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Title: Historia Pitoresca - Palavras e frases celebres
Author: Campos, Alfredo
Language: Portuguese
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*** Start of this LibraryBlog Digital Book "Historia Pitoresca - Palavras e frases celebres" ***


  HISTORIA PITORESCA

  PALAVRAS E FRASES CELEBRES


  POR
  ALFREDO CAMPOS



  [Figura:
    HISTORIA PITTORESCA
    PALAVRAS E PHRASES CELEBRES
  ]



OBRAS DO AUCTOR


  Luz e sombras, original    .  .  .  .  .  .  .  .  .     400 réis

  Um como ha muitos, original      .  .  .  .  .  .  .      50 réis

  Um livro intimo, original     .  .  .  .  .  .  .  .     200 réis

  A felicidade pela familia, original    .  .  .  .  .     100 réis

  O trabalho, original       .  .  .  .  .  .  .  .  .     100 réis

  Nunca mais! original    .  .  .  .  .  .  .  .  .  .     400 réis

  A Filha do cabinda, original     .  .  .  .  .  .  .     500 réis

  A cruz de brilhantes, original   .  .  .  .  .  .  .     500 réis

  A jurity, original      .  .  .  .  .  .  .  .  .  .     500 réis

  Alma minha gentil, original   .  .  .  .  .  .  .  .     300 réis

  Historia pittoresca--Palavras e phrases celebres,

  Deveres do homem, original       .  .  .  .  .  .  .      50 réis

  Magdalena, traducção       .  .  .  .  .  .  .  .  .     500 réis

  Fior d'Aliza, traducção    .  .  .  .  .  .  .  .  .     400 réis

  A mulher forte, traducção     .  .  .  .  .  .  .  .     600 réis


OBRAS ELEMENTARES

  Noções de moral e religião, approvada     .  .  .  .     160 réis

  Principios elementares de chorographia, approvada        200 réis

  Grammatica franceza resumida, approvada      .  .  .     500 réis


NO PRÉLO

  A missão da mulher, 1 vol.

  Vida de Camões, 1 vol.



  _Alfredo Campos_


  HISTORIA PITTORESCA


  PALAVRAS E PHRASES CELEBRES



  PORTO

  Livraria Portuense
  --DE--
  LOPES & C.ª--EDITORES

  _123--Rua do Almada--123_

  1889



  =IMPRENSA CIVILISAÇÃO=

  73--LARGO DA POCINHA--77

  --PORTO--



  _Ao Ill.ᵐᵒ e Ex.ᵐᵒ Sr._

  MANOEL JOSÉ DA CONCEIÇÃO ROCHA

  TRIBUTO DE RESPEITO,
  CONSIDERAÇÃO, GRATIDÃO E ESTIMA

  Offerece

  _Alfredo Campos._



DO AUCTOR


_O PRESENTE livro--PALAVRAS E PHRASES CELEBRES--, é como que uma
CORBEILLE aonde estão reunidos, explicados, e, por vezes commentados,
muitos factos, muitas palavras, phrases e circumstancias curiosas e
originaes, que se empregam e se encontram, a cada momento, já n'alguma
obra escripta, já no meio da conversação_.

_Pareceu-nos que não seria desgracioso enfeixar todas essas flores n'um
como que estudo de Historia Pittoresca, sem a aridez da Historia
propriamente dita, e com o proporcionamento do interesse, da amenidade
e do attractivo do romance._

_As PALAVRAS E PHRASES CELEBRES são isto apenas_.

_O livro estava feito, e todo o trabalho consistiu, quasi, em
procurarmos e reunirmos em volume as paginas que andavam dispersas, aqui
e alli, um pouco por toda a parte._

_Tem merecimento? Outros o dirão._

_Em todo o caso póde servir para entretenimento de um serão, para
desenfado n'uma hora de descanço, para suavisar um momento de tedio, com
a vantagem de que allia o util, que é a historia, ao agradavel, que é o
pittoresco._

_De resto, parece-nos livro para toda a gente, porque crêmos que não
perverte, não corrompe, não immoralisa._

_Visou, pelo menos, a esse fim, e só desejamos que o attinja._

_Se attingir, tanto melhor para os que nos honrarem lendo-o, e tanto
melhor para nós, sobretudo, porque lograremos a gloria que aspiramos
para o nosso modesto trabalho._


[Figura]



  PALAVRAS
  E
  PHRASES CELEBRES



I

_Amanhã os negocios sérios_


Sparta tinha-se apoderado da cidadella de Thebas por traição, e
impozera aos thebanos, como governador, o tyranno Archias. Este banira
da cidade os principaes cidadãos, entre os quaes Pelopidas. Refugiados
estes em Athenas, resolveram libertar a patria e concertaram-se com um
dos seus compatriotas, inimigo secreto do tyranno, que lhes offereceu
recebel-os em sua casa. No dia marcado para a execução da conspiração,
os conjurados penetraram em Thebas, graças a um disfarce. N'esse mesmo
dia, Archias foi convidado para ceiar em casa d'um rico cidadão thebano,
que, egualmente, fazia parte dos conspiradores. Tudo estava prompto, e
os conjurados esperavam apenas uma hora mais avançada, para a execução
do seu projecto, quando um correio, enviado d'Athenas, veio trazer a
Archias uma carta, contendo todas as particularidades da conspiração.
Admittido junto ao tyranno, entregou-lhe a missiva, convidando-o a lêr
sem demora, porque se tratava de _negocios sérios_. Archias, dominado já
pela embriaguez, poz indolentemente a carta sob a sua almofada,
exclamando:

--«Amanhã os negocios sérios!»

Alguns instantes depois, Pelopidas e os outros conjurados, invadiram a
salla do festim e massacraram o tyranno.

Este acontecimento, que produziu a liberdade da Beocia, obteve uma
grande celebridade na Grecia, e a phrase--_amanhã os negocios
sérios_--tornou-se um proverbio que os descuidados e os amigos da
alegria pretendem tomar por divisa, e que melhor fôra tomassem como
lição.



II

_Alexandre_


Alexandre, filho de Philippe, rei da Macedonia, foi um dos maiores
capitães da antiguidade. Desde a mais tenra edade que foi sempre animado
d'uma nobre ambição. Quando lhe perguntavam se concorria aos jogos
olympicos, respondia:

--«Iria, se tivesse a certeza de encontrar reis como rivaes!»

Chorava de cólera, vendo os successos multiplicados de Philippe,
lamentando-se, d'este modo:

--«Meu pai nada nos deixará que fazer!»

Alexandre ficou em todas as linguas como o typo do _heroe_ e do
_conquistador_. As differentes circumstancias da vida de Alexandre, que
originaram locuções proverbiaes são as seguintes e por ordem
chronologica:


_1.º--Se eu não fosse Alexandre, desejaria ser Diogenes._

Alexandre acabava de ser nomeado generalissimo dos gregos, e achava-se
em Corintho, aonde os principaes cidadãos se apressavam em dirigir-lhe
as suas felicitações. Admirado de não receber a visita de Diogenes, foi
elle proprio procurar o celebre cynico, cuja conversação facil e picante
o encheu de assombro. Alexandre tendo perguntado ao philosopho se
desejava alguma coisa, elle respondeu:

--«Tira-te do meu sol.»

Foi então que o grande conquistador, assombrado com tanto desinteresse,
exclamou:

--«Se eu não fosse Alexandre, desejaria ser Diogenes.»


_2.º--Meu filho, nada póde resistir-te._

Antes de partir para a expedição que projectava na Asia, Alexandre quiz
consultar o oraculo de Delphos. Como a pythia recusasse subir ao tripé,
o moço heroe arrastou-a violentamente. Ella exclamou então:

--«Ah!, meu filho, nada te póde resistir.»

--«Esse oraculo me basta--respondeu Alexandre--não quero outro.»


_3.º--Reserva da Esperança._

Na primavera do anno 334, Alexandre, tendo apenas vinte e dois annos
d'edade, dispunha-se a invadir a Asia, á frente d'um exercito de trinta
mil infantes e cinco mil cavallos. Como se já estivesse de posse dos
thesouros do grande rei, distribuiu aos amigos tudo quanto tinha.
Perdiccas perguntou-lhe então:

--«Que reservaes para vós?»

--«A _Esperança_»--respondeu Alexandre.


_4.º--Nó gordio._

Gordio, simples lavrador phrygio, tornou-se rei, por ter cumprido um
oraculo, que promettia a corôa ao que primeiro entrasse, n'um
determinado dia, na capital. Midas, seu filho, consagrou, no templo de
Jupiter o carro sobre o qual seu pai fôra transportado. O nó que ligava
o jugo ao timão estava tão artisticamente dado, que não se lhe
descobriam as pontas. Chamavam-no o _nó gordio_ ou de Gordio, e um
antigo oraculo promettia o imperio da Asia a quem conseguisse desatal-o.

Alexandre, tendo-se apoderado da cidade, resolveu cumprir o oraculo e
actuar fortemente sobre a imaginação dos seus soldados. Depois de varias
tentativas infructiferas, desembainhou a espada e cortou o nó
mysterioso, illudindo mais, que realisando, d'este modo, o oraculo.


_5.º--O medico de Alexandre._

Pouco tempo depois da passagem do Granico, Alexandre, tendo-se banhado,
a suar, nas aguas geladas do Cydnus, foi subitamente atacado d'um
tremor mortal, e os soldados levaram-n'o, sem movimento, para a tenda.
Todo o exercito se consternou, porque o seu estado parecia desesperado.
Ao mesmo tempo, Dario avançava com forças immensas para lhe barrar as
sahidas do Taurus. Os medicos não ousavam experimentar remedio algum; um
só, Philippe, Acarniano de nação, e amigo d'infancia d'Alexandre, compoz
uma poção, cujo effeito poderoso e salutar devia ser immediato. Durante
estes preparativos, Alexandre recebeu uma carta de Parmenion, que o
advertia de que desconfiasse de Philippe, secretamente comprado por
Dario, para attentar contra os dias de seu monarcha. O heroe tinha ainda
a carta nas mãos, quando o medico lhe levou a poção. Alexandre, sem
manifestar a menor emoção, tomou a taça com uma das mãos, apresentou com
a outra a carta a Philippe, e bebeu tudo d'uma só vez. O medico
indignado, mas dominando as suas impressões, exhortou o rei a seguir
fielmente as suas prescripções: a cura estava n'aquelle premio. Em
verdade, apoz uma crise terrivel que gelou d'espanto todo o exercito, e
de que um só homem não sabia a sahida, o doente melhorou e
restabeleceu-se.

O que ha de admiravel n'este traço da vida de Alexandre é a sua profunda
fé na amizade.

_6.º--Este tambem é Alexandre_

Ephestion é menos citado na Historia pela parte que tomou nas conquistas
d'Alexandre, que pela grande amizade que o unira áquelle heroe. Os dois
amigos tinham sido educados juntos, e só a morte os separou. Depois da
sangrenta batalha d'Issus, em que a mãe, a mulher e as duas filhas de
Dario, cahiram em poder do vencedor, Alexandre, acompanhado d'Ephestion,
foi visitar, á sua tenda, as infelizes princezas. Sysigambis, mãe de
Dario, dirigiu a saudação a Ephestion, que tomou por Alexandre, pela
superioridade da estatura e esplendor do traje. Advertida do engano,
lançou-se aos pés do heroe, que a levantou bondosamente, dizendo-lhe:

--«Não vos enganasteis, aquelle tambem é Alexandre.»


_7.º--E eu tambem, se fosse Parmenion_

Depois da batalha d'Issus, que fizera cahir nas mãos d'Alexandre toda a
familia de Dario, e alguns dias antes da batalha d'Arbelles, o grande
rei fez offerecer ao vencedor dez mil talentos--cincoenta e quatro
milhões--a cedencia de toda a Asia até ao Euphrates, e uma das suas
filhas em casamento. Alexandre tendo communicado estas brilhantes
propostas aos seus generaes, Parmenion exclamou:

--«Eu acceitaria, se fosse Alexandre.»

--«E eu tambem, se fosse Parmenion!»--respondeu Alexandre.

E recusou.


_8.º--Ó athenienses! quanto custa ser louvado por vós!_

Alexandre tinha, do fundo da Asia, os olhos fixos na Grecia, e,
sobretudo, em Athenas. Apesar do abaixamento em que esta cidade havia
cahido, ficára sempre capital do mundo civilisado, pelas obras primas
dos seus artistas, pelos immortaes discursos dos seus oradores e pela
eloquente verdade dos seus historiadores, e Alexandre, tão apaixonado
pela gloria, aspirava, acima de tudo, aos applausos d'esses athenienses
frivolos, mas que egualmente distribuiam pela posteridade, a censura
como o louvor. O conquistador acabava de penetrar nas vastas regiões da
India, e preparava-se para atravessar o Hydaspe, de que Porus, á frente
d'um formidavel exercito, ia disputar-lhe a passagem. O rio era largo e
profundo, e as suas vagas quebrando estrepitosamente, deixavam a
descoberto, aqui e alli, rochedos ameaçadores. Alexandre illude a
attenção dos inimigos por um falso ataque, e aproveitando-se d'uma
tempestade que lhe encobre os movimentos, affronta perigos inauditos
para transpor o rio. Confessou depois que tinha, emfim, encontrado alli
um perigo digno da sua coragem, e foi n'esta circumstancia, diz Racine,
no prefacio da sua tragedia _Alexandre_, que o heroe exclamou:

--«Ó athenienses! quanto custa ser louvado por vós!»


_9.º--Ao mais digno._

Estava conquistada a Asia; _a terra_, segundo a bella expressão da
Escriptura, _tinha-se callado deante de Alexandre_; elle fizera a sua
entrada na Babylonia, «não como um conquistador, mas como um deus» e o
papel brilhante e terrivel que representára estava a terminar. Os
festins e os desvarios de toda a especie tinham succedido ás batalhas.
No meio d'uma ultima orgia, o conquistador foi atacado d'uma febre, que
o levou em poucos dias. Só deixava herdeiros em curta idade, ou
incapazes. Conta-se que, no leito da morte, perguntando-lhe os generaes
a quem legava o imperio, elle respondera:

--«Ao mais digno!»

E expirou «cheio das tristes imagens da confusão que devia seguir-se á
sua morte.»

_10.º--Os funeraes d'Alexandre._

«Alexandre--diz Bossuet--deixava, morrendo, capitães a quem tinha
ensinado a respirar sómente ambição e guerra. Previu a que excessos se
dariam, quando expirasse, e para os conter, e com receio de ser
desrespeitado, não ousou nomear nem successor, nem tutor para seus
filhos. Predisse sómente que os seus amigos _celebrariam os seus
funeraes com sanguinolentas batalhas_.»


_11.º--Desmembramento do imperio d'Alexandre._

Apenas Alexandre exhalou o ultimo suspiro, os generaes reuniram-se para
dividirem a sua immensa herança. Perdiccas, a quem Alexandre moribundo
deixára o seu annel, fez-se nomear regente; e os outros generaes
distribuiram entre si as provincias. Lysimaco teve a Thracia, Antipater
a Macedonia e a Grecia, Ptolomeu o Egypto, Antigono e Cassandro
repartiram a Asia Menor. Vinte annos depois encontravam-se nas planicies
da Phrygia, e a batalha de Ipsus era o ultimo acto d'essa sangrenta
tragedia.



III

_Audacia, ainda audacia e sempre audacia_


Danton, um dos vultos mais notaveis da revolução franceza, nascera para
tribuno popular. Alto, forte, face de _bull-dog_, muito picado das
bexigas, a expressão do olhar cheia d'audacia, alma em harmonia com a
estatura, com o ardor dos olhos, o rosto terrivel, a voz sonora, não
podia ser senão o que foi, um revolucionario enthusiasta, arrastando o
povo, já pela sua palavra como pelos seus actos, já pela sua elocução
muito cheia de figuras gigantescas, d'apostrophes inflammadas,
assombrando mesmo os que não seduzia. «Mirabeau serviu-se d'elle--diz um
escriptor contemporaneo--como de um folle de forja, para accender o
povo.» Apoz a fuga de Varennes, Danton provocou atrevidamente a queda do
rei, fez-se eleger substituto do procurador da communa, preparou a
revolução de 10 d'Agosto e entrou no ministerio da justiça.

Esse famoso dia levantou toda a Europa contra a França revolucionaria.
Brunswick, acaba de lançar o seu insolente manifesto; os exercitos
francezes tinham experimentado revezes na Lorena; Longwy estava tomado,
Verdun cercado, e o alarme reinava em Pariz. Para reanimar as coragens,
Danton resolveu vibrar um grande golpe. Era no 1.º de Setembro. No dia
seguinte, 2, em quanto o sino tocava a rebate e o estampido do canhão se
fazia ouvir, elle correu á Assembleia legislativa, e, n'um discurso
rapido, fez ouvir estas terriveis palavras aos deputados, trémulos nas
suas cadeiras: «É n'este momento, senhores, que podem decretar que a
capital bem mereceu da França inteira. O canhão que se ouve não é o
canhão do alarme, é o passo de carga sobre os nossos inimigos!... Para
os vencermos, para os anniquilarmos, que é preciso? _Audacia, ainda
audacia e sempre audacia!_»

Algumas horas depois os massacres de Setembro espantavam Pariz.

Se Danton não organisou, como é accusado, aquellas horrorosas
carnificinas, está averiguado que nada fez para as prevenir e reprimir,
e talvez que elle visse n'ellas uma execução terrivel, mas necessaria.

N'esta repetição energica, hoje proverbial, Danton fôra precedido pelo
velho marechal de Trioulce. Quando se perguntava a este o que era
necessario para bem fazer a guerra, respondia:

--«Tres coisas: dinheiro, ainda dinheiro e sempre dinheiro!»

Demosthenes tambem já dissera na antiguidade, que tres coisas fazem o
orador:--«primeiro, a acção; segundo, a acção; e terceiro, a acção.»



IV

_Delicias de Capua_


A antiga Capua, capital da Campania, era uma das mais formosas cidades
da Italia. Construida no centro de magnificas planicies, ensombradas
pelo pinheiro, pelo platano, pelo myrto e a oliveira, circundada de
imensos passeios orlados das mais perfumosas plantas, das mais
brilhantes e suaves flores, Capua offerecia a mais adoravel residencia
de toda a Italia.

Foi lá que Annibal, depois da batalha de Cannes, e quando já tocava o
extremo da sua audaciosa empreza, foi assentar os seus quarteis
d'inverno, á frente do seu exercito vitorioso. Os historiadores antigos
attribuem á permanencia de Annibal no seio das delicias de Capua, a
causa unica da salvação de Roma. Assim, o seu exercito ter-se-ia
amollecido e ter-se-hia corrompido alli pelos famosos vinhos e pelos
gosos faceis.

No entretanto, se considerarmos que o capitão carthaginez e os seus
temiveis bandos guerrearam ainda, durante treze annos, na Italia, de que
só foram arrancados pela habil diversão de Scipião na Africa, as
_delicias de Capua_ não passam de uma amplificação de rhetorico.

Segundo a opinião de historiadores modernos e homens de guerra dos mais
celebres, um exercito de soldados feitos e experimentados não se perde
n'um quartel de inverno. O que melhor explica a inutilidade dos exforços
do maior capitão d'antiguidade, e esta foi a opinião de Napoleão 1.º,
depois da batalha de Cannes, é o abandono a que entregou a patria, onde
dominava uma facção invejosa; além de que, rodeado de povos hostis e
alliados incertos, recrutando difficilmente o seu exercito, composto de
mercenarios de toda a especie, Annibal já não estava em estado de tentar
qualquer coisa grande e decisiva. Comtudo, não se sustenta menos contra
as melhores tropas e os mais habeis generais da republica, enchendo a
Italia com o terror do seu nome, e agitando o mundo com as suas
negociações, para levantar, em toda a parte, inimisades aos romanos.

_As delicias de Capua_ ficaram em todas as linguas modernas para
designarem uma calmaria moral, temperada de divertimentos e prazeres,
em que as molas do corpo e do espirito se distendem e enfraquecem.

O padre Lacordaire aprecia a phrase do modo seguinte:

«A historia de todos os successos é a historia d'Annibal em Capua.
Esquece-se, embriaga-se, adormece-se; o lento veneno da molleza distende
todas as molas da actividade, e o ser que nada é senão pela actividade,
dissolve-se, pouco e pouco, na ignominia d'um somno cobarde.»



V

_Disse eu alguma tolice?_


As lições de Platão e de Xenocrato tinham desenvolvido em Phocion um
coração virtuoso e uma alma elevada. Na tribuna, como no campo de
batalha, elle lembrava Aristides. Nunca um orador foi mais inflexivel
nos seus conselhos, nem contou menos com o successo da sua perseverança.
A eloquencia de Phocion era a expressão natural do seu caracter e dos
seus costumes; elle fallava aos athenienses com a serenidade de um
philosopho e o laconismo d'um spartiaco. Sabe-se que Demosthenes o
chamava--_o machado dos seus discursos_. Superior aos applausos, tanto
como aos clamores da multidão, elle abalroava de frente a potencia
popular, e as suas virtudes impunham-se a todas as paixões. Tinha a
palavra austera, e a sua eloquencia vigorosa e concisa desdenhava dos
artificios oratorios, que agradam á multidão e fazem estrondear
applausos. Estando um dia na tribuna e vendo-se ruidosamente victoriado
por todo o povo, volveu-se admirado para os seus amigos e
perguntou-lhes:

--«Disse eu alguma tolice?»



VI

_Arca de Noé_


Era um immenso navio que Deus, depois de haver resolvido punir os homens
pelo diluvio, ordenou a Noé construisse para ahi se refugiar.

O Patriarcha empregou cem annos na construcção d'essa arca, que tinha
trezentos covados de comprimento, cincoenta de largo e trinta de altura,
e que continha, além de Noé e sua familia, dois casaes d'animaes
impuros, assim chamados os que não era permittido offerecer em
sacrificio, e sete casaes d'animaes puros.

Por causa da quantidade de seres que esse navio encerrava, o nome de
_Arca de Noé_ passou a servir para designar a agglomeração de numerosos
e disparatados objectos.



VII

_Queimar não é responder!_


No principio do anno de 1794, estava em toda a sua violencia o regimen
do Terror, dirigido por Robespierre, no seio do _comité_ de salvação
publica. Os proprios _dantonistas_, tornaram-se, em vista d'isto,
_indulgentes_, moderados; e agora que a republica estava senhora do
campo de batalha, elles queriam fazel-a entrar no reino das leis, e no
caminho da justiça para todos. Danton era o chefe d'esta opposição nova,
e o joven e fogoso Camillo Desmoulins era a sua penna, e, no _Vieux
Cordelier_, farpeava o governo com censuras e sarcasmos. O jornal era
lido com avidez, e venderam-se, n'alguns dias, cincoenta mil exemplares.
Afinal, Camillo ousou promover um _comité de clemence_, como o unico
meio de pacificar os partidos e de acabar com a revolução. Não era isto
o que queria Robespierre, que, n'uma sessão dos jacobinos, onde o
impetuoso pamphletario tinha sido intimado a comparecer, propoz
perfidamente dar-lhe uma correcção paterna, _queimando_ os numeros do
jornal.

--«Queimar não é responder!»--exclamou Desmoulins.

Esta replica imprudente causou a sua perda. Robespierre não se conteve e
disse:

--«Pois bem, não se queimem e responda-se; leiam immediatamente os
artigos de Camillo, visto que assim o quer, e que elle seja coberto
d'ignominia!»

Alguns dias depois o intrepido moço subia ao cadafalso.



VIII

_Caim, que fizeste de teu irmão?_


Caim, filho primogenito de Adão e Eva, cioso de seu irmão Abel, cujas
offerendas eram mais agradaveis ao Senhor, propoz-lhe um dia um passeio
ao campo e matou-o. O sangue do justo subiu até Deus, e a voz do Eterno
fez-se ouvir:

--«Caim, Caim, que fizeste de teu irmão?»

Deus amaldiçoou o fratricida, expulsou-o da sua face, e marcou-o na
fronte com um signal de reprovação.

_Caim_ é o nome que se dá ao irmão que maltrata o irmão, abjurando o
amor fraterno.



IX

_Do Capitolio á rocha Tarpeia só ha um passo_


A rocha Tarpeia, chamada assim, de Tarpeia, joven romana que alli foi
estrangulada e sepultada, depois do acto de traição que commetteu,
entregando a cidadella aos sabinos, era um rochedo situado no proprio
recinto de Roma. Os romanos que se prendiam em perpetuar as recordações,
deliberaram, depois do supplicio de Tarpeia, que se precipitassem do
alto d'essa colina os criminosos accusados de traição. D'aqui a
locução:--_Ser precipitado da rocha Tarpeia_--para exprimir,
figuradamente, a quéda rapida d'uma posição elevada, e,
particularmente, a perda d'uma grande popularidade.

E como este logar era situado junto do Capitolio, em que se coroavam os
triumphadores, as palavras--_A rocha Tarpeia está perto do Capitolio_,
ou--_Do Capitolio á rocha Tarpeia só ha um passo_, significam que a
quéda segue, muitas vezes, de perto o triumpho, e que a ignominia, como
extremo, toca a gloria.

Esta phrase está, sobretudo, em uso desde o eloquente emprego que d'ella
fez Mirabeau, n'uma circumstancia celebre: Tratava-se de saber se a
iniciativa da guerra devia ser devolvida ao rei ou á assembleia;
Mirabeau pronunciou-se pela assembleia, e como ouvisse a palavra
_traidor_ soar aos seus ouvidos, o fogoso orador subiu á tribuna, e
tomando para texto do seu exordio a instabilidade do favor popular, fez
ouvir essas palavras, que ficaram celebres:--«E eu tambem, a mim tambem
queriam, ha poucos dias, levar-me em triumpho; e gritam agora nas
ruas:--_A grande traição do conde de Mirabeau!_ ... Eu não precisava
d'esta lição para saber que _só ha um passo do Capitolio á rocha
Tarpeia!_ ...»



X

_Catão_


Marco Porcio Catão, é, sobretudo, celebre pela austeridade dos seus
costumes. Fez-se notar, desde o principio da sua vida publica, pela sua
eloquencia mordente e aggressiva e pela sua opposição apaixonada ás
ideias da Grecia, que começavam desde então a modificar o genio da Roma
Antiga. Tão duro comsigo, como para os seus escravos, levantava-se antes
da aurora, excitava os servos ao trabalho, punha-se nú como elles, para
lavrar, comia o seu pão negro e bebia da sua agua avinagrada. Elevado á
censura, pôde, emfim, trabalhar na realisação do seu sonho:--a
restauração da antiga simplicidade romana. Fez regulamentos sumptuarios,
contribuiu os objectos de luxo, os enfeites das mulheres, reprimiu as
delapidações, e mostrou uma inflexivel severidade de costumes, a ponto
de degradar um senador que tinha beijado a esposa em presença da filha.
Amava-se a sua palavra, honrava-se o seu caracter; o povo applaudia este
censor inexoravel que _mordia_ toda a gente. O sobrenome de _Censor_
ficou-lhe, e erigiram-lhe uma estatua com esta inscripção:--_A Catão,
que corrigiu os costumes_.

A sua presença inspirava um tal respeito aos romanos, que, quando elle
assistia ao espectaculo, o povo esperava que elle sahisse para pedir as
farças e as danças licenciosas.

--Dizer que um homem é um _Catão_ é dizer que é severo e rigido no
cumprimento do seu dever e nos seus costumes.



XI

_Cezar_


Caio Julio Cezar, consul romano, dictador e um dos maiores capitães da
antiguidade, era sobrinho de Mario. Cresceu no meio das guerras civis e
foi proscripto aos desoito annos, por Sylla, que viu n'elle _varios
Marios_. A estatua d'Alexandre, o Grande, que elle viu, passando em
Cadiz, fez-lhe derramar lagrimas de despeito, por vêr que na idade em
que tinha morrido esse heroe, elle não tinha ainda realisado nada de
notavel. Tinha uma ambição e uma actividade devoradoras e--«julgava não
ter feito coisa alguma em quanto lhe restasse alguma coisa a fazer.»

O seu nome, como o de Alexandre, ficou como synonymo de grande
guerreiro, de conquistador civilisador.

Vamos apontar por ordem chronologica, as differentes circumstancias da
vida de Cezar, que originaram locuções proverbiaes.


_1.º--A mulher de Cezar nem mesmo deve ser suspeitada._

Clodio, joven patricio, ambicioso e desmoralisado, amava Pompeia, mulher
de Cezar. Uma noite, quando as mulheres celebravam os mysterios da
boa-deusa, interdictos aos homens, elle introduziu-se, disfarçado com
trajes femininos, nos aposentos de Pompeia. Mas foi surprehendido por
uma escrava, que não era confidente.--«No dia seguinte, diz Plutarco,
toda a cidade soube que Clodio commettera um sacrilegio horrivel.»

Julgado, como profanador dos santos mysterios, corrompeu os juizes e foi
absolvido. Cezar contentára-se em repudiar sua mulher. Chamado, porém,
como testemunha, elle depoz que não tinha nenhum conhecimento dos factos
que se imputavam ao accusado. Este depoimento pareceu muito estranho e o
accusador perguntou-lhe porque havia então repudiado sua mulher. Elle
respondeu:

--_É porque a mulher de Cezar nem mesmo deve ser suspeitada._


_2.º--Gostaria mais de ser o primeiro n'uma aldeia, que o segundo em
Roma._

Todos os actos, todas as palavras de Cezar, antes do seu advento ao
poder, revelam o seu caracter e a natureza da sua ambição. Depois da sua
pretura, tendo-o a sorte designado para o governo da Hespanha ulterior,
elle partiu para a sua provincia. Quando atravessava uma pobre aldeia,
perdida no fundo dos Alpes, alguns dos seus amigos perguntaram-lhe,
gracejando, se a ambição do poder e o desejo das dignidades occasionavam
tambem debates n'essa miseravel terra.

--«Não riam--respondeu o futuro dictador--_eu gostaria mais de ser o
primeiro n'esta aldeia, que o segundo em Roma_.»


_3.º--Passar o Rubicão._

Cezar vinha de concluir a conquista dos gaulezes, e tinha encontrado
n'essas regiões thesouros bastantes para tudo comprar em Roma, onde
tudo se tornára venal. Os seus successos, o seu poder, mais ainda que os
seus conhecidos projectos, despertaram, emfim, a desconfiança de Pompeu,
que começava a receiar ver-se o logro d'aquelle de que elle se tinha
imaginado ser o protector. Desde então, poz tudo em acção para obter do
senado um decreto que ordenava a Cezar o abandono do seu exercito e a
resignação do commando. Este respondeu que estava prompto a obedecer,
com a condição de que Pompeu entraria, pelo seu lado, na vida civil.
Desde este momento, a guerra estava declarada. O senado encarregou os
consules de proverem a segurança publica, e Cezar fez avançar o seu
exercito para o Rubicão. Era uma pequena ribeira, que separava a Italia
da Gallia cisalpina. O senado para assegurar Roma contra as tropas da
Gallia, tinha, por um senatus-consulto celebre, declarado traidor á
patria e dedicado aos deuses infernaes, todo aquelle que, com uma legião
ou uma cohorte, passasse aquella ribeira. Prevenido na margem opposta,
Cezar, dominado pelo perigo da resolução audaciosa que ia tomar, hesitou
alguns instantes.

«Tinham-se visto revoluções d'imperios, diz Lacordaire, thronos mudando
de senhores, e fôra isso, n'esse jogo de passageiras fortunas, o que
tinha illuminado o genio dos maiores d'entre os homens. Cezar, no
Rubicão, parára pensativo; a mão no peito e o olhar além do regato, elle
se dissera:--«Eu, Cezar, faço uma coisa que nenhum romano fez ainda:
desobedeço ao senado romano. Passando este ribeiro, faço um imperio
d'uma republica, senhora do mundo: passemol-o.»

--«Vamos, pois, exclamou Cezar, como se cedesse á obsessão da sua
fortuna; vamos aonde nos chamam as vozes dos deveres e a iniquidade dos
nossos inimigos. _Alea jacta est!_--a sorte está lançada!»

Palavra irrevogavel, pronunciada depois por todos os homens que, não
encontrando fundo no seu pensamento, e obrigados a escolherem entre dois
perigos supremos, tomam resolução no seu caracter, não podendo tomal-a
em outra parte, e se lançam a nado no Rubicão do acaso, para morrerem ou
para se salvarem pela sorte.


_4.º--Levas Cezar e a sua fortuna._

Pompeu, desesperando de defender a Italia com a approximação de Cezar,
deixou Roma acompanhado d'um grande numero de senadores, magistrados e
cidadãos e passou á Grecia, onde levantou um exercito. Cezar seguiu-o.
Tendo desembarcado á frente de cinco legiões, soube que a frota que lhe
levava viveres e reforços foi batida e dispersa pela de Pompeu. Na
critica circumstancia em que se achava toma a resolução d'ir ao
encontro d'Antonio, que devia soccorrel-o, e embarca elle só n'um barco
de pescador. Durante a travessia levanta-se uma tempestade e ameaça
submergir a fragil embarcação. O piloto espantado quer volver ao posto.
É então que o heroe lhe diz essa famosa phrase, contada por Plutarco:

--«Que receias? _levas Cezar e a sua fortuna!_»

E alguns dias depois humilhava o seu rival nos campos da Pharsalia.


_5.º--Soldado, fere no rosto!_

Antes da batalha de Pharsalia, Cezar, no meio d'uma região dedicada ao
seu rival, estava n'uma situação muito critica. Pompeu, cujo exercito
estava bem munido e fornecido pela sua frota, resolvera reduzir á fome o
seu inimigo. A perda de Cezar parecia certa, quando Pompeu, cedendo á
impaciencia dos seus soldados, travou peleja com os velhos legionarios
das Gallias, que bem podiam ser destruidos pela fome, mas que não podiam
deixar-se vencer.--«Soldado, fere no rosto!» tinha gritado Cezar aos
seus veteranos, vendo os brilhantes cavalleiros do exercito de Pompeu.
Estes jovens patricios, espantados, pozeram-se em fuga para não serem
desfigurados pelas lanças dos legionarios, e Cezar ficou senhor do campo
de batalha.

A implacavel phrase de Cezar não encontra applicação alguma em
circumstancias analogas, e emprega-se a respeito d'um adversario de que
se quer tocar a fibra sensivel, que se deseja ferir á falta de couraça.


_6.º--Cheguei, vi e venci._

Apoz a morte de Pompeu e a conquista do Egypto, e em quanto Cezar se
engolfava no seio dos prazeres que lhe offerecia Cleopetra, o partido de
Pompeu, mais disperso que destruido, erguia-se por toda a parte.
Pharnacio, rei do Ponto, aproveitára a guerra civil para tentar reunir
na Asia as antigas possessões de seu pae. Despertado pelo perigo, Cezar
corre ao Bosphoro, esmaga o filho de Mithridates e termina essa guerra
com uma tal rapidez, que pôde contal-a inteira n'estas tres palavras
celebres, que elle dirigiu ao senado:

--_Veni, vidi, vici; cheguei, vi, venci!_

--Faz-se uso da phrase para exprimir a facilidade, a promptidão com que
se executa uma empreza.

Lembra-nos a proposito o seguinte caso analogo. Depois da sua victoria
sobre os turcos, Sobieski enviou ao Papa o estandarte de Mahomet, com
estas palavras de Cezar a que deu um caracter de modestia
christã:--«_Cheguei, vi e Deus venceu!_»

_7.º--Idos de Março._

Cezar entrára em Roma, senhor do mundo inteiro. O senado conferiu-lhe
honras extraordinarias e revestiu-o d'uma illimitada auctoridade. Foi
nomeado consul por dez annos e dictador perpetuo; deram-lhe o nome de
_imperador_, o titulo de _Pae da Patria_ e erigiram-lhe uma estatua com
esta inscripção:--_Ao deus invencivel!_ A sua pessoa foi declarada
inviolavel. Concederam-lhe o privilegio de assistir ao espectaculo n'uma
cadeira dourada, com uma corôa na cabeça. Elle meditava projectos
immensos; queria engrandecer Roma, ornamental-a de monumentos
magnificos, fazer d'ella a rainha do Universo. Mas não lhe estava
reservado o cumprimento de tão vastos designios. Debalde se exforçára
por apagar todos os traços da guerra civil, debalde tinha cumulado de
favores e elevado aos primeiros cargos os que o tinham combatido,
debalde tinha erguido estatuas ao seu rival, porque nada podia desarmar
os partidarios da antiga liberdade.

A sua clemencia parecia insultante; viu-se que não perdoava, mas que
desdenhava punir. Afinal uma formidavel conjuração se tramou contra a
sua vida. A conspiração devia explosir no meio do senado, e fôra fixada
para os _idos de Março_. O caso transpirou no publico, mas Cezar
recusou tomar qualquer precaução. Calpurnia, sua mulher, estava tão
persuadida da realidade do perigo, que o conjurou, com as mais vivas
instancias, a não sahir n'esse dia.

Conta Plutarco, que muito tempo antes, um adivinho tinha advertido o
dictador de que devia desconfiar dos _idos de Março_. Quando sahia de
casa para o senado, encontrou o adivinho e disse-lhe, rindo: «--Chegamos
aos idos de Março.»--«É verdade--respondeu--mas ainda não passaram.»

Alguns passos adeante um homem entregou-lhe um bilhete que continha
todas as particularidades da conspiração:--«Lêde--disse--e rapidamente!»
Mas Cezar não teve tempo e entrou para o senado.

--Os _idos de Março_ designam, por analogia, uma epocha perigosa de
passar, e para a qual se fizeram incommodativos prognosticos.


_8.º--E tu tambem, meu filho!_

Apenas Cezar tinha entrado no senado, todos os conjurados o rodearam
como para lhe prestarem honra. Cimber, um d'elles, apresentou-se, afim
de lhe pedir o chamamento de seu irmão exilado, e como para lhe pedir
com mais submissão, tomou-lhe a fimbria da toga e puxou-a com violencia.
Era o signal combinado. Casca, tirando o seu punhal, feriu com elle o
dictador no hombro. Cezar, no mesmo instante toma a arma do assassino e
precipita-se sobre elle gritando:--«Que fazes, scelerado Casca?» Então
todos os conspiradores desembainharam as suas espadas e lhe vibraram
varios golpes. Cassio, mais animado que os outros, fez-lhe uma profunda
brecha na cabeça; Cezar defendia-se ainda, quando avistando Bruto, com o
punhal erguido sobre elle, exclamou:--«E tu tambem, meu filho Bruto!» Ao
mesmo tempo cobriu o rosto com o vestido e cahiu atravessado com vinte e
tres golpes, aos pés da estatua de Pompeu.


_9.º--A tunica de Cezar._

O cadaver de Cezar abandonado no senado foi conduzido, todo cheio de
sangue a sua casa por tres escravos. Alguns dias depois, Antonio
appareceu na tribuna das harengas e leu á multidão o testamento do
dictador. O povo, que elle não tinha esquecido nas suas generosidades
fez explosir a sua indignação. Então, Antonio, desdobrando do alto da
tribuna a tunica de Cezar, ensanguentada e crivada de golpes, tratou de
parricidas os auctores d'aquelle assassinio. Esta scena levou ao cumulo
a exasperação popular. E todos os assistentes fazendo logo uma fogueira
com as mezas e os bancos que encontraram á mão, n'ella queimaram o
corpo de Cezar; depois, tomando tições correram a casa dos assassinos
para lhes lançarem fogo, e os atacarem a elles proprios.



XII

_Estava escripto_


Esta resignação perante os duvidosos decretos do destino é o fundo da
doutrina religiosa da maior parte dos povos orientaes. É uma especie de
_fatum_ antigo, um pallido reflexo d'esse caracter poetico, quasi
grandioso, que o fatalismo--mistura de sensibilidade profunda e sombria
resignação--revestira entre os antigos.

Os differentes systemas phrenologicos parecem não ter por fim senão o
darem razão physica d'estes factos moraes.

A litteratura philosophica do seculo XVIII legou-nos duas obras muito
conhecidas, apesar de francezas, sobre a fatalidade: _Zadig_, conto de
Voltaire, e _Thiago o fatalista_, romance de Diderot.



XIII

_Conhece-te a ti proprio_


Estas famosas palavras estavam gravadas sobre o frontão do templo de
Delphos. Era a maxima favorita de Socrates; elle adoptou-a, explicou-a e
tornou-a celebre para sempre. Toda a lei moral reside n'estas palavras,
como toda a lei religiosa está encerrada n'estas admiraveis palavras de
Christo:--«Ama o proximo como a ti mesmo.»

Seneca, o tragico, desenvolveu esta bella maxima nos seguintes versos
que traduzimos assim:

    «O homem é infeliz no instante em que fenece;
    Quando tendo esquecido o ponto necessario,
    Morre mui conhecido e a si se não conhece.»



XIV

_As joias de Cornelia_


Cornelia, mãe dos Grachos, era filha de Scipião, o Africano, e mulher de
Sempronio Gracho, que se illustrou nas guerras de Hespanha. Enviuvando,
com doze filhos, consagrou-se inteiramente á sua educação, e recusou
até, dizem, a mão de Ptolomeu, rei do Egypto. D'esta numerosa prole
conservou apenas uma filha, que foi casada com Scipião Emiliano, e dois
filhos, Tiberio e Caio Gracho, este sempre famoso pelo seu genio, pela
sua coragem e pelo seu tragico destino. Mulher d'um caracter viril e
d'um espirito cultivado, ella educou-os com o maior esmero, e
inspirou-lhes cedo o amor publico, a paixão da gloria e das grandes
emprezas, pedindo-lhes, por vezes, que a chamassem sempre a filha de
Scipião e nunca a mãe dos Grachos.

Conta-se que uma dama da Campania estendendo, um dia, deante d'ella as
suas joias e os seus preciosos adornos, e pedindo-lhe para que ella lhe
mostrasse as suas, Cornelia lhe apresentou os filhos, dizendo:

--«Eis as minhas joias e os meus adornos».



XV

_Cresus_


Cresus, rei da Lydia, submetteu a maior parte das cidades da Asia Menor,
e levou as suas conquistas até ao rio Halys. A fama do seu poder e das
suas riquezas, constantemente renovadas pelas areias auriferas do
Pactolo, tornou proverbial o nome de Cresus, para designar um homem
cumulado dos bens da fortuna. Elle perguntou um dia a Solon, que fôra
visitar a sua côrte, se conhecia um homem mais feliz do que elle. O
philosopho respondeu-lhe que nenhum homem póde ser saudado com o nome de
feliz antes da sua morte. Cresus não tardou a experimentar os effeitos
d'esta triste verdade. Um de seus filhos foi morto na caça, o outro
tornou-se mudo, e elle proprio, depois de ter visto os seus Estados
invadidos por Cyro, foi vencido na celebre batalha de Thimbreia e cahiu
nas mãos do vencedor, que ordenou a sua morte. Quando o conduziam ao
supplicio, vieram-lhe á memoria as palavras de Solon, e elle pronunciou
tres vezes, suspirando, o nome do legislador atheniense. Instruido da
causa d'esta exclamação, Cyro, commovido de piedade e tocado d'aquelle
exemplo das vicissitudes humanas, perdoou a Cresus e admittiu-o no
numero dos seus conselheiros.

Esta bella legenda philosophica da vida de um homem, que foi
successivamente, e d'um modo tão frisante, o favorito e o joguete da
fortuna, é narrada por Herodoto, mas Xenophonte não falla d'ella.

--O nome de _Cresus_ passou a designar um homem opulento, coberto de
todos os favores da fortuna.



XVI

_Dôr, tu não és um mal_


O stoicismo, fundado por Zenon, fórma uma das mais illustres
philosophias da antiguidade. Simples no seu principio e nas suas
deducções, frisante pelo seu caracter heroico e paradoxal, de tal modo
se fez conhecer, ao menos, pelos traços mais salientes da sua moral, que
os nomes de _stoicismo_ e _stoico_, entraram na applicação usual da
lingua, como expressão d'uma grande impassibilidade. Os stoicos faziam
consistir a virtude e a ventura na posse d'uma alma egualmente
insensivel á voluptuosidade e á dôr, liberta de todas as paixões,
superior a todos os receios, a todas as fraquezas. Admittindo como mal
apenas o vicio, como bem sómente a virtude, e considerando o resto como
indifferente, elles negavam que a dôr fosse um mal. Zenon, seu illustre
chefe, foi o primeiro que proclamou a lei do _dever_ e que d'ella lançou
os fundamentos com uma abundancia de provas que tinha a sua origem n'uma
profunda convicção, independentemente de toda a argumentação dialectica.
As paixões não são elementos necessarios da nossa condição; são doenças
da alma: a saude, a _apathia_, a ausencia das paixões. Foi por causa
d'esta severidade d'opiniões moraes, pelo menos entre os primeiros
stoicos, que se deu, em geral, o nome de stoicismo a toda a opinião
severa em moral.

Esta doutrina, que se allia perfeitamente com todas as grandes virtudes,
e que tendia a fazel-as nascer, logrou grande credito entre os romanos,
apesar da sua pequena inclinação pela philosophia; adoptaram-na com
enthusiasmo, porque se concertava admiravelmente com a sua energia
intellectual e a sua severidade. Notou-se, em honra da seita dos
stoicos, que os personagens mais virtuosos de Roma a tinham
adoptado:--Bruto, Catão d'Utica, Thrasêas, Seneca, Tacito, Epictecto,
Antonino e Marco Aurelio. A moral ficou como gloria dos stoicos, e
tirando-lhe o que encerra de paradoxal e exaggerado, ella assegura-lhes
o primeiro logar entre os percursores mais puros e mais directos do
christianismo.

A divisa principal dos stoicos era:--«_Soffre e abstem-te!_»

Conta-se que um discipulo de Zenon, exclamava no meio dos maiores
soffrimentos causados pela gôtta:

--«_Dôr, tu não és um mal!_»

Havia, por sem duvida, ostentação n'estes principios da doutrina do
stoicismo, mas nem por isso ella deixou de produzir as virtudes mais
heroicas.



XVII

_Egéria_


Numa Pompilio, legislador e segundo rei de Roma, nasceu em Ceres, no
paiz dos sabinos. A tradição pinta-o como um principe pacifico e cheio
de sabedoria. Nem uma guerra perturbou o seu reino, consagrado
inteiramente á legislação e ás instituições religiosas. Elle creou e
organisou, entre outras coisas, as vestaes, os pontifices, e construiu
templos e instituiu festas.

Como todos os legisladores da antiguidade, usou d'artificio para
assegurar o respeito das suas instituições, e persuadiu aos romanos que
recebia inspirações da nympha Egéria, só visivel para elle no fundo d'um
bosque sagrado.

Vê-se ainda hoje, perto de Roma, n'um valle delicioso, o resto da fonte
Egéria, entre a via Latina e a via Appia. Antigos monumentos representam
esta nympha n'um costume analogo ao das sybillas, de tunica fluctuante,
pés nús, cabellos soltos, e traçando caracteres n'um livro posto sobre
os joelhos.

--Hoje o nome de Egéria dá-se familiarmente, sobretudo, a uma mulher de
que se tomam os conselhos, de que se segue a opinião, principalmente
para a direcção de negocios politicos.



XVIII

_Mais uma victoria como esta e estamos perdidos_


Pyrrho, sobrinho d'Olympias, era o principe mais valente, mais
aventureiro de quantos se habilitaram á herança d'Alexandre. Passou a
vida a conquistar e a perder corôas. Não podia permanecer tranquillo no
Epiro, julgando que não fazendo mal nem havendo quem lh'o fizesse, não
tinha em que passar o tempo. Assim, o successo faltou sempre aos
designios d'essa creança animada da fortuna, que viveu e morreu, menos
como rei que como aventureiro. A sua brilhante reputação militar, fel-o
chamar pelos tarentinos, então em guerra com os romanos. A imaginação
exaltada representa-lhe já a Italia conquistada, depois a Sicilia e
Carthago, e parte cheio de alegria para Tarento, cidade de prazeres, que
elle transforma n'um campo, e os seus habitantes afeminados em soldados.
Ganhou primeiro, graças aos seus elephantes, a batalha de Heraclêa, em
que os romanos perderam quinze mil homens e elle treze mil. Venceu ainda
em Asculo, em que o triumpho não foi comprado menos caro. Depois d'esta
sangrenta batalha foi que elle respondeu aos que o felicitavam:--«Mais
uma victoria como esta e estamos perdidos!»

Pyrrho, afinal, deixou a Italia, e encontrou a morte nas ruas de Argos,
aonde uma velha o matou, atirando-lhe de cima do telhado uma pesada
telha.



XIX

_Espada de Damocles_


Damocles, um dos cortezãos de Denys, o Antigo, fazia-se notar pela
emphase das suas adulações, e não cessava de elogiar a ventura de seu
senhor. O tyranno resolveu inicial-o nos prazeres da grandeza, por meio
d'uma allegoria espiritual que faria honra a um califa oriental.
Convidou-o a tomar o seu logar durante um dia, e deu ordens para que
Damocles fosse tratado como rei, e lhe servissem um banquete sumptuoso.
O cortezão tomou logar n'um leito d'honra; tem a fronte cingida do
diadema; as iguarias mais exquisitas cobrem a meza. Damocles está
rodeado d'escravos, attentos aos seus minimos signaes; deliciosos
perfumes fumegam em torno a si, e a mais adoravel musica lhe encanta o
ouvido; as cortezãs adulam-no, e poetas cantam em seu louvor.
Embriaga-se em ventura, quando, de subito, levantando os olhos, vê
suspensa, por cima de sua cabeça, uma espada apenas preza pela crina
d'um cavallo. Pallido e tremulo, deixa escapar a taça das mãos,
levanta-se desnorteado e pede a Denys para pôr termo á sua realeza.
Tinha comprehendido o que é a ventura d'um tyranno.

--De todos os factos historicos que deixaram traço nas linguas, a
_espada de Damocles_ é o mais conhecido, poderemos até dizer o mais
vulgar. É o perigo temido ou previsto, que póde ferir um homem no meio
d'uma apparente prosperidade.

Um escriptor contemporaneo disse:--«A abobada dos céus é para o
criminoso a sala do festim de Damocles, d'onde pendia uma espada sobre
sua cabeça».

E Alfredo de Musset, nas _Confissões d'um Filho do Seculo_,
tambem:--«Conta-se que Damocles viu uma espada sobre a sua cabeça; é
assim que os libertinos parecem ter por cima d'elles um não sei quê, que
lhes grita constantemente:--Vai, vai sempre, estou por um fio!»



XX

_O prato de lentilhas_


Esaú, o primogenito, era um grande caçador; Jacob, pelo contrario, era
um homem simples, vivendo em casa, occupado unicamente em trabalhos
domesticos. A doçura do seu caracter tornava-o mais agradavel a sua mãe
que Esaú, que tinha attrahido a affeição particular de seu pae Isaac. Um
dia, em que Esaú voltava do campo, cheio de fadiga e oppresso pela fome,
pediu a Jacob que o deixasse comer d'um _prato de lentilhas_ que este
tinha preparado. Jacob consentiu, com a condição de que Esaú lhe cederia
o seu direito de primogenito. Mais tarde, Jacob, recorrendo ao
estratagema e auxiliado por sua mãe, surprehendeu a Isaac, moribundo e
cego, a sua benção, que o fazia chefe da familia de onde devia sahir o
Christo. Esaú concebeu uma violenta cólera, e Jacob, para se subtrahir
ao seu resentimento retirou-se para casa de Labão, seu tio.

--Diz-se _prato de lentilhas_, a insignificancia relativa, pela qual se
cede uma coisa realmente muito valiosa, especialmente moral.



XXI

_E eu tambem sou pintor!_


Corregio, natural de Corregio, nascido em 1494, é um dos maiores
pintores da eschola italiana. As suas composições fazem-se notar,
sobretudo, pela graça ondulante dos contornos, pela flexibilidade e
elegancia das fórmas, pela riqueza do colorido, pela sciencia da luz e
da sombra, pela intelligencia perfeita do claro-escuro! Era eminente em
representar creanças, mulheres, emfim, scenas graciosas e de
voluptuosidade. A sua _Antiope adormecida_ é d'uma riqueza deslumbrante.
A cidade de Parma offereceu, debalde, um milhão a Napoleão para
conservar o _S. Jeronymo_, que é considerado como a sua obra prima. Não
se conhece nenhum mestre a este pintor, e pensa-se que só a si deve o
que foi. A revelação do seu genio explosiu deante d'um quadro de
Raphael. Transportado de admiração e como que illuminado, elle exclamou:

--«E eu tambem sou pintor!»

--«_Anch'io son'pittore!_»



XXII

_Estrella dos Reis Magos_


No momento em que Jesus vinha ao mundo em Bethlem, n'um estabulo, os
magos do Oriente avistaram uma estrella no céu, que elles ainda não
tinham visto. Deixaram o seu paiz, e, guiados por esse pharol
miraculoso, chegaram a Bethlem, onde acabava de nascer o Menino Deus.
Penetraram no local acima do qual a estrella se detivera, e alli
encontraram Maria e seu Filho, e, prostrando-se deante do recemnascido,
adoraram-no e offereceram-lhe ouro, incenso e mirra. É este o
acontecimento que a egreja celebra na festa da Epiphania ou dos _Reis_.

--A estrella que guiou os magos na sua piedosa peregrinação enriqueceu a
nossa lingua com uma imagem poetica, muito frequentemente empregada.
Essa estrella é muitas vezes uma voz intima, um ente amado, que nos
chama e nos dirige para um fim glorioso.



XXIII

_E, comtudo, ella gira!_


Galileu, é, sem contradicção, a maior gloria scientifica da Italia. O
methodo experimental, de que é o creador, fez-lhe em breve repellir os
absurdos physicos e astronomicos professados no seu tempo, e levantar
contra elle todos quantos eram adeptos das velhas doutrinas. Mas de
todas as suas ousadias, a que devia ser mais perigosa para o seu
repouso, foi o seu novo systhema astronomico, pelo qual, segundo
Copernico, e contrariamente a Ptolomeu, elle fazia do sol o centro
immovel do nosso systema planetario. Pretendeu-se que esta doutrina
estava em formal contradicção com varias passagens da Escriptura, e foi
denunciado á Inquisição. Elle defendeu-se com uma grande habilidade,
representando que as passagens da Biblia e dos Santos Padres tinham sido
interpretadas, e que, além d'isto, o objecto da Escriptura era a
salvação dos homens e não o ensino da astronomia. Contentaram-se a
principio em lhe fazerem uma advertencia, e em declararem _falsa e
heretica_ a sua doutrina do movimento da terra e da immobilidade do
sol. Galileu calou-se durante algum tempo; mas a paixão da sciencia foi
a final mais forte que a prudencia. Compoz, por sua desgraça,
_Dialogos_, em que, por um artificio empregado muitas vezes nos tempos
de despotismo, poz em lucta os partidarios dos systemas oppostos, sem se
pronunciar por um d'elles. Adivinha-se facilmente que os partidarios da
immobilidade da terra, foram esmagados pelos argumentos, realmente sem
replica, dos seus adversarios. Galileu foi mandado immediatamente a Roma
pela Santa Inquisição, interrogado, e, segundo uns, mas sem que haja
provas, posto em tortura, e, afinal, condemnado a prisão perpetua e á
abjuração solemne dos seus _erros_.

A sciencia como a fé tem tido os seus martyres; mas Galileu fraquejou na
ultima hora e consentiu em humilhar o seu genio perante os prejuizos dos
seus contemporaneos. A 22 de junho de 1633 pronunciou a sua abjuração no
convento de Minerva, em presença dos cardeaes inquisidores. A formula
que lhe foi imposta é um dos monumentos mais curiosos da inepcia humana:

--«Eu, Galileu, de setenta annos, sobre os Santos Evangelhos que toco
com as minhas proprias mãos ... abjuro, maldigo e detesto o erro e a
heresia do movimento da terra, etc.»

Conta-se que levantando-se depois da realisação d'este sacrificio,
Galileu arrastado pela revolta intima das suas convicções, bateu com o
pé no chão e murmurou energicamente:

--«_E, comtudo, ella gira!--E pur si muove!_»

Foi o seu unico protesto; mas elle atravessará os seculos como o grito
da verdade opprimida e deporá eternamente contra a ignorancia e a
perseguição.



XXIV

_Virtude, não és mais que um nome_


Depois da morte de Cezar, os seus assassinos, forçados a fugirem deante
da cólera do povo, levantado por Antonio, retiraram-se para a Macedonia.
Os triumviros avançaram contra elles com forças consideraveis. Alguns
dias antes da batalha, que devia decidir da sorte da republica, e n'uma
noite em que Bruto velava na sua tenda, entregue a sombrias reflexões,
pareceu-lhe, de repente, que ouviu entrar alguem. Volvendo-se viu um
phantasma horrivel na sua presença.

--«Homem ou deus, quem és?»--lhe diz Bruto.

--«Sou o teu mau genio--responde--; vêr-me-has em breve em Philippes.»

Esta prophecia não devia tardar a realisar-se. Poucos dias depois, com
effeito, e na noite que precedeu a batalha de Philippes, quando Bruto
velava só na sua tenda, segundo o seu costume, em quanto que todo o
exercito estava mergulhado em somno, o mesmo phantasma lhe appareceu
segunda vez, o olhou com ar sinistro e se retirou sem proferir uma unica
palavra. No dia immediato, a liberdade romana expirava nas planicies de
Philippes, e Bruto matava-se, soltando esse grito de desanimo, muito
conhecido:

--«_Virtude, não és mais que um nome!_»



XXV

_Festim de Balthazar_


Cyro, rei dos persas, cercava Babylonia á frente d'um exercito
formidavel; Balthazar, confiando na força das suas muralhas, ria dos
vãos exforços do seu inimigo e esquecia, nos festins, os enfados d'um
longo cêrco. Uma noite em que celebrava uma orgia com os grandes da sua
côrte e todas as suas mulheres, fez trazer, por uma fanfarronada de
impiedade, os vasos sagrados que Nabuchodonosor tinha outr'ora
subtrahido ao templo de Jerusalem. Realisada aquella profanação, o impio
monarcha viu com espanto uma mão que traçava na parede, em traços
ardentes, caracteres mysteriosos, que nem Balthazar nem ninguem da côrte
pôde traduzir.

O propheta Daniel tendo sido chamado, disse ao rei.

--«Foi Deus que enviou aquella mão, e é isto o que está escripto: _Mané,
Thécel, Pharés_;--_Mané_, Deus contou os dias do teu reino e lhe marcou
o fim; _Thécel_, foste collocado na balança e achado muito leve;
_Pharés_, o teu reino será dividido!»

Na mesma noite, com effeito, Cyro, tendo conseguido desviar o curso do
Euphrates, penetrou na Babylonia pelo seu leito secco. Balthazar foi
morto e a Babylonia reunida ao imperio dos persas.

--Por allusão a este festim celebre, chama-se _festim de Balthazar_ a
toda a orgia ruidosa, ou, por uma hyperbole familiar, a todo o banquete
copioso e prolongado.



XXVI

_Forcas caudinas_


Roma tinha vencido a maior parte das nações visinhas; mas desde que quiz
estender o seu dominio á parte meridional da Italia encontrou os
samnitas, povo de costumes rudes e bellicosos. Havia de um e outro lado
as mesmas armas, a mesma disciplina, o mesmo habito dos combates. D'alli
a ambição e o valor romanos; d'aqui o patriotismo e a infatigavel
energia dos samnitas, iam dar a esta lucta um caracter d'incrivel
encarniçamento. Eis aqui o episodio mais celebre d'essa guerra, que
devia terminar pela conquista do Samnio. Romperam-se as hostilidades; os
samnitas estavam acampados perto de Candium, no meio das montanhas.
Poncio Herennio, seu general, resolveu attrahir, por um falso aviso, o
exercito romano a um desfiladeiro, de onde lhe seria impossivel
escapar-se. Logo dez soldados samnitas, disfarçados em pastores,
approximaram-se dos postos avançados inimigos e espalham a nova de que
os samnitas cercam Luceria, cidade alliada dos romanos. Os consules
apressam-se a voar em sua defeza, escolhendo o caminho mais perigoso,
mas mais curto--desfiladeiro profundo, estreito e coberto de florestas.
Era o que tinha previsto o general dos samnitas. Apenas os romanos se
empenharam n'esse caminho perigoso, avistam as alturas cobertas
d'inimigos. Era forçoso, ou morrer ou render-se, porque as sahidas
estavam obstruidas. O pai de Poncio Herennio, velho cheio d'experiencia,
aconselhava a seu filho o despedir todos os romanos sem resgate, para os
fazer amigos, ou exterminal-os até ao ultimo para vibrar um golpe mortal
na republica. O general samnita, escutando sómente o desejo de humilhar
o orgulho romano, obrigou-os a entregarem-se á discrição, e fez passar
todo o exercito sob um jugo formado de dois _forcados_ espetados no solo
e encimados d'um terceiro. Todos os soldados com os consules á frente,
passaram, tremendo, sob esse instrumento d'opprobrio, depois de terem
deposto as armas. O senado recusou ratificar compromissos impostos em
condições tão humilhantes; foi preciso combater de novo, e sangrentas
derrotas puniram os samnitas da sua imprudente confiança na fé romana.

--Depois a expressão _passar sob as forcas caudinas_ entrou em uso para
caracterisar toda a concessão onerosa ou humilhante, arrancada aos
vencidos.



XXVII

_Irmão, é preciso morrer_


As austeridades da vida monastica tornaram-se proverbiaes, mas foi,
sobretudo, na Trappa que ellas se observaram com todo o rigor dos
primeiros seculos do christianismo. Os trappistas guardam absoluto
silencio, dividem o tempo entre a oração e o trabalho manual,
alimentam-se de pão grosseiro e legumes e vestem apenas o habito de
burel. Devem ter sempre deante dos olhos a imagem da morte. E é para se
lembrarem d'esta grande verdade, que em cada dia visitam a valla que
deve servir-lhes de derradeiro asylo.

«O silencio--diz um eloquente orador contemporaneo--anda ao seu lado, e
se fallam, quando se encontram, é para se dirigirem esta melancholica
phrase:

--«_Irmão, é preciso morrer ..._»



XXVIII

_Cahir com graça_


Quando em Roma o gladiador se sentia mortalmente ferido, nos sangrentos
combates do circo, e a destreza se lhe tornava inutil, elle procurava
ainda accender applausos na multidão, para a qual a sua agonia era um
espectaculo, por uma queda a que elle tentava imprimir toda a arte, e
_cahia na arena com graça_.

--Esta phrase applica-se, pelo lado moral, aos que, em politica, no
amor, etc., se salvam da humilhação d'um cheque, pela boa graça, real ou
ficticia, que fazem acceitar.



XXIX

_Hippocrates diz sim, Galiano diz não_


Hippocrates e Galiano são os dois representantes mais illustres da
medicina, entre os antigos: aquelle nos gregos, este nos romanos.
Galiano nutria uma profunda veneração pelo genio do pae da medicina, e
um dos maiores serviços que prestou á sciencia, foi o de ter, no meio
d'uma sã critica, collocado o facho sobre as obras d'aquelle que chamava
seu mestre. Hippocrates e Galiano teem de commum que dotados ambos d'um
vasto genio, avançaram muito nos segredos da natureza, e ambos mostraram
egual ardor na investigação da verdade, não pelo apparato das riquezas,
mas só pelo amor da humanidade.

--Esta phrase proverbial: _Hippocrates diz sim, Galiano diz não_, não
tem pois a sua origem no antagonismo dos dois grandes homens e dos seus
systemas; mas como a medicina é o immenso campo da contradicção, e
quando um medico diz--_tanto melhor_, um outro diz--_tanto peior_;
quando este applica sangrias aquelle proscreve-as; quando um colloca a
séde de todas as doenças nos nervos, o outro nos humores; quando, emfim,
um escreve no seu estandarte--_contraria contrariis_ ... e o
outro--_similia similibus_ ..., comprehende-se que era á medicina que a
contradicção devia pedir a sua divisa, e que as duas columnas d'esta
sciencia lhe deviam fornecer a expressão.



XXX

_É muito tarde!_


Esta phrase data da revolução de Julho de 1830, em França, e eis em que
circumstancia foi pronunciada. Uma ultima tempestade tinha derrubado
para sempre o throno do ramo mais velho dos Bourbons. Era em
sexta-feira, 30 de Julho; o povo estava inteiramente senhor de Pariz, e
uma commissão a que presidia Lafayette cercava o Hotel-de-Ville. Carlos
X, em Saint-Cloud, dominado por uma cegueira que lhe tinha feito jogar a
corôa, conservava ainda illusões e esperava que algumas concessões o
collocariam sobre o throno. M. de Sussy, portador de despachos que
revogavam as fataes determinações de 25, apresenta-se no Hotel-de-Ville
e entrega-os a Lafayette. Este dá-lhe então a famosa resposta:

--«_É muito tarde!_»

Alguns dias depois o duque d'Orleans, chefe do ramo mais novo, subia ao
throno. Mas, estranha volta das coisas d'este mundo, dezoito annos
depois e em circumstancias quasi analogas, a mesma resposta foi dada a
Luiz Philippe. Elle tambem devia ouvir Lamartine responder ás suas
tardias concessões:

--«_É muito tarde!_»



XXXI

_Não ha grande homem para o seu creado de quarto_


Segundo Mademoiselle Aïssé, esta phrase teria sido pronunciada pela
primeira vez por Madame Cornuel, mulher d'espirito, do tempo de Henrique
IV, da qual Madame de Sevigné cita os bons ditos. Essa phrase é, sem
duvida, uma reminiscencia d'essa outra de Montaigne:--«Poucos homens
teem sido admirados pelos seus creados.» Qual é, em verdade, o homem de
genio que fica egual a si proprio, quando já não está em scena? O mundo
é um espectaculo, onde cada qual representa um papel apropriado, em
quanto está deante do publico, mas de que se despoja todo o brilho
d'emprestimo desde que se recolhe a bastidores. Aqui o homem substitue o
heroe e quantos poderiam dizer como o grande Condé, quando era fatigado
com titulos pomposos e elogios hyperbolicos:

--«_Perguntem o que sou ao meu creado de quarto!_»



XXXII

_Cantam, elles pagarão_


Mazarino governou a França depois de Richelieu, em momentos de
perturbações e de guerra civil. Era a rapoza succedendo ao leão. Fez uma
politica completamente opposta á do seu terrivel predecessor; os seus
meios favoritos eram a astucia, a finura, a paciencia. Comprazia-se em
repetir:

--«O tempo é um homem galante!»

Nenhum ministro foi tão posto em canções como elle; mas insensivel aos
pamphletos que diariamente dirigiam contra a sua pessoa, o astucioso
italiano apenas dizia:

--«Deixemol-os fallar e prosigamos!»

A cada novo imposto choviam novas satyras. Elle, porém, seguro de que
uma opposição, que só desabafava em _couplets_ satyricos, o não poderia
incommodar, acudia com toda a serenidade:

--«_Cantam, elles pagarão!_»



XXXIII

_Perdi o meu dia_


O imperador Tito, que a historia cognominou _as delicias do genero
humano_, exclamava quando tinha passado um só dia sem encontrar occasião
de praticar algum bem:

--«Meus amigos, _perdi o meu dia!_»

Boileau exprimiu esta generosa ideia nos seguintes versos da _Epistola
ao Rei_:

    «Tal esse imperador, sob o qual, Roma via,
    Renascer de Saturno e de Rhêa outro dia;
    Que rendeu ao seu jugo o universo amoroso,
    Que jámais alguem viu sem se sentir ditoso,
    E que chorava á noite o tempo que perdera
    _Quando passava o dia e algum bem não fizera_.»



XXXIV

_Amo Platão, mas amo mais a verdade_


Platão e Aristoteles são os dois mais illustres representantes da
philosophia antiga. O primeiro, discipulo de Socrates, estava em todo o
esplendor da sua fama, quando Aristoteles foi a Athenas para seguir as
suas lições. O discipulo não tardou a tornar-se tão celebre como o
mestre; mas dois espiritos d'esta superioridade, e, ao mesmo tempo, tão
differentes, ambos feitos para reinarem no dominio do pensamento, deviam
em breve separar-se.

Assim, Aristoteles, sem ser, como se diz, inimigo do seu mestre, não
adoptava todas as consequencias da sua doutrina; todavia, quando se
achava em contradicção com elle, sabia exprimir a sua opinião com a
sábia medida d'um philosopho e não com a funda amargura d'um rival.

--«Amo Platão--dizia--mas amo mais a verdade.»--«_Amicus Plato, sed
magis amica veritas._»

--Esta homenagem prestada á verdade, quando é tida em desaccordo com as
doutrinas de um genio, mesmo transcendente, passou a ter foros de
proverbio.



XXXV

_Achei!--Eureka!_


Esta exclamação que se faz ouvir quando, depois de longas investigações,
o espirito, repentinamente inspirado, chega á descoberta que elle
perseguia, foi proferida pela primeira vez, por Archimedes, nas
circumstancias seguintes:

Hieron, rei de Syracusa, suspeitava que um ourives, que lhe tinha
fabricado uma corôa d'ouro, tivesse falsificado o metal, misturando-lhe
uma certa quantidade de prata. Elle consultou Archimedes, seu parente,
sobre os meios de descobrir a fraude, de que julgava poder queixar-se. O
illustre mathematico reflectia profundamente na solução possivel d'este
problema, quando um dia, estando no banho, percebeu que os seus membros,
mergulhados na agoa, perdiam consideravelmente do seu pezo; que, por
exemplo, elle podia levantar uma perna com extrema facilidade. O seu
genio entreviu logo os elementos d'esse grande principio
d'hydrostatica, que determinou em seguida rigorosamente:--que todo o
corpo mergulhado n'agoa, perde uma parte do seu pezo, egual ao pezo do
volume d'agoa que esse corpo desloca.--Esta descoberta dava-lhe a
solução do problema. No meio do enthusiasmo que lhe produziu esta
revelação elle sahiu do banho e lançou-se na rua gritando:

--_Achei! achei!_--_Eureka! Eureka!_

Com effeito, tinha encontrado o meio de determinar a gravidade
especifica de todos os corpos, tomando a agoa por unidade. Procurou,
pois, duas massas, d'ouro e de prata, cada uma d'um pezo egual á corôa:
mergulhou-as successivamente n'um vaso cheio d'agoa, observando com
cuidado a quantidade de liquido deslocado pela immersão de cada uma
d'ellas. Submetteu á mesma experiencia a propria corôa, e achou assim o
meio certo d'apreciar a quantidade d'ouro e de prata de que ella era
composta.

--O _achei!_ de Archimedes, ficou tendo applicação, nos casos em que,
uma difficuldade qualquer, se vence por uma solução satisfactoria.



XXXVI

_Eu desejaria não saber escrever_


Néro, educado por Seneca e Burrhus, dois dos mais sabios romanos d'esse
seculo, esteve longe de annunciar, na sua mocidade, as sanguinarias
inclinações, que o tornaram o typo da crueldade. Elle pareceu querer
consolar os romanos do reino de Tiberio; os seus primeiros actos, cheios
d'uma grande doçura, provam que aos seus instinctos de crueldade soube
alliar uma profunda hypocrisia, e que a educação é completamente
impotente para abafar, em certos caracteres, pelo menos, os germens das
paixões más, que trazem nascendo. Desde o segundo dia do seu reinado
elle foi ao senado, e em um discurso que Seneca lhe havia composto,
annunciou que o seu projecto era tomar Augusto por modelo. Em verdade os
principios do seu reino pareceram-se com os ultimos do reino d'aquelle
que se propunha imitar. Mostrou-se justo, liberal, affavel, polido,
complacente e accessivel á piedade. A modestia realçava-lhe ainda as
qualidades. O senado, tendo-o louvado pela sabedoria do seu governo, fez
com que elle dissesse:

--«Esperem, para me louvarem, que eu o tenha merecido.»

Um dia em que lhe apresentaram, para assignar, a sentença que condemnava
á morte um criminoso, elle disse:

--«_Eu desejaria não saber escrever!_»

E comtudo foi ... Néro!



XXXVII

_Linguas d'Esopo_


Esopo, escravo do philosopho Xantus, recebeu um dia do seu senhor, que
tinha convidado varios amigos para jantar, ordem de comprar no mercado,
tudo quanto houvesse de melhor, e nada mais.

--«Eu te ensinarei a especificares o que desejas, sem te entregares á
discrição d'um escravo»--dissera o phrygio comsigo mesmo.

E comprou só linguas, que fez cosinhar de todos os modos possiveis, de
maneira que o principio, o meio e o fim do banquete, foram linguas. Os
convidados louvaram a principio a escolha d'Esopo, mas, afinal,
desgostaram.

--«Não te ordenei,--disse Xantus--que comprasses o que houvesse de
melhor?»

--«E que ha melhor que a lingua?--respondeu Esopo.--É o laço da vida
civil, a chave das sciencias, o orgão da verdade e da razão; por ella se
construem e policiam cidades; por ella se instrue, se persuade e se
reina nas assembleias; por ella se satisfaz ao primeiro dos deveres, que
é louvar os deuses.»

--«Pois bem--replicou Xantus, que pretendia apanhal-o--compra amanhã o
que houver de peior. Os mesmos convidados virão a minha casa e quero
variar.»

No dia seguinte Esopo só fez servir linguas, dizendo que a lingua é a
peior coisa que ha no mundo.

--«É a mãe de todas as questões, a alimentadora de todos os processos, a
origem das divisões e das guerras. Se ella é o orgão da verdade, é
tambem o do erro, e, o que peior é, da calumnia. Por ella destroem-se as
cidades; e se por um lado louva os deuses, por outro é o orgão da
blasphemia e da impiedade.»

--As _linguas d'Esopo_ ficaram celebres, para designarem o que, podendo
ser encarado sob dois aspectos oppostos, dá egualmente occasião ao
louvor e á critica.



XXXVIII

_Lanterna de Diogenes_


Na epocha em que vivia Diogenes, os athenienses pareciam ter perdido a
memoria de Marathão e Salamina; eram já os athenienses da decadencia, e
em quanto que Demosthenes procurava em vão accender essas heroicas
recordações pelos masculos accentos da sua eloquencia, o cynico
stigmatisava a seu modo, a sua cobardia e a sua corrupção.

Uma vez foi encontrado em pleno meio dia, nas ruas d'Athenas, levando na
mão uma lanterna accesa, e como lhe pedissem a razão de tão estranho
caso, elle limitou-se a responder:

--«_Procuro um homem!_»



XXXIX

_O mestre o disse_


Pythagoras, um dos maiores, e, talvez até o maior philosopho da
antiguidade, aspirava, nada menos, que a constituir no mundo inteiro uma
especie de religião. A sua doutrina tendia politicamente a estabelecer
uma aristocracia forte e poderosa, e a revestil-a d'um caracter
sacerdotal, que a tornasse semelhante ás theocracias do Oriente; em
fazer das luzes scientificas a partilha d'um pequeno numero de
iniciados, e em dar a estes o governo do mundo, attribuindo-lhes a
infallibilidade. Estas grandes e arrojadas ideias inspiraram uma especie
de terror aos gregos da Italia e provocaram o desastre espantoso que
feriu subitamente os pythagonios.

Comprehende-se o imperio que um philosopho d'este quilate devia adquirir
sobre o espirito dos seus discipulos, e assim, entre elles, a phrase--_o
mestre o disse_, equivalia a uma formula magica, que cortava
completamente todas as disputas.

--Esta phrase que serve para exprimir o respeito que se professa por uma
auctoridade, era d'algum modo a divisa de La-Fontaine, cuja veneração
pelos antigos é muito conhecida.

--Um orador contemporaneo affirmou, nos rasgos da sua eloquencia, que o
homem não dirá mais--_o mestre o disse_, porque o homem está emancipado
do homem. Elle dirá agora:--_A verdade diz--A sciencia diz_.



XL

_O rei é morto, vive o rei!_


Este velho grito da monarchia, significava que a realeza nunca morria em
França. Apenas o rei exhalava o ultimo suspiro, um arauto apparecia ao
balcão do palacio e gritava tres vezes deante do povo reunido:

--«_O rei é morto, vive o rei!--Le roi est mort, vive le roi!_»

Mas era, sobretudo, na cerimonia funebre e quando o defuncto monarcha ia
tomar o seu logar nas cryptas de S. Diniz, que estas palavras,
pronunciadas no meio das pompas da religião, retumbavam d'uma maneira
verdadeiramente solemne. Ouviram-se, pela ultima vez, em França, na
morte de Luiz XVIII.



XLI

_O estado sou eu!_


No dia immediato ao da morte do cardeal Mazarino, Luiz XIV, então de
vinte e dois annos, fez chamar os ministros que o cardeal lhe tinha
deixado--Pedro Séguier, Miguel Lettellier, de Lionne e Fouquet, e
declarou-lhes que seria elle proprio, de futuro, o seu primeiro
ministro. Na mesma tarde o arcebispo de Ruão foi encontrar-se com elle e
disse-lhe:

--«Vossa Magestade tinha-me ordenado que me dirigisse ao cardeal para
todos os negocios; elle está morto, a quem devo dirigir-me agora?»

--«A mim, senhor arcebispo.»

O reino de Luiz o Grande estava começado.

Estes preliminares pintam já o caracter de Luiz XIV e tornam muito
provavel a authenticidade da famosa phrase--_O estado sou eu!_--que a
historia diz elle fez ouvir, quando entrou de botas e esporas no
parlamento.

Como o presidente lhe significasse que a resistencia opposta aos seus
editos, tinha a sua origem nos interesses do estado, o joven monarcha
respondeu:

--«_O estado sou eu!--L'etat, c'est moi!_»



XLII

_Alavanca d'Archimedes_


Chama-se _alavanca_ um corpo longo, inflexivel, fixo em um ponto da sua
extensão, e destinado a levantar pesos. O ponto sobre a qual a alavanca
tem o seu ponto fixo, diz-se _ponto d'apoio_; o peso a levantar,
chama-se _resistencia_ e a força que actua é _potencia_. Quando o ponto
d'apoio está collocado no meio da alavanca a _potencia_, e a
_resistencia_ são eguaes, isto é, para se levantar um peso de cem
kilogrammas é necessario uma força egual a esse peso. Mas a par e passo
que o ponto d'apoio se approxima da resistencia, a força que se tem de
desenvolver diminue proporcionalmente. D'aqui é facil comprehender que
uma força egual, por exemplo, a algumas grammas, póde levantar um navio
completo, dando-se um comprimento sufficiente ao braço da alavanca que
separa o ponto d'apoio da força activa.

É certo que a alavanca era conhecida de Archimedes, e foi o genio d'este
grande homem que lhe determinou as propriedades e as proporções exactas.
Comprehende-se que Archimedes tendo levado até ao infinito o estudo
theorico da potencia da alavanca haja ousado exclamar:

--«_Deem-me um ponto d'apoio e eu levantarei a terra!_»

Ha n'isto uma evidente hyperbole de linguagem, mas esta hyperbole
satisfaz a razão, porque assenta n'um principio mathematico.



XLIII

_Magdalena_


Magdalena, mulher celebre do Evangelho, era uma cortezã d'uma grande
belleza. Tendo ouvido fallar Jesus, foi commovida de repente, e o
arrependimento entrou no seu coração. Um dia em que Jesus estava á meza
em casa de Simão Phariseu, a bella peccadora apresentou-se toda
lastimosa na sala da refeição e precipitou-se aos pés do Salvador,
regando-os com as suas lagrimas, beijando-os, inundando-os de perfumes e
enxugando-os com os seus cabellos. O Phariseu escandalisou-se vendo que
Jesus se deixava tocar por essa mulher, conhecida em toda a cidade por
uma grande peccadora. Foi n'esta circumstancia que Jesus mostrou toda a
misericordia que trasbordava do seu coração, dizendo aos que o rodeavam:

--«_Ser-lhe-ha muito perdoado, porque muito amou!_»

--Esta resposta applica-se hoje, mas quasi sempre ironicamente, ás
mulheres conhecidas pela facilidade dos seus costumes, sejam ou não
arrependidas, e ha, ao mesmo tempo, o uso de as designar pelo nome de
_Magdalenas_.



XLIV

_Casa de Socrates_


Socrates estava fazendo construir uma casa. Como lhe fizessem sentir que
era demasiado pequena, elle acudiu:

--«_Prouvera a Deus que ella se enchesse de verdadeiros amigos!_»

Esta bella phrase foi aproveitada por La-Fontaine, de que damos a
seguinte versão:

    «Socrates uma casa edificava,
    E cada qual a obra criticava.
        Um achava o interior,
        Para dizer a verdade,
        Indigno do morador;
    Um outro desdenhava a frontaria,
    E toda a gente que essa casa via,
    Achava os aposentos limitados
        E bem pouco lisongeiros
        Mesmo por qualquer dos lados.
    --«Prouvera a Deus que d'amigos provados
    Se enchesse--diz--d'amigos verdadeiros!»

        Socrates razão tivera
    De achar, por tal, espaçosa a casita;
    Amigos muitos ha--quem acredita?
        Amigos de nome apenas,
        Não d'amisade sincera.



XLV

_Desgraça aos vencidos!_


Depois da sangrenta batalha d'Allia, cujo anniversario foi incluido
pelos romanos no numero dos dias nefastos, o terror tinha-se espalhado
em Roma e todos os habitantes haviam fugido, excepto oitenta velhos que
esperavam corajosamente a morte nas suas cadeiras curues, e a mocidade
que se refugiou no capitolio. Depois de terem saqueado e queimado Roma,
os gaulezes pozeram cêrco á fortaleza, e tendo dado um assalto sem
resultado, estabeleceram então um cêrco mais rigoroso. Os defensores da
fortaleza, sitiados havia sete mezes e entregues a todos os horrores da
fome, pedem, afinal, capitulação. Brenno, chefe dos gaulezes, consente
em levantar o cêrco mediante mil libras de ouro em peso. O tribuno
Sulpicio apresenta a somma no dia marcado. Em quanto que se pesa o ouro,
levanta-se uma contestação e os romanos censuram aos vencedores o uso de
falsos pesos.

É então que Brenno, lançando a sua pesada espada na balança, pronuncia a
phrase celebre que depois se tornou proverbial:

--«_Desgraça aos vencidos!_»--«_Væ victis!_»



XLVI

_Manto de Joseph_


Os mercadores ismaelitas, aos quaes Joseph fôra entregue por seus
irmãos, levaram-n'o para o Egypto e venderam-n'o a Putiphar, um dos
principaes officiaes do rei. A mulher de Putiphar, animada d'uma
criminosa paixão, pelo joven israelita, que era formoso, tentou
abalar-lhe a virtude e, para o obrigar a consentir nos seus desejos,
ella agarrou-o um dia pelo manto e quiz attrahil-o a si.

Joseph abandonou-lhe o manto e fugiu. Cheia de cólera e envergonhada por
se vêr assim desprezada, essa mulher disse ao marido:

--«O escravo hebreu quiz ultrajar-me, mas aos meus gritos fugiu,
deixando-me o manto entre as mãos!»

Putiphar, irritado, fez encarcerar Joseph.

--Comprehende-se, sem que seja necessario que o expliquemos, em que
ordem de ideias se faz allusão ao manto de Joseph e á mulher de
Putiphar.



XLVII

_Mario sobre as ruinas de Carthago_


Mario, livre das prisões de Minturnes, fez-se á vela para a Africa. O
navio que o conduzia, privado d'agua, quiz aportar á Sicilia, mas uma
força armada assaltou a equipagem, matou varios homens, e o proprio
Mario só com difficuldade escapou. Alguns dias depois desembarcou na
Africa, nos mesmos locaes aonde se elevava outr'ora a poderosa cidade de
Carthago.

Apenas em terra, Sextilio, pretor da Lybia, homem dedicado a Sylla,
fez-lhe intimar ordem de deixar aquella provincia, e como o mensageiro
lhe pedisse uma resposta, elle disse-lhe:

--«_Vae dizer a teu senhor, que viste Mario, errante e fugitivo, sentado
sobre as ruinas de Carthago!_»

A presença d'este grande proscripto sobre as ruinas ainda fumegantes da
antiga e poderosa rival de Roma, é um dos mais frisantes exemplos das
vicissitudes humanas, e a maneira simples e energica com que esta
approximação é expressa, faz d'elle uma das mais sublimes lições que a
historia tem tido a consignar.

Toda a gente conhece o verso em que Delille poz em presença esses dois
infortunios:

     «_E essas ruinas, sim, consolavam-se a si!_»



XLVIII

_Subir ao Capitolio_


Na antiga Roma, os generaes vencedores subiam em triumpho ao Capitolio,
no meio das acclamações de todo o povo, e alli offereciam sacrificios
aos deuses; em seguida o povo os acompanhava a sua casa com archotes e
soltando gritos de alegria.

Na Edade Média, e durante o grande seculo litterario da Italia,
resuscitaram-se, em favor da poesia, os antigos triumphos do Capitolio.
No dia de Paschoa, a 8 d'abril de 1341, Petrarcha subiu ao Capitolio no
meio dos principaes cidadãos, precedidos de doze mancebos, escolhidos
nas familias mais illustres, que declamavam os seus versos. Recebeu a
corôa de louro e recitou um soneto ácerca do heroe da antiga Roma.

Tasso recebeu tambem as honras da coroação; a sua entrada em Roma já
teve o aspecto de um triumpho. O povo, os nobres, os prelados, os
cardeaes, os sobrinhos do Papa, foram ao seu encontro e o conduziram ao
Vaticano, no meio das mais vivas acclamações. O Papa, avistando-o,
disse-lhe com graça particular:

--«Vinde honrar esta corôa, que honrou todos quantos a collocaram antes
de vós.»

Os aprestos da cerimonia proseguiam com a maior rapidez e o Tasso ia,
emfim, receber a recompensa d'uma vida cheia d'amargura e de dôr; mas
por uma ultima irrisão da sorte elle morreu na vespera do proprio dia em
que devia subir ao Capitolio, e o louro poetico não adornou senão a
fronte do seu cadaver, que fôra amortalhado com a toga romana.

Pouca gente desconhece a magnifica descripção que Madame de Stael fez da
coroação de Corinna. A brilhante escriptora faz reviver no seu celebre
romance a _Corinna Thebana_, a rival feliz de Pindaro, varias vezes
coroada nos jogos olympicos.



XLIX

_Onde não ha el-rei o perde_


Representava-se na comedia Franceza, com immenso successo o _Cerco de
Calais_, tragedia de Belloy. O principal papel era desempenhado pela
actriz Clairon, tão conhecida pelas suas aventuras galantes sob o nome
de Fretillon. Um comediante muito obscuro, chamado Dubois, que
desempenhava um papel n'esta peça, era accusado pelos seus collegas d'um
acto de improbidade. Estes, tendo á frente a Clairon, recusaram-se a
entrar em scena em companhia d'elle, e o _Cerco de Calais_ foi
interrompido na vigesima representação. Os espectadores agitaram-se e
houve desordem no theatro. Clairon fazia-se especialmente notar entre os
mais obstinados. Ordenou-se que ella fosse conduzida ao Fort-L'evêque.
Ella, então, disse a quem a intimava, com emphase theatral, que ia, mas
que sua magestade podia tudo sobre os seus bens e sobre a sua liberdade,
mas nada sobre a sua _honra_.

--«_Isso é sabido_--responderam-lhe--_onde não ha el-rei o perde!_»

É vulgar e de facil comprehensão a applicação d'esta phrase.



L

_Onde se vae aninhar a virtude?_


Moliére alliava a um grande genio as mais formosas qualidades do
coração, e tinha uma alma ao nivel do seu espirito. Caracter suave,
complacente e generoso, nunca o abandonava o seu elevado sentimento
caritativo.

Um dia em que partiu para S. Germano approximou-se-lhe um mendigo e
pediu-lhe esmola. Moliére lançou-lhe uma moeda e subiu para o trem.
Instantes depois percebeu que o pobre o seguia correndo. Fez parar. O
pobre chegou-se e disse-lhe:

--«O senhor enganou-se, de certo, porque me deu um luiz, que eu venho
entregar.»

--«Não, meu amigo--acudiu--e aqui tens outro.»

E como o seu genio estava continuamente álerta, e elle estudava em toda
a parte a natureza, como homem que queria pintal-a, exclamou:

--_Onde se vae aninhar a virtude?_



LI

_Perdoae-lhes, meu Pae, não sabem o que fazem_


Jesus Christo, cuja vida, acções e doutrina tinham sido mansidão e
misericordia, só teve sobre a cruz palavras de doçura para os seus
proprios algozes, sobre a cabeça dos quaes attrahiu o perdão de seu Pae.
«Ora--diz S. Lucas--com elle levavam dois outros homens, que eram
criminosos, para os pôrem á morte, e quando chegaram ao Calvario, Jesus
foi crucificado entre dois ladrões, um á direita e outro á esquerda, e
elle dizia fallando dos seus verdugos:--_Perdoae-lhes, meu Pae, não
sabem o que fazem!_

Esta phrase cahiu do alto da cruz, no meio das agonias da morte e dos
soffrimentos mais crueis, e resume admiravelmente o espirito evangelico
e a moral sublime do sermão da montanha.

A applicação d'esta phrase suprema não tem logar, geralmente, senão no
estylo familiar.



LII

_Lavar as mãos como Pilatos_


Poncio Pilatos, governador da Judeia, sob Tiberio, seria completamente
desconhecido hoje, se o seu nome se não achasse envolvido no maior
successo da historia. Jesus, perseguido desde muito pelo odio dos
principes dos padres e dos phariseus, tinha sido apresentado perante o
tribunal de Caiphaz, e condemnado á morte por se dizer Christo, filho do
Deus vivo. Mas esta sentença não podia ser executada sem as ordens do
governador romano. Os judeus levaram Jesus a Pilatos. Este convencido da
sua innocencia, perturbado, além d'isto, por um estranho sonho que sua
mulher Claudia Procula tinha tido durante a noite e que lhe despertára o
maior interesse pelo Christo, procurava illudir a sentença de morte. Mas
a populaça tendo reclamado o ultimo supplicio com gritos de furor, e
ameaçado o proprio Pilatos com a cólera de Cesar, o fraco governador
abandonou Jesus á raiva dos algozes. No entretanto, querendo protestar
contra o que elle considerava uma suprema injustiça, elle fez trazer
agua, e lavando as mãos deante do povo, exclamou:

--«Estou innocente da morte d'este justo; sois vós que respondereis por
ella!»

--«Sim, sim--gritaram os loucos--que o seu sangue cáia sobre nossas
cabeças e sobre nossos filhos!»

E crucificaram-n'o!

Alguns annos mais tarde, Pilatos, cahindo em desagrado sob Caligula, foi
exilado, e no exilio, perseguido pelos remorsos, matou-se de desespero,
dizem.

A sentença iniqua que Pilatos pronunciou contra Jesus pesará sempre
sobre a sua memoria, e até ao fim dos seculos Pilatos será o typo dos
magistrados pusillanimes, que, obedecendo á voz do medo e dos seus
interesses, teem a cobardia de pronunciarem condemnações que a
consciencia reprova. Embora lavem as mãos, o sangue innocente derramado
deixará sempre uma nodoa indelevel, que será para elles uma nodoa
infamante.

--É, fazendo allusão á acção de Pilatos, que em linguagem familiar se
diz:--«_D'ahi lavo as mãos_», como declaração de que se não tem
responsabilidade nas consequencias de successos para que se concorreu.



LIII

_O que não peccou, atire a primeira pedra_


Os scribas e phariseus levaram a Jesus uma mulher que fôra surprehendida
em adulterio, e disseram-lhe:

--«Mestre, esta mulher acaba de ser surprehendida em adulterio. Ora a
lei de Moisés ordena-nos que apedrejemos as adulteras. Qual é a este
respeito a vossa opinião?»

Fallavam-lhe assim para o tentarem, e a fim de o poderem accusar. Mas
Jesus Christo abaixando-se, escreveu com o dedo na terra.

E como continuassem a interrogal-o, elle levantou-se e disse-lhes:

--«_Aquelle d'entre vós que não peccou lhe atire a primeira pedra._»

A esta phrase elles retiraram-se a um e um, e só ficou Jesus com essa
mulher que se conservava de pé.

Jesus disse-lhe então:

--«Ninguem te condemnou, não te condemnarei tambem. Vae e não peques
mais.» (_Evang. S. João_).



LIV

_Tres linhas escriptas e eu farei enforcar quem as escreveu_


Nada ha que mais se preste á critica e á satyra do que as leis.
Anacharsis comparava-as ás teias d'aranha que prendem as pequenas e
deixam passar as grandes moscas. La-Fontaine rimou a mesma ideia quando
disse:

     «Assim, conforme o que és, ou grande ou miseravel «A justiça fará
     que sejas branco ou negro.»

Não confirma a sabedoria das nações, os juizos do philosopho e do
fabulista, quando concede ao condemnado vinte e quatro horas para
maldizer a um juiz? Mas a cabula, o processo, o codigo n'uma palavra não
justifica hoje estas accusações? e os traços que acabamos de citar são
uma calumnia ou maledicencia? O presidente d'Ormesson parece ter
respondido a esta pergunta quando disse:

--«Se eu fosse accusado de ter roubado as torres de Notre Dâme, e
ouvisse gritar atraz de mim--_agarra que é ladrão!_--eu fugiria
desesperadamente.»

Este terror que inspira a justiça, mesmo ao mais innocente, está
plenamente justificado por estas palavras:

--«_Deem-me tres linhas da escripta d'alguem e eu o farei enforcar._»

Os eruditos estão divididos sobre o auctor d'esta celebre phrase, que
attribuem a Laubardemont, ao Padre Joseph, a Richelieu, a Jeffries, e
que M. Proudhon, mais prudente, attribue a um ... criminalista.

O cardeal Richelieu, que conhecia o poder do equivoco, citava um dia
esta phrase deante dos seus secretarios. Um d'elles, julgando
embaraçal-o, escreveu n'um cartão--«Um e dois fazem tres.»--«Blasphemia
contra a Santissima Trindade!--exclamou o cardeal--um e dois só fazem
um.»



LV

_Quem te fez conde? Quem te fez rei?_


A fraqueza dos ultimos carlovingianos tinha permittido á feudalidade
lançar profundas raizes entre os francos, e tornar-se quasi
independente, e quando em 987 Hugo Capeto foi eleito rei de França em
Noyon, pelos seus proprios vassallos e alguns pequenos feudatarios
visinhos, elle ficou o que tinha sido antes, conde de Paris, possuidor
de vastos dominios, mas não sendo, no meio dos poderosos barões, mais
que o primeiro entre iguaes. Assim, todo o seu reino foi perturbado
pelas revoltas dos proprios que o tinham levado ao throno, mas que
recusavam reconhecer a sua supremacia. Poder-se-ha julgar pela altiva
resposta d'um d'elles, com que olhos consideravam a nova realeza.

Um conde de Périgneux, Adalberto, emprehendeu conquistas e usurpára os
titulos de conde de Poitiers e de Tours. O rei de França mandou-lhe um
mensageiro para lhe perguntar:

--«Quem te fez conde?»

Ao que Adalberto respondeu:

--«Quem te fez rei?»

Estas phrases, frequentemente citadas, resumem uma epocha inteira.



LVI

_A Cesar o que é de Cesar a Deus o que é de Deus_


Alguns dias antes da celebração da Paschoa, Jesus fez uma entrada
triumphal em Jerusalem, no meio d'um concurso immenso de povo que
gritava:--Hossana ao filho de David! Bemdito o que vem em nome do
Senhor!» Os principes dos padres e os scribas procuraram então os meios
de o perder e de o prender nas proprias palavras por perguntas
insidiosas. Os herodianos approximaram-se, pois, d'elle, e lhe
perguntaram:

--«Mestre, sabemos que és verdadeiro nas tuas palavras e que ensinas o
caminho de Deus, sem distincção de pessoas. Dize-nos então a verdade
sobre isto:--É permittido pagar o tributo a Cezar?»

Jesus, penetrando na intenção d'elles, respondeu:

--«Mostrem-me a moeda de dinheiro que se dá em tributo.»

Apresentaram-lhe um dinheiro. Jesus disse-lhes então:

--«De quem é esta moeda?»

--«De Cezar.»

--«_Dêem, então, a Cezar o que é de Cezar e a Deus o que é de Deus!_»

Vem a proposito citar que Henrique IV, que antes de entrar em Paris fôra
obrigado a comprar muito caro os chefes da Liga, modificou, a este
respeito, da maneira mais original e mais espirituosa, a lettra do
Evangelho.

Um dia depois do seu jantar, Henrique IV disse ao seu secretario:

--«Que pensas, vendo-me em Paris como estou?»

--«Penso, senhor, que deram a Cezar o que era de Cezar, como é preciso
dar a Deus o que é de Deus ...»

--«Ora essa!--replicou o rei--não me fizeram como a Cezar, porque me não
_deram_, mas porque me _venderam_ o que era meu.»



LVII

_Salto de Leucade_


Sapho, a mais illustre das poetisas, appellidada a decima musa, nasceu
em Mitylene, na ilha de Lesbos, pelo anno 600, antes de Christo. Amiga
do poeta Alceu, ella foi arrastada na conspiração contra Pittaco e
acabou os seus dias no exilio.

Os antigos representam-na devorada pelas paixões e entregue ao furor dos
sentidos; e elles não davam o nome de versos ás suas poesias, mas
_ardores_, _chammas_, etc.; e acceitando os costumes muito conhecidos
das lesbianas com a indulgencia cynica d'aquella epocha, elles
inflammavam-se n'um enthusiasmo sem limites pelo lyrismo desordenado dos
seus cantos, pela graça exquisita, pela harmonia arrebatadora e pelo
estylo de fogo das suas odes.

Conta a tradição que, apaixonada pelo insensivel Phaon, joven lesbiano,
d'uma grande belleza, e não podendo vencer os seus desprezos, ella se
precipitou, cheia de desespero, do alto de Leucade no mar.

A ilha de Leucade era famosa por um promontorio, formado de rochedos
escarpados que dominavam o mar. Era alli que as amantes desgraçadas iam
procurar remedio a seus males, precipitando-se do alto do promontorio
sobre as vagas. É isto o que se chamava _dar o salto de Leucade_. Os que
escapavam á morte depois d'esse perigoso salto, ficavam curados do seu
amor.

Mas comprehende-se que pouquissimas resistiam a esse remedio heroico.



LVIII

_Se é possivel, está feito; se é impossivel se fará_


    Impotente, gottoso, e já velho leão
    Queria achasse algum remedio á velhice.
    _O impossivel aos reis allegar é illusão_.

Eis uma verdade que Colonne, quartel mestre geral das finanças, sob Luiz
XVI, era demasiado fino e cortezão para ignorar. Leviano, espirituoso,
incapaz d'um plano fortemente concebido e pacientemente executado, elle
devia deixar as finanças do reino n'um estado ainda mais deploravel do
que as tinha encontrado ao entrar para o ministerio. As suas operações
aventureiras só deviam augmentar o mal geral e o numero dos
descontentes. N'essa côrte tão prodigiosamente descuidada na vespera
d'uma catastrophe e em que só Luiz XVI tinha o sentimento dos seus
deveres, sem ser dotado da energia necessaria para bem os cumprir, o
luxo e a prodigalidade eram tão insaciaveis como se os cofres do estado
estivessem pejados. Para crear elogiadores entre os homens de lettras, o
ministro concedeu pensões a um grande numero d'elles.

Maria Antonietta era a primeira a dar o exemplo do luxo e não punha
qualquer freio ao seu prazer pelo gasto. Um dia que ella precisava d'uma
somma consideravel dirigiu-se a Colonne, cuja facil condescendencia ella
conhecia. Antes de lhe expor o pedido, ella disse-lhe n'esse tom de
mulher e rainha que não quer recusa:

--«O que tenho a pedir-lhe é difficil talvez, Colonne!»

O espirituoso ministro respondeu, inclinando-se graciosamente:

--«_Se é possivel, está feito; se é impossivel, far-se-ha!_»

Não era possivel commentar mais finamente o verso de La-Fontaine.

Nas guerras da republica, a possibilidade do _impossivel_ foi expressa
d'uma maneira mais nobre por um general francez, no ardor d'um combate
encarniçado. Um official que elle acabava de encarregar d'uma operação
perigosa, respondeu-lhe que era impossivel.

--«Impossivel, senhor?--respondeu o general--Olhe que essa palavra não é
franceza!»



LIX

_Terra promettida_


Depois da morte de Joseph, os descendentes de Jacob não tardaram a ser
perseguidos pelos egypcios, que os empregavam nos trabalhos mais rudes.
Mas Deus que tinha sempre os olhos fixos sobre o seu povo, suscitou
Moisés, ao qual ordenou que conduzisse os hebreus _á terra de Chanaan_,
berço de seus paes.--«Era--diz a Escriptura--uma terra de promissão,
produzindo uvas que dois homens mal podiam carregar, e onde corriam
regatos de leite e de mel.» Mas os israelitas, constantemente rebeldes,
foram condemnados a errar quarenta annos no deserto, á vista d'essa
terra de delicias, sem n'ella poderem entrar. Afinal lá chegaram,
conduzidos por Josué.

--A _terra promettida_ é uma expressão que passou em todas as linguas a
designar um estado, uma ventura a que se aspirava ha muito tempo. Victor
Hugo disse, a proposito, nas _Folhas do Outomno_:

    . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
    «Um homem, dentro em si, construe e phantasia
    Um mundo encantador, mundo d'arte e poesia,
    --A nossa Chanaan, que nós vemos de cima ...»



LX

_Thebaida_


A Thebaida, uma das tres grandes divisões do antigo Egypto, e que tinha
Thebas por capital, era famosa pelos desertos que a éste e oéste
cercavam a sua parte habitada. Foi n'uma destas solidões que nos
primeiros seculos do christianismo se refugiaram muitissimos christãos,
já para fugirem á perseguição, já para se esquivarem ás seducções do
mundo, entregando-se ao jejum, á oração e a todas as austeridades da
vida ascetica.

O mais illustre d'entre elles, Santo Antonio, dera o exemplo,
distribuindo a sua fortuna aos pobres, para viver do trabalho das suas
mãos. A sua reputação de santidade espalhou-se ao longe, e a breve
trecho, milhares de discipulos se gruparam em volta d'elle. Durante
algum tempo, foi, d'algum modo repovoado de monges e anachoretas. Mas
afinal a despovoação geral do Egypto produziu a extincção de quasi todos
os mosteiros, que se haviam creado.

Hoje, só as cellas vasias, marcadas com o symbolo dos christãos, indicam
a assistencia d'esses religiosos nos templos pagãos arruinados, bem como
as grutas dos sepulchros da Thebaida.

--Na linguagem ordinaria, _Thebaida_, diz-se d'um deserto, d'uma solidão
profunda, em que se vive retirado do mundo; mas esta palavra está longe
de ser tomada sempre n'este sentido. Faz-se muitas vezes uso d'ella, em
poesia, especialmente para designar um retiro favorito, que
propositadamente se escolhe, longe do bulicio, para o goso das doçuras
da amisade, ou dos encantos do amor.

Lembra-nos até que Theophilo Gautier disse já n'uma das suas esplendidas
poesias:

     «Um bom _cottage_ inglez, eis a _Thebaida_ sua!»



LXI

_Desça o panno, acabou a comedia!_


Rabelais, o mais philosopho dos bufões, e o mais bufão dos philosophos,
nasceu perto de Chinon, em Touraine, por 1483. Os seus biographos são
pobres em factos authenticos, mas em compensação abundam em anecdotas
romanescas, de onde resalta esse typo de cara alegre e tolerante, amigo
de Baccho e da dança, o que só se ama por excepção. O genero muito
particular do seu genio foi perfeitamente pintado por La Bruyére:--«Onde
Rabelais é mau passa muito além de peior; é o encanto da canalha; aonde
é bom, elle vae até ao extremo de excellente, e póde ser um prato dos
mais delicados.» De resto, este sentimento do moralista parece ter sido
dictado pelo proprio Rabelais que recommendava aos seus leitores «que
abrissem a caixa para tirarem a droga, e quebrassem os ossos para
chucharem a medula.» Mas o que domina na sua vida e nos seus escriptos é
um septicismo zombador que ataca todas as crenças, todas as
instituições, todos os sentimentos, e que estala, sobretudo, nos ultimos
momentos da sua vida.

Entre as numerosas versões que foram reproduzidas ácerca da sua morte,
encontra-se esta. O cardeal de Châtillon, seu amigo, tendo enviado um
pagem a informar-se da sua saude, elle respondeu-lhe:

--«Dize a Monsenhor em que bello humor me encontras. Eu vou buscar um
grande _talvez_. Está no ninho da pega. Dize-lhe que se deixe estar. E
tu não passas d'um tolo.»--Depois exhalou o ultimo suspiro n'uma grande
gargalhada acompanhada d'estas palavras:

--«_Desça o panno; acabou a comedia!_»



LXII

_Tudo é perdido, menos a honra!_


Francisco I a quem duas derrotas experimentadas pelos seus generaes
Lautrec e Bonnivet tinham feito perder o milanez, quiz reconquistar este
ducado, e transpoz os Alpes á frente d'um novo exercito. A breve trecho
pôde entrar em Milão. Mas em vez de perseguir o inimigo a todo o transe,
obstinou-se no cêrco de Pavia, e, como este cêrco fosse delongado, teve
a imprudencia de se enfraquecer, destacando 12:000 homens que deviam
marchar sobre Napoles. No entretanto, os imperiaes reforçavam-se e
levavam soccorro a Pavia. Feriu-se a batalha e foi encarniçada. O rei
foi ferido na fronte, e a sua armadura, que a França possue ainda, foi
toda crivada. Mas o numero venceu a coragem, a batalha foi perdida e
Francisco I feito prisioneiro. Entregou a sua espada ao vice-rei de
Napoles, Lannoy, que a recebeu de joelhos.

«Foi do campo imperial, perto de Pavia, que Francisco I escreveu a sua
mãe uma carta que se tornou celebre, graças á tradicção, que muito a
alterou dando-lhe a fórma d'um laconismo sublime:

--«_Senhora, tudo é perdido, menos a honra!_»

Recentes investigações, porém, fizeram descobrir o texto verdadeiro
d'essa carta que começa do seguinte modo:--«Senhora, para vos fazer
saber como se cumpre o resto do meu infortunio, _de todas as coisas, só
me ficou a honra e a vida, que está salva_.»



LXIII

_Trombetas de Jericó_


Jericó foi a primeira cidade que os hebreus encontraram na sua entrada
na terra promettida. Era fechada por altas muralhas. Por ordem de Deus,
Josué mandou fazer ao seu exercito a volta da cidade durante sete dias.
A arca d'alliança fôra levada com grande pompa e precedida de sete
padres, que tocavam trombeta. O povo acompanhava em silencio. Ao setimo
dia, deu-se sete vezes a volta á cidade, e o povo, por ordem de Josué,
tendo soltado um grito muito grande, viu no mesmo instante
desmoronarem-se as muralhas. A cidade foi reduzida a cinzas e todos os
habitantes passados a fios d'espada.

--Em litteratura faz-se muitas vezes allusão ás _trombetas de Jericó_,
que se oppõem á lyra d'Amphion. Este contraste não escapou ao rei
philosopho que escreveu ao seu amigo Voltaire:--«Interessado em servir o
genero humano, consagraes a vossa vida inteira ao bem publico. A
Providencia tinha-vos reservado para ensinardes aos homens a preferirem
a lyra d'Amphion, que elevava os muros de Thebas a esses instrumentos
bellicos que faziam arrazar os de Jericó.»



LXIV

_A tunica de Christo_


«Os soldados, depois de haverem crucificado Jesus, tomaram-lhe os
vestidos e dividiram-os em quatro partes: uma para cada soldado. Tomaram
tambem a tunica; mas a tunica não tinha costura, era uma só peça inteira
de cima a baixo.

«E elles disseram uns aos outros:--«Não a talhemos; tiremos á sorte para
vermos a quem pertencerá. Afim de que esta palavra fosse cumprida, elles
dividiram entre si os meus vestidos e jogaram á sorte a minha
tunica.»--Eis o que fizeram os soldados.--(_S. João_, _cap._ XXIX).

--Esta divisão da tunica de Jesus Christo, no momento da sua morte, tem
duas especies d'applicação:--ora se allude a ella para designar a
partilha dos despojos d'um innocente, ora recorda que a tunica era d'uma
só peça inteira, para indicar que uma coisa não póde soffrer divisão.



LXV

_Um imperador deve morrer em pé_


Vespasiano, imperador romano, ia além de sessenta e nove annos, quando
foi atacado da doença que o levou ao tumulo, não por agudos
soffrimentos, mas por um enfraquecimento progressivo. Conservando até ao
fim a sua serenidade d'alma, elle transformava em gracejo a apotheose
que lhe ia ser conferida.--«_Percebo que começo a tornar-me deus_»,
dizia elle alegremente á medida que a sua situação se tornava
desesperada. Apesar da sua extrema fraqueza não interrompeu um instante
as suas occupações habituaes; dava tempo aos negocios e audiencia no
leito. Afinal, sentindo-se desfallecer, fez um derradeiro e supremo
esforço para se levantar, dizendo:

--«_É preciso que um imperador morra de pé!_»

E tendo-se feito vestir, expirou entre os braços dos seus officiaes.

--Luiz XVIII, nos ultimos dias da sua vida teve uma phrase que recorda a
de Vespasiano. Apesar do depauperamento das suas forças, continuava a
mostrar-se em publico e nos conselhos. A 25 d'Agosto de 1824, dia de S.
Luiz, respondeu ao conde d'Artois, seu irmão, que o aconselhava a não
receber:

--Um rei de França morre, mas não deve estar doente!»



LXVI

_Vendilhões expulsos do templo_


«E estando proxima a paschoa dos judeus, Jesus fez a sua entrada em
Jerusalem.

«E elle achou no templo mercadores que vendiam bois, ovelhas e pombas e
os trocadores alli estavam sentados.

«E tendo feito umas disciplinas com cordas, elle os expulsou a todos
fóra do templo, assim como as ovelhas e os bois e espalhou o dinheiro
dos vendilhões sobre as mezas.

«E elle disse aos vendilhões:--«Está escripto. A minha casa é uma casa
de oração e vós fazeis d'ella uma caverna de ladrões.» (_S. João_,
_cap._ II).

--Esta expressão--_expulsar os vendilhões do templo_--emprega-se para
stigmatisar os profanadores, em qualquer ordem que seja, os que
mercadejam com coisas respeitaveis e que só deviam ser apanagio
exclusivo da arte, das lettras, das sciencias, e, em geral, da
intelligencia e do talento.



LXVII

_Gritar no deserto_


S. João Baptista, filho de Zacharias e de Santa Elisabeth, prima da
Virgem Santissima, retirou-se muito cedo para o deserto, levando uma
vida cheia d'austeridades. Vestia uma pelle de camello atada á cinta por
uma tira de couro, e o seu alimento constava de gafanhotos e mel bravo.
Quando chegou á edade de trinta annos e foi preparado com rudes
exercicios para o ministerio que lhe estava destinado, dirigiu-se ás
margens do Jordão, prégando a penitencia, annunciando a realisação das
prophecias e a vinda do Messias, que o tinha enviado para preparar os
seus caminhos. «--Façam penitencia--exclamava elle--pois o reino dos
céus está proximo». Os habitantes dos arredores corriam em multidão para
o ouvirem. O synhedrio, tocado pelo seu genero de vida extraordinario e
da sua eloquencia selvagem, enviou-lhe padres e levitas para saberem se
era o Messias, ou Elias, ou simplesmente um propheta. Elle respondeu que
não era propheta, nem Elias, nem Messias.--«Quem és então?, porque
precisamos levar resposta aos que nos mandaram?»--«Sou a voz d'aquelle
que grita no deserto:--tornae recto o caminho do Senhor!» E elle
ajuntava:--«Aquelle que deve vir depois de mim é mais poderoso do que
eu, e eu não sou digno de desatar os cordões do seu calçado. Moisés
deu-vos a lei, mas o Christo vos dará a graça e a verdade.»

--Hoje estas palavras--_gritar no deserto_--teem um sentido desviado do
primitivo. Significam na applicação--pregar, aconselhar, fallar em vão.



LXVIII

_Zoilo_


Celebre grammatico e critico grego do quarto seculo antes de Christo, e
cujo nome era já proverbial no tempo d'Ovidio. Nada se sabe ao certo,
quanto ao logar do seu nascimento, circumstancias da sua vida e genero
de sua morte. Tambem nos não chegou nenhuma das suas obras. Sabe-se
sómente, pelo testemunho quasi unanime dos antigos que elle se
encarniçou contra as obras d'Homero.

Vitruvio pretende que Ptolomeu Philadelpho, indignado com as suas
blasphemias litterarias, lhe infligiu o supplicio da cruz, ou o fez
queimar vivo.

--O nome de _Zoilo_ designa o typo do critico apaixonado e de má fé.

    «No futuro, será _Zoilo_, com toda a furia,
    Aos _censores_ crueis uma cruel injuria.»



LXIX

_Aspasia_


Mulher grega, natural de Mileto, celebre pelo seu espirito e pela sua
belleza. Foi muito cedo para Athenas, aonde não tardou a exercer sobre
os homens mais illustres d'essa epocha, Pericles, Alcibiades, o proprio
Socrates, o ascendente irresistivel da eloquencia, da graça e da
belleza. Pericles, arrastado pelos seus encantos, repudiou sua primeira
mulher para a desposar. Ella exerceu sobre elle tal ascendente, que
teve a maior parte nos negocios da Grecia, tornando-se um verdadeiro
poder na republica. Dizia-se que as harengas de Pericles eram mais d'uma
vez inspiradas por Aspasia. Accusada d'impiedade ella defendeu a sua
propria causa com uma eloquencia que apesar de grande, não a teria
salvo, se seu esposo não enternecesse os juizes com lagrimas. Essa
mulher illustre deve ser classificada, não como demasiadas vezes o é, na
classe das cortezãs, mas na das _hetairas_, mulheres gregas, dedicadas
ás artes, á poesia, á propria sciencia, e que eram procuradas para os
prazeres do espirito, e de que Aspasia foi um dos typos mais graciosos e
mais perfeitos.

Foi por justo titulo que o nome passou a significar entre os gregos a
mais amavel das mulheres, como Alexandre o maior dos heroes,--e é n'este
sentido que chamamos ainda hoje _Aspasia_ á mulher que reune os dons do
espirito aos encantos da belleza.



LXX

_Babylonia_


Assente sobre o Euphrates e embellezada por Semiramis, a Babylonia
parecia ter sido a cidade mais esplendorosa da antiguidade. As suas
muralhas de cincoenta pés de largura e d'uma altura prodigiosa, as suas
cem portas de bronze, os templos, os palacios, as estatuas d'ouro, e,
sobretudo, os seus jardins suspensos, tornavam-na a rainha das cidades
antigas.

Rival de Jerusalem foi muitas vezes em guerra com o povo judeu que alli
passou setenta annos de captiveiro, durante os quaes um grande numero
_não suspenderam as suas harpas nos salgueiros da margem_, e abandonaram
a religião de seus paes. As Escripturas fallam de Babylonia como de um
foco de corrupção e idolatria; fizeram-na a personificação do mundo
profano, o receptaculo de todos os vicios e de todas as impurezas.
Exasperados pela politica barbara dos babylonios os israelitas
votaram-lhes um odio profundo, e a dissolução dos costumes, de que foram
testemunhas no captiveiro, augmentou áquelle sentimento o do horror e do
desgosto. D'aqui o nome de _grande prostituta_, que elles deram a essa
cidade.

--Hoje, que já não existe a Babylonia, que os viajantes e archeologos
nem mesmo podem encontrar-lhe o local, só o nome sobreviveu, e
applica-se aos grandes centros populosos, como Londres, e, sobretudo,
como Pariz, onde a agglomeração das massas, as riquezas, os progressos
da industria e da civilisação engendram fatalmente a corrupção de
costumes.

--Os protestantes, que pretendem ser os unicos observadores da lettra e
do espirito evangelico, chamam á vida eterna--a _grande Babylonia_.



LXXI

_Incendiar os seus navios_


Esta locução allude ao procedimento de alguns grandes capitães, que a
historia nos representa incendiando os seus navios, que os haviam
conduzido á abordagem nos barcos inimigos, afim de que os marinheiros e
soldados, privados de toda a especie de fuga se vissem na contingencia
de vencerem ou morrerem. Agathocles, tyranno de Syracusa foi o primeiro
que na Costa d'Africa deu o exemplo d'esta resolução arrojada.

O imperador Juliano poz fogo aos seus depositos e aos seus mil e cem
navios, no Tigre, quando fez a sua expedição contra Sapor, um rei da
Persia. Guilherme, o Conquistador, abordando a Inglaterra em 1066,
recorreu ao mesmo expediente, que foi seguido da victoria d'Hastings.
Roberto Guiscard, no perigo eminente em que se achava com a sua pequena
armada deante das forças consideraveis de Alexis Commene, incendiou a
sua frota e as suas bagagens e ganhou a victoria de Durazzo a 13
d'outubro de 1084. Foi d'este modo, emfim, que Fernando Cortez,
desembarcando na costa do Mexico preludiou a conquista d'esta região.

--Esta locução--_incendiar os seus navios_--passou a proverbio e quer
dizer:--interdizer, subtrahir por uma iniciativa arrojada os meios de
volver a uma resolução, de renunciar a uma empreza; pôr-se na
impossibilidade de retroceder.



LXXII

_Os ultimos romanos_


Chama-se geralmente assim aos romanos que, a exemplo de Catão,
conservaram, n'uma sociedade em decadencia, os costumes e a virtude dos
antigos tempos. Mas deu-se mais particularmente este nome a Bruto e a
Cassio, que foram a alma da conspiração que victimou Cezar, e que depois
de terem combatido nas planicies de Philippes contra os inimigos da
liberdade romana, se deram a morte para não sobreviverem á sua perda.

Philopeme, que luctou constantemente pela liberdade hellenica e depois
da morte do qual, a Grecia se viu reduzida a provincia romana, é tambem
chamado--_o ultimo dos gregos_.

--Estas palavras empregam-se, ora séria, ora ironicamente, para
designarem todos quantos conservam a tradicção d'um passado, que são
quasi os unicos a representar.



LXXIII

_Faça cabelleiras, mestre André_


Em 1760 um cabelleireiro francez chamado André, arrojou-se a escrever
uma tragedia em 5 actos, em verso, intitulada--_O terramoto de
Lisboa_--e mandou a peça a Voltaire, que elle chamava _caro confrade_ na
seguinte obra prima epistolar:

  AO ILLUSTRE E CELEBRE POETA
  M.ʳ DE VOLTAIRE

  «_Meu caro confrade._

«É um estudante, noviço na arte da poesia, que se aventura a dedicar-lhe
a sua primeira obra, tendo-o sempre reconhecido por um dos nossos
celebres, pelas pomposas obras que tem dado e dá á luz todos os dias. Eu
julgar-me-hei feliz se quizer lançar um rapido olhar a essa pequena
obra, favorecendo-a com a menor das suas recordações. Faltaria a um
grande dever se não confessasse que o reconheço por meu mestre. Se pela
sua bondade se dignar favorecer-me eu prometto-me que, livre de todo o
receio, publicarei constantemente os seus louvores e testemunharei em
toda a parte, quanto lhe sou devedor por a haver acceitado.

«Sou, M.ʳ e caro confrade, humillissimo e affeiçoado servo

  _André._»

O grande poeta divertiu-se muito com esta singular e comica
confraternidade. E respondeu ao _seu caro confrade_ com uma missiva de
quatro paginas, encerrando apenas estas palavras, cem vezes
repetidas:--«Faça cabelleiras, mestre André; faça cabelleiras, mestre
André.»

Esta espirituosa resposta fez dizer a mestre André que Voltaire
envelhecia, porque começava a repetir-se.

A obra prima de mestre André fez muito ruido, porque em 1805, mais de
quarenta annos depois, um director alegre fez representar a peça _O
terramoto de Lisboa_, n'um pequeno theatro de _boulevard_ e ella obteve
um immenso successo comico, em oitenta representações successivas!

--A phrase--_faça cabelleiras_, tornou-se uma das locuções mais
pittorescas da lingua franceza, com emprego em todas as outras. É uma
traducção espirituosa e comica do _ne sutor ultra crepidam_, dos
latinos.



LXXIV

_Fé do carvoeiro_


Dá-se por origem a esta locução o seguinte conto. O diabo, disfarçado em
eremita, e, segundo outros, em doutor de Sorbonne, entrou um dia na
cabana de um carvoeiro e disse-lhe para o tentar:

--«Tu que crês?»

--«Eu creio o que crê a Santa Egreja».

--«E que crê a Santa Egreja?»

--«Crê o que eu creio.»

E o nosso homem manteve-se n'estas respostas sem d'ellas sahir, e o
espirito maligno foi obrigado a renunciar ao seu projecto, vendo a
inutilidade de todos os seus estratagemas.

Accrescenta um auctor que esse diabo era, por sem duvida, muito novo, e
egualmente dos menos atilados, porque de outro modo elle teria
embaraçado muito o carvoeiro fazendo-lhe a seguinte pergunta:

--«E que crêem, tu e a Santa Egreja?»

--A phrase--_fé do carvoeiro_, designa uma fé simples e ingenua, que crê
sem exame.



LXXV

_Ha juizes em Berlim_


O grande Frederico, rei da Prussia, desejava ampliar o seu parque de
Sans-Souci, mas

     «Na encosta que escolhera o principe por si,
     Tinha o moinho um tal moleiro Sans-Souci;
     Vendedor de farinha, havia por costume
     Ganhar, a dia a dia, o pão sem azedume.
     E seja, emfim, qual fôr o lado d'onde vente
     A vela gira sempre, e elle dorme contente.
     . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
     Um projecto traçou um habil engenheiro,
     Que abrangia o moinho e o seu recinto inteiro.
     Mas ás vistas forçoso era renunciar,
     Ou cortar á extensão e o parque mascarar.
     Das construcções reaes, o intendente geral
     Fez chamar o moleiro e disse-lhe afinal:
     --«Quer-se o moinho teu; vê lá que valor tem.»--
     --«Não tem valor nenhum, que o não vendo a ninguem!
     «Quer-se o moinho, é boa! elle é meu e direi
     «Que, ao menos, tanto como a Prussia é só do rei»--
     --«Vamos, dize afinal--responde e tem cuidado!»--
     --«N'uma palavra?--
                       --«Sim.--
                               --«É meu, está declarado,
     «Já disse, nada mais!»--

                            A recusa atrevida
     Ao principe se conta e é coisa decidida.
     Manda vir á presença o insolito moleiro,
     Promette inutilmente, aperta, é lisongeiro,
     Mas teima Sans-Souci--«Ouvi, Sire, a razão
     Porque vender não posso o moinho em questão.
     Meu avô lá morreu; lá tive um filho ha um mez,
     É o meu Postdam, Senhor. Sou teimoso, talvez;
     Nunca o fostes jámais? Nem mil ducados, não,
     No fim d'esse discurso a mim me tentarão!
     Passae sem elle, Sire, e ninguem mais insista!»

     Soffrem difficilmente os reis quem lhes resista,
     E Frederico acode, o humor arrebatado:
     --«Irra! que estás ao teu moinho bem pegado!
     Ora atéqui tratei d'obtel-o e de pagal-o,
     Mas sabes que, sem paga, eu posso exproprial-o!
     O dono eu sou!»--
                      --«Levar sem paga o moinho, a mim?
     Talvez, _se não houvesse os juizes em Berlim!_»--

     Do capricho o monarcha, ouvindo-o, em si cahia,
     Contente, porque o reino inda em justiça cria;
     E volvendo-se a rir para o seu architecto:
     --«Eu acho que é melhor mudarmos de projecto.
     Visinho guarda a casa, has respondido bem.»--
     . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

--Estas palavras--_ha juizes em Berlim_--que o poeta francez Andrieux
não fez senão citar na encantadora narrativa que vimos de traduzir
incompletamente, porque são historicas, formaram uma locução proverbial
que se emprega em todas as circumstancias analogas, isto é, quando a
força pretende vencer o direito.

Cabe aqui, a proposito do moinho de Sans-Souci um pequeno caso que não
deixa de ser interessante.

O famoso moinho é ainda hoje propriedade do bisneto do obstinado
moleiro. Mas n'essa familia os homens seguem-se e não se parecem.

Assim, o descendente de Sans-Souci, necessitado de dinheiro fez saber ao
descendente de Frederico II, que estava disposto a ceder-lhe o moinho. O
principe respondeu-lhe com esta espirituosa carta:

  «Meu caro _visinho_.

«O moinho não lhe pertence, nem a mim, pertence á historia; é-nos pois,
impossivel, a si, vendel-o, a mim, compral-o. Mas como entre visinhos e
visinhos bons deve haver auxilio, mando-lhe um cheque de 10:000 florins,
que póde receber do thesouro.»



LXXVI

_Judas--Beijo de Judas_


Dois dias antes da Paschoa, Jesus disse aos seus discipulos:--«Chegou o
dia em que o Filho do Homem vae ser entregue para ser crucificado.» E ao
mesmo tempo os principes dos padres e os mais velhos do povo, reunidos
em casa de Caiphaz, concertavam-se sobre os meios de se apoderarem de
Jesus e o fazerem morrer. Mas receiavam excitar qualquer agitação
popular.

Foi então que Judas, um dos apostolos, se chegou e combinou entregar o
seu mestre, mediante trinta dinheiros. De tarde Jesus poz-se á meza com
os seus discipulos e annunciou-lhes que um d'elles o trahiria.--«Serei
eu, Senhor?»--lhe perguntou Judas, e depois da resposta do Salvador,
deixou a meza e foi-se, excitado pelo mau espirito. Em seguida Jesus
sahiu da cidade, seguido dos seus discipulos, e dirigiu-se ao monte das
Oliveiras, a um logar chamado Gethsemani. Logo appareceu Judas
acompanhado d'um grupo de soldados aos quaes tinha dito: «Prendam
aquelle que eu beijar, é elle que procuram.» E approximando-se de
Jesus, beijou-o e disse-lhe:--«Mestre, eu te saudo.» Jesus censurou-lhe
o seu crime com doçura:--«Judas, entregas o Filho do Homem com um
beijo!» E avançou para os soldados que se lançaram a elle e o ligaram.

--O nome de _Judas_ ficou como a personificação do traidor, do homem
profundamente hypocrita, e o _beijo de Judas_, como para designar o acto
pelo qual se pratica a traição. Assim chamar Judas a alguem é
dirigir-lhe a mais pungente das injurias. E comprehende-se que uma tal
comparação seja repellida com indignação.



LXXVII

_Pragas do Egypto_


Moisés acompanhado de seu irmão Aarão, apresentou-se perante Pharaó, que
recusou reconhecer as ordens de Deus. Então Moisés e Aarão feriram
successivamente o paiz com dez flagellos, chamados--_pragas do Egypto_.

     1.º--Agoas transformadas em sangue;
     2.º--O Egypto todo coberto de rãs;
     3.º--Os insectos devoradores;
     4.º--Grandes moscas insupportaveis;
     5.º--Peste;
     6.º--Chagas nos homens e nos animaes;
     7.º--Tempestades de saraiva e trovoadas;
     8.º--Nuvens de gafanhotos;
     9.º--Trevas espessas;
    10.º--Morte de todos os recemnascidos.

O coração endurecido do rei só cedeu a esta ultima praga, a mais
espantosa de todas, e os Hebreus partiram para Ramassés em numero de
seiscentos mil homens, sem contar-se as creanças.

--Quando se falla _das pragas do Egypto_ na linguagem figurada é quasi
sempre á dos gafanhotos que se faz allusão.



LXXVIII

_Não toqueis na rainha_


Os reis d'Hespanha usavam uma regra d'etiqueta exaggerada até á
estupidez. Todo o individuo que tocasse o pé da rainha, fosse qual fosse
a causa, era condemnado á morte e executado immediatamente.

A joven rainha, esposa de Carlos II, montou um dia a cavallo para um
passeio com as suas damas e os seus cortezãos. A breve trecho o cavallo
espanta-se e expelle-a, mas por fórma que o pé da princeza ficou preso
ao estribo e o furioso animal se poz a arrastal-a. Uma immensa multidão
assistia a este triste espectaculo, mas ninguem ousava soccorrel-a por
causa da etiqueta. Ia, de certo, ser victima d'esse terrivel accidente,
quando dois jovens officiaes francezes, que alli se achavam por acaso,
resolveram salval-a. Lançam-se impavidamente, e em quanto que um
suspende o cavallo pelo freio, o outro consegue desligar o pé da rainha,
que, afinal, apenas soffreu o susto e algumas contusões.

Elles fugiram logo, e era tempo, porque iam ser presos, e Deus sabe o
que faria a etiqueta! No dia seguinte a rainha, muito molestada foi
obrigada a deixar os seus aposentos, para fallar ao rei, de quem
conseguiu a graça dos seus salvadores, mas com a condição de que
deixariam a Hespanha immediatamente.

De resto era egualmente perigoso tocar no rei, fóra das severas leis da
etiqueta. Eis a este respeito um facto que difficilmente se poderia crer
se não fosse historico.

Estando doente Filippe III achava-se sentado n'um _fauteuil_, muito
junto da chaminé do fogão, aonde acabava de accender-se o lume, e aonde
se havia depositado uma certa quantidade de material combustivel. O
calor tornou-se, em breve, intoleravel e o rei disse aos cortezãos para
retirarem algumas achas; mas como o duque accendedor-mór não estava
presente, e só elle tinha o direito de bulir no lume da real camara,
nenhum dos assistentes ousou commetter tão grande infracção da etiqueta.
Por outro lado, ninguem podia tocar no _fauteuil_ do rei a não ser o
camareiro-mór, que egualmente estava ausente, e, emfim, era prohibido
sob pena de morte, tocar na sagrada pessoa de sua magestade, de que
resultou deixarem os cortezãos tranquillamente assar o rei, embora
lamentando-se por tão triste sorte. Quando os dois funccionarios
chegaram já era tarde: o rei estava moribundo e pouco sobreviveu a este
cruel supplicio!



LXXIX

_O ovo de Colombo_


A 15 de Março de 1493, Christovam Colombo, que vinha de fazer uma das
mais admiraveis descobertas de que se honra o espirito humano, aportava
a Palos, de onde tinha partido sete mezes e meio antes. Foi recebido
com grande enthusiasmo. Os sinos repicaram, os magistrados seguidos de
todos os habitantes desceram á praia a recebel-o. O trajecto até á côrte
foi um triumpho continuo; de toda a parte se corria para vêr o homem que
tinha terminado, tão felizmente, uma empreza que toda a gente julgára
impossivel. Toda a cidade foi ao seu encontro. Elle ia no meio dos
indios que trouxera comsigo na sua entrada em Barcellona, e que
conservaram o costume do seu paiz. Uma multidão de objectos
desconhecidos e cuja vista dominava vivamente os espiritos eram
conduzidos na vanguarda em corbeilles e bandejas descobertas. Elle
avançou assim no meio d'um concurso immenso até ao palacio dos reis
d'Hespanha. Fernando e Isabel esperavam-no sentados no throno. Quando
elle appareceu, no meio do seu cortejo, levantaram-se. Colombo
lançou-se-lhes aos pés, mas elles ordenaram-lhe que se sentasse. O
illustre navegador narrou-lhes a viagem e descobertas que fez. Em
seguida apresentou-lhes os indios que o acompanhavam e os objectos
preciosos que havia trazido. Toda a gente se poz de joelhos, e cantou-se
na propria sala do throno um cantico em acção de graças. Fernando
confirmou a Colombo todos os seus privilegios, e permittiu-lhe juntar ao
seu brazão, as armas da sua familia, as do reino de Castella e Leão, com
os emblemas das suas dignidades e das suas descobertas. Todos os seus
parentes foram cumulados de provas da munificencia real.

Com tão grandes honras Christovam Colombo podia julgar-se ao abrigo dos
golpes subitos da fortuna. E, comtudo, nunca um homem os sentiu d'um
modo mais terrivel e mais cruel!

Iam mal passados ainda os primeiros transportes do enthusiasmo e já a
maldade e a inveja haviam começado a erguer a cabeça. Procuraram por
meio de perfidas insinuações entibiar o merito d'essa immortal
descoberta.--«Dado o primeiro passo, o novo mundo viera a elle d'algum
modo; o seu genio consistia apenas n'uma longa, mas trivial paciencia;
em uma palavra, para descobrir a America, _não tinha sido preciso pensar
n'isso_ ...» Tal era já a ousadia dos detractores, que faziam circular
estes propositos, um dia, á meza d'um grande d'Hespanha para que fôra
convidado Colombo.

O grande homem permaneceu silencioso durante toda a discussão; mas n'um
dado momento e depois de haver reflectido, fez vir um ovo e
apresentando-o aos nobres convivas, disse-lhes:

--«Qual de vós, senhores, se sente capaz de fazer com que este ovo se
sustente ao alto, por uma das extremidades?»

O ovo começou a circular, passando de mão para mão, até que voltou a
Colombo, sem que qualquer dos presentes houvesse resolvido o problema.
Elle, então, tomou-o, bateu-o levemente no prato e o ovo ficou em
equilibrio. Cada qual exclamou:

--«Isso não era difficil!

--«Sem duvida--replicou Colombo com um sorriso ironico--comtudo _era
preciso pensal-o!_»

--O _ovo de Christovam Colombo_ passou a uma especie de proverbio, a que
se allude a proposito d'uma coisa que se não póde fazer, e que se
encontra facil, depois de feita.



LXXX

_Waterloo_


Napoleão, depois de ter fundado um imperio mais vasto e mais poderoso
que o de Carlos Magno; depois de ter visto a Europa inteira tremer com a
sua presença e submetter-se a todas as suas vontades, emprehendeu a
funesta campanha da Russia, em que o exercito mais formidavel foi
vencido, não pelos homens, mas pelos elementos e pelo rigor do clima.

Essa longa jornada da Russia foi realmente o termo da brilhante fortuna
que collocou Napoleão, como o primeiro dos mais illustres
conquistadores; mas como ella relembra ao espirito uma série multipla
de desastres, o seu nome, por muito funesto que pareça, não podia ser
escolhido para designar uma ruina subita, um esboroamento rapido. Foi a
derrota de Waterloo, que recebeu esta consagração.

Depois de se ter visto forçado a abdicar em Fontainebleau, depois de ter
mudado o seu poderoso imperio pela soberania irrisoria d'uma ilha, em
que apenas contava alguns milhares de subditos, Napoleão, por uma
d'essas inspirações repentinas, que constituiam o caracter particular do
seu genio, escapou-se á vigilancia de que era objecto, desembarcou em
Cannes, e marchou sobre Pariz sem encontrar resistencia. Os Bourbons,
dominados pelo terror, abandonam a França, e Napoleão entra como senhor
nas Tulherias, d'onde, durante dez annos, dera a lei á Europa.

Mas este successo admiravel não tinha solidez. A coalisão da Europa não
estava dissolvida, e ia reformar-se, mais potente que nunca, e a França,
exangue d'homens e de recursos, fatigada d'essas guerras interminaveis,
que arruinavam o commercio e a industria, não ia oppor uma resistencia
sem impeto, quasi passiva, e que facilmente seria vencida.

No entretanto, Napoleão desenvolve ainda uma vez a energia, a decisão,
que fulminaram tantos inimigos; mas os seus officiaes parecem ter
perdido o vigor d'outr'ora.

Em Waterloo, comquanto não tenha mais que quinze mil combatentes a oppor
a forças duplas das suas, a habilidade das suas disposições parece a
principio fazer pender a victoria para o seu lado; mas o general
prussiano Blucher, que Grouchy não póde, não sabe, ou não quer deter,
chega com as suas forças frescas, faz mudar a face ao combatente, e o
exercito francez, o ultimo exercito de Napoleão, é esmagado.

D'esta vez a fortuna do Cezar moderno estava despedaçada para sempre, e
os derradeiros exforços que pôde desenvolver ainda, serviram apenas para
lançarem algum brilho sobre os ultimos momentos d'esse astro, outr'ora
tão brilhante.

--A palavra _Waterloo_ emprega-se muito para designar a ruina completa e
fatal d'uma coisa, que foi grande e que, por muito, parecia ser
estavel.



LXXXI

_Templo de Jano_


O famoso templo de Jano, que foi fundado em Roma por Numa, estava aberto
durante a guerra e fechado no periodo da paz. Jano, o mais antigo rei
d'Italia, ácerca do qual os mythologos teem dificuldade em se
entenderem, passava por ter tido um reinado longo e tranquillo, o que o
fizera considerar como o deus da paz e o tinha posto em grande honra
para Numa, o rei mais sabio que teve Roma.

Durante um periodo de quasi mil annos, o templo de Jano só foi fechado
oito vezes: a primeira no reinado de Numa; a segunda, no anno 519, de
Roma, depois da primeira guerra punica; a terceira, no anno 723, depois
da batalha d'Actium; a quarta, no anno 730, depois da guerra cantabrica;
a quinta, no anno 740, apoz a pacificação da Germania; a sexta, no anno
824, por Vespasiano, depois da conquista da Judeia; a setima, no anno
834, por Domiciano, em seguida á guerra dos Dacios, e a ultima, no anno
994, por Gordio III, vencedor dos persas.

É esta a ultima menção que a historia faz d'esta cerimonia. Virgilio, no
livro VII da _Eneida_, fez a descripção do templo de Jano e do
cerimonial que presidiu á sua abertura.

--É por allusão a este templo, que se diz no estylo oratorio, e,
sobretudo, em poesia--_abrir o templo de Jano_--para fazer guerra,
começal-a, declaral-a, e--_fechar o templo de Jano_--para conclusão do
tratado de paz, e pôr fim ás hostilidades.



LXXXII

_Estatua de Nabuchodonosor_


Nabuchodonosor II, cognominado o _Grande_, rei da Babylonia, tivera um
sonho espantoso, mas de que ao despertar se não lembrava absolutamente
nada. Nenhum dos magos da côrte pôde avivar-lhe a visão. O joven Daniel,
então captivo na Babylonia, foi mandado vir á presença do rei e
disse-lhe:

--«Eis o que viste, rei:--Havia uma estatua immensa, cuja cabeça era
d'ouro, o peito e os braços de prata, o ventre e as côxas de bronze, as
pernas de ferro e os pés de barro. De repente deslocou-se por si uma
pedra da montanha, e indo ferir os pés da estatua, fel-a pedaços. Então
os quatro metaes quebrados tornaram-se como o pó, que enche a
athmosphera, no verão, e tendo-se levantado um grande vento, tudo levou.
Mas a pedra que despedaçára a estatua tornou-se uma montanha immensa,
que encheu toda a terra. Eis o teu sonho, ó rei, e agora a sua
interpretação:--Tu és o rei dos reis; és tu, pois, a cabeça de ouro.
Ha-de haver depois de ti um reino menor que o teu, que será de prata,
depois um terceiro de bronze, que mandará em toda a terra. O quarto
reino reduzirá tudo a pó como o ferro quebra tudo, mas assim como a
estatua, de pés de barro, elle se dividirá por sua vez. Então Deus
suscitará um reino para sempre eterno, que derribará e destruirá todos
os reinos, como a pedra deslocada da montanha partiu a estatua e lançou
ao vento o seu pó.»

Era a imagem dos quatro grandes imperios d'Assyria, da Persia, da
Macedonia e de Roma, que, destruindo-se successivamente uns aos outros,
deviam todos ser absorvidos por um imperio immenso e immortal, o de
Jesus Christo n'este mundo.

--No estylo elevado faz-se muitas vezes allusão ao colosso de
Nabuchodonosor, quando se quer exprimir que ha liga nas coisas,
apparentemente mais puras, que os genios mais sublimes se prendem por
qualquer ponto fraco aos lados vulgares da humanidade, que o poder que
parece mais solidamente estabelecido não tem muitas vezes senão uma base
fragil, que a circumstancia mais imprevista póde fazer cahir.

Assim, por exemplo, um escriptor contemporaneo, fallando da guerra de
1809, que foi a origem de todas as desgraças de Napoleão, diz:

--«Foi na outra extremidade do continente, foi em Portugal que se fez
sentir o primeiro estalido, e que se percebeu de repente que a _estatua
colossal tinha um pé de barro_.»



LXXXIII

_Sepulchros do Evangelho_


No capitulo XXIII do Evangelho, segundo S. Matheus, Jesus Christo
levanta-se contra os impostores e hypocritas, com uma força d'expressão,
uma vehemencia de linguagem, que espantam, n'aquella bocca divina,
habituada a só fazer ouvir palavras de mansidão e de caridade. Elle não
reprehendeu nenhum vicio com tanta energia, e quando nos lembramos da
sua celeste indulgencia para com a mulher adultera, admiramo-nos do
anathema terrivel que dardeja aos scribas e phariseus. É que nas
inspirações da sua sublime natureza Jesus Christo bebia a certeza de que
a hypocrisia é capaz de todos os crimes, que ella os contem todos em
germen.

       *       *       *       *       *

«Desgraça a vós! scribas e phariseus hypocritas, que purificaes o
exterior da taça e do vaso, em quanto que por dentro sois cheios de
rapinas e de maculas!»

«Phariseus cegos, purificae primeiro o interior da taça e do vaso, afim
de que o exterior seja puro tambem!»

«Desgraça a vós! scribas e phariseus hypocritas, porque sois semelhantes
a _sepulchros caiados_, que, por fóra parecem bellos aos homens, mas por
dentro são cheios d'ossos e podridão!»

       *       *       *       *       *

--A applicação d'esta phrase _sepulchros caiados_, ou a
equivalente--_sepulchros do Evangelho_--sobresáe claramente do texto que
citamos, quando se dirige ás pessoas; quanto ás coisas, caracterisa tudo
quanto tem mais apparencia de brilho, que fundo e realidade.



LXXXIV

_Isso que prova?_


Não temos a pretensão de exprimir uma verdade muito nova, dizendo que as
mathematicas não são irmãs da poesia, embora Urania seja uma das nove
Musas. E se não era mathematico, era digno de sel-o, aquelle que
interrogado ácerca do effeito que lhe produzia a audição d'uma opera,
respondeu:

--«O mesmo que o d'um sacco cheio de pregos, agitado vigorosamente.»

O mathematico habituado a medir tudo a regua e compasso, a tirar
deducções por meio de raciocinios evidentes, fica quasi sempre
insensivel ás bellezas da harmonia e do sentimento.

Um geometra assistia a uma representação da _Phedra_, e em quanto que
todos os outros espectadores derramavam lagrimas, commovidos por essa
magnifica poesia, que mostra em scena

    «. . . . . . essa dor virtuosa»
    «De Phedra, a pezar seu, perfida, incestuosa»

elle ficava frio, impassivel e contentava-se em dizer nas passagens mais
patheticas:

--«Isso que prova?»

O astronomo francez Villemont, menos exclusivo, nunca deixava de dizer
d'um fragmento de poesia que lhe causasse prazer:

--«É bello como uma equação!»

Era para elle o superlativo da admiração.



LXXXV

_Manná_


Quando os hebreus chegaram ao deserto e viram as provisões esgotadas,
começaram a murmurar contra Moisés, dizendo:--«Conduzistes-nos a este
logar para nos fazerdes morrer de fome?»--Moisés respondeu-lhes da parte
do Senhor:--«Esta tarde comereis carne, e amanhã estareis saciados de
pão.»--Com effeito, de tarde uma enorme quantidade de rôlas veio pousar
sobre o campo, e no dia seguinte, pela manhã, um orvalho matutino cobria
toda a planicie. Era uma especie de pó branco que tinha o gôsto da mais
fina farinha misturada com mel.

Este alimento chamava-se _manná_. Os hebreus deviam apanhal-o em cada
manhã e antes do nascimento do sol, e só em quantidade necessaria para o
dia, excepto na vespera do _sabbat_ em que deviam tambem recolhel-o para
o dia seguinte. Alguns deixando-o de um para o outro dia encontravam-no
corrompido.

Ora os filhos d'Israel nutriram-se d'este orvalho celeste durante os
quarenta annos que viveram no deserto, até á sua entrada na terra da
promissão.

--Comprehende-se que--_manná_--ou--_é um manná_--se não póde applicar
senão n'um sentido metaphorico, como por exemplo:

--A verdade _é um manná_ divino, com que se deve sustentar o espirito e
o coração.



LXXXVI

_Annel de Gyges_


Gyges era um moço pastor da Lydia. Um dia vendo entreabrir-se a terra,
desceu pela abertura, e viu, entre outras maravilhas um cavallo de
bronze, completamente ôcco, com portas nas ancas. Abriu-as e encontrou
um cadaver de grandeza mais que humana, tendo em um dedo um annel
d'ouro. Esse annel, desde que se voltava o engaste para o lado interior
da mão, tinha o poder de tornar invisiveis aquelles que o usassem. Gyges
apoderou-se d'esse precioso talisman e dirigiu-se á côrte, aonde o annel
foi a origem d'uma brilhante fortuna, porque o possuidor não tardou a
tornar-se favorito e primeiro ministro.

--Não são raras as circumstancias em que cada qual desejaria ter no dedo
o annel de Gyges. Qual é o que nunca se viu collocado n'alguma d'essas
situações criticas, que fazem desejar, como vulgarmente se diz, «estar a
cem braças pela terra dentro»? Por outro lado, que não daria a gente, em
determinadas occasiões, para se encontrar invisivel, em certos logares,
em que se debatem os nossos mais caros interesses, e o nosso destino?

D'aqui a frequente applicação que se faz do _annel de Gyges_, em
litteratura e na conversação.

O espirituoso Alphonse Karr quiz ver no annel de Gyges uma allegoria que
explicou a seu modo n'estes versos:

    «Quem de Gyges o annel, conta, maravilhoso
    «Nos casos falsos, ou na pura phantasia,
    «--Agora o sei--a si se engana em demasia,
    «Porque o frisante exemplo é grande, é numeroso.
    «Se sois feio e sois mau, sem genio e já d'idade
    «Ponde, á noite um annel, no vosso indicador,
    «Com um brilhante que tenha um subido valor,
    «E vereis como faz a sua claridade,
    «Sob os raios da luz, em ponto bem escolhido,
    «Dar-vos genio e belleza, e juventude, e encanto.
    «Se sois mau e imbecil, elle vos faz um santo,
    «Dizei quanto quereis, que já sois applaudido!»



LXXXVII

_Honni soit qui mal y pense_


Divisa da ordem da Jarreteira, instituida em Inglaterra em 1340 por
Eduardo III. Em um baile da côrte que elle dava em honra da condessa de
Salisbury, sua favorita, esta deixou cahir, dançando, uma liga, que era
azul. O rei apressou-se a apanhal-a, e expoz assim a formosa condessa
aos sorrisos malignos e aos maus propositos dos convidados.

--«Senhores--exclamou Eduardo III--_honni soit qui mal y pense_. Os que
riem agora hão-de honrar-se um dia por usarem um objecto semelhante,
porque a liga será posta em tanta honra que até os mais zombadores a
procurarão com avidez!»

E no dia immediato instituia a Ordem da Jarreteira, que é uma das mais
célebres da Europa.

A principal insignia consiste n'uma liga de velludo azul, que se aperta
por cima do joelho esquerdo com uma fivela de ouro, sobre a qual se lê:
_Honni soit qui mal y pense!_--Maldito seja quem d'isto mal pensar.

A rainha usa-a no braço. Só os principes soberanos ou as pessoas d'alta
distincção podem ser membros da Ordem. O numero dos primeiros é
illimitado, mas os outros não podem ser mais de vinte e seis.

--A famosa divisa tornou-se proverbial e emprega-se para fazer
comprehender que se affronta a opinião, n'uma circumstancia sujeita a má
interpretação, d'equivoca apparencia.



LXXXVIII

_Mal com el-rei pelos homens e mal com os homens por el-rei_


Esta phrase, que bem exprime as apertadas circumstancias em que o homem
tantissimas vezes se encontra, de não poder, de modo algum, satisfazer e
contentar a todos, é do grande Affonso d'Albuquerque.

Avisado elle de que el-rei D. Manoel lhe ordenava o regresso ao reino,
fazendo-o substituir no governo da India por Lopo Soares, com o qual
seguiam Diogo Pereira e Diogo Mendes, um como secretario e outro como
capitão de Cochim, e ambos de lá enviados a Portugal sob prisão pelo
valente governador, por delictos graves, exclamou:

--Mal com el-rei pelos homens e mal com os homens por amor de el-rei.

A phrazeologia popular formulou o mesmo pensamento de um modo, se não
tão primoroso, pelo menos egualmente expressivo, quando disse:

--Preso por ter cão, preso por não o ter.

Vê-se claramente qual o emprego da locução do grande capitão, e não é
difficil nem raro que cada um tenha varias occasiões, infelizmente, de
applical-a a si proprio.



LXXXIX

_Bandeira da Misericordia_


D'antes, por um privilegio, fundado, decerto, n'um principio caritativo,
as irmandades da Misericordia eram obrigadas--e no Estatuto d'algumas se
acha consignada esta obrigação--a acompanhar com a respectiva bandeira,
os condemnados a pena ultima, desde o carcere ao local do supplicio.

Alli, tanto que a victima era executada cobria-a immediatamente essa
bandeira, o que equivalia a tomar a Misericordia conta do cadaver, a
fim de prevenir ou evitar profanações no corpo, por parte dos populares,
arrastados, muitas vezes, a scenas bem pouco edificantes, pela excitação
de odios e de paixões violentas e desordenadas.

Quando acontecia que a corda se quebrava--no supplicio da forca--e o
paciente cahia com vida, desde que a bandeira o cobrisse, estava salvo.

Nas ultimas execuções d'este genero, realisadas em Vizeu, no largo de
Santa Christina, no tempo das luctas do absolutismo, aconteceu que um
dos pacientes, graças a um convenio com o carrasco, cahiu com vida e foi
coberto com a bandeira da Misericordia.

Uma mulher, porém, que ainda morreu ha poucos mezes, e que tinha a
triste e original mania de assistir a todos os actos lugubres e a todas
as scenas mais contristadoras, por um assomo de curiosidade feminina foi
levantar uma ponta da bandeira. O desgraçado, que se fingia morto,
imaginando que era algum dos que conhecia o convenio para a sua
salvação, abriu os olhos, e tanto bastou para que a original mulher
começasse a gritar que elle estava ainda vivo.

A populaça desenfreada cahiu sobre o infeliz e cevou as suas iras.

D'esta vez a bandeira não valeu.

--Do privilegio d'esse estandarte nasceu a locução de--_bandeira da
Misericordia_,--d'um grandissimo emprego, sobretudo, na conversação
familiar, servindo para designar toda a intervenção caritativa para a
suspensão ou allivio d'uma pena ou d'um castigo.

       *       *       *       *       *

A critica poderá encontrar motivo para exercer-se, no delineamento e
execução d'esta despretenciosa obra, mas a benevolencia será a _bandeira
da Misericordia_, que ha-de abrandar a dureza das apreciações.



INDICE


                                                            PAG.

  DO AUCTOR   .  .  .  .  .  .  .  .  .  .  .  .  .  .  .      7
         I--Amanhã os negocios sérios    .  .  .  .  .  .      9
        II--Alexandre        .  .  .  .  .  .  .  .  .  .     11
       III--Audacia, ainda audacia e sempre audacia     .     19
        IV--Delicias de Capua      .  .  .  .  .  .  .  .     21
         V--Disse eu alguma tolice?   .  .  .  .  .  .  .     23
        VI--Arca de Noé      .  .  .  .  .  .  .  .  .  .     24
       VII--Queimar não é responder      .  .  .  .  .  .     25
      VIII--Caim, que fizeste de teu irmão?    .  .  .  .     26
        IX--Do Capitolio á rocha Tarpeia só ha
             um passo           .  .  .  .  .  .  .  .  .     27
         X--Catão      .  .  .  .  .  .  .  .  .  .  .  .     29
        XI--Cezar      .  .  .  .  .  .  .  .  .  .  .  .     30
       XII--Estava escripto     .  .  .  .  .  .  .  .  .     40
      XIII--Conhece-te a ti proprio      .  .  .  .  .  .     41
       XIV--As joias de Cornelia      .  .  .  .  .  .  .     42
        XV--Cresus        .  .  .  .  .  .  .  .  .  .  .     43
       XVI--Dôr, tu não és um mal     .  .  .  .  .  .  .     44
      XVII--Egéria        .  .  .  .  .  .  .  .  .  .  .     46
     XVIII--Mais uma victoria como esta e estamos
             perdidos        .  .  .  .  .  .  .  .  .  .     47
       XIX--Espada de Damocles        .  .  .  .  .  .  .     49
        XX--O prato de lentilhas      .  .  .  .  .  .  .     51
       XXI--E eu tambem sou pintor!      .  .  .  .  .  .     52
      XXII--Estrella dos Reis Magos      .  .  .  .  .  .     53
     XXIII--E, comtudo, ella gira!       .  .  .  .  .  .     54
      XXIV--Virtude, não és mais que um nome      .  .  .     56
       XXV--Festim de Balthazar       .  .  .  .  .  .  .     57
      XXVI--Forcas caudinas        .  .  .  .  .  .  .  .     59
     XXVII--Irmão é preciso morrer       .  .  .  .  .  .     61
    XXVIII--Cahir com graça        .  .  .  .  .  .  .  .     62
      XXIX--Hippocrates diz sim, Galiano diz não     .  .     63
       XXX--É muito tarde       .  .  .  .  .  .  .  .  .     64
      XXXI--Não ha grande homem para o seu creado
             de quarto          .  .  .  .  .  .  .  .  .     66
     XXXII--Cantam, elles pagarão     .  .  .  .  .  .  .     67
    XXXIII--Perdi o meu dia     .  .  .  .  .  .  .  .  .     68
     XXXIV--Amo Platão, mas amo mais a verdade    .  .  .     69
      XXXV--Achei!--Eureka!     .  .  .  .  .  .  .  .  .     70
     XXXVI--Eu desejaria não saber escrever    .  .  .  .     72
    XXXVII--Linguas d'Esopo     .  .  .  .  .  .  .  .  .     73
   XXXVIII--Lanterna de Diogenes      .  .  .  .  .  .  .     75
     XXXIX--O mestre o disse       .  .  .  .  .  .  .  .     76
        XL--O rei é morto, vive o rei!      .  .  .  .  .     77
       XLI--O estado sou eu!       .  .  .  .  .  .  .  .     78
      XLII--Alavanca d'Archimedes        .  .  .  .  .  .     79
     XLIII--Magdalena           .  .  .  .  .  .  .  .  .     80
      XLIV--Casa de Socrates       .  .  .  .  .  .  .  .     81
       XLV--Desgraça aos vencidos!    .  .  .  .  .  .  .     83
      XLVI--Manto de Joseph        .  .  .  .  .  .  .  .     84
     XLVII--Mario sobre as ruinas de Carthago     .  .  .     85
    XLVIII--Subir ao Capitolio        .  .  .  .  .  .  .     86
      XLIX--Onde não ha el-rei o perde      .  .  .  .  .     88
         L--Onde se vae aninhar a virtude?     .  .  .  .     89
        LI--Perdoae-lhes, meu Pae, não sabem o
              que fazem         .  .  .  .  .  .  .  .  .     90
       LII--Lavar as mãos como Pilatos      .  .  .  .  .     91
      LIII--O que não peccou, atire a primeira pedra          93
       LIV--Tres linhas escriptas e eu farei enforcar
              quem as escreveu           .  .  .  .  .  .     94
        LV--Quem te fez conde? Quem te fez rei?      .  .     96
       LVI--A Cezar o que é de Cezar a Deus o
              que é de Deus        .  .  .  .  .  .  .  .     97
      LVII--Salto de Leucade    .  .  .  .  .  .  .  .  .     99
     LVIII--Se é possivel, está feito; se é impossivel
               se fará          .  .  .  .  .  .  .  .  .    100
       LIX--Terra promettida    .  .  .  .  .  .  .  .  .    102
        LX--Thebaida         .  .  .  .  .  .  .  .  .  .    103
       LXI--Desça o panno acabou a comedia!    .  .  .  .    105
      LXII--Tudo é perdido, menos a honra      .  .  .  .    106
     LXIII--Trombetas de Jericó       .  .  .  .  .  .  .    108
      LXIV--A tunica de Christo       .  .  .  .  .  .  .    109
       LXV--Um imperador deve morrer em pé     .  .  .  .    110
      LXVI--Vendilhões expulsos do templo      .  .  .  .    111
     LXVII--Gritar no deserto         .  .  .  .  .  .  .    112
    LXVIII--Zoilo         .  .  .  .  .  .  .  .  .  .  .    113
      LXIX--Aspasia       .  .  .  .  .  .  .  .  .  .  .    114
       LXX--Babylonia     .  .  .  .  .  .  .  .  .  .  .    116
      LXXI--Incendiar os seus navios     .  .  .  .  .  .    117
     LXXII--Os ultimos romanos        .  .  .  .  .  .  .    119
    LXXIII--Faça cabelleiras, mestre André     .  .  .  .    120
     LXXIV--Fé do carvoeiro           .  .  .  .  .  .  .    122
      LXXV--Ha juizes em Berlim       .  .  .  .  .  .  .    123
     LXXVI--Judas--Beijo de Judas     .  .  .  .  .  .  .    126
    LXXVII--Pragas do Egypto       .  .  .  .  .  .  .  .    127
   LXXVIII--Não toqueis na rainha     .  .  .  .  .  .  .    128
     LXXIX--O ovo de Colombo          .  .  .  .  .  .  .    130
      LXXX--Waterloo      .  .  .  .  .  .  .  .  .  .  .    133
     LXXXI--Templo de Jano      .  .  .  .  .  .  .  .  .    136
    LXXXII--Estatua de Nabuchodonosor       .  .  .  .  .    137
   LXXXIII--Sepulchros do Evangelho      .  .  .  .  .  .    139
    LXXXIV--Isso que prova?        .  .  .  .  .  .  .  .    141
     LXXXV--Manná         .  .  .  .  .  .  .  .  .  .  .    142
    LXXXVI--Annel de Gyges      .  .  .  .  .  .  .  .  .    144
   LXXXVII--Honni soit qui mal y pense      .  .  .  .  .    146
  LXXXVIII--Mal com el-rei pelos homens e mal
              com os homens por el-rei      .  .  .  .  .    147
    LXXXIX--Bandeira da Misericordia     .  .  .  .  .  .    148



=Biblioteca do Lar=

  =Henry Ardel=

  Um conto azul
  Caminho em declive
  Fogo mal extinto
  É preciso casar o João!
  A alvorada
  Uma aventura imprudente
  A divina canção
  A noite desce
  Eva e a serpente

  =B. Jeanroy=

  Dois corações

  =M. La Bruyére=

  Flor de Lis

  =M. Damad=

  A enteada

  =Jean Thiéry=

  O canto do cuco
  O romance dum solteirão
  Corações magoados
  Vítimas

  =António Zozaya=

  As auroras
  Almas de mulheres

  =Georges de Peyrebrune=

  Dona Quixota

  =Alberto Insúa=

  Coração ludibriado

  =Claude Saint-Jean=

  O castelo dos noivos

  =Palácio Valdés=

  A alegria do capitão Ribot

  =Jean Rameau=

  Romance da Felicidade

  =Pierre de Coulevain=

  A ilha desconhecida
  No coração da vida

  =Mary Floran=

  Se êle soubera

  =Eduardo Noronha=

  As mulheres de Pernambuco

=Cada volume broch. 6$00--Enc. 10$00=


=Colecção de Hoje=

  =Alberto Insúa=

  O preto que tinha a alma branca
  A mulher que precisa de amor
  A mulher que esgotou o amor
  O inimigo do matrimónio
  O prazer do perigo
  Mulheres histéricas
  O amor em dois tempos
  O amante invisível
  Fumo, dor, prazer
  A mulher, o toureiro e o touro
  As flechas do amor
  A paixão impossivel

  =Clément Vautél=

  Minha mulher não quer filhos
  O amor à parisiense
  A reabertura do paraíso terrestre
  O senhor Mezigue
  Sua reverendíssima entre os ricos
  Sua reverendíssima entre os pobres

  =Pierre Benoit=

  O poço de Jacob
  A calçada dos gigantes
  Mademoiselle de la Ferté
  O lago salgado

  =Palácio Valdés=

  Os majos de Cádiz
  Marta e Maria
  Riverita
  Maximina
  A Irmã S. Sulpício
  A valenciana

  =A. Hernandez Catá=

  Os sete pecados
  O bebedor de lágrimas

  =José Francés=

  O filho da noite
  A mulher de ninguém

  =Fernandez Florez=

  As sete colunas
  O segredo do Barba Azul

  =Pedro Mata=

  Um grito na noite
  Corações sem rumo

  =Alfio Berreta=

  A morte do sonho

  =Tomás Borrás=

  A mulher de sal
  A parede de teia de aranha

=Cada volume broch. 6$00--Enc. 10$00=





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