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Title: Bom senso e bom gosto : resposta à carta que o sr. Antero de Quental dirigiu ao sr. Antonio Feliciano de Castilho - Segunda edição augmentada e seguida de uma carta sabre o mesmo assumpto
Author: Roussado, Manuel
Language: Portuguese
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*** Start of this LibraryBlog Digital Book "Bom senso e bom gosto : resposta à carta que o sr. Antero de Quental dirigiu ao sr. Antonio Feliciano de Castilho - Segunda edição augmentada e seguida de uma carta sabre o mesmo assumpto" ***


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                          BOM-SENSO E BOM-GOSTO

                                 RESPOSTA

                                Á CARTA QUE

                         O SR. ANTHERO DO QUENTAL

                           DIRIGIU AO EX.mo SR.

                       ANTONIO FELICIANO DE CASTILHO

                                   POR

                              MANOEL ROUSSADO

                         SEGUNDA EDIÇÃO AUGMENTADA

               E seguida de uma carta sabre o mesmo assumpto


                                  LISBOA
                        LIVRARIA DE A. M. PEREIRA
                           50--RUA AUGUSTA--52
                                   1866



BOM-SENSO E BOM-GOSTO

RESPOSTA

Á CARTA QUE

O SR. ANTHERO DO QUENTAL

DIRIGIU AO EX.mo SR.

ANTONIO FELICIANO DE CASTILHO

POR

MANOEL ROUSSADO

SEGUNDA EDIÇÃO AUGMENTADA

E seguida de uma carta sabre o mesmo assumpto

LISBOA
LIVRARIA DE A. M. PEREIRA

50--RUA AUGUSTA--52

1866


LISBOA TYP. DE SOUSA NEVES, TRAVESSA DE SANTA CATHARINA, 38

(Ao Correio Geral)



Achando-se de tempo exhausta a edição da carta, que sob o titulo
_Bom-senso e bom-gosto, resposta ao sr. Anthero do Quental_, escrevera o
sr. M. Roussado, determinámos reimprimil-a, para satisfazer ao desejo e
exigencias de muitos, que pretendem inteirar em collecção as peças todas
deste notavel processo litterario. Ao realisar o proposito occorreu-nos
que prestariamos á curiosidade do publico um agradavel serviço
addicionando a esta nova edição uma interessante missiva, que de paiz
extranho receberamos ha mezes sobre o assumpto sujeito, e que no voto de
pessoas intelligentes a quem a mostramos foi tida por dignissima de
vulgarisação, com quanto seu auctor não a destinasse de certo a ver a
luz da imprensa. Como pois nem temos auctorisação sua, nem contamos
obtel-a, quando a solicitassemos, porque da sua provada modestia só
tinhamos a esperar uma recusa formal, ahi a damos anonyma, e não sem
bastante pezar da nossa parte. Os que a lerem melhor poderão julgar se é
ou não exacto o conceito que de quem a escreveu expressava não ha muito
tempo em obra impressa um dos nossos escriptores de maior vulto,
qualificando-o de «mancebo tão erudito como talentoso, que deve
exclusivamente á mais firme e honrosa vontade, e aos seus unicos
recursos o largo adiantamento litterario a que vai subindo, e que
promette ás letras patrias um primoroso cultor.»

E d'aqui lhe pedimos desculpa, se nisto o offendemos.

O EDITOR.

Lisboa 11 de junho de 1866.



                                                              ILL.mo SR.

Acabo de ler as obras de v. s.ª, e, pasmado ainda com os raios luminosos
que me deram de chapa nos olhos do espirito, pego na penna para expandir
os efluvios da minha admiração, como quem abre uma valvula de segurança,
para evitar quaesquer detonações d'esta preciosa machina, que em
linguagem rasteira se chama homem, e a que v. s.ª nas suas admiraveis
_Odes_ chama--proscripto rei, mendigo escuro.

Eu aceito esta denominação, apesar de não ser trigueiro, e de ter os
meus seis vintens.

Não sei se v. s.ª se escandalisa por não lhe dar excellencia, mas eu que
me sinto banzado ao elevar a minha palavra até uma das mais brilhantes
estrellas da constellação coimbrã, ignoro tambem por falta de uso que
tratamento pertence pela Constituição do Idealismo aos que voam lá por
cima, atravessando os espaços infinitos aonde não chegam as exhalaçoes
mephiticas do lodaçal mundano, nem o tratado de civilidade, nem as
futilidades da grammatica terrena, nem as pequices da metrificação
sublunar.

Desculpe-me pois v. s.ª se o não trato como devo, acreditando nas
espansões sinceras do meu _eu_, que se confessa humilde creado do _eu_
de v. s.ª

Ainda não tinha lido as _Odes modernas_, quando me chegou ás mãos a
carta que v. s.ª escreveu ao sr. Antonio Feliciano de Castilho, a esse
caturra intoleravel que teima na guerra desleal contra os innovadores
que vem do norte, annunciando a nova aurora da independencia litteraria,
em que serão quebrados os ferros que algemam a _Idéa_, e os seus
apostolos rasgarão os horisontes luminosos sem o auxilio inutil da
instrucção secundaria.

Não tinha lido as _Odes_ que v. s.ª atirou aos ventos da publicidade, e
fui logo compral-as, porque a alludida carta tinha chocado a minha alma,
que para logo concebeu o feto preciosissimo do _Ideal_. Fui compral-as,
e o proprio livreiro que m'as vendeu, tocado sem duvida pela sublimidade
da poesia, e pelo levantamento do espirito que se admira no parto de v.
s.ª, envergonhou-se ao dizer-me o preço do livro; voltou o rosto, tapou
os olhos ao estender a mão tremente ao baixo e vilissimo cruzado.

Quanto a mim, sabe Deus o que tambem me custou aquillo!

Ah! não foi dinheiro perdido. Aquelles quatro tostões foram sementes de
seara nova do meu espirito, e os beneficos resultados da semeadura
milagrosa estou-os já sentindo, porque olho desdenhoso para tudo que me
cerca, porque já vendi o Diccionario de Moraes que me obstruia a meza do
trabalho, porque estou com vontade de trocar os nomes ás coisas, e já me
doe o pescoço de olhar lá para cima onde ha montanhas de luz, e aonde o
vocabulario é _ad libitum_ de quem falla.

Não, não foi dinheiro deitado á rua esse que o livreiro me aceitou
envergonhado pelas odes com que eu hei de ir remando para as _praias do
futuro_, em cujas agoas cristalinas se levantarão calices arrendados de
saphira e prata, que servirão para barcas de banhos, e como a pag. 55 v.
s.ª diz:

    «Com seu olhar d'amôr quem se vestiu?»

Creio que na poesia d'essas futuras _Deusas dos mares_ as vistas
purissimas do amôr hão de substituir as camisolas de baeta e as coecas
de algodão.

Este arrojo da poesia innovadora faz-me lembrar uma historia que eu
peço licença para contar a v. s.ª Dois beberrões celebres apostaram
entre si que beberia de graça meia canada aquelle que a bebesse sobre
comida mais insignificante. O primeiro comeu uma azeitona e despejou o
copo, o segundo cheirou uma azeitona e enxugou o _sino grande_.

Entre os selvagens, uns vestem-se com tres quartas de panno crú, outros
com um bracelete, alguns com um simples búsio, o sr. Anthero do Quental,
sublime como o homem que cheirou a azeitona, veste com um olhar a
geração futura.

E não digam os homens da prosa que o vestuário será então igual para
todos, porque a diversidade das _toilettes_ imprimiu-a Deus na elegancia
visual das creaturas, fazendo dos olhos outros tantos alfaiates. O olhar
da virgem formosissima corresponde á thesoura do Keill, a vista
ordinaria da mulher do povo será uma especie de remendão de escada.

E como v. s.ª rasga a membrana que involve o ovario da geração
contemporanea, na qual germina o futuro! E o trajo da gente voltará á
simplicidade primitiva; e o olhar d'amor tomará o logar da parra nos
Apollos de gesso; e os defluxos abandonarão a raça humana; e as
lavadeiras fugirão espavoridas em procura de gente que se vista por
diverso teor.

Ha de ser a edade dos nús. A completa independencia do pensamento, que
v. s.ª prega na sua preciosissima carta, não podia deixar de trazer a
independencia da pelle humana. A nudez da alma, que bate as azas
candidas para as regiões do infinito, não podia deixar de ser
acompanhada pela nudez do corpo, que demanda os bafejos continuados das
brizas; porque os tecidos são enfeites e ninharias luzidias, como os
preceitos banaes da arte o são para o pensamento. As aspirações de v.
s.ª hão de ser realisadas. No futuro a _Idéa_ será livre: esta rainha
esplendida, a que v. s.ª presta o devido culto, pisando as regras de uma
orthographia mediocre, para a escrever com I grande, será a dominadora
do universo.

Os vates abandonados a si mesmos terão a _elevação moral, a virtude da
altivez interior, a independencia da alma_. Tudo será independencia e
liberdade, os versos parecerão prosa, como v. s.ª faz ver em
centenares de exemplos taes como o seguinte da 1.ª pagina das _Odes
Modernas_:

    «Vai, mas ignora sempre quem o leva

e o da pagina 11:

    «Deus, não póde durar mais que alguns annos.

Não haverá medição para os versos, como v. s.ª, sublime adivinhador, já
faz ver por exemplo no seguinte hendecassylabo:

    «E como o que n'uma mina vai de bruços;

Ou n'est'outros, não menos significativos:

    «Do pôr do sol astronomos do passado....
    «A aurora é o sursum corda do universo....
    «Este, e aquelle deixal-o em meio da rua....

As difficuldades estupidas da rima desaparecerão por uma vez; as
palavras rimarão comsigo mesmas, como por exemplo na seguinte colxea a
pag. 23 do precioso livro de v. s.ª:

    «É porque um céo maior nos mostre, e é nosso,
    Esse céo e esse espaço! é tudo nosso!

N'essa edade os Deuses serão rebaixados á condição de letreiros, como se
vê da seguinte quadra a pag. 43,

    «A pallida cohorte dos proscriptos
    Que tem nos rostos estampada a fome;
    Que em quanto o frio os roe e os consome,
    Trazem no coração Deuses escriptos.

E a regeneração ha de chegar aos dominios da Astronomia. Os raios
andarão com as estrellas ao cóllo, como muito bem se póde ver do
seguinte verso de v. s.ª a pag. 47:

    «Erguendo um filho, como um raio a estrella.»

Que as leis da gravitação universal serão banidas, adivinha-se pelos
seguintes versos a pag. 52:

    «Entre os astros, e os astros como atheus
    Já não querem mais lei que o infinito.

Os estofadores tomarão parte no systema planetario, e, o que ainda é
mais, os doceis e as bambinellas ficarão por debaixo das camas, como se
conhece da seguinte quadra a pag. 57:

    «Oh! o noivado barbaro! o noivado
    Sublime! aonde os céos, os céos ingentes,
    Serão leito de amor--tendo pendentes
    Os astros por docel e, cortinado!

E os cometas descerão á nossa atmosphera e girarão por ella como balões.
Vid. pag. 89:

    «Os cometas que ao ar andam subidos.

E assim como os olhares constituirão o vestuario, as almas serão
chailes-mantas, e os peitos serão transformados em trapesio. Vid. pag. 63:

    «Estendei vossas almas como mantos
    Sobre a cabeça d'elles... e do peito
    Fazei-lhes o degrau, onde com geito
    Possam subir a ver os astros santos...

O sr. Anthero do Quental refere-se aos poetas do futuro, e muito bem fez
em recommendar-lhes o _geito_ n'esses vôos de Leotard.

E outras mil coisas hão de acontecer, como v. s.ª, que é o promettido
das lettras, annuncia brilhantemente á terra e aos astros nas suas
admiraveis prophecias.

V. s.ª não pôde conter a indignação quando viu a carta do sr. Antonio
Feliciano de Castilho publicada conjunctamente com o _Poema da Mocidade_
do sr. Pinheiro Chagas, carta em que o traductor de Ovidio alcunhou de
nevoeiro e de inattingivel o estylo que fulge lá para as bandas do
norte, e que em borbotões de luz ameaça illuminar tudo. V. s.ª
indignou-se e veiu lançar por terra esta chancellaria litteraria de
Lisboa, aonde só se passam titulos de capacidade aos insignificantes que
não progridem, nem innovam como v. s.ª

Diz v. s.ª na sua inimitavel carta: «Refundem-se as crenças antigas.
Geram-se com esforço novas idéas. Desmoronam-se as velhas religiões. As
instituições do passado abalam-se. O futuro não apparece ainda. E, entre
estas duvidas, estes abalos, estas incertezas, as almas sentem-se
menores, mais tristes, menos ambiciosas de bem, menos dispostas ao
sacrificio, e ás abnegações da consciencia. Ha toda uma humanidade em
dissolução, de que é preciso extrahir uma humanidade viva, sã, crente e
formosa. Para este grande trabalho é que se querem os grandes homens.»

Isto diz v. s.ª, e como tudo está abalado, e a humanidade em dissolução,
é que v. s.ª tão acremente censura o sr. Antonio Feliciano de Castilho,
por não acordar ao toque de rebate, por não metter mãos á grande obra do
futuro alistando-se sob o commando dos que assentaram as suas
trincheiras contra o senso commum, e deixar-se ficar na paz esteril com
as suas traducções de Ovidio, com a sua _Primavera_, com os seus
_Tratados de Metrificação_.

Emquanto o sr. Castilho assim se conserva inabalavel no meio das ondas
revolucionarias, v. s.ª sr. Anthero, famoso Quixote da Poesia, combate
pela _Idéa_, e derruba os moinhos de vento, que se oppõem á sua passagem.

E ha de vencer: quem tem os arrojos de v. s.ª póde muito bem chamar seu
ao mundo.

Refundem-se as crenças antigas e os antigos costumes, por isso v. s.ª
começou o seu poema com a particula adversativa _mas_

    «Mas o homem, se é certo que o conduz.

É este o primeiro verso do seu thesouro de inexgotaveis riquezas. E v.
s.ª não pára; a extracção da humanidade viva e formosa precisa de v.
s.ª, e por isso o seu novo poema ha de naturalmente começar por _ponto e
virgula_.

Ah! abençoados quatro tostões que o livreiro me recebeu envergonhado
em troca das deliciosas prophecias de v. s.ª! Com a leitura das obras do
sr. Quental a humanidade ha de brevemente sentir o espirito aberto para
o _bello ideal_, e a intelligencia fechada para as secções em que se
divide a grammatica mundana.

E eu estou desconfiado de que lá em cima por onde v. s.ª anda, isto de
se fallar ácerca do impalpavel consiste em uma especie de sorteio, como
eu já tinha ensaiado antes de haver lido as _Odes Modernas_.

Tinha eu imaginado a Deus dizendo ao Universo a grande missa da creação.
Precisava de um pensamento condigno do assumpto e não o achava. Deitei
n'um chapéo tres palavras em tres papelinhos para ver o que sahia. As
palavras eram: _estola_, _veste_, _infinito_, e como estas palavras
precisavam de colxetes que as ligassem, deitei mais no chapéo em quatro
papelinhos differentes o tempero seguinte: _a_--_do_--_que_--_o_.

Chocalhei tudo, tirei ao acaso papelinho por papelinho e sahiu-me:

    «O que veste a estola do infinito:

Bravo! exclamei; e qual foi a minha admiração quando a pag. 39 das
prophecias de v. s.ª encontro exactamente o mesmo verso!

Teria v. s.ª para o fazer usado da mesma giria que eu usei? Creio que
sim, creio que a grande musa do acaso, é que é a inspiradora dos vates
idealistas que fulguram em Coimbra.

    «O que veste a estola do infinito (!)

Os reptis do charco immundo da vida dizem naturalmente que é asneira,
mas eu estou com v. s.ª, digo que é sublime.

Vão lá tapar a bocca aos maldizentes de Lisboa, os quaes andam por ahi a
gritar que deu o mal das vinhas na litteratura coimbrã, que é preciso
serem enxofrados os vates idealistas e innovadores das margens do
Mondego, e que ás authoridades de Lisboa cumpre estabelecer o cordão
sanitario que nos preserve da invasão da epidemia!

Caminhe v. s.ª, progrida com as suas innovações desentranhando as
sociedades do futuro; e deixe bradar no deserto estes imbecis.
Perdoe-lhes, ill.mo sr., que elles não sabem o que fazem. Ignoram que o
que é grande lá em cima por onde v. s.ª anda, é pequeno cá embaixo por
onde rastejam.

A linguagem transcendental que abre os horisontes immensos do futuro é
extranha cá nos arruamentos de Lisboa, e por isso, quando o povo ignaro
a escuta na bocca de um ou outro, exclama: _coitadinho, tem aduela de
menos_.

Eu porém, que os admiro, peço licença para erguer-lhes aqui um
monumentosinho no seguinte

                   SONETO

    Cabello em desalinho, hirsurto e farto,
    A face macilenta, o olhar incerto,
    Distingue uns vates d'estrangeiro enxerto,
    Que ao mundo impingem transcendente parto.

    Tremem nas lyras os bordões de esparto
    Do mystico aranzel rompe o concerto;
    Um diz que o sol é hostia, um mais esperto
    Diz que o céo é quintal e o Deus lagarto.

    Outro de ventas no ar, immovel, hirto,
    Clama que o Padre Eterno é semimorto,
    Aquelle aos astros chama ethereo myrtho.

    Deixam com seu cantar o vulgo absorto,
    Que esse grupo fatal, com magoa advirto,
    Das hortas do _Ideal_ regressa torto.

Por tudo e por muito mais se confessa

                                                    De v. s.ª

                                                admirador permanente

                                                          MANOEL ROUSSADO



CARTA AO EDITOR

                                                   .... SR. A. M. PEREIRA

Rio de Janeiro, 24 de janeiro de 1866.


Agradeço a v.     ter-se lembrado de mim com a remessa do folheto
_Bom-senso e bom-gosto_, accudindo d'este modo á natural impaciencia em
que previu que eu ficaria por tomar conhecimento da questão.

Egual favor desejarei merecer-lhe sempre que alguma novidade como esta,
e a do casamento civil, venha pôr em alvoroço a _republica das lettras_,
republica em todo o rigor do sentido popular que damos á palavra. Eu
sou, já de annos, por gosto e systema, colleccionador d'estas
_curiosidades litterarias_. Bem o sabe v.    , que tanto me tem ajudado
na minha inoffensiva paixão, pois é aos seus pacientes esforços que
principalmente devo o ver a esta hora tão medrados alguns corpos de
processos celebres, taes como _Verdadeiro Methodo de Estudar_, _Camões e
José Agostinho_, _Eu e o Clero_, _Ordens religiosas_, _Irmãs da
charidade_, _União Iberica_, _Pena de morte_, _Biblias protestantes_,
_etc._ Por isso mesmo recommendo instantemente a v.     que não deixe de
enviar-me o que fôr apparecendo, não só com referencia a qualquer dos
assumptos notados, mas ainda á _Vida de Jesus_ de Renan, ao padroado do
Oriente, ao folheto do _Bom-senso_, e bem assim tudo o que houver agora
publicado sobre a questão do casamento civil.

Dizem-me que o folhetim do sr. Pinheiro Chagas em resposta aos
innovadores de Coimbra, saiu avulso, e eu desejaria obter a todo o preço
um exemplar.

Quanto a mim é a cousa mais substancial que até aqui se tem escripto,
posto haja paginas excellentes, pelo vigor e pela eloquencia, no folheto
do sr. Julio de Castilho, e rasgos de humor caustico deliciosos no do
sr. Roussado. O folhetim do sr. Teixeira de Vasconcellos accende uma
vela a Deus e outra ao diabo. Aos seus olhos o auctor das _Odes
modernas_ mede a mesma estatura do sr. A. F. de Castilho, e entre um e
outro nome o folhetim não ousa decidir-se! As _Theocracias Litterarias_,
essas parecem-me a composição mais pifia, mais peca, e mais sêcca que a
polemica tem brotado de si.

O sr. conselheiro Castilho terminou a publicação das dez cartas sobre a
_eschola coimbran_. São o commentario lacerante de muitos dos infinitos
disparates em que enxameiam as producções do sr. Quental. Depois d'esta
formidavel fustigação seguia-se a vez do sr. Theophilo Braga. Pudemos
porém persuadir o sr. Castilho a gastar _oleum et operam_ mais
proveitosamente.

Eu sou um admirador sincero dos talentos poeticos do auctor da _Visão
dos Tempos_. Intendo, porém, como toda a gente, que os seus escriptos em
verso não teem a _intenção_, o alcance philosophico, que o poeta lhes
quer attribuir, e creio que sem os apparatos de que elle os precede, sem
as estheticas, as tricotomias, as asceses, as geneses, as syndereses, as
relatividades e as absolutividades, os symbolismos telluricos e as
expressões morphicas, o publico lh'os acceitaria e applaudiria de muito
melhor grado.

Qual é o homem de mediana erudição em Portugal, que, pondo deante dos
olhos, não digo já as _Antiguidades do direito allemão_, mas
simplesmente a obra com que Michelet tornou conhecido o livro de Grimm,
não seria capaz de escrever ácerca das origens a que se conveio em
chamar poeticas do direito portuguez uma obra mais farta, mais
instructiva, e sobretudo muito mais amena que a do sr. Theophilo Braga?

Apezar do mau estylo em que são escriptos, ha merecimento--quem o
nega?--nos seus artigos de litteratura portugueza. Mas, já o sr.
Pinheiro Chagas o disse, esses artigos não dão um passo para além dos
prologos de Garrett. Veja-se por exemplo o que versa sobre a lenda do
Fausto. A idéa mãe deparou-lh'a um dito das _Viagens na minha terra_: a
obra franceza de Maury sobre as _Lendas da edade-média_; o drama de
Marlowe na versão _franceza_ do filho de V. Hugo, e a versão _franceza_
da Mystica de Goerres fizeram o resto. Quem tiver visto na sua nova
edição a _Histoire de la litterature du colportage_ de Carlos Nisard,
pasma necessariamente da penuria do artiguito ácerca da _literatura de
cordel_. Entretanto, com que facilidade e felicidade, com que graça, com
que sabor não foi o assumpto indicado por Garrett á frente do jornal _A
Illustração_! A que se reduzem pois as invenções do sr. Theophilo Braga?
Quaes são os systemas, os pontos de vista novos, os factos que elle não
achasse já apurados ás margens do Sena pelos seus auctores preferidos?
Um: a influencia do cyclo greco-romano na poesia portugueza, que o
illustre critico foi estudar a Cascaes, d'onde nol-a trouxe comprovada
(a tal influencia e tambem a tradição da vinda de Ulysses) com um
documento incontrastavel, um documento historico gravissimo e
vetustissimo--as decimas que principiam:

    «Ulysses, heroe matreiro,
    Andava apanhando ninhos,
    E vendia os passarinhos
    Por avultado dinheiro....!!!

Voltando porém, ao folheto do _Bom-senso_. Que reprehende o sr. A. F. de
Castilho á eschola de Coimbra? A escuridade dos conceitos e da
linguagem. A este, o verdadeiro, o unico ponto da questão, com que
responde o sr. Quental? Com um rol de nomes de auctores
forasteiros--Quinet, Littré, Proudhon, Taine, etc.

Mas Taine, Littré, Quinet e Renan são clarissimos. Mas á summa
elegancia, á perspicuidade suprema do seu estylo deveu Proudhon a
diffusão das suas _idéas revolucionarias_, das suas doctrinas, dos seus
paradoxos destruidores. Os mesmos dotes nas obras que firmaram a
reputação de Michelet, o qual apenas em algum livro moderno (_Sorcière,
Bible de l'humanité_) me parece deslizar d'essa grande virtude da
clareza, a que elle proprio chama a _probidade das linguas_, e que com
muito mais razão deve ser a probidade do escriptor.

Se no idioma proprio Stuart Mill se nos affigura menos limpido que nas
paginas de Dupont-White, a culpa não a imputemos a elle, mas ao nosso
escasso inglez. Dos auctores allemães não fallo. Os innovadores de
Coimbra leem-nos em francez como eu leio alguns, sem que por isso me
declare alistado na legião dos _pequenos deuses bastantemente
satisfactorios, que substituiram Jehovah, o defuncto Senhor dos
Exercitos_. E tanto é verdade que só em francez os lêem, que o sr.
Quental até os cita em francez, como se póde ver nas _Odes modernas_, a
pag. 6.

Ora, dos escriptores tenebrosos com que a eschola de Coimbra se defende,
qual é o que, fóra da circumscripção geographica do seu paiz, em França
por exemplo, conseguiu fazer-se recebido, sem se subordinar ás
exigencias do espirito d'aquella nação; sem se transformar, sem se
accommodar ao «gosto francez?»

Ferrari enriquecera de notas explicativas a sua edição da _Sciencia
Nova_; os principios d'este livro tinham sido expostos por Ballanche; e
todavia o nome de Vico permaneceu ignorado até ao momento em que
Michelet tomou a si explicar e vulgarisar as suas idéas. O estylo das
obras allemãs de H. Heine é por ventura o das versões feitas a seus
olhos, ou o das obras escriptas annos mais tarde em Paris?

Quanto á _Symbolica_ de Guigniaut, sabe-se que é antes um labor de
interpretação original do que a versão da obra de Creuzer. Vera, o
traductor da _Philosophia da natureza_, viu que não bastava dar em
francez as obras de Hegel. Eil-o logo a repetir explanação sobre
explanação, volume sobre volume--_Introducção á Logica, Commentario
perpetuo, Introducção á Philosophia, O hegelianismo e a
philosophia_--que servissem de glossa e fossem um passaporte dos
escriptos do reformador de Stuttgard... Pois nem assim creio que
conseguisse melhorar em nossos dias a posição do seu auctor, o qual bem
se conhecia, e como tal, diz um critico francez, _se plaignait, de son
vivant, de n'avoir été compris que par un seul disciple, qui même
l'avait MÉCOMPRIS_.--Mas, quer v. um exemplo mais vivo da difficuldade
com que se fazem acceitas ao resto da Europa as especulações, as
caligens da philosophia germanica? A versão da _Vida de Jesus_ de
Strauss, publicada em 1839, só dezesepte annos depois teve segunda
edição. E comtudo o traductor chamava-se Emilio Littré.--Apparece em
1863 a obra de Rénan, obra condemnada pelo proprio Proudhon (_Du
principe de l'art_, 1.º volume das obras posthumas) e pelos
racionalistas da Allemanha, obra cem vezes inferior, em valor
scientifico, á de Strauss, e em cinco mezes exhaurem-se nove edições! O
estylo fizera a reputação d'esse livro inconsistente e contradictorio,
prenhe de phrases dubitativas, de allegações falsas e de risiveis
conjecturas.--Mas não é tudo. Na mesma lingua, de francez para francez,
se tem visto serem ás vezes necessarios estes trabalhos de tradução--o
trabalho de Dumas filho vertendo na admiravel lingua dramatica do
_Supplicio de uma mulher_ a concepção absurda de E. de Girardin.--Assim
é que as diffusas e obscuras theorias do fundador do positivismo,
Augusto Comte, careceram de ser depuradas, resumidas e aclaradas pela
elegante penna de Littré, sem o que parece que ainda hoje o não
intenderiam no seu paiz.

Mas agora reparo, que tenho levado a tagarelar sem tom nem som por todo
este papel. Cinjo-me já á resposta das cartas de v.   , e peço desculpa
da minha enfadonha verbiagem.

Confrontando a sua correspondencia com a conta corrente que me acaba de
enviar, vejo (_Omitte-se o resto da carta, por versar exclusivamente
sobre negocios de interesse particular e commercial_).

Sempre

                                                De v.

                                        Amigo e obrigadissimo creado

                                                                M........



CATALOGO CHRONOLOGICO

DOS OPUSCULOS PUBLICADOS ATÉ HOJE

SOBRE A

ACTUAL QUESTÃO LITTERARIA


1--*A. F. de Castilho*--Carta ao editor A. M. Pereira sobre o _Poema da
Mocidade_, impressa no fim do poema, 1 vol. broch. 600

2--*Anthero do Quental*--Bom senso e bom gosto, carta ao ex.mo sr. A.
F. de Castilho, 3.ª edição, br. 100

3--*M. Pinheiro Chagas*--Bom senso e bom gosto, folhetim a proposito da
carta que o sr. Anthero do Quental dirigiu ao sr. A. F. de Castilho br. 100

4--*Manuel Roussado*--Bom senso e bom gosto, resposta á carta que o sr.
Anthero do Quental dirigiu ao ex.mo sr. A. F. de Castilho, 2.ª edição
augmentada, seguida de uma carta sobre o mesmo assumpto, br. 100

5--*Elmano da Cunha*--Carta em resposta a outra bom senso e bom gosto
dirigida por Anthero do Quental ao ex.mo sr. A. F. de Castilho o
incomparavel traductor dos Fastos de Ovidio, obra em que se faz o
confronto de Romulo e Jesus-Christo, offerecida ao incomparavel duque de
Saldanha, br. 100

6--*Julio de Castilho*--O sr. Antonio Feliciano de Castilho e o sr.
Anthero do Quental, 2.ª edição, br. 160

7--*Theophilo Braga*--As theocracias litterarias, br. 100

8--*Anthero do Quental*--A dignidade das lettras e as litteraturas
officiaes, br. 160

9--*Rui de Porto Carrero*--Lisboa, Coimbra e Porto e a questão
litteraria.--A carta do sr. Anthero do Quental ante os srs. Pinheiro
Chagas, M. Roussado e Julio de Castilho, 2.ª edição, br. 160

10--*A. Ferreira de Freitas*--Os litteratos em Lisboa--poemeto
illustrado por Jeronymo da Silva Motta, bacharel nas faculdades de
theologia e direito, br. 240

11--*Amaro Mendes Gaveta*--O mau senso e o mau gosto--Carta mui
respeitosa ao ex.mo sr. A. F. de Castilho em que se falla de todos e de
muitas pessoas mais, com uma conversação preambular por Gaveta Mendes
Amaro, br. 100

12--*S. de A.*--Bom senso e bom gosto--Carta de boas festas a Manuel
Roussado, br. 100

13--*J. D. Ramalho Ortigão*--Litteratura de hoje, br. 100

14--*Camillo Castello Branco*--Vaidades irritadas e irritantes--opusculo
ácerca de uns que se dizem offendidos em sua liberdade de consciencia
litteraria, br. 200

15--*Augusto Malheiro Dias*--Castilho e Quental--reflexões sobre a
actual questão litteraria, br. 100

16--*Urbano Loureiro*--Questão de palheiro; Coimbrões e lisboetas, br. 100

17--*Ermita do Chiado*--Garrett, Castilho, Herculano e a escola coimbrã,
ou dissertação ácerca da genealogia da moderna escola, contendo um
esboço rapido e pittoresco da litteratura contemporanea, br. 100

18--*C. F.*--A litteratura ramalhuda a proposito dos srs. Castilho e
Ramalho Ortigao, br. 100

19--*A. F. de Castilho e J. A. de Freitas e Oliveira*--A questão
litteraria--a proposito do jazigo de José Estevão, br. 60

20--*José Francisco*--Os coimbrões; questão em que tambem entra pelos
cem réis, José Francisco, caiador da rainha do Congo; com uma
dedicatoria por Diogo Bernardes, br. 100

21--*José Feliciano de Castilho*--A escola coimbrã.--Cartas ao redactor
do Correio Mercantil, do Rio de Janeiro (este folheto contem as tres
primeiras cartas; as seguintes formarão outro folheto que já está no
prelo), br. 100

22--*Dito*--Idem, idem, idem.

23--*Eduardo A. Vidal*--Guelfos e gibelinos. Tentativa critica sobre a
actual polemica litteraria, br. 100

24--*P. W. de Brito Aranha*--Bom senso e bom gosto. Humilde parecer com
uma carta do ex.mo sr. A. F. de Castilho, br. 100

25--*Eduardo Salgado*--Litteratura de ámanhã, duas palavras ao sr.
Anthero do Quental, br. 100

26--*Carlos Borges*--Penna e espada, duas palavras ácerca da Litteratura
de hoje, de Ramalho Ortigão br. 100

27--*Anonymo*--Anthero do Quental, e Ramalho Ortigão, br. 100

28--*Anonymo*--O tyrannete Quental e Ortigão. Verso, br. 100

29--*Sachristão*--Analyse critica, rapida, despretenciosa, feita ao
folheto intitulado Garrett, Castilho, Herculano e a escola coimbrã pelo
Ermita do Chiado, br. 100

30--*A. A. Teixeira de Vasconcellos*--A. F. de Castilho--A. Osorio de
Vasconcellos--Sobre a questão coimbrã, br. 100

31--*Sombra de Cicero*--Verdadeira luz derramada na questão litteraria,
e supremo remate a ella, br. 100

32--*Antonio Peixoto do Amaral*--Litteratura de hontem, ou breves
reflexões sobre a questão litteraria, br. 100

33--*A. M. da Cunha Belem*--Horacios e Curiacios, ou mais um ponto e
virgula na actual questão liiteraria, br. 100

34--*Lisboeta convertido*--A aguia no ovo e nos astros, sive a escola
coimbrã na sua aurora e em seu zenith, 2 folhetos (1.ª e 2.ª parte), br.
200





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