbre as teclas, fazendo vibrar n'as
cordas em harmoniôso concêrto, um dos Nocturnos de Chopin.

A impressão que me causou aquella mùsica, aquelle piano, cujos sons me
penetravam na alma como uma sensação nova, acabáram de perturbar o meu
espìrito, fraco para poder resistir a tantos abalos. Foi quasi em
dilirio que voltei ao Café Europêo, onde n'um canto de uma sala me
haviam improvisado um leito, leito que tinha colchões, travesseiros e
lençoes.

Ia para me deitar como de costume, quando percebi que me deveria despir
para isso.

Passei uma noute de insomnia, produzida pêlas impressões do dia e pêlos
lençoes da cama.

Ao amanhecer eu estava a pé e vestido, porque na sala, em que podia ter
dormido, começou um labutar de criadagem. Comecei a pensar no modo de
accommodar a minha gente, o que não me parecia facil, e vi que sôbre
tudo precisava de obter dinheiro.

Estava fazendo os meus planos, quando me chamáram para o almôço.

Fui para a mêsa. Um criado Indio, um d'esses _culis_ que ja chegáram até
Pretoria, collocou diante de mim um prato de espigas de milho,
cuidadosamente assadas, e um pires de manteiga. Ao encarar com o milho
assado, lancei ao pobre criado um olhar tão feroz, que elle recuou
espavorido.

¡Milho a mim! ¡a mim que so matava a fome com milho havia um anno! ¡Ah!
que vontade que tive de empalar aquelle Indio, o cozinheiro e o dono da
casa!

Fiz um gesto tão expressivo e enèrgico, que as espigas desapparecêram da
mêsa, levadas pêlo veloz criado.

Pouco depois, chegava-se solìcito a mim M^{r.} Turner, a perguntar-me o
que eu queria para almoçar.

¿O que eu queria para almoçar? Mas eu queria tudo, queria perdizes com
trufas, queria _foie gras_, queria gelados, queria vinhos das melhores
colheitas de Burgonha, queria, queria... nem eu sei o que queria.

O dono do Café Europêo julgou que lhe havia cahido em casa um d'esses
gastrònomos famosos, que pensam sempre em elevar uma estàtua ao cèlebre
Brillat-Savarin, e que se ainda a não erigíram foi por não acharem
materia prima apropriada ao monumento, que fôsse, á semelhança da
columna Vendome construida com os bronzes dos canhões conquistados, uma
recordação permanente do homem que ensinou á humanidade que no mundo não
se come so para viver. Effectivamente, pêla primeira vez na minha vida,
eu era gastrònomo.

Pêla primeira vez na minha vida, comecei a pensar que o paladar era um
sentido como os outros, e que se Mozart, Rossini, Meyerbeer, Verdi e
Gounod, o chilrear das aves e sussurrar do arroio, fôram creados para
nos deliciar o ouvido; se Raphael, Rubens, Van-Dyck, Velasquez e
Murillo, as paisagens e as bellezas, nascêram para nos recrear a vista;
se Atkinson, Rimmel, Lubin, Piesse, e as flôres existem para nos
deleitar o olfato; tambem Brillat-Savarin, Vatel, as trufas e os
cogumelos não viéram ao mundo sem uma missão especial.

Comecei a comprehender isto, tendo chegado a Pretoria depois de um anno
de milho, massango, e carne assada sem sal. Creio que tôdos os paizes do
orbe comprehenderám que eu devêsse ser gastrònomo ao chegar a Pretoria,
excepto a Inglaterra, porque essa, infelizmente para ella, nunca
comprehendeu nem comprehenderá Brillat-Savarin.

Felizmente para mim, eu estava n'uma terra Ingleza, mas Ingleza de
frêsco, onde o _roast beef_ e o _plum pudding_ não haviam tomado um
ascendente notavel sôbre a cozinha dos paizes meridionaes.

M^{r.} Turner não me deu um almôço como m'o daria o Matta, o Central, o
Silva ou o Augusto em Lisboa, o Ledoyen ou o Café Riche em Paris; mas
deu-me cousa muito soffrivel. Não quero dizer bôa, porque começava a ser
muito difficil em gastronomia.

Depois do almôço, em uma larga conversa que tive com M^{r.} Turner,
fiquei desenganado de que não tinha onde accommodar a minha gente na
cidade.

Isto preoccupàva-me, porque não podia reter por muito tempo o vagom que
elles habitavam.

Eu estava sendo uma especie de urso que tôdos queriam ver, e a
curiosidade dos importunos começava a desgostar-me. Sôbre tudo uma cousa
que aborrecia era ver os espantos que se faziam da minha pequena
estatura e da minha apparencia debil.

Este facto repetio-se na Europa, e em Lisboa, Paris e Londres, ouvi por
vêzes expressar aos que me viam a desillusão que experimentavam, por me
julgarem um brutamontes, um Golias de talhe hippopotàmico.

Mas se, nas circunstancias em que eu estava em Pretoria, muitos eram
importunos e me torturavam, muitos outros procuravam por tôdos os modos
servir-me e obsequiar-me.

No nùmero dos ùltimos, contei n'esse dia quatro, que fôram o Major
Tyler,[14] Capitão Saunders do 80, M^{r.} Fred. Jeppe e D^{or.} Risseck;
e recebi dois convites, um para jantar, de M^{r.} Osborn, Secretario
Colonial e Governador interino do Transvaal, e outro do D^{or.} Risseck
para a um sarau; mas nada d'isto me adiantava sôbre a maneira de arrumar
os meus prêtos.

Pegando na minha carteira para procurar um resto de bilhêtes de visita,
encontrei n'ella uma carta de M^{r.} Coillard dirigida ao missionario
Hollandez M^{r.} Gruneberger. Aproveitei o ensejo que me offerecia
aquella carta para fugir aos massadores, e fui entregal-a.

Mandei aparelhar Fly e parti.

A casa de M^{r.} Gruneberger é em Pretoria, mas um pouco afastada do
centro da cidade. Chegado que fui, encontrei o missionario, homem muito
nôvo, que me recebeu muito bem. Apresentei-lhe a carta de M^{r.}
Coillard, e logo que elle a leu, offereceu-me o seu prèstimo.

Falei-lhe no embaraço em que estava para accommodar a minha gente, e
elle prontificou-se a resolvel-o, offerecendo-me o quintal da sua casa,
e a sala da escola, para elles dormirem á noute.

Aceitei pressuroso, e voltei ao Café Europêo, para mandar ordem ao
Verissimo de ir com o vagom a casa do missionario.

Aceitando o offerecimento do Rev. M^{r.} Gruneberger, fiz-lhe instantes
recommendações sôbre o modo de tratar os meus prêtos, pedindo-lhe sôbre
tudo, que os não trata-se de igual para igual; porque lhe fiz ver que
elles eram um pouco selvagens, e isso poderia trazer consequencias
graves. Elle rio-se muito das minhas recommendações, e disse-me
modestamente, que o seu mistér era tratar com tal gente, e por isso
sabia do seu officio.

N'essa noute ja os prêtos dormíram na sala da escola, e o vagom
descarregado ficou livre para voltar ao Marico logo que a ferida de Low
lhe permittisse pôr-se a caminho.

Fui ao jantar do Secretario Colonial e ao sarau do D^{or.} Risseck, e se
da casa de M^{r.} Osborn sahi penhoradissimo das suas attenções, e muito
contente, por ter resolvido um dos maiores embaraços da occasião, a
questão financeira, porque o governador interino do Transvaal, em nome
do govêrno Inglez, poz á minha disposição o dinheiro de que eu
carecêsse, em casa do distincto mèdico Hollandez não me esperavam
momentos menos apreciaveis, porque passei ali uma das melhores noutes
que tenho passado em sociedade.

É verdade que o D^{or.}, recebendo em sua casa, apresenta aos convivas
uma maravilha, que os thesouros dos nababos e o poder dos autòcratas não
podem apresentar. É Mademoiselle Risseck, é sua filha, deliciosa
criança, que acabava de deixar os trajes da infancia, e na qual o
espìrito e educação esmerada disputam primazias a uma belleza sem igual.

O D^{or.} Hollandez redobrou de instancias comigo para que fôsse ser seu
hòspede, e eu de certo teria aceitado hospitalidade tão franca e
cordialmente offerecida, se não tivera uma promessa de M^{r.} Turner, de
ter um quarto para mim no dia immediato.

N'esse dia, 14 de Fevereiro, e terceiro de estada em Pretoria, acabavam
de se resolver as minhas difficuldades.

O telègrapho tinha levado longe a noticia da minha chegada áquella
cidade, e o telegrapho tinha trazido ordens, de Sir Bartle Frere, de Sir
Theophilus Shepstone e do Consul Portuguez no Cabo, M^{r.} Carvalho, a
meu respeito. Tinha a maior assistencia do govêrno Inglez; e o
Portuguez, representado pêlo Consul do Cabo, ia àlém do estrangeiro.

A minha gente disse-me estar optimamente em casa do Rev. Gruneberger, e
M^{r.} Turner dàva-me um quarto.

Verdadeiramente não era um quarto, era uma casa tôda e independente,
pròximo do Café Europêo.

Comecei a respirar e a achar-me á vontade, mas tinha ainda um ponto
nêgro, um pesadêlo que me perseguia sempre, e era não saber o que fazer
das mãos.

Andava sempre a procurar a carabina, e tal era a fôrça do hàbito, que
mais de uma vez cheguei a sahir á rua com ella, com grande espanto dos
transeuntes.

N'esse dia remunerei Low e o endiabrado Christophe, que resolvêram
partir no dia immediato, apesar de a mão de Low não apresentar sensiveis
melhoras.

Mandei por Low uns pequenos presentes a sua avó, a velha megera do
acampamento Böer, e a suas irmãs, as duas bonitas raparigas que
cosinhavam cebôlas.

Retribui e despedi tambem o Betjuana Farelan, que tão bons serviços me
prestou de Soul's Port a Pretoria, e por elle escrevi a M^{r.} Gonin, o
bom missionario Francez do Piland's Berg.

Fui em seguida ao _Cape Colonial Bank_, onde depositei a somma do meu
dèbito a M^{r.} Taylor de Shoshong, que, continuando as suas delicadezas
para comigo, ainda a esse tempo não tinha feito apresentar a lêtra para
o aceite.

Em seguida a estes passos, fui para minha casa, d'onde escrevi ao
Governador de Moçambique, participando-lhe a minha chegada a Pretoria, e
pedindo-lhe para mandar expedir de Aden um telegramma que lhe enviei,
dirigido ao Govêrno de Portugal.

Continuavam os favôres que não cessavam de dispensar-me as principaes
pessoas de Pretoria, e eu quasi não tinha occasião para comer no Café
Europêo, tantos convites recebia.

A 15 de Fevereiro, tive uma larga conversação com M^{r.} Fred. Jeppe, o
sabio geògrapho Transvaaliano, e pêlas informações que elle me deu,
combinadas com o que me havia dito o Governador interino e M^{r.} Swart,
vi que a guerra dos Zulos era um embaraço á continuação da minha viagem.
Èra-me quasi impossivel ir a Lourenço Marques, como eu queria, e mesmo o
caminho da costa Ingleza estava difficil, porque depois da derrota de
Isandhlwana, os Zulos estavam apenas contidos por o bravo Coronel E.
Wood,[15] entrincheirado em Utrecht, e tôdas as communicações se faziam
pêlo Estado Livre do Orange, por Harrismith, triplicando o caminho e as
difficuldades.

Logo que estudei a questão, decidi mandar a minha gente para Natal pêlo
caminho de Harrismith com as bagagens, incorporada na primeira caravana
que largasse Pretoria, e eu sòzinho e escoteiro ir em linha recta pêlo
theatro da guerra. Dispuz pois as coisas n'esse sentido, e fiquei
esperando o ensejo desejado.

O dia 16 foi tôdo consagrado a M^{r.} Fred. Jeppe e em sua casa fiz as
observações para determinar as coordenadas de Pretoria. M^{r.} Turner
tinha a meu pedido fabricado um grande bloco de gêlo, com o qual pude
verificar os _zeros_ dos meus thermòmetros e hypsòmetros.

D'essas observações, so existem as hypsomètricas, porque as astronòmicas
perdêram-se não sei como. Sei que as não encontrei registradas em
Maritzburg quando as quiz calcular, e lembra-me que calculei a latitude
mesmo em casa de M^{r.} Fred. Jeppe, e que encontrei para ella o mesmo
nùmero que vem no almanach do mesmo S^nr., creio que do anno de 1878,
determinada por um official da marinha Ingleza.

Fui n'esse dia procurado por um homem que se devia unir áquelles que na
cidade Transvaaliana se execedêram nos favôres que me dispensáram.

Foi elle Mr. Kish, membro da Sociedade Real de Geographia de Londres.

Madame Kish, Madame Imink e a Baroneza Van-Levetzow enchiam-me de
favores, e nunca lhes poderei agradecer tudo o que por mim fizéram.

No dia 19 recebi um convite para jantar, dos officiaes do regimento 80.

Não posso deixar de narrar um episòdio d'este jantar, que me commoveu em
extremo. Eu continuava a usar os mesmos trajes, e apenas tinha feito uma
absoluta reforma de roupa branca. Eu não possuia dinheiro meu, e aquelle
que saquei sôbre o govêrno era destinado ás despêsas necessarias da
expedição, e não ás minhas necessidades particulares; por isso não
comprava roupa por não ter com que a comprar, e só o fiz em Durban
quando encontrei quem me emprestasse dinheiro a mim como particular. Por
esta razão os meus andrajos continuavam a cobrir-me, e n'aquelle jantar
destoavam completamente dos brilhantes e esplendidos uniformes que
vestiam os officiaes do 80 e os convidados. O jantar correu alegre como
entre officiaes que estam em campanha devia ser.

Eu estava de excellente humor, e ria de uma ou outra anecdota picante,
quando umas duzias de estalos vieram mostrar que os criados faziam
saltar as rôlhas do espumante champagne. Enchêram-se os copos, esses
pires de cristal sustentados por um problemàtico pe perfurado, d'onde
sobe sem cessar uma fervura gelada, tão grata á vista como é grato ao
paladar o lìquido dourado em que ella se forma.

O Major Tyler, que presidia á mêsa, levantou-se, e tomando o copo,
pronunciou essa palavra, que, nos mais ruidosos jantares Inglezes, impõe
o mais profundo silencio. Major Tyler disse, com a sua voz forte e
sonora:

"Gentlemen!"

"Gentlemen, a Sua Magestade El-Rei de Portugal."

Nós tôdos de pe ìamos corresponder á saúde, quando a mùsica do regimento
rompeu o hymno d'El-Rei D. Luiz, que foi escutado de pe no meio do maior
silencio.

Não é possivel pintar as sensações que experimentei ao ouvir aquella
mùsica, aquelle hymno patriòtico tocado em terra estranha, aquella
homenagem prestada ao meu paiz na pessôa do seu soberano.

Se devi muitos favôres e muita amizade ao Major Tyler, agradêço-lhe
acima de tudo a sorprêsa que me deu n'aquelle momento.

A affinidade de vida levàva-me tôdos os dias ao acampamento das tropas
Inglezas, onde eu, se não jantava, almoçava, prendendo-me verdadeira
amizade a muitos dos officiaes, um dos quaes se tornou meu inseparavel.

Era elle o bravo Capitão Allan Saunders. Da mesma idade e encontrando um
no outro idènticas inclinações e gôstos, o tempo que eu não passava com
Saunders passava-o elle comigo. Tôdas as tardes ás 4 horas nos
encontràvamos em casa da Baroneza Van-Levetzow, onde apparecia tambem ás
vezes o Major Tyler, e onde se reunia uma distincta sociedade de
elegantes e formosas damas.

A Baroneza dàva-nos um òptimo e exquisito café, que era servido por sua
filha, uma encantadôra criança loura e azougada.

Sabendo-se da minha ligação com Saunders, ja eu não recebia convite sem
que elle fôsse convidado tambem, e assim passámos muitas horas
deliciosas em casa de Madame Kish e de Madame Imink e outras.

Aquillo era um ceo aberto, e em quanto eu não tinha mais que fazer do
que esperar os acontecimentos, so pensava em passar o tempo o mais
agradavelmente que podia.

¡Se eu tinha trabalhado e soffrido tanto!!

Fui avisado de que um comboio de vagons deveria partir para a cidade de
Durban no dia 22, e tratei de contratar com os conductôres o transporte
da minha gente e bagagens. Este comboio devia gastar de 35 a 40 dias no
caminho, e por isso deixàva-me largas para me demorar ainda em Pretoria
algumas semanas, porque eu calculava gastar apenas seis dias para
alcançar o mar.

No dia 21, estava eu preparando umas caixas em que deviam ir uns
pàssaros, que eu trouxera e que tinham sido cuidadosamente arranjados
por M^{r.} Turner, em que deviam ser acondicionadas as pelles, despojos
das minhas caçadas, e uns insectos que pude aproveitar, porque dos
muitos que apanhei ao sul do Zambeze, so chegáram a Pretoria pernas,
cabêças e corpos separados, sendo impossivel ao mais versado
entomològico dizer a que cabeças pertenciam aquelles corpos, a que
corpos pertenciam aquellas pernas. Estava eu arranjando aquillo,
estupefacto com o prêço que me custava cada bocadinho de tàbua, que é o
gènero mais caro que encontrei em Pretoria, onde tudo é caro; quando me
viéram chamar a tôda a pressa, dizendo-me, que tudo em casa do Rev.
Gruneberger andava n'uma poeira, com a minha gente, que ja havia mortos
e feridos e não sei que horrôres mais.

Corri a casa do Missionario.

Houvera e havia um caso grave de insubordinação contra o dono da casa,
que eu reprimi n'um momento, mas desgraças creio que apenas os queixos
de um criado partidos com um bofetão de Augusto.

Eu tinha sempre tido um presentimento que alguma cousa aconteceria se se
desse a confiança que se deu a prêtos d'aquelles.

M^{r.} Gruneberger mostrou-me que era inconveniente continuarem em sua
casa, e muita razão tinha elle n'isso, depois dos disturbios que elles
ali fizéram. Como deveriam partir no dia immediato, pouco cuidado me deu
este incidente; mas desgostou-me em extremo, pêlo que elles fizéram
n'uma casa em que tinham sido tão bem acolhidos.

No dia immediato, sube que os vagons so partiam no dia 26, e por isso
accommodei os prêtos o melhor que pude na casa que habitava.

M^{r.} Swart, o Thesoureiro do Transvaal, continuava a obsequiar-me e eu
ia repetidas vêzes a sua casa, onde sentia um prazer immenso em brincar
com as suas filhas, duas formosas crianças.

Eu nunca gostei muito de pequenos. Sempre os achei importunos e pouco
interessantes; mas depois da minha viagem, comecei a sentir uma
verdadeira paixão por crianças louras e bonitas, e em Pretoria eu
passava horas com as filhas de M^{r.} Swart, ou com as de M^{r.} Kish.

Talvez a lembrança de uma filha de quem eu estava separado produzisse em
mim aquelle gôsto de brincar com as innocentes creaturas. Talvez a vida
rude e severa que eu tive n'uma tão fadigosa jornada, precisasse de uma
antìthese, que eu encontrava nas caricias da pequenada.

Ia assim passando a vida em Pretoria, quando um dia fui procurado por um
homem que trazia uma carta para mim.

Recebi o desconhecido, que tinha ares de sertanejo Inglez.

Era um rapaz ainda nôvo, de mediana estatura, sympàthico e de
physionomia enèrgica, vestido de uma camisa grosseira, e umas calças
prêsas com um forte cinto de couro.

Dirigio-me a palavra em Francez, d'aquelle que se fala no Boulevard dos
Italianos, e apresentou-me a carta. Conheci pêla letra do sobrescripto
que era de M^{r.} Coillard.

Abri-a pressuroso, e vi que era carta de apresentação do portador.

Não era preciso a recommendação de M^{r.} Coillard para eu cortejar com
respeito e estender a mão com sympathia áquelle homem. O seu nome, bem
conhecido nos sertões da Àfrica do Sul, era recommendação bastante.

Era M^{r.} Selous, o atrevido viajante e ousado caçador Inglez.

M^{r.} Selous esteve tres dias em Pretoria, e conversámos muito sôbre a
Àfrica. Elle havia entrado ao Norte do Zambeze em uma direcção parallela
ao Cafuque, e a leste d'elle, e fez-me d'esse paiz as mais interessantes
descripções.

Ali encontrou muitos Portuguezes, entrados por Quilimane, e entre outros
citou-me um Joaquim Mendonça, que tinha como seus empregados três
antigos soldados do Batalhão da Zambezia, chamados Manuel Diogo, Joaquim
da Costa, e Antonio Simões. Pêlo que elle me disse, e combinando as
datas, penso que seriam estes os _Muzungos_ de que tanto se falava no
Barôze durante a minha estada em Lialui.

M^{r.} Selous deu-me um esbôço grosseiro da sua viagem ao norte do
Zambeze, de que eu me não servi na minha carta de Àfrica Tropical
Austral, por não me julgar autorizado a isso sem a sua prèvia licença,
que me olvidei de pedir.

Eu dei-lhe as indicações que elle desejava para uma nova expedição
venatoria nos arredores de Linianti, e fiquei de lhe mandar um esbôço do
paiz, que depois lhe enviei para Shoshong.

No dia 23 fui almoçar com Monseigneur Jolivet, o illustrado Bispo de
Natal, que então se achava em Pretoria, dirigindo as construcções do
importante estabelecimento Cathòlico que ali se ergeu depois da
dominação Ingleza; que é de certo a mais importante escola de educação
do Transvaal, e onde muitos Protestantes, M^{r.} Swart por exemplo, e
outros, enviam as suas filhas. Monseigneur Jolivet, homem sabio e de
respeitabilissimo caracter, conversou muito comigo, e percebi que não
era muito affecto aos Portuguezes.

Pensa elle, que nós não somos muito bons Cathòlicos. Procurei
demonstrar-lhe o contrario, mas creio que o fiz de balde, porque
Monseigneur vinha sempre com a historia de um padre, o Rev. Bompart, que
tendo ido a Lourenço Marques, não lhe foi permittido ali celebrar,
apesar de todas as instancias que fez.

Não o pude convencer de que, se o Rev. Bompart se apresentou sem
auctorização legal, era natural não lhe deixarem exercer o seu mister;
assim como não o pude convencer, de que quem governava na Igreja do
Oriente era o Arcebispo Primaz das Indias. O honesto Bispo, tinha tão
profundamente arraigadas no espìrito opiniões e malquerenças contra nós,
que ficou na sua, dizendo-me sempre que nós somos os peiores dos
pedreiros livres do mundo. Uma tia velha que eu tive, tambem dizia o
mesmo depois da exstincção das corporações religiosas.

Ora o facto verdadeiro é que Portugal é um dos paizes mais religiosos
que eu conheço, que é muito bom Catholico, mas entende que religião e
alta politica sam duas cousas differentes, aprendeu esta heresia com o
Marquez de Pombal, e desde então se os padres misturam religião com
politica, zanga-se com elles.

Monseigneur Jolivet que me perdôe, se ainda continúo a insistir em que
somos dos melhores Cathòlicos do mundo, e que ainda o seriamos se nos
levantassemos forte e energicamente contra os ministros da nossa
religião, que traindo os deveres sacrosantos da sua missão nobre e
sagrada, fossem fazer propaganda polìtica em deterimento nosso e em
favor de estrangeiros na terra da Patria, que terra da Patria é tôda a
terra onde se hastea a bandeira de Ourique, seja qual fôr o ponto do
glôbo em que ella tremule.

É tempo de dizer duas palavras de Pretoria, tal como eu a vi em
Fevereiro e Março de 1879. Começarei por descrever a cidade pêlo seu
lado material.

Pretoria era uma cidade nascente, á qual a dominação Ingleza não tinha
imprimido ainda o seu cunho nacional.

As ruas largas e espaçosas dão accesso ás casas, pêla maior parte
terreas, mas bem construidas e elegantes. Abundam ali os jardins, e em
algumas ruas as casas elevam-se no meio d'elles.

A cidade assenta sobre um plano inclinado que na parte mais elevada tem
abundantes nascentes de àgua que a banham. Esta àgua, ao tempo que ali
vivi, corria nas ruas em valêtas lateraes profundas e descobertas, que a
escuridão da noute convertia em verdadeiros precipicios. Recòrdo-me de
mais de uma vez ter cahido n'ellas, chegando a casa completamente
molhado.

Em alguns quintaes e jardins ha àrvores muito grandes e frondosas.

As ruas estavam por calçar, e com as chuvas eram incòmmodos atoleiros.

Tem alguns templos decentes, uma modesta casa de tribunal, e muitos
estabelecimentos commerciaes onde é facil encontrar tôdo o necessario, e
mesmo o supèrfluo, que ja ali ha luxo.

Na parte elevada estàvam-se construindo os vastos quartéis para as
tropas, que então estavam em grande parte acampadas em barracas, em
tôrno de três casernas ainda mal acabadas.

O caminho da cidade para os quartéis era medonho, e perigôso de noute,
porque as chuvas cavavam rêgos profundos, e produziam atoleiros enormes,
onde nos enterràvamos, e onde por vêzes arrisquei quebrar as pernas.

Ha na cidade alguns pontos muito bonitos, como é o chamado as _fontes_,
e uma das sahidas coberta por chorões enormes, e onde uma azenha dá um
cunho pintorêsco á paizagem.

Os arredores sam despidos de arvorêdo, e um pouco monòtonos, havendo
apenas aqui e àlém uma ou outra fazenda de Böers a quebrar a monotonia
natural.

Pretoria deve ser um dia uma das mais bellas cidades da Àfrica do Sul, e
tal como eu a vi ja apresentava um aspecto geral agradavel e buliçôso.

Como em todas as terras, de nôvo occupadas pêla Inglaterra, Pretoria
estava cheia de gente nova, que vinha procurar fortuna, e que não a
encontrando facil, se alistava nos regimentos de voluntarios, onde como
soldados tinham uma paga de cinco xelins diarios.

O meu amigo Allan Saunders era o chefe da secretaria dos corpos
voluntarios, e não lhe sobejava o tempo para fazer alistamentos.

Os negociantes sam Hollandezes ou Inglezes, e como a cidade em si mesma
ja tem necessidades, não é so o tràfico com o interior, e com o indìgena
que ali representa uma parte importante no movimento commercial.

Disse-me o D^{or.} Risseck, que o clima é bom, ainda que em certas
èpochas do anno não é isento de febres de caracter benigno. Sendo os
arredores de Pretoria abundantes em forragens, é facil ter ali cavallos,
e quasi tôdos os moradores t[~e]m um _dog-cart_ ou uma _victoria_, em
que passeiam ou vam tratar os seus negocios.

[Figura 139.--Betjuanas. (De uma photographia de M^{r.} Gross.)]

Tal era Pretoria quando la passei algumas semanas em 1879.

Um facto que me produzio uma certa impressão foi ver que muitas mulheres
gentias dos arredores vinham á cidade vender os seus gèneros, cobertas
com os trajes gentìlicos, isto é quasi nuas, assim como as representa a
gravura junta a esta pàgina; gravura cuja historia vou contar, porque
ella representa uma lição áquelles que na Europa se afiguram ser facil
realizar em Àfrica cousas facìlimas no velho mundo.

Ha em Pretoria um magnìfico photògrapho Suisso, M^{r.} Gross.

Eu travei conhecimento e tinha em breve relações de amizade com elle.

Um dia, vendo um grupo de mulheres que vinham vender capata, chamei-as e
propuz-lhes comprar toda a capata que ellas traziam se se deixassem
photographar. As mulheres hesitáram, e eu comecei a fazer-lhes as mais
bellas offertas.

Tentadas pelas minhas promessas, seguíram-me a casa de M^{r.} Gross.

Deixei-as á porta e entrei.

Logo que expuz ao photògrapho o meu intento, elle fechou as mãos na
cabêça e disse-me que, não fazìamos nada, porque muitas vêzes tentara em
vão a mesma cousa. Insisti, e M^{r.} Gross para condescender comigo, pôz
mãos á obra.

Introduzi as mulheres no _atelier_, não sem gastar n'isso bôa meia hora,
porque, chegado o momento de entrarem em casa do photògrapho, augmentou
a sua hesitação.

Ahi estam ellas no _atelier_, mas recrescem as difficuldades ao
collocal-as em posição defronte da màchina. Estam em foco, e quando o
photògrapho vai introduzir na corrediça a chapa sensibilizada, duas ou
tres fogem espavoridas e outras deitam-se de cara no chão. Nôvo trabalho
de paciencia e outra meia hora perdida e uma chapa inutilizada. A mesma
scena ainda se repete, até que em fim se pôde obter um negativo, em que
tôdas mexêram tanto, que nos deixa em dùvida se sam macacos ou bonzos as
imagens reveladas. Outras tentativas t[~e]m o mesmo resultado, e perdido
o dia e gasta a paciencia, ellas vam-se.

Eu, apesar d'isso, sempre teimoso em querer a photographia das prêtas,
cumpri o contrato indo àlém das promessas feitas. Ellas tambem me
promettêram voltarem, e d'ahi a dois dias estavam á minha porta.

La vamos para casa de M^{r.} Gross, que ja tremia de me ver com as
prêtas. Eu lembrei-me de me pôr ao lado da màchina e de lhes dizer que
olhasem para mim, ellas assim fizéram, e eu encarei-as tão fito, com um
olhar tão pertinaz, que ellas perturbáram-se, tivéram esse momento de
fascinação que produz a immobilidade, M^{r.} Gross descubrio a
objectiva, e o grupo estava apanhado.

Quizémos ainda tirar outro, mas o encanto tinha-se quebrado, e não foi
possivel obter mais nada d'ellas.

Assim essa photographia custou-nos dois dias de trabalho, uma avultada
quantia, e uma incalculavel paciencia.

No grupo, as mulheres que t[~e]m uma franja por tanga sam solteiras;
aquellas que t[~e]m uma pelle, casadas.

No dia 25 de Fevereiro, vèspera do dia em que deviam partir os meus
prêtos e as minhas bagagens, para Durban, seriam 4 horas da tarde,
quando eu me dirigi a casa da Baronesa Van-Levetzow, a pedir-lhe uma
chàvena d'esse òptimo café que ella tão delicadamente offerecia aos seus
amigos; quando em caminho me sorprendeu um movimento desusado na cidade.
Perguntei a um transeunte, o que havia de nôvo? e elle respondeu-me, que
os Zulos estavam ás portas de Pretoria, e que dentro em pouco a cidade
seria saqueada. Corri ás informações, e para ir a bôa fonte, fui á casa
do govêrno.

Ali soube que, de facto, os Zulos não estavam ainda em Pretoria, mas
muito perto, e a cidade seria atacada dentro de poucas horas. As
informações eram officiaes e certas. Indaguei em que ponto elles estavam
e voltei a casa. Mandei logo Verissimo, Augusto e Camutombo á
descoberta. Fiquei a pensar no caso, e, com o meu conhecimento de Àfrica
e de prêtos, concluí que tudo aquillo era um absurdo disparate.

Sahi a visitar vàrias pessôas, e se algumas encontrei possuidas do
pànico geral, outras estavam descançadas e não acreditavam como eu no
ataque dos Zulos. Algumas damas tinham-se ido refugiar no acampamento
das tropas.

Eu fui prevenir Monseigneur Jolivet do caso, dizendo-lhe o que havia,
que não acreditava, mas que ás vêzes as cousas mais absurdas aconteciam,
e por isso era bom estar prevenido para pôr a salvo as Irmãs de
Caridade.

Voltei a casa, e ao cahir da noute chegavam, com pequenos intervallos os
meus três enviados, afiançando-me, que no logar designado não havia um
so Zulo, nem d'elles havia noticia no Transvaal. Eu, que me fiava mais
nas informações de Verissimo, Augusto e Camutombo do que em tôdos os
relatorios officiaes, deixei os prêtos em casa, e fui ver o que faziam
os meus amigos Major Tyler e Capitão Saunders.

Ao chegar ao acampamento, um terrivel e desusado "Quem vem la?" de uma
sentinella, provou-me que ali estavam em pe de guerra. Respondi,
"Amigo," e pude entrar. No campo havia grande reboliço. Fortificavam-se
e entrincheiravam-se com os vagons.

Não me foi difficil encontrar o commandante militar de Pretoria, o Major
Tyler. Vestido com o esmero e luxo que sempre usa, as mãos calçadas em
apuradas luvas brancas sem a menor sombra, o pé mettido em elegante
botina, tal em fim como entra nas salas em que é tão querido, o bravo
commandante do regimento 80 estava com tôda a placidez e socêgo, dando
acertadas ordens, e pondo o campo em estado de defêsa formidavel.
Cheguei-me a elle e disse-lhe que o ataque esperado era uma verdadeira
comèdia. Elle respondeu-me, que sempre assim o havia pensado; mas que,
tendo recebido communicações officiaes, não podia deixar de fazer o que
estava fazendo; e que àlém d'isso, não desgostava d'aquelle rebate, para
avaliar o que eram os seus homens, e saber com o que poderia contar n'um
caso sèrio.

Dei razão ao elegante official, e fui-me em busca do seu immediato, o
meu amigo Saunders. Andava elle de outro lado dirigindo as manobras,
rindo sempre, sempre contente. Saunders pareceu-me acreditar nos Zulos,
o que lhe não tirava nada do seu bom humor habitual. Foi-me logo mostrar
duas metralhadôras, para as quaes estava a olhar pasmado um alferes
qualquér a quem as haviam entregado. Depois d'isto disse-me elle, que
estavam muitas damas recolhidas no campo, e convidou-me a ir vel-as.

Fomos passar uma minuciosa revista, e vimos que o Major Tyler, como
melhor relacionado com o bello sexo, tinha cedido o seu quarto pêlo
menos a duzia e meia. O quarto de Saunders tambem não estava vazio, mas
deve dizer-se, em abono da verdade, que aquelles eram os dois ùnicos
quartos do quartel, vivendo o resto dos officiaes em barracas.

Saunders lembrou, que em tempo de guerra era bom beber qualquer cousa, e
fomos á sala dos officiaes.

Na sala estava so um homem. Fardado, e armado, estava sentado n'uma
poltrona com tôda a commodidade, tendo diante de si um copo de _brandy_
e soda.

Era o tenente Cameron do regimento, que disse a Saunders: "Meu capitão,
eu cá estou á espera dos Zulos, e em quanto elles não v[~e]m, vou
bebendo."

Era realmente admiravel ver esses bravos officiaes Inglezes, que morriam
rindo e descuidosos n'uma guerra ingloriosa, tão tranquillos e socegados
em frente de um perigo qualquer, como se os esperasse um baile ou uma
festa.

Nós dissémos ao tenente Cameron que não havia Zulos, e elle recebeu a
noticia com certa tristeza.

¿Quem sabe se elle, com a confiança da mocidade, não tinha sonhado
n'esse momento com os gallões de um posto superior?

Pouco depois reunio-se a nós o Major Tyler, e disse-nos, que ia ver o
que faziam os voluntarios na cidade.

Eu e Saunders acompanhàmol-o. Era meia noute e havia escuridão profunda,
a chuva cahia a torrentes, e eu apenas pude apanhar metade do
impermeavel de Saunders, que levou só o cabeção, dando-me o resto.

Tropeçando aqui e cahindo àlém, chegámos á praça, onde na igreja
parochial deviam estar os voluntarios.

Entrámos no templo, que estava cheio de soldados, e logo que o Major
Tyler deu as suas ordens, fomos tôdos três para minha casa.

Estàvamos muito molhados, e o meu primeiro cuidado foi abrir uma garrafa
de vinho velho.

Bebendo e conversando passámos ali uma parte da noute, rindo eu e
Saunders a bom rir, da seriedade do Major Tyler, que estava indignado
por ter o seu quarto cheio, não de damas, que elle é muito galante para
se queixar d'isso, ¡mas de meninos!--de meninos que choravam!

Pêla madrugada, o Major Tyler e o Capitão Saunders retiráram, e eu
fui-me metter na cama.

Eis como acabou um dos episodios còmicos, da tràgica guerra dos Zulos,
episòdio que ficaria no esquècimento se eu o não trouxesse a pùblico.

No dia immediato têve logar um acontecimento importante para mim.

A minha gente e as minhas bagens seguíram para Durban, pêlo caminho
seguro de Harrismith.



CAPÌTULO VIII.


O FIM DA VIAGEM.

     A chegada do Coronel Lanyon--Parto de Pretoria--Heidelberg--Um
     _dog-cart_--O Tenente Barker--Dupuis--Peripecias de uma viagem no
     Transvaal--Newcastle--A diligencia--Episodios
     burlescos--Pietermaritzburg--Durban--Volto a Maritzburg--Didi
     Saunders--Episodios em Durban--O Consul Portuguez M^{r.} Snell--O
     _Danubio_--O Commandante Draper--Regresso á Europa.


Andava tudo em reboliço. Nunca em Pretoria se tinham feito tantos gastos
de _toilettes_, nunca os lojistas vendêram tantas fitas e tantas rendas!

Os homens escovavam e preparavam os uniformes, porque tôdos mais ou
menos tinham uniformes, e os que os não tinham inventàvam-n-os. Se tudo
estava em guerra!

Cavallos e carruagens soffriam tratos de limpezas desusadas. Tudo luzia
e brilhava. O enthusiasmo era geral e chegava mesmo aos Hollandezes.

As damas trabalhavam com afan, e davam tratos ao miôlo, contido nas
cabecinhas louras e encantadoras, para melhór pregarem um lacinho, para
melhór fazerem realçar a belleza delicada.

Os homens, _elles_, diziam "É _C.B._[16] e tem a _Victoria Cross_,[17] é
o heroe da guerra dos Ashantis, é um homem de grande energia, é um dos
mais notaveis officiaes do exèrcito Inglez."

_Ellas_, ellas diziam: "Tem 36 annos o coronel, e dizem que é alto,
nobre e bonito!"

Que enthusiasmo! Eu nunca vi coisa assim! O meu cavallo ja estava
emprestado a uma dama, que queria mostrar tôda a sua elegancia de
amazona. Outras mais infelizes procuravam debalde um meio de transporte.

So eu, creio, que estava frio no meio daquella effervescencia de
delirio.

Eu ca, não ia esperar o nôvo governador, e contentar-me-hia de o ir
visitar á sua chegada.

¿Mas quem pode dispor dos seus sentimentos, e contar com o seu espìrito
no meio da effervescencia geral?

No dia 2 de Março, comecei a sentir que a febre do nôvo governador se
apossava de mim, e sahindo enthusiasmado de casa, fui comprar um chapéo
nôvo! Era uma reforma importante no meu traje.

Aquelle homem por quem se faziam tantos trabalhos de recepção aguçàva-me
a curiosidade. Os homens pareciam temel-o, as mulheres pareciam
adoral-o; e ser temido dos homens e adorado das mulheres é ter attingido
a meta da felicidade para qualquer creatura màscula.

No dia 3 devia elle chegar, e o ponto da entrevista era a nove milhas da
cidade.

Levantei-me sem mêsmo pensar em la ir, até porque, se quizesse ir, não
tinha em quê, tendo emprestado o meu cavallo.

Ás nove horas sahi de casa, mas não encontrei ninguem. Fui almoçar, e
não encontrei ninguem. Fui a casa de alguns amigos, e não encontrei
ninguem em casa. Comecei a dar ao diabo o nôvo governador. Eu ja
começava a perder o hàbito de viver sòzinho, e queria companhia.

Voltei ao Café Europêo e deparei com M^{r.} Turner. Dirigi-me logo a
elle e sem mais preàmbulos pedi-lhe um cavallo. M^{r.} Turner julgou que
eu não estava bom de cabêça. Pedir um cavallo n'aquelle dia e áquella
hora so um inconsciente o faria.

Eu insisti em querer um cavallo, e a difficuldade que se levantava era
apenas incentivo para exacerbar o meu desejo.

Depois de muito pensar, M^{r.} Turner têve uma lembrança.

Elle tinha um pôtro, ainda não montado, bravio, diabòlico.

Se eu quizesse o pôtro, elle emprestàva-m'-o. Fomos logo á cavallariça.

Para apparelhar foi uma campanha, para montar outra.

Depois de varias teimas, em que tivéram razão umas esporas enormes que
me tinha dado M^{r.} Clark em Shoshong, consegui endireitar no caminho
do acampamento. Por uma questão de hàbito eu queria ver o Major Tyler e
o Capitão Saunders, antes de ir esperar o governador. Foi uma infeliz
lembrança.

O regimento 80 estava formado em revista, e acabada ella pude falar aos
meus amigos, mas de repente a mùsica começou a tocar, e o cavallo,
espantado com o zabumba, começou a fazer taes e taes desconcêrtos que
tive de largar d'ali a tôda a pressa, atropellando as barracas de lona
do campo e fazendo até fugir de uma d'ellas alguem que la estava. Pude
ver-me a final em campo livre, e o pôtro pagou caro os seus atrevimentos
de momentos antes.

Ás duas horas eu alcançava as cavalgadas e estava entre os meus amigos,
mas estava em lastimoso estado de fadiga e cansaço.

Pouco depois, uma carruagem escoltada por alguns voluntarios de
cavallaria, chegava em sentido opposto, e apeava-se d'ella o nôvo
governador do Transvaal.

O Coronel Sir William Owen Lanyon, K.C.B., correspondia á espectativa
geral.

Era nôvo e bello, e do peito da sobrecasaca pendia-lhe a _Victoria
Cross_.

Tôdos estavam contentes, e os frenèticos hurrahs! que lhe levantáram,
eram d'isso prova. Seguímos para a cidade. O meu cavallo, no meio dos
vivas e dos outros cavallos, estava insopportavel e custàva-me a conter.

De repente espantou-se com uma carruagem, deu um enorme salto e partio.
O meu chapéo nôvo, o chapéo comprado na vèspera, cahio por terra, em
quanto eu era levado com uma velocidade enorme, n'um correr desenfreado.

Passei e em breve perdi de vista carruagens e cavalleiros.

O terreno era bom e eu deixava correr o endiabrado, que a final havia de
parar em alguma parte.

Apesar de muito distanciado da comitiva do governador, pareceu-me que
sentia um outro correr de cavallo, perto de mim, e voltando-me na sella
percebi que era seguido e ia ser alcançado em poucos momentos.

Uma gentil amazona, muito melhor montada do que eu, porque montava o meu
Fly, ria a bandeiras despregadas das minhas tribulações, e em breve
emparelhando comigo estendia-me o pobre chapéo que eu tinha perdido, e
que ella, com essa pericia de tôdas as damas das colonias do sul
d'Àfrica, que sam as primeiras cavalleiras do mundo, tinha apanhado do
chão e me vinha trazer, mofando de um cavalleiro que perdia o chapéo e o
deixava apanhar por uma dama.

Eu estava envergonhado, e sem me lembrar de que era impossivel fugir ás
pernas vigorosas e ligeiras de Fly, tentei instigar o meu cavallo a uma
fuga, a que elle ja se recusava, apresentando uma fadiga bem motivada.

Entrei em Pretoria sempre perseguido pêlos chascos da amazona azougada,
e depois de ir entregar o pôtro a seu dono, fui a pé para o Palacio,
onde esperei a chegada da festival comitiva.

Chegáram elles, sempre dando mostras do mais enthusiàstico
contentamento.

O Coronel Lanyon estava installado, e depois de um bem servido _lunch_,
retiràmo-nos.

O valente e sympàthico coronel tinha càptado tôdas as sympathias, e
desde a sua chegada, esquèceu o episòdio do ataque dos Zulos, narrado no
anterior capìtulo, para so se falar d'elle Governador.

Nos dias seguintes houvéram recepções, saraus, e _matinées_ dançantes, a
que eu não assisti, preoccupado ja com a minha sahida para Durban.

No dia 5, fui eu a uma lègua de Pretoria ver uma curiosidade em que
Inglezes e Hollandezes me falavam muito.

Era o _Wanderboom_, a àrvore sagrada. Effectivamente, é digno de ver-se
esse gigante vegetal, que os Böers mostram com admiração, e que,
deitando dos altos troncos novas raizes que viéram procurar a terra e se
convertêram ellas mesmas em caules, forma por si so uma espêssa mata.

Finalmente, depois das mais cordiaes despedidas aos muitos amigos que
tanto me obsequiáram em Pretoria, parti, no dia 8, para Heidelberg, onde
cheguei por noute fora.

Decidi demorar-me alguns dias n'aquella bonita villa, para fazer as
minhas ùltimas observações e fechar os meus trabalhos.

N'um jantar em Pretoria, em casa de Madame Kish, fiz eu conhecimento com
um sujeito chamado Goodliffe, que sabia não ser de Pretoria, mas que não
pensava tambem ir encontrar em Heidelberg.

M^{r.} Goodliffe convidou-me para sua casa e fêz-me os maiores favôres.

No dia immediato ao da minha chegada, depois de fazer as observações da
manhã, fui dar sòzinho um passeio nos arredores, e comecei a trepar
montanhas e montanhas, até que, d'um pico muito elevado, consegui
dominar a paizagem. Pareceu-me que devia estar a uma grande altitude,
porque dominava tôdas as cumiadas do Zuikerbosch-Rang.

Olhei para o meu baròmetro aneroide de algibeira, e vi que elle marcava
dois mil metros!

Decidi logo voltar la no dia immediato a fazer observações mais seguras,
e effectivamente assim o fiz.

Era na verdade aquella a maior altura a que eu tinha estado na minha
viagem, e não deixei de fazer especial menção d'ella.

No dia 11 de Março, depois de ter concluido tôdas as observações e
fechado os meus trabalhos, parti de Heidelberg, ás 8 horas da manhã, em
um _dog-cart_, que precisa de uma breve descripção pêla sua
originalidade.

Era um d'êsses carros de fàbrica Americana, ligeiros e fortes, montado
sobre duas rodas altissimas, e que, em logar de varaes, t[~e]m uma forte
lança, onde se atrella uma parêlha em troncos, e d'onde partem os
tirantes para umas sotas sôltas.

Tem dois assentos costas com costas, que podem admittir quatro pessôas.
Bagagens nenhumas pode conduzir, e apenas uns pequenos volumes na exigua
caixa.

O meu cocheiro era um mulato, creio que Gricua, chamado Joaquim Eliazar.

Os meus companheiros eram o Tenente Barker, do 5^o Regimento de West
York, e o seu impedido Dupuis.

Logo á sahida de Heidelberg, tivémos de atravessar o ribeiro que corre
ali, cujas margens quasi a pique dam difficil passagem a um carro.

A primeira foi passada sem difficuldade, mas na segunda o dog-cart
tombou-se, e o Tenente Barker cahio sôbre Dupuis e eu sôbre Barker.

Levantàmo-nos sem a menor contusão e rindo do caso. Dupuis, que tinha um
nome Francez, mas cuja nacionalidade eu nunca pude entender bem, porque
elle falava indifferentemente tôdas as lìnguas, e servia
indifferentemente tôdos os paizes, começou logo a contar varios casos de
quedas e carros tombados, que lhe haviam succedido em França, na Russia,
na Amèrica e na China.

Dupuis era homem de 55 a 60 annos, baixo, espadaüdo e robusto. Tinha
servido no exèrcito Francez na Crimea, e contava com enthusiasmo a carga
de Balaklava.

Tinha servido no exèrcito Inglez na guerra da China; na Amèrica servio
os Federaes, bateu-se depois na França pêla Allemanha, em 1870. Conheceu
na India o Major Cavagnari, e vinha de la bater-se contra os Zulos.

O seu desideratum era ser soldado enfermeiro nas ambulancias do exèrcito
Inglez; mas, em quanto o não conseguia, ia sendo camarada do Tenente
Barker.

Barker era um d'esses jovens Inglezes, loiro, olhos azues, tal em fim
como os vemos, encontramos e conhecemos em tôda a parte do mundo.

Ia cheio de enthusiasmo encontrar a columna de Sir Evelyn Wood, e
bater-se contra os nêgros de Catjuaio.

Trabalhámos tôdos quatro rudemente para pôr o carro em estado de seguir,
e uma hora depois voàvamos por sôbre a planicie, puxados por quatro
ligeiros e robustos cavallos do paiz.

Choveu bastante durante o dia, e ás 2 horas encontràvamos o rio
Waterfalls a transbordar. Era um embaraço.

Alguns vagons de Böers estavam parados junto d'elle sem se atreverem a
transpol-o.

A profundidade màxima era de dois metros. Um dos vagons de Böers estava
carregado de lenha, e apresentava do tope da carga ao chão uma altura de
mais de três metros.

Offereci ao Böer seu dono cinco xelins se elle quizesse transpor o rio,
e me deixasse ir com os meus papéis encarapitado no alto da carga.

O homem aceitou, e eu, Barker, Dupuis e os nossos pequenos havêres,
armas e cartuxos, acommodàmo-nos sôbre a lenha.

Oito juntas de possantes bôis fôram jungidos ao vagom, que, poucos
momentos depois, estava na margem opposta.

Joaquim Eliazar em pe sobre os assentos do dog-cart, com àgua pêla
cintura, e segurando as guias com destreza de um cocheiro consummado,
tambem transpoz o rio sem accidente.

Pouco depois, tomàvamos pêla quarta vez cavallos frêscos da posta, e
continuàvamos essa carreira vertiginosa em direcção ao vao de
Standerton, onde devìamos passar o Vaal.

Ás 8 da noute, ja com uma fome desabrida, entràvamos em uma modesta
estalagem de Standerton, onde tìnhamos uma pèssima ceia, e não melhor
cama.

De Heidelberg a Standerton o paiz é planicie enorme, a perder de vista,
onde não cresce uma so àrvore, e onde uma herva não muito alta serve de
pasto a milhares de antìlopes, pêla maior parte bodes saltadôres
(Springboks).

Sôbre tudo nas margens do rio Waterfalls vi innùmeros, mas muito
esquivos.

No dia immediato deixámos Standerton, ás 7 da manhã, depois de um
almôço, que nos fez lembrar, que poderiamos ter almoçado se tivèssemos
quê.

Pêla tarde d'esse dia ja começàvamos a encontrar falta de cavallos nas
casas de posta, saqueadas ou abandonadas por causa da guerra. Ao mesmo
tempo recresciam as difficuldades do caminho, porque nos embrenhàvanos
nos desfiladeiros do Drakensberg.

Não se pode fazer muito idéa do que seja viajar por montes e valles, sem
caminho nem carreiro, em um dog-cart puxado a quatro sôltas.

Ao entrar-mos nos desvios da serra, uma temerosa tempestade cahio sôbre
nós, e uma chuva copiosa alagou a terra e o carro.

Veio a noute, e uma noute medonha. Os relàmpagos alumiavam as trevas
para as tornar mais nêgras e densas.

So a muita pràtica do cocheiro podia guiar o carro por aquelles alcantis
n'um correr desenfreado.

De vez em quando, uma cova, uma rocha, um precipicio, era nas trevas
mais adivinhado do que visto, e um sonoro _All fast_ (tôdos firmes)
pronunciado por Joaquim Eliazar pùnha-nos de prevenção.

E a chuva a cahir, o trovão e o relàmpago a espantar os cavallos, e
aquelle carro sempre a correr nas vertentes este da alta cordilheira.
Tinha alguma cousa de fantàstico o quadro, e se tivesse sido visto por
outros que não nós deveria causar-lhes impressão profunda.

Dupuis tinha sempre uma historia a contar a cada solavanco do ligeiro
vehìculo. Umas vêzes era na China, outras na Amèrica, outras na Russia,
que o caso se tinha passado.

Depois Dupuis cantava, e era, ja uma canção Americana, Franceza,
Chineza, ou Hùngara, que vinha perder-se no estrepitôso rodar do carro,
ou no cem vêzes repetido echo dos trovões.

Seriam 8 da noute, quando um clarão fixo e distante me chamou a
attenção. Endireitámos para elle.

O caso não era muito seguro, mas continuar o caminho assim era peior do
que encontrar os Zulos.

Parámos a distancia da fogueira, e eu dirige-me a ella. Ao aproximar-me,
vi que entre uns vagons, debaixo de um alpendre improvisado com pannos
de lona, estavam sentados três officiaes Inglezes. Entrei ràpidamente na
zona de luz, para ser logo reconhecido e não levar algum tiro. Os três
sujeitos olháram para mim sem o menor espanto, e disséram-me
polidamente: _Good evening, sir_.

Estavam tomando chá, e eu sentei-me sem ceremonia ao lado d'elles.

"¿Toma uma chàvena de chá? me perguntou um d'elles."

"Aceito reconhecido, e até aceitava de comer, porque tenho fome."

"De comer! mas nós tambem não temos nada que comer, e so chá e um pouco
de assucar possuimos."

Tomei uma grande tijela de chá, e tôdo molhado deitei-me junto á
fogueira, onde dormi tôda a noute.

No dia immediato, parti logo de madrugada e so á noute pude matar a fome
em casa de um Böer, que me leu três pàginas da Biblia, mas que em
seguida me deu bôa ceia.

Passou sem incidentes o resto da viagem até perto de Newcastle.

Ali encontrámos o rio Newcastle a transbordar, e tivémos um verdadeiro
trabalho para o transpor, sendo preciso nadar, e molhando-se tudo o que
trazìamos.

Chegado á povoação de Newcastle, o meu primeiro cuidado foi almoçar, com
uma fome de 24 horas.

Eu em Pretoria ja tinha desaprendido a ter fome, e começava a
impacientar-me quando a sentia.

Installei-me em um hotel, onde não se estava bem nem mal, e tratei logo
de enxugar os meus papéis, e de tomar um logar na diligencia que fazia o
serviço d'aquelle ponto a Pietermaritzburg.

Separei-me ali do meu tenente Inglez, que se dirigia com o seu camarada
ao theatro da guerra; e eu, um dia depois, tomava logar na diligencia, e
partia para o meu destino.

Èramos nove no carro, oito homens e uma dama, e haviam ali so dois
logares supportaveis ao lado do cocheiro.

Um foi cedido á dama e eu quiz o outro. Èra-me elle disputado por um
tenente de voluntarios, que trazia umas esporas enormes e um uniforme
esplandecente. Cada um de nós apresentava os seus respectivos direitos
ao logar, ante o cocheiro, àrbitro supremo n'aquelle litigio.

Uma meia-libra subtilmente escorregada na mão do mulato, prevaleceu
sôbre uns poucos xelins dados pêlo tenente, dizendo o cocheiro bem alto,
que elle não era homem que se vendêsse, e por isso entregava ao tenente
uns três xelins que elle tinha feito a offensa de lhe querer dar, e
dizendo-me, que tomasse o logar cubiçado, em quanto o voluntario mavorte
subia para o interior, furioso e iracundo, o honrado cocheiro punha as
rédias em ordem e fazia estalar o chicote.

Se o tenente estava furioso, não o estava menos a dama, que podendo ter
a seu lado um elegante official, tinha por companheiro um maltrapilho
como eu.

Achegou a si o vestido para não roçar pêlos meus esfarrapados calções, e
apesar de irritada contra o cocheiro, preferio encostar-se a elle para
evitar o menor contacto comigo.

Na primeira muda, eu quiz ver se derretia aquelle gêlo, se quebrava
aquella malquerença que me affligia, e tendo encontrado uns frascos de
amendoas cobertas, comprei pressuroso um, pensando, na minha
inexperiencia em assumptos feminis, que uma dama joven e formosa devia
gostar de dôce, e ser vencida com bôlos.

Ao dirigir-me ao carro, eu ja via aquella ruga formada entre os
sobrolhos desfazer-se, ja via aquelles labios pregados em gesto irado
entreabrirem-se em sorriso benevolente, ja via um principio de
conversação; e foi com a maior confiança que lhe estendi o meu talisman,
o frasco dos confeitos. A joven dama, sem mesmo me dar a confiança de
olhar para mim, disse-me sêcamente, "Não tenho a honra de o conhecer."
N'um ataque repentino de despeito, atirei com o frasco fora, e elle foi
partir-se sôbre uma rocha, entornando as espheras coloridas que roláram
em todas as direcções.

Estavam abertas as hostilidades entre nós.

Á hora de jantar parámos em Sunday's River, onde me déram um magnìfico
serviço por dois xelins e meio.

A dama e o tenente de cavallos ligeiros, á mêsa, muito unidos
lançavam-me olhares furiosos, e de certo me rogavam tantas pragas
quantas as que cahíram sôbre o Egypto com a sua obra de destruição.

Ao subir para o carro, ignorando quem eu era, e avaliando-me so pêlos
meus andrajos e pêla minha barba desgrenhada, a joven Ingleza disse ao
filho de marte, "que a gente ordinaria ja se dava uns taes ares que
irritavam." Isto encheu-me as medidas, e eu prometti vingar-me logo que
a occasião se apresentasse.

Não tardou ella em apparecer.

N'essa noute chegámos, ás 7 horas, a Ladysmith, onde devìamos pernoitar.

A villa estava cheia de gente, e transportávam-se ali os feridos e os
doentes.

Não havia uma cama, não havia um canto onde nos mettermos.

Em uma hospedaria encontrámos quasi vazia a sala de visitas, e digo
quasi vazia, porque so la estava estabelecido um cabo de esquadra, que,
deitado no sofá, não fez muito caso do tenente de voluntarios.

A dama sentou-se em uma cadeira e o tenente sahio.

Eu travei conversa com o cabo de esquadra, e offereci-lhe de beber. A
perspectiva de uma bôa garrafa de vinho fez mais effeito no marcial
guerreiro do que os confeitos tinham feito na loura Ingleza, e o meu
homem sentou-se e travou logo conhecimento comigo.

Eu sentei-me ao lado d'elle no sofá, promettendo a mim mesmo ja não
sahir d'ali. Depois propuz ao soldado ir elle buscar a garrafa de vinho,
para o que lhe dei meia-libra.

O homem sahio, e eu deitei-me no appetecido movel.

Pouco tempo depois voltava elle com a garrafa, dois copos e cinco xelins
de trôco. Estendeu-me o trôco, que eu, com um gesto de soberano desdem,
não aceitei e que elle fez desapparecer na profunda algibeira.

Eu bebi um copo, elle bebeu sete, quando me ia a levantar, fingindo que
lhe queria offerecer a sua conquistada propriedade, elle recusou-se
terminantemente a isso, e eu estendi-me commodamente, envolvendo os meus
pes n'um pelludo cobertor e preparando-me para dormir.

O cabo, meio embriagado, sahio da sala, e não sei o que foi feito
d'elle, porque não mais o vi.

Pouco depois, entrou o tenente, que disse á dama, não ter podido
encontrar melhor logar que aquelle para passarem a noute.

Olhou para mim e eu olhei para elle. O seu olhar parecia dizer-me,
"Tenha dó d'esta dama, cêda-lhe o sofá."

O meu respondia-lhe: "Sou homem muito ordinario para ter d'essas
delicadezas."

Resignados, chegáram as cadeiras uma para junto da outra e poséram-se a
conversar. Eu que pouco me importava de ouvir arrulhos de pombos, fechei
os olhos e dormi como um justo até as 3 horas, hora a que me viéram
chamar para partir.

Ás 6 chegàvamos a Colenso, onde passàvamos o rio Tuguela em um magnìfico
fluctuador, e ás 3 da tarde paràvamos na bonita aldea de Howick, onde
uma demora de duas horas me permittio ir ver a formosa cataracta que a
torna cèlebre.

Effectivamente, é uma das mais bellas paizagens que tenho contemplado,
aquella.

Partímos, e pouco depois eu fazia parar a diligencia, para falar á minha
gente, que encontrei nos vagons em que tinham sahido de Pretoria, e que
rodavam pesadamente no caminho de Durban.

Informado de que estavam tôdos bons e que sobejavam os vìveres, segui,
dando-lhe um ponto de reunião em Maritzburg.

Eram dez da noute quando chegava á capital da Natalia e me ia
estabelecer no _Royal Hotel_, o melhor da terra, em um soffrivel quarto.

No dia seguinte, passáram os vagons com as minhas bagagens e os meus
prêtos, com quem falei e a quem prometti esperar em Durban.

Depois d'isto, fui procurar Madame Saunders, a espôsa do meu amigo
Capitão Saunders, para quem era portadôr de cartas de seu marido.

Em casa d'ella fiquei encantado com uma criança, a filha de Saunders, em
que elle muitas vêzes me tinha falado e que era encantadôra.

Quando sahi de casa d'ella ja èramos amigos, e eu promettia á pequena
Didi de voltar a Maritzburg, se não encontrasse logo um transporte para
a Europa em Durban.

No dia 19 de Março, depois de ter feito uma jornada de 23 milhas em um
ligeiro dog-cart, tomava a ferrovia, e corria sôbre os rails puidos em
direcção a Durban.

¡Que impressão profunda me não causou o ouvir o sibilar da locomotiva!

Os postes telegràphicos, armados de pára-raios, como o sam ali casas e
construcções quaesquer, faziam-me outra vez lembrar da civilização da
Europa, do progresso do nosso sèculo, da grande evolução da humanidade,
e mil idéas confusas se me baralhavam no cèrebro, quando ás 6 horas
chegava a Durban.

Corri sem parar até onde podesse ver o mar, e foi com làgrimas a marejar
nos olhos, que fiquei extàtico diante d'essa mole immensa de àguas
azuladas que se confundiam ao longe, para este, com o azul dos ceos.

N'êsse momento não pude deixar de dizer a mim mesmo, com certo orgulho:
"Atravessei a Àfrica, este é o mar Ìndico."

Voltei á realidade depois de alguns minutos de abstracção, e percebi que
devia ir procurar um hotel.

Eu ja sabia, que em tôdas as cidades da Àfrica Ingleza ha sempre um
_Royal Hotel_, e pedi que m'o indicassem.

Depois de vàrias consultas entre o estalejadeiro e sua espôsa, foi
decidido que me dariam um quarto no fundo de um pàteo. Tomei posse
d'elle, e quando estava a fazer o meu _toilette_ para o jantar, viéram
dizer-me, que me procurava o General.

Eu ja por vêzes tinha ouvido falar no general, quando o meu hospedeiro
combinava com a mulhér sôbre que quarto me daria, e percebi então, que o
general occupava uma grande parte do Hotel, e que era preciso não o
incommodar.

Recebi o general, que era um homem ainda nôvo e sympàthico, e me disse,
que tendo sabido da minha chegada, me vinha convidar a jantar.

Era elle o General Strickland, commissario em chefe do exèrcito Inglez.

Fui jantar á sua sala particular, onde conheci á mêsa um exército de
_reporters_, enviados por os jornaes Inglezes, Francezes e Americanos,
para darem noticias da guerra. Foi ali que conheci alguns d'esses
homens, que, simples correspondentes de jornaes, t[~e]m sabido fazer
conhecer o seu nome no mundo inteiro; foi ali que conheci os S^{nrs.}
Forbes, Francis-Francis e outros, que se t[~e]m immortalizado como o seu
collega Stanley, que, antes de ser o primeiro dos exploradores
Africanos, foi o primeiro dos _reporters_ Americanos.

O general Strickland dispensou-me as maiores attenções e finezas, e fui
seu conviva em quanto estive em Durban.

No dia seguinte, fui procurar o Consul Portuguez, M^{r.} Snell, que têve
para comigo muitas attenções, arranjando-me logo local, em sua propria
casa, onde eu podesse accommodar os meus prêtos e as minhas bagagens.

Contudo, de casa do Consul Portuguez sahi muito triste, por uma noticia
que elle me deu.

O paquête para a Europa tinha partido n'esse dia!

Era um mez! era um mez que eu tinha de esperar n'aquella terra, onde
nada me prendia; era um mez que eu tinha a esperar mais para poder
abraçar os meus, para poder ver o meu Portugal.

Resignei-me, e no dia immediato pude assistir á chegada dos meus prêtos,
das minhas bagagens, do meu papagaio e da minha cabrinha.

Installei-os em casa do Consul Portuguez, M^{r.} Snell, que continuou a
dispensar-me os maiores favôres.

Depois d'isto comecei a esperar que passasse um mez!

Os meus trabalhos, sempre em dia, não me deixavam ao menos o recurso de
trabalhar.

Nos primeiros dias encontrei em que passar as manhãs sem sahir de casa.

A casa de banho do Royal Hotel era do outro lado da rua, e os hòspedes
tinham de fazer uma caminhada para irem a ella. O Hotel estava cheio de
officiaes, que chegavam tôdos os dias de Inglaterra. Logo de manhã
começava uma procissão, entre a casa de banho e o hotel, de homens de
tôdas as idades e feitios, em trages muito ligeiros, levando cada um uma
toalha e uma esponja enorme. Divertio-me aquella scena burlêsca por dois
dias, mas aquillo durava apenas uma hora de manhã, e eu não sabia que
fazer no resto do dia.

Comecei a aborrecer-me muito, e acirrado pêla contrariedade que me
causava a demora, comecei a soffrer.

Sentia em mim um vazio enorme. Habituado a um trabalho de ferro, a uma
vida tão activa, a uma tensão de espìrito constante, á idéa de alcançar
um fim, tinha chegado á meta, e sentia uma falta que não podia superar.

Adoeci, e pêla primeira vez na minha vida tive mêdo de morrer.

A guerra preoccupava tôdos os espìritos, e no meio d'aquelle mundo em
que vivia não tinha uma so affeição.

Um dia, no leito onde me tinha prostrado a doença, e onde nem uma
amizade me vinha trazer uma palavra de confôrto, tinha so na idéa a
saudade de uma espôsa adorada e de uma filha estremecida, quando me veio
á lembrança essa criança que eu tinha visto em Maritzburg e que tanta
impressão me tinha feito--a filha do Capitão Allan Saunders.

Em miseravel estado de saude, sahi de casa, tomei o caminho de ferro, e
segui para a capital da Natalia.

Logo que me estabeleci no Royal Hotel, parti para casa de Madame
Saunders.

Fui recebido com a maior affabilidade por aquella dama, e com muitos
beijos pêla pequena Didi, que eu levei a jantar comigo ao hotel.

Eu ja tinha dinheiro meu, que me tinha sido emprestado sôbre a minha
assignatura particular, e ja comprara um vestuario decente.

Uma boneca e uma caixa de amèndoas fizéram de Didi minha amiga ìntima, e
sôbre tudo uma tartaruga enorme que me déram no hotel e que eu lhe dei,
tornara aquella amizade em verdadeira paixão.

Outro motivo não era de certo estranho ao amor d'aquella criança.

Madama Saunders, para me ser agradavel, deixàva-me a sua filha ja em sua
casa, ja na minha, e Didi encontrava n'esta liberdade o meio de nunca ir
á mestra. Esta consideração devia pesar tanto como a tartaruga e a
boneca, na sua affeição por mim.

Ao mesmo tempo, M^{r.} e Madama Furze, o Coronel Mitchell, o Coronel
Baker, o Capitão Whalley e outros, faziam-me encontrar n'elles
verdadeiros amigos, que me enchiam de favôres; mas Didi, aquella linda
criança de nove annos, preenchia um vàcuo na minha existencia de então,
com as suas meiguices, e ás vêzes com os seus amuos e perrices.

Sem esta criança, eu teria talvez succumbido ao tèdio que me ganhou e
que me prostou ao comêço em perigosa doença.

Pietermaritzburg é uma bonita cidade, tem magnìficas casas e sobêrbos
templos, em um dos quaes ouvi por vêzes a palavra eloquente, arrebatada
e cheia de fôgo, do sabio Bispo Colenso.

Ha ali formosos jardins e mimosissimas flôres, sendo as damas de Natal
muito dadas á floricultura, e concorrendo muitas vêzes a certames nas
exposições locaes. Tem um magnìfico parque, onde á tarde circulam muitas
e brilhantes equipagens.

No tempo que ali passei, apresentava a cidade um aspecto desusado e um
movimento consideravel, consequencias da guerra dos Zulos. Os hotéis
estavam cheios de militares, os quartéis regorgitavam de soldados, e
muitos acampavam fora d'elles. No _Royal Hotel_, que diziam ser o
melhor, o serviço era mao, devido isso talvez ao excesso de hòspedes que
ali havia. Havia tambem, em geral, um grande abuso nos prêços de tudo, e
isso era consequencia de o govêrno pagar sem regatear.

O estabelecimento Cathòlico de Maritzburg é muito importante, e tido com
a maior ordem, goza de grande crèdito na colonia.

O Consul Portuguez, M^{r.} Snell, escreveu-me, que tinha chegado o
paquête 'Danúbio', da _Union Steamship Company_, que devia seguir para
Moçambique e Zanzibar no dia 19 de Abril.

Parti, por isso, de Pietermaritzburg a 14, depois de ter feito saudosas
despedidas aos amigos que ali deixava.

Dirigi-me ao _Royal Hotel_, e não pude obter um quarto. Então M^{r.}
Snell tratou de me arranjar alojamento, e pôde obter um quarto de banho
no Club de Durban, onde me fizéram uma cama no chão.

Os officiaes que chegavam, cada dia, não tendo onde se metter, armavam
barracas de campanha nos pàteos e nas ruas em volta dos hotéis e do
Club.

Por o mesmo paquête em que eu devia partir para o Norte tinha chegado o
infeliz prìncipe Napoleão, que tão caro devia pagar a sua ousadia e
coragem. Conheci-o, e não pude deixar de me afeiçoar, no curto convìvio
que tivémos, a esse joven sympàthico, intelligente e illustrado, a quem
uma morte ingloria e estùpida cortou tão prematuramente uma existencia
brilhante.

Quantas vêzes eu lhe repeti o meu principio fundamental da vida
Africana, "de desconfiar em Àfrica de tôdos e de tudo, até que provas
irrefutaveis não nos fizessem confiar em alguem ou em alguma cousa."

A sua natureza ardente, a inexperiencia dos seus poucos annos, a sua
coragem leonina, e esse descuido peculiar á juventude cheia de illusões
e crenças, causáram a sua perda. Só quem o não conheceu o não lastimará;
que n'elle havia o germem de um grande homem, havia uma attracção
indefinivel para captar tôdos os corações.

Estranho á polìtica da França, n'estas poucas linhas lavro um testemunho
de saudade ao mancêbo desterrado que foi meu amigo, e não ao prìncipe
que representava um principio, e faço-o tanto mais desassombradamente,
que vi os seus proprios adversarios lastimarem aquella grande
catàstrophe.

Nas vèsperas da partida, travei relações com M^{r.} e Madame Du Val, e
recebi d'elles muitos favôres, e finalmente, a 19 de Abril, embarcava
com os meus prêtos e as minhas bagagens n'um pequeno vapor que me devia
conduzir ao _Danubio_, ancorado fora, porque em Durban ha apenas uma
pequena enseada, fundeando os grandes vapôres na costa limpa.

O mar estava um pouco picado e custou a atracar ao _Danubio_.

M^{r.} e Madame Du Val iam comigo, porque M^{r.} Du Val, chefe da
Companhia Hollandeza em Àfrica Oriental, ia passar em revista as
feitorias de Moçambique.

A passagem das bagagens do pequeno vapor para o _Danubio_ foi difficil,
pêlo mao estado do mar, e uma das minhas caixas cahio, sendo esmagada e
desfeita entre os dois vapôres.

Caixa e conteúdo fôram ao mar, mas o Commandante Draper fez arrear logo
um escalér, e pôde conseguir salvar algumas das cousas que ella continha
e que fluctuavam, outras afundáram e estavam irremediavelmente perdidas.

Deixámos Durban, e não foi sem uma sensação de infinito prazer que eu
senti o espadanar das àguas em tôrno do èlice poderoso, que a cada
rotação me impellia no caminho da Patria.

Em Lourenço Marques foi pouco o tempo para receber favôres, e a maior
parte d'elle foi passada com o meu velho amigo Augusto de Castilho, e
com os meus amigos Machado, Maia e Fonceca.

A bordo, o Commandante Draper não cessava de me obsequiar.

Cheguei finalmente a Moçambique, onde fui encontrar tôdas as autoridades
na cama. O Governador Cunha, o seu secretario e os seus ajudantes,
estavam abrasados em febre.

Fui logo visitar o Governador, ao seu quarto de cama, e apesar do seu
melindroso estado de saude e do cuidado que lhe dava o estado de sua
espôsa, prostrada pêla febre tambem, Sua Excellencia deu as mais
terminantes ordens para facilitar o meu regresso á Patria com a gente
que me acompanhava, fazendo-me os mais subidos favôres.

Fui d'ali procurar um velho amigo da guerra da Zambezia, o Coronel
Torrezão, em cuja casa me hospedei, com os meus amigos Du Val.

Dois dias depois, partia para Zanzibar, onde esperava encontrar Stanley,
mas com o qual me desencontrei, tendo partido na vèspera da minha
chegada.

O D^{or.} Kirk, Consul Inglez em Zanzibar, deu-me um jantar, e subidos
fôram os favôres que recebi d'elle e de sua espôsa.

Tôdos os Europêos porfiavam em me obsequiar, distinguindo-se os
officiaes da guarnição do _London_.

O Commandante Draper, logo que soube que o vapor de Aden só partiria
dentro de oito dias, não consentio que eu fôsse para terra, dizendo-me
(com razão) que as hospedarias ali eram pèssimas, e por isso fiquei
vivendo a bôrdo, sempre com um escalér ás minhas ordens.

Travei ali relações com um joven Suisso, T. Widmar, que devia ser meu
companheiro de viagem para a Europa.

Depois de uma semana de demora, em que cada dia foi assignalado por
novos favôres de M^{r.} Du Val e do Commandante Draper, deixei Zanzibar
n'um pequeno vapôr, do _British India_, onde recebi muitos favôres do
seu Commandante Allen.

Em Aden, como a carreira do _British India_ tivesse uma demora de oito
dias, eu e Widmar tomámos passagem a bôrdo de um vapor da Lloyd
Austriaca que nos conduzio a Suez, seguindo d'ali no primeiro trem para
o Cairo.

Eu tinha adoecido gravemente, e foi Widmar o meu enfermeiro, tendo por
mim cuidados de um velho amigo.

Ainda convalescente, fui ás piràmides com elle. Eu tinha visto o Zaire e
o Zambeze; não queria voltar á Europa, sem saudar a velho Nilo; e do
alto do sarcòphago do rei Cheops, d'esse monstruoso monumento levantado
ha quatro mil annos pêlo orgulho dos Pharaós, eu vi-o correr plàcido e
sereno, banhando as ruinas da outrora sobêrba Memphis.

Pouco depois, deixava o Cairo, sobêrba e ardente, cidade de ouro e de
miseria, e ia em Alexandria fazer novos amigos e receber novos favôres.

O Conde e a Condêssa de Caprara acima de tôdos, fizéram-me taes
obsèquios, que mais pareciam amigos de annos do que conhecidos de dias.

O Consul geral de Portugal, o Conde de Zogueb, tambem me fez
offerecimentos na vèspera da minha partida, quando soube que o _Crédit
Lyonnais_ de Paris me tinha aberto um crèdito no Egypto, com dinheiro
meu, mandado de Lisboa pêlo meu amigo Luciano Cordeiro.

Esquècia-me dizer, que por um mal-entendido das ordens do govêrno de
Portugal, eu estive no Egypto sem dinheiro, gastando da bôlça de Widmar
e da do Conde de Caprara, e podendo gastar de outras muitas estranhas
que se me offereciam, e que não pensavam que eu fôsse um cavalheiro de
industria; porque não ignoravam que Portugal tivesse enviado á Àfrica a
expedição de 1877, e que d'essa expedição o Major Serpa Pinto voltava á
Europa pêlo mar Ìndico.

Segui de Alexandria para Nàpoles, e d'ali por terra para Bordeos, onde
fui altamente obsequiado pêlo nosso Consul, o Barão de Mendonça.

A 5 de Junho, deixava Pauillac, e a 9, em Lisboa, pisava a terra de
Portugal, no meio dos amigos mais dilectos que eu tantas vêzes pensei
não mais ver.

Na vèspera haviam chegado os meus prêtos, e o meu papagaio.

Estavam pois a salvo os trabalhos, e os restos de um dos ramos _da
expedição Portugueza ao interior da Àfrica Austral, em 1877_.



CONCLUSÃO.

Vou concluir o meu trabalho apresentando as minhas ùltimas observações
astronòmicas e meteorològicas, e ajuntando a ellas um vocabulario de
lìnguas Africanas, limitarme-hei a dizer poucas palavras mais.

O resultado das observações astronòmicas, calculadas por mim em Àfrica
durante a viagem, fôram recalculadas em Londres por M^{r.} S. S. Sugden,
e apresentando, como apresento, as observações iniciaes, podem ser ainda
reverificadas.

Em tôdos os pontos onde me demorei mais de um dia, tive o cuidado de
estudar as marchas dos chronòmetros, que, àlém d'isso, me eram reveladas
pelas comparações diàrias, e pelas observações dos eclipses e dos
reaparecimentos do primeiro satèlite de Jùpiter.

N'esta parte de minha viagem, tive uma sorprêsa que me tirou algumas
noutes de sono. Foi ella a da grande differença que encontrei na posição
de Shoshong (_Xoxom_) em longitude, e mesmo em latitude.

Homens distinctos e sôbre todos Ed. Mohr, passáram ali e determináram
aquella posição. Fiquei pois sorprendido, vendo que a minha determinação
importava uma differença de mais de 60 milhas!

Durante a minha estada em Shoshong, estudei cuidadosamente as marchas
dos chronòmetros, e conheci que se conservavam sem a menor alteração.
Continuando a viagem, o meu ùnico cuidado era chegar a ponto onde
podesse reverificar os chronòmetros por uma longitude conhecida.

Assim fiz, e as segundas observações que apresento no quadro fôram
calculadas dos estados dos chronòmetros, encontrados em Soul's Port e
Heidelberg.

O ùltimo reapparecimento que observei do 1^o satèlite de Jùpiter, na
noute de 13 de Decembro, e a verificação feita em Heidelberg, não me
deixam dùvida de que a minha posição deve ser muito pròxima da
verdadeira, em quanto á longitude; e em quanto á latitude, não tenho a
menor dùvida em a garantir a 30" de approximação.

Aqui, como ja fiz antecedentemente, apresento as observações iniciaes
hypsomètricas para a determinação do relêvo do meu caminho.

Empreguei no càlculo d'ellas a temperatura constante de 23 graos para o
nivel do mar, por ser ella a mèdia das temperaturas sôb a pressão de 760
milimetros n'aquellas latitudes.

É minha opinião, que ali, não havendo occasião de fazèrem-se observações
simultàneas, deve ser aquella a temperatura empregada nos càlculos.

A fòrmula que empreguei para calcular as altitudes foi a seguinte, que é
perfeitamente empìrica:

     A = (100 - H)(284.95 + 3.1 {A/1000}).

Esta fòrmula não é mais do que a antiga fòrmula de Laplace, em que se
não leva em conta a constante 18,382 = 18,336 (1 + {1/400}) que diz
respeito á diminuição do mercurio na vertical produzida pêlo pêso, uma
vez que nos hypsòmetros se não dá essa circunstancia.

Assim, pois, as tabuas que empreguei, sam construidas da formula:

     A = 18,382 log {760/B} + {1/6,366,200} (18,382 log {760/B})^2,

e cujos nùmeros obtidos sam reduzidos de 1/400, e da tàbua das tenções
do vapor construida por M^{r.} Regnault.

Quem dér uma certa attenção ás observações meteorològicas que publico,
verá que as alterações atmosphèricas n'esta parte de Àfrica, influem
pouco ou nada na pressão, que se conserva a mesma no meio das mudanças e
variações mais sùbitas.

Assim, pois, os resultados das observações hypsomètricas apresentam uma
certa garantia de approximação.

As localidades a que se referem as observações meteorològicas não estam
designadas, mas facil é encontral-as, porque, pêlo diario e pêlo quadro
das observações astronòmicas, sàbe-se onde eu estava nos dias
designados.

Quiz juntar a este trabalho uma collecção de têrmos das lìnguas Hambundo
e Ganguela, faladas de Benguella ao Zambeze, e fui á obra de Gamito
buscar os termos correspondentes em uma outra lìngua falada nas mesmas
latitudes na costa de Este, para que se podesse fazer uma comparação
entre ellas, e effectivamente encontramos ali muitos termos communs.

Esta parte da minha viagem do Zambeze ao Transvaal, não apresenta aos
geògraphos o mêsmo interesse da parte de Benguella ao Zambeze, porque
àlém do caminho de Deica a Shoshong, é ella mais ou menos conhecida.
Assim, pois, não me deterei aqui a acrescentar ao que ja disse nada
mais, àlém de duas palavras a respeito d'êsse traço de Deica a Shoshong,
e sôbre tudo da região dos lagos salgados; e isto porque ja vi a
asserção de um explorador eminente, de que o Grande Macaricari derivava
àguas para a costa de Este pêlo Xua (_Shua_) e Nata.

Não posso, nem dêvo, admittir tal hypòthese.

A poucas milhas de distancia, o Xua e Nata apresentam um desnivelamento
de 24 metros, e bastava que a àgua subisse no Macaricari metade d'esta
altura para alagar o deserto tôdo.

Àlém d'isso, verifiquei, que o terreno se eleva muito para leste do
Macaricari, e que tôdos os rios que descem ao lago apresentam
desnivelamento grande.

A primeira àgua que encontrei correndo a este foi a que nasce na altura
de Linocanin, cujas vertentes oeste deitam àgua a oeste no Deserto.

Assim, pois, instrumentos na mão, e càlculos á vista, rejeito a idéa de
que, do Grande Macaricari transbordem àguas para o mar Ìndico; e que me
perdôe o meu illustre colega se o contradigo, e se não posso deixar de
sustentar a minha opinião estribada em observações e càlculos que não
falham. Perdoe-me, e se ha n'isto a menor teimosia, é ella da
matemàtica, que tem ás vêzes as suas brutalidades.

Lembrei-me de juntar ao livro três facsìmiles, de pàginas do meu diario,
dos meus livros de càlculos, e do meu albo de cartas, para mostrar os
originaes dos meus trabalhos Africanos, e com isto concluo a relação
d'êsses trabalhos, que eu devia ao meu paiz e ao pùblico em geral.

[Três Facsìmiles, de pàginas do Diario, dos Livros de Càlculos, e do
Albo de Cartas]



*Observações Astronòmicas feitas da Confluencia do rio Cuando ao
Transvaal*.

 +--------------+---------------------------+---------------+-------------+
 |   Anno de    |       Logares onde        |   Hora dos    | Estado para |
 |    1878.     |         observei.         | Chronòmetros. |  Greenwich. |
 +--------------+---------------------------+---------------+-------------+
 |              |                           |   H.  M.  S.  |  H.  M.  S. |
a|Outubro    22 | Embarira                  |    0   7   0  |+  4   3  49 |
b|   "        " |    "                      |    3  16  36  |+  4   3  49 |
c|   "        " |    "                      |      ---      |     ---     |
d|   "       25 | Lechuma                   |    9   2  36  |+  4   4  19 |
e|   "       28 |    "                      |    9  27  26  |+  4   4  50 |
f|   "        " |    "                      |    5  37  18  |     ---     |
g|Novem.      5 |    "                      |      ---      |     ---     |
h|   "        " |    "                      |    9  34  40  |+  4   6  11 |
i|   "        7 |    "                      |      ---      |     ---     |
j|Dezem.      6 | Tamafupa                  |    9  25   0  |-  1  45   0 |
l|   "       13 | No Deserto                |    6   5  50  |     ---     |
m|   "       14 | Margem do rio Nata        |    4   0  34  |+  4   9  46 |
n|   "       15 |    "         "            |   17   8   0  |-  1  48   0 |
o|   "       16 |    "         "            |    6  28   0  |-  1  48   0 |
p|     1879.    |                           |               |             |
q|Janeiro     1 | Shoshong                  |    6  30   0  |-  1  48   0 |
r|   "        2 |    "                  [A]{|    3  54  37  |+  4  13   0 |
s|   "        " |    "                     {|    3  54  44  |+  4  13   0 |
t|   "        " |    "                      |    7  16   0  |-  1  48   0 |
u|   "        7 |    "                  [B]{|    3  48  45  |+  4  12  18 |
v|   "        " |    "                     {|    3  50  10  |+  4  12  18 |
x|   "       23 | Confluencia do Ntuani     |    9  10  58  |+  4  16  15 |
z|   "        " |    "         "            |    9  15  35  |+  4  16  15 |
0|   "        " |    "         "            |    9  14  25  |+  4  16  15 |
1|   "        " |    "         "            |      ---      |     ---     |
2|   "        26| Limpopo (Adicul) noite    |      ---      |     ---     |
 |              |  dos leões                |               |             |
3|   "        " |    "         "            |    4   7  59  |+  4  16  41 |
4|   "        " |    "         "            |    4  11  19  |+  4  16  41 |
5|Fevereiro   1 | Cornocopia                |    0  25  46  |+  4  17  37 |
6|   "        " |    "                      |    0  22  32  |+  4  17  37 |
7|   "        4 | Soul's Port               |      ---      |     ---     |
8|   "        5 |    "                      |    9   1  32  |     ---     |
9|   "        " |    "                      |    9   2  17  |     ---     |
A|Março      10 | Heidelberg                |      ---      |     ---     |
B|   "        " |    "                      |    3  57  49  |     ---     |
 +--------------+---------------------------+---------------+-------------+


*Legenda*:

[A] Estado para esta longitude foi calculado pelas marchas anteriores, e
é referido á observação do reapparecimento do 1^o satèlite de Jùpiter a
13 de Dezembro.

[B] Estado para esta longitude foi calculado pelas marchas posteriores,
e é referido á longitude de Heidelberg.


 +---------------+---------+--------+--------+------+---+-----------------+
 |   Natureza    |  Dupla  |        |        |      |   |                 |
 |      da       |altura do|  [A]   |  [B]   | [C]  |[D]|   Resultados.   |
 |  Observação   |  astro. |        |        |      |   |                 |
 +---------------+---------+--------+--------+------+---+-----------------+
 |               |  °  '  "| °  '  "|H. M. S.|  '  "|   |          °  '   |
a|Amplitude Mag. |   ---   |17 49  0|   --   |  --  |---|Variação 20 39 O.|
 | 2° 5'         |         |        |        |      |   |                 |
b|Chron. [*-]    | 99 45 10|17 49  0|   --   |- 0 50| 1 |Long.    25 23 E.|
c|Alt.Mer. [+]   |115 17  0|  ---   |   --   |- 1  0| 1 |Lat.     17 49 S.|
 | Markal ([a] do|         |        |        |      |   |                 |
 | Pegaso)       |         |        |        |      |   |                 |
d|Chron. [*-]    | 89 54 40|17 56  0|   --   |- 0 30| 3 |Long.    25 25 E.|
e|   "           | 78 13 30|17 56  0|   --   |   "  | 3 |  "      25 25 E.|
f|Reap. do 1^o   |   ---   |  ---   |   --   |  --  |---|Estado           |
 | satèlite de   |         |        |        |      |   |  4^h. 4^m. 50^s.|
 | Jùpiter       |         |        |        |      |   |                 |
g|Alt. Mer. [-)] |140 22  0|  ---   | 1 45  0|- 1  0| 1 |Lat.     17°56'S.|
h|Chron. [*-]    | 75  7 23|17 56  0|   --   |- 0 40| 3 |Long.    25 24 E.|
i|Alt. Mer. [*-] |118 55  0|  ---   | 1 45  0|+ 1  0| 1 |Lat.     17 57 S.|
j|   "           |101  0  2|  ---   | 1 45  0|+ 6  0| 1 |  "      19 19 S.|
l|Reap. do 1^o   |   ---   |  ---   |   --   |  --  |---|Estado           |
 | sat. de Jùp.  |         |        |        |      |   |  4^h. 9^m. 40^s.|
m|Chron. [*-]    |125  7 10|20 10  0|   --   |+ 1 30| 3 |Long.    27° 0'E.|
n|Alt. Mer. [-)] |   ---   |  ---   |   --   |+ 2 30| 1 |Lat.     20 10 S.|
o|Amplitude Mag. |   ---   |20 10  0|   --   |  --  | 1 |Variação 21 14 O.|
 | 3° 45'        |         |        |        |      |   |                 |
p|               |         |        |        |      |   |                 |
q|Alt. Mer. [-)] |105 55 30|  ---   |   --   |- 0 45| 1 |Lat.     23  1 S.|
r|Chron. [*-]    |121  2 53|23  1  0|   --   |   "  | 3 |Long.    27 24 E.|
s|   "           |121 33 40|23  1  0|   --   |   "  | 3 |  "      27 20 E.|
t|Alt. Mer. [-)] | 96 49 30|  ---   |   --   |   "  | 1 |Lat.     23  1 S.|
u|Chron. [*-]    |117 31 26|  ---   |   --   |   "  | 3 |Long.    27 19 E.|
v|   "           |118 30 33|  ---   |   --   |   "  | 3 |  "      27 20 E.|
x|   "           | 91 33 33|23 42  6|   --   |- 0 30| 3 |  "      27 39 E.|
z|   "           | 90 58 13|23 42  0|   --   |   "  | 3 |  "      27 39 E.|
0|   "           | 91 30 40|23 42  0|   --   |   "  | 1 |  "      27 39 E.|
1|Alt. Mer. [+]  |122 10  0|  ---   | 1 50  0|   "  | 1 |Lat.     23 42 S.|
 | Canopus ([a]  |         |        |        |      |   |                 |
 | do Argus)     |         |        |        |      |   |                 |
2|Alt. Mer. [+]  |122 59 40|  ---   | 1 50  0|- 0 50| 1 |  "      24  6 S.|
 | Canopus       |         |        |        |      |   |                 |
3|[+] Aldebaran  | 77 42 10|24  6  0|   --   |   "  | 1 |Long.    27 32 E.|
 | ([a] do Touro)|         |        |        |      |   |                 |
4|[+] Aldebaran  | 76 40 50|24  6  0|   --   |   "  | 1 |  "      27 32 E.|
5|Chron. [-)]    | 74 22 40|24 38  0|   --   |   "  | 1 |  "      27 38 E.|
6|   "           | 73 57 33|24 38  0|   --   |   "  | 3 |  "      27 37 E.|
7|Alt. Mer. [)-] | 80  4 10|  ---   | 1 51  0|- 0 40| 1 |Lat.     25 10 S.|
8|Chron. [*-]    | 95  6 10|  ---   | 1 51 12|   "  | 3 |Estado           |
 |               |         |        |        |      |   | 4^h. 18^m. 14^s.|
9|   "           | 94 45 17|  ---   | 1 51 12|   "  | 3 | 4    18    14   |
A|Alt. Mer. [*-] |134 47 30|  ---   | 1 56  0|+ 1 65| 1 |Lat.     26°29'S.|
B|Chron. [*-]    |109 13 20|  ---   | 1 56  0|+ 2 30| 3 |Estado           |
 |               |         |        |        |      |   | 4^h. 23^m. 16^s.|
 +---------------+---------+--------+--------+------+---+-----------------+

*Legenda*:
[A] Latitude Sul.
[B] Longitude em tempo.
[C] Erro do instrumento.
[D] N^o. de Obs.

[*-] símbolo do sol por cima da barra
[)-] símbolo da lua por cima da barra
[-)] símbolo da lua por baixo da barra
[+] símbolo de estrela
[a] Letra grega "Alpha"



*Quadro das Observações Hypsomètricas feitas de Lexuma a Heidelberg,
para determinar o relêvo do caminho seguido pelo Major Serpa Pinto*.

------------------------------+-------+-------+-----+-------+-------
                              |       |       |     |       |
  Nome dos Logares.           |  [A]  |  [B]  | [C] |  [D]  |  [E]
                              |       |       |     |       |
------------------------------+-------+-------+-----+-------+-------
                              |       |       |     |       |
 Lexuma                       | 674.6 |  32.2 |  23 | 96.70 | 1,053
                              |       |       |     |       |
 Deica                        |   "   |  27.0 |  "  | 96.55 | 1,092
                              |       |       |     |       |
 Nata (ponto determinado)     | 684.3 |  31.0 |  "  | 97.08 |   929
                              |       |       |     |       |
 Xua (curso inferior do Nata) | 685.5 |  28.0 |  "  | 97.14 |   905
                              |       |       |     |       |
 Linocanin                    | 674.5 |  22.0 |  "  | 96.70 | 1,034
                              |       |       |     |       |
 Morrolana                    | 678.5 |  27.0 |  "  | 96.86 |   993
                              |       |       |     |       |
 Luale                        | 664.5 |  25.0 |  "  | 96.29 | 1,171
                              |       |       |     |       |
 Cane                         | 664.4 |  25.5 |  "  | 96.29 | 1,171
                              |       |       |     |       |
 Shoshong                     | 669.7 |  24.7 |  "  | 96.50 | 1,107
                              |       |       |     |       |
 Confluencia do Ntuani        | 691.0 |  26.2 |  "  | 97.38 |   837
                              |       |       |     |       |
 Cornocopia                   | 678.5 |  27.0 |  "  | 96.86 |   993
                              |       |       |     |       |
 Soul's Port                  | 671.5 |  26.8 |  "  | 96.57 | 1,092
                              |       |       |     |       |
                              |{Differença de pressão para }|
 Alto do Piland's berg        |{Soul's Port 26 milimetros  }| 1,378
                              |{ou 285 metros              }|
                              |       |       |     |       |
 Pretoria                     | 654.5 |  26.0 |  "  | 95.87 | 1,310
                              |       |       |     |       |
 Heidelberg                   | 639.0 |  18.6 |  "  | 95.22 | 1,495
                              |       |       |     |       |
 Jeanette Peak (Zuikerbosch)  | 608.0 |  16.0 |  "  | 93.89 | 1,911
                              |       |       |     |       |
------------------------------+-------+-------+-----+-------+-------

*Legenda*:
[A] Baròmetro.
[B] Thermòmetro.
[C] Temperatura ao niv. do mar.
[D] Hypsòmetro.
[E] Altitude em metros.



*Quadro das Observações Meteorològicas feitas a 0^h. 43^m. de Greenwich,
do Zambeze ao Transvaal. Annos de 1878, 1879*.

---------+----+-----+-----------+---------------+--------------------------
         |    |     |Thermòmetro|               |
   Mez.  |Dia.| [A] |centìgrado.|  Direcção do  |  Estado da
         |    |     |-----+-----|  vento.       |  atmosphera.
         |    |     | [B] | [C] |               |
---------+----+-----+-----+-----+---------------+--------------------------
Out. 1878| 24 |663.4| 38.5| 27.4| E.S.E.        | Nublado.
    "    | 25 |663.0| 39.1| 27.6|    "          |    "     (cumulus).
    "    | 26 |664.1| 33.4| 28.3| E. forte.     |    "
    "    | 27 |664.4| 34.0| 28.1| Calma.        |    "
    "    | 28 |662.3| 39.4| 27.3| E.S.E. forte  |    "
Novembro |  2 |664.4| 31.1| 22.7| E. fraco      |    "
    "    |  3 |664.9| 33.2| 24.3| Calma.        |    "
    "    |  4 |665.1| 30.5| 24.1| E. fraco      |    "
    "    |  5 |664.9| 30.1| 24.7| E.S.E.        |    "
    "    |  6 |666.2| 27.0| 20.7|    "          | Algumas nuvens.
    "    |  7 |663.5| 35.4| 21.4|    "          |    "      "
    "    |  8 |664.0| 34.6| 21.3|    "          |    "      "
    "    |  9 |663.8| 30.1| 25.2| E. forte.     | Nimbus, chuva e trovoada.
    "    | 10 |663.7| 30.4| 27.3|    "          |    "      "        "
    "    | 11 |664.1| 31.5| 26.7| E. fraco.     | Nublado.
    "    | 12 |664.3| 33.1| 25.4| E. forte.     |    "
    "    | 13 |663.8| 31.7| 26.3|    "          | Chuva moderada.
    "    | 20 |681.1| 27.5| 27.0| E.N.E.        |    "  forte.
    "    | 21 |682.0| 27.0| 25.3| E. forte      | Nublado.
    "    | 28 |666.3| 30.4| 23.7| E.N.E.        | Chuva moderada.
    "    | 29 |664.5| 29.7| 24.6| E. forte      |    "      "
    "    | 30 |664.9| 29.5| 24.7|    "          |    "      "
Dezembro |  1 |663.5| 29.8| 24.3| E. fraco      | Nublado.
    "    |  2 |663.2| 31.4| 26.2| Calma.        |    "
    "    |  3 |663.7| 31.1| 22.3| E. fraco      | Ceo limpo.
    "    |  4 |664.8| 33.2| 23.7|    "          |    "
    "    |  5 |667.9| 27.9| 21.4| E.S.E.        | Alguns nuvens.
    "    |  6 |667.1| 31.4| 22.7| Calma         |    "      "
    "    |  7 |668.9| 33.5| 24.2| E. fraco.     |    "      "
    "    |  8 |669.3| 32.4| 25.7|    "          |    "      "
    "    | 10 |670.4| 31.9| 27.4| E. forte.     | Ceo limpo.
    "    | 11 |670.2| 33.7| 27.3|    "          |    "
    "    | 12 |672.7| 31.4| 26.7|    "          | Algumas nuvens.
    "    | 13 |677.1| 30.7| 26.4|    "          |    "      "    (cumulus).
    "    | 14 |677.3| 30.4| 24.3|    "          |    "      "
    "    | 15 |677.4| 30.7| 23.5|    "          |    "      "
    "    | 16 |677.0| 33.9| 26.4|    "          |    "      "
    "    | 17 |677.2| 31.1| 27.2|    "          |    "      "
    "    | 18 |677.0| 30.4| 22.3|    "          |    "      "
    "    | 19 |675.7| 27.9| 23.2|    "          |    "      "
    "    | 20 |676.5| 24.3| 21.1|    "          | Chuva torrencial e grande
         |    |     |     |     |               |   trovoada.
    "    | 21 | --- | --- | --- |      ---      | Chuva torrencial.
    "    | 22 |665.5| 22.0| 22.0| E. fraco      |    "      "
    "    | 23 |664.3| 21.0| 20.7|    "          |    "      "
    "    | 24 |664.1| 20.4| 20.4| E. forte      |    "      "
    "    | 25 |670.4| 30.5| 28.3|    "          | Nublado.
    "    | 26 |658.0| 27.8| 24.3|    "          | Ceo limpo.
    "    | 27 |657.3| 28.5| 24.9| E. fraco      | Nublado.
    "    | 28 |657.2| 28.8| 25.3| Calma         |    "
    "    | 29 |656.9| 29.3| 26.5| E.S.E.        |    "
    "    | 30 |657.1| 27.4| 24.3|    "          |    "
Jan. 1879|  1 |657.3| 26.7| 24.3| N.E.          |    "
    "    |  2 |658.7| 25.4| 23.1| N.E. forte.   |    "
    "    |  6 |664.5| 24.8| 22.7|    "          |    "
    "    |  7 |663.0| 26.0| 19.8|    "          |    "     (cirrus).
    "    |  8 |659.0| 28.5| 20.6| Calma         |    "     (cumulus).
    "    |  9 |660.8| 22.3| 19.0| S.S.E. forte  | Chuva torrencial.
---------+----+-----+-----+-----+---------------+--------------------------

*Legenda*:
[A] Baròmetro.
[B] Seco.
[C] Molhado.



*Estudo das oscilações diurnas do Barometro, e do estado Hygromètrico da
Atmosphéra, feito de 3 em* 3 horas, em Lexhuma (alto Zambeze) no mez de
Novembro de 1878*.

+----+---------------+---------------+---------------+
|    |    6 horas.   |    9 horas.   |   Meio-dia.   |
|    +---------------+---------------+---------------+
|Dias|     |   [B]   |     |   [B]   |     |   [B]   |
|    | [A] |----+----| [A] |----+----| [A] |----+----|
|    |     |[C] |[D] |     |[C] |[D] |     |[C] |[D] |
+----+-----+----+----+-----+----+----+-----+----+----+
|  6 |666.0|24.2|22.9|670.0|24.1|21.7|668.0|28.0|20.3|
|  7 |666.5|20.6|19.4|668.0|24.7|21.4|666.2|32.1|21.7|
|  8 |667.0|20.4|17.4|667.5|27.6|19.6|666.0|31.7|21.6|
+----+-----+----+----+-----+----+----+-----+----+----+

+----+---------------+---------------+----------------------+
|    |    3 horas.   |    6 horas.   |                      |
|    +---------------+---------------+       Estado         |
|Dias|     |   [B]   |     |   [B]   |         da           |
|    | [A] |----+----| [A] |----+----|     Atmosphèra.      |
|    |     |[C] |[D] |     |[C] |[D] |                      |
+----+-----+----+----+-----+----+----+----------------------+
|  6 |666.6|27.0|19.7|666.3|24.2|19.1|Vento E.S.E. nublado. |
|  7 |663.0|37.8|23.1|665.0|27.0|22.0|     "        "       |
|  8 |664.2|36.9|24.2|666.1|26.3|22.2|                      |
+----+---------------+---------------+----------------------+

*Legenda*:
[A] Baròmetro.
[B] Thermòmetro.
[C] Seco.
[D] Molhado.



*Estudo das oscilações diurnas do Barometro e do estado Hygromètrico da
Atmosphéra, feito de 3 em 3 horas em Shoshong (Calaari) no mez de
Janeiro de 1879*.

+----+---------------+---------------+---------------+
|    |    6 horas.   |    9 horas.   |   Meio-dia.   |
|    +---------------+---------------+---------------+
|Dias|     |   [B]   |     |   [B]   |     |   [B]   |
|    | [A] |----+----| [A] |----+----| [A] |----+----|
|    |     |[C] |[D] |     |[C] |[D] |     |[C] |[D] |
+----+-----+----+----+-----+----+----+-----+----+----+
|  7 |665.0|20.0|18.6|665.0|22.1|18.9|664.0|24.7|20.3|
|  8 |662.0|19.7|17.3|662.0|25.0|19.8|660.5|27.6|20.8|
|  9 |662.0|20.1|19.3|663.0|19.0|17.6|662.0|23.8|21.7|
+----+-----+----+----+-----+----+----+-----+----+----+

+----+---------------+---------------+----------------------+
|    |    3 horas.   |    6 horas.   |                      |
|    +---------------+---------------+       Estado         |
|Dias|     |   [B]   |     |   [B]   |         da           |
|    | [A] |----+----| [A] |----+----|     Atmosphèra.      |
|    |     |[C] |[D] |     |[C] |[D] |                      |
+----+-----+----+----+-----+----+----+----------------------+
|  7 |662.0|27.6|19.8|660.0|25.4|19.2| {Nublado (cirrus),   |
|    |     |    |    |     |    |    | {  N.E. forte.       |
|    |     |    |    |     |    |    |                      |
|  8 |658.5|28.7|20.1|659.0|27.1|24.0| {Nublado (cumulus),  |
|    |     |    |    |     |    |    | {  calma.            |
|    |     |    |    |     |    |    |                      |
|  9 |660.0|23.0|19.3|661.3|23.0|19.8| {Vento S.S.E.;       |
|    |     |    |    |     |    |    | {  chuva torrencial. |
+----+-----+----+----+-----+----+----+----------------------+

*Legenda*:
[A] Baròmetro.
[B] Thermòmetro.
[C] Seco.
[D] Molhado.



*Boletim Meteorològico feito as 6 horas da manhã (hora media do logar),
Annos de 1878 e 1879*.

---------+----+-------+-----++---------+----+-------+------
         |    |       |     ||         |    |       |
   Mez.  |Dia.|  [A]  | [B] ||   Mez.  |Dia.|  [A]  | [B]
         |    |       |     ||         |    |       |
---------+----+-------+-----++---------+----+-------+------
Outubro  | 19 | 676.0 | 21.7||Dezembro | 25 | 672.0 | 17.4
   "     | 20 | 676.0 | 19.7||   "     | 26 | 658.0 | 18.4
   "     | 21 | 675.0 | 24.3||   "     | 27 | 658.0 | 18.6
   "     | 23 | 673.0 | 18.8||   "     | 28 | 657.5 | 21.1
   "     | 24 | 665.5 | 20.8||   "     | 29 | 658.0 | 21.8
   "     | 25 | 666.0 | 23.1||   "     | 30 | 658.0 | 18.3
   "     | 26 | 666.8 | 22.5||   "     | 31 | 658.0 | 21.8
   "     | 27 | 667.0 | 16.5||Janeiro  |  1 | 659.0 | 24.0
   "     | 28 | 665.3 | 21.7||   "     |  2 | 661.5 | 20.8
Novembro |  2 | 670.0 | 17.9||   "     |  3 | 660.0 | 20.6
   "     |  4 | 668.4 | 21.8||   "     |  6 | 667.0 | 19.8
   "     |  5 | 668.0 | 22.7||   "     |  7 | 665.0 | 20.0
   "     |  6 | 666.0 | 24.2||   "     |  8 | 662.0 | 19.7
   "     |  7 | 666.5 | 20.6||   "     |  9 | 662.0 | 20.1
   "     |  8 | 667.0 | 20.4||   "     | 10 | 661.2 | 19.1
   "     |  9 | 667.0 | 22.1||   "     | 11 | 661.5 | 18.6
   "     | 10 | 666.0 | 20.2||   "     | 12 | 661.5 | 20.4
   "     | 11 | 668.0 | 19.9||   "     | 13 | 662.0 | 20.2
   "     | 12 | 670.0 | 19.8||   "     | 14 | 664.0 | 20.7
   "     | 13 | 671.5 | 20.8||   "     | 15 | 668.0 | 18.9
   "     | 14 | 668.0 | 23.1||   "     | 16 | 667.0 | 21.1
   "     | 15 | 664.0 | 21.4||   "     | 17 | 680.1 | 20.4
   "     | 16 | 667.2 | 21.9||   "     | 18 | 680.0 | 21.2
   "     | 17 | 667.0 | 20.0||   "     | 19 | 681.6 | 20.7
   "     | 18 | 667.5 | 19.4||   "     | 20 | 684.0 | 22.2
   "     | 19 | 676.5 | 21.1||   "     | 21 | 687.0 | 17.2
   "     | 20 | 684.0 | 19.4||   "     | 22 | 688.0 | 14.2
   "     | 21 | 682.0 | 22.2||   "     | 23 | 688.0 | 15.2
   "     | 22 | 680.8 | 22.8||	 "     | 24 | 686.0 | 18.9
   "     | 23 | 674.5 | 20.8||   "     | 25 | 685.7 | 19.2
   "     | 24 | 668.5 | 21.3||	 "     | 26 | 688.0 | 17.7
   "     | 25 | 666.6 | 19.1||	 "     | 27 | 688.0 | 18.6
   "     | 26 | 668.8 | 22.8||	 "     | 28 | 682.0 | 18.4
   "     | 27 | 668.0 | 21.2||	 "     | 29 | 682.0 | 17.7
   "     | 28 | 669.0 | 18.2||	 "     | 30 | 679.0 | 18.4
   "     | 29 | 667.0 | 21.8||	 "     | 31 | 679.0 | 19.1
   "     | 30 | 666.5 | 20.1||Fevereiro|  1 | 676.0 | 19.4
Dezembro |  1 | 666.5 | 20.1||	  "    |  2 | 672.0 | 19.5
   "     |  2 | 666.5 | 20.0||	  "    |  3 | 664.0 | 16.7
   "     |  5 | 667.7 | 21.7||	  "    |  4 | 673.5 | 18.0
   "     |  6 | 671.3 | 18.6||	  "    |  5 | 665.0 | 17.8
   "     |  7 | 673.0 | 20.8||	  "    |  6 | 665.0 | 17.6
   "     |  8 | 672.0 | 21.4||	  "    |  7 | 662.0 | 18.4
   "     |  9 | 672.5 | 21.7||	  "    |  8 | 672.0 | 20.7
   "     | 10 | 672.0 | 21.6||	  "    |  9 | 672.0 | 19.3
   "     | 11 | 673.0 | 21.8||	  "    | 10 | 671.0 | 22.1
   "     | 12 | 672.0 | 21.9||	  "    | 11 | 666.0 | 17.2
   "     | 13 | 675.0 | 20.5||	  "    | 12 | 652.7 | 16.0
   "     | 14 | 679.6 | 18.9||	  "    | 13 | 648.5 | 18.6
   "     | 15 | 680.0 | 17.0||	  "    | 14 | 649.0 | 20.5
   "     | 16 | 678.0 | 14.3||	  "    | 15 | 648.0 | 18.0
   "     | 17 | 679.0 | 18.5||    "    | 16 | 645.0 | 17.8
   "     | 18 | 679.0 | 12.6||	  "    | 17 | 647.0 | 17.8
   "     | 19 | 676.6 | 21.7||	  "    | 18 | 648.0 | 16.1
   "     | 20 | 676.0 | 23.1||	  "    | 19 | 647.0 | 16.4
   "     | 21 | 679.8 | 21.8||	  "    | 20 | 647.0 | 18.4
   "     | 22 | 668.3 | 19.9||	  "    | 21 | 646.0 | 20.0
   "     | 23 | 667.0 | 22.2||	  "    | 22 | 645.0 | 19.2
   "     | 24 | 664.8 | 18.5||	  "    | 23 | 645.0 | 20.3
---------+----+-------+-----++---------+----+-------+------

*Legenda*:
[A] Baròmetro.
[B] Thermòmetro.



*BREVE VOCABULARIO*


DAS QUATRO PRINCIPAES LINGUAS FALADAS ENTRE OS PARALLELOS 12 E 18
AUSTRAES, DE COSTA A COSTA, COM EQUIVALENTES INGLEZES.

_A Cafrial de Téte fôra extrahida da obra de Monteiro e Gamito_.

+---------------+--------------+-------------+-------------+--------------+
|               |              |             |   Cafrial   |              |
|  Portuguez.   |  Hambundo.   |  Ganguela.  |     de      |    Inglez.   |
|               |              |             |    Téte.    |              |
+---------------+--------------+-------------+-------------+--------------+
|               |              |             |             |              |
|     *A*       |              |             |             |              |
|               |              |             |             |              |
|Abelha         |Olonhi        |Vapúca       |Arume        |Bee           |
|Abobora        |Omútu         |Quinpútu     |Matanga      |Gourd         |
|Abrir          |Ocu-icúla     |Quezuvula    |Fungura      |To open       |
|Acabar         |Ocu-apûa      |Cu-náo       |Da-pêra      |To finish     |
|Accender       |Ocu-chana     |Cu-ecca      |Gaça         |To kindle     |
|Achar          |Ocu-sanga     |Cu-anna      |Uónéca       |To find       |
|Adevinhar      |Ocu-siacata   |Cu-tangja    |Ombéza       |To divine     |
|Adevinhador    |Quacotangja   |Moquachimpa  |Ganga        |Diviner       |
|Agua           |Obaba         |Mema         |Mazi         |Water         |
|Ahi            |Pápa          |Han-a        |Icôco        |There         |
|Almadia        |Oáto          |Uáto         |Garáua       |Canoe         |
|Alizar         |              |             |Curanga      |To smoothe    |
|Amanhã         |Hêra          |Mene         |Manguana     |To-morrow     |
|Amarrar        |Ocu-cuta      |Cu-zitica    |Manga        |To moor       |
|Amigo          |Cambariangue  |Mussamba     |Chicovera, ou|Friend (male) |
|               |              |             | Chaumar     |              |
|Amiga          |Choparanga    |Pangara      |             |Friend(female)|
|Anojar         |Ocu-lepica    |Cu-era       |Nóca         |To annoy      |
|Andar          |Ocu-enda      |Cu-enda      |Famba        |To go         |
|Andar de vagar |Eudavando     |Dicúia-vando |             |To go slowly  |
|Andar de pressa|Endaco lombiri|Tuntâ có     |             |To go fast    |
|Andar coxo     |Tenguena      |Cu-venduira  |             |To go lame    |
|Andar tolo     |Uenduveque    |Quieve       |             |To be off     |
|Animal         |Oquinha ma    |I'nchito     |Chirombo     |Animal        |
|Anno(tem 6     |Unhãmo, ou    |Muaca        |Gulóri       |Year (6 moons)|
| luas)         | Ulima        |             |             |              |
|Ante-hontem    |Érênha        |Zaûa lize    |Zaua         |Day before    |
|               |              |             |             | yesterday    |
|Apagar         |Ocúi ma       |Cu-zima      |Túna         |To extinguish |
|Apalpar        |Ocu-papata    |Cu-papata    |Pata         |To feel       |
|Apanhar (cousa |Ocu-ata       |Cu-ata       |Lucóta       |To catch,     |
| q. foje)      |              |             |             | to overtake  |
|Apanhar do chão|Nora, ou      |Tentúra      |             |To pick up    |
|               | uhagura      |             |             |              |
|Arco de frecha |Onge          |Uta ualúcussa|             |Bow           |
|Arco (curva)   |Quiapenga     |Quiaenga     |Uta          |Arch          |
|Arrancar       |Ocu-túcúna    |Cu-tucuna    |Zuría        |To root up    |
|Arroz          |Oloósso       |             |Umpunga      |Rice          |
|Assentar-se    |Ocu-tomár     |Cu-tubamma   |Cara         |To sit down   |
|Assim mesmo    |Doto môere, ou|Mómovene     |Dimômo       |In like manner|
|               | Omô moere    |             |             |              |
|Assoprar       |Ocu-pepêrêra  |Cu-ozerera   |             |To blow       |
|Atirar         |Ocu-imba      |Cu-iassa     |Ponha        |To shoot      |
|Atirar tiros   |Ocu-roia      |Cu-roza      |             |  "      with |
|               |              |             |             | a gun        |
|Atirar frechas |Ocu-iassa     |Cu-iassa     |             |To shoot with |
|               |              |             |             | a bow        |
|Atraz          |Conhima       |Coui ma      |Cumbáió      |Backwards     |
|Adiante        |Covássa       |Corntúe      |             |Before        |
|Áves           |Orogira, ou   |Tuzirá       |Baráme       |Birds         |
|               | Órougira     |             |             |              |
|Avô ou avó     |Cúco, ou      |Cúco         |Táta         |Grandfather   |
|               | maicuro      |             |             |              |
|Azagaia        |Ongeria, ou   |Licunga      |Tungo, ou    |Assagai       |
|               | Unga         |             | Dipa        |              |
|               |              |             |             |              |
|      *B*      |              |             |             |              |
|               |              |             |             |              |
|Bala           |Olussolo      |Lússolo      |Chipólo-pólo |Bullet        |
|Barba          |Olongêre      |Muezi        |Devo         |Beard         |
|Barriga        |I'mo          |Zim mo       |Mimba        |Belly         |
|Bater (em      |Tutúra        |Tuta         |Menha, ou    |To beat       |
| alguma cousa) |              |             | Quapúra     | (anything)   |
|Bater          |Ôcu-véta, ou  |Cu-véta      |             |To beat       |
| (em pessôa)   | Ôcufina      |             |             | (a person)   |
|Bebado         |Ôó lua        |Culaque úa   |Darêzêra     |Drunkard      |
|Beber          |Ôcu-nûa       |Cu-nûa       |U-anma       |To drink      |
|Bem            |Qui ú ûa      |Bia unpáo    |Abuhino      |Well, good    |
|Boca           |Oméra         |Camia        |Murômo       |Mouth         |
|Bocado         |Naito, ou     |Candende     |Chipande     |Mouthful      |
|               | Calito       |             |             |              |
|Bofes          |Apôvi         |Vicaúla      |Maçápi       |Lungs         |
|Boi            |Ôngômbe       |Gombe        |Gombi        |Ox            |
|Bom            |Quiapussôca   |Via viuca    |Adíde        |Good          |
|Bonito         |Qui ûa        |Via unpáo    |Uâma         |Nice          |
|Braços         |Ôbócô         |Mavoco       |Zarya        |Arms          |
|Branco         |I'era         |Utira        |Mozungo      |White         |
|Brincar        |Ocu-pa-pára,ou|Cu-e-a       |Urunga, ou   |To sport,     |
|               | Ocu-mangara  |             | Sinzéca     | to play      |
|Bùfalo         |Ónhani        |Pacassa      |Nhátim       |Buffalo       |
|               |              |             |             |              |
|      *C*      |              |             |             |              |
|               |              |             |             |              |
|Cabêça         |Ú tué         |Mutué        |Mussôro      |Head          |
|Cabello        |Ôquissame, ou |Zincambo     |Cici         |Hair          |
|               |  quigonha    |             |             |              |
|Cabra          |Óhômbo        |Pembe        |Buzi         |Goat          |
|Cahir          |Ócú-a, ou     |Unao         |Agua         |To fall       |
|               | Uacupúca     |             |             |              |
|Calabouço      |Óqui emba     |Não cousta   |Caboco       |Dungeon       |
|Calar          |Ocu-unáco     |Ó lá         |Iuhamála     |To pull down  |
|Calcanhar      |Oquissendé maí|Sinçino      |Chicocuenho  |The heel      |
|Calor          |Oúia          |Tui ma       |Calúma       |Heat          |
|Caminho        |Mongira       |Mouzira      |Gira         |The road      |
|Cançar         |Ocu-dacava, ou|Cu-dina      |Anêta        |To tire       |
|               | da-puiza     | catara      |             |              |
|Cantar         |Ócu-imba      |Cu-imba      |Imba         |To sing       |
|Cão            |Ombua         |Catari       |Imbua        |Dog           |
|Caracol        |Eó tio        |Chicore      |Cono         |Snail         |
|Carne          |Ochito        |I'u cito     |Nhama        |Meat          |
|Carneiro       |Onque,ou Omeme|Panga        |Bira         |Mutton        |
|Casa           |Onjo          |Zunvo        |Nhumba       |House, room   |
|Casar          |Ocu-cuera,    |Ocuambata    |Revorar      |To marry      |
|               | cussocana    |             |             |              |
|Cavallo-marinho|Óngueve       |Gunvo        |Vúo          |Sea-horse     |
|Cavar          |Ocu-fena      |Cu-inda      |Cumba        |To dig        |
|Cedo           |Oculimerêa,   |Cume-ue-ca   |Machibési    |Soon, early   |
|               | cut-ungula   |             |             |              |
|Cimiterio      |Cócálundo,    |Cubi ilo     |Tengi        |Cemetery      |
|               | cocár-unga   |             |             |              |
|Chamar         |Ocu-cavenga   |Cu-sana      |Uchaméra     |To call, name |
|Chave          |Óssapi        |Sapi         |Funguro      |Keg           |
|Chegar         |Ocu-pitira, ou|Cu-eta       |Cáfica       |To arrive,    |
|               |  ocu-sica    |             |             | reach        |
|Cheio          |Ocui úca      |Quináçulo    |Azára        |Full          |
|Cheirar        |Ocu-quinéa    |Cu-nica      |Unca         |To smell      |
|Chorar         |Ócú-rira      |Cu-rira      |Vhira        |To cry        |
|Chover         |Ocu-lóca      |Cu-noca      |Vumba-Vula   |To rain       |
|Chupar         |Ocu-sipa      |Cu-sipa      |Uaama        |To suck       |
|Chuva          |Ombera        |Mema         |Vura, ou Vula|Rain          |
|Cobra          |Ónhóa         |Lunocá       |Nhóca        |Cobra         |
|Cobre          |Ougúra        |Unengo       |Safure       |Copper        |
|Coçar          |Ocu-cáia, ou  |Cu-licura    |Cacózi       |To cook       |
|               | Ocu-súia     |             |             |              |
|Comer          |Ocú-ria       |Cú-ria       |Adia         |To eat        |
|Como se chama? |Éri ú?        |Sobe eia?    |Zina-ráco?   |What is the   |
|               |              |             |             | name?        |
|Comprar        |Ocu-randa     |Cú-landa     |Ugúra        |To buy        |
|Comprido       |Ussôuvi, ou   |Ua la há     |Utarimpa     |Long          |
|               | Oar-épa      |             |             |              |
|Comprimentar   |Óararipó, ou  |Nainducá     |Dáo, dan     |To compliment |
|               | tua pásoula  |             | Chicó-vera  |              |
|Conhecer       |Ócu-cúrina    |             |Uneziva, ou  |To know       |
|               |              |             | Dezindequira|              |
|Contar(nùmeros)|Ocú-tenda     |Cu-barurá    |Verenga      |To count      |
|Coração        |Utima         |Meutimá      |Metima       |Heart         |
|Corda          |Ucóro         |Múcóro       |Cambála      |Rope          |
|Corpo          |É timba       |Muvilá       |Mamingo      |Body          |
|Correr         |Ocu-iooróca,  |Cú-tunta     |Ihuvíno      |To run        |
|               | ocú-rúpúca   |             |             |              |
|Cortar         |Téta, ou      |Cu-teta      |Tima, ou     |To cut        |
|               |  Ocu-téta    |             | Guáta       |              |
|Coser          |Ocu-tunga     |Cu-tunga     |Sóua         |To sew        |
|Cosinhar       |Ocu-teréca    |Cu-teréca    |Pica         |To cook       |
|Costas         |Ouhima, ou    |Conimmá      |Buió         |Ribs          |
|               |  oud-unda    |             |             |              |
|Cotovello      |Óvicotocóto   |Manenga      |Cunondo      |The elbow     |
|Cousa          |Onbandoa      |Chicanda     |             |Thing         |
|Creança        |Omaren, ou    |Canique      |Muana        |Child         |
|               | ómóra        |             |             |              |
|Crocodilo      |Ogando        |Gando        |Tuhacôco     |Crocodile     |
|Cunhado        |Nána          |Nhari        |Murâmo       |Brother-in law|
|Curto          |Umbumburo     |Muiki        |Urrecama     |Short         |
|Cuspo          |Ocussiá       |Cuzecura     |Echenhe      |Spittle       |
|Custar (a      |Ocu-sipondóra |Quiassere    |             |To cost (time,|
| fazer qualquer|              |             |             |  trouble)    |
| cousa)        |              |             |             |              |
|Custar (preço) |Ocu-chingame  |Vingahi      |Anénéssa     |To cost(money)|
|               |              |             |             |              |
|      *D*      |              |             |             |              |
|               |              |             |             |              |
|Dar            |Ocu-angja ou  |Cu-avana     |Uanina, ou   |To give       |
|               | Ocu-ava      |             | Di-pacé     |              |
|Dar pancadas   |Ocu-veta      |Cu-veta      |Quâpura      |To thrash     |
|Dar tiros      |Ocu-loia      |Cu-loia      |Eriza-futi   |To shoot      |
|Debaixo        |Mombuêro, ou  |Cuvanda      |Pansi        |Under         |
|               | memi         |             |             |              |
|Dedos          |Omuine        |Minhé        |Minne        |Fingers       |
|Deixar         |Ocu-êcha      |Hecha        |Dacia        |To leave      |
|Deixe-ver      |Nenan di varyé|Nea cuno     |Tiuôna       |Let us see    |
|               |              | ditare      |             |              |
|Dentes         |Ovaio         |Mazo         |Manu         |Teeth         |
|Depois de manhã|Hêra inha     |Mene auze    |Mecucha      |After         |
|               |              |             |             | to-morrow    |
|Depressa       |Lombiré       |Tambuca      |Flumira, ou  |Quickly       |
|               |              |             | Cu-lumiza   |              |
|Desamarrar     |Ocuturura, ou |Cu-situra    |Sizúra       |To unmoor     |
|               | Cutrura      |             |             |              |
|Descançar      |Ocúpúrúi úca  |Cu-nhoca     |Tipuma       |To help, rest |
|Descer         |Ocu-túlúca    |Cu-sicunca   |Sica         |To descend    |
|Desmanchar     |Ócu-sangununa |Cu-tongouona |Gúrúra       |To undo       |
|Despejar       |Ocu-pîçêra    |Cu-tira      |Cutura       |To depart     |
|Destapar       |Ocu-tuvúra    |Cu-úenra     |Guanura      |To open       |
|Deos           |Súcu          |Calunga      |Mumugo       |God           |
|Devagar        |Linganeto     |Ringa udende |Famba Abúhino|Slowly        |
|Dever (verbo)  |Ocu-levára    |Cu-vára      |Mangáva      |To owe, ought |
|Dia            |É teque       |Mene         |Uachena      |Day           |
|Doente         |Ocuvêra       |Cuvera       |Anduálla     |Sick, ill     |
|Dormir         |Ócupequêra    |Cucossa      |Dagama       |To sleep      |
|Duro           |Quitine       |Chicars      |Uma          |Hard          |
|Direito        |Chassungama   |Chinabiuca   |             |Right         |
|               |              |             |             |              |
|      *E*      |              |             |             |              |
|               |              |             |             |              |
|Elephante      |Ójamba        |Jamba        |Zou          |Elephant      |
|Embigo         |Óopa          |Timbi        |Chombo       |The navel     |
|Em-cima        |Qui-iro       |Cuiro        |Pazuro       |Above         |
|Emprestar      |Ocundica      |Cu-undira    |Buéréca      |To lend       |
|Encarnado      |Quicussuca    |Litira       |Cafuhira     |Red           |
|Enchada        |Etemo         |Litemo       |Páza         |Mattock, hoe  |
|Encher         |Ocu-ioquiça   |Cuçulissa    |Zuza         |To fill       |
|Encontrar      |Ocu-noaneda,  |Tu-nalinana  |Sangana      |To meet,      |
|               | Ocu-toquéca  |             |             | to find      |
|Enganar        |Ocu-quemba,   |Cu-uanzi     |Anamiza      |To deceive    |
|               | Ocu-rianga   |             |             |              |
|Ensinar        |Ocu-longuissa |Cu-leca      |Neruzi       |To teach      |
|Entrar         |Ocu-inguina   |Cu-cobera    |Pita         |To enter      |
|Escolher       |Ocu-mora,     |Cu-nona      |Sancura      |To choose     |
|               | Ocu-soló bóra|             |             |              |
|Esconder       |Ocu-so rama,  |Cu-vanda     |Ubíssa       |To hide,      |
|               | Ocu-vunda    |             |             | conceal      |
|Escravo        |Upica         |Dungo        |Muzacázi     |Slave         |
|Escrever       |Ocu-so négjá  |Cu-soneca    |Nemba        |To write      |
|Escuro         |Ocu-técanva   |Culava       |Medimna      |Dark          |
|Esfolar        |Ocui-inva, ou |Cu-va        |Cafende      |To flay,      |
|               | Ocu-tuia     |             |             | to skin      |
|Esfregar       |Ocu-çíequeta  |Cu-cuita     |Pecussa      |To rub        |
|Espelho        |Olomuê-no     |Lumiro       |Chiringueriro|Mirror        |
|Esperar        |Ocu-que-vera  |Cu-mané      |Vetéra, ou   |To hope,      |
|               |              |             | Chévé       | expect       |
|Esperto        |Ocumunguca    |Curunguca    |Uáchengéra   |Expert        |
|Espingarda     |Uta           |Uta          |Futi         |Gun           |
|Espinho        |Ossongo, ou   |Cauzantua    |Minga        |Thorn, quill  |
|               | equite       |             |             |              |
|Esquecer       |Ocuivára,     |Cu-suva      |Óduára       |To forget     |
|               | ocurimba     |             |             |              |
|Esquerdo       |Epini         |Epini        |Mazere       |Left          |
|Estar acordado |Ovanja, ou    |Ali mó messo |Adapeuca     |To be agreed  |
|               | otara        |             |             |              |
|Esteira        |Essissa       |Quiaro       |Lupássa      |Mat           |
|Estender       |Ocuiára       |Cu-ára       |Pambura, ou  |To spread     |
|               |              |             |  Eanique    |              |
|Espalhar       |Ocu-sandura   |Cu-sandora   |  "   "   "  |To scatter    |
|Estrella       |Ombun gururo  |Ton gonossi  |Nheze        |Star          |
|               |              |             |             |              |
|      *F*      |              |             |             |              |
|               |              |             |             |              |
|Faca           |Ómôco         |Pôco         |Cisso        |Knife         |
|Falar          |Ocu-pópia     |Cu-andeca    |Réva         |To speak      |
|Farinha        |Farinha       |Farinha      |Ufa          |Flour         |
|Fazer          |Ócu-ringa     |Cu-ringa     |Chita        |To do         |
|Fechadura      |Fechadura     |Sapi         |Funguro      |A lock        |
|Fechar         |Ocui-ica      |Soca         |Funga        |To fasten,shut|
|Feder          |Qui-nea       |Cu-nica      |Nunca        |To stink      |
|Feijão         |Óqui-poque    |Vipoque      |Nhemba       |Bean          |
|Feio (pessôa)  |Uuvin         |Mu pi        |Uaípa        |Ugly (person) |
|Feio (bicho)   |Quinve        |Qui pi       |             |Ugly (animal) |
|Ferir          |Oavarucua,    |Cu-ritúva    |Lássa        |To wound      |
|               | qui-atua     |             |             |              |
|Ferro          |Oquiquite,    |Butare       |Utári        |Iron          |
|               | qui-vera     |             |             |              |
|Figado         |Ómuma         |Suri         |Chirôpa      |The liver     |
|Filho          |Ómóra         |Muana        |Muana        |Son           |
|Fio            |Erinha        |Erinha       |Ussálo       |Thread, wire  |
|Fôgo           |Óndaro        |Tucha        |Môto         |Fire          |
|Fome           |Ónjára        |Zanza        |Jára         |Scythe        |
|Formiga        |Ólunginge     |Vazinzi      |Nher[~e]ze   |Ant           |
|Frecha         |Ussongo       |Mucuri       |Misséve      |Arrow         |
|Frio           |Ombambi, ou   |Massicá      |Acuzizira, ou|Cold          |
|               | cu-tarára    |             | Pepo        |              |
|Fugir          |Ócu-tirar, ou |Cu-teûa      |Tána         |To fly, flee  |
|               | ocu-sutuca   |             |             |              |
|Fumo           |Óusssi        |Ussi         |Ussi         |Smoke         |
|Furtar         |Ócuinhana, ou |Cuiba        |Cuba, ou Uába|To rob, steal |
|               | ocuiba       |             |             |              |
|               |              |             |             |              |
|      *G*      |              |             |             |              |
|               |              |             |             |              |
|Gallinha       |Ossanje       |Quiari       |Cuco         |Fowl, hen     |
|Gallo          |Écondombóro   |Demba        |Zongue       |Cock          |
|Gamela         |Gamella       |             |Diro         |Wooden bowl   |
|Garganta       |Enguri        |Mirivo       |Cóci         |Throat        |
|Gordo          |Ocunéta       |Cumina       |Uanénépa     |Fat           |
|Gordura        |Ócépo, ou     |Mazi         |Futa         |Fatness       |
|               | ovirenga     |             |             |              |
|Grande         |Qui-nê-ne     |Chacama      |Mucuro, Puro |Large, great  |
|Gritar         |Ocu-rúra, ou  |Gunda        |Cúa          |To cry out    |
|               | ocu-cua      |             |             |              |
|Grosso         |Chine-ne      |Chaca ma     |Uacúra       |Big           |
|Guardar        |Ocu-soréca    |Cu-sueca     |Vica         |To keep       |
|Guerra         |Ovita         |Zintá        |Condo        |War           |
|               |              |             |             |              |
|      *H*      |              |             |             |              |
|               |              |             |             |              |
|Hôje           |Hê-tare, ou   |Lêro         |Ihêro        |To-day        |
|               | lêro         |             |             |              |
|Hombros        |Oqui tem, ou  |Quincinze    |Mapè-ua      |Shoulders     |
|               | oqui pépe    |             |             |              |
|Homem          |Ólume         |Iala         |Mamuna       |Man           |
|Homem branco   |Óchindére qui |Óchindere-   |Mozungo      |White man     |
|               | era          | -chivenga   |             |              |
|Hontem         |Hê-ra         |Izao         |Zuró         |Yesterday     |
|               |              |             |             |              |
|      *I*      |              |             |             |              |
|               |              |             |             |              |
|Ilha           |Óchicolo, ou  |Quicolo      |Sua          |Island        |
|               | Oqui fúca    |             |             |              |
|Inveja         |Óqui-púrúro,  |Sanda        |Véja         |Envy          |
|               | qui penhe    |             |             |              |
|Inverno        |Oudombo       |Luinza       |Mainza       |Winter        |
|Ir             |Ocu-ende      |Ámaie        |Uaeuda       |To go         |
|Irmão          |Manjangue     |Muana eto    |Bare         |Brother       |
|               |              |             |             |              |
|      *J*      |              |             |             |              |
|               |              |             |             |              |
|Joelho         |Ongóro        |Libure       |Mabôudo      |The knee      |
|Jogo           |Óchi era      |Chiera       |Juga         |Game (sport)  |
|               |              |             |             |              |
|      *L*      |              |             |             |              |
|               |              |             |             |              |
|Ladrão         |Oqui-múno     |Muizi        |Báva         |Thief         |
|Lamber         |Ócu-lessa     |Cu-liassa    |Anguta       |To lick       |
|Largar         |Ócu-echa      |Cu-ana       |Ihéca        |To let go     |
|Leão           |Oochi,        |Dumba        |Pondóro      |Lion          |
|               | ongue-ama    |             |             |              |
|Lebre          |Ondimba       |Calumba      |Suro         |Hare          |
|Leite          |Ávére ou      |Mavere       |Mocáca       |Milk          |
|               | assengere    |             |             |              |
|Leito          |Úra           |Muera        |Catadó       |Bed, bedstead |
|               |              |             | (palavra    |              |
|               |              |             | indiatica)  |              |
|Lembrar        |Ócuivaruca,   |Cuezuoura    |Dinála, ou   |To remember   |
|               | Ocu-sócórora |             | Cumbuca     |              |
|Levar          |T'uara        |Tuara        |Tacúra       |To carry      |
|Leve           |Quirera       |Chirero      |Darúra       |Light         |
|               |              |             |             | (not heavy)  |
|Limpar         |Ocu-comba     |Cu-comba     |Pecuta       |To cleanse    |
|Lingua         |Eráca,ou erímo|Rimi         |Lelime       |Tongue        |
|Livre          |Omá máre      |Muana abara  |Furro        |Free          |
|Longe          |Cúpana        |Culagjaco    |Patávi       |Far           |
|Lua            |Ossain        |Gonde        |Mueze        |Moon          |
|               |              |             |             |              |
|      *M*      |              |             |             |              |
|               |              |             |             |              |
|Macaco         |É-pundo       |Pundo acima  |Coro         |Monkey        |
|Machado        |Ondiavite     |Gimbo        |Bázo         |Axe           |
|Madrugada      |Qui-te-que    |Qui me ne me |Círachéna    |Dawn          |
|               | teque        | ne          |             |              |
|Mãe            |Maé           |Nana         |Mama         |Mother        |
|Magro          |Uácopa        |Naocama      |Uonda        |Lean, thin    |
|Maior          |Qui-nê-ne     |Qui ne ne    |Mucuro. Puro.|Greater       |
|Mais           |Chiarua,ou ópo|Vingui       |Temiza       |More          |
|Mal            |Chin-in,      |Cátimoco     |Uadaipa      |Bad, ill      |
|               |  cachi-uáco  |             |             |              |
|Mama           |E vêre        |Vero         |Mabeli       |Dug, teat     |
|Mandar         |Ocu-tuma      |Cu-tuma      |Uatinna      |To order      |
|Mão            |Ocuóco        |Livoco       |Manja        |Hand          |
|Marfim         |Ómbinga       |Binga        |Minhanga     |Ivory         |
|Massa          |Etéte         |             |Sima         |Dough         |
|Matar          |Ocu-ipa       |Cu-tigja     |Cupa, ou Báia|To kill       |
|Mato           |Dipa          |Dicu tigja   |Metungo      |Wood          |
|Meán           |Ua-tema       |Uacassa      |Uda[-i]pa    |Water-fowl    |
|Medir          |Ocu-ionga     |Cu-ceté ca   |Pima         |To measure    |
|Medo           |Óssumba       |Uoma         |Gópa         |Fear          |
|Meia noute     |Mecondombóro  |Mocatican    |Pacatepar    |Midnight      |
|               |              | tiqui       | ussizo      |              |
|Meio dia       |Mocati quiro  |Mocati quiero|             |Noon          |
|Mel            |Ouiqui        |Úqui         |Uxe          |Honey         |
|Menor          |Ómbuti        |Canique      |Pangono      |Less          |
|Menos          |Chitito       |Chidende     |Pangura      |Least         |
|Mentira        |Óaquemba      |Sanda        |Cúnama       |Lie           |
|Mentiroso      |Óembi         |Uanzi        |Magunca, ou  |Lying         |
|               |              |             | Bóza        |              |
|Meter          |I'nhissa      |Cu-cobera    |Paquira      |To put        |
|Meu            |Chiangue      |Viangue      |Ango         |My            |
|Milho          |Épungo        |Li pungo     |Mapira       |Maize         |
|Misturar       |Ocu-tenga     |Cu-singa     |Sequetiza    |To mix        |
|Moer           |Ocu-para      |Cu-ara       |Póia         |To grind      |
|Mole           |Quiáren-nhera,|Chi bo ba    |Feva         |A huge thing  |
|               | ou Oui are   |             |             |              |
|               | freteca      |             |             |              |
|Molhar         |Qui aríra, ou |Cu-zura      |Tota         |To wet        |
|               | chai ura     |             |             |              |
|Morrer         |Uá fa         |Nazir        |Uáfa         |To die        |
|Mosca          |Orunhi        |Zinzi        |Chenge       |Fly           |
|Mosquito       |Órua ume      |Tu gue ne gue|Buibidue     |Mosquito      |
|               |              | ne          |             |              |
|Mostrar        |Ócu-requissa  |Gilequesse   |Lenga        |To show       |
|               | vanja        |             |             |              |
|Muito          |Chárua        |Vingui       |Bseninge     |Very          |
|Mulhér         |Ucai          |Puebo        |Mucázi       |Woman         |
|  "   amigada  |Ucai          |Cussomboca   |Rancáia      |Concubine     |
|               | ocussocana   |             |             |              |
|  "   branca   |Ucai-Uiera    |Obuca        |Doua         |White woman   |
|  "   mulata   |Ucai-         |Utira        |Senhára      |Mulatto       |
|               | -Uomoraóssi  |             |             |              |
|               |              |             |             |              |
|      *N*      |              |             |             |              |
|               |              |             |             |              |
|Não            |Datti         |Oue          |Ahi-ahi      |No            |
|Não conhecer   |Sichí         |Cangibizi    |Senaziva     |Not to know   |
| "  poder      |Cachitaba     |Cabite       |Daúmariza-nai| "  to be able|
| "  querer     |Catui iongóra |Cabite       |Daçana, ou   | "  to wish   |
|               |              |             | Dinhônho    |              |
| "  saber      |Catuchi       |Cangibize    |Senaziva     | "  to be     |
|               |              |             |             | aware        |
| "  ter        |Chicûete-     |Biagji       |Apâna        | "  to have   |
|               | -cachirípo   |             |             |              |
|Nariz          |Éuhúro        |Zuro         |Puno         |Nose          |
|Nascer         |Ócu-chita     |Cu-sema      |Uaméra       |To be born    |
|  "    do sol  |Ocumbi        |Pangua       |Choca-Zua    |To rise       |
|               | riatunda     | riloboca    |             | (the sun)    |
|Negar          |Uaricara      |Naribiana    |Aconda       |To deny       |
|               |              |             |             |              |
|Noite          |Uteque        |Butzqui      |Ussico       |Night         |
|  "   clara    |Cúúmbura      |Guezi        |Cuchena      | "    (clear) |
|  "   escura   |Uere ma       |Mirima       |             | "    (dark)  |
|Nosso          |Chieto        |Chieto       |             |Our           |
|Nôvo           |Chacarie      |Biarero      |             |New           |
|Nuvem          |Érende        |Sé rua       |             |Cloud         |
|               |              |             |             |              |
|      *O*      |              |             |             |              |
|               |              |             |             |              |
|Offender       |              |Cu-banca     |Daparamura   |To offend     |
|               |              |             |             |              |
|      *P*      |              |             |             |              |
|               |              |             |             |              |
|Pelle          |Óchipa        |Quilambo     |Pârâme       |Skin          |
|Pendurar       |Ócu-turica    |Cu-turica    |Manica       |To hang, slope|
|Penna          |Énha          |Zigon ná     |Mantenga     |Feather       |
|Pequeno        |Catito        |Cadende      |Pangouo      |Little        |
|Perçovejo      |Ólóisso       |Vançanha     |Sequize      |Bug           |
|Perder         |Ocu-danherissa|Cu-zimbiessa |Utáia        |To lose       |
|Perdiz         |Ouguári       |Coucúé       |Chicuáre     |Partridge     |
|Perguntar      |Ócu-pura      |Cu-úla       |Vunza        |To ask,       |
|               |              |             |             | inquire      |
|Pernas         |Ó bólu        |Mahindi      |Múendo       |Legs          |
|Perto          |Ochipepi      |Mochechi     |Fupi         |Near          |
|Pés            |Ó lomain      |Bilhato      |Minhendo     |Feet          |
|Pescôço        |Óssingo       |Singo        |Cóssi        |Neck          |
|Pisar          |Ocu-sura      |Cútua        |             |To tread      |
|Pilão          |Ochine        |Chini        |Banda        |A mortar      |
|Pintar         |Pintar        |Cu-coronga   |Nunba, ou    |To draw, paint|
|               |              |             | Namavára    |              |
|Piolho         |Óloua         |I'na         |Saváva       |A louse       |
|Polvora        |Tundanga      |Fúndanga     |Ungá         |Powder        |
|Pombe (bebida) |Chibombo      |Ualua        |Bádua        |Pombe (drink) |
|Pombos         |Ólopomba      |Pomba        |Gangaiva     |Doves         |
|Pôr            |Capa          |Haca         |Tira         |To put        |
|Pôr ao sol     |Ongorossi     |Guezi        |             |To expose to  |
|               |              |             |             | the sun      |
|Porco          |Ongúro        |Gúro         |Incumba      |Pig           |
|Porta          |Epito         |Pito         |Messua       |Door          |
|Pouco          |Catito        |Chidende     |Pangôno      |Little        |
|Povoação       |Óambo         |Limbo        |Muzi         |A village     |
|Prenhe         |Oe mina       |Ué mita      |Adacùta, ou  |Pregnant      |
|               |              |             | Anamimba    |              |
|Prêto (cor)    |Otecamea      |Ulava        |Ocupeipa     |Black         |
|Principiar     |Ocu-fetica    |Cubareca     |Atôma        |To begin      |
|Pulga          |Pulga         |Puruqua      |Uvavani      |Flea          |
|               |              |             |             |              |
|      *Q*      |              |             |             |              |
|               |              |             |             |              |
|Quebrar        |Ocu-nepa      |Cu-ana tigji |Tiora        |To break      |
|Queimar        |Ocu-atemia    |Cu-ê meca    |Dápsa        |To burn       |
|Queixar        |Ocu-cassapure |Cu-cánburure |Quaquira     |To complain   |
|Quente         |Chassanha     |Tui ma       |Datenta      |Hot           |
|Querer         |Ocu-diongola  |Cu-          |Funa         |To wish       |
|               |              | -ginachangue|             |              |
|Quizumba (fera)|Qui malanca   |Lissumbo     |Tica         |Quizumba      |
|               |              |             |             | (beast)      |
|               |              |             |             |              |
|      *R*      |              |             |             |              |
|               |              |             |             |              |
|Raiz           |Óbi           |             |Mizi         |Root          |
|Rapaz          |Umarem        |Muquezo      |Bixo         |Boy           |
|Rapar          |Ocu-puta      |Cu-teura     |             |To shave      |
|Rapariga       |Ucain         |Púebo        |             |Girl          |
|Rasgar         |Ocu-tóra      |Cu-taora     |Parúra       |To tear       |
|Rato           |Ómuco         |Tumbi        |Macóso       |Rat           |
|Rebentar       |Ocu-tocóra    |Cu-baturá    |Dapuquira    |To split      |
|Receber        |Pambula       |Uá           |Tambira      |To receive    |
|Rede           |Óuanda        |Uanda        |Uconde       |Net           |
|Remar          |Ocu-tapura    |Cu-cassa     |Cbápa        |To row, paddle|
|Remos          |Ôbipando      |Zingassi     |Gombo        |Oars, paddles |
|Repartir       |Teta pocati   |Baturá acati |Pambura, ou  |To divide     |
|               |              |             | Gáva        |              |
|Responder      |Ocu-datáva    |Cu-ginatava  |Tavira       |To answer     |
|Rijo           |Chacoura      |Chinacóro    |Uauma        |Strong        |
|Rir            |Ocu-iora      |Cu-zora      |Séca         |To laugh      |
|Rôla           |Onende        |Catere       |Giva         |Turtle-dove   |
|Rosto          |Ochipara      |Lugjlo       |Cópe         |Face          |
|Rio            |Olui          |Donga        |             |River         |
|               |              |             |             |              |
|      *S*      |              |             |             |              |
|               |              |             |             |              |
|Saber          |Dachicurigja  |Nangue       |Daziva       |To know       |
|               |              | Gichizi     |             |              |
|Sacudir        |Ocu-ritu tu   |Licucú múna  |Coucumura    |To shake      |
|               |  mura        |             |             |              |
|Sahir          |Ocu-tunda     |Loboca       |Chóca        |To go forth,  |
|               |              |             |             | out          |
|Sal            |Omungua       |Mengua       |Munho        |Salt          |
|Sangue         |Sonde         |Mau ninga    |Murôpa       |Blood         |
|Sanguesuga     |Aturi         |Maçumzu      |Sungunu      |Leech         |
|Saúde          |Omuenho       |Cangunca     |Móio         |Health        |
|Sede           |Énhoua        |Puila        |Nhóta        |Thirst        |
|Segurar        |Ocu-ata       |Cu-ata       |Sunga        |To secure,    |
|               |              |             |             | assure       |
|Semear         |Ocu-cu na     |Cu-cuna      |Cábzára      |To sow        |
|Serviço        |Upangu        |Bicaracara   |Bássa        |Service       |
|Seu            |Iro           |Iove         |Anum         |His, her      |
|Sim            |Sim           |Calungá      |Iude         |Yes           |
|Só             |America       |I'angue rica |Eca          |Alone, only   |
|Sogra          |Datembo       |Netomoeno    |Mábzála      |Mother-in-law |
|Sogro          |Datembo       |Tero-moeno   |Tátábzála    |Father-in-law |
|Sol            |Utanha        |Mutanha      |Zua          |Sun           |
|Somno          |Ótulo         |Tuló         |Turo         |Sleep         |
|Sonho          |Onjôi         |Zouzi        |Vhóta        |Dream         |
|Subir          |Ocu-londa     |Cu-londa     |Quira        |To climb      |
|Suspender      |Ocu-turica    |Cu-turia     |Sangica      |To suspend    |
|               |              |             |             |              |
|      *T*      |              |             |             |              |
|               |              |             |             |              |
|Tabaco         |Acáe          |Macanha      |Fódea        |Tobacco       |
|Tapar          |Ocu-chitica   |Cu-chitica   |Guanira      |To stop(a gap)|
|Ter            |Diquete       |Giuri nabio  |Eripó        |To have       |
|Terra          |Póssi         |Ma vo        |Mataca       |Earth, land   |
|Testa          |Opolo         |Luólo        |Cúma         |Forehead      |
|Teta           |Olussoca      |Zinçoca      |Sombreiro    |Teat, breast  |
|Tigre          |Ongíré        |I'ugúé       |Nharngué     |Tiger         |
|Tirar          |Inhaura       |Tentura      |Chóssa       |To draw, pull |
|Tocar (mùsica) |Ocu-chica     |Cu-chica     |Reiza        |To play(music)|
|Tolo           |Ua tópa       |Ua-topa      |Uapussa      |Foolish       |
|Tomar          |Pambula       |Tambula      |Tambira      |To take       |
|Torcer         |Ocu-passira   |Cu-ossa      |Riza         |To twist      |
|Tossir         |Ocu-cossora   |Cu-coola     |Chifúa       |To cough      |
|Travesseiro    |Opeto         |Sátero       |Samiro       |A bolster     |
|Trazer         |Uena          |Néa          |Zana-aú      |To fetch      |
|Tripas         |Ovanra        |Mira         |Buió         |Intestines    |
|Trocar         |Ocu-procar    |Cu-landancana|Linta        |To barter     |
|Trovão         |Quiremiro     |Muchato      |Murungo      |Thunder       |
|               |              |             |             |              |
|      *U*      |              |             |             |              |
|               |              |             |             |              |
|Unha           |Ólonjanra     |Viala        |Chára        |Nail, claw    |
|               |              |             |             |              |
|      *V*      |              |             |             |              |
|               |              |             |             |              |
|Vae            |Cuende        |Ámaie        |Limuca       |He goes       |
|Varrer         |Ocu-comba     |Cu-comba     |Chipsaira    |To sweep      |
|Vasar          |Ocu-peçera    |Cu-zucura    |Cutura       |To empty      |
|Veio?          |Ueia          |Neza?        |Bueré?       |Is he coming? |
|Velho (homem)  |Econgo        |Naculo, ou   |Caramba      |Old (man)     |
|               |              | qui-benzi   |             |              |
|Velho (cousa)  |Iacuca        |Chinaculo    |             |Old (thing)   |
|Vender         |Ocu-landa     |Cu-landa     |Ugurissa     |To sell       |
|Venha          |Euju          |Tuáia        |Buéra        |Come          |
|Verão          |Ombambi       |Massicá      |Cherimo      |Summer        |
|Verde          |              |             |Massambadimo |Green         |
|Vergonha       |Ossoin        |Soui         |Manhazo      |Shame         |
|Vestir         |Ocu-rica      |Cu-zara      |Válla        |To dress      |
|Vida           |Omoenho       |Muóno        |Penia        |Life          |
|Voar           |Ocu-panranra  |Nacatucá     |Bruca        |To fly        |
|Voltar         |Tinca         |I'luca       |Buhéréra     |To turn       |
|               |              |             |             |              |
|      *Z*      |              |             |             |              |
|               |              |             |             |              |
|Zebra          |Oingólo       |Góló         |Bize         |Zebra         |
|               |              |             |             |              |
|   PRONOMES.   |              |             |             |   PRONOUNS.  |
|               |              |             |             |              |
|Eu             |Áme           |Iangue       |Iné          |I             |
|Tu             |Obe           |Íobe         |Iué          |Thou          |
|Elle           |Ió            |Gue iobe     |Ié           |He            |
|Nós            |Ét u          |Ié tu        |Ifé          |We            |
|Vós            |Vóbo          |Tá vovo      |Imué         |You           |
|Elles          |Vobana        |Tavavazé     |Ii           |They          |
|               |              |             |             |              |
|Meu            |Changue       |Changue      |             |My            |
|Teu            |Chóbe         |Chobe        |             |Thy           |
|Delle          |Chan-e        |Cho-ú        |             |His           |
|Nosso          |Chêtu         |Cheto        |             |Our           |
|Vosso          |Chobo         |Chabo        |             |Your          |
|Delles         |Chabobo       |Chavazé      |             |Their         |
|               |              |             |             |              |
|   NÚMEROS.    |              |             |             |   NUMBERS.   |
|               |              |             |             |              |
|        1      |Moche         |Cossi        |Posse        |        1     |
|        2      |Vari          |Cari         |Pire         |        2     |
|        3      |Táto          |Cáto         |Tato         |        3     |
|        4      |Quana         |Uá na        |Nái          |        4     |
|        5      |Tano          |Tano         |Cháno        |        5     |
|        6      |Epando        |Sambano      |Tantáto      |        6     |
|        7      | "   vari     |Sambari      |Chinómue     |        7     |
|        8      |Echena        |Naque        |Sére         |        8     |
|        9      |Echerana      |I'ua         |Femba        |        9     |
|       10      |Ecuin         |Licumi       |Cume         |       10     |
|       11      | "   na mochi |             | "  na moze  |       11     |
|       12      | "   na vari  |             | "  na zivire|       12     |
|       13      | "   na táto  |             | "  na táto  |       13     |
|       14      | "   na quana |             | "  zináî    |       14     |
|       15      | "   na tano  |             | "  zicháno  |       15     |
|       20      |Acuin avari   |Ma cumi avari|Macume a vire|       20     |
|       21      | " "  la mochi|             |" "   na moze|       21     |
|       22      | " "  la vari |             |" " na zivire|       22     |
|       23      | " "  la táto |             |" " na zitáto|       23     |
|       24      | " "  la quana|             |" "  na zináî|       24     |
|       25      | " "  la tano |             |" "na zichano|       25     |
|       30      |Acuin atáto   |Macu mi atáto|Macume a táto|       30     |
|       40      |Acuim aquana  | "      aúana| "      a nái|       40     |
|       50      | "    tano    | "      atano| "    a cháno|       50     |
|       60      | "    epando  | "   ssambano| "  a tantáto|       60     |
|       70      | " epando vari| "   ssambari| "    a nómue|       70     |
|       80      | "    echena  | "      naque| "     a sére|       80     |
|       90      | "    echerana| "       iua | "    a femba|       90     |
|      100      |Ochita        |Chita        |Zana         |      100     |
|     1000      |Ocan rucáe    | "    iua    | "   ma cume |     1000     |
+---------------+--------------+-------------+-------------+--------------+



*INDICE.*


Adicul, 224

Àgua, falta de, 134, 164, 168

Ambuellas, povos, 95

Antìlopes, 65, 215, 230, 231

Aranhas, venenosas, 231

Ataques, sou atacado traiçoeiramente no Barôze, 26;
  nôvo plano, 27

Augusto, o muleque mata um bùfalo, 80;
  desapparece, 80;
  apparece, depois de roubado, 81;
  represalia, 81;
  mata um leão, 85

Avestruzes, 217


Bamanguato, 96, 131, 179

Bandeira Portugueza, triumfante de combate, 42

Bangue, para fumar, 29

Baobabs, àrvore colossal, 90

Barôze, no, 1;
  aliás Lui ou Unguenge, 1, 2;
  historia do, 1;
  os, 2;
  tribunaes a funccionar, 22, 23;
  descripção, 30, 31;
  a môsca zê-zê, 37;
  visitado por Silva Porto, antes de Livingstone, 38;
  o meu acampamento incendiado, 40, 41;
  peleja, 41;
  effeito das balas nitroglicerina, 41

Basalto, filões basàlticos, 70-72

Basutos, 2

Behrens, M^{r.}, missionario em Betania, 241

Betania, missão de, 240

Betjuanas, 2

Bihé, àguas e terras entre o Bihé e o Zambeze, 94 e seguintes

Bloemfontein, 249

Böers, acampamento de, 227;
  hospitalidade, 229;
  costumes, 234 a 238, 241, 242;
  historia dos, 243 a 292;
  raça crusada com Francezes, 244;
  de suas guerras com os indigenas, 246;
  sua autonomia reconhecida pêla Inglaterra, 249;
  tratado com Portugal, 252

Bombue, ràpidos de, 78

Bompart, Rev^{do.}, 284

Bradshaw, D^{or.}, 118

Brand, Presìdente do Estado do Orange, 251-255

Bùfalo, morto pêlo muleque Augusto, 80;
  combate com um leão, 89

Burgers, Francisco, presidente do Transvaal, 256;
  sua administração, 258-260


Cabrabassa, 100

Caça, 50, 60, 63, 71, 81, 88, 94, 136;
  inconvenientes de caçar feras, 148;
  abundancia de, 216

Cães, na caça dos antìlopes, 68

Caiuco, 10, 11, 61

Caiumbuca, desconfio de, 44

Calaari, 162;
  ventania reinante, 169

Calungo, papagaio predilecto, 62, 133

Cama, règulo, 185-188;
  sua poderosa influencia e prestigio, 189 a 192

Cane, ribeiro, 182

Cangenjes, 2

Cangonha, 29

Canôas, descripção, 68, 69

Capata, bebida fermentada, 9

Carabina, a Carabina d'El-Rei como grande recurso, 64

Carimuque, portador de mensagem de um missionario, 87

Carregadores, abandonam-me, 18;
  deserção e roubo, 46;
  dificuldades com, 120

Castilho, Augusto, 313

Cataractas de Gonha, 74;
  sua descripção, 75;
  sua passagem, 75;
  de Cale, 77;
  de Nambue, 81, 89;
  grande cataracta de Mozioatunia, 137 a 145

Catongo, chego ás montanhas de, 43;
  phenomeno observado, 45;
  junto da povoação de, 85

Catraio, o muleque Catraio, encarregado especialmente dos meus
chronometros, 208, 209

Chacaiombe, D^{or.}, 18

Chibisa, 101

Chibitano, historia de, 1 a 4;
  raça mais tarde abastardada, 29

Chicreto, filho e successor de Chibitano 2;
  sua decadencia, 14;
  opinião de Livingstone a seu respeito, 14

Chicului, rio, 94

Chipopa, acclamado chefe dos Luinas, 15

Chire, magnifico rio, 100

Chiudéres, nome dado a Portuguezes, 18

Chuculumbe, rio, travessia do, 11;
  theatro da guerra, 18, 61

Clarke, General, assenhorêa-se do Cabo da B. Esperança, 245

Cobra, venenosissima, 175

Coillard, missionario Francez, 122;
  presta-me importante serviço, 123;
  a familia, 124;
  impressões intimas pelo alcolhimento recebido, 127, 128;
  perdas avultadas por causa de um incendio, 129;
  ao encontro de M^{r.} Coillard, 130, 131;
  apreste de minha viagem, 131;
  narração larga dos serviços do missionario, 152 a 154

Colenso, Bispo, 310

Cololos, 2

Conflictos, 121

Córa, cabrinha predilecta, 62;
  salva dos leões, 85, 133;
  morre, 176

Crocodilos, 65

Cuando, rio, 93, 95, 98

Cuchibi, fruto, 80, 94

Cuime, rio, 93

Cuito, rio, 95

Cunha, governador de Moçambique, 313


Deica, encontro-me com a familia Coillard em, 153;
  partida de, 159

Deserto de Baines, 163

Dia de Natal, impressões, 178, 179

Dingan, chefe Cafre, 247

Doenças, 9, 51, 53, 77, 79;
  em perigo de vida, 82, 128, 160;
  grave, 187;
  estado grave de Pepeca de e Marianna, 230;
  morre Marcolina, 240

Drakensberg, 248

Duprat, Visconde-Plenipotenciario Portuguez em Àfrica, 252

Dupuis, cocheiro no Transvaal, de curiosos precedentes e espirito, 300,
303.

Durban, 259;
  em, 308, 310.

Du Val, M^{r.} e Madame, 312


Elefantes, 60, 79;
  morto por mim, 79

Elphinstone, Almirante, assenhorêa-se do Cabo de B. Esperança, 245

Embarira, povoação de, 90;
  minha estada em, 116

Escorpiões, enormes, 148

Escravatura, allegações calumniosas com relação a Portugal, 57, 59, 247

Expedições, expedição Luina mandada por mim, 28

Exploradores, advertencias a, 59


Gambela, 2;
  presidente do conselho no reino de Lui, 3;
  figura, 5;
  desconfio de, 26, 27;
  tem 70 mulheres, 30

Ganguela, idioma, 8

Gatos, 68

Geografia, explicações geogràficas ao rei Lobossi e seus magnatas, 10

Girafas abundão no Calaari, 223

Gonçalves, Guilherme José, honrado character, 58

Gonin, M^{me.}, esposa de um missionario, 234;
  o missionario me presta penhorantes serviços, 229

Goodliffe, M^{r.}, 297

Gricuas, 251, 254

Gross, M^{r.}, photographo, 287;
  as mulheres do paiz se recusão a ser photografadas, 288

Gruneberger, missionario Hollandez, 275;
  disturbio causada pela minha gente, 282

Guejuma, kraal de, 131;
  chegada e descripção, 132


Heidelberg, 259

Hippopòtamos, 46

Hyenas, 163-181


Itufa, casa na, 67;
  como escondem as canôas, 66;
  sigo, 69


Jeppe, M^{r.} Frederic, 275

Jôco, rio, 81

Jolivet, Monsenhor, 284


Khama, rei, 96, 154

Kimberley, 252;
  jazigos diamantinos, 253

Kish, M^{r.} e familia, 279

Kruger, P., 261


Lanyon, Sir William Owen, sua recepção em Pretoria, 296

Leões, 71;
  morto por mim, 72;
  ataque de, 85;
  o muleque Augusto mata um, 85;
  combate com um buffalo, 89, 147, 224

Leopardo, morto pêlo muleque Augusto, 223

Letlotze, ribeiro, 183;
  descripção, 194

Levaillant, sua opinião ácerca dos Böers, 245

Lexuma, sigo para, 123;
  sepultura de dois companheiros de M^{r.} Coillard;
  sahida de, 132

Lialui, cidade de, 1;
  acampo em, 9, 51

Liambai, rio, 63

Liba, rio, 98

Lilutela, rio, 170

Limpopo, nas margens do, 212, 221, 248

Linianti, 283

Linocanin, 175-181

Livingstone, divirjo da sua geografia quanto ao Alto Zambeze, 98

Lo-Bengula, projecta um ataque contra o Lui, 17;
  chefe Zulu, 188

Lobossi, rei do Barôze, 1;
  sou recebido pêlo rei, 3;
  figura do, 4;
  presentes, 5;
  conferencia sobre abertura de communicações, 8, 9;
  banda de musica do rei, 14;
  exigencias, 19;
  intriga contra mim, sou sentenciado á morto, 21;
  se retracta, 22;
  tribunal em funcções, 23;
  manda soccorros, 42;
  deseja o segrêdo das balas nitro-glicerinas, 43;
  polemica com, 53;
  novos protestos, 61

Loengue, rio, não tem cataractas, 10;
  quero descer o Loengue, 61

Lorcha, fructo, 80

Lourenço Marques, caminho de ferro com o Transvaal, 258;
  razão porque não passei em, 278

Luale, rio, 180

Luchazes, paiz dos, 95

Luena, comitiva vinda da, 60

Lui, reino de, aliás Barôze, 1, 2;
  sua organização polìtica, 3;
  como fui recebido, 3;
  descripção, 30 a 37, 99

Luinas, carnificina, 15;
  raça abastardada, 29;
  costumes, etc., 30, 31, 32 a 37;
  magnifica raça de bois, 37

Lumbé, rio, 76

Lungo-e-ungo, rio, 100, 102

Lusso, 81;
  formoso panorama dos rapidos, 81

Lydenburg, 259


Macalacas, 2;
  cercados e ameaçados por, 121;
  difficultão provisões, 146

Macaricáris, 169;
  o grande Macaricari, 172 a 175

Machauana, companheiro de Livingstone, 7;
  trato de captival-o, 21;
  como lhe devo a vida, 25;
  em meu soccorro, 42

Machilla, chego á foz do rio, 88;
  descripção do paiz, 88, 89

Machucubiani, rio, 230

Macololos, 2;
  raça abastardada, 29

Magalies-berg, serra, 242

Malanca, veio supprir falta absoluta de viveres, 146

Mambares, corrupção de Quimbares, 18

Manuanino, manda decapitar a Gambela, 15;
  succéssos, 16, 17

Mapole, fruto, 80

Marianna, a preta Marianna vem avisar-me de plano para me assassinarem,
27, 28

Marico, rio, acampamos junto do, 225, 259

Massaruas, ou _Bushmen_, 167, 170

Matagja, ministro no reino de Lui, 6;
  oppõe-se á entrada de um missionario, 88

Matebelle, 96;
  morte do Capitão Paterson, M^{r.} Sergeant, M^{r.} Thomas, e outros,
    em, 179

Mayer, Gabriel, como sou por elle hospedado, 151, 152

Mazungos, 283

Mendonça, Joaquim, 283

Miguel, o caçador de elefantes, 18, 101

Missionarios, 96 a 98, 116;
  Eliazar gravemente enfermo, 130, 154;
  considerações moraes, 193;
  Price, Mackenzie, Eburn, 193, 194, 262, 267

Moangana, povoação, 65;
  descripção do chefe, 65;
  como sou recebido, 66

Motlamagjanane, 161

Mozi-oa-tunia, cataracta, 100, 131, 136;
  etimologia do nome, 138;
  descripção, 139 a 145;
  comparação com Gonha, 145

Mozungos, nome dado aos brancos, 16

Muacha, ou Nguja, 160

Muanguato, no, 186;
  favores recebidos de M^{r.} Benniens, M^{r.} Clark, e M^{r.} Musson,
    199

Mucúas, nome dado aos Inglezes, 18

Mucuri, arbusto que mata a sêde, 149

Muene-Puto, Rei de Portugal, 8

Munari, nome dado a Livingstone, 61

Munutumueno, filho do rei Chipopa, 11;
  episodio, depáro com a farda de um antigo camarada tendo no bolso papeis
    particulares, 12;
  estou com elle, 54

Mutema, paiz de, 81

Mutiquetéra, chefe mandado por Lobossi para me acompanhar, 63, 65

Muzila, chefe dos Vatuas, 187

Muzilicatezi, chefe do Matebelli, 248


Nalólo, povoação governada por uma mulhér, 64

Nambue, cataracta, 81

Nanguari, 75

Napoleão, principe Francez, homenagem á sua memoria, 311, 312

Nariere, rio, acampei em suas margens, 64

Nata, rio, 165

Natalia occupada pelos Inglezes, 248

Ngami, lago, 173

Ntuani, rio, 216


Observações scientificas, phenomeno na atmosfera, 45, 46, 61;
  divergencia em relação ás de Livingstone, 98;
  por mim feitas, 103 a 112, 165, 206, 218, 224, 316, 317

Omborolo, assassinado, 15

Onda, rio, 93

Ongiris, ou antilopes, 213

Opumbulume, fruto, 80

Orange, Estado Livre de, 249, 250;
  Minas, 251

Osborne, M^{r.}, 275


Patametenga, um missionario Inglez em, 52;
  kraal de, 147

Paterson, o Capitão Paterson e seus companheiros;
  versões relativamente á sua morte, 200 a 202

Pepe, assassinado, 15

Pescaria, em lagoa, 153

Phillips, M^{r.}, sertanejo Inglez, 124, 160

Pico Botes, 248

Pietermaritzburgo, conflicto entre os Boërs e os Inglezes, 248

Pieter Retief, chefe de Böers, 246

Pilands Berg, 232

Potchefstroom, 259

Pretoria, a caminho de, 204;
  chego a 242, 259;
  minha estada em, 269;
  recebo offerecimentes do governador do Cabo, do consul de Portugal,
    e outros, 277;
  descripção, 285;
  alarme bellico em, 289

Pretorius, Adriam, 247-250

Prôto, nome porque he conhecido, pelos indigenos, Silva Porto, 58

Provisões, 65, 138, 146


Queimbo, rio, 94

Quetei, rio, 230

Quimbandes, 95

Quimbares, 18

Quimbundo, 18

Quiôcos, ou Quibôcos, 95


Ràpidos, de Bombue, 78;
  do Lusso, 81;
  diversos, 82, 83

Recursos, acho-me desertado pela minha comitiva, roubado, e sem
    recursos, 48;
  fabrico ballas do chumbo tirado ás redes, 49, 51

Rhinoceronte, 222

Risseck, D^{or.}, 275

Rustemburg, 259


Sauders, Capitão, 275

Selous, M^{r.}, ousado caçador Inglez, 283

Semalembue, 101

Sepulturas de cinco Inglezes, 151

Settequane, 180

Sezuto, idioma, 8

Shepstone, Sir Theophilus, 258, 261

Silva Porto, 9;
  traição dos muleques de, 56;
  seu honrado character, 58

Simoane, ribeiro, 170

Sioma, acampámos na aldêa de, 73

Siróque, Macololo audaz, 16;
  assassinado em Mutambanja, 17

Snell, consul Portuguez, 308, 311

Stanley, sem ser o celebre viajante Americano, 185;
  fazendeiro do Transvaal, 187, 205;
  recusa-se a seguir até Pretoria, 226

Strickland, General, 307

Swart, M^{r.}, thesoureiro no Transvaal, 269;
  obsequios delle recebidos, 270


Tala Mugongo, 18

Tamafupa, lagoa, 160

Tamazeze, 160

Taylor, M^{r.}, negociante no Manguato, 196;
  penhorantes obsequios e serviços de, 197, 199;
  despeço-me de, 203, 204

Termites, trabalhando ao ar livre, 136, 222

Tlala Mabelli, 177

Tlassam, ribeiro, 175

Transvaal, no, 235;
  descripção, 236, 238;
  historia de, 243 a 292;
  minas, 251;
  annexação, 255;
  via ferrea com Lourenço Marques, 258;
  descripção, 300

Trovoadas, 134, 137, 213

Tyler, 275, 281


Uanhis, pygargos gigantescos, 85, 86

Ungenge, reino de, aliás Barôze, 1, 2


Vagom, para viajar em Àfrica, 158, 200, 201;
  atravessam o rio, 219

Van Levetzow, Baroneza, 280

Van Riebeck, D^{or.}, primeira feitoria fundada no Cabo da B. Esperança,
  243

Vatuas, on Landins, 187

Verissimo, tramo com elle, por segurança minha, 38;
  doente gravemente, 131

Volksraad, assemblea nacional, 256


Walsh, Alexandre, 118

Wanderboom, arvore sagrada, 297

Waterboer, 251

Waterfalls, 299

Watley, M^{r.} Watley e M^{r.} Davis sam os primeiros a
  cumprimentarem-me pêla minha viagem, 220

Westbeech, aldeas de M^{r.}, 124


Xoxom ou Shoshong, 187;
  partida de, 203


Zaire, rio, 93

Zambeze, navegavel de Cariba ao Zumbo, 10;
  no Zambeze, 39;
  preparativos para descêr o, 62;
  nas margens do, 71, 74;
  descripção, 76, 82;
  em perigo nos ràpidos, 83, 84;
  do Bihe ao curso superior do Zambeze, 92 e seguintes;
  do alto Zambeze, 98, 99;
  curso do alto, 98;
  descripção do valle, 99;
  miasmas, 99

Zebra, matei uma, 88;
  optimo alimento, 89

Zuikerbosch-Rang, 298

Zulus ou Matabeles, 188, 248, 289

Zumbo, abrir o caminho do, 9, 131

Zoutpansberg, 223


*FIM*.



LONDRES: NA TYPOGRAPHIA DE GUILHERME CLOWES E FILHOS (COMPANHIA
LIMITADA). STAMFORD STREET E CHARING CROSS



*Notas*:


[1] Noticias do Lui que ja recebi na Europa, umas mandadas por o D^{or.}
Bradshaw, outras vindas do Bihé, dizem-me, que os Luinas, depois da
minha estada entre elles, sofréram um cruel ataque de umas tribus do
N.E., que o D^{or.} Bradshaw chama Ma Kupi-Kupi. Depois d'isso, Lobossi
mandara matar o Gambela, Machauana, e o joven Munutumueno, filho do rei
Chipopa. Corria ha pouco no Bihé, que o rei Lobossi tinha sido
assassinado, e ja ali havia outro soberano, que as ùltimas noticias do
sertão, de fonte pouco segura, diziam ser o proprio Manuanino.

[2] Esta expedição Luina mandada por mim, chegou a Benguella, onde foi
muito bem recebida pêlo Governador Pereira de Mello, e pêlo côrpo
commercial da cidade, sôbre tudo por Silva Porto, que empregáram tôdos
os esfôrços para os animarem a voltar ali em viagens de tràfico. Esta
tentativa minha, a que em Benguella déram alguma importancia, passou
quasi desapercebida na Metròpoli. É contudo, se é importante que o
Europeo vá levar o commercio aos paizes do interior, é mais importante
ainda, para o tràfico e para a civilização, fazer com que o indìgena
venha negociar ás feitorias da costa.

[3] Silva Porto, em 1849.

[4] Fui mao propheta. Monotumueno foi assassinado pêlo rei Lobossi em
Dezembro de 1879.

[5] Esta bala e algumas garras da enorme fera, fôram offerecidas a Sua
Magestade El-Rei, o Senhor D. Luiz 1^o.

[6] Quatro jardas de fazenda ali valem 8 xelins, pois sam reputadas a 2
xelins a jarda.

[7] Mabelli é massambala, ou _Sorghum_.

[8] Consta hoje que Lo-Bengula esposou uma irmã de Muzila, e que por
esse facto se tornáram alliados. Esta alliança pode trazer graves
complicações ao futuro desenvolvimento colonial da Àfrica do Sul.

[9] O autor, n'este perìodo, refere-se a um trecho de poesia do Poema
"D. Jayme," de Thomas Ribeiro, intitulado "_As Flôres d'Alma_," e
particularmente ás tres seguintes quadras:

"Embora ao êrmo, a divagar sòzinho,
Côrra o mesquinho por amor trahido;
Quando o remorso lhe não turbe a calma,
Nas _flôres d'alma_ hade encontrar olvido.

Naufrago, lasso, a sossobrar nas vagas,
Sem ver as plagas, ônde almeja um pôrto,
Embora o matem cruciantes dôres,
D'_alma nas flôres_ achará confôrto.

O pobre monje, que de pé descalço
De um mundo falso os areáes percorre,
Quando lhe entregam do martyrio a palma,
Ás _flôres d'alma_ se encomenda e morre."

[10] Os Matebelles sam Zulos.

[11] Effectivamente, a maior parte das pelles da innùmera caça que matei
então, chegou a Portugal, e só perdi algumas que cahiram ao mar, em
Durban.

[12] Muitas d'estas pennas fôram offerecidas por o autôr a Sua Magestade
El-Rei D. Luiz.

[13] Sempre que o autôr fala em Hollandezes, entende por isso os filhos
da Hollanda, e não os Böers de qualquer dos Estados.

[14] Hôje Coronel Tyler, que vive no seu palacio de Lynstead, em
Sittingbourne (Kent).

[15] Hôje General Sir Evelyn Wood, K.C.B.

[16] _C.B._ Cavalheiro do Banho.

[17] A _Victoria Cross_ é a mais nobre condecoração da Inglaterra, e so
é dada por uma acção de extremado valor em campo de batalha.





*** End of this LibraryBlog Digital Book "Como eu atravessei Àfrica do Atlantico ao mar Indico, volume segundo" ***

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