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Title: Nas trevas - Sonetos sentimentaes e humoristicos
Author: Castelo Branco, Camilo Ferreira Botelho, 1825-1890
Language: Portuguese
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*** Start of this LibraryBlog Digital Book "Nas trevas - Sonetos sentimentaes e humoristicos" ***


                      Camillo Castello Branco

                                NAS

                              TREVAS

               _Sonetos sentimentaes e humoristicos_


                             _LISBOA_
             LIVRARIA EDITORA, TAVARES CARDOSO & IRMÃO
                       6, LARGO DO CAMÕES, 6
                                --
                               1890



                            NAS TREVAS



                      Camillo Castello Branco

                                NAS

                              TREVAS

               _Sonetos sentimentaes e humoristicos_


                             _LISBOA_
             LIVRARIA EDITORA, TAVARES CARDOSO & IRMÃO
                       6, LARGO DO CAMÕES, 6
                                --
                               1890



             Typ. Christovão--60, Rua de S. Paulo, 62



_Á memoria immaculada do Conde de S. Salvador de Mattosinhos, consagra o
author estas derradeiras pulsações da sua vida litteraria._



Nota Illustrativa


No soneto XVI d'esta collecção, dirigido ao sr. conselheiro e ministro
d'estado honorario Thomaz Ribeiro, a posteridade, louvando o caracter
honesto d'este funccionario, invectiva indirectamente a probidade de
muitos comtemporaneos d'aquelle honrado secretario d'estado. Os versos
dignos de reparo são estes:

    «Dirão de ti as porvindouras eras:
    «Ministro pobre em Portugal!... Chimeras!
    «Ou viveu farto, ou nunca foi ministro..»

Eu já respondi á posteridade injusta nas paginas d'um livro provavelmente
esquecido: «_Maria da Fonte_:»

«O bispo de Vizeu, algumas vezes ministro, quando estava no poder, cedia os
rendimentos da mitra e não podia sustentar dois sobrinhos em Coimbra por
falta de meios; e por sua morte, o espolio da guarda-roupa prelaticia eram
dois pares de calças, umas muito no fio, outras com fundilhos. Antonio
Rodrigues Sampaio um luctador de meio seculo, legou á sua familia um
miseravel monte-pio. O conde de Thomar estava pouco menos de pobre quando o
conde de Ferreira lhe legou cem contos. E a alma immaculada do gentilissimo
duque de Loulé? E o austero duque d'Avila encouraçado de commendas e cruses
para que o demonio dos maus pensamentos lhe não penetrasse no peito? E
Rodrigo da Fonseca, rival de Passos Manuel no desinteresse? E Fontes
Pereira de Mello, invulneravel em pontos de honra, como Anselmo Braamcamp?
Antonio de Serpa, Mendes Leal e Andrade Corvo, quando deixaram de ser
ministros iam ganhar a sua vida no jornalismo e no magisterio, e saldar com
esses mesquinhos salarios as suas dividas contrahidas no poder. E Lobo
d'Avila, um destro gymnasta do talento que se tem dado por bem pago com a
benemerita reputação de muito esperto? E Latino Coelho? um ministro que, em
materia de ladroagem, só correu eminente risco de ser roubado nos diamantes
do seu estylo, se se demorasse no gabinete a ler e a subscrever portarias
bordalengas? E o lovelaciano Barjona, grande salteador de corações incautos
e mais nada? Não se viu Thomaz Ribeiro, quando largou segunda vez a pasta,
abrir escriptorio de advogado? E Lopo Vaz, que tem sahido do governo mais
illibado e menos martyr do que sahiu do governo da India outro Lopo Vaz,
seu problematico avô? Pinheiro Chagas escreve correspondencias para o
Brasil e artigos avulsos nos jornaes litterarios afim de conservar a velha
freguezia dos seus admiradores. José Luciano de Castro acinge-se ás
restricções de uma austera parcimonia, para educar os filhos com o seu
patrimonio. Ao Conde de Casal Ribeiro perguntem-lhe por metade dos seus
haveres!

      *      *      *      *      *

Outro soneto que remetti ao meu amigo Thomaz Ribeiro era acompanhado de
algumas quadras significativas da conformidade com que eu me recolhi ás
minhas trevas como d'antes ao meu gabinete de trabalho cheio de luz.

A imprensa jornalistica, transcrevendo essas singelas coplas, revelou, de
par com o sentimento da commiseração, uma especie de contentamento pela
ressurreição da minha alma n'este mundo escuro em que a saudade da luz faz
o milagre de me representar por momentos as coisas tragicas e as risonhas
da minha vida passada.

Aqui estão as quadras que eu não posso estremar dos outros versos
meditados na minha longa e já agora perpetua escuridade.

         *A Thomaz Ribeiro*

    Se cá vens jantar, meu anjo!
    Dou-te o esplendido soneto,
    Que n'esta data remetto,
    E talvez te faça arranjo.

    Uma prenda caprichosa
    Dá-se em mim e não t'a nego:
    É que depois que estou cego,
    Já não sei fallar em prosa.

    Tem delicias esta cruz
    Feita de pranto e poesia!
    Ah! que estranha anomalia...
    Quanto mais trevas mais luz!

    Homero, Milton, Castilho,
    Portentos d'inspiração,
    Acharam na escuridão
    Sóes d'eterno e immenso brilho.

    Poetas epicos d'Iliadas
    Temos duzias; mas eu colho
    Que tinha apenas um olho
    O que escreveu os _Lusiadas_.

    Quando regressou da Persia,
    Um perfeito proletario!
    Touxe um olho solitario
    Sempre a chorar por Natercia.

    Tivesse elle olhos normaes,
    Com algumas Inscripções,
    Faria chilras canções
    Sonetos e madrigaes.

    Assentemos sem refolhos
    Que não seria o cantor
    Do feroz Adamastor
    Se possuisse os dois olhos.

    Por que Deus, quando escurece
    A luz brilhante de fóra,
    Faz repontar nova aurora
    Dentro d'alma que amanhece.

    Seja pois abençoada
    A Providencia divina
    Que apagando-me a retina
    Me fez da treva, alvorada!

    Se eu tiver um cenotaphio,
    Em que caibam tres palavras,
    A ti te rogo que as abras
    Com este humilde epitaphio:

    «Venceu emfim as procellas
    «E o pavor da escuridade!
    «Dai-lhe a vossa claridade,
    «Ó lucilantes estrellas!

O soneto relativo ao sr. Oliveira Martins não carece de prosa que o
desculpe. Este eminente escriptor e fecundissimo talento sabe, ha muitos
annos, quanto eu admiro as suas aptidões litterarias e virtudes civicas.

Esses versos foram ditados no dia em que se esperava a nomeação de S.
Ex.ª para os conselhos da corôa, onde o discreto publicista não quiz
subir, para não descer.

A flecha da satyra pode alvejar certos homens porem não os fere. A
couraça do talento, retemperada pela honra, é impenetravel.

      *      *      *      *      *

O soneto _Te-Deum Laudamus_ d'esta collecção necessita de esclarecimentos
que me absolvam da culpa da maledicencia. Eu não tive em vista satyrisar
nem sequer ligeiramente melindrar o cavalheiro protogonista d'esse
inoffensivo poemeto.

Destinei enviar a um jornalista eminente o soneto com uma carta que lhe
tirasse as asperesas da mordacidade. Não sei que motivo se deu para que
as rimas ficassem até agora ineditas. Isso não impede que os versos
e a prosa sejam publicados. Dizia assim a carta:

«Considero com respeitosa admiração as faculdades civicas e os talentos
do sr. conselheiro Marianno de Carvalho. Ha-de haver 15 annos que
Antonio Augusto Teixeira de Vasconcellos m'o assignalou como o mais
esperançoso luctador da arena politica.

«Li muitos dos seus artigos humoristicos onde achei confirmado o
vaticinio do grande mestre da polemica e da critica.

«Congratulei-me com os amigos de S. Ex.ª quando, ha poucos dias, uma
eventualidade auspiciosa o salvou do desastre d'um descarrillamento na
via ferrea d'Hespanha.

«Assisti espiritualmente ás missas que se resaram em acção de graças por
esse motivo. V. Ex.ª sabe que no amago das coisas mais serias e graves ha
sempre um sedimento comico, o qual, bem esgaravatado, apparece. Este meu
soneto, é o sedimento metrificado em rimas ordinarias e pouco felizes. Eu
me persuado que o alto espirito do sr. Marianno de Carvalho se riu das taes
missas, primeiramente que eu. Essa luminosa pratica do Catholicismo, que
enveste Nosso Senhor Jesus Christo da qualidade, pouco divina, de fiscal e
arbitro dos desastres em caminhos de ferro, figura-se-me um contra-senso
prehistorico a todas as religiões conhecidas. Seria para mim um germem de
revolta e descrença na suprema justiça, saber eu que o sr. conselheiro
Marianno de Carvalho saiu do descarrillamento illeso de perigo, sem uma
ligeira escoriação na sua epiderme, tendo-me succedido ha 9 annos sahir
d'igual desastre com a cabeça oito vezes fendida. Não me posso convencer de
que Sua Divina Magestade revellasse tamanha ausencia de imparcialidade,
como architecto supremo que dirige as cousas do Universo, e principalmente
as que em Portugal respeitam ao sr. Marianno de Carvalho e a mim, quando
viajamos. Seja como fôr, desejo ardentemente que o sr. conselheiro,
dando-me a honra de ler este soneto, haja por bem de o applaudir com um
sorriso.»

      *      *      *      *      *

O Soneto: _Logica de ferro_, foi enviado com a seguinte carta a um
jornal que o regeitou como inconveniente e desorganisador do systema de
convenções methodicas em que todos estamos mais ou menos illaqueados.

«Mande publicar o soneto que lhe envio, senão fôr hostil ás suas
opiniões theologicas, em tal assumpto. Eu por mim, pendo a favor do
Patriarcha, padre catholico, na linha recta dos seus deveres, entre os
SS. PP. e os concilios. Aquelles que invectivam o Cardeal, e ao mesmo
tempo promovem suffragios por alma d'El-Rei, não digo sejam hypocritas;
mas aproveitam a methaphysica do catholicismo para alardearem um
espalhafato de piedade.

«O padre catholico opera convicto e por consequencia correcto. Os outros
servem-se da religião theatralmente. Como quer que seja, eu me persuado
que El-Rei D. Luiz I está serenamente recostado no seu leito de marmore
no Pantheon de S. Vicente de Fora; e quem se lembrar da bondade da sua
alma, no transcurso de 28 annos de prospero reinado, presta á sua
memoria a mais sagrada homenagem com que os vivos podem suffragar os
mortos.»



SENTIMENTO



I

O Conde de S. Salvador de Mattosinhos


    O conde entrou no albergue arruinado
    De S. Miguel de Seide. Era anciosa
    A vida que eu vivia tormentosa,
    Á cegueira fatal já condemnado.

    Eu vi-lhe o coração bondoso e honrado
    Na face ingenua e triste e maviosa;
    Pulsava n'elle a nota dolorosa
    Do estranho soffrimento recatado.

    Chorava ao despedir-se. Era a tristeza
    De me deixar na formidavel presa
    Da treva, em quanto a morte a não dissolve.

    Partiu chorando. E nunca mais nos vimos.
    Mortos! Ao mesmo tempo, ambos cahimos
    Na eterna escuridão que nos envolve.



II

Visconde de Benalcanfor


    Já morto! Dilacera-me a saudade.
    Não tenho mais ninguem d'aquelles dias
    De ephemeras, vibrantes alegrias,
    Que me illumine a escura mocidade.

    Que ridente e subtil jovialidade!
    Que brilhantes hyperboles fazias,
    Com graça encantadora, quando rias
    Dos sérios carnavaes da sociedade!

    A dor de envelhecer não a venceste;
    Pois que do coração sempre viveste,
    Matou-te finalmente o coração.

    Vencido luctador, meu pobre amigo,
    Desde hontem que tu dormes no jazigo
    O sinistro dormir da podridão.



III

A maior dor humana

(Na morte quasi simultânea dos dois filhos unicos de Theophilo Braga)


    Que immensas agonias se formaram
    Sob os olhos de Deus! Sinistra hora
    Em que o homem surgiu! Que negra aurora,
    Que amargas condições o escravisaram!

    As mãos, que um filho amado amortalharam,
    Erguidas buscam Deus. A Fé implora...
    E o ceu que respondeu? As mãos baixaram
    Para abraçar a filha morta agora.

    Depois, um pai que em trevas vae sonhando,
    E apalpa as sombras d'elles onde os viu
    Nascer, florir, morrer!... Desastre infando!

    Ao teu abysmo, pai, não vão confortos...
    És coração que a dôr impedreniu,
    Sepulchro vivo de dois filhos mortos.



IV

Luiz--O Bom


    Quando El-Rei D. Luiz for accolhido
    Aos penetraes da escura eternidade,
    Será pungente a funeral saudade
    Que mais pondera e chora o bem perdido...

    Não houve em seu reinado um só gemido
    De guerra fratricida! A Magestade,
    Passando o sceptro ás mãos da Caridade,
    Baixava ao lar sem pão, do desvalido.

    Senhor! deram-te as lettras ledos dias,
    E as intimas, supremas alegrias
    De quem trabalha--Eterna e sancta lei!

    Revives na saudade, alma serena!
    Se a patria em que reinaste era pequena,
    Fôras em maior reino um grande rei.



V

Lagrimas


    Senhora! em vosso rosto macerado
    Transluz da alma afflicta a immensa dôr!
    D'um lado, a morte; do outro, o vosso Amor
    Tremenda lucta ao pé do Esposo amado!

    Contaes as pulsações do peito anciado
    Em estos convulsivos do estertor;
    Só podem vossos labios dar calor
    Áquelle corpo inerte, hirto, gelado.

    Vós bem vêdes, Senhora, este quebranto
    Que enluta Portugal! Ergue-se o pranto,
    Quando a morte do Paço se avisinha...

    Pois quanto uma nação póde soffrer
    Não tem o acerbo e intenso padecer
    Das vossas sanctas lagrimas, Rainha!



VI

Corôa de espinhos


    Das trevas d'alem-mundo o esposo amado,
    Rainha, é Rei comvosco! Inda reinaes,
    Que o vosso throno assenta em pedestaes
    Dos corações que tendes conquistado.

    Mas que delicias tem esse reinado?!
    Senhora, alguma vez não invejaes
    Os remançosos dias sempre iguaes,
    D'um doce egoismo calmo e recatado?

    Reinar!... reinar chorando a cada hora!
    O vendaval da dôr que ruge fóra
    E a propria dôr!... Chimeras dolorosas!

    Ha tanto abysmo em flóridos caminhos...
    O diadema de Christo era de espinhos!...
    Sagradas sois, corôas tormentosas!



VII

Velhos problemas sagrados


    Pergunta-se á divina Providencia
    Que segredos são estes do Destino?
    Ha vidas triumphaes: parecem hymno
    Sem nota de penosa intercadencia.

    Mimosas em regalos d'opulencia,
    Não soffrem o revez d'um desatino:
    Se o buscam, acham sempre o Velocino,
    Sem medo que naufrague a consciencia.

    Outros vão sobre espinhos arrastados
    Pela mão da Virtude, acorrentados
    Aos preceitos sanctissimos do Eterno!

    Quem deu á infamia vida tão folgada?
    Quem dilacera a honra? É Deus ou Nada?
    Responde, Excelso auctor do meu inferno!



VIII

Rachel


    Libavas, borboleta, a flôr da vida
    No parque ameno d'ideaes chimeras.
    Que seja amor, não sabes; mas esperas
    Vencer captiva, e captivar vencida.

    Chega a paixão... Retraes-te espavorida!
    Saudade tens das quinze primaveras,
    Em que, menina e moça, amada eras,
    Sempre isenta, risonha e distrahida.

    Vence a paixão... E o teu anjo innocente,
    Desligado de ti, mésto e dolente,
    Regressa para o ceo; mas vai chamando-te...

    Não foste! És presa á minha desventura!
    Em grande amor te dei grande amargura...
    Fui teu verdugo, mas verdugo amando-te.



IX

Alexandre da Conceição


    Bem me lembra que o vi, na juventude,
    Rosado pela aurora d'essa idade.
    Eram prismas d'amor e d'amisade
    Os carmes do seu mystico alahude.

    Sendo fatal que degenere e mude
    A crença, o affecto e o bem da mocidade,
    Sangram-lhe o peito espinhos de vaidade,
    Nos arranques da briga azeda e rude.

    Mais tarde o encontrei. Já era o homem
    Ralado por desgostos que consomem,
    E põem na face um gesto acre e severo.

    Se o seu bondozo riso era apagado,
    Restava-lhe este honroso predicado:
    Prégando o Socialismo, era sincero.



X

Paciencia


    Quem pode conceber que Deus creasse
    Tanta obra perfeitissima, esmaltada
    Pelo espaço infinito, e a desgraçada
    Raça humanal de imperfeições manchasse?

    Quem pode conceber o acerbo enlace
    De miserias que esmagam, condemnada
    A creação mais nobre, atormentada
    Desde o berço até ás ancias do trespasse?

    É certo que as desgraças são enormes;
    Mas tu, Deus abscondito, não dormes,
    Quando eu te invoco a divinal clemencia.

    Ao dar-me as penas com que me torturas,
    Um thesouro me deste de venturas:
    Chama-se este thesouro a PACIENCIA.



XI

Veterano


    Sensiveis corações, ouvi meus brados!
    Nasci lá nas montanhas de Barroso.
    Meu pae foi um pastor libidinoso,
    Que brutalmente fez alguns peccados.

    Foi minha mãe pastora de cevados.
    Morreu quando eu nasci; mas tão mimoso
    Que foi meu berço! um antro penhascoso...
    Setenta e quatro annos são passados.

    Soldado fui; servi, em Caçadores,
    Dois amos, ambos elles _mais peores_:
    Um era D. Miguel; o outro, o irmão

    Metteram-me tres balas n'este flanco...
    Bem me custa, arrastado, andar tão manco
    De porta em porta a mendigar o pão.



XII

Scena trivial


    Este homem que me vem pedir esmola,
    Muito bem conheci, galhardamente
    Vibrando o pingalim no dorso ardente
    Dos seus nedios frisões. Fez alta escola.

    Quando o fulvo ginete encaracola
    E assesta o seu monoculo insolente
    Nas timidas donzellas, cuida a gente
    Que João Tenorio a virgindade assola!

    Que descalabro é esse em que se liga
    Este esqualido velho que mendiga
    Ao dandy esvelto e triumphal que eu vi?!

    Inquiro o desabar em tal miseria...
    Responde: «Essa pergunta será séria?
    «Fui rico, hoje sou pobre...»
                                  Ah! percebi...



XIII

Alcacer Kibir


    Verdugo, que esmagaste a India aos pés
    Eis aqui, Portugal, o que tu fôste!
    Repulsivo morphetico d'Aoste...
    Eis aqui, Portugal, o que tu és!

    Os Gamas, Albuquerques e Sodrés,
    Alçando a cruz em sanguinoso poste,
    Bradam ser Christo o general da hoste,
    Se os povos sangra o ferro portuguez.

    Terrivel vae mostrar-se a Providencia,
    Arrancando das mãos da prepotencia
    A levantina raça acorrentada.

    India, escrava gentil, espera um pouco...
    Lá vem sobre Marrocos um rei louco...
    Eis Alcacer-Kibir! estás vingada.



XIV

Jorge


    Constantemente vejo o filho amado
    Na minha escuridão, onde fulgura
    A extatica pupila da loucura.
    Sinistra luz d'um cerebro queimado.

    Nas rugas de seu rosto macerado
    Transpira a cruciantissima tortura
    Que escurentou na pobre alma tão pura
    Talento, aspirações... tudo apagado!

    Meu triste filho, passas vagabundo
    Por sobre um grande mar calmo, profundo.
    Sem bussola, sem norte e sem pharol!

    Nem goso nem paixão te altera a vida!
    Eu choro sem remedio a luz perdida...
    Bem mais feliz és tu, que vês o sol.



HUMORISMOS



XV

Critica do auctor


    Estes velhos sonetos não rutilam
    Brilhantes Documentos sociologicos,
    Nem modernos processos biologicos,
    Leis que os vates senis não assimilam.

    Abundam lentejoulas que scintillam
    Disfarçando microbios pathologicos,
    Fermentações de vicios phisiologicos,
    Basofias anormaes, lesões que opilam.

    Escreve alguem: «Quem reina é Sancho Pança.»
    Serodio D. Quixote, jámais podes
    Sanar a podridão que avulta e avança.

    Se os preconceitos, velho, não sacodes,
    Se não deixas de ser sempre creança,
    Fazem-te o que ás creanças fez Herodes.



XVI

Thomaz Ribeiro


    Ao cantor de _D. Jayme_ era ousadia
    Dedicar uns insipidos sonetos,
    Bem pallidos, mesquinhos esbocetos
    Dos _Ridiculos_ grandes d'hoje em dia.

    A ti que illeso passas n'esta orgia,
    Modesto, honrado e amado, que amulêtos
    Te salvam d'estes pantanos infectos
    Em que chafurda a esqualida anarchia?

    Tantas vezes Governo!... E não tens pejo
    De ser pobre, ó Thomaz ?... Isto que vejo
    Me inspira o vaticinio que registro:

    Dirão de ti as porvindouras eras:
    «Ministro pobre em Portugal! Chimeras!...
    «Ou viveu farto, ou nunca foi ministro!»



XVII

Remorso


    Eu choro quando, ás vezes, me concentro
    A meditar nas horas malogradas,
    Noites de inverno, gelidas, passadas
    Nos Carnavaes rhetoricos do Centro.

    Convidam-me a ser socio. Acceito e entro,
    Deixando solitarias, consternadas,
    Três Marilias que amei! Estaes vingadas!
    Remorsos me excruciam cá por dentro.

    Dizia-me um _dynastico-esquerdista_:
    «Prepara-se você para estadista?
    «Aspira a ser ministro? A escola é esta.»

    Pois, senhores, dez mezes decorridos,
    Bom politico, em todos os sentidos,
    Sahi do Centro, mas sahi mais besta.



XVIII

Te-Deum Laudamus


    Vai grande barafunda lá no Empyreo!
    Acaba de chegar um estafeta,
    Que diz ser natural d'este planeta,
    E as noticias que dá causam delirio.

    Formou-se logo um luzitano cyrio;
    E o Marquez de Pombal, lendo a gazeta,
    Fita em Garrett a celebre luneta
    E diz: «Veja, collega, este martyrio!

    «O nosso Portugal tornou-se um Congo!...
    «Resam missas Lisboa e mais Vallongo,
    «Por que um feliz descarrillou sem damno.

    «Recebo agora officio do governo,
    «Pedindo-me agradeça ao Padre Eterno
    «O favor de salvar o Marianno.»



XIX

7:500 contos


    Finou-se em França, ha pouco, um millionario
    Nascido em Portugal.--Honra é dizel-o!
    Sahindo d'um cardenho de Lordello,
    Foi no Brasil doutor e boticario.

    Não tem seu nome algum Nobiliario;
    Não foi conde sequer, ou não quiz sel-o,
    Qual outro seu collega, do Restello,
    E outros mais fidalgos d'Hervanario.

    Seu nome é conhecido em toda a Europa;
    Que um tal Nababo rara vez se topa
    Com opulencia tal, mais que aziatica!

    Tendo quinze milhões, soffria um mal
    Rebelde ao milagroso capital...
    Morreu d'uma anazarcha aneurysmatica.



XX

Lua de mel


    Aquelle teu amigo de Peniche
    Casou, já sabes? Com a «Celidonia»,
    Horisontal, (_hectaira_, em lingua jonia)
    De labio rubro e olho d'azeviche.

    Naufragou muitas vezes no beliche
    De notaveis pilotos da Parvonia;
    Vogou desde Monção á Patagonia,
    E, voltando, não topa onde se aniche.

    Emfim, com sete filhos engeitados
    E os musculos bastante escanifrados,
    Pilha um palerma que jámais lhe escapa!

    São noivos. Vão _fazer a lua_ em Cintra.
    Pergunta agora tu ao tal pelintra
    Se a lua foi de mel ou de jalapa.



XXI

Messias


    Oliveira Martins, por toda a parte,
    Se augura que será novo Pombal!
    Vou dar-lhe uns leves toques d'immortal
    N'um soneto pomposo, primor d'arte!

    Prostrada Lusitania, irmã de Marte,
    Emerge d'este podre tremedal!
    Levanta-te, caduco Portugal,
    Que os philtros do Martins vão remoçar-te!

    Ouvides estrallar o Terramoto?
    O sangue dos ladrões, continuo moto,
    Já faz nas praças charcos e meandros!

    Ministro redemptor, não retrogrades!
    Se Joaquim d'Aguiar foi _mata-frades_,
    Sê tu, bravo Martins, _mata-malandros_.



XXII

Portugal Contemporaneo


    Não se olvidem jámais os casos serios,
    E as epicas façanhas dos Archontes!
    Ó Musa da calumnia, não me contes,
    D'esta luza Calabria altos mysterios.

    Fulminavam-se outr'ora os ministerios,
    Porque tinham ladrões; depois, o Fontes,
    Rasgando á patria novos horisontes,
    Exterminou os Verres deleterios.

    Sumiram-se os fataes homens sinistros!
    Já não são sacerdotes os ministros
    Do vil bezerro d'ouro, ou da bezerra.

    No tocante a ladroes, não ha nenhum;
    Já não se encontram três, nem dois, nem um...
    No pinhal da Azambuja e na Falperra.



XXIII

Logica de ferro


    Nas bemaventuradas regiões,
    Onde existe do mundo o Directorio,
    Não entram almas sem, no Purgatorio,
    Purgarem a peçonha das paixões.

    Que são indispensaveis orações,
    Em desconto das culpas, é notorio;
    Dil-o Affonso Maria de Ligorio,
    Confirma-o Frei José dos Corações.

    Arguir de fanatismo o Patriarcha
    É sandice ou má fé que excede a marca:
    É não saber do Cathecismo a lei.

    Se entendem que o bom Rei já vive em gloria,
    De que serve essa vã Deprecatoria
    De suffragios e missas pelo Rei?



XXIV

Aromas


    Meu lindo Portugal, mina de heroes,
    Ser teu filho é bem bom, e até bonito!
    Percorre a gente as ruas sem apito,
    Sobraçando os pacatos guardas-soes.

    Matronas de comprados caracoes,
    Que ao ceu não vão de certo com palmito,
    Se, primeiro, parecem de granito,
    De borracha é que são; mas é depois...

    Ha povos que se nutrem só de flores,
    É Camões quem o diz. Tambem Lisboa,
    Vapora fragrantissimos odôres.

    Mas eu não sei dizer-lhes, meus senhores,
    Se os taes cheiros são coisa má ou boa:
    Sei que é d'elles que vivem os auctores.



XXV

Lisboa bucolica


    Na lusa Babylonia ha parvoices
    Atavicas, talvez; pois bons auctores
    Carimbam de sandeus os fundadores,
    E chamam parvo ao seu caudilho Ulysses.

    Assim começa o rol das taes tolices:
    Familias vão, nos mezes dos calores,
    Refrigerar no campo os seus ardores,
    E haurir das frescas brisas as meiguices.

    Alugam-se uns casebres purulentos,
    Onde os ratos vorazes e macrobios
    Esfarelam a dente os vigamentos.

    Mettidas n'esses fetidos cenobios,
    Depois de incalculaveis soffrimentos,
    Voltam do campo cheias de microbios.



XXVI

A outra metade


    Quando este corpo meu esfacellado
    Baixar á leiva humida da cova,
    Hão-de os jornaes carpir a infausta nova,
    Taxando-me de sabio consumado.

    Estalará na imprensa enorme brado,
    Pedindo a resurgencia d'um Canova,
    Que a morta face em marmore renova
    Para insculpir meu busto laureado.

    E algum dos imbecis necrologistas,
    Com soluçantes vozes de saudade,
    Dirá em ricas phrases nunca vistas:

    «Esse genio immortal, rei dos artistas,
    «No ceu pede ao Senhor que a _outra metade_
    «Reparta por vossês, ó jornalistas!»



XXVII

Comedia humana


    Litteratos! chorai-me, que eu sou digno
    Da vossa gemebunda e velha tactica!
    Se acaso tendes crimes em grammatica,
    Farei que vos perdoe o Deus benigno.

    Demais conheço a proza inflada, emphatica,
    Com que choraes os mortos; e o maligno
    Desaffecto aos que vivem... Não me indigno...
    Sei o que sois em theoria e em practica.

    Quando o avô d'esta vã litteratura
    Garrett, era levado á sepultura,
    Viu-se a imprensa verter prantos sem fim...

    Pois seis dos litteratos mais magoados,
    Sahiram, n'essa noite embriagados,
    Da crapulosa tasca do Penim.



XXVIII

(Recordação dos 9 annos)

Ao visconde d'Ouguella


    Nós aprendemos juntos a grammatica
    Do insigne e facundissimo Lobato.
    O nosso pedagogo intemerato
    Nos _Calafates_ fez resurgir Attica.

    Afora esta funcção assaz sympathica
    O mestre era guerreiro; e o desbarato
    Que fez nos miguelistas, não relato,
    Que eu da guerra civil detesto a tactica.

    Devemos-lhe os segredos do _dativo_
    E os mysterios do occulto _adjectivo_
    E os do _supino_, e mais coisas supinas.

    Visconde, é gratidão dizer ao mundo
    Que quem nos deu o litterario fundo
    Foi mestre João Ignacio Luiz Minas.



XXIX

Triumphos da eloquencia


    Se o bruto (_b_ pequeno) desalforja,
    Desbragadas injurias nos comicios,
    Contra argentarios, padres e patricios,
    Explue nos olhos crispações de forja.

    Esmurra o peito e jura pela gorja,
    Que o Vaticano cai podre de vicios.
    Se pede para os reis forcas, supplicios,
    _Hurrahs_ sanguineos vocifera a corja.

    Este luso Rigault é petrolista;
    Na lingua tem navalha de fadista;
    De resto, faz pagode e rija pandega.

    Está compondo agora outro discurso
    Com que espera alcançar, mas sem concurso,
    Ser despachado capataz d'Alfandega!



XXX

Derrocada


    Ao passo que vasqueja e expira a luz
    Do Templo onde, algum dia, celebraram
    O Passos, e o Mousinho e os que arrastaram
    Em terra estranha a esmagadora cruz,

    Na imprensa, uns pugilistas, braços nus,
    Uns contra os outros, rábidos, disparam
    Sarcasmos, que ao diabo não lembraram...
    Que linguas, sancto nome de Jesus!

    O Deus dos seis Affonsos e das Quinas!
    Se um vil desabamento nos destinas,
    Escuta o meu sincero e ardente voto:

    Faz pena este acabar quasi indecente...
    Concede-nos morrer mais seriamente:
    Transmitte-nos, Senhor, um terramoto.



XXXI

O ultimo romantico


    O extravagante Arthur, em Compostella,
    Viu desnalgar-se uma gitana Lola,
    Que tocava pandeiro e castanhola,
    E jurava que nunca foi donzella.

    Chamava-lhe _Esmeralda_, ou _Graziela_
    O romantico Arthur da velha escola;
    Mas tanto na paixão carnal se atola,
    Que os bens que tinha dissipou com ella.

    Assim que empobreceu, Lola safou-se;
    E Arthur a pouco e pouco definhou-se
    Até se evaporar sem ter vintem,

    A ti, que foste o ultimo romantico,
    Dedico o meu, talvez, ultimo cantico...
    E adeus! Se estás no ceu, porta-te bem.



EPILOGO



XXXII

Epilogo


    Paroxismos da luz! tristes cantares!
    Sahis da treva, em treva esquecereis!
    Romanticos leitores não choreis;
    Poupai-vos para os vossos máos azares.

    Se navegaes por bonançosos mares,
    De subito, no azul do ceu vereis
    A nuvem que se rompe nos parceis
    De imprevistas borrascas de pezares.

    Disse Henry Heine, o cego: «Não lastimem
    «As lancinantes magoas que me opprimem...
    «Espere cada qual chorar por fim.»

    E eu, que tanto carpi os condemnados,
    Os cegos--os supremos desgraçados!--
    Já lagrimas não tenho para mim!



INDICE

                                              Pag.

Nota Illustrativa                                7

O Conde de S. Salvador de Mattosinhos           21

Visconde de Benalcanfor                         23

A maior dor humana                              25

Luiz--O Bom                                     27

Lagrimas                                        29

Corôa de espinhos                               31

Velhos problemas sagrados                       33

Rachel                                          35

Alexandre da Conceição                          37

Paciencia                                       39

Veterano                                        41

Scena trivial                                   43

Alcacer Kibir                                   45

Jorge                                           47

Critica do auctor                               51

Thomaz Ribeiro                                  53

Remorso                                         55

Te-Deum laudamus                                57

7:500 contos                                    59

Lua de mel                                      61

Messias                                         63

Portugal Contemporaneo                          65

Logica de ferro                                 67

Aromas                                          69

Lisboa bucolica                                 71

A outra metade                                  73

Comedia humana                                  75

Ao Visconde d'Ouguella                          77

Triumphos da eloquencia                         79

Derrocada                                       81

O ultimo romantico                              83

Epilogo                                         87





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