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Title: Os Cataventos
Author: Peixoto, António Augusto da Rocha
Language: Portuguese
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Digital do Alentejo)



    *Nota de editor:* Devido à existência de inconsistências
    nomeadamente relativas à numeração das imagens, foram tomadas
    decisões quanto à versão final. As decisões encontram-se descritas
    no fim desta obra.

                                          Rita Farinha (Julho 2015)



PORTVGALIA

MATERIAES PARA O ESTUDO DO POVO PORTUGUEZ

SEPARATA DO TOMO II, FASCICULO 3


Rocha Peixoto


OS CATAVENTOS

COM QUARENTA E SEIS ILLUSTRAÇÕES NO TEXTO


PORTO
IMPRENSA PORTUGUESA
112--_Rua Formosa_--112

1907



PORTVGALIA

MATERIAES PARA O ESTUDO DO POVO PORTUGUEZ

SEPARATA DO TOMO II, FASCICULO 3


Rocha Peixoto


OS CATAVENTOS

COM QUARENTA E SEIS ILLUSTRAÇÕES NO TEXTO


PORTO
IMPRENSA PORTUGUESA
112--_Rua Formosa_--112

1907



OS CATAVENTOS


Na meteorologia popular prognostica-se ácerca dos doze mezes do anno
conforme os aspectos dos primeiros doze dias de janeiro; ou presume-se
pelo vento que soprar á meia noire no dia da Senhora das Candeias, 2
de fevereiro, o vento dominante durante o resto do anno; ou conclue-se
pela agitação atmospherica n'umas temporas d'onde prevalecerá o
meteoro até ás seguintes; ou ainda mais restrictamente se avalía pelo
vento do dia de S. Miguel, 29 de setembro, o estado do inverno que se
approxima; ou, por ultimo,se infere da direcção observada á uma hora
da tarde do dia da Senhora da Ascenção qual o vento estival de
predominio. A verdade, porém, é que isto se caticina e mal se admitte.
Alguns adagios contradictam logo os prenuncios, pois

Quando deus queria,
Do Norte chovia.

Quando Deus quer, com todos os ventos chove.

Vento e ventura,
Pouco dura.


[Figura: Figs. 1 a 3]


De mais firmesa é a illação diaria tirada dos aspectos celestes,
associados frequentemente a relações com a ondulação orographica
local. «Vem ahi o trovão», diz-se no planalto de Barroso ao
observarem-se as formas de certas nuvens e a orientação da sua marcha.
E a trovoada, ás vezes diaria no estio, em breve surge. No Soajo,
formando-se ellas na portella de Tibo, apenas se «esbarram» em vento;
mas levantando-se uns «penduricalhos» no rio, sitio do Cachão, e
quando o castello da Nobrega «tem carapuça» irrompe a chuva. O mesmo
succede em Castro Laboreiro quando as nuvens «fazem chapeu» lá para os
montes do Gerez; e em Rebordãos, nas abas da serra da Nogueira, se
«está o buraco tapado», ou sejam as nuvens ao nascente, a agoa é
certa. Entretanto, como se diz no Soajo:


Chuvas de verão,
É como amores em vão.


A «maré pica de cima» ou a «maré pica de baixo» são as formulas com
que ordinariamente se distinguem os ventos norte e sul que annunciam
bom ou mau tempo. Todavia, e em regra, quando o vento do sul é forte,
a chuva não se prolonga tanto como se é mais brando do mesmo quadrante
(Castro Laboreiro).

Outras previsões fundamentadas em varios aspectos de nuvens, do
orvalho e circumstancias, logares e horas em que se mostra, de
attitudes dos aninmaes e até da agoa das fontes, asseguram nevoeiro ou
chuvas proximas, os trovões ou as nevadas.


[Figura: Figs. 4 a 6]


E mais quando os trabalhadores seccam as mãos e não se agarram aos
cabos das enxadas é signal de chuva, como é de trovoada, pela tarde,
quando, na faina do centeio, a palha tem difficuldade em guardar o
grão e se resente da humidade (Castro Laboreiro).


[Figura: Figs. 7 a 10]


Decerto que com alguns d'estes e outros prognosticos nem sempre condiz
a realidade ulterior dos factos. Mas em muitos a experiencia assegura
a certesa, tanta e precisa como a tem o aldeão, e o serrano
principalmente, quando se orienta. Assim, pelos cumes dos montes
descobertos se guiam, como pela altura do sol calculam a hora e ainda
pela direcção e extensão da sombra (Barroso). Depois do dia governa-os
o sete-estrello e por elle sabem se a noite vae alta (Nogueira,
Barroso, Laboreiro). Se pela tarde, emtanto, ha muito nevoeiro, é o
orvalho que os esclarece sobre a approximação da noite. «Já _lóze_ o
orvalho», isto é, já luz e portanto a noite chega (Castro Laboreiro).
Só quando o _camasso_ ou camada de neve é tal que tudo é branco
(Barroso) os mais sabidos se perdem nos caminhos; os homens
enterram-se até aos joelhos; os gados não podem marchar, sequer para
irem beber; e, na serra das Alturas, não é possivel mesmo sahir por um
e por dois mezes.


[Figura: Figs. 11 e 12]


Ainda outro impedimento de orientação, mas mais ephemero, vem com a
nevoa. Ha a esperar que se dissipe. E entretanto afugentam-a com
esconjuros, com formulas rimadas. Em Meirinhos, no concelho de
Mogadouro, os rapazes, quando pela manhã a olham, increpam-a e
mandam-a para a Villariça:


Névoínha peidorreira,
Vae para os cantos da ribeira,
Que está lá uma porca parida com leitões.
Come-lhe os leitões,
E manda a porca para os berrões.

[Figura: Figs. 13 e 14]

As grimpas, emtanto, sempre que as ha, são naturalmente observadas,
uma vez que este simples apparelho, limitado frequentemente a uma
bandeirola movendo-se em torno d'um eixo vertical, indica a direcção
do vento e, derivativamente, certos estados atmosphericos. Rara é a
torre que não remata em veleta. De dia, pois, e sem nevoa, a freguesia
tem na séde o instrumento que logo a elucida, mais ou menos
grosseiramente, sobre o tempo provavel.

[Figura: Figs. 15 e 16]

Este apparelho, a um tempo orientador e ornamental, procede da alta
edade-media tendo sido a principio um signal de nobresa[1] e portanto
um privilegio senhorial[2]. Além das edificações nobilitarias, só
tinham direito a exhibil-as as construções ecclesiasticas. De sorte
que figuravam muitas vezes as armas do mosteiro e do senhor em recorte
na chapa, pintadas ainda e douradas, ou outros symbolos da heraldica,
como corôas e leões rompantes. Nos seculos XIV e XV as grimpas
convertem-se em verdadeiros ornamentos. E como desde os fins do seculo
XI a torre, depois de ter sido uma fortificação que protegia a egreja,
comece a prestar-se ás funcções se multipliquem com uma liberdade
cheia de phantasia, tornando-se um poderoso instrumento de decoração e
de orgulho para cathedraes e mosteiros[3], as proprias ornamentações
dos remates mais se acuminam e alindam. Umas vezes a decoração exclue
a ventoínha e apenas consiste em combinações de folhas e flores, aves
e outra fauna de imaginação, figuras humanas e cupidos, de loiça,
ferro, chumbo ou zinco e do mesmo passo notaveis pela belleza de
execução e graça[4]. É a estes ornamentos em ponta que correspondem,
nos monumentos arabes, as terminações aceradas que um crescente
fecha[5]. As mais das vezes, porém a veleta apparece sob a forma de
monstros alados, dragões e animaes phantasticos[6], do archanjo S.
Miguel, anjos e navios[7], do gallo principalmente[8], tudo mais ou
menos historiado e até, da Renascença ao seculo XVII, com a assignatura
ou inspiração d'um artista emerito[9].

[Figura: Figs. 17 a 19]

[Figura: Figs. 20 a 23]

[Figura: Figs. 24 a 27]

[Figura: Figs. 28 e 29]

[Figura: Figs. 30 e 31]

[Figura: Fig. 32]

A serralheria portuguesa concorreu tambem, com a humildade
caracteristica da industria popular nacional, para a indigente
ornamentação dos acumes das torres e, mais restrictamente, de
castellos, de pharoes, de pelourinhos (Rates), de chafarizes
(Barcellos), de moínhos, de telhados, de chaminés (Alemtejo) e até
d'um mastro ou varo ao alto, em campos e quintaes. Dominam, todavia,
as de ferro nas egrejas. A flecha, designadamente adstricta a indicar
o rumo do vento, é simples, associada a folhagens, á cruz e á esphera
armillar, recortada outras vezes e até modificada na sua configuração
habitual, substituindo-se por um sol a massa posterior e mais pesada.
São exemplos as que se vêem em muitas habitações particulares (fig. 1),
a do convento dos dominicos de Amarante (fig. 2) e a do santuario da
Senhora da Abbadia (fig. 3). A combinação da bandeirola e da flecha é
patente na egreja de S. Victor, em Braga (fig. 4), pois a bandeira
apenas, como as de Santo Thyrso, de Moreira da Maia, de Santo Ildefonso,
no Porto, da Alcaçova, em Montemór-o-Velho, de Travanca (fig. 5) e da
capella do Bom Despacho, em Ancêde (fig. 6), são menos communs na
singelesa dos seus breves recortes. A regra é accusarem a suggestão da
flecha, como a do pelourinho de Rates (fig. 7), a do Carmo de Braga
(fig. 8), a da capella da Senhora da Graça de Villa Cahiz (fig. 9) e a
do mosteiro de Refojos do Lima (fig. 10). E a desfiguração d'esse
elemento sempre transparece, aliás, em exemplares como a da casa
particular do Trasladario, nos Arcos de Val de Vez (fig. 11),
ess'outra dos Arcos (fig. 12), a de Santo Antonio dos Frades, em Ponte
do Lima (fig. 13), a do Populo, em Braga (fig. 14), a da Misericordia
de Amarante (fig. 15) e a da matriz de Ancêde, em Baião (fig. 16). Com
os mesmos accessorios da cruz e da esphera armillar, mas mais
historiadas e accrescidas, são as da egreja do Espirito Santo, nos
Arcos de Val de Vez (fig. 17), e a da capella de S. João do Souto, em
Braga (fig. 18)[10]. A do Oratorio da Senhora da Saude das
Carvalheiras, n'esta ultima cidade (fig. 19), é apenas uma
interessante substituição pelos cravos e a corôa de espinhos.

[Figura: Fig. 33]

[Figura: Fig. 34]

Tam frequente é ainda o gallo, symbolo da vigilancia, vulgarissimo nas
torres das numerosas egrejas christãs[11], e já empregado de datas
longinquas[12]. Alguns mesmo assumiam proporções grandiosas: o da
torre da Ajuda, cuja veleta de bronze attingia 31 palmos de alto,
media 18 do bico á cauda[13]! Nas casas particulares ou seus annexos
(fig. 20), em Cedofeita e Carmo, no Porto, nas matrises da Trofa, de
Ponte do Lima, da Campeã (fig. 21) e de Castro Laboreiro (fig. 22), na
egreja da Senhora das Dôres, da Povoa de Varzim (fig. 23), na Lapa, em
Braga (fig. 24) e em outras e innumeraveis torres e campanarios, o
gallo apparece, ou associado simplesmente á cruz ou a folhagens e
emblemas ornamentaes. Outras aves raramente pretextarão o ornato
accessorio das grimpas, como o caso das duas geminadas no Seminario de
Braga (fig. 25), ou então o papel exclusivamente decorativo do
admiravel pelicano de bronze da Sé de Vizeu, inicialmente estante de
côro, e durante muito tempo adaptado, depois de mutilado, a uma torre
da cathedral, por cima do sino do relogio[14]!

Da fauna ha ainda os peixes, principalmente nas povoações da beira-mar
(Mattosinhos, Santa Cruz do Bispo, Lavra, etc.), os leões mais ou
menos barbaros como o da egreja de Pico de Regalados (fig. 26) e os
dragos da fauna mythica, como o do mosteiro de Santa Maria de Bouro
(fig. 27), já de remota concepção e uso[15].

[Figura: Fig. 35]

A iconographia dos anjos é mais vasta e variada em pormenores. Vêem-se
com a mitra e o baculo no hospital de S. Marcos de Braga (fig. 28),
com o calice em Guimarães, com o sol na matriz de Fão e na egreja de S.
Francisco, em Ponte do Lima (fig. 29), com a tuba em S. Bento, no
Porto, e em S. Martinho de Gallegos, junto a Barcellos, com outros
emblemas em S. Paio, nos Arcos (fig. 30), com arco e setta na egreja
de S. Domingos, em Amarante (fig. 31), com a espada em Guimarães e no
santuario do Allivio, em Soutello, e com o gladio ondeante na matriz
de Monsão. Este motivo decoral, de execução mais difficil, é tambem
dos mais generalisados nos templos christãos; e occorre relembrar o
celebre _anjo de ouro_ do campanario de S. Marcos, em Veneza,
esculptura de madeira de 5 metros de alto, revestida de chapas de
bronze dourado e inaugurada solemnemente como catavento no primeiro
quartel do seculo XVI[16].

[Figura: Fig. 36]

[Figura: Fig. 37]

Veem por ultimo, e d'ordinario na habitação privada, outras figuras
alheias aos themas convencionaes, como o homem sobre um sol e que
consulta os astros, n'uma casa da Povoa de Varzim (fig. 32), o homem
que maneja um alfange, o miliciano que aponta uma espingarda, o
cavalleiro que galopa, o cavalleiro que peleja (Povoa de Lanhoso),
outras mais.

[Figura: Fig. 38]

De toda esta obra de serralheria só excepcionalmente se aparta uma
grimpa mas interessante de concepção e realisação, como as já
alludidas de S. João do Souto, de Monsão e de Bouro e ainda a
agradavel cruz ornamentada de Santa Eugenia de Rio Côvo, perto de
Barcellos. No norte, como no sul[17], as veletas e outra obra
artistica de ferro manifestam vivamente a subalternidade portuguesa
ante a sumptuosa variedade e merito artistico da obra similar
hespanhola.

Entretanto não se limitam ás grimpas os pequenos instrumentos de
engenho popular accionados pelas correntes aereas. Ha-os que são
exclusivamente decorativos; outros destinam-se a afugentar as aves que
assaltam os fructos; outros ainda são ventoínhas reguladoras, mais ou
menos. Um muito interessante pela simplicidade, graça e utilisação
d'um recurso commum e local é a especie de anemometro executado com
duas varas em cruz, rematando cada extremidade com a valva concava
d'um lamellibranchio do Gen. _Pecten_, o _P. maximus_, L. (fig. 33).
Usam-o em varias freguesias do concelho da Povos de Varzim, como
Amorim (Abremar), Beiriz e Terroso, dando assim ás conchas uma das
varias applicações, ou ornamentaes ou utilitarias, já conhecidas[18].

[Figura: Fig. 39 a 41]

Na mesma região até uma canna, com um velho retalho de sola figurando
de bandeira, serve de catavento. O modelo, porém, mais geral é o
denominado _ventiéla_ (fig. 34) commum não só em todo o concelho, mas
ainda n'outros e com ligeiras alterações constructivas, como em Bouças,
por exemplo (fig. 35).

Annexando á ventiéla uma velha vasilha de folha de ferro e duas
pedritas suspensas por fios do eixo movel, de sorte a percutirem
repetidamente a lata quando o apparelho está em movimento, temos o
catavento, _corta-vento_ ou _bate-bate_ que afugenta a passarda das
figueiras e das vinhas. É a _taraméla_ de Ponte do Lima (fig. 36), a
_tarabella_ de Lindoso e Miranda, a _cacaréla_ de Melgaço, o _ratatau_
e _catraméla_ de Santa Martha de Penaguião, a _ralhadeira_ do Soajo, o
_batedor_ de Barroso, o _rigibó_ ou _ruge-ruge_ de Cabeceiras e do
Arco de Baúlhe (fig. 37), um modelo geral, emfim, com estas
designações ou outras, empregado em quasi todo o paiz para semelhante
destino--como, para a defesa dos ervilhaes, o casaco, as calças e
chapeu velhos suspensos de dois paus em cruz e formando o geralmente
denominado _espantalho_.

[Figura: Fig. 42]

[Figura: Fig. 43]

A designação barrosã de _batedor_ applica-se, aliás, em Lindoso a
outro engenho com intuitos semelhantes, ou sejam de espantar a
_beadilha_--bichos bravos, como o texugo e a raposa--mas em que o
vento não interfere. É uma caixa de madeira disposta sob um veio de
agoa que vem d'alto. Ao fundo addiciona-se-lhe uma longa taboa que
remata por um mascôto e cujo peso, quando a caixa está vasia, inclina
esta para a frente. Enchendo-se de fluído, o recinto então pesa mais,
ergue-se veloz e logo verte e se esvasía. Volve, pois, á posição
inicial, isto é, inclinando-se para o lado do mascôto; e ao voltar
este bate rijamente n'uma taboa sobjacente. São estas pancadas
successivas e espaçadas que amedrontam e afastam a bicharia.

[Figura: Fig. 44]

[Figura: Fig. 45]

A intenção ornamental determina a adopção d'outros brinquedos em que
do vento apenas se deseja motricidade, sem nada inquirir do rumo em
que caminha. São as flammulas e bandeiras dos _coruchos_ ou cupulas
das moreias (Ponte da Barca, Barcelos, etc.), associadas
frequentemente a cruzes floreadas, a estrellas, a arcos de festas, e
ás vezes mesmo ao pucaro invertido que corôa as mêdas (Maia, Bouças,
Porto, etc.); são as reducções dos moínhos de vento (fig. 38) com os
mesmos pannos e varaes, em logares, como Laundos e Terroso, no
concelho da Povoa de Varzim, onde funccionam estas rudimentares
estancias de moagem; são os curiosos bonecos de madeira que se veem
nas hortas, jardins e campos desde Barcellos e Povoa de Varzim até á
Maia e parte do concelho de Bouças. O exame das figuras, todas
pintadas a côres vivas, logo indica como se effectua o andamento
(figs. 39 a 42). Outr'ora, em Azurara, raro era o quintal que não
possuía uma ventoínha figurada, em regra esculpida por marujos em
descanço. E em alguns casos, que hoje só por acaso se observam na area
dita, em vez d'uma figura havia muitas, peões e cavalleiros batalhando
sobre uma circumferencia com cerca d'um metro de diametro.

Ainda um barco, com a cordoalha de arame e as vélas de tecido de
algodão (fig. 43) estava organisado e orientado de sorte (Povoa de
Varzim) a realisar movimentos que imitavam a marcha d'uma nave. Mas já
outra esculptura immovel, do mesmo habilidoso, apenas manifestava, a
seu modo, um symbolismo: era um _saragoçano_ em face do tripé que
sustentava o oculo de alcance e inquirição; á frente o cão fiel; a um
lado um anjo inspirador, sustentando nas mãos os astros sobre cuja
influencia incidiam as observações do astrologo, atraz, e a uma meza,
o secretario que registava as observações e os algarismos (figs. 44 e
45).

[Figura: Fig. 46]

Como arte popular esta esulptura lembra os brutescos que os ceramistas
de Aveiro fabricavam para ornamento dos telhados. Apenas os esculpidos
e levantados para ventoínhas teem sobre aquelles o interesse do
movimento.

Ora nem só as creanças, com os seus _corrupios_ e _gregorios_ (fig.
46), se apropriam do vento como agente do brinquedo: tambem o homem,
independentemente da utilidade orientadora do engenho, edifica grimpas
e cataventos que o mesmo motor faz trabalhar para seu regalo
esthetico--bem limitado, em verdade!

Porto. Janeiro, 1907.



*Notas*:

[1] Viollet-le-Duc, _Dict. raisonné de l'architecture française du X
au XVI siècle_, VI, voc. _Girouette_, pags. 28-9. Bauce ed. Paris,
1863.

[2] Camille Enlart, _Manuel d'archéologie française depuis les temps
mérovingiens jusqu'à la Renaissance_, II, _Architecture civile et
militaire_, pag. 177. A. Picard ed. Paris. 1904.

[3] Louis Gonse, _L'art gothique_, pags. 110-1. Quantin ed. Paris, s.
d.--André Michel, _Histoire de l'Art_, capitulo de Camile Enlart,
_L'architecture romane_, I, 2.^a parte, pags. 450-2. A. Colin ed.
Paris, 1905.

[4] Henry Havard, _Dict. de l'ameublement et de la décoration depuis
le XIII^e siècle jusqu'à nos jours_, II, voc. _Épi_, pags. 503-4 e
figs. 339 a 342. Quantin ed. Paris, s. d.--Viollet-le-Duc, ob. cit.,
V, mesmo voc., pags. 271-87.

[5] Prisse d'Avennes, _L'art arabe d'après les monuments du Kaire_.
Morel & C.^{ie} eds. Paris, 1877.

[6] Havard, ob. cit., voc. _Girouette_, pag. 1099.--Viollet-le-Duc,
ob. cit., VI, voc. _Croix_, pag. 427.

[7] Enlart, _Manuel_ cit., pag. cit.

[8] Viollet-le-Duc, ob. cit., VI, voc. _Croix_, pag. cit., e voc.
_Coq_, pags. 305-6.

[9] Havard, ob. cit., voc. _Girouette_, pag. 1100.

[10] Pela distancia e situação do desenhista em relação ao objecto
esboçado, algumas das grimpas figuradas não apresentam o rigor de
perspectiva nem a minucia de pormenor que os embaraços accusados
explicam.

[11] Viollet-le-Duc, ob. cit., VI, voc. _Coq_, pag. 306.--Paul
Sébillot, _Les travaux publics et les mines dans les traditions et les
superstitons de tous de pays_, pag. 383. Rothschild ed. Paris, 1894.

[12] Viollet-le-Duc, ob. cit., VI, voc. _Croix_, pag. 432.

[13] Ribeiro Guimarães, _Summario de varia historia_, V, pag. 175.
Rolland & Semiond eds. Lisboa, 1875.

[14] Filippe Simões, _A Exposição retrospectiva de arte ornamental
portugueza e hespanhola em Lisboa_, pag. 78. Typ. Universal. Lisboa,
1882.

[15] Havard, ob. cit., II, voc. _Girouette_, pag. 1099.--Enlart,
_Manuel_ cit., II, pag. 177.

[16] Gabriel Pereira, _O Campanario de S. Marcos_, in _Bol. da R.
Assoc. dos architectos civis e archeologos portuguezes_, serie IV,
fasc. 5.^o, pag. 32. Lisboa, 1902.

[17] Gabriel Pereira, _Estudos eborenses_, fasc. VII, pag. 25. Minerva
eborense. Evora, 1886.

[18] Rocha Peixoto, _Notas sobre a malacologia popular_, in _Revista
de Sciencias Naturaes e Sociaes_, I, pags. 75-90. Porto, 1890.



Lista de decisões efectuadas

Aqui encontram-se listadas as decisões tomadas em momentos menos
claros da revisão desta obra:

A partir da fig. 29 existe um desfasamento na numeração das imagens.
Mantivemos essa discrepância devido às diversas referências às figuras
que se encontram ao longo do texto, podendo a sua renomeação alterar
a relação pretendida pelo autor.





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