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Title: Considerações sobre a Philosophia da Historia Litteraria Portugueza
Author: Quental, Antero Tarquínio de, 1842-1891
Language: Portuguese
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                             ANTERO DE QUENTAL

                     CONSIDERAÇÕES SOBRE A PHILOSOPHIA

                                    DA

                       HISTORIA LITTERARIA PORTUGUEZA

                   (A PROPOSITO D'ALGUNS LIVROS RECENTES)



                                2.ª EDIÇÃO


                                  PORTO

                            LIVRARIA CHARDRON
                         LELLO & IRMÃO, EDITORES
                                  1904



                         Porto--Imprensa Moderna



ADVERTENCIA

Foi publicado originariamente este pequeno trabalho em folhetins no
jornal o «Primeiro de Janeiro». Parecendo, porém, a algumas pessoas de
gosto que havia nas minhas considerações verdade e justiça sufficientes,
e que valeria a pena, por isso, dar mais alguma circulação ás idéas
emittidas, resolvo-me, para satisfazer ao voto d'essas pessoas, a
imprimir á parte estas paginas, accrescentando-lhes algumas observações,
suggeridas pelo escripto do snr. M. Pinheiro Chagas, «Desenvolvimento da
Litteratura Portugueza», que só pude vêr depois de publicados os folhetins.


                                                              _A. de Q._



Philosophia da Historia Litteraria Portugueza


        _Os Luziadas_; ensaio sobre Camões e a sua obra, em relação á
        sociedade portugueza e ao movimento da Renascença, por J. P. de
        Oliveira Martins. Porto, 1872.


        _Theoria da Historia da litteratura portugueza_; these para o
        concurso á cadeira de Litteratura moderna, no Curso superior de
        letras, por Theophilo Braga. Porto, 1872.


I

A philosophia das litteraturas é uma criação do nosso seculo, cujo
genio, ao mesmo tempo subtil e profundo, se revela sobretudo nos estudos
historicos, e a que um mixto particular de enthusiasmo e scepticismo, de
erudição e intuição, dá uma singular facilidade para penetrar o caracter
das varias raças, o espirito das varias idades e civilisações.

Uma maneira mais intima e juntamente mais larga de comprehender a
humanidade e o individuo, que caracterisa o pensamento moderno, explica
esta especie de condão magico com que o nosso seculo tem aberto os
recessos obscuros, em que a alma dos tempos antigos parecia haver-se
para sempre sepultado, defendida pelo silencio e pelo mysterio.

Com effeito, em quanto se não viu, por um lado, na humanidade um _todo_
vivo, cujos movimentos são determinados por leis naturaes e constantes,
embora complexas e obscuras, e, por outro lado, no individuo, dentro da
humanidade, uma força, não caprichosa, mas coherente, embora livre, e
cujas manifestações são todas respeitaveis e legitimas, tendo todas a
sua razão de ser e o seu valor; em quanto, sobretudo, se não
comprehendeu que os momentos da historia não são contradictorios entre
si, mas representam varios termos d'uma serie por onde o espirito
humano, ascendendo, se affirma, transformando em parte as condições do
_meio_ em que se move, e em parte subordinando-se a ellas, e que, por
isso, esses momentos não devem tanto ser _julgados_ como
_comprehendidos_; em quanto este ponto de vista, ao mesmo tempo
idealista e scientifico, se não estabeleceu--a historia critica, intima,
psychologica, era impossivel, e impossivel tambem a philosophia da
historia.

É por esta razão que a critica e historia litterarias soffreram em o
nosso tempo uma completa e profundissima renovação, e que a historia
philosophica das litteraturas só recentemente se pôde constituir.

Considerava-se, ha 100 annos ainda, a obra litteraria como uma criação
meramente individual, determinada apenas pelo sentimento pessoal, o
genio, as disposições do poeta: não se via a relação estreita que ha
entre a inspiração do individuo e o pensamento da época, a raça, o meio
social, e o momento historico. Uma poetica, tão estreita quanto
inflexivel, media tudo, as producções de povos e tempos os mais
diversos, por uma unica bitola, o _gosto_, e, dominada pela preoccupação
fanatica do _classico_, bania da historia épocas e raças inteiras,
condemnadas como barbaras, incultas, _rudes_. O que ha de mais
caracteristico e muitas vezes de mais profundo na obra d'arte, a
revelação do sentir intimo dos homens nas diversas condições moraes e
sociaes, ficava d'este modo perdido para a critica, era despresado em
nome d'um ideal de perfeição uniforme, em grande parte convencional, e
em todo o caso abstracto e, por isso, irrealisavel.

Sabemos hoje que a esthetica, sob pena de se excluir systematicamente da
realidade, não póde ser absoluta senão nas suas leis fundamentaes, isto
é, n'aquillo mesmo em que é absoluto e immutavel o espirito humano: em
tudo mais é, como elle, variavel e progressiva. Tem uma statica e uma
dynamica: e se a primeira, que é toda abstracta, explica e dá a razão da
segunda, que é toda concreta, é a segunda quem explica e dá a razão das
obras d'arte, naturalmente concretas e contidas nas condições do tempo e
do meio. Ao methodo exclusivamente abstracto substituiu-se o methodo
historico, e para logo todas as litteraturas, as antigas e as modernas,
as barbaras e as cultas, alumiadas por uma luz nova, appareceram com as
suas feições caracteristicas, os seus relevos naturaes, os seus
contornos, e vieram tomar cada qual o logar que lhe competia na
serie dos desenvolvimentos do espirito humano. Para logo tambem se
tornou manifesta a alta significação das litteraturas, testemunhas
desprevenidas e candidas, vindo depôr uma após outra sobre o viver
intimo das respectivas sociedades, e denunciando ingenuamente a feição
psychologica correspondente a cada povo e a cada idade. A philosophia da
historia encontrou n'ellas o instrumento mais delicado e, ao mesmo
tempo, o mais preciso, para determinar o grau de valor moral de cada
civilisação: na sua mão um poema pôde tornar-se, muitas vezes, o ramo
d'ouro da sibylla, com que descesse á região dos mortos, a
interrogal-os; versos cantados ha mil, ha dous e tres mil annos por
poetas desconhecidos, explicaram os movimentos das raças, as origens, os
esplendores, as revoluções e as catastrophes dos imperios.

A historia litteraria deixou de ser uma curiosidade: appareceu como uma
realidade cheia de vida e de expressão. Correspondendo a uma ordem de
phenomenos distinctos e importantissimos, tornou-se objecto d'uma
sciencia e, como tal, um ramo da philosophia. Hoje por toda a Europa, os
estudos de historia litteraria, transformados, seguem com firmeza no
caminho aberto com juvenil impetuosidade pela escóla allemã do começo
d'este seculo: refundem-se, desenvolvem-se ou corrigem-se as primeiras
conclusões, naturalmente incompletas umas e outras prematuras ou em
extremo systematicas, e á grande renovação sahida d'este movimento se
ligam muitos dos nomes mais illustres e das obras mais fecundas do
nosso tempo.

Entre nós, as duas gerações litterarias, que se succederam desde 1830
até hoje, mais apaixonadas e criadoras do que criticas, mais poeticas e
enthusiastas do que reflectidas, e, sobretudo, dominadas por aquella
como que instinctiva repugnancia ás ideas geraes propria d'um povo
educado pelo catholicismo no que elle tem de mais estreito e
esterilisador, receberam com desdem, ou apenas aceitaram, o que havia de
mais superficial no movimento renovador, quando não o ignoraram
completamente. A historia litteraria continuou _erudita_, como d'antes,
na sua gravidade inexpressiva, e a critica, apesar de muitas
proclamações revolucionarias, acatou todavia o altar consagrado e o
velho idolo do _gosto_. É verdade que o _gosto_, sacudido no seu somno
secular por mãos juvenis, teve de abandonar as vestes antigas e
compromettedoras do _classico_ e de se fazer (ou deixar que o fizessem)
_romantico_. Era já um grande passo, confessemol-o: simplesmente, este
primeiro passo, timido ainda, obrigava a dar um segundo e mais
decisivo--e esse é que não se deu.

Nem se podia dar. Devemos muito áquellas duas gerações, é justo
confessal-o. Mas a sua missão foi outra, e outro o seu trabalho. N'este
empenho de fazer penetrar o espirito philosophico na historia da
litteratura patria, e de levantar entre nós a critica á altura em que
mãos vigorosas e illustres a têem collocado n'outros paizes, a
geração nova achou-se sem predecessores nem mestres entre os escriptores
nacionaes, e teve forçosamente de se virar para os estranhos. D'aqui uma
certa confusão, a adopção quasi _sur parole_ dos systemas estrangeiros,
e algum mau estylo...

Entretanto, a sua vocação é essa, evidentemente critica e philosophica.
Menos criadora e espontanea, e libertada já dos preconceitos da educação
tradicional, a nova geração tem por área natural dos seus trabalhos os
estudos criticos e as idéas geraes. A historia philosophica, a
philologia, as sciencias sociaes, eis o vasto campo que, entre nós, a
sua actividade tem de desbravar e fecundar.

Na historia litteraria, os primeiros passos n'este caminho foram dados
corajosamente por um trabalhador dotado de energia e perseverança
singulares, o snr. Theophilo Braga. Pódem disputar-lhe qualquer outra
especie de gloria, menos esta, já não pequena, de iniciador. A
consideração do que ha de viril e quasi heroico na attitude dos
exploradores, faz-nos vêr na sua obra mais ainda o valor d'uma acção
pessoal do que o das conclusões scientificas, e dá-lhe um merecimento
independente das muitas imperfeições e lacunas, que seria pueril
pretender dissimular.

Com effeito, a sua gloriosa iniciativa é compensada, como geralmente
acontece aos iniciadores, por defeitos graves: dous, que resumem e
d'onde se originam todos os outros: a impaciencia, que leva a
conclusões prematuras, e o espirito systematico, que leva a conclusões
falsas. Por um lado, uma _verdura_ (se assim se póde dizer) de theorias
e explicações mais ou menos phantasiosas, e por outro lado uma
inflexibilidade canonica na applicação stricta de certas formulas aos
problemas os mais complexos, dão muitas vezes aos seus livros aquella
feição singular de inconsistencia e ao mesmo tempo de dogmatismo, de
aventuroso e juntamente de acanhado, que caracterisa os trabalhos sem
precedentes, filhos da febre da innovação e do isolamento. O grande
merecimento d'estes livros póde dizer-se que consiste ainda mais em ter
levantado as questões do que em tel-as definitivamente resolvido.

Ha, todavia, lados verdadeiramente solidos nas obras do snr. Theophilo
Braga. O seu talento é muito mais analytico do que generalisador;
d'aqui, a inferioridade relativa das suas apreciações philosophicas,
comparadas com os seus trabalhos propriamente criticos. N'estes, que
constituem a parte mais séria e fecunda da sua obra, encontramos os
processos da sciencia, como os têem comprehendido os mestres d'este
seculo, applicados geralmente com discernimento, com uma grave
despreoccupação de tudo o que não é a logica e a verdade, e dando
resultados positivos, muitos dos quaes se devem considerar definitivos.
Distinguem-se por estas qualidades, entre os volumes da sua grande
historia da litteratura portugueza, já publicados, os estudos sobre Sá
de Miranda e a sua escóla, sobre os poetas palacianos do seculo XV,
e sobre o theatro portuguez nos seculos XVII e XVIII. Ha novidade e ao
mesmo tempo segurança em muitas partes d'aquelles estudos: entrevêem-se
as revoluções litterarias, no que ellas têem de mais intimo, isto é, nas
suas relações com os costumes e as opiniões que se transformam;
assiste-se ao nascimento e á decadencia das escólas; vêem-se as razões
do progresso de certos generos, do estacionamento ou esterilidade de
certos outros. Ha alli verdadeiras descobertas biographicas e
chronologicas, e mais d'uma aproximação feliz que lança uma luz nova
sobre os assumptos. Apesar da fraqueza e ás vezes puerilidade de certas
inducções, do abuso da intuição como processo scientifico, da nimia
importancia dada a particularidades insignificantes, da repetição e
distribuição pouco logica das materias, deve esta parte da obra do snr.
Theophilo Braga (a analytica e critica) ser considerada não só como o
que ha de mais solido no edificio levantado por suas mãos laboriosas,
mas ainda como um trabalho em si, de indisputavel valor.

O lado inferior e fragil, a meu vêr, são as theorias geraes, a parte
philosophica. Sente-se que não é essa a vocação do talento do snr.
Theophilo Braga. Ao mesmo tempo chimerico e systematico, dá ás suas
doutrinas geraes uma feição dogmatica, que lhes tira aquelle poder de
ductilidade e comprehensão, sem o qual uma theoria, para accommodar os
factos ao seu rigor inflexivel, tem de os forçar umas vezes e outras
vezes de os pôr de lado--isto é, não passa d'uma pura abstracção. É
isto o que torna abstrusas certas obras, como a _Poesia do Direito_, por
exemplo. É isto mesmo o que encontramos na maneira por que o snr.
Theophilo Braga comprehende e explica a philosophia da historia
litteraria portuguesa. Seguindo Schlegel e a escóla romantica allemã do
começo d'este seculo, tomou uma theoria incompleta e d'uma applicação
muito particular por um principio universal, applicavel a todas as
litteraturas, e fez della o molde em que a litteratura portugueza devia
entrar, _coute qui coute_. Sabe-se que aquella escóla considerava a
litteratura, juntamente com todas as outras fórmas da civilisação,
direito, arte, etc., como a expressão genuina do _genio da raça_,
subordinando a nacionalidade, em todas as suas manifestações, a um ponto
de vista puramente ethnologico. Só a raça, na sua espontaneidade nativa,
era verdadeiramente criadora, só ella original: a tradição, como
intrusa, devia considerar-se o elemento esterilisador, e as obras por
ella inspiradas falsas, _anti-nacionaes_. Applicando estes principios ás
sociedades que se formaram na Europa sobre as ruinas do imperio romano,
a escóla romantica oppoz á cultura tradicional o genio popular, ao
romanismo as nacionalidades. Viu por toda a parte o dualismo; d'um lado,
o espirito monarchico e ecclesiastico, formalistico e estreito,
conservador das tradições latinas: do outro lado, o povo, todo
espontaneo, traduzindo a originalidade do seu genio em criações livres e
verdadeiramente inspiradas: por toda a parte uma raça original
luctava contra tradições esterilisadoras, que tentavam suffocal-a. A
idade média fôra o theatro d'esse combate: a Renascença e os seculos
XVII e XVIII pareceram, com a influencia universal do _classico_, dar o
triumpho definitivo ao espirito tradicional; porém o seculo XIX, a
grande era das reinvindicações, erguendo a bandeira do romantismo e das
nacionalidades, ia evocar de novo o genio das raças, adormecido no seio
do povo, retemperando as nações no baptismo sagrado das _origens_.

Quem não vê o que ha de falso n'esta these, apresentada assim d'uma
maneira absoluta? mas quem não vê tambem quanto ha de verdadeiro e
profundo no ponto de vista ethnologico, desde o momento em que, deixando
de ser o fundamento do systema, se considere apenas como um dos
elementos componentes d'elle, embora um dos mais consideraveis? Quem não
vê, sobretudo, a fecunda influencia d'esse ponto de vista sobre os
estudos litterarios, o conhecimento das origens, a comprehensão das
criações populares, a renovação da critica? Póde dizer-se que o que ha
de mais falso n'este systema é ser um systema; porque, contendo muita
verdade, não é a verdade toda. É muito mais incompleto do que erroneo;
porque, se o genio de cada raça fornece com effeito os elementos e como
que a materia prima das civilisações, a cultura e a tradição representam
o trabalho de aperfeiçoamento do espirito humano, accumulado, que
desenvolve aquelles elementos e, fazendo por assim dizer fermentar
aquella materia primitiva, lhes dá uma fórma nova e superior. Para os
povos sem precedentes nem tradições d'um mundo anterior, que começam
isolados o trabalho da civilisação desde os seus inicios, e cujas
criações representam apenas o fundo originario fornecido pelo caracter
da raça, como fôram os indios desde o Rig Veda até Kalidassa, os gregos
até Alexandre, e os scandinavos até á conversão ao christianismo, para
esses é aquella theoria rigorosamente verdadeira. Mas como applical-a á
Europa da idade média, a esse mundo tão complexo, e que, com ser fundado
sobre a ruina do imperio romano, é todavia uma continuação e em grande
parte um desenvolvimento da civilisação romana? Na vida dos povos
modernos entraram desde o berço energicos elementos latinos que,
absorvidos com maior ou menor sympathia, em maior ou menor quantidade, e
combinados com os elementos primitivos, constituiram o _temperamento_
particular de cada uma d'essas nações, o seu genio nacional. Esse genio
é pois complexo, e complexo o caracter das suas criações: reduzil-as a
um principio unico é querer de proposito acanhar a historia,
proscrevendo arbitrariamente épocas inteiras.

A originalidade de cada uma das modernas litteraturas da Europa está,
não em representar os caracteres primitivos de tal ou tal raça, mas sim
os momentos de desenvolvimento d'esses caracteres, na sua combinação
gradual com aquelles elementos estranhos, que, sob fórma de
tradição, constituem ha mais de dous mil annos o fundo commum da
civilisação europêa. N'estes termos, a theoria romantica tem o seu valor
e a sua applicação. Applica-se tanto mais quanto menos _romanisado_
(isto é, civilisado) foi o povo cuja litteratura se estuda; mais á
Allemanha do que á França; muito á Inglaterra, muito pouco á Italia;
muito mais á Hespanha do que a Portugal; em absoluto, a nenhum se póde
applicar. A mesma litteratura allemã (sahida da raça que menos elementos
latinos absorveu) será por ventura exclusivamente _germanica_? Seria um
paradoxo affirmal-o. Do seculo IX em diante a pureza do elemento
germanico altera-se, e cada vez mais turvo segue de seculo para seculo.
O grande fundador da litteratura allemã, Luthero, que começa com a
Reforma a reacção do germanismo contra o romanismo, representará acaso
na sua obra, nas suas idéas, nos seus escriptos, o elemento germanico
puro, estreme, exclusivo? Pelo contrario, se o caracter de Luthero é
essencialmente allemão, a _doutrina_ de Luthero essa é quasi
completamente extra-allemã, filha da Biblia hebraica e do platonismo
grego. E Leibnitz? e Lessing? e Goethe, o _velho pagão_?... Se os
romanticos allemães quizessem ser completamente logicos, tinham de fazer
terminar o periodo nacional da litteratura allemã no seculo X, com os
Niebelungen, ou quando muito no seculo XVI, com os Meistersaenger: d'ahi
por diante em parte alguma se encontra o _germanismo_ puro. E todavia, é
no seculo XVI que verdadeiramente começa a grande época do
pensamento allemão!

Eis as insoluveis difficuldades que levanta o systema ethnologico
applicado ás litteraturas modernas, ainda mesmo áquellas em que mais
visiveis são as influencias de raça. Que será então, se o quizermos
applicar a uma nação sem base ethnographicamente definida, como a
portugueza, criação da politica e não da natureza, das instituições e
não da raça, e que mais que nenhuma outra, talvez, absorveu e fez seu o
genio da civilisação romana? Evidentemente, a theoria romantica não póde
ter aqui senão uma applicação muito limitada e muito secundaria: e é por
ter desconhecido esses limites que o snr. Theophilo Braga, collocando-se
exclusivamente no ponto de vista ethnologico, não conseguiu, apesar da
sua competencia scientifica e provada capacidade, dar senão uma solução
incompleta e muitas vezes forçada ao problema da systematisação e
explicação geral da litteratura portugueza. Dominado pela necessidade de
dar por fundamento ao genio nacional o genio d'uma raça primitiva e _sui
generis_, teve, por assim dizer, de inventar para Portugal essa raça
primitiva. Estendeu um facto particular de certas provincias, a
existencia das populações mosarabicas, a todo o paiz; e, transformando
esse phenomeno puramente social em phenomeno ethnologico, fez dos
mosarabes uma raça distincta, cuja profunda espontaneidade, apesar de
prematuramente suffocada, se revelou em criações sentimentaes, que o
snr. Theophilo Braga laboriosamente trata de descobrir, e que,
segundo elle, teriam dado á litteratura portugueza uma feição original,
se a tradição classica não tivesse obstado ao desenvolvimento livre
d'esse cyclo verdadeiramente nacional. Esta esterilisadora tradição
classica vê-a o snr. Theophilo Braga representada na aristocracia
asturoleoneza romanisada, authoritaria e imitadora. A aristocracia, pela
instituição monarchica, pelo catholicismo, pelo provençalismo, depois
pela reforma dos foraes, o direito romano e o poder absoluto, suffoca o
livre genio mosarabico e faz da litteratura portugueza, que nas mãos
poeticas do mosarabe promettia ser um jardim oriental, um triste deserto
de imitações estereis e infesadas, onde só por milagre a seiva primitiva
faz de longe em longe rebentar alguma flôr doentia, fadada a morrer sem
se propagar. D'aqui conclue o snr. Theophilo Braga que litteratura
verdadeiramente _nacional_ nunca chegou a haver entre nós.

Expôr esta doutrina, nas suas conclusões extremas, é quasi refutal-a.
Nem as populações mosarabicas constituiram uma raça, nem a área por
ellas occupada se estendeu a todo o paiz, nem na sociedade portugueza
existiu nunca o supposto dualismo, a opposição do mosarabe plebeu e do
aristocrata godo: nada d'isto se póde provar scientificamente, nem mesmo
racionalmente conjecturar. Os mosarabes, isto é, os christãos, que,
tendo acceitado o dominio dos arabes, viviam no meio d'elles,
adoptando-lhes os costumes, mas conservando a antiga religião, não
formaram um grupo ethnographicamente classificavel: eram, como é ainda
hoje toda a população da Peninsula, exceptuados os Bascos, um mixto
formado pelo sangue ibero, romano, godo e arabe, em proporções
extremamente variaveis de região para região. Que tem isto que vêr com
uma raça particularmente portuguesa?--Depois, essas populações
mosarabicas pouco se estenderam ao norte do Mondego: ora, é exactamente
do Mondego para o norte que residiu durante os primeiros seculos a força
da nacionalidade portugueza, d'ahi que partiu o grande impulso
emancipador. Não fôram pois os mosarabes os fundadores d'essa
nacionalidade, nem os criadores do seu caracter particular. Temos vivido
e vivemos ainda hoje d'esse espirito de intrepida personalidade, que fez
então erguerem-se os homens energicos do norte de Portugal, não do
_genio mosarabe_, que (ainda que tivesse existido) seria sempre secundario.

Finalmente, a opposição do mosarabe e do aristocrata godo reduz-se
simplesmente á opposição da plebe e da aristocracia, facto social e não
ethnologico, geral em toda a Europa, e que nada tem que vêr com a
originalidade das litteraturas. A aristocracia, durante seculos, não
esmagou ou suffocou o espirito das populações inferiores, nem entre nós
nem em parte alguma: civilisou. Depositarias das tradições romanas e, ao
mesmo tempo, representantes do genio de cada nacionalidade, no que elle
tinha de mais energico, as aristocracias exerceram uma legitima
influencia iniciadora, e, durante 600 ou 700 annos de formidavel
tumulto heroico, dispozeram os elementos com que as monarchias da
Renascença constituiram definitivamente as nações modernas. Dar á
aristocracia um papel todo negativo é querer reduzir ao absurdo, com uma
pennada, sete seculos da historia da Europa e contradizer um dos
resultados mais seguros da moderna sciencia historica, a classificação
dos elementos sociaes e a importancia de cada qual na obra commum.

O erro dos principios vê-se sobretudo nas conclusões. Com effeito, uma
vez estabelecido o dualismo e considerado o povo portuguez como
mosarabe, e o mosarabe como só inspirado e criador, toda a litteratura
culta tinha forçosamente de ser condemnada pelo snr. Theophilo Braga,
como anti-nacional, recebendo fóros de nacionalidade sómente a poesia
popular: tudo mais não passa de imitação, copia servil, e, como tal,
esteril e sem importancia aos olhos da philosophia. Esta larga parte da
imitação na nossa litteratura descobre-a o snr. Theophilo Braga com
exemplar erudição e excellente critica, mostrando claramente as
influencias provençal, franceza, hespanhola e italiana a que obedeceu a
litteratura portugueza. Mas não é no facto das imitações que está a
questão. Esse facto não se dá só comnosco; dá-se em todas as
litteraturas das nações da Europa então cultas. A influencia provençal
fez-se sentir na França, na Italia, na Hespanha e até na Allemanha; os
poemas francezes foram, por seu turno, traduzidos e imitados por toda a
parte na idade média, e as litteraturas hespanhola e italiana
tiveram tambem o seu momento de se tornarem europêas. Que prova isto?
Prova simplesmente que já na idade média a Europa formava uma especie de
confederação moral, e que a troca dos pensamentos, das descobertas, das
criações artisticas era já então uma lei natural para nações todas
christãs, herdeiras todas da civilisação romana. Mas essa troca não
implica a abdicação das originalidades nacionaes. Na adopção das idéas
estrangeiras cada povo recebe o que convém ao seu temperamento
particular, dá-lhe uma feição propria, e póde mostrar a originalidade do
seu genio dentro das fórmas recebidas dos outros. Poucas, pouquissimas
obras _originaes_, no sentido exclusivo e absoluto em que o snr.
Theophilo Braga toma esta palavra, nos apresentam as litteraturas dos
povos ainda os mais criadores: n'esse sentido não é original Virgilio,
nem Dante, nem Camões, nem Lope de Vega, nem Shakespeare, nem Corneille,
nem Goethe. Mas as litteraturas apresentam-nos muitas obras primas,
formadas d'uma maneira nova e _original_ com elementos estranhos ou já
conhecidos. Por essas, tão bem como pelas outras, se póde avaliar o
caracter, as tendencias, o genio emfim do povo que as produziu, e é
quanto basta para se poder affirmar que esse povo teve ou tem
litteratura e que essa litteratura é original. O genio, em geral, e em
particular o genio nacional, consiste muito mais na maneira _propria_ de
dispôr os materiaes herdados ou emprestados, do que na criação, como
que inteiriça e d'um jacto, de elementos completamente novos e sem
precedentes--_proles sine matre creata_. Ora a humanidade vive sobretudo
de tradições, e ha para os povos como para os individuos um verdadeiro
ensino mutuo, pelo qual cada um, sem deixar de ser o que é, aproveita da
experiencia e do trabalho dos outros. O snr. Theophilo Braga, que é
poeta e bom poeta, e além d'isso homem de gosto e consciencioso, por si
apreciaria o valor d'estas verdades, se o espirito systematico não
obscurecesse o seu bom juizo em se tratando da litteratura portugueza.

Quer isto dizer que as suas idéas, por incompletas, sejam inteiramente
estereis para a historia da nossa litteratura? Por fórma alguma.
Ninguem, melhor do que o snr. Theophilo Braga, comprehendeu a alta
significação da nossa poesia popular, que estudou com verdadeiro amor e
respeito religioso: e este sentimento do _primitivo_ e do _espontaneo_
deve-o ao seu ponto de vista ethnologico. Por este sentimento pôde com
muito tacto discriminar a parte da imitação e de convencional nas obras
da poesia culta, embora, a meu vêr, concluisse mal do facto d'essa
imitação. Por elle pôde caracterisar certas physionomias originaes, até
aqui mal comprehendidas, Gil Vicente, por exemplo. Em tudo isto a sua
critica é excellente. E é por isso mesmo que os apreciadores do talento
e das obras do snr. Theophilo Braga devem, me parece, fazer votos para
que a sua sensivel imaginação o não seduza, com vagas miragens, para
fóra do campo dos trabalhos de analyse e critica, que são a sua vocação,
arrastando-o para as regiões perigosas da synthese e da philosophia,
onde a imaginação e o sentimento, essas fadas encantadoras, se
transformam muitas vezes em perfidas ondinas e sereias, para mal de quem
as segue com muito candida confiança.


II

Se a escóla ethnologica está representada, entre os escriptores novos,
pelo snr. Theophilo Braga, a escóla social e historica--a unica, talvez,
a que propriamente se devêra dar o nome de philosophica--acaba de achar
igualmente entre nós um digno representante n'um escriptor moço e do
maior futuro, o snr. Oliveira Martins, que n'um livro recente estudou a
proposito de Camões (e para nos explicar Camões), a litteratura
portugueza do seculo XVI, no ponto de vista largo e comprehensivo, ao
mesmo tempo politico e psychologico, que caracterisa esta ultima escóla.

N'este ponto de vista, a litteratura d'um povo, considerada como um todo
symetrico, uma obra gigantesca e collectiva, apresenta-se como a
expressão do seu espirito nacional, determinado não por tal ou tal
elemento primitivo e, por assim dizer, physiologico, mas pelos
elementos complexos, uns fataes outros livres, uns criados outros
herdados, cuja synthese constitue a _idéa_ da sua nacionalidade--raça,
instituições, religião, tradição historica, e vocação politica e
economica no meio dos outros povos. A idéa nacional, na sua evolução,
determina gradualmente o que se póde chamar o temperamento da nação; e,
se esta surda fermentação se manifesta em tudo, nos seus actos e nos
seus pensamentos, revela-se sobretudo na sua imaginação, isto é, no seu
ideal, cuja expressão mais livre é a arte e a litteratura. N'esta
invisivel circulação da seiva interior ha periodos, periodos de
revolução, de progresso, de retrocesso, de incubação ou de plenitude de
forças: a estes correspondem invariavelmente os periodos artisticos e
litterarios, com suas revoluções, suas variações de intensidade, lenta
formação de escólas, morbidos estacionamentos, subitas e inflammadas
florescencias. E, como n'esta vegetação collectiva, cada ramo, cada
folha, cada fructo, se alimenta com a seiva commum e tem uma vitalidade
proporcional á força que trabalha o grande tronco, o espirito individual
acompanha o espirito nacional nas suas evoluções, gradua pela d'elle a
sua intensidade: a sua liberdade interior tem por limites,
realisando-se, as condições do meio em que se desenvolve, e o genio do
artista, do poeta, ainda quando protesta e se revolta, é sempre
_adequado_ ao genio do seu povo e da sua época. É por aqui que a
historia litteraria se liga á philosophia da historia, ou antes, que
faz parte d'ella. As grandes épocas litterarias coincidem com as
épocas de plenitude do sentimento nacional, aquellas em que esse
sentimento, tomando consciencia de si, se revela em obras harmonicas e
complexas, que são como que o fructo definitivo da lenta elaboração das
instituições, dos costumes, dos pensamentos. Reaes e juntamente ideaes,
essas obras supremas dizem-nos ao mesmo tempo o que um povo _foi_ e o
que _quiz ser_, descobrem-nos a sua _aspiração_ intima e marcam os
_limites_ dentro dos quaes lhe foi dado realisal-a. São o commentario
moral das revoluções politicas e sociaes, e como que os annaes da
consciencia nacional: e, para a philosophia, é na consciencia que a
historia encontra a sua explicação definitiva e a sua final justificação.

O que diz Camões a quem, depois de o ter lido com olhos de homem de
gosto, o relê com olhos de philosopho? Camões, responde o snr. Oliveira
Martins, diz-nos o _segredo_ da nacionalidade portugueza. Houve, com
effeito, uma nacionalidade portugueza--por mais estranha que esta
affirmação nos pareça, a nós, portuguezes do seculo XIX, que não
atinamos a encontrar no presente uma _causa vivendi_: houve uma razão de
ser tanto para as instituições como para os individuos, e uma idéa
nacional, espalhada como a alma collectiva por todo este corpo, então
vivo e agil. E não só houve uma nacionalidade portugueza, mas essa
nacionalidade, superior aos impulsos cegos da raça e á fatalidade da
geographia, produziu-se como uma obra do esforço e da vontade, não
resultado de obscuros instinctos primitivos, como um facto politico e
moral, não como um facto etimologico. Quando em Hespanha não havia ainda
senão catalães, castelhanos, leonezes e navarros; em França provençaes,
gascões, bourguinhões, bretões; em Allemanha suabos, austriacos, saxões,
hanoverianos; em Italia tantos pequenos estados rivaes quantas cidades,
e não se fazia bem idéa do que fosse ser hespanhol, francez, allemão,
italiano, porque estas palavras França, Hespanha, Allemanha, Italia
designavam apenas vagas agrupações naturaes e não grupos organisados--em
Portugal havia só portuguezes, e ser portuguez tinha uma significação
definida e precisa. Este é o grande facto, diz o snr. Oliveira Martins,
que faz d'elle o seu ponto de partida: daqui, a cohesão politica da
nação; d'aqui, a sua physionomia moral. Essa cohesão é a unidade; essa
physionomia é o patriotismo. O patriotismo, pondera acertadamente o snr.
Oliveira Martins, é cousa muito distincta do amor da terra: e o
patriotismo, como os portuguezes dos seculos XV e XVI o conceberam, foi
um phenomeno moral quasi unico na Europa de então, e que os tornou muito
mais parecidos com os romanos antigos do que com os povos seus
contemporaneos. O patriotismo é uma idéa abstracta, que excede a
capacidade toda sentimental da raça; o instincto naturalista da raça dá
o amor da terra; não vai mais além: só a idéa nacional póde dar o
patriotismo, comprehendido á romana e á portugueza. O Cid batalha mais
d'uma vez contra os castelhanos, ao lado dos arabes; o condestavel
de Bourbon vira a sua espada aventureira contra a França que o viu
nascer; nem por isso deixa o Cid de ser um typo de bravura idealisado
pelos hespanhoes, e o condestavel de Bourbon um leal cavalleiro para
todos os cavalleiros de França; mas os Pereiras, combatendo ao lado dos
castelhanos em Aljubarrota, são malditos, _arrenegados_; e, mais tarde o
Magalhães será _portuguez no feito, porém não na lealdade_: apostataram
da idéa nacional. Eis a grande differença. Esta noção do patriotismo
cria uma ordem de sentimentos particulares dos individuos para com a
nação, um modo de ser moral peculiar. É o dever patriotico, como o
comprehenderam em Roma Fabricio, Regulo, Catão, em Portugal Castro,
Albuquerque--o dever patriotico, cuja expressão suprema é o heroismo.
Leia-se a historia da Europa até ao seculo XVI: abundam os _bravos_, mas
difficilmente se encontrarão os _heroes_, segundo o typo magnanimo que a
antiguidade realisou, e que de novo e no seu ponto de vista realisou
Portugal durante os seculos XV e XVI. No _peito illustre lusitano_ havia
então alguma cousa de grande e transcendente, que impellia a nação para
um destino extraordinario e suscitava no meio d'ella os heroes, que
deviam servir a idéa nacional com a abnegação tenaz e superior com que
se serve uma idéa religiosa. É que o patriotismo é uma especie de
religião civil. Foi por essa religião que, durante tres seculos, nos
erguemos no mundo, para realisar um sonho gigantesco e quasi
sobre-humano: foi por ella tambem que cahimos exangues e desilludidos,
porque a realidade faltou ao sonho, porque todo o sonho, com o seu
idealismo, se exalta primeiro, perturba depois, transvia, endoudece
aquelles que envolve nas suas nevoas phantasticamente luminosas, mas
sempre enganadoras.

A época nacional portugueza, por excellencia, é o seculo XVI. Tudo
concorre então para dar ao espirito dos portuguezes aquelle summo grau
de tensão, que produz os grandes movimentos nacionaes. A nacionalidade
rompe com impulso irresistivel os seus limites tradicionaes, transborda
fremente como um rio caudaloso, e affirma-se na sua plenitude pelas
descobertas e pelas conquistas. Dentro, a sua força é o resultado da sua
concentração: pela reforma dos foraes, pela monarchia absoluta, pela
expulsão dos judeus, attinge o maximo de unidade politica, social,
religiosa, isto é, o maximo de poder sobre si mesma. Esta energica
cohesão depura o sentimento nacional, dá-lhe uma segura consciencia de
si, e leva-o áquelle grau de tensão em que o patriotismo, exaltando-se,
se transforma n'uma especie de heroismo universal. A nação faz-se heroe:
o heroismo é a sua atmosphera ordinaria, e todos participam mais ou
menos d'esse contagio sublimador. D'aqui, uma concepção particular da
vida social, do direito, do dever, tanto para a nação como para os
individuos. _Ser portuguez_ é alguma cousa de especial, um typo _sui
generis_ de virilidade e nobreza, que todos procuram realisar, e que
a litteratura idealisa, de que ella se inspira na phase nova em que
então entra. Com effeito, a esta evolução moral corresponde uma evolução
litteraria. Á escóla provençal-castelhana, lyrica, aventureira e
romanesca, succede a grave escóla italiana, com a feição nova que o
espirito portuguez lhe deu, adoptando-a, isto é, moral e epica. Ao
trovador Bernandim Ribeiro, ao popular Gil Vicente succedem Sá de
Miranda e Ferreira, dous romanos. O velho typo cavalheiresco,
phantasioso e sentimental, empallidece diante d'esse outro que surge,
nobre e digno, quasi severo, o homem do dever, não da sensibilidade, que
João de Barros, Ferreira e Miranda vão levantando, e que Camões virá
collocar sobre o sublime pedestal epico.

Este typo, o verdadeiro typo portuguez do seculo XVI, como se revela nos
_Lusiadas_, não é com effeito uma mera invenção do genio de Camões: é
uma genuina criação nacional, um ideal do sentimento collectivo, que se
foi gradualmente formando e depurando, até encontrar no grande poeta
quem lhe désse uma expressão definitiva. É por isso mesmo que elle
domina, de toda a sua altura, o pensamento e a obra de Camões. O que o
poeta canta é o heroismo portuguez; o _peito illustre lusitano_: e todo
o seu poema se resume n'isto, como n'esse poema se resume toda a vida
moral portugueza durante um seculo. A razão intima dos acontecimentos,
dos costumes, das opiniões encontra-se alli: explicam-se por elle, e só
elles tambem o explicam completamente. O poema e a sociedade são por
seu turno texto e glosa que mutuamente se commentam.

N'este ponto de vista, historico e psychologico, não no ponto de vista
meramente litterario d'uma esteril poetica de convenção, é que os
_Lusiadas_ devem ser estudados e comprehendidos--e cabe ao snr. Oliveira
Martins a gloria de ter sido o primeiro a fazel-o, a gloria de ter
_commentado_ philosophicamente os _Lusiadas_. A esta luz tudo se explica
na concepção do poema e na substancia moral d'elle: percebe-se a razão
d'este estranho phenomeno, estranho e unico, do apparecimento d'um
verdadeiro poema epico nacional em plena idade moderna.

Isto em quanto á concepção. Em quanto, porém, a certa ordem de
sentimentos, que, no ponto de vista epico, são secundarios, mas que
occupam um grande logar no poema, para os comprehender faz-nos o snr.
Oliveira Martins considerar outro lado da physionomia tão complexa de
Camões e da sua época. Com effeito, se Camões é um portuguez do seculo
XVI, é ao mesmo tempo um artista da Renascença; d'aqui todo um lado dos
_Lusiadas_, que excede a idéa nacional, e por onde este profundo poema
se liga, não já á vida necessariamente estreita d'um simples povo, mas
ao vasto movimento do espirito humano nos tempos modernos. Sem este
lado, a significação dos _Lusiadas_ seria meramente nacional e local,
não europêa e universal: teriam só um valor historico e não philosophico
tambem. Mas Camões, portuguez pelo caracter e pelo coração, era pela
intelligencia mais do que portuguez sómente. Respirava a atmosphera
subtil e vivificante da Renascença: no seu vasto espirito, como no dos
grandes artistas d'esse tempo, havia um lado mysterioso e profundo que
se virava, não para o passado ou para o presente, mas para o illimitado
futuro, presentindo já a revolução moral dos seculos XVIII e XIX. Se
Camões, como portuguez é patriota e heroico, como homem da Renascença é
pantheista; pantheista platonico e idealista, já se vê, como Miguel
Angelo, Leonardo de Vinci, Shakespeare. Portuguez, exalta os feitos por
onde o seu povo conquista entre as nações um logar proeminente: homem da
Renascença, sente e interpreta a natureza com um naturalismo impregnado
de idealidade, que é mais ainda o presentimento d'um mundo moral novo,
do que uma imitação da antiguidade pagã. O sentimento pantheista da
natureza, sentimento todo moderno, e que devia mais tarde chegar á
plenitude em Rousseau, Goethe, Hugo, appareceu pela primeira vez em
Camões. D'aqui, o caracter do seu espanto em face dos grandes phenomenos
maritimos; d'aqui, a concepção do Adamastor; d'aqui, o sensualismo da
primeira parte do canto XI e o idealismo da ultima. É por este lado que
Camões toma logar entre os grandes espiritos, os _Lusiadas_ entre as
grandes obras dos tempos modernos. A imaginação prophetica do poeta
anticipa tres seculos na historia psychologica da humanidade.

Com todos estes elementos, uns portuguezes, outros europeus, uns
locaes, outros universaes, recompõe o snr. Oliveira Martins a
physionomia complexa de Camões e dos _Lusiadas_, com uma lucidez e
segurança de critica verdadeiramente surprehendentes para quem
considerar a completa novidade do seu trabalho. A sua luminosa synthese
abraça o poeta, a obra e a época: e pela época, pelo poeta e pela obra
faz-nos sentir a intima realidade da nação e a sua razão de ser
historica. E n'essa mesma synthese comprehende-se tambem a sua
decadencia; triplice decadencia, politica, moral, litteraria. Como? pela
decadencia da idéa nacional. Com effeito, o patriotismo heroico do
Portugal do seculo XVI continha em si mesmo os germens da propria
dissolução. Era grande, mas não era justo: ora nada dura no mundo senão
pela justiça. Tinha fatalmente de se corromper essa orgulhosa idéa
nacional, fundada na violencia da conquista, na intolerancia religiosa e
no despotismo politico. Os vicios interiores do organismo nacional
appareceram bem depressa: appareciam já no tempo de Camões: nos
_Lusiadas_ encontram-se de vez em quando estrophes sombrias, que são
como um lugubre _cras enim moriemur_ lançado no meio das alegrias
d'aquelle festim heroico. Era o futuro velado e lutuoso que o poeta
entrevia n'um deslumbramento prophetico. A nação estava, com effeito,
condemnada. O heroismo que tem de durar lança as suas raizes na região
mais inalteravel, mais incorruptivel da consciencia humana, e as do
nosso não chegaram lá: foi uma especie de _sezão nacional_; não foi
um acto reflectido, filho da liberdade moral, um esforço supremo pela
justiça; foi apenas um egoismo sublime. Por isso, martyres da propria
obra, a nossa queda foi cheia de tristeza e confusão, nem nos ficou no
rosto a serenidade luminosa dos verdadeiros martyres.

As paginas austeras em que o snr. Oliveira Martins estabelece esta
distincção entre o heroismo da consciencia e o da fatalidade, e mostra
Portugal condemnado por aquillo mesmo que fizera a sua virtude e a sua
grandeza, são das mais gravemente pensadas que se tem escripto na nossa
lingua. É a verdadeira philosophia da historia aquella sua, que reduz e
subordina toda a actividade humana á consciencia e á justiça. A
injustiça da idéa nacional, como os portuguezes então a conceberam,
corrompeu gradualmente as instituições, infiltrou-se nos espiritos e
perverteu os costumes: a sociedade, minada interiormente, vacillou, em
despeito do esplendor mentiroso que exteriormente a vestia, e começou a
desabar. O snr. Oliveira Martins desenhou com mão segura e vivissimo
colorido o quadro das implacaveis realidades, que, produzidas pelo
heroico idealismo portuguez, se viraram contra elle, o viciaram e
acabaram por destruil-o. A nação, atacada d'este modo nos seus orgãos
mais vitaes e na mesma alma, que podia produzir no mundo do espirito, da
arte, da litteratura? Á decadencia social e moral tinha necessariamente
de corresponder a decadencia litteraria. Um desregramento doentio das
imaginações privadas de ideal, depois um estreito classicismo e uma
poetica de academias, succederam á livre e fecunda expansão do genio
portuguez no mundo do sentimento e da phantasia. A idea nacional levou
comsigo para a cova o segredo das criações poeticas. Do seculo XVI até
hoje não produziu Portugal uma unica obra artistica ou litteraria
verdadeiramente nacional. De vez em quando, n'alguns momentos
excepcionaes, o genio d'alguns homens tem-se levantado como um protesto,
e tem-se visto ainda uma ou outra obra viva. Mas essa inspiração é toda
individual, não é nacional: é um producto natural, que póde demonstrar
que a raça não morreu com a nacionalidade, não é filha d'um sentimento
commum e como que organico da sociedade portugueza. A decadencia
nacional é o grande facto inexoravel da nossa historia, vai em tres
seculos: a decadencia litteraria é uma fórma d'ella, nada mais.

Decadencia irremediavel? pergunta o snr. Oliveira Martins, nas ultimas
paginas do seu livro. Não! responde-lhe a philosophia revolucionaria. A
nossa renovação moral e litteraria será possivel no dia em que, pela
reforma das instituições sociaes, por uma nova e melhor comprehensão da
justiça, comece outra vez o espirito a circular n'este grande corpo,
mais inerte ainda do que acabado, volte a animal-o uma alma, um ideal
collectivo. Então Portugal terá de novo uma razão de ser, e a idéa
nacional, mais brilhante e mais quente depois do seu eclipse secular,
fará rebentar outra vez fructos e flôres d'este chão endurecido sim, mas
debaixo do qual ha ainda (embora a grande profundidade) fontes vivas
em abundancia. As grandes acções serão outra vez possiveis, e um melhor
e mais alto heroismo: por elle serão não só possiveis, mas quasi
inevitaveis os grandes pensamentos poeticos. A renovação litteraria de
Portugal é correlativa com a sua renovação social e está dependente
d'ella: é a conclusão do livro do snr. Oliveira Martins, conclusão que
todos devemos aceitar, não como uma vaga esperança, mas como uma verdade
philosophica cuja realisação não depende senão do nosso esforço, da
energia do nosso sentimento moral. Somos os operarios do nosso proprio
destino, e desde já as nossas mãos o vão aperfeiçoando: terá a fórma que
lhe dermos.

N'este trabalho solemne da renovação nacional, grande é a tarefa que
está talhada para a geração nova, e immensa a sua responsabilidade!
Estará ella, pela intelligencia e pelo coração, pela sciencia e pela
virtude, á altura d'esta obra austera e formidavel? Muitos o duvidam,
vendo-lhe no rosto uma pallidez de mau agouro... Não me cabe a mim
decidil-o: direi sómente que (quaesquer que tenham de ser os nossos
destinos) para darem testemunho das intenções sérias d'uma parte
consideravel da nossa geração, do seu espirito renovador, da sua
aspiração a uma melhor sciencia, bastarão em todo o tempo obras como a
_Historia da litteratura portugueza_, do snr. Theophilo Braga, e o
_Ensaio sobre Camões_, do snr. Oliveira Martins.

                                                     _9 de maio de 1872._



Estavam já escriptas e publicadas estas paginas, quando appareceu, com o
titulo de _Desenvolvimento da litteratura portugueza_, a _These_ do snr.
Pinheiro Chagas, para o concurso da 3.ª cadeira no Curso superior de
letras. N'esta resenha das opiniões, emittidas pelos escriptores da nova
geração, sobre o systema geral da nossa litteratura, fôra injustiça não
consagrar algumas linhas ao trabalho do snr. Pinheiro Chagas, já pelo
valor do trabalho em si, já pela posição que seu author occupa entre os
escriptores moços.

As conclusões da _These_ do snr. Pinheiro Chagas são as seguintes:


1.º--Que o povo portuguez não é constituido por uma raça especial, a que
se dê o nome de mosarabe, comprimida sempre e atrophiada nas suas
criações pela nobreza, constituida por outra raça, a que se dê o nome de
asturiana.

2.º--Que nem as inducções philologicas, nem os factos historicos,
permittem que se dê ao povo portuguez uma origem germanica, e á
aristocracia uma origem latina; que, pelo contrario, se algum dos
elementos constitutivos da raça peninsular prodomina no povo, deve ser o
elemento hispano-romano, e na aristocracia o elemento gothico.

3.º--Que teve o povo portuguez, durante a idade média, uma vigorosa
existencia, manifestada politicamente pela robusta vida municipal,
litterariamente pela sua collaboração nos vastos romanceiros
peninsulares, e pelas chronicas de Fernão Lopes.

4.º--Que a litteratura aristocratica aceitou a influencia provençal, a
influencia da França do norte, e a influencia italiana, como succedeu
nos outros reinos da Peninsula.

5.º--Que no seculo XVI a reação latinista imperou aqui, da mesma fórma
que em toda a Europa, mas que a originalidade do nosso povo se
manifestou com o vigor admiravel na epopêa de Camões, no theatro de Gil
Vicente, e nas chronicas dos descobrimentos.

6.º--Que a decadencia da nossa litteratura foi devida a tres causas
deprimentes: o despotismo monarchico e centralisador, que imperou em
todas as raças neo-latinas, o despotismo religioso que actuou com a
mesma energia na Italia e principalmente na Hespanha, e a perda da nossa
nacionalidade, que foi uma causa especial, devida a fataes
circumstancias historicas.


Estas conclusões, como o leitor vê, entram, salvo leves differenças, no
ponto de vista das considerações que apresentei, tanto combatendo o
systema do snr. Theophilo Braga, como expondo e commentando o do snr.
Oliveira Martins. Por isso não posso, sem me repetir escusadamente,
insistir n'estes pontos. Concordo com o modo de vêr tão lucido e tão
realmente portuguez, sem deixar nunca por isso de ser scientifico,
do snr. Pinheiro Chagas; e folgo de me encontrar (pelo menos n'este
sereno campo da historia litteraria, onde se descança, entre flôres
ideaes, de tantas luctas que separam os homens de hoje) em communhão de
vistas com um espirito tão gentil e cultivado.

Desejo, porém, dar relevo a um ponto, por onde a _These_ do snr.
Pinheiro Chagas particularmente me impressionou. É o caracter
eminentemente nacional e (vá a palavra, apesar de tão conspurcada pelos
vendilhões de portuguezismo) _patriotico_ da sua critica.

A sciencia, essa grande potencia imparcial, essa patria commum de todos
os espiritos _bem nascidos_, está certamente muito acima do patriotismo,
que tantas illusões offuscam, que tantas miserias até encobre ás vezes
debaixo da sua apparatosa _toga pretexta_. Mas essa preferencia e esse
sacrificio do patriotismo á sciencia dá-se só onde o patriotismo
estreito ou refalsado tenta oppôr-se á luminosa sciencia, franca e
comprehensiva. Então, caia por terra, seja derrocado sem piedade o
edificio ruinoso do orgulho d'um povo! Passe a luz da intelligencia
através das ruinas, e purifique-as!--Mas não é isso o que se dá com a
historia litteraria portugueza. Cá não existe essencialmente tal
opposição. Um largo patriotismo é perfeitamente compativel com a
imparcialidade da critica, no estudo dos nossos poetas, dos nossos
escriptores, durante 600 annos, que não foram sem gloria nem
originalidade.

Vou mais longe. Direi que esse largo e justo sentimento patriotico é até
indispensavel para bem comprehender o que houve n'este povo, na sua vida
agitada, dramatica, heroica, a sua alma, a sua realidade moral.

Sim, existimos! e existimos como homens, pensando, sentindo, querendo,
obrando. Criámos, descobrimos, combatemos; e podemos dizer ao mundo:
«Aqui está o que nós amámos! aqui está o que nós odiámos!»--E o que é
isto senão _sentir-se_ portuguez e ser patriota? E como, sem isto, se
poderá comprehender o que pensaram e escreveram portuguezes, e pensaram
e escreveram como portuguezes?

A sciencia não contradiz isto. Parte, pelo contrario, d'este ponto de
partida. E é em nome d'ella que o snr. Pinheiro Chagas diz com tanta
verdade como energia: «os portuguezes não são os párias litterarios da
Europa!»

Esta affirmação do passado é-nos necessaria para podermos, através do
presente tão cheio de melancolia, crêr e confiar n'um futuro melhor--e
preparal-o virilmente.

Que significa pois essa pseudo-escóla, que, em nome de não sei que
sonhada decadencia das raças latinas, deprime systematicamente quanto
teve ou tem o nome de portuguez, e nos aponta o ideal d'um messianico
germanismo (que nem talvez saiba definir), de uma absurda supremacia das
raças germanicas, como a unica salvação possivel?

Estranha salvação, com effeito, para a qual é necessario começarmos
por deixar de ser quem somos! Aconselham-nos que imitemos pacientemente,
sem critica e sem protesto, os exemplos dos nossos mestres e senhores,
os allemães, unicos pensadores e sabios, ao que parece, sem verem que
_imitação_ importa _abdicação_, e que um povo que abdica do seu
pensamento é um povo que se suicida!

Como se não bastassem já as nossas miserias actuaes, juntam-lhes mais
esta, e capital: a descrença da nossa propria capacidade e da nossa vida
moral. É este exactamente aquelle maximo peccado, que a Igreja
considerou sem remissão: _desesperação de se salvar_.

Não é assim, pelo desespero e abdicação, que nos salvaremos. Não é assim
que quem está prostrado se levanta; esperando que alguem lhe dê a mão.
Esse tal jazerá eternamente.

Sejamos nós mesmos. Tenhamos esse valor, e tudo se tornará possivel.
Antes de tudo, convém crermos em nós mesmos, no passado como no
presente. Crêr em si não é adorar-se. Podemos ter essa crença, sem
santificarmos por isso os nossos vicios, sem nos illudirmos sobre as
nossas miserias antigas e modernas, sem nos endurecermos na nossa
ignorancia e confusão. Podemos crêr em nós, e confessarmos os nossos
erros: quem se suicidou só por que uma vez se reconheceu peccador? Se
errámos e peccámos (e peccámos e errámos bastante), reformemo-nos
corajosamente, mas seguindo sempre uma inspiração propria, consultando a
nossa alma, não a dos outros, a voz da nossa consciencia, não a da
consciencia alheia.

Foi isto o que fez essa Allemanha, que nos impõem como modêlo os que
talvez menos a conhecem, essa Allemanha, que eu admiro, a quem devo
muito, mas a quem quero seguir livremente, com um plenissimo direito de
critica, e consultando sempre os meus intimos instinctos de _latino_,
que sou e não me envergonho de ser. A Allemanha, perdida, ensanguentada,
esquartejada em 1808, que fez para não morrer de todo? que fez para
voltar á vida, mais robusta e sadía do que nunca? Imitou a França
vencedora? renegou do _genio germanico_? não: concentrou-se em si mesma;
appellou para o seu _genio_ historico, e elle respondeu-lhe com
inspirações salvadoras. Foi, mais que nunca, _allemã_.

Sejamos, pois, nós todos, francezes, hespanhoes, italianos, portuguezes,
mais que nunca _latinos_.

Ha um _genio latino_, como ha um _genio germanico_. A historia o revela:
e, quando a historia fosse muda, a nossa consciencia bradaria sempre,
dando-lhe o seu nome.

É a Revolução.

É este o pensamento secular das raças latinas: a revolução moral,
politica e social. Concentremo-nos n'elle. Só a elle peçamos
inspirações. Com essa fé _abalaremos montanhas_. O momento actual é
turvo, certamente; mas a revolução tem luz e calor bastante em si, não
só para dissipar um nevoeiro momentaneo, mas para dar vida a um cahos.

Os germanicos, cuidando-se originaes, fazem imperios: nós, latinos,
desfaçamol-os. Reformam velhas religiões: prescindamos nós d'ellas.
Reconstituem, com os milhões do espolio, uma nova aristocracia: dêmos
nós aos povos a igualdade social.

.........................................................................

Peço perdão ao snr. Pinheiro Chagas. Já não estamos tanto de accordo
como ha pouco. Certamente que não quererá admittir todas as conclusões
que eu tiro da sua _These_. Mas estão lá: estão no seu ponto de vista
nacional e latino, que é o meu tambem.

O snr. Pinheiro Chagas tem muito espirito para não ser revolucionario,
no grande e verdadeiro sentido da palavra. Se eu lhe disser que a
sciencia é a Revolução, e que a Revolução não é mais do que a sciencia,
toda a sciencia, applicada a todas as espheras da actividade humana, e
feita vida--o snr. Pinheiro Chagas de certo me responde que, assim,
tambem quer ser revolucionario.

Ora a Revolução não é outra cousa.

Estudemos, pois, todos.


_20 de junho de 1872._


FIM





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