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Title: Parnaso portuguez moderno : precedido de um estudo da poesia moderna portugueza
Author: Teófilo, Braga
Language: Portuguese
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*** Start of this LibraryBlog Digital Book "Parnaso portuguez moderno : precedido de um estudo da poesia moderna portugueza" ***
MODERNO ***



                             TEÓFILO BRAGA

                       PARNASO PORTUGUÊS MODERNO

                       GUIMARÃES & C.ª--EDITORES

           R. da Misericórdia (Ex. R. do Mundo), 68--LISBOA

                       PARNASO PORTUGUEZ MODERNO

                  OBRAS COMPLETAS DE THEOPHILO BRAGA

                              1864--1877

             {Visão dos Tempos, 1 vol.
             {Tempestades Sonoras, 1 vol.
Poesia       {Ondina do Lago, 1 vol.
             {Torrentes, 1 vol.
             {Folhas Verdes, (Versos dos 15 annos) 1 vol.

             {Historia da Poesia popular portugueza, 1 vol.
             {Cancioneiro popular, 1 vol.
Tradições    {Romanceiro geral, 1 vol.
             {Cantos populares do Archipelago açoriano, 1 vol.
             {Floresta de Romances com forma litteraria, 1 vol.

             {Introducção á Historia da Litteratura portugueza, 1 vol.
             {As Epopêas mosarabes, 1 vol.
             {Trovadores gallecio-portuguezes, 1 vol.
             {O Amadis de Gaula, 1 vol.
             {Os Poetas palacianos, 1 vol.
             {Bernardim Ribeiro e os Bucolistas, 1 vol.
Historia     {Vida de Sá de Miranda, 1 vol.
da           {Vida de Camões, 1 vol.
Litteratura  {Eschola de Camões==Os Lyricos, 1 vol.
portugueza   {Eschola de Camões==Os Epicos, 1 vol.
             {Vida de Gil Vicente, 1 vol.
             {A Tragedia classica e as Tragicomedias, 1 vol.
             {A Baixa-Comedia e a Opera, 1 vol.
             {Garrett e os Dramas romanticos, 1 vol.
             {Bocage, sua Vida e Epoca litteraria, 1 vol.
             {Historia do Romantismo (_no prélo_), 1 vol.

             {Grammatica portugueza fundada sobre o methodo hist.
             {  comparativo, 1 vol.
Pedagogia    {Manual da Historia da Litteratura portugueza, 1 vol.
             {Antologia portugueza, e Poetica historica, 1 vol.
             {Parnaso portuguez moderno, 1 vol.

             {Historia do Direito portuguez (Dissertação do
             { doutoramento, em 1868.) 1 vol.
             {Caracteristicas dos Actos Commerciaes (Dissertação do
             { Concurso na Academia polytechnica do Porto, 1868.) brox.
Dissertações {Espirito do Direito Civil moderno (Dissertação do Concurso
             { na Faculdade de Direito, na Universidade, em 1871) brox.
             {Theoria da Historia da Litteratura portugueza (Dissertação
             { do Concurso no Curso Superior de Lettras, em 1872) 1 vol.

             {Estudos da Edade Media, 1 vol.
Ensaios      {Poesia do Direito, 1 vol.
             {Contos phantasticos, 1 vol.

             {Obras de Christovam Falcão, 1 vol.
             {Obras completas de Camões, 3 vol.
             {Gaia de João Vaz, 1 fol.
Edições      {Obras poeticas de Bocage, 7 vol.
criticas     {Cancioneiro portuguez do Vaticano, (_no prélo_) 1 vol.
             {Obras primas de Chateaubriand, 1 vol.
             {Obras escolhidas de Balzac.



                       PARNASO PORTUGUEZ MODERNO

                        PRECEDIDO DE UM ESTUDO

                                  DA

                       POESIA MODERNA PORTUGUEZA

                                  POR

                            THEOPHILO BRAGA

    Professor de Litteraturas modernas no Curso Superior de Lettras

                                LISBOA

                   FRANCISCO ARTHUR DA SILVA--EDITOR

                      72, Rua dos Douradores, 72

                                 1877

  A propriedade d'esta edição em Portugal pertence a Francisco Arthur
 da Silva, e no Brazil ao ill.ᵐᵒ sr. Manuel Silvestre da Silva Couto,
                        residente no Maranhão.


     Typographia da Bibliotheca Uniuersal, rua dos Calafates, 93.



Na _Antologia portugueza_, onde reunimos tudo quanto conheciamos de
mais bello e caracteristico da nossa poesia desde o seculo XII até
ao presente, apenas pudemos esboçar os alvores do romantismo com um
pequeno excerpto de Garrett; no _Parnaso moderno_ desenvolvemos este
periodo com uma escolha do que tem produzido de melhor a geração de
rapazes, que em grande parte constitue hoje a litteratura portugueza
contemporanea.

Muitos foram os chamados e poucos os escolhidos; lêmos centenares de
livros de versos; e no processo da nossa pequena escolha observámos as
correntes de banalidade que atrophiaram um grande numero de poetas.
Para garantirmos o nosso criterio contra o enfado de uma leitura
esteril ou contra a surpreza de uma fórma desconhecida, copiámos
materialmente pela nossa mão todas as composições d'este livro. Em
Portugal todos são poetas, uns em segredo, como um vicio occulto;
outros não passam dos limites ephemeros do jornalismo; outros alentam
o fogo sagrado até aos vinte cinco annos, como o sr. Herculano; outros
têm a coragem de produzir volumes, e o que mais assombra, continuam
a publicar versos depois de directores de secretaria, depois de serem
embaixadores e ministros. D'isto mesmo proveiu a difficuldade da
selecção; de alguns poetas distinctos nada apresentamos, ou porque não
pudemos obter as suas obras, ou quando as alcançámos, já este livro
estava quasi impresso.

Adoptámos a disposição ethnica, subdividindo o _Parnaso_ em lyricos
portuguezes, brazileiros e gallegos; na introducção adiante serão
explicadas as relações entre estes grupos poeticos, de um modo que nos
parece ficar bem patente o espirito por onde se deve renovar o lyrismo
moderno. Attendemos sempre á belleza da fórma, aproveitando os typos
tradicionaes da estrophe e a estructura mais nova e imprevista; assim
nos parece que os futuros cultores da poesia portugueza acharão aqui
poderosos estimulos para mais altas concepções.

                               DA POESIA

                          MODERNA PORTUGUEZA

                     SUAS TRANSFORMAÇÕES E DESTINO



                                   I


A par das grandes descobertas scientificas do nosso seculo, que pela
via inductiva conduziram á demonstração integral dos phenomenos
cosmicos pelo movimento etherodynamico; e bem assim da vasta synthese
de todos estes factos verificaveis, que pela via deductiva levaram
a estabelecer a Philosophia positiva, a par d'estas profundas
transformações da consciencia moderna, a Poesia ainda tem um destino
ligado ás necessidades sociaes. Nem todas as sugestões que provocam
a aspiração individual podem ser satisfeitas pela _demonstração_
scientifica, nem todos os problemas que emergem da actividade cerebral
podem ser resolvidos pela _deducção_ philosophica. E comtudo o espirito
humano propõe-se sempre as mesmas questões, mas já hoje se não satisfaz
com as soluções theologicas, nem com as hypotheses metaphysicas. Os
velhos mythos theologicos são hoje estudados comparativamente, e a
sciencia deriva d'elles as vastas concepções poeticas dos cantos
hymnicos, da degeneração epica, dos contos populares, e do rito
cultural que levou ao drama hierático; por seu lado a Metaphysica ao
tornar-se incompativel com o progresso das sciencias, dissolve-se
em uma exhuberante poesia, como as concepções de Schelhing, de Hegel
ou de Schopenauer, que inconscientemente se encontram em intimas
analogias com as phantasmagorias das escholas brahmânicas e buddhicas.
Em vez de ter pertenções a systema de synthese deductiva, a aspiração
metaphysica só deixará de ser uma manifestação doente tornando-se
francamente Poesia. Só assim realisará um grande destino, o servir
de expressão ás mil aspirações indefinidas da nossa individualidade
social. Algumas composições de M.ᵐᵉ Ackermann abrem esta nova _phase_
da idealisação. Assim como a poesia antiga servia para perpetuar e dar
sentido ás vetustas tradições das raças, a poesia moderna sem despresar
a tradição, é o orgão mais apto para manifestar as aspirações da
consciencia moderna. N'este uso está implicito o seu fim revolucionario.

Na poesia portugueza, como temos largamente provado pelos nossos
trabalhos historicos, o escriptor esteve quasi sempre separado do povo;
raramente se soube inspirar da sua tradição, e por isso a aspiração e o
caracter nacional não foram servidos por uma litteratura bem distincta
entre as outras litteraturas romanicas. Em compensação, a nacionalidade
portugueza atrophiada pelo cesarismo e pelo catholicismo, e, por esta
causa, não tendo no mundo moderno uma existencia accentuada pelos
progressos scientificos e industriaes, serviu-se sempre da poesia como
um meio de protesto, como o grito da sua aspiração revolucionaria.
No seculo XIII achamos a dura sirvente contra os Alcaides que
atraiçoaram D. Sancho II, para servirem as pertenções do clero a favor
de D. Affonso III[1]. No seculo XV, achamos a satyra vehemente de
Luiz de Azevedo contra os traidores que provocaram e consummaram o
assassinato do Infante D. Pedro em Alfarrobeira[2]. No seculo XVI o
vigor nacional é atrophiado pelo regimen do favoritismo do paço, que
corrompe a aristocracia com as capitanias da India e Brazil; a poesia
protestou contra os validos devassos, como se vê n'essas quadras ou
_trovas da Maria Pinheira_, attribuidas a Damião de Goes, contra o
Conde da Castanheira[3], e Manuel Machado de Azevedo n'outras quadras
bem sentenciosas avisa seu cunhado Sá de Miranda contra a prepotencia
dos Carneiros e Carvalhos, que dispunham arbitrariamente de todos os
poderes. A satyra vehemente, acerba e allusiva inspira as melhores
quintilhas e tercetos de Sá de Miranda; e Camões, nos _Disparates da
India_, e sobretudo nos _Luziadas_, verbera uma aristocracia enfatuada
e estupida, e o abuso da auctoridade clerical que invade a esphera
civil em o Concilio de Trento, que se apodera da instrucção publica
do paiz, que funda os terriveis tribunaes da intolerancia nos Indices
Expurgatorios e nas fogueiras dos Autos de Fé, que isola Portugal da
communicação scientifica da Europa a pretexto de combater a entrada dos
principios da Reforma, e que por ultimo nos entrega aos castelhanos de
Philippe II.

Tudo isto teria existido sem protesto, se não fossem os versos de
Gil Vicente, nas suas farças; as quadras anonymas conservadas como
curiosidade pelos genealogistas; algumas estancias de Camões na grande
epopêa, e, o que mais assombra, alguns epigrammas populares, que se
transmittiram na tradição[4].

Quando no seculo XVII a lingua portugueza deixava de ser usada nos
livros, foi a comedia popular que manteve a sua cultura, e se inspirou
das campanhas da restauração nacional, como vemos nas comedias de Pedro
Salgado. Diante da mudez imposta pelo Santo Officio, a poesia teve
ainda a audacia do protesto no poemeto _Os ratos da Inquisição_, de
António Serrão de Castro[5].

No seculo XVIII, pode-se affirmar com rigor, foi a poesia o orgão
de propagação das ideias dos encyclopedistas em Portugal; o proprio
Marquez de Pombal protegia tacitamente a dispersão das cópias do
_Hyssope_ de Diniz. José Anastacio da Cunha na _Oração universal_
eleva-se ao lyrismo pantheista de Goëthe, sendo preso e sentenciado
pelo Santo Officio. Bocage é preso pelo Intendente Manique, e dá-se por
base da perseguição a epistola _Pavorosa illusão da eternidade_, que
exerceu uma acção menos profunda do que a _Voz da Razão_, ainda hoje
estimulo secreto que leva a classe burgueza a fazer o processo critico
da sua consciencia. Cabe a Bocage a gloria d'este serviço[6].

Nas luctas pela liberdade constitucional, os antigos _Outeiros
poeticos_ tornaram-se politicos, como o da Sala dos Capellos em 1820,
e nas recitas theatraes era a poesia, ainda bastante arcádica, que
agitava com uma linguagem nova a alma moderna. Separada da tradição,
pelo esquecimento e obliteração systematica do passado, a poesia
portugueza vale muito por estes gritos revolucionarios que a tornam
uma verdade na vida nacional. Ainda hoje o lyrismo da mocidade
acorda mais o senso commum, produz mais movimento na opinião, do que
todos os cursos scientificos com juramento previo da conceição, e da
inviolabilidade real.

As duas influencias predominantes do fim do seculo XVIII na poesia
portugueza, o _filintismo_ e o _elmanismo_, prolongaram-se até ao
primeiro quartel do seculo XIX; Garrett (_Jonio Duriense_) admirava
Filinto Elysio, e ao estudo da estructura riquissima e sempre nova
dos seus versos deveu esse segredo de belleza do verso solto do
poema _Camões_. Castilho admirava Bocage, e elle mesmo árcade romano
(_Mémnide Egynense_) calcava a sua metrificação sobre as tautologias
elmanistas. Se não fosse a emigração forçada dos partidarios do regimen
constitucional em 1824 e 1829, a litteratura portugueza não saía d'este
sulco; Garrett emigrou, e por isso comprehendeu o romantismo, Castilho
esteve refugiado na abbadia de S. Mamede da Castanheira do Vouga, e por
isso esterelisou-se muitos annos em traducções latinas, que a ninguem
aproveitam. Garrett inspirou-se da tradição antiga e da aspiração
moderna da nacionalidade, Castilho entrincheirou-se na erudição dos
classicos da côrte de Augusto, e quiz submetter a este criterio a
mocidade que despontava. D'aqui resulta mais tarde o rompimento
individualista e indisciplinado da chamada _Eschola de Coimbra_ (1865.)

Só muito tarde é que Almeida Garrett conseguiu descobrir uma das
formas mais eloquentes do lyrismo moderno, nas _Folhas cahidas_; as
composições em grande parte insulsas das _Fabulas_, do _João Minimo_,
das _Flores sem fructo_, accusam o grande esforço d'esse genio para
quebrar os moldes arcádicos em que sentira desde criança. Bastou para
tanto uma simples aproximação da realidade; nos ultimos annos, Garrett
achou-se envolvido em uma paixão censuravel, e a expressão de todas
as suas emoções, a descripção delicada das situações imprevistas em
que se achava, as confidencias, as vacillações da sua passividade, os
favores concedidos de surpreza, as recordações e por fim a indifferença
da parte da que era tão frivola como as outras da sua recente
aristocracia, tal é o quadro deslumbrante e fascinador das _Folhas
cahidas_. Este livro appareceu tarde, e por isso não exerceu uma
influencia saudavel; Pato, Gomes de Amorim, E. Vidal e alguns outros
bem quizeram pulsar essa corda, mas faltava-lhes, não diremos talento,
mas verdade.

Castilho não conseguiu accentuar a sua tendencia lyrica; dominado
ainda pela Modinha do seculo XVIII, como na _Joven Lilia_, incapaz
de conhecer a belleza d'esses idylios modernos, como o seu de _Pedro
gaiteiro_, elevando-se á expressão artificiosa do _Canto do Jau_,
lançou-se outra vez no mundo classico e poz-se a traduzir do grego
através do francez um supposto Anacreonte. Todos se imaginavam poetas,
e n'esta doce illusão só Herculano se salvou com a _Harpa do Crente_,
porque antes dos vinte cinco annos tinha lido alguma cousa de Klopstock
e de Schiller. Tudo o mais estava anachronico, como Sarmento, Costa e
Silva, Cabral de Mello, Fernandes Leitão e Campello. A poesia lyrica
só podia renascer entre uma geração de rapazes; e onde encontral-a
compacta, crente, enthusiasta? Em Coimbra o espirito revolucionario
precedeu, pela imitação das tragedias philosophicas de Voltaire, o
pensamento dos homens de 1820. Coimbra continuou sempre a ser o fóco do
espirito novo, e em contradição com a rotina cathedratica, que bajulava
o absolutismo e se isolava na sua soberba cardinalesca. Assim como a
poesia foi sempre na civilisação portugueza a linguagem de protesto
de uma consciencia atrophiada, assim Coimbra nos apparece tambem na
historia como a capital do nosso lyrismo; ali cantaram Sá de Miranda,
Ferreira, Camões, Jorge de Monte-Mór, Bernardes, Soropita, Francisco
Rodrigues Lobo, Garção, em pleiadas que se succederam até ao seculo XIX
segundo as correntes litterarias que percorriam a Europa. De Coimbra
sáem tambem Garrett e Castilho.

Na renovação do lyrismo moderno é de Coimbra que partem os mais
poderosos e decisivos impulsos; a escola do _Trovador_ reune a mocidade
academica de 1848, de que o principal vulto foi João de Lemos. Mas
essa mocidade vivia no idylio insulso «sobre as azas da saudade»,
como se vê na festa da _Primavera_; inspirava-se do christianismo de
Chateaubriand, acreditava devotamente na monarchia, contentava-se com
tres nomes da historia patria para symbolisar toda a tradição nacional,
e na sua ingenuidade não sabia conhecer as banalidades que punha em
verso de redondilha, nem sabia os justos limites de uma exhuberancia
fastidiosa. Ao entrar nas lides politicas esta camada esterilisou-se,
e os poucos que conservaram um debil culto litterario ficaram
constituindo a pretendida _geração nova_. Esta devera ser considerada
a primeira phase da _Eschola de Coimbra_. Passou rapida; quasi que
desconheceu o espirito revolucionario, e influiu sobre Portugal inteiro
contagiando um falso estylo poetico, causa de todos os máos livros de
versos que ainda apparecem de algum incomprehendido de provincia.

A vida academica é excepcional; a mocidade acha-se de repente livre
dos vinculos da familia, senhora de si, meia irresponsavel, e em
conflicto de costumes, de opiniões, de vaidades, e separada da direcção
espiritual dos seus professores. Vive na indisciplina, alimenta-se das
phantasmagorias theoricas, dispende um immenso vigor na dialectica,
e por ultimo quando entra na realidade da vida em grande parte
succumbe. O lente occulta a sua ignorancia e estupidez no isolamento
doutoral; despreza o estudante, a quem nunca dirige a palavra, e
impõe-se respeito pelo terror da reprovação! A mocidade liga-se
contra este pedantismo, alimentando-se com as suas proprias leituras,
fortalecendo-se com exercicios de argumentação, e amarrando os seus
ogres a epigrammas eternos, como este:

    Aquelle homem feio
    E de aspecto máo,
    É o Pedro Penedo
    Da Rocha Calháo!

ou a epithetos pittorescos, como o _Cão de quinta_, o _Doutor
Hemoroide_, o _Marmellada_.

Ali a cada geração academica succede-se a influencia de um dado
philosopho; já no seculo passado o Intendente Manique accusava nas
suas _Contas para as Secretarias_ quaes os livros que andavam nas mãos
dos estudantes, taes como as obras de Voltaire, Rousseau, Reynal,
Bayle, Hobbes, etc. Na epoca de Garrett lia-se secretamente Dupuis;
e ás differentes gerações se foram succedendo Chateaubriand e Aimé
Martin, depois Krause, depois Pelletan, Quinet e Michelet, depois
Vico, Hegel e Augusto Comte. Foram differentes correntes de ideias que
revolucionaram o espirito da mocidade; os seus professores ficaram na
ordem mental em uma especie de nirvana buddhico. D'essa mocidade, os
que se impulsionaram pelas theorias metaphysicas ao entrarem na vida
publica nada deram, e deixaram atrazar as cousas pela sua propria
esterilidade. Sob a influencia de Aimé Martin e Krause, succedeu-se
na poesia a segunda phase da _Eschola de Coimbra_, representada pelo
_Novo Trovador_. O seu principal vulto foi Soares de Passos; veiu
n'essa epoca em que ao exagero das paixões no theatro correspondia no
lyrismo a melancholia tenue representada na Allemanha por Novalis, na
Inglaterra pelos Lakistas, em França por Millevoye e Lamartine, e na
Italia por Leopardi e Manzoni. Soares de Passos inspirou-se d'este
desalento contagioso mas tardio, a que o proprio Garrett, em França,
não escapou no poema _Camões_. Elle é o poeta da tristeza; todos os
sentimentos que retrata, a admiração por _Camões_, a elevação deísta
diante do _Firmamento_, a independencia no canto do _Escravo_, em tudo
o tom natural a que vem sempre ter é a tristeza. Esta caracteristica
explica-nos toda a sua acção litteraria. Esse sentimento de pesar
e desgosto, em parte motivado pela doença physica de que morreu,
tirou-lhe a individualidade, não o deixou ser iniciador; nenhuma das
suas bem trabalhadas odes era capaz de suscitar uma eschola de poesia;
é geralmente imitador, agrada-lhe o vago e indeterminado, e por isso
traduz o primeiro canto de _Fingal_; ainda com o fervor dos bons tempos
de um Werther, imita as balladas phantasticas do norte, conhecidas
através das versões de Marmier, como no _Noivado do sepulchro_; é
mystico, seguindo Lamartine na _Morte de Socrates_ e no _Firmamento_.
Esse sentimento de tristeza expresso sem banalidade mas sem
individualidade, tornou os versos de Soares de Passos distinctos entre
a multidão das collecções metricas, sobretudo quando a morte prematura
do poeta veiu dar o perstigio prophetico aos seus presentimentos.
Soares de Passos escreveu pouco em metro octosyllabo, o bastante para
se conhecer que nos seus primeiros tempos de noviciado poetico de
Coimbra soffreu a influencia da eschola do _Trovador_. A sua perfeição
explica-se pelo limitado numero de composições que deixou; emendava
sempre, calculadamente e com a pericia de quem tem só um sentimento a
exprimir e já muitas vezes retratado[7].

O que fez Soares de Passos para a tristeza, fez João de Deus para o
amor; n'elle começa a terceira phase da _Eschola de Coimbra_. Ninguem
sentiu melhor o idealismo camoniano, perdido desde o fim do seculo
XVI, ninguem levou a fórma á mais alta perfeição, ninguem como elle
exerceu ainda uma acção mais funda e salutar na transformação da
poesia portugueza. É o mestre de nós todos. Deixou entre as gerações
escholares uma tradição luminosa como de um provençal, e a sua
organisação absolutamente artistica prejudica-o no conflicto de uma
sociedade burgueza. O que lhe faltava, e que esterilisava as suas
faculdades creadoras, suppriram-n'o os poetas do periodo indisciplinado
da _Eschola de Coimbra_, que por seu turno actuaram sobre o genio
de João de Deus; suppriram-n'o pelo estudo, primeiro, de Quinet e
Michelet, depois de Vico, Hegel e Augusto Comte, d'onde provieram esses
dois ramos da poesia revolucionaria, socialista representada pelas
_Odes modernas_, e da concepção philosophica da historia realisada na
_Visão dos Tempos_. N'este caminho a poesia portugueza achou outra vez
o seu destino. O que provinha da anarchia metaphysica dispendeu-se
em um clarão repentino[8], o que conduziu para a synthese positiva
tornou-se fecundo, produzindo a exploração scientifica das tradições
da nacionalidade portugueza, a creação da nossa historia litteraria,
e a base critica para o estudo da nossa pedagogia, da politica e da
previsão do que é preciso que se faça. Á influencia das _Odes modernas_
pertence essa poesia chamada satanica, de um pessimismo á Baudelaire,
facil de imitar e mais facil em illudir o gosto dos que aspiram a
uma ordem nova. A _Visão dos Tempos_, pouco imitada no pensamento,
exerceu maior influencia pela fórma da versificação e dos poemetos; o
pensamento era converter em mythos modernos e conscientes a concepção
philosophica das grandes epocas da humanidade, ao contrario dos mythos
anonymos e inconscientes das edades primitivas que ainda hoje nos estão
atrazando; a fórma procurava alliar a acção de Garrett com a de João
de Deus. A apparição d'este espirito novo está ligada a uma grande
pugna litteraria, encetada com a carta intitulada _Bom senso e bom
gosto_ e _Theocracias litterarias_[9]. A esse impulso appareceram novos
obreiros, que inauguraram a sciencia da Linguistica e da philologia
romanica, e a Archeologia artistica; a educação scientifica elevou-se,
como se viu na nova questão litteraria do _Fausto_ e na _Bibliographia
critica de Historia e litteratura_; a critica dos costumes achou a sua
direcção nas _Farpas_, e o romance attingiu a sua admiravel perfeição
realista no _Crime do Padre Amaro_. A falta de efficacia de todo
este movimento provém da desmembração dos obreiros. Pelo criterio
ethnico da historia litteraria e pela philologia, é que a poesia
brazileira e gallega foram comprehendidas como fórmas homogeneas do
lyrismo portuguez; longo tempo desprezadas, é d'ellas que ha de vir o
descobrir-se o verdadeiro espirito d'este lyrismo nosso, que apenas se
faz valer não pelo que tenha de nacional, mas sómente pelo modo como
serve a ideia revolucionaria.


NOTAS DE RODAPÉ:

[1] Vid. _Antologia portugueza_, n.º 40.

[2] Vid. _Antologia portuguesa_, n.º 69.

[3] A estas trovas allude o bispo Frei João de Sam José Queiroz, nas
_Memorias_: «O que entendo é que a maior parte das casas de Hespanha,
está como as de Portugal, onde entra _Maria Pinheira_...» (p. 65.) Do
principio do seculo XVI é essa quadra popular contra D. José de Mello,
esmoler de D. Manuel, confirmado bispo da Guarda em 1517:

    O bispo que deixa a Sé
    Por se metter na Mesquita
    Mouro foi e mouro é,
    Pois d'ella se não desquita.

A voz popular apodava-o por nunca ter ido ao seu bispado, vivendo com
D. Helena de Mesquita, de quem teve filhos, e a quem fez abbadeça. (Ms.
da Academia, G. 5., Est. 8, n.º 50.)

[4] _Canc. popular portuguez_, p. 40.

[5] Eis um epigramma tradicional ácerca da batalha de Montes-claros:

    Passou da marca o _Marquez_,
    No valor e ousadia,
    _Sam João_ teve o seu dia
    Aos dezesete do mez.
    O meu _Cezar_ d'esta vez
    Soube vir ver e vencer.
    Com _Jaquez_ não ha perder,
    _Menezes_ todo he Luiz,
    O _Diniz_ fez o que quiz,
    Não ha mais Flandres que _Schomber_.

Fonseca, _Evora gl._ p. 181.

[6] Até 1839 attribuia-se ao Dr. Jose Anastacio da Cunha a poesia a
_Voz da Razão_; hoje temos a prova de que foi Bocage o seu auctor.
Deixemos aqui esse processo critico, já que o não podémos incluir
no nosso livro _Bocage, sua vida e epocha litteraria_. No processo
do Santo Officio contra Jose Anastacio da Cunha não se allude nem
remotamente á _Voz da Razão_, e Innocencio (_Dicc. bibl._, t. IV, p.
225) sustenta como absolutamente infundada a opinião vulgar, não se
atrevendo comtudo a poder determinar quem fosse o verdadeiro auctor. A
favor de Bocage apresentamos os seguintes factos: 1.º Na edição da _Voz
da Razão_, de 1822, é que se lhe impoz este titulo, porque nos diversos
manuscriptos corre quasi sempre com o titulo de _Verdades singelas_,
e se ligava com as _Verdades duras_, titulo com que o Intendente
Manique apprehendeu a _Pavorosa_ de Bocage em 1797. 2.º Na carta 1.ª
ao seu amigo Anelio, o auctor da _Voz da Razão_ chama-se a si mesmo
_Lidio_; se nos lembrarmos que só desde 1790 é que Bocage deixou de se
assignar _L'Hedois_ de Bocage, está achado o cryptonymo poetico com
que se designava n'estas composições. 3.º Excluida a paternidade do
Dr. José Anastacio da Cunha, cujo ideal poetico era outro, como se vê
pela _Oração universal_, em quem, se não em Bocage se pode encontrar
essa audacia e fórma popular de bom senso? Crêmos que é um problema
resolvido.

[7] Uma carta de A. Herculano, dirigida a Soares de Passos em 5 de
agosto de 1856, na qual lhe diz «fui poeta até aos vinte cinco annos»
termina considerando-o como successor de Garrett. Herculano protestou
sempre contra a bajulação insciente que dava a Castilho o primeiro
logar entre os lyricos modernos portuguezes. (Vid. prologo das _Lendas
e Narrativas_.)

[8] No vol. XIII do _Instituto_ de Coimbra, p. 239 em um artigo
sobre o futuro da Musica, do sr. A. de Quental se lê: «Não creio
que o positivismo um tanto estreito de A. Comte, Littré e da ultima
eschola franceza, nos dê completa a philosophia do futuro. Mas se
o alargarmos, segundo o espirito do hegelianismo, a ponto de caber
n'elle a Metaphysica excluida por A. Comte (tendencia que já se nota em
Taine, Renan e Vacherot, e no positivismo inglez de que é chefe Stuart
Mill) n'esse caso tenho para mim que a Philosophia assentará n'uma
base tão solida, que não será muito aventurar dizer que está achada e
definitivamente constituida a philosophia do futuro.»

[9] Ha curiosos que a muito custo conseguiram colleccionar os numerosos
folhetos, que pollularam como mosquitos do nosso mephitismo litterario,
por esta occasião. É o documento mais espontaneo e inconsciente do
marasmo intellectual a que se havia descido. Vid. art.º _Bom senso e
bom gosto_, no _Supp. ao Dicc. bibl._ de Innocencio.



                                  II


A poesia lyrica do Brazil encerra um grande facto ethnologico; d'elle
derivaremos a sua comprehensão e o porque da sua originalidade. Esse
lyrismo é superior em vehemencia sentimental e em novidade de fórmas ao
lyrismo portuguez; e comtudo dá-se n'essas fórmas tão caracteristicas
um phenomeno de regressão, pelo qual tomam vigor typos estrophicos
conservados pelos antigos colonos portuguezes, mas totalmente
esquecidos na mãe patria, que só agora por um processo de erudição
se vão encontrar nos seus velhos Cancioneiros palacianos. O ardor, a
passividade, a morbidez que toma a linguagem das emoções, o desalento
ou a acedia da vida, mesmo a facilidade com que tornam natural a
imitação de Byron e de Musset, resultam de um temperamento contrahido
pelo cruzamento dos primeiros colonos portuguezes com as raças
ante-historicas do Brazil[10]. Quando o Brazil começou a ser povoado, e
as suas feitorias se convertiam em cidades, ainda em Portugal apparecia
casualmente nos versos de Christovam Falcão, Gil Vicente, Sá de Miranda
e Camões algum vago fragmento de _Serranilha_ galleziana, genero
lyrico de origem popular, que pela sua belleza chegára a penetrar
nos Cancioneiros aristocraticos. Foi este typo lyrico, decahido na
metropole pela imitação castelhana do seculo XV, e pela imitação
italiana no seculo XVI, que reappareceu nos costumes coloniaes,
adquirindo importancia litteraria, a ponto de vir a apoderar-se de
novo, sob a fórma brazileira da _Modinha_, do gosto da côrte e da
sociedade portugueza do seculo XVIII. Essas estrophes cadenciadas com
retornellos de enlouquecer e com tonadilhas de uma melodia sensual,
que hallucinavam o proprio Beckford, eram cantadas essencialmente
por _mulatos_[11]. Aqui está o problema ethnico, cuja importancia
não escapa aos modernos antropologistas. Diz Quatrefages: «Posto que
os cruzamentos modernos não remontem além de tres seculos, tem já
produzido resultados que põem fóra de duvida, que, raças, notaveis sob
todos os aspectos, pódem provir da mestiçagem. Os Paulistas do Brasil
são um exemplo frisante. A provincia de Sam Paulo foi povoada por
portuguezes e açorianos[12] vindos do velho mundo, os quaes se alliaram
aos Guayanazes, tribu caçadora e poetica, aos Carijos, raça bellicosa
e cultivada. D'estas uniões regularmente contrahidas, resultou uma
raça, cujos homens têm-se sempre distinguido pelas suas proporções,
força physica, coragem indomavel, resistencia ás mais duras fadigas.
Quanto ás mulheres, a sua belleza fez nascer um proverbio brasileiro
que attesta a sua superioridade. Se ella se accentuou outr'ora por
expedições aventureiras para a exploração do ouro ou da escravatura,
foi ella tambem quem primeiro fez a plantação da canna do assucar e a
creação de gados.» Apoiando-se sobre as observações de Ferdinand Denis,
Quatrefages transcreve estas palavras: «Hoje em dia o mais auspicioso
desenvolvimento moral, como o renascimento intellectual notabilissimo,
parecem pertencer a Sam Paulo[13].» Na poesia popular brazileira ainda
se encontra a coexistencia das duas raças no mixto das canções em
lingua portugueza e tupi, tal como na edade media da Europa encontramos
a fórma do _descort_; eis uma amostra da tradição do Pará, e do
Amazonas:

    Te mandei um passarinho
      _Patuá mirá pupé_,
    Pintadinho de amarello
      _Yporanga ne iavé_.

    Vamos dar a despedida
      _Mandú sarará_,
    Como deu o passarinho,
      _Mandú sarará_;
    Bateu aza, foi-se embora
      _Mandú sarará_,
    Deixou a penna no ninho
      _Mandú sarará_[14].

A tradição das raças ante-historicas conserva ainda fabulas mythicas,
como a da origem da noite, a do _Jabuti_, e muitas d'ellas entraram
como contos populares na vida domestica de Sam Paulo, Goyaz e
Matto-Grosso, taes como a historia de _Saci Sereré_, _Boitatá_ e
_Curupira_. É este elemento tradicional vigoroso que faz despontar na
litteratura brazileira essa esplendida efflorescencia das creações
epicas no seculo XVIII, como o _Uraguay_, o _Caramurú_, e ainda no
seculo XIX os _Tymbiras_, e _Confederação dos Tamoyos_. Mas deixemos de
parte esta ordem de creações que depende do sentimento da nacionalidade
nas civilisações modernas. O ardor das paixões do mestiço, a sua
dissolução servida por uma voluptuosidade artistica, como a poesia
ou a musica, tornam estas duas fórmas aphrodisiacos inebriantes e
communicativos, que dão em terra prematuramente com os talentos mais
auspiciosos, como Alvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Castro Alves
e Varella. A vida domestica resente-se d'este fervor, e os costumes
publicos manifestam por outro lado recorrencias de usos peculiares do
tupi (os bagachas). O cruzamento primitivo fez redobrar a intensidade
sentimental; quem se lembra da velha phrase de Lopo de Vega: «_Eu,
senhora, tenho olhos de criança e alma de portuguez_» só a póde
comprehender agora diante da exaltação do brazileiro. Nós somos hoje
menos alguma cousa.

A persistencia do typo tradicional da _Serranilha_ galleziana na
colonia do Brazil liga-se e explica-se pela descoberta de um grande
facto desconhecido até hoje na historia da humanidade--a civilisação
da raça _turaniana_[15]. O problema desdobra-se em duas questões, que
se ligam e se explicam. Nas fórmas lyricas da Europa da edade media,
apparecem cantos communs á Italia e Sicilia, á França meridional,
Aquitania, Galliza e Portugal. Esta unidade do lyrismo novo-latino
levou a suppôr uma origem commum para todas as litteraturas
meridionaes. Por outro lado a persistencia d'esse typo lyrico no
Brazil, explicar-se-ha não só pelo isolamento e espirito archaico
colonial, mas pelas grandes analogias com os cantos lyricos dos
tupinambás, e sobretudo pela descoberta da ethnologia moderna da origem
turaniana das raças ante-historicas da America. Tratemos separadamente
de cada uma d'estas questões de litteratura comparada.

Um problema importante tem sido proposto pelos philologos romanicos
sobre as analogias intimas entre as fórmas lyricas da poesia moderna
das litteraturas nova-latinas, a começar da Provença. Dando conta na
_Romania_, da publicação dos _Canti antichi portoghesi_, diz M. Paul
Meyer: «Je remarque que plusieurs des piéces editées par M. Monaci
(n.ᵒˢ IV, IX) sont fort analogues, pour le fond comme par la forme,
à nos anciennes _ballettes_ (voir celles que j'ai publiés dans mes
Rapports, fl. 236--9) ou aux _baladas_ provençales. Je n'en conclue
pas que les poésies portugaises qui ont cette forme soient imitées du
français ou du provençal, _mais qu'elles sont conçues d'après un type
tradicional qui a du être commun à diverses populations romanes_ sans
qu'on puisse determiner chez la quelle il a été crée[16].» N'estas
palavras se indica o problema da unidade do lyrismo moderno: nenhum
philologo conseguiu ainda explicar a origem d'esta identidade de
fórmas. O meio para o resolver está no criterio ethnico e comparativo;
em primeiro logar a zona d'onde irradiou o lyrismo que se propagou para
a Provença, Italia, Sicilia, Galliza e Portugal, foi na Aquitania; é
tambem pelo criterio ethnico que se conhece que n'esta zona existiu
uma raça _iberica_, absorvida pelos immigrantes indo-europeus, raça
cujas tendencias e até fórmas lyricas peculiares se confirmam pelos
hymnos acadicos modernamente traduzidos pelos assyriologos. As recentes
descobertas da civilisação turaniana, que antecedeu as grandes
civilisações historicas, a persistencia das superstições accádicas dos
cultos magicos na Europa da edade media, tornam este facto da unidade
do lyrismo como uma simples evolução.

O estudo comparativo das litteraturas tem levado a aproximar certas
formas tradicionaes muito antes de se conhecer se entre ellas existiria
alguma connexão historica; as analogias intimas têm por vezes conduzido
a procurar essas relações, que se vão verificando do modo mais
surprehendente. No lyrismo popular da Europa, a começar desde a epoca
provençal, existem formas espontaneas, taes como as _Pastorellas_, que
se repetem em todos os povos meridionaes, sem que estas differentes
nacionalidades, tão separadas pelo regimen monarchico, se imitassem
mutuamente; este genero de cantos penetrou na litteratura da egreja da
edade media, sob a forma de _Prosas_, e nos Cancioneiros aristocraticos
sob a forma de _Serranilhas_ e _Dizeres_. A diffusão commum d'este
genero de origem popular era attribuida á situação geographica
especial da Aquitania, cujas escholas trovadorescas podiam influir
simultaneamente em França, na Italia e em Portugal e em Hespanha; o
estudo ethnico da Aquitania leva a descobrir que esse territorio foi
primitivamente occupado pela raça ainda agora representada pelo Basco
actual, isto é, pela raça _turaniana_. N'este mesmo typo de cantos
lyricos entram as pastoraes sicilianas; e a Serranilha portugueza foi
encontrar nas colonias do Brazil analogias com os cantos dos tupis,
modernamente filiados no mesmo tronco turaniano. Eis determinada uma
origem ethnica commum para explicar as analogias de uma vasta tradição
lyrica popular. Pelas modernas leituras dos documentos cuneiformes,
têm-se conhecido o eminente genio lyrico da raça _turaniana_ conservado
na inspiração perpetuada nos hymnos accadicos. Sobre este ponto
são de grande auctoridade as palavras de F. Lenormant, explicando
alguns d'esses hymnos: «Ao mesmo tempo elles nos revelam no povo
de Accad um verdadeiro impulso de inspiração poetica, que exerceu
uma acção decisiva sobre os começos da poesia semitica e contribuiu
para formar-lhe o seu genio. Ha ali um lyrismo que attinge por vezes
uma grande elevação, e que desde já deve revindicar o seu logar na
historia litteraria do Oriente antigo. Além d'isso, a critica deve
tambem attender aos fragmentos de _um lyrismo mais familiar, popular
e gnomico_, que parece ter tido entre o povo de Accad um grandissimo
desenvolvimento, e do qual os hierogrammatas do Assurbanipal formaram
collecções. _São proverbios rythmados, provenientes de antigas
canções._ Já se publicou a copia de um tijolo que contém um grande
numero d'elles, e M. Oppert já notou a importancia d'esta collecção
traduzindo alguns dos seus proverbios... De mais, M. George Smith
annunciou ter descoberto nas suas excavações recentes na Assyria uma
outra collecção egual, que entregou ao Museu Britannico. Ha d'este lado
uma mina a explorar, e que promette ser fecunda.

«Alguns proverbios não consistem em mais do que uma simples phrase,
extraída evidentemente de um canto mais desenvolvido, e que a
felicidade da expressão tornara sem duvida proverbial, como esta sobre
o calcadouro da colheita:

 --Diante dos bois, que caminham a passos apressados sobre as espigas,
 ella calcou vivamente.

«Muitas vezes cada um d'elles forma um todo completo no seu laconismo,
uma pequena canção de alguns versos,--se é que se permitte esta
expressão quando ainda é desconhecido o rythmo e o metro--que lembra as
velhas canções populares chinezas do _Chi-King_. Em geral o pensamento
é de uma lhaneza delicada, ás vezes maliciosa e um pouco melancholica,
com uma feição de philosophia pratica. Tal é este pequeno trecho, que
exprime a inutilidade dos esforços excessivos:

    --Eu fiz ir bem para o alto meus joelhos,
    a meus pés não deixando repouso,
    e, sem nunca ter descanço,
    o meu destino afastou-se sempre...

«Outros, finalmente, entre estes curtos trechos nos conduzem ao meio da
vida dos campos e dos seus usos; são numerosos na collecção publicada,
e attestam claramente a sua origem popular. Eis aqui por exemplo uma
Canção com dois retornellos, que se devia cantar em alguma festa
campestre á qual se attribuia uma influencia de bom augurio sobre a
safra das messes:

    O trigo que se alevanta direito
    chegará ao cabo do seu bom tamanho:
        o segredo
        nós conhecemol-o.

    O trigo da abundancia
    chegará ao cabo do bom crescimento;
        o segredo
        nós conhecemol-o[17].»

É este rigorosamente o typo das Pastorellas provençaes, italianas,
gallezianas, portuguezas e hespanholas, dois versos assonantados com um
estribilho sempre repetido. Vejamos um paradigma portuguez:

    Vayamos, irmana, vayamos dormir
    nas ribas do lago, hu eu andar vi
        a las aves meu amigo.

    Vayamos, irmana, vayamos folgar
    nas ribas do lago, hu eu vi andar
        a las aves meu amigo! etc.[18]

O mesmo se repete nos cantos populares liturgicos da edade media,
derivados de uma corrente desconhecida da tradição popular. Lenormant
achou grandes analogias entre a forma d'essas Pastorellas accadicas e
as cantigas chinezas da collecção Chi-King; de facto o _turaniano_ é
uma raça mixta da branca e amarella, e a concepção chineza naturalista
do _Thian_ é a mesma dos espiritos elementares da Chaldêa, o espirito
do céo _Zi-Anna_, dos turanianos. Por ultimo o typo dos Proverbios de
Salomão é tambem fixado por Lenormant nos velhos hymnos accadicos.
Todos estes factos estão em harmonia com as recentes descobertas da
historia, que tanto as civilisações semiticas como aryanas se fundaram
sobre os progressos já realisados pela mais poderosa das raças
ante-historicas, a turaniana.

Sob este criterio novo, as raças da America apparecem como um grande
ramo turaniano, cujas linguas são agglutinativas, cujas crenças são
um fetichismo atrazado: «São mui dados a feitiços, e o feiticeiro que
ha em cada aldeia é o seu oraculo[19].» D'Assier recorda um facto
importante: «lembram o typo mongolico, a ponto de um d'elles... criado
de Augusto Saint Hilaire, vendo um dia uns chinezes n'uma rua do Rio
de Janeiro, correu para elles chamando-lhes tios[20].» Em Cuyabá e no
Paraguay existem aterros artificiaes em que se levantam edificações,
como costumavam fazer os turanianos de Babylonia e da Assyria; a
sua chronologia baseava-se sobre o anno lunar[21] como no primitivo
systema chronologico dos turanianos do Egypto; e entravam nas batalhas,
ululando, tal como descreve Silio Italico, das tribus ibericas[22].
Finalmente, as analogias das linguas americanas com o sansckrito,
explicam-se por um grande fundo de vocabulos turanianos das raças
vencidas (sudras, kadraveas) sobre que se constituiu a civilisação
aryana. Assim os factos são trazidos ás suas causas naturaes.

No livro recente _l'Origine turanienne des Américains Tupis-Caribes_,
já se procura verificar esta grande these ethnographica, que liga
as raças das duas Americas á raça mestiça que prestou os primeiros
elementos ás civilisações do Egypto e da Chaldêa. Alguns dos caracteres
do tupi coincídem com o genio turaniano, como o gosto da poesia e
da musica; no manuscripto do _Roteiro do Brazil_, da Bibliotheca
de Paris, o tamoyo é descripto como grande musico e bailador; e os
tupinambás eram os rhapsodos, improvisando _Areytos_ segundo esse
genio epico que na Chaldêa inventou o poema de _Isdubar_, no Mexico
o _Popol-Vuh_, e na Finlandia o _Kalevala_. Os seus cantos lyricos,
entoados ao som da maraca e do tamboril constavam de refrens rimando
com o ultimo verso da estrophe, e podendo ser considerados como voltas
sobre motes improvisados; esta caracteristica, ajudando a facilidade da
improvisação, os dialogos ajudando a monotonia da melopêa, tudo leva a
presentir em germen o mesmo typo poetico que na Europa deu a _Ballada_,
a _Pastorella_ e a _Serranilha_; d'aqui a espontaneidade da confusão
da poesia dos dois povos, e o motivo da persistencia da _Serranilha_
portugueza na _Modinha_ brazileira e no seu lyrismo moderno.

Os cantos funebres conservam a mesma designação tanto entre os Tupis
como no Béarn; lá são os _Areytos_, e aqui os _Aurusta_. Os cantos
funebres são communs a todos os povos meridionaes em que existe
elemento turaniano; taes são os _Lamenti_ ou _Triboli_ em Napoles,
os _Attitidos_ na Sardenha, os _Voceri_, na Corsega, na Bretanha,
os _Aurost_ no Béarn, e as _Endexas_ e _Clamores_ em Portugal e
Hespanha. Gonzalo Fernandes de Oviedo, na _General y Natural Historia
de Indias_, emprega a designação de _Areyto_, como o romance narrativo
hespanhol:[23] «ni los niños é viejos dejarán de cantar semejantes
_areytos_...»

E o auctor do livro _Origine turanienne des Américains_, tambem a
emprega no sentido epico: «La litterature des Tupis, comme celle des
Caribes, ne se trouvait que dans les _Areytos_, ou traditions des
hauts faits de leurs devanciers, qu'ils chantaient en dansant, au son
d'instruments.»[24] Na Europa, como vimos, persistiu a designação no
_Aurust_, do Béarn, e, segundo a phrase de Oviedo, parece ter sido
empregada em Hespanha, como a _Aravia_ o foi em Portugal[25]. As
lamentações dos mortos nas Vascongadas chamam-se _Arirrajo_, forma
proxima do _Areyto_ e do _Aurust_[26].

Do canto funebre dos bearnezes, os _Aurusta_, fala o collector das
_Poésies bearnaises_, (p. VII, ed. Pau, 1852): «nos funeraes, quando
a familia do defunto, para celebrar sua memoria, não pode senão
achar lagrimas, duas mulheres, poetisas de profissão, semelhantes ás
_Voceratrices_ da Corsega, improvisam coplas cantadas sobre um tom
lamentavel: uma lembra as boas acções do defunto, e a outra as más,
imagens d'estes dous genios do bem e do mal que parecem conduzir o
homem na vida; este uso que se encontra entre outros povos, mas que
em nenhum apresenta um caracter tão eminentemente religioso e moral,
tem o nome de _Aurusta_[27].» Em uma edição anterior d'este livro, com
o titulo de _Chansons et Airs populaires du Béarn_, colligidas por
Frederic Rivares, se define precisamente esse genero: «Os funeraes
apresentam uma particularidade notavel. Logo que o doente exhala o
ultimo suspiro, o seu corpo é estendido no chão, no meio da casa, e
rodeado de uma multidão de mulheres que oram e velam lançando a espaços
gritos lamentosos e medonhos gemidos. A mulher do defunto e os parentes
mais proximos estão á frente das carpideiras e improvisam cantos em
que são celebradas as suas virtudes. Este signal de dôr e affeição
acompanham o morto até á ultima morada, e a occasíão em que a terra vae
cobrir os caros despojos é indicada por uma explosão de gritos e de
lamentações.

«Portanto o _Aurust_ (é assim que se chama este canto) contém
outras vezes mais do que louvores; é antes um julgamento do que uma
oração funebre, e mais do que uma vez os parentes e o clero foram
escandalisados por improvisos mais proprios para denegrir o morto e
mesmo os vivos do que a excitar as magoas da sua perda[28].»

Um canto lyrico do bearnez Navarrot _Lous adious de la ballé d'Aspe_,
refere-se a este costume do seu paiz:

    Qué dic, praübeit, l'amne qué s'em desligue
    Daüme abadesse a biénét m'_aurousta_[29]!

Traduzido em portuguez, corresponde litteralmente:

    Que digo, pobres, a alma que se me desliga,
    Dona abadessa vinde-me _aurustar_ (carpir).

Na epoca de D. João I ainda era costume em Portugal _bradar sobre
finado_, e existia o costume das carpideiras, como entre os turanianos
da Caria.

Na moderna nacionalidade brazileira, a lingua tambem se vae
alterando, constituindo um verdadeiro dialecto do portuguez; cada
um dos elementos da mestiçagem contribue com as suas alterações
especiaes[30]. O elemento colonial modifica a accentuação phonetica,
de um modo mais exagerado do que nas ilhas dos Açores; o som do _s_,
como o _ch_ gallego, torna-se sibilante e mavioso sobretudo nos
pluraes; as construcções grammaticaes distinguem o _se_ condicional do
reflexivo _si_, e os pronomes precedem os verbos, como: _Me disse_,
em vez de _disse-me_. No vocabulario, o portuguez conserva os seus
provincianismos actuaes, e os archaismos do tempo da colonisação. Da
parte do elemento ante-historico, uma certa indolencia na pronuncia
exerce a grande lei da queda das consoantes mediaes e vogaes mudas;
assim _senhor_ é _siô_; _senhora_, _sinhá_; os finaes das palavras vão
se contrahindo, perdendo os seus suffixos caracteristicos, como _pió_
em vez de _peor_, _casá_, em vez de _casar_. Na parte do vocabulario
é que se nota mais profundamente a acção do elemento ante-historico,
pela profusão innumera de palavras de lingua tupi introduzidas na
linguagem familiar de todo o imperio[31]. Algumas d'essas palavras
já vão penetrando na lingua portugueza continental pelo regresso dos
colonos ricos[32], assim como nas guerras de Flandres os soldados
portuguezes trouxeram esses vocabulos que se chamaram _frandunagem_. A
lucta instinctiva para manter a pureza da lingua portugueza está ligada
ao facto politico da preponderancia do sangue portuguez na constituição
da nova nacionalidade; assim na provincia onde o portuguez é mais
archaico, em Minas Geraes, o elemento portuguez é puro e continúa a ser
catholico como no seculo XVI, e conservador timorato. Nas provincias
onde prevalece o cruzamento das raças selvagens, existe o espirito
revolucionario, como em Sam Paulo, e o odio ao portuguez puro como em
Pernambuco. Aqui estão as condições necessarias para um permanente
estimulo contra a acção enervante do meio climatologico, um movel de
energia scientifica e industrial; a capital do Rio de Janeiro pelo
seu inextricavel cosmopolitismo está destinada a realisar o accordo
de todos estes elementos para a obra da autonomia nacional, cujo
sentimento, transparecendo já na litteratura, revela que o destino
d'ella é identificar todas as divergencias n'este mesmo sentimento.

O moderno lyrismo brazileiro representa nas suas fórmas materiaes
ou estrophicas a velha tradição das _Serranilhas_ portuguezas tão
bem assimiladas pelo turaniano da America; a ardencia explosiva da
paixão amorosa, a lubricidade das imagens, a seducção voluptuosa do
pensamento, accusam o sangue do mestiço, devorado pelo seu desejo, como
em Alvares de Azevedo ou Casimiro de Abreu. A creação definitiva da
litteratura brazileira consiste em tornar estes factos conscientes.


NOTAS DE RODAPÉ:

[10] «Como na America do norte o Anglo-saxonio, fundindo-se com o pelle
vermelha, produziu o Yank, representante de uma nova civilisação, assim
o latino, fundindo-se com o tupi, produziu essa raça energica que
constitue a quasi totalidade da população de S. Paulo e Rio Grande, e a
maioria do novo imperio.» Dr. Couto de Magalhães, _O Selvagem_, p. XX.

[11] Na visita pastoral de 1761, o bispo do Grão Pará, Frei João de
S. José Queiroz allude á paixão das _Modinhas_, que achou confundidas
com os cantos religiosos: «ouvimos missa, a qual foi cantada pelas
suas indias e mamelucas a quatro vozes bem ajustadas, e no fim varias
cantatas devotas e de edificação sobre o que lhe fizemos uma pequena
pratica em louvor do canto honesto e ao mesmo tempo invectiva contra o
_lascivo das Sarabandas e Modas do tempo_.» Mem., p. 210.

No fim do livro dos Lyricos brazilleiros apresentamos uma pequena
collecção de cantos populares; os cantos epicos ou romances conservaram
o nome de _Xácaras_, não com sentido de dialogo, como as _Xacarandinas_
hespanholas e portuguezas do seculo XVII, mas por se conservarem nas
relações domesticas nas Chacaras ou fazendas do interior.

Os cantos lyricos conservam ainda o nome de _Lunduns_, designação que
se encontra em Sá de Miranda, e em Nicolau Tolentino:

    Em bandolim marchetado
    Os ligeiros dedos promptos,
    Louro peralta adamado
    Foi depois tocar por pontos
    O doce _Lundum chorado_. (Obras, p. 250)

O titulo d'este canto lyrico ainda se conserva nas Ilhas dos Açores
dado especialmente aos bailhos de terreiro, bem como o _Batuque_, ainda
conservado entre os Cururueiros de Cuyabá. As _Sarabandas_, estão
hoje totalmente esquecidas em Portugal, significando esta palavra
toda a admoestação aspera. O estudo dos cantos populares brazileiros
não poderá ser bem feito sem o processo comparativo com os cantos do
Archipelago açoriano. No estudo de Ferreira da Costa, que procede a
edição das _Poesias_ de Natividade Saldanha, allude este escriptor com
favor excessivo aos nossos trabalhos sobre a poesia popular portugueza,
e remata incitando ao mesmo trabalho os litteratos brazileiros: «Seria
muito para desejar, que nas diversas provincias se recolhessem _as
cantigas populares aliás tão abundantes entre nós_, a fim de se não
perderem completamente no futuro. E aquelles que se lançarem a este
campo com muitas difficuldades terão de luctar, mas prestarão um
relevante serviço ao paiz. Muitos julgarão taes estudos uma verdadeira
inutilidade, sem o menor valor; entretanto merecem elles todos os
cuidados como elementos para a formação da litteratura popular. Praza
a Deus, que muitos se lancem n'essa rica ceara, e tragam ao publico as
suas colheitas.» (Ap. _Poesias_ de J. da Natividade Saldanha, p. LXV,
not. 28.)

[12] Ainda hoje as festas do Espirito Santo são como nas ilhas dos
Açores. A lenda do _Curupira_ tem analogias com o _Encantado_, da ilha
de S. Miguel.

[13] Quatrefages, _L'Espèce humaine_, p. 209-210. Paris, 1877.

[14] Ap. Dr. Couto de Magalhães, _O Selvagem no Brazil_, P. I, p.
144-5. Rio de Janeiro, 1876.

[15] Os mais severos philologos rejeitam esta designação quando
applicada para exprimir o grupo das linguas ouralo-altaicas; porem
como facto ethnico, comprehendendo sob o nome de _turanianos_ os
povos de côr amarella e vermelha, com analogias nas mesmas formas de
civilisação, é uma descoberta indisputavel, que derrama uma luz immensa
sobre a historia do Egypto, da Chaldêa e da Asia pre-vedica, nas suas
relações com a America.

[16] _Romania_, t. VI, p. 265.

[17] Lenormant, _Les Prémières Civilisations_, II, p. 198-201.

[18] _Canc. do Vaticano_, p. 902.

[19] _Revista trimensal_, t. XXXVI, p. 11.

[20] _Le Brésil contemporain_, p. 71.

[21] Jean de Leri, _Historia navigationis in Braziliam_, p. 79.

[22] Idem, _ib._ p. 178.

[23] _Op. cit._, P. I. liv. 15, cap. I.

[24] _L'Origine_, p. 22.

[25] A designação peruana de _Yaravi_ é applicada a cantos epicos
tradicionaes, e na raça polynesica o cantor dos poemas heroicos das
tribus chama-se _Arepos_. (Quatrefages, _L'Espèce humaine_, p. 144).
No seculo passado tinhamos um canto chamado _Arrepia_. Tudo nos leva a
crêr que a designação popular de _Aravia_, é um vestigio turaniano nada
incompativel com qualquer influencia arabe, por isso que o arabe tambem
propagou na Europa as superstições turanianas como prova Lenormant, no
livro _La Magie, Chez les Chaldéens_.

[26] Francisque Michel, _Pays Basque_, p. 273.

[27] E. Vignancour, _Poés. bearn._, 2.ª ed.

[28] _Op. cit._, p. XV.

[29] _Poésies bearnaises_, p. 214.

[30] «Os sertenejos dizem: _Elles estão falla fallando_, para indicar
que elles estão fallando muito. Numerosas formas da lingua tupi
passaram para o portuguez do povo; e como é o povo quem no decurso
de seculos elabora as linguas, essa se hade transformar ao influxo
principalmente d'essa causa, de modo que dia virá em que a lingua do
Brazil será tão diversa do portuguez, quanto este é do latim.» Dr.
Couto de Magalhães, _O Selvagem_; I. _Curso de lingua tupi_, p. 79.

[31] «O cruzamento d'estas raças ao passo que misturou os sangues,
cruzou tambem (se me é licito servir d'esta expressão) a lingua
portugueza, sobretudo a linguagem popular. É assim que, na linguagem
do povo das provincias do Pará, Goyaz e especialmente de Matto-Grosso,
ha não só quantidade de vocabulos tupis e guaranis accomodados á
lingua portugueza, e n'ella transformados, como ha phrases, figuras,
idiotismos, e construcções peculiares ao tupi. Este facto mostra que
o cruzamento physico de duas raças deixa vestigios moraes, não menos
importantes do que os do sangue.» Dr. Couto de Magalhães, _O Selvagem_,
p. 76.

[32] Temos _Caipira_, etc.



                                  III


Entre os differentes dialectos romanicos da peninsula nenhum recebeu
mais prematuramente a forma escripta do que o gallego, pelo qual se
introduziu a poesia provençal nas côrtes de Portugal e de Hespanha[33];
por circumstancias politicas nenhum perdeu tão cedo a vida litteraria,
ficando apenas fallado por um povo desde muito tempo annullado pela
absorpção castelhana. Ao formarem-se as primeiras litteraturas da
peninsula, o gallego foi a linguagem em que se poetava na côrte de
Castella, como se vê pelas _Cantigas_ de Affonso o Sabio, e na côrte
de Portugal, como está bem patente nas mil duzentas e cinco canções do
_Cancioneiro da Vaticana_, e nos centenares de canções da collecção da
Ajuda; por esse dialecto hoje desprezado, admittido apenas para uso das
relações intimas das necessidades infantis, é que se podem explicar
certas formas litterarias, como as Serranilhas, e certos phenomenos
linguisticos do portuguez e castelhano como o _che_ por _te_ e por
_pl_. Effectivamente, a Galliza deve ser considerada como um fragmento
de Portugal, que ficou fóra do progresso de nacionalidade. Apesar
de todos os esforços da desmembração politica, a Galliza não deixou
de influir nas formas da sociedade e da litteratura portugueza: nas
luctas de D. Affonso II, refugiaram-se na Galliza bastantes trovadores
portuguezes, como João Soares de Paiva, e nas luctas de D. Fernando,
refugiaram-se em Portugal um grande numero de familias nobres da
Galliza, como os Camões, os Mirandas, os Caminhas, d'onde provieram os
grandes e os maiores escriptores da esplendida epoca dos Quinhentistas.

Nas epocas em que a litteratura portugueza fixava as formas da lingua,
ainda bastantes vestigios do gallego transparecem inconscientemente na
linguagem dos escriptores, quando se aproximam da dicção popular. No
Cancioneiro de Resende, em um Vylancete do Conde de Vimioso, se acha o
galleguismo:

 querend' esquexer-vos (fl. 85, col. 6.)

Nas comedias de Jorge Ferreira, cheias de locuções populares, abundam
estes factos: «pagam-se de bem _che_ quero;» (_Eufros._, 259) «fallou o
boi e _dixo_ bee;» (ib. 279) na comedia _Aulegraphia_: «Sempre fostes
d'esses _dichos_.» (fl. 37 _v._) «o som de bem _che_ farei e nunca lhe
fazem.» (fl. 20); «minha madrinha é azougue, e joga o dou-_che_-lo com
quantos aqui ancoram.» (fl. 59, v.) «Andaes vós a bons _dichos_ de
philosophos.» (fl. 76. v.)

Em Sá de Miranda, nas Eclogas, sobretudo quando imita a linguagem
popular, pollulam os galleguismos:

 Onde quer que _cho_ demo jaz (Ed. 1804, p. 220.) Não sei quem _che_
 por famoso (Id. 291.) Antre nós _che_ era outro tal. (Id. 223.) Disse
 então. E assi _che_ vae? (Id. 232, passim.)

Dos Autos de Gil Vicente tiraremos os bastantes para se reconhecer este
fundo da lingua:

 _Cha_, _cha_, _cha_, raivaram ellas (_Ob._ t. I, p. 131.) Que a
 ninguem tanto mal quige (Id. p. 135.) Se _xe_ m'eu isso soubera (Ib.
 p. 136.) Que te _dixe_, mana emfim? (Ib. p. 142.) Que homem ha hi-de
 _pucha_ (Ib. p. 172.) Isto hi _xiquer_ irá (Ib. p. 247.) A Deos
 _douche_ alma dizer. (Ib. p. 261.) Assi _xe_ m'o faço eu. (III, 162.)

Até em Camões ainda persistem as formas gallegas, como na cantiga:

 _Hei me de_ embarcar n'um barco;

e nos _Lusiadas_ na expletiva _a_, tão peculiar do dialecto em que o
grande epico chegou a escrever dois sonetos.

Bem cedo as relações ethnicas de Portugal com a Galliza foram
desconhecidas, e este facto é uma consequencia do desprezo que os
escriptores tiveram pela tradição nacional. O nome de _gallego_
tornou-se desprezivel em Portugal, e os grandes poetas oriundos de
familias gallegas usaram-no n'esse sentido. Assim diz Sá de Miranda em
uma Serranilha:

    Sola me dexaste
    En aquel yermo
    Villano, malo, _gallego_. (_Ob._, 1804, p. 404.)

E o proprio Camões, nos _Lusiadas_, deixou essa phrase injusta: «Oh
sórdido gallego...» ao passo que o povo portuguez derivou da sua indole
pacifica o velho amphigurí:

    Duzentos gallegos
    não fazem um homem...

As povoações do Alemtejo chamam _gallegos_ a todos os moradores do
Ribatejo, pela transmissão inconsciente de uma tradição perdida. Isto
bastará para explicar o assombro que deve causar aos conterraneos o
vêrem a poesia moderna gallega occupando um logar devido ao lado da
poesia portugueza, como uma das suas formas archaicas; seguimos o
rigoroso criterio scientifico, deixando as preoccupações vulgares.

Pelo estudo da poesia gallega, é que se podem comprehender as formas do
lyrismo portuguez; e a desmembração d'esse territorio, que ethnicamente
nos pertence e tem permanecido para nós extranho durante tantos
seculos, é que prova a falta absoluta de plano na nossa vida politica.
A verdadeira origem da tradição lyrica da Galliza está ligada á sua
constituição ethnica; esse lyrismo provém da eschola da Aquitania,
onde a raça pertencia, segundo Strabão, mais ao typo _iberico_ do
que ao gaulez. Segundo as modernas descobertas da Antropologia e
da Linguistica sabe-se que o _Ibero_, ou o basco actual, é de raça
turaniana. Quando Silio Italico, escrevendo no seculo I, faz no poema
historico da _Segunda guerra punica_ a lista dos diversos povos da
Peninsula que acompanharam Anibal na expedição contra a Italia, diz da
Galliza:

    Fibrarum et pennœ, divinarumque sagacem,
    Flammarum, misit dives Gallaecia pubem
    Barbara nunc patriis _ululantem_ carmina linguis,
    Nunc pedis alterno percussa verbere terra
    Ad numerum resonas gaudentem plaudere cetras,
    Haec requies, ludusque viris, ea sacra voluptas.
          (Lib. III, V. 345.)

Esta descripção coincíde com muitos caracteristicos da raça turaniana.
Acclarando as interpretações de Sarmiento, poremos em relevo este
sentido novo. Nas _Memorias para la Historia de la poesia y poetas
españoles_, diz este critico patricio de Feijó: «Primeiramente llama a
este pais de Gallicia rico (_dives_) acaso por los varios y preciosos
metales que de alli salian para los romanos, y aun hoy se benefician.»
De facto sabe-se hoje que a industria metalurgica é de origem
turaniana, e que os vestigios d'esta raça se encontram sempre junto dos
grandes jazigos minereos. Diz mais Sarmiento: «supone que tenian idioma
proprio y aun idiomas diferentes (_propris linguiis_). Esto contra los
que imaginan un solo idioma nacional en toda España en tiempo de los
carthaginezes.» A fusão das tribus turanianas com os celtas lygios (tal
como se deu na Irlanda) formando os celtiberos, fazia-se notar aos
romanos pelos seus differentes, dialectos. Continúa Sarmiento: «supone
los gallegos devotos y religiosos, pues los supone con sacrificios y
demas diestros y sagaces en consultar á sus dioses, y al extispicio
de sus victimas, ya en el auspicio de las aves, ya finalmente en
la observancia, aun que vana, de los movimientos, color, volumen,
voracidad y direcion de las llamas de sus holocaustos.» As formas
magicas da religião accadica, o culto do fogo, e os nomes de divindades
naturalistas que se acham nas Inscripcões colligidas por Hubner, dão a
prova demonstrada d'essa raça turaniana, que desceu do norte da Europa.
Finalmente Sarmiento: «dice que usaban en sus diversiones, juegos y
fiestas sagradas de hymnos, canto, musica y bailes: _ulutantem...
carmina... alterno verbere pedis... ad numerum resonas cetras_[34].»

Esta grande abundancia de cantos e hymnos sagrados, tal como se
descobriram nos livros accádicos, levam-nos a fixar que sob a forma
celtica, acobertada com o nome de Galliza, existe uma camada social
turaniana, da antiga diffusão que occupava a Aquitania e a Sicilia. É
justamente n'estes pontos que subsistem as fórmas lyricas analogas ás
gallegas, e portanto nenhum conhecimento seguro se póde ter do genio
d'este povo sem tirar a luz da sua origem turaniana, tão persistente
na indole e fórmas da sua civilisação. Os instrumentos musicos a que
cantavam eram, como diz Silio Italico, _ritu moris Iberi... barbara
cetra_, o que confirma, que no primeiro seculo christão ainda era
sensivel esse caracter turaniano. A acção exercida pelo elemento
celtico, romano, e mais tarde suévico sobre a raça turaniana pelo
menos até ao Mondego, é complexissima: o celta desenvolveu a tendencia
poetica amorosa, fazendo esquecer pelas prescripções druidicas os
cantos religiosos; o romano influiu na creação precóce de um dialecto e
na industria agricola; a estabilidade do suevo, tornado pacifico pelas
suas grandes derrotas, manteve essa passividade que o gallego conserva
na constituição das modernas nacionalidades da Peninsula.

De todas estas camadas ethnicas se conservam vestigios poeticos, e com
assombro o dizemos, na tradição actual; são de origem turaniana os
cantos de _Alalála_; são celticos os _Cantares guayados_; são romanos
os cantos de _Ledino_, são suevicas ou germanicas as _Chacones_.
Falaremos d'aquelles cantos tradicionaes que explicam o lyrismo
moderno.

O _Alalála_ é a neuma patriotica dos cantos gallegos, que os romanos
julgavam ser o ulular; é ella que hallucina o que está ausente da
sua patria, e que o cura da saudade nostalgica, chamada em Hespanha
_morrinha gallega_. Um proverbio vasconço diz: _Bethico leloa_, isto
é, «o eterno _lelo_,» ou--antigo e persistente como este estribilho
nacional, que Silio Italico tomou como caracteristico. Na poesia
euskariana conserva-se este vestigio cantabrico, que pela sua
aproximação dos costumes irlandezes, se vê que é o estribilho de uma
canção funebre ou areyto:

    Lelo, il lelo
    lelo, il lelo
    leloa zarac (çaray?)
    il leloa.

Outras canções vasconças conservam o mesmo estribilho, tantas vezes
considerado como um individuo:

    Eta _lelori_ bay _lelo_...
    Etoy _lelori_ bay _lelo_, _leloa_ çaray _leloa_[35].

Na poesia popular portugueza ainda se encontra em Coimbra e Açores o
estribilho:

    _Lari lole_
    Como vae airosa,
    Com a mão na transa,
    Não lhe caia a rosa[36].

Tudo isto se liga a um veio perdido da poesia primitiva da grande raça
turaniana, como se confirma por um canto funebre da Irlanda sempre
acompanhado como o estribilho _ullaloo_[37]. A demonstração torna-se
mais rigorosa desde que este mesmo estribilho apparece entre raças
isoladas, de origem turanica.

Diz o Abbade Bertrand: «Os Chulalanos nas suas festas cantavam,
dansando em volta de Teocalli (casa de Deus) um canto que começava
pelas palavras _tulanian, hululaez_, que não pertence a nenhuma lingua
actual do Mexico... O grito de alegria dos Kaulchadales, _alkalalai_,
lembra tambem a mesma fórmula pelas ultimas syllabas...» Os saxões
caminhavam para a guerra ao grito de _alelá_, grito que é ainda o
_haleli_ das caçadas. Em uma canção portugueza do _Cancioneiro da
Vaticana_, se repete _Edoy_ (Etoy) _lelia, leli, leli_. Como se explica
a persistencia d'este refrem primitivo, ao passo que se foi perdendo o
genero poetico? Sabe-se que o Arabe trouxe para a peninsula um grande
numero de superstições turanianas, e assim fez reviver formas quasi
extinctas da civilisação que trazia; a _Serranilha_ é de designação
arabe, como os _Fados_, (Huda) e um dos sete atributos que os derviches
repetiam frequentes vezes ao dia era: _La ilahi ill'Allah_ (não ha deus
senão Allah), que parece quasi o estribilho gallego moderno: Alalála,
_lála la_.

No grande Cancioneiro portuguez da Bibliotheca do Vaticano, ainda se
encontra um vestigio das antigas cantigas de _Alalála_; pertence essa
composição a Pedro Anes Solaz, e é do mais alto valor archeologico:

    Eu, velida, dormia,
        le-li-a, d'outra!
    E meu amigo venia,
        edoy le-li-a d'outra.
    Nen dormia e cuydava
        lelia d'outra!
    E meu amigo chegava
        edoy lelia d'outra!
    O meu amigo venia
        lelia d'outra!
    E d'amor tambem dizia
        edoy lelia d'outra.
    O meu amigo chegava
        lelia d'outra
    E d'amor tambem cantava
        edoy lelia d'outra!
    Muyto desej'ey, eu amigo,
        lelia d'outra,
    Que vos tevesse comigo
        edoy lelia d'outra!
    Leli, leli, por deus lely
        lelia d'outra!
    Bem sey quem non diz leli
        edoy lelia d'outra.
    Bem sey eu quem diz lelya
        lelia d'outra!
    Demo xe quem non diz lelia
        edoy lelia d'outra[38].

As varias formas poeticas, que se encontram na Europa, o _liedle_
do dialecto suisso, o _lied_ allemão, o _liod_ irlandez, _leod_
anglo-saxão, o _leudus_ da baixa latinidade, o _leoi_ irlandez, o
_lai_ bretão, correspondendo ao genero do _lelo_ basco e _Alalála_
galleziano, e _lelia_ portuguez, accusam uma origem commum, que se pode
explicar pela tradição lyrica da raça turaniana na Europa. O sentido
da palavra _lai_, que ficou nas litteraturas como caracteristico de um
genero lyrico, é especialmente musical.

Uma outra neuma caracteristica da Peninsula, mas já peculiar da raça
celtica é o _Guay_, que chegou a constituir um genero dos cantares
_guayados_, do que ainda falla Gil Vicente. Os romances peninsulares
assim como começavam «_Helo_, _helo_, por do viene» tambem tem outro
principio, como «_Guay_ Valencia, _Guay_ Valencia.» É aquelle grito
celtico _Woe! Woe!_ que ainda hoje se conserva na Escossia como
uma vehemente expressão natural. A _gaita_ de folles da Escossia é
similhante á gaita gallega, em tempo admtida no exercito hespanhol
como meio salutar na nostalgia dos recrutas da Galliza. Como o gaëls
das montanhas da Escocia, que, longe da patria, na America do norte ou
nas florestas do Canadá, falla o inglez, mas sonha e sente no dialecto
gaëlico, é assim o gallego entregue aos trabalhos braçaes longe da
sua patria, ou nas guarnições militares; as cantigas do _Alalála_, a
_Muiñera_ trazem-lhe á lembrança o ár das suas montanhas: _Ayriños de
miña terra_, que elles aspiram n'esse hausto de saudade, _Guay_!

Vejamos como por seu termo a influencia do genio celtico faz prevalecer
esse profundo caracter de unidade tradicional do lyrismo moderno. Na
civilisação da Peninsula, a Galliza occupa uma posição excepcional como
a Provença para com a França; a sua longa tranquilidade fel-a adoptar o
gosto lyrico da Eschola da Aquitania; e assim como a poesia provençal
foi o desenvolvimento litterario de cantos tradicionaes do meio dia da
França (celto-romana) como ainda se descobre por uma rubrica de uma
canção do conde Poitiers, na Galliza sugere as formas novas e o estylo
lyrico popular aos trovadores portuguezes e castelhanos. Não basta
sómente Strabão considerar os Aquitanios mais parecidos com os Iberos
(da fusão celtibera) do que com os gaulezes (reconhecidos como raça
scythica[39]) ha um fundo commum de poesia lyrica pertencente á Italia,
á Provença, á Galliza, e a Portugal, que comprova a existencia de um
mesmo elemento ethnico n'estes paizes. Onde povos celticos se cruzaram
com iberos, ou tribus turanianas, persistiu a primitiva tradição
lyrica. A publicação moderna de algumas _Pastorellas_ provençaes levou
a presentir pela comparação essa unidade. Os restos de _Dizeres_ e
_Serranilhas_, que Gil Vicente intercala nos seus autos, são vestigios
de canções gallegas do seculo XIV, tal como se lêem no _Cancioneiro
portuguez da Vaticana_[40].

Uma Pastorella de Guido Cavalcanti traz estes versos quasi identicos a
uma das serranilhas de Gil Vicente:

    E domandai si avesse compagnia?
    Ed ella me rispose dolcemente
    Che sola, sola per lo bosco gia[41].

E em Gil Vicente:

    Cheguei-me per'ella com gram cortezia,
    Disse lhe:--Senhora, quereis companhia?
    Disse-me: Escudeiro, segui vossa via[42].

Em um poeta do Cancioneiro geral, achamos um vilancente immensamente
parecido com uma canção bearneza e com outra do sul da Franca; eis o
vilancente de Francisco de Sousa:

    Abaix'esta serra
    verey minha terra!

    Oh montes erguidos,
    Deixae-vos caír,
    Deixae-vos sumir
    E ser destroydos!
    Poys males sentidos
    Me dam tanta guerra
    Por ver minha terra[43].

Na canção bearneza de Gastão Phebus, existem estes mesmos elementos
tradicionaes:

    Aquères mountines
    Qui ta haütes soun,
    M'empèchen de béde
    Mas amous oun soun.
    Si subi las béde
    Ou las rancountrá,
    Passéri l'ayguete
    Chéus poü dem'nega[44].

Em um canto provençal moderno de Jasmim, ao referir-se aos refrens que
ressôam pelos áres, intercala este vestigio tradicional das antigas
pastorellas:

    Aquellos muntaynos
    Que tam hautos sun,
    M'empachon de beyre
    Mas amus un sun;
    Baycha-bus, muntaynos,
    Planos, hausabús,
    Perque posqui beyre
    Un sun mas amús[45].

A persistencia da tradição lyrica na Galliza, é que a tornou o centro
de irradiação litteraria nas côrtes peninsulares onde o seu dialecto
era empregado na linguagem poetica, como o provençal no norte da
França. A conquista romana veiu muito cedo influir na constituição do
dialecto gallego, sem alterar a tradição poetica; influiu bastante
na forma da industria agricola. Diz Sarmiento: «Galicia, mi patria,
_es la Provincia que mas voces latinas conserva_, y en especial en
quanto toca á agricultura. Digolo, porque lei por curiosidad de verbo
ad verbum, á Caton, Varron, Columella y Palladio[46].» A Galliza foi
o primeiro territorio da Peninsula que sofreu e ficou submettido á
invasão dos barbaros do norte; os Suevos, que se apoderaram d'ella
eram um dos ramos mais civilisados das raças germanicas, e chegaram
a estender o seu dominio até ao Tejo. A sua derrota, por Theodorico,
na batalha de Urbius, restringiu-os ao territorio gallaico, e a sua
adopção do catholicismo, fez com que o Suevo perdesse os seus mythos
odinicos, e por tanto não pode elaborar os cantos epicos, que teriam
sido um estimulo de resistencia e de cohesão nacional. Por causa do
catholicismo entraram em conflicto com os Vandalos, que seguiam as
doutrinas de Ario, e pelo catholicismo veiu a prevalecer a erudição
morta das escholas latinas, dando ao novo dialecto uma forma bastante
artificial. Uma vez privado das antigas ambições de conquista e da
actividade das armas, o Suevo ficou sedentario, e pelas condições
do territorio em que estava limitado, entregou-se ao trabalho da
agricultura; o lyrismo desenvolveu-se sob as emoções da vida rural, mas
a emphyteuse romana, e os direitos de mão-morta tornaram a lavoura um
trabalho de servos e a Galliza um paiz de desgraçados. A influencia da
lingua dos suevos sobre o gallego actual fazendo com que tivesse uma
poesia muito mais cedo do que as outras linguas da Peninsula, é assim
caracterisada por Helfrich e Declermont: «Comparando a vocalisação do
dialecto suabio actual á do portuguez, julga-se ter achado a solução
do problema. Foram os Suevos, que, primeiro do que todas as outras
tribus germanicas se estabeleceram na Galliza, e admittindo que a
lingua allemã recebesse na bocca dos Suevos, desde a sua primeira
apparição historica, uma vocalisação distincta da do gothico, não
custará a attribuir a intonação nasal, particular ao dialecto suabio,
e que se encontra de uma maneira surprehendente no portuguez, á
influencia da lingua dos Suevos sobre o novo-latino que acabava de se
formar unicamente na Galliza[47].» E Sarmiento, tão investigador das
antiguidades da Galiza, affirma: «Quando Portugal estaba em posesion de
los Moros, se hablava ya en Galicia el idioma vulgar, aunque dudo que
se escribiesse; como ni aun hoy se escribe. Pero esto no impide que se
cantasse, e que en el se hiciesen varias coplas, que despues se pasaran
al papel...» (op. cit., p. 200). D'estes cantos populares existem
preciosos especimens no Cancioneiro da Vaticana, mas sobretudo existe
a canção épica com que o genio do Suevo reagiu contra a invasão arabe
da peninsula; tal é a tradição de _Peito Burdello_, gallega na forma,
conservada em Portugal:

    No figueiral figueiredo
    _A_ no figueiral entrei;
    Seis _nenas_ encontrara
    Seis _nenas_ encontrei...[48]

D'outras formas epicas conserva-se apenas a designação de _Chacone_,
tambem commum a Portugal, Hespanha, França e Italia, como vestigio do
elemento germanico (wisigothico, franko e lombardo). O mais antigo
romance hespanhol hoje conhecido, tem a fórma gallega, e foi por nós
restituido sobre o apographo da Vaticana[49].

Uma das causas porque a lingua gallega se tornou o dialecto particular
da poesia lyrica tanto de Portugal como de Castella alem da
communicação primeira com os trovadores da Aquitania, está no estado de
desenvolvimento politico d'estes dois paizes. Castella, não tinha ainda
dominado as differentes provincias de Hespanha, nem garantido contra
ellas a sua propria independencia; a unidade soberana das Hespanhas
era disputada pelo Aragão e por Leão. Só no meiado do seculo XV, sob
Fernando e Izabel é que essa unidade politica se fez; e é a datar
d'esse tempo que a lingua castelhana toma desenvolvimento, reduzindo as
outras linguas a dialectos restrictos e particulares; era no principio
do seculo XV que o marquez de Santillana fallava do uso gallego na
poesia castelhana não só referindo-se ás poesias de Affonso o Sabio,
educado na Galliza, mas a essa especie de renascença do genio poetico
da Galliza em Villasandino, em Macias e Juan Rodrigues del Padron,
seus contemporaneos. A influencia da lingua gallega cessa no momento
em que o castelhano, por effeito da unidade politica, se constitue
em disciplina grammatical e em lingua official. N'este mesmo periodo
do seculo XV já a lingua portugueza estava mais _contraída_ do que
a castelhana, já distinguia a sua epoca _archaica_, porque desde a
constituição da nacionalidade portugueza ou melhor, desde que recebeu
forma escripta, não teve nunca a lutar com as aberrações dialectaes,
e por isso o seu desenvolvimento em vez de dispender-se em unificação
deu-se no sentido do neologismo e da disciplina.

Mas o uso da lingua gallega em Portugal, sobretudo na poesia, proveiu,
em parte, do elemento aristocratico, e em parte pela immobilidade
d'esse dialecto, que era uma como especie de apoio no meio das
perturbações que as colonias francezas e inglezas, e as povoações
mosarabes e _mudgares_ conquistadas podiam produzir na nova sociedade.
A separação do portuguez do gallego consistiu na immobilidade do mesmo
dialecto em um ponto, e do seu progresso successivo e litterario em
outro.

Os limites da Galliza, na epoca da constituição da nacionalidade
portugueza, demonstram materialmente a relação em que estavamos para
recebermos e imitarmos essa poesia popular e esse novo dialecto. Diz
Herculano: «No seculo XI a extrema fronteira da Galliza ao occidente,
parece ter-se dilatado ao sul do Douro, nas proximidades da sua foz,
pela orla do mar até alem do Vouga; mas seguindo ao nascente o curso
d'aquelle rio, os sarracenos estavam de posse dos castellos de Lamego,
Tarouca, S. Martinho de Mouros, etc.[50]» No antigo Cancioneiro da
Ajuda, encontra-se a cada verso o _xe_, por _te_:


    Fazer eu quanto _x_'el quer fazer. (Canc. n.º 55.)
    Mais pois vejo que _x_'el quer assi
    Poil-o el faz _xe_ me mal fazer. (N.º 158.)

Estas fórmas explicam-nos a tendencia da lingua portugueza em converter
a combinação _pl_ em _ch_, como em _pl_us, _ch_us, _pl_antar,
_ch_antar, _pl_anto, _ch_anto, _pl_ano, _ch_ão, _pl_atus, _ch_ato, que
na corrente erudita se conservam na sua pureza latina, como _plantar_,
_pranto_, _plano_, _prato_. O _Cancioneiro da Vaticana_ conserva entre
os trovadores portuguezes muitos poetas gallegos taes como Affonso
Gomes, jograr de Sarria, Fernam Gonçalves de Senabria, João Ayras,
burquez de Santiago, João Romeu, de Lugo, João Soares de Paiva, que foi
morrer á Galliza por amores de uma infanta, João Vasques, de Talavera,
Martim de Pedrozelos, João Nunes Camanes, Vasco Fernandes de Praga
e outros muitos. A Galliza, nas luctas da côrte portugueza no tempo
de D. Affonso II, D. Affonso III e D. Fernando I, foi uma especie de
paiz neutro para onde se acolhiam os fidalgos portuguezes; os fidalgos
gallegos recebiam em Portugal o melhor acolhimento e não receiaram
seguir o partido de D. Fernando, tendo por isso de se refugiarem na sua
côrte depois de vencidos. Aquelles poetas quinhentistas portuguezes,
Sá de Miranda e Camões, que ligaram ao nome de _gallego_ um sentido
de desprezo, eram oriundos d'esta emigração politica do fim do seculo
XIV; e foram elles que acharam a feição nacional da nossa poesia e nos
libertaram da subserviencia litteraria de Castella, em que estavamos,
como se vê pelo Cancioneiro geral, de Resende.

Era preciso que a tradição poetica popular da Galliza fosse profunda
para que, ainda depois de Affonso o Sabio, quando já a Galliza não
tinha vida politica, produzisse poetas lyricos de tal forma inspirados,
como Villassandino, Macias, Juan Rodrigues del Padron, Jerena e
Arcediago do Toro, para que no fim do seculo XIV luctassem contra a
influencia do novo lyrismo da Italia, que entrava por Sevilha. Nas
litteraturas a fecundidade e originalidade individual correspondem
sempre á existencia de um vigoroso elemento de tradição popular; esta
grande lei da critica moderna verifica-se na Galliza. No meado do
seculo XV escrevia o Marquez de Santillana ao Condestavel de Portugal:
«E depois acharam esta _Arte_, que _Maior_ se chama, e _Arte Commum_,
creio, nos reinos de Galliza e Portugal, onde não ha que duvidar, que
o exercicio d'estas sciencias mais do que em nenhumas outras regiões
e provincias de Hespanha se costuma; em tanto gráo, que não ha muito
tempo, quaesquer Dizidores ou Trovadores d'estas partes ou fossem
Castelhanos, Andaluzes ou da Extremadura todas as suas obras compunham
em lingua gallega ou portugueza. E ainda é certo que recebemos os
nomes de arte, como: maestria mayor, e menor, encadenados, lexapren e
mansobre[51].»

D'este trecho, se infere: 1.º Existencia da _Arte commum_, usada
pelos _Dizidores_, que compunham em _maestria menor_ essas obras que
o Marquez no § XV chama «cantigas, Serranas e Dizeres portuguezes,
e gallegos.» 2.º Que a par d'esta fonte popular coexistia a _Arte
Mayor_, usada pelos Trovadores, que escreviam em metro limosino ou
endecassyllabo, (eschola da Aquitania) sendo as suas composições
mais artificiaes, como os encadenados, lexapren e mansobre. 3.º Que
o dialecto gallego era usado na poesia lyrica tanto em Portugal,
como em Castella, na Extremadura e Andaluzia. No seculo passado teve
o erudito Sarmiento uma polemica com Don Thomaz Sanchez, tomando
no sentido mais absoluto as palavras do Marquez de Santillana: «Yo
como interessado en esta conclusion, por ser gallego, quisiera tener
presentes los fundamentos que tuvo el Marquez de Santillana; pero en
ningun Autor de los que he visto, se halla palabra que pueda servir de
alguna luz[52].» No tempo de Sarmiento já eram estudadas as poesias de
Affonso o Sabio escriptas em dialecto gallego, conforme o reconheciam
Diego Ortiz de Zuniga e Papebroquio e hoje todos os philologos.
Sarmiento depois de reconhecer tambem a lingua em que escreveram
Macias e Padron, conclue: «De este modo se entiende y se confirma lo
que escribió el Marquez de Santillana sobre el idioma de los antiguos
Trobadores castellanos, andaluces y estremenhos.» (p. 200.) Quando o
Marquez de Santillana assignalava esta influencia da Galliza, escrevia
«_não ha muito tempo_»; este limite da influencia gallega assigna-se
em Hespanha com a introducção da imitação italiana em Castella por
Micer Imperial, e com relação a nós os portuguezes com a imitação de
João de Mena começada pelo infante D. Pedro. O ultimo vestigio d'esta
unidade poetica da Peninsula foi assignado por Sarmiento na comparação
dos Adagios gallegos: «Los Adagios gallegos son los mismos que los
de los Portuguezes y Castellanos mas antiguos[53]; y los Catalanes,
que son semejantes á los Francezes...» (Ibid., 178.) No seculo XV
ainda em Portugal Camões escreveu dois sonetos em lingua gallega, cuja
intenção se não pode conhecer; no seculo XVII o Marquez de Montebello
caracterisa o gosto das mulheres de Braga pelo canto em córos, tal como
no seculo XVIII observa Sarmiento na Galliza; diz o Marquez: «Com
grande destreza se exercita a musica, que é tão natural em seus
moradores esta arte, que succede muitas vezes aos forasteiros que
passam pelas ruas, especialmente nas tardes do verão, parar e
suspenderem-se _ouvindo as trovas que cantam em córos com fugas e
repetições as raparigas, que, para excitar o trabalho_ de que vivem
lhes é permitido...» (Vida de Manoel Machado de Azevedo.) Sarmiento
escrevendo em 1741, observa tambem a influencia da mulher na poesia
popular da Galliza: «Ademas d'esto he observado que en Galicia las
mujeres no solo son poetisas, sino tambien musicas naturales.» (P.
237.) Esta caracteristica explica-se ethnicamente: «los paizes que
estan entre los dos rios Duero y Miño, pertenecian á Galicia y no á
Lusitania. Ptolomeo expresamente pone dos classes de gallegos: unos
_Bracharenses_ cuya capital era Braga; y otros _Lucenses_, cuya cabeza
era Lugo. Pero despues que Portugal se erigió en reyno á parte, agregó
muchos paizes de Galicia. De esto ha resultado que muchas cosas, que
en realidad son gallegas han passado por portuguezas; etc.» (Ib. p.
201.) Isto se pode applicar á antiga tradição do _Peito Burdelo_ ou do
tributo das donzellas, versificada na Galliza, e hoje só conhecida em
Portugal[54].

Caracterisando a poesia popular da Galliza, continúa Sarmiento:
«Generalmente hablando, assi en Castilla como en Portugal y en otras
provincias los hombres son los que componem las coplas e inventam los
tonos ó ayres; y ahi se vé que en este genero de coplas populares,
hablan los hombres con las mujeres ó para amarlas ó para satyrisarlas.
En Galicia es el contrario. En la mayor parte de las coplas gallegas
hablan las mujeres con los hombres; y es porque ellas son las que
componen las coplas sin artificio alguno; y elas mismas inventan
los tonos ó ayres a que las han de cantar, sin tener ideia del arte
musico.» (Ib. p. 237.) Este caracteristico é mui bem observado,
com a differença porém, no que diz respeito a Portugal, se deve
exceptuar o Minho, o qual, não só pelo que vimos do trecho do Marquez
de Montebello, como pelo estado actual da tradição alli, são as
mulheres que exclusivamente cantam e improvisam, e os homens em geral
conservam-se mudos, pelo seu estado de estupidez. Um moderno escriptor
que viveu no Minho, dá-nos a seguinte noticia do estado da poesia
popular: «Passei á orla das cortinhas onde mourejavam as moças da
aldeia, e ouvi-as _cantar ladainhas e versos de Sam Gregorio_. Quedaram
de cantar e romperam n'um murmurio monotono: resavam a corôa.» O
phenomeno da Galliza e do Minho em que as mulheres são as que conservam
a poesia, é o resultado da sua ultima decadencia; os padres prohibem as
cantigas amorosas e impõem a _Ladainha_ ou o _Bemdito_. As Romarias,
são um meio em que o fanatismo das classes populares se concilia com
as suas tradições lyricas; a Galliza e o Minho tem as Romarias como as
suas festas mais queridas, como o pretexto dos seus cantos e dansas.
Muitas das antigas Serranilhas do _Cancioneiro da Vaticana_ alludem aos
logares das romarias:

    Ir a _San Salvador_...
    A la _egreja de Vigo_...
    Ir a _Santa Cecilia_...
    Ora vou a _San Servando_...
    Ide a _San Mamede_, ver-me-hedas... etc.

Estes versos formavam um genero ainda conhecido em Portugal no
principio do seculo XVI pela designação de Cantos de _ledino_. A
descripção que Sarmiento faz d'este costume da Galliza corresponde
tambem ainda hoje ao nosso Minho: «Aun hoy executan lo mismo aquelles
nacionales quando van á algun santuario ó Romeria. Siempre van en
tropa hombres y mujeres. Estas cantando coplas al asunto y tocando un
pandero; uno de los hombres tañendo flauta; y otro ó otros dançando
continuamente delante hasta cansarse, y entran otros despues. Es verdad
que non lleban armas para batirlas al compas, pelo lleban en su logar
un genero de instrumento crustico que en el pais llaman _ferreños_ (em
portug. ferrinhos) y en Castella sonajas[55].» Pela poesia popular
da Galliza se explicam as formas dos _Cantares de Amigo_ dos nossos
Cancioneiros aristocraticos, as Serranilhas, cujos refrens ainda
prevalecem hoje no lyrismo brazileiro, os cantos _guayados_ e de
_ledino_, ainda lembrados em Portugal no seculo XVI, os caracteristicos
dos cantos do Minho entoados por mulheres e ao mesmo tempo a falta de
tradições epicas.

Os trovadores e jograes que figuram no _Cancioneiro da Vaticana_,
constituiram um genero poetico d'esta caracteristica tão especial dos
cantos populares gallegos; a par de muitas canções de uma metrificação
artificial e de um sentimento requintado, apparecem os mais suaves
idylios em um parallelismo quasi biblico, com retornellos repetidos,
em que são as mulheres que fallam dos seus namorados, despedindo-se,
esperando-os, arrufando-se com elles, pondo prazo para romarias.
Chamou-se a este genero _Cantares de Amigo_, e o que assombra é a
persistencia d'esta fórma, que se elevou do povo até á imitação
aristocratica, obtendo a predilecção de el-rei Dom Diniz, e como
tornou a desapparecer dos Cancioneiros ficando até hoje nos costumes
populares. Algumas d'essas _cantigas de amigo_ eram tão proverbiaes que
os segreis as intercallavam no meio das suas composições, como fazia
Ayres Nunes, repetindo:

    Sol-o ramo verde, frolido
    Vodas fazem ao meu amigo;
        e choram olhos de amor.

    (_Canc. da Vat._, n.º 454.)

Uma canção de João de Gaya, termina com esta rubrica preciosa: «Esta
cantiga foy seguida de uma baylada que diz:

    Vós avedes los olhos verdes
    e matar-me-hedes com elles.»

    (_Canc. da Vat._, n.º 1062.)

Em outro logar o mesmo jogral satyrisando o alfaiate do bispo Dom
Domingos Jardo, apresenta a rubrica: «Diz uma cantiga de vilaño:

    Ó pee d'huna torre
    bayla corpo e giolo,
        vedel o cós, ay cavalleiro.»

    (_Canc._, n.º 1043.)

Estes vestigios accentuam a corrente popular que entrou nos
Cancioneiros, e nos dão a origem das mais bellas composições ou fórmas
tradicionaes que ahi se conservam.

Portugal, Galliza e Brazil tão separados pelas vicissitudes politicas,
conservam ainda inteira a sua unidade ethnica na tradição litteraria. É
o que pretendemos fazer sentir n'este livro.

Pelo estudo da sua tradição é que as nacionalidades revivem; é pelo
conhecimento do seu desgraçado passado que Portugal saberá traçar o seu
novo destino. Na moderna nacionalidade brazileira o elemento portuguez
da provincia de Minas, está destinado a manter a integridade de um povo
facil a ser desnaturado por um excessivo cosmopolitismo. No seculo
passado começou na Galliza um movimento nacional da tradição, pelos
eruditos Feijó, auctor do _Theatro critico_, Sarmiento, o que até então
melhor estudou as origens litterarias de Hespanha, e Sobreyra, que
deixou os manuscriptos _Ideia de un Diccionario de la lengua gallega_.
No emtanto as agitações napoleonicas embaraçaram esse progresso local,
e a Galliza annullada pela centralisação castelhana, perdeu a sua
lingua. Esta queda reflecte-se no annexim popular:

    Sei que porque estás na Coruña
    Xa non queres falar en galego[56].

O afastamento da Galliza de Portugal provém do esquecimento da
tradição nacional e da falta de plano politico em todos os que nos
tem governado. Em Portugal o espirito moderno penetra, mas ainda,
é considerado como revolucionario. Na Galliza o estudo da tradição
recomeçou já; a lingua tem já uma grammatica composta por D. Xam
Anton Saco Arce[57], e um diccionario por D. Juan Cuveiro Pinhol; tem
já uma historia, por D. Manoel Murguia, e a poesia é cultivada por
vultos sympathicos como Elvira Luna d'o Castillo, D. Rosalia Castro
de Murguia, D. Ramon Rua Figuénsa, Valentin L. Carvajal, Alberto
Camiño, D. José Benito Amado, e Turnes, que fazem reviver esse dialecto
outr'ora peculiar das côrtes peninsulares. E por isso que cada paiz tem
o seu lyrismo bem caracterisado, em Portugal a poesia é o unico agente
da ideia avançada que trabalha para a transformação futura; no Brasil
predomina ainda a feição colonial, conservando as fórmas perdidas
desde o seculo XVI na poesia portugueza; na Galliza, a poesia tem a
ingenuidade e o fervor de uma renascença.


                                                       THEOPHILO BRAGA.


NOTAS DE RODAPÉ:

[33] Marquez de Santillana, _Carta ao Condestavel de Portugal_.

[34] Op. cit. p. 31, n.º 76.

[35] Apud _Pays basque_, por Fr. Michel, p. 230, 281, 283.

[36] _Cancioneiro popular_, p. 60. Coimbra, 1867.

[37] «Os irlandezes, cuja musica é naturalmente mais triste, eram
mais dispostos a adoptar a expressão da dôr; assim o _coronach_ ou
_ulalaith_, a lamentação era o mais commum dos seus cantos funebres.»
_Histoire des Druides_ d'aprés M. Smith, p. 78.

[38] _Canc. da Vaticana_, n.º 415.--A influencia basca na poesia
tradicional e palaciana, parece determinar-se por uma acção mais
moderna, como se vê por esta canção de Ruy Paes de Ribela: (_Antologia
portugueza_, n.º 23.)

    A donzella de Biscaya
    ainda a má preito saia
        de noite ao luar? etc.

São biscainhas as tradições heraldicas colligidas pelo Conde D. Pedro
no Nobiliario ácerca da _Dama pé de cabra_.

[39] Lemière, _2.ᵉ Étude sur les Celtes et les Gaulois_, 1.º fasc.

[40] Vid. essa comparação no _Manual de Historia da Litteratura
portugueza_, p. 47.

[41] Apud Nanuci, _Manual della Letteratura italiana_, I, p. 273.

[42] _Obras_, t. III, 218.

[43] _Canc. geral_, t. III, 562.

[44] _Poésies béarnaises_, canson XXXIX p. 152. Ed: Pau, 1852.

[45] Ap. _Rev. des Deux Mondes_, 1846, t. IV, p. 402.

[46] _Memorias para la Historia de la Poesia_, etc. p. 144.

[47] _Aperçu de l'Histoire des Langues neo-latines en Espagne_, p. 36.

[48] Vid. _Antologia portugueza_, n.º 1.

[49] _La Academia_, n.º 17, p. 262. Madrid, 1877.

[50] Herculano, _Hist. de Port._, III, p. 189. (1849).

[51] _Carta ao Condestavel_, § XIV.

[52] _Mem_, p. 196.

[53] Eis aqui alguns rifões gallegos communs á tradição portugueza:

    Tempos van e tempos ven,
    Sufranse os que penas ten.
    O vino
    Fai o vello mocino.

       *       *       *       *       *

    No hai lua como a do Janeiro,
    Nin amor como o promeiro.

       *       *       *       *       *

    Digocho sogra,
    E entendemo nora.

       *       *       *       *       *

    O probe é sempre mal home;
    O rico sempre é un bendito.

       *       *       *       *       *

    Pascuas molladas,
    Moitas obratas;
    Pascuas enxoitas
    Nin poucas nin moitas.

       *       *       *       *       *

    Quen manda e fai
    Ten dous traballos.

       *       *       *       *       *

    O home por la palabra
    E o boi pola corda.

    Á conta dos meus compadres
    Rebandas ós meus afillados.

       *       *       *       *       *

    Canto mais lle dan ó tolo
    Mailo tolo quer.

       *       *       *       *       *

    Dixolle o pote ó caldero
    Tirat' alá no me luxes.

       *       *       *       *       *

    No mes de Janeiro
    Vaite ó outeiro,
    Se ves verdejar
    Pónte a chorar;
    Se ves negrejar
    Ponte a bailar.

       *       *       *       *       *

    No mes de Janeiro
    Saben as berzas
    Coma o carneiro.

       *       *       *       *       *

    A muller e a ovella
    Cedo pra cortella.

       *       *       *       *       *

    O que escoita
    Mal de si oye.

[54] _Epopêas mosarabes_, p. 173 a 207.

[55] _Mem._ cit. p. 35.

[56] Periodico--_La Galicia_, vol. IV, p. 107.

[57] Esta grammatica ressente-se da grave opinião do seu auctor, que
desconhece que o gallego é um dialecto do portuguez, e por isso o seu
estudo comparativo ficou em grande parte improficuo. Vid. _Romania_,
n.º 3; e _Bibliographia critica de historia e litteratura_, p. 55.



                  OBRAS POETICAS CITADAS N'ESTE LIVRO


_Folhas cahidas_, por Alexandre Garrett, 1869.

_Excavações poeticas_, por A. Feliciano de Castilho, 1844.

_Harpa do Crente_, por Alexandre Herculano, 1860.

_O Trovador_, Coimbra, 1848.

_Poesias_, de Luiz A. Palmeirim.

_Murmurios_, por Augusto Lima, 1851.

_Poesias_, por A. A. Soares de Passos, Porto, 1858.

_A Grinalda_, vol. I-VI. Porto.

_O Novo Trovador_, Coimbra, 1856.

_Canticos_, de J. S. Mendes Leal, Lisboa, 1858.

_Versos_, de R. de Bulhão Pato.

_Primeiras Inspirações_, por E. Marecos, Lisboa, 1858.

_Flores do Campo_, por João de Deus, Porto, 1876.

_Folhas soltas_, por João de Deus, Porto, 1876.

_Odes modernas_, por Anthero do Quental, Porto, 1875.

_Visão dos tempos_, por Theophilo Braga, Porto, 1870.

_Heras e Violetas_, por Guilherme Braga, Porto, 1869.

_Rimas_, de Alberto Telles, Coimbra.

_A Alma nova_, por Guilherme de Azevedo, Lisboa, 1874.

_Harmonias phantasticas_, por Sousa Viterbo, Porto, 1875.

_Poema da Miseria_, por Candido de Figueiredo, Coimbra, 1874.

_Claridades do Sul_, por Gomes Leal, Lisboa, 1875.

_Scenas contemporaneas_, por Claudio José Nunes, Lisboa, 1873.

       *       *       *       *       *

_Obras_, de Àlvares de Azevedo, Rio de Janeiro, 1862.

_Cantos_, por Gonçalves Dias, Leipzic, 1860.

_Novos Cantos_, pelo mesmo.

_Ultimos Cantos_, pelo mesmo.

_Primaveras_, por Casimiro de Abreu, Lisboa.

_Contradicções poeticas_, por Junqueira Freire.

_Suspiros_, por Gonçalves de Magalhães, Paris, 1859.

_Cantos do Ermo e da Cidade_, por Fagundes Varella.

_Poesias_, por Castro Alves, Bahia, 1870.

_Quadros_, por Joaquim Serra, Rio de Janeiro, 1873.

_Ideias e Sonhos_, por Sousa Pinto, Lisboa, 1872.

_Novas Poesias_, por Bernardo Guimarães, Rio de Janeiro, 1876.

_Phalenas_, por Machado Assis.

_Flores e Fructos_, por Bruno de Seabra, Rio de Janeiro, 1872.

_Alvoradas_, por Lucio de Mendonça, Rio de Janeiro, 1875.

_Nebulosas_, por Narcisa Amalia, Rio de Janeiro, 1872.

_Flores sylvestres_, por Bettencourt Sampaio, Rio de Janeiro, 1860.

_Parnaso Maranhense_, Maranhão, 1861.

_Poesias_, de Franco de Sá, S. Luiz do Maranhão, 1869.

_Consoladoras_, por Filgueiras Sobrinho, Paris, 1876.

_Miniaturas_, por Gonçalves Crespo, Coimbra, 1871.

_Estrellas errantes_, por Quirino dos Santos, Campinas, 1876.

_Peregrinas_, por Octaviano Hudson, Rio de Janeiro, 1874.

       *       *       *       *       *

_Cantares gallegos_, de D. Rosalia Castro de Murguia, Madrid, 1870.

_Trovas e Cantares_, Madrid, 1859.

_Espinas, frores e follas_, por Valentin T. Carvajal.

_La Galicia_, periodico.



                                PARTE I

       *       *       *       *       *

OS LYRICOS PORTUGUEZES


OS CINCO SENTIDOS

    São bellas, bem o sei, essas estrellas,
    Mil côres divinaes tem essas flôres;
    Mas eu não tenho, amor, olhos para ellas;
            Em toda a natureza
            Não vejo outra belleza
            Se não a ti, a ti!

    Divina, ai! sim, será a voz que afina
    Saudosa, na ramagem densa, umbrosa,
    Será; mas eu do rouxinol que trina
            Não oiço a melodia,
            Nem sinto outra harmonia
            Se não a ti, a ti.

    Respira, n'aura que entre as flôres gira,
    Celeste incenso de perfume agreste.
    Sei... não sinto: minha alma não aspira
              Não percebe, não toma
              Se não o doce aroma
              Que vem de ti, de ti.

    Formosos são os pômos saborosos,
    É um mimo de nectar o racimo;
    E eu tenho fome e sêde... sequiosos,
            Famintos meus desejos
            Estão... mas é de beijos,
            É só de ti, de ti.

    Macia, deve a relva luzidia
    Do leito ser, por certo, em que me deito;
    Mas quem, ao pé de ti, quem poderia
            Sentir outras caricias,
            Tocar n'outras delicias
            Se não em ti, em ti!

    A ti! ai, a ti n'os meus sentidos
    Todos n'um confundidos,
    Sentem, ouvem, respiram;
    Em ti, por ti deliram.
    Em ti, a minha sorte,
    A minha vida em ti;
    E quando venha a morte,
    Será morrer por ti.

    ALMEIDA GARRETT, _Folhas Cahidas_,
    p. 169. Lisboa, 1869.

       *       *       *       *       *

RETRATO

(N'um album)

    Ah! despreza o meu retrato
    Que eu lhe queria aqui pôr!
    Tem medo que lhe desfeie
    O seu livro de primor?
    Pois saiba que por despique
    Eu sei tambem ser pintor:
    Co' esta penna por pincel,
    E a tinta do meu tinteiro,
    Vou fazer o seu retrato
    Aqui já de corpo inteiro.

          Vamos a isto. Sentada
          Na cadeira _moyen-âge_,
          O cabello _en chaitellaines_,
          As mangas soltas. É o traje.

                Em longas prégas negras
                Caía o velludo e arraste,
                De si com desdem regio
                Com o pésinho o affaste...

          N'essa attitude! Está bem:
          Agora mais um geitinho;
          A airosa cabeça a um lado
          E o lindo pé no banquinho.

    Aqui estão os contornos, são estes,
    Nem Daguerre lh'os tira melhor;
    Este é o ar, esta a _pose_, eu lh'o juro
    E o trajar que lhe fica melhor.

          Vamos agora ao difficil:
          Tirar feição por feição;
          Entendel-as, que é o ponto,
          E dar-lhe a justa expressão.

          Os olhos são côr da noite,
          Da noite em seu começar,
          Quando inda é joven, incerta
          E o dia vem de acabar.

          Tem uma luz que vae longe,
          Que faz gosto de queimar:
          É uma especie de lume
          Que serve só de abrazar.

          Na bocca ha um sorriso amavel,
          Amavel é... mas queria
          Saber se é todo bondade
          Ou se meio é zombaria.

          Ninguem m'o diz? O retrato
          Incompleto ficará,
          Que n'estas duas feições
          Todo o sêr, toda a alma está.

          Pois fiel como um espelho
          É tudo o que n'elle fiz;
          E o que lhe falta, que é muito,
          Tambem o espelho o não diz.

    ALMEIDA GARRETT, _Folhas
    Cahidas_, p. 208.

       *       *       *       *       *

VIBORA

    Como a vibora gerado,
    No coração se formou
    Este amor amaldiçoado
    Que á nascença o espedaçou.

    Para elle nascer morri;
    E em meu cadaver nutrido,
    Foi a vida que eu perdi
    A vida que tem vivido.

    ALMEIDA GARRETT, _Folhas
    Cahidas_, p. 196.


ESTE INFERNO DE AMAR

    Este inferno de amar como eu amo!
    Quem m'o poz aqui n'alma... quem foi?
    Esta chamma que alenta e consomme,
    Que é a vida, e que a vida destroe,
    Como é que se veiu a atear,
    Quando, ai quando se hade ella apagar?

    Eu não sei, nem me lembra, o passado,
    A outra vida que d'antes viví
    Era um sonho talvez... foi um sonho,
    Em que paz tão serena a dormí!
    Oh que doce era aquelle sonhar...
    Quem me veiu, ai de mim! despertar?

    Só me lembra que um dia formoso
    Eu passei... dava o sol tanta luz!
    E os meus olhos, que vagos giravam,
    Em seus olhos ardentes os puz.
    Que fez ella? eu que fiz? Não n'o sei;
    Mas n'essa hora a viver comecei...

    ALMEIDA GARRETT, _Folhas
    Cahidas_, p. 149.


QUANDO EU SONHAVA

    Quando eu sonhava, era assim
    Que nos meus sonhos a via;
    E era assim que me fugia,
    Apenas eu despertava,
    Essa imagem fugidia
    Que nunca pude alcançar.

    Agora que estou desperto
    Agora a vejo fixar...
    Para quê?--Quando era vaga,
    Uma ideia, um pensamento,
    Um raio de estrella incerto
    No immenso firmamento,
    Uma chimera, um vão sonho,
    Eu sonhava--mas vivia:
    Prazer não sabia o que era,
    Mas dôr, não n'a conhecia...
    ............................

    ALMEIDA GARRETT, _Folhas
    Cahidas_, p. 190.


CASCAES

    Acabava alli a terra
    Nos derradeiros rochedos,
    A deserta árida serra
    Por entre os negros penedos
    Só deixa viver mesquinho
    Triste pinheiro maninho.

    E os ventos despregados
    Sopravam rijos na rama,
    E os céos turvos, annuviados,
    O mar que incessante brama...
    Tudo alli era braveza
    De selvagem natureza.

    Ahi, na quebra do monte,
    Entre uns juncos mal-medrados,
    Sêcco o rio, sêcca a fonte,
    Hervas e matos queimados,
    Ahi n'essa bruta serra,
    Ahi foi um céo na terra.

    Alli sós no mundo, sós,
    Sancto Deus! como vivemos!
    Como eramos tudo nós
    E de nada mais soubemos!
    Como nos folgava a vida
    De tudo o mais esquecida!

    Que longos beijos sem fim,
    Que fallar dos olhos mudo!
    Como ella vivia em mim,
    Como eu tinha n'ella tudo,
    Minh'alma em sua razão,
    Meu sangue em seu coração!

    Os anjos aquelles dias
    Contaram na eternidade:
    Que essas horas fugidias,
    Seculos na intensidade,
    Por millennios marca Deus
    Quando as dá aos que são seus.

    Ai! sim, foi a tragos largos,
    Longos, fundos que a bebí
    Do prazer a taça:--amargos
    Depois... depois os senti
    Os travos que ella deixou...
    Mas como eu ninguem gosou.

    Ninguem: que é preciso amar
    Como eu amei--ser amado
    Como eu fui; dar e tomar
    Do outro sêr a quem se ha dado,
    Toda a razão, toda a vida
    Que em nós se annulla perdida.

    Ai, ai! que pesados annos
    Tardios depois vieram!
    Oh! que fataes desenganos,
    Ramo a ramo, a desfizeram
    A minha choça na serra,
    Lá onde se acaba a terra!

    Se o visse... não quero vel-o
    Aquelle sitio encantado;
    Certo estou não conhecel-o,
    Tão outro estará mudado,
    Mudado como eu, como ella,
    Que a vejo sem conhecel-a!

    Inda alli acaba a terra,
    Mas já o céo não começa;
    Que aquella visão da serra
    Sumiu-se na treva espessa,
    E deixou núa a bruteza
    D'essa agreste natureza.

    ALMEIDA GARRETT, _Folhas
    Cahidas_, p. 177.


DESTINO

    Quem disse á estrella o caminho
    Que ella hade seguir no céo?
    A fabricar o seu ninho
    Como é que a ave aprendeu?
    Quem diz á planta: florece!
    E ao mudo verme que tece
    Sua mortalha de seda
    Os fios quem lh'os enreda?

    Ensinou alguem á abelha
    Que no prado anda a zumbir
    Se á flôr branca ou á vermelha
    O seu mel hade ir pedir?
    Que eras tu meu sêr, querida,
    Teus olhos a minha vida,
    Teu amor todo o meu bem...
    Ai! não m'o disse ninguem.

    Como a abelha corre ao prado,
    Como no céo gira a estrella,
    Como a todo o ente o seu fado
    Por instincto se revela,
    Eu no teu seio divino
    Vim cumprir o meu destino...
    Vim, que em ti só sei viver,
    Só por ti posso morrer.

    ALMEIDA GARRETT, _Folhas
    Cahidas_, p. 151.


NÃO ÉS TU

    Era assim, tinha esse olhar,
    A mesma graça, o mesmo ár,
    Córava da mesma côr,
    Aquella visão que eu vi
    Quando eu sonhava de amor,
    Quando em sonhos me perdi.

    Toda assim; o pórte altivo,
    O semblante pensativo,
    E uma suave tristeza
    Que por toda ella descia,
    Como um véo que lhe envolvia,
    Que lhe adoçava a belleza.

    Era assim; o seu fallar,
    Ingenuo e quasi vulgar,
    Tinha o poder da rasão
    Que penetra, não seduz;
    Não era fogo, era luz
    Que mandava ao coração.

    Nos olhos tinha esse lume,
    No seio o mesmo perfume,
    Um cheiro a rosas celestes,
    Rosas brancas, puras, finas,
    Viçosas como boninas,
    Singelas sem ser agrestes.

    Mas não és tu... ai! não és:
    Toda a illusão se desfez.
    Não és aquella que eu vi,
    Não és a mesma visão,
    Que essa tinha coração,
    Tinha, que eu bem lh'o senti.

    ALMEIDA GARRETT. _Folhas
    Cahidas_, p. 188.

       *       *       *       *       *


GOSO E DOR

    Se estou contente, querida,
    Com esta immensa ternura
    De que me enche o teu amor?
    --Não. Ai, não! falta-me a vida,
    Succumbe-me a alma á ventura:
    O excesso do goso é dor.

    Doe-me alma, sim; e a tristeza
    Vaga, inerte e sem motivo
    No coração me poisou.
    Absorto em tua belleza,
    Não sei se morro ou se vivo,
    Porque a vida me parou.

    É que não ha sêr bastante
    Para este gosar sem fim
    Que me inunda o coração,
    Tremo d'elle, e delirante
    Sinto que se exhaure em mim
    Ou a vida--ou a rasão.

    ALMEIDA GARRETT, _Folhas
    Cahidas_, pag. 153.


EU, ANTÃO VERISSIMO E A MOSCA

(Parabola)

    Eu tive um condiscipulo amantissimo
    Que era um santo rapaz, e nada cábula,
    Trasmontâno: por nome Antão Verissimo,
    E, como eu, estudava para rábula.
    Tinha por vil a herdada vida agricola,
    E rindo-se, assignava na matricula.

    Sapato engraixadinho, e meia fina
    Substituiu á tamanca costumada;
    Á véstea de burel--capa e batina,
    Gôrro ao grosso chapéo, Paschoaes á enxada;
    A senhoria ao tu, á brôa o trigo...
    E um viver novo ao seu viver antigo.

    Se o habito por si fizesse o monge,
    Sem precisar disposições internas,
    Se para um côxo em pouco tempo ir longe
    Lhe bastasse o cuidar que tinha pernas;
    Sem duvida seria Antão Verissimo
    Estudante, e estudante chapadissimo.

    Como lavrando desbancava a mil,
    Suppoz, que estudar leis e segar erva
    Seria o mesmo, não sabendo o: _nil
    Invita dices, faciesve Minerva_;
    E um Canon de Genuense (que diz muito!):
    Não tentes o que excede o teu bestunto.

    Os termos de Paschoal e Cavallario
    Gastava a procurar o dia inteiro
    No martyr, descosido diccionario;
    E á noite decorava ao candieiro.
    Ir á aula, almoçar, jantar, cear,
    Só tinha vago; o mais era estudar.

    Dizem, que--quem porfia mata caça;
    Julgo proverbio de cabeça tôsca.
    Vamos á historia: Um dia na vidraça
    Viu o nosso doctor azoada môsca
    Esvoaçar, zunir, andar marrando,
    Passagem pelo vidro procurando.

    Pôz de parte um momento a Lei Mental,
    E co'os olhos no insecto, exclama assim:
    «Oh! que teimoso e estupido animal!
    Embora teimes, teimarás sem fim:
    Por entre ti e o sol não vês que está
    Um vidro, que passagem te não dá?

    «Segue o exemplo das mais, que andam com gosto
    A dançar sobre aquelle assucareiro;
    Do amigo que ali dorme chucha o rosto,
    Depois esmóe a andar no travesseiro.»
    Eu, que dormir fingia, e não dormia,
    Da tal offerta em troco assim dizia:

    --Déste á môsca um conselho prudentissimo;
    Tão bons os dês tu sempre em sendo rábula!
    Mas és qual Frei Thomaz, Antão Verissimo,
    Ou como o homem da tranca, na parabola,
    Dez vidros furaria esse animal
    Antes que entendas uma Lei Mental.

    Entre ti e a sciencia ha vidros baços;
    Nem tu, nem cem de ti os romperiam;
    Vende o candieiro, a lôba, os calhamaços,
    Torna-te ás terras que batatas criam.
    É melhor ser um farto lavrador,
    Do que um mirrado e estupido doctor.

    Manda ao inferno os livros sybillinos,
    Vem para a cama conversar commigo;
    De Horacio eu fallarei, tu de pepinos,
    Depois eu de Virgilio e tu de trigo.
    Tire das leis com que dar uso aos queixos
    Quem póde; e cada qual gire em seus eixos.--

       *       *       *       *       *

    N'esta fabula historica se intíma
    O que ninguem ignora e não se observa:
    A tal sentença velha, obra mui prima
    Do: _Nada faças, se o não quer Minerva_.
    Isto é, que um genio, que nasceu de encôlhas
    Não vá metter-se a redactor de folhas:

    Que um mestre sapateiro afreguezado,
    Não vá ser na tragedia actor primeiro,
    Que em transportes de principe ultrajado
    Ralhará como mestre sapateiro;
    Quem nasceu para chufas e chalaça
    Nem epopêas, nem tragedias faça;

    Que aquelle que nasceu para ladrão,
    Seja ladrão de estrada e não juiz;
    Procurador, letrado ou escrivão;

    Que um bóde se não metta a ser derviz,
    Nem um burro a academico; nem... nem...
    Exemplos d'isto numero não têm.

    A. F. DE CASTILHO, _Excavações
    Poeticas_, p. 138. Lisboa, 1844.


MOCIDADE E MORTE

    Solevantando o corpo, os olhos fitos,
    As magras mãos cruzadas sobre o peito,
    Vêde-o, tão moço, velador de angustias,
    Pela alta noite em solitario leito.

    Por essas faces pallidas, cavadas,
    Olhae, em fio as lagrimas deslizam;
    E como o pulso, que apressado bate,
    Do coração os éstos harmonisam!

    É que nas veias lhe circula a febre,
    É que a fronte lhe alaga o suór frio;
    É que lá dentro á dôr que o vae roendo,
    Responde horrivel intimo cicío.

    Encostado na mão o rosto acceso,
    Fitou os olhos humidos de pranto
    Na alampada mortal ali pendente,
    E lá comsigo modulou um canto.

    É um hymno de amor e de esperança?
    É oração de angustia e de saudade?
    Resignado na dôr saúda a morte,
    Ou vibra aos céos blasphemia d'impiedade?

    É isso tudo tumultuando incerto
    No delirio febril d'aquella mente,
    Que, baloiçada á borda do sepulchro,
    Volve apóz si a vista longamente.

    É a poesia a murmurar-lhe n'alma,
    Ultima nota de quebrada lyra;
    É o gemido do tombar do cedro;
    É triste adeus do trovador que expira:

                DESESPERANÇA

    «Meia-noite bateu, volvendo ao nada
    Um dia mais, e caminhando eu sigo!
    Vejo-te bem, oh campa mysteriosa...
    Eu vou, eu vou! Breve serei comtigo!

    Qual tufão que ao passar agita o pégo,
    Meu placido existir turvou a sorte.
    Halito impuro de pulmões ralados
    Me diz que n'elles se assentou a morte.

    Em quanto mil e mil no largo mundo
    Dormem em paz no mundo, eu velo e penso,
    E julgo ouvir as preces por finados,
    E ver a tumba e o fumegar do incenso.

    Se dormito um momento, acordo em sustos;
    Pulos me dá o coração no peito,
    E abraço e beijo de uma vida extincta
    O ultimo socio, o doloroso leito.

    De um abysmo insondado ás agras bordas
    Insanavel doença me ha guiado,
    E disse-me:--No fundo, o esquecimento:
    Désce; mas desce com andar pausado.--

    E eu lento vou descendo, e sondo as trevas:
    Busco parar; parar um só instante!
    Mas a cruel, travando-me da dextra,
    Me faz cair no fundo, e grita--Avante!--

    Por que escutar o transito das horas?
    Algumas d'ellas trar-me ha conforto?
    Não! Esses golpes que no bronze ferem,
    São para mim como dobrar por morto.

    Morto! morto!--me clama a consciencia;
    Diz-m'o este respirar rouco e profundo;
    Ai! porque frémes coração de fogo,
    Dentro de um peito corrompido e immundo!

    Beber um ár diáphano e suave,
    Que renovou da tarde o brando vento,
    E convertel-o, no aspirar continuo,
    Em bafo apodrecido e peçonhento!

    Estender para o amigo a mão mirrada,
    E elle negar a mão ao pobre amigo;
    Querer unil-o ao seio descarnado,
    E elle fugir, temendo o seu perigo!

    E vêr após um dia inda cem dias,
    Nús de esperança, ferteis de amargura,
    Soccorrer-me ao provir, e achal-o um ermo,
    E só, bem lá no extremo, a sepultura!

    Agora!... quando a vida me sorria,
    Agora... que meu éstro se accendêra,
    Que eu me enlaçava a um mundo d'esperanças,
    Como se enlaça pelo campo a hera,

    Deixar tudo e partir, sósinho e mudo;
    Varrer-me o nome escuro esquecimento,
    Não ter um ecco de louvor, que afague
    Do desgraçado o humilde monumento!

    Oh tu, sêde de um nome glorioso,
    Que tão fagueiros sonhos me tecias,
    Fugiste, e só me resta a pobre herança
    De vêr a luz do sol mais alguns dias.

    Vestem-se os campos de verdor primeiro:
    Já das aves canções no bosque eccôam;
    Não para mim, que só escuto attento
    Funéreos dobres que no templo sôam.

    E eu que existo, e que penso, e falo e vivo,
    Irei tão cedo repousar na terra?!
    Oh, meu Deus, oh meu Deus! um anno ao menos;
    Um louro só... e meu sepulchro cerra;

    É tão bom respirar, e a luz brilhante
    Do sol oriental saudar no outeiro!
    Ai, na manhã saudal-a posso ainda;
    Mas será este o inverno derradeiro!

    Quando de pômos o vergel fôr cheio;
    Quando ondear o trigo na planura,
    Quando pender com aureo fructo a vide,
    Eu tambem penderei na sepultura.

    Dos que me cercam no turbado aspecto,
    Na voz que prende desusado enleio,
    No pranto a furto, no fingido riso,
    Fatal sentença de morrer eu leio.

    Vistes vós criminoso que hão lançado
    Seus juizes nos trances da agonia,
    Em oratorio estreito, onde não entra
    Suavissima luz do claro dia;

    Diante a cruz, ao lado o sacerdote,
    O cadafalso, o crime, o algoz na mente,
    O povo tumultuoso, o extremo arranco,
    O céo e inferno, e as maldições da gente:

    Se adormece, lá surge um pesadello,
    Com os martyrios da sua alma accorde:
    Desperto logo, e á terra se arremessa,
    E os punhos cerra, e delirante os morde.

    Sobre as lageas do duro pavimento
    De vergões e de sangue o rosto cobre;
    Ergue-se e escuta com cabellos hirtos
    Do sino ao longe o compassado dobre.

    Sem esperança!...
                     Não! Do cadafalso
    Sóbe as escadas o perdão ás vezes;
    Porém, a mim... não me dirão: És salvo!
    E o meu supplicio durará por mezes.

    Dizer posso:--Existi! que a dor conheço!
    Do goso a taça só provei por horas;
    E serei teu, calado cemiterio,
    Que, engenho, gloria, amor, tudo devoras.

    Se o furacão rugiu, e o debil tronco
    De arvore tenra espedaçou passando,
    Quem se doeu de a ver jazendo em terra?
    Tal é o meu destino miserando!

    Numem do santo amor, mulher querida,
    Anjo do céo, encanto da existencia,
    Ora por mim a Deus, que hade escutar-te,
    Por ti me salve a mão da provídencia.

    Vem; aperta-me a dextra... Oh foge, foge!
    Um beijo ardente aos labios te voára;
    E n'este beijo venenoso a morte
    Talvez este infeliz só te entregára!

    Se eu podesse viver... como teus dias
    Cercaria de amor suave e puro!
    Como te fôra placido o presente;
    Quanto risonho o aspecto do futuro!

    Porém, medonho espectro ante meus olhos
    Como sombra infernal perpetuo ondeia,
    Bradando-me, que vae partir-se o fio
    Com que da minha vida se urde a teia.

    Entregue á seducção emquanto eu durmo,
    No turbilhão do mundo heide deixar-te!
    Quem velará por ti, pomba innocente?
    Quem do prejurio poderá salvar-te?

    Quando eu cerrar os olhos moribundos
    Tu verterás por mim pranto saudoso;
    Mas quem me diz que não virá o riso
    Banhar teu rosto triste e lacrimoso?

    Ai, o extincto só herda o esquecimento!
    Um novo amor te agitará o peito:
    E a dura lagea cubrirá meus ossos
    Frios, despidos sobre terreo leito!

    Oh Deus, por que este calix de agonia
    Até ás bordas de amargor me encheste?
    Se eu devia acabar na juventude,
    Por que ao mundo e aos seus sonhos me prendeste.

    Virgem do meu amor, porque perdel-a?
    Porque entre nós a campa hade assentar-se!
    Tua suprema paz em goso ou dores
    Do mortal que em ti crê, póde turbar-se?

    Não haver quem me salve! e vir um dia
    Em que de minha o nome inda lhe désse!
    Então, senhor, o umbral da eternidade,
    Talvez sem um queixume transpozesse.

    Mas, qual flôr em botão pendida e murcha
    Sem de fragancias perfumar a brisa,
    Eu poeta, eu amante, ir esconder-me
    Sob uma lousa desprezada e lisa!

    Porque? Qual foi meu crime, oh Deus terrivel?
    Em te adorar que fui, senão insano?...
    O teu fatal poder hoje maldigo!
    O que te chama pae, mente: és tyranno.

    E se aos pés de teu throno os ais não chegam;
    Se os gemidos da terra os áres sómem;
    Se a providencia é crença van, mentida,
    Porque geraste a intelligencia do homem?

    Porque da virgem no sorrir poseste
    Santo presagio de suprema dita,
    E apontaste ao poeta a immensidade
    Na ancia da gloria, que em sua alma habita!

    A immensidade!... E que me importa herdal-a,
    Se na terra passei sem ser sentido?
    Que val eterno vaguear no espaço,
    Se nosso nome se afundou no olvido?
    ..........................................

    ALEXANDRE HERCULANO, _Harpa do Crente_,
    p. 63. 2.ª edição. Lisboa, 1860.


A LUA DE LONDRES

    É noite; o astro saudoso
    Rompe a custo o plumbeo céo;
    Tolda-lhe o rosto formoso
    Alvacento, humido véo.
    Traz perdida a côr de prata,
    Nas aguas não se retrata,
    Não beija no campo a flor;
    Não traz cortejo de estrellas,
    Não falla de amor ás bellas,
    Não falla aos homens de amor.

    Meiga lua, os teus segredos
    Onde os deixaste ficar?
    Deixaste-os nos arvoredos
    Das praias d'alem do mar?
    Foi na terra tua amada.
    N'essa terra tão banhada
    Por teu limpido clarão?
    Foi na terra dos verdores,
    Na patria dos meus amores
    Patria de meu coração?

    Oh que foi! deixaste o brilho
    Nos montes de Portugal,
    Lá onde nasce o tomilho,
    Onde ha fontes de cristal;
    Lá onde veceja a rosa,
    Onde a leve mariposa
    Se espaneja á luz do sol;
    Lá onde Deus concedera
    Que em noites de primavera
    Se escutasse o rouxinol.

    Tu vens ó lua, tu deixas
    Talvez ha pouco o paiz
    Onde do bosque as madeixas
    Já têm um floreo matiz;
    Amaste do ár a doçura,
    Do azul céo a formosura,
    Das aguas o suspirar!
    Como hasde agora entre gelos
    Dardejar teus raios bellos,
    Fumo e nevoa aqui amar?

    Quem viu as margens do Lima,
    Do Mondego os salgueiraes,
    Quem andou por Tejo acima,
    Por cima dos seus cristaes;
    Quem foi ao meu patrio Douro,
    Sobre fina areia de ouro,
    Raios de prata espargir,
    Não pode amar outra terra,
    Nem sob o céo de Inglaterra
    Doces sorrisos sorrir.

    Das cidades a princeza
    Tens aqui; mas Deus, egual
    Não quiz dar-lhe essa lindeza
    Do teu e meu Portugal;
    Aqui a industria e as artes,
    Alem de todas as partes
    A natureza sem véo;
    Aqui ouro e pedrarias,
    Ruas mil, mil arcarias,
    Além... a terra e o céo.

    Vastas serras de tijolo,
    Estatuas, praças sem fim
    Retalham, cobrem o sólo
    Mas não me encantam a mim;
    Na minha patria uma aldêa,
    Por noites de lua cheia
    É tão bella, e tão feliz!
    Amo as casinhas da serra,
    C'o a lua da minha terra,
    Nas terras do meu paiz.

    Eu e tu, casta deidade,
    Padecemos egual dôr,
    Temes a mesma saudade,
    Sentimos o mesmo amor;
    Em Portugal o teu rosto
    De riso e luz é composto;
    Aqui triste e sem clarão;
    Eu lá sinto-me contente,
    E aqui lembrança pungente
    Faz-me negro o coração.

    Eia, pois, oh astro amigo,
    Voltemos aos puros céos,
    Leva-me, oh lua, comtigo,
    Preso n'um raio dos teus;
    Voltemos ambos, voltemos
    Que nem eu nem tu podemos
    Aqui ser quaes Deus nos fez;
    Terás brilho, eu terei vida,
    Eu já livre, e tu despida
    Das nuvens do céo inglez.

    Londres 30 de março
      de 1847

    JOÃO DE LEMOS, _O Trovador_,
    p. 362. Coimbra, 1848.

       *       *       *       *       *


A VIDA

    O homem chora mal nasce,
    Adulto chora tambem;
    Curvado já sobre a campa,
    Mais dor no peito inda tem.

    Aos vinte chora, porque ama,
    Aos trinta vêr-se illudido;
    E quando desce ao sepulchro,
    Até por ter existido.

    D. JOÃO DE AZEVEDO, _Ibid._ p. 303.


TASSO NO HOSPITAL DOS DOIDOS

    São negras estas arcadas,
    Sepulchral este lagedo,
    Lugubres estas escadas,
    Estas paredes põem medo;
    Estas prisões são soturnas,
    São medonhas como as furnas,
    Escondidas sob o chão;
    Nenhum bem aqui me afaga,
    Tudo aqui a mente esmaga,
    Tudo opprime o coração!

    Nem do norte a meiga brisa,
    Nem um lampejo da lua,
    Nem raio do sol deslisa
    N'esta caverna tão núa:
    Lá d'essas grades do fundo
    Vem-me, n'um côro profundo
    Gargalhadas infernaes;
    Surgem lá rostos desfeitos,
    Que em visagens, em tregeitos
    De loucura dão signaes.

    Santo Deus, que sina a minha!
    Onde estou ninguem m'o disse,
    Mas um poeta adivinha;
    É nas covas da doudice:
    Vivo n'esta horrivel casa,
    Onde a mente se me abrasa
    Té o martyrio tocar;
    Onde a rasão se entibia,
    Onde triste, dia a dia,
    Vejo as forças acabar:

    Onde a mudez mais pungente
    Me torna vil a pobreza,
    Onde ninguem se consente
    Que me afague na tristeza;
    Onde a sêde me devora,
    Onde debalde se implora
    Uma palavra d'amor;
    Onde o frio me consomme,
    Onde, longe em longe, a fome
    Vem augmentar este horror.

    Eu, doudo! Dizei-o, montes
    De Solima encantadora!
    Fallae, vastos horisontes,
    D'essa Asia abrasadora!
    Dize-o tu, oh Godofredo,
    Ou tu, valente Tancredo,
    Que em meus versos exaltei!
    Dizei, Armida formosa!
    Dizei, Clorinda famosa!
    Dizei todos que eu cantei!

    Eu doudo! Erguei-vos juntos,
    Defendei vosso cantor!
    Fallae, oh santos assumptos
    Que eu cantei com tanto amor!
    Falla tambem Aguia d'Éste,
    Que por mim teu vôo ergueste
    Inda dos mundos alem!
    Fallae, sepulchro de Christo,
    Falle o canto nunca visto,
    Falla tu, Jerusalem!

    Tasso, Tasso que fizeste
    Para tal condemnação?
    Á corôa os olhos ergueste
    Sem te importar o brazão!
    Foste amar uma princeza,
    Não tendo tanta riqueza,
    Não tendo nobreza egual;
    Teu amor é o teu crime,
    É o grilhão que te opprime
    N'esta masmorra fatal!

    Sou doudo por ter amado
    A bella irmã de um reinante!
    Sou doudo por ter logrado
    Da princeza amor constante!
    Doudo, sim, doudo por ella,
    Por ella que é minha estrella,
    Por ella, por mais ninguem;
    Por ella, que é minha vida,
    Sim por ella, a mais querida
    Das damas que o mundo tem.

    Por ella, que o viu pobre
    Só das musas bemfadado,
    E desceu do solio nobre,
    Deu amor ao desgraçado;
    Por ella, tão extremosa,
    Que rejeita desdenhosa
    D'altos principes a mão,
    Para não ir n'outros braços
    Partir nossos doces laços,
    Dar a outro o coração.

    Eis o crime, o crime horrendo,
    Que me deu prisão tão dura,
    Onde entre doudos gemendo
    Vou correndo á sepultura!
    Eu amei e fui amado,
    Era assás. Sou desgraçado,
    Não nasci para o prazer;
    No livro do sello eterno
    Estava escripto este inferno,
    Na desgraça heide morrer.

    Não importa! é minha herança
    Soffrer sempre e não gosar;
    Se a Affonso cabe a vingança,
    Ao Tasso cabe o chorar:
    Se a elle um peito de féra,
    Onde só vingança impera,
    Se a elle a corôa ducal,
    Ao Tasso cabe a poesia,
    Cabe a fonte da harmonia,
    Cabe a corôa que mais val.

    Eu não troco a sorte avara,
    Que é meu mesquinho condão,
    Por teu sceptro de Ferrara
    Manchado de ingratidão.
    Se não morres, é que eu pobre
    Dei a penna á casa nobre,
    Em cantos a celebrei;
    Eu não morro, porque o céo
    Eternos versos me deu
    Com que as Cruzadas cantei.

    A. XAVIER RODRIGUES CORDEIRO.

       *       *       *       *       *


LUIZ DE CAMÕES

    Que poeta que não era
    Da linda Ignez o cantor!
    Quem mais de que elle dissera
    D'esse fero Adamastor!
    Era um astro fulgurante,
    Era um poeta gigante,
    Tinha mais alma que o Dante,
    Cantava com mais amor!

    No peito coberto de aço
    Lhe batia um coração,
    Que nem os cantos do Tasso
    Sonharam maior paixão!
    Era um cantor e soldado,
    Era um vate enamorado,
    Foi um poeta inspirado,
    Como os de hoje já não são.

    Bem nos cantos se lhe marca
    O signal do seu pensar;
    Nascera, como Petrarcha,
    Já fadado para amar!
    Vêde bem o sentimento
    Com que dá, sôltas ao vento,
    Queixas mil do seu tormento,
    Tristezas do seu trovar!

    A sorte fel o poeta,
    Das cinzas da pobre Ignez;
    O mundo fel-o propheta
    Do destino portuguez!
    Poeta da desventura,
    Previu a sorte futura,
    Escreveu com mão segura
    A prophecia que fez!

    Deus, que deu aos portuguezes
    D'alem mar as regiões,
    Que nos livrou dos revézes,
    Deu-nos o rei das canções,
    Fômos o povo escolhido;
    O nosso nome temido
    Hoje só é conhecido
    Pelos cantos de Camões.

    Foi-se-lhes a vida em desgosto,
    Ao que a patria assim cantou;
    Mais poeta que Ariosto,
    Que belleza nos legou!
    Pungido de acerbas dores,
    Pelo Tejo, seus amores,
    Foi o rei dos trovadores,
    Foi o cysne que expirou.

    Como Ovidio, desterrado
    Lá na gruta de Macáo,
    Só tem o pranto enxugado
    Pela mão do pobre Jau;
    De escravo tornou-se amigo,
    E no peito, só comsigo,
    Supportou cruel castigo,
    Mas nunca se tornou máo.

    Debruçados sobre os Cantos,
    Da nossa fama padrão,
    Bem juntos verteram prantos
    Sobre a nossa escravidão!
    Mas Camões... a vil tutella
    D'essas hostes de Castella...
    Não pôde chorar sobre ella,
    Morrera-lhe o coração.

    Que poeta! e que soldado!
    Que trovador tão leal!
    De todos abandonado
    Só achou um hospital!
    Mas a fama portugueza,
    N'este sec'lo de torpeza,
    Só tem por toda a grandeza
    A Camões por pedestal.

    Alli vivem as victorias
    Já do povo, já do rei;
    Alli vivem as memorias
    Alcançadas pela lei;
    É pharol de nossa fama,
    Alli vive o Castro e o Gama,
    Em versos alli proclama
    Triumphos da nossa grey.

    A Camões por monumento
    Só resta um livro, não mais;
    D'aquelle genio portento
    Não temos outros signaes;
    Mas que importa, se a memoria
    Do cantor da nossa gloria
    Alcançou maior victoria
    Nos seus cantos colossaes!

    L. A. PALMEIRIM, _O Trovador_,
    p. 323.--_Poesias_, p. 112.


INFANCIA E MISERIA

    Se eu tivera o pincel omnipotente
    De Raphael, de Rubens ou d'Apelles;
    Se o milagroso escôpro de Canova
    A minha dextra ousada manejasse;
    Se na pedra ou na téla a vida eterna
    Eu podésse infundir c'um leve sôpro,
    Que magestoso, que eloquente grupo
    Ou na téla ou na pedra hoje criára!

    Era um grupo formoso, um quadro augusto,
    Qual antes nunca vi, qual vejo ainda
    No fulgor da verdade ante meus olhos,
    Que de vêl-o e descrel-o se não cançam;
    Não, não era, não foi visão nem sonho,
    Mas verdade sómente... a existencia
    N'uma phase commum... a humanidade
    No relêvo dos factos cinzelada!

    Era um grupo formoso, um quadro augusto,
    Não de amor, de ventura ou de alegria,
    Mas de infortunio e dôr, e de miseria,
    Casados por ludibrio á innocencia!
    Era a infancia dormindo na desgraça,
    Esquecendo risonha a voz da fome,
    Era a vida a raiar entre os andrajos,
    A indigencia assentada ao pé do berço!

    Quasi ás portas de um templo consagrado
    Ás artes, ao prazer, ao luxo, aos ricos,
    Quando a turba pejava as aureas portas
    Do marmoreo edificio... ao pé, bem perto
    Sobre as humidas pedras do lagedo,
    Jaziam abraçadas tres crianças
    Cujo anjo tutellar, e cujo amparo
    Era apenas o somno da innocencia!

    Dormiam todas tres; quanto era bello
    Vel-as unidas, enfeixadas n'uma,
    Repartindo o calor dos tenros corpos,
    Como o pão que despertas mendigavam!
    Quanto era bello o vel-as--como a ave
    Que em presença da morte esconde n'aza
    A plumosa cabeça--reclinadas
    No regaço da fome e da miseria!

    Dormiam todas tres; talvez bem doce
    Roçando levemente aquellas almas
    Um breve, meigo sonho de alegria
    Fizesse palpitar-lh'os debeis peitos!
    Mas não, não pode ser... não pode o Eterno
    Deslumbrar-nos em sonhos co' a ventura
    Quando se hade acordar á voz da fome
    Estendendo a quem passa a magra dextra!

    Como eram já sombrios, macilentos,
    Aquelles infantis, serenos rostos
    Onde a vida em botão abria a custo,
    Como a flôr que desponta em plaga extranha!
    Nas pallidas feições como se liam
    De um precoz soffrimento os negros traços?
    Como a livida fome lhes roubava
    O placido sorriso da innocencia!

    Que triste sorte e amargurada vida
    Arrastavam sem queixa aquelles anjos!
    Em logar dos brinquedos innocentes
    E dos gosos sem par da curta infancia,
    Mendigavam, coitadas, no abandono
    O pão negro e acerbo da indegencia,
    Sem um tecto a não ser o céo da patria,
    E sem mãe... se não tu, oh caridade!...

    Até quando, oh meu Deus, até que dia
    Se hade ver no banquete da existencia
    Um manjar que não seja para todos,
    Um logar de que alguem possa expulsar-se?
    Até quando será o mundo inteiro
    Patrimonio d'alguns, e para os outros
    A penuria, a nudez, o desamparo,
    E por só privilegio a fome e o carcere?

    Dormiam todas trez; que meigo somno
    O veneno da vida lh'adoçava!
    Como em cada feição se via impresso
    O benefico olvido da existencia!
    Irmãs no sangue, e na desgraça gémeas,
    Embaladas talvez no mesmo berço,
    Dormiam todas tres na mesma pedra
    Igual somno da infancia e desconforto!

    Eu vi aquelle grupo! era formoso
    De soffrimento e graça; illuminava-o
    De um extranho fulgor a magestade
    Sinistra, mas augusta, da miseria!
    Eu vi aquelle grupo! assim não visse
    N'aquelle estreito quadro a negra historia
    De muitas gerações... assim não lesse
    Teu pungente epigramma, oh sociedade!

    AUGUSTO LIMA, _Murmurios_,
    p. 91. Lisboa, 1851.

       *       *       *       *       *


ÁS ESTRELLAS

    Lindas, mimosas saphiras
    Que o véo da noite bordaes,
    Dizei-me, estrellas, dizei-me,
    Se é de amor que palpitaes?
    Vós... que sempre bemfazejas,
    A luz tão pura nos daes,
    Não tereis lá nas alturas
    Quem escute vossos ais?
    Haveis de ter só por fado
    Luzir, luzir, e não mais?
    Não creio, estrellas, não creio.
    Sois tão formosas!... amaes.

    AUGUSTO LIMA, _O Trovador_, p. 196.


O FIRMAMENTO

    Gloria a Deus! eis aberto o livro immenso,
            O livro do infinito,
    Onde em mil letras de fulgor intenso
            Seu nome adoro escripto!
    Eis de seu tabernáculo corrida
    Uma ponta do véo mysterioso:
    Desprende as azas, remontando á vida,
    Alma que anceias pelo eterno goso!

    Estrellas que brilhaes n'essas moradas,
              Quaes são vossos destinos?
    Vós sois, vós sois as lampadas sagradas
              De seus umbraes divinos.
    Pullulando do seio omnipotente,
    E sumidas por fim na eternidade,
    Sois as faíscas de seu carro ardente
    Ao rolar através da immensidade.

    E cada qual de vós um astro encerra,
            Um sol que apenas vejo,
    Monarcha d'outros mundos como a terra
            Que formam seu cortejo.
    Ninguem pode contar-vos: quem pudera
    Esses mundos contar a que daes vida,
    Escuros para nós qual nossa esphera
    Vos é nas trevas da amplidão sumida?

    Mas vós perto brilhaes, no fundo accêsas
            Do throno soberano;
    Quem vos hade seguir nas profundezas
            D'esse infinito oceano?
    E quem hade contar-vos n'essas plagas
    Que os céos ostentam de brilhante alvura,
    Lá onde sua mão sustem as vagas
    Dos sóes que um dia romperão na altura?

    E tudo outr'ora na mudez jazia
            Nos véos do frio nada;
    Reinava a noite escura; a luz do dia
            Era em Deus concentrada.
    Elle fallou! e as sombras n'um momento
    Se dissiparam na amplidão distante!
    Elle fallou! e o vasto firmamento
    Seu véo de mundos desfraldou ovante!

    E tudo despertou, e tudo gira
            Immerso em seus fulgores;
    E cada mundo é sonorosa lyra
            Cantando os seus louvores.
    Cantae, oh mundos que seu braço impelle,
    Harpas da creação, fachos do dia,
    Cantae louvor universal áquelle
    Que vos sustenta e nos espaços guia!

    Terra, globo que geras nas entranhas
            Meu sêr, o sêr humano,
    Que és tu com teus vulcões, tuas montanhas,
            E com teu vasto oceano?
    Tu és um grão d'areia arrebatado
    Por esse immenso turbilhão dos mundos,
    Em volta de seu throno levantado
    Do universo aos seios mais profundos.

    E tu, homem, que és tu, ente mesquinho
            Que soberbo te elevas,
    Buscando sem cessar abrir caminho
            Por tuas densas trevas?
    Que és tu com teus imperios e colossos?
    Um átomo subtil, um frouxo alento;
    Tu vives um instante, e de teus ossos
    Só restam cinzas que sacode o vento.

    Mas ah! tu pensas, e o girar dos orbes
             Á razão encadeias;
    Tu pensas, e inspirado em Deus te absorves
             Na chamma das ideias:
    Alegra-te, immortal, que esse alto lume
    Não morre em trevas de um jazigo escasso!
    Gloria a Deus, que n'um atomo resume
    O pensamento que transcende o espaço!

    Caminha, oh rei da terra! se inda és pobre,
             Conquista aureo destino,
    E de seculo em seculo mais nobre
             Eleva a Deus teu hymno!
    E tu, oh terra, nos florídos mantos
    Abriga os filhos que em teu seio geras,
    E teu canto de amor reune aos cantos
    Que a Deus se elevam de milhões de espheras!

    Dizem que já sem forças, moribunda,
            Tu vergas decadente:
    Oh! não, de tanto sol que te circumda,
             Teu sol inda é fulgente!
    Tu és joven ainda: a cada passo
    Tu assistes d'um mundo ás agonias,
    E rolas entretanto n'esse espaço
    Coberta de perfumes e harmonias.

    Mas ai! tu findarás! além scintilla
            Hoje um astro brilhante;
    Ámanhã, eil-o treme, eil-o vacilla,
            E fenece arquejante:
    Que foi? quem o apagou? foi seu alento
    Que extinguiu essa luz já fatigada;
    Foram seculos mil, foi um momento
    Que a eternidade fez volver ao nada.

    Um dia, quem o sabe? um dia, ao pêso
            Dos annos e ruinas,
    Tu cahirás n'esse vulcão accêso
            Que teu sol denominas.
    E teus irmãos tambem, esses planetas
    Que a mesma vida, a mesma luz inflamma,
    Attrahidos emfim, quaes borboletas,
    Cahirão como tu na mesma chamma.

    Então, oh sol, então n'esse aureo throno
             Que farás tu ainda,
    Monarcha solitario, e em abandono,
             Com tua gloria finda?
    Tu findarás tambem, a fria morte
    Alcançará teu carro chammejante:
    Ella te segue, e prophetisa a sorte
    N'essas manchas que toldam teu semblante.

    Que são ellas? talvez os restos frios
             D'algum antigo mundo,
    Que inda referve em borbotões sombrios
             No teu seio profundo.
    Talvez, envolta pouco a pouco a frente
    Nas cinzas sepulchraes de cada filho,
    Debaixo d'elles todos de repente
    Apagarás teu vacillante brilho.

    E as sombras poisarão no vasto imperio
             Que teu facho allumia;
    Mas que vale de menos um psalterio
             Dos orbes na harmonia?
    Outro sol como tu, outras espheras
    Virão no espaço descantar seu hymno,
    Renovando nos sitios onde imperas
    Do sol dos sóes o resplendor divino.

    Gloria a seu nome! um dia meditando
             Outro céo mais perfeito,
    O céo d'agora a seu altivo mando
             Talvez caia desfeito.
    Então, mundos, estrellas, sóes brilhantes,
    Qual bando d'aguias na amplidão disperso,
    Chocando-se em destroços fumegantes,
    Desabarão no fundo do universo.

    Então a vida, refluindo ao seio
             Do fóco soberano,
    Parará concentrando-se no meio
             D'esse infinito oceano;
    E acabado por fim quanto fulgura,
    Apenas restarão na immensidade--
    O silencio, aguardando a voz futura,
    O throno de Jehovah, e a eternidade!

    A. A. SOARES DE PASSOS, _Poesias_,
    145. 2.ª ed. Porto, 1858.


       *       *       *       *       *


ANHELOS

    Que immenso vacuo n'este peito sinto!
    Que arfar eterno de revolto mar!
    Que fogo ardente, que já mais extincto
    Sómente afrouxa para mais queimar?
    Ai! esta sêde que meu peito rala,
    Talvez a apague mundanal prazer:
    Ali ao menos poderei fartal-a,
    Ou n'um lethargo sem paixões viver.

    Mas d'essa taça já pensei... não quero!
    Quero deleites que inda não sentí...
    A lucta, os riscos d'um combate féro!
    Talvez encantos acharei alli.

    A lucta, os riscos, em acção travadas
    Guerreiras hostes disputando o chão;
    O sangue em jorros, o tinir d'espadas,
    O fumo e o fogo de voraz canhão!
    Ali os gosos de um feroz delirio
    Á luz das armas sentirei em mim,
    Ou n'uma d'ellas o funéreo cirio
    Que á paz dos mortos me conduza emfim.

    Mas não, não quero sobre a terra escrava
    A vós tyrannos immolar o irmão...
    O mar, o mar, que em sua furia brava
    Ninguem domina com servil grilhão!

    O mar, o mar! sobre escarcéus revoltos
    Em fragil lenho fluctuar me apraz
    Ao som das vagas e dos ventos soltos,
    E das centelhas ao clarão fugaz.
    Alli sorrindo da feroz tormenta,
    E dos abysmos que me abrir aos pés,
    Dentro d'esta alma de prazer sedenta
    Sublime goso sentirei talvez.

    Mas o mar livre tem um leito ainda
    Que os meus anélos poderá suster...
    O espaço! o espaço! na amplidão infinda
    Talvez que possa o coração encher.

    O espaço, o espaço! qual ligeiro vento
    Irei lançar-me n'esse mar sem fim,
    E a longos tragos aspirar o alento,
    Sentir a vida que desejo em mim...
    Ora aguia altiva, desprezando o sólo,
    O rei dos astros buscarei então,
    Ora entre as neves do gelado pólo
    Voarei nas azas do veloz tufão.

    Mas solitario, sem cessar errante,
    De que valêra na amplidão correr?...
    A gloria, a gloria, que em painel brilhante
    Me offerece a imagem d'um maior prazer!

    A gloria, a gloria, mil trophéus ganhados,
    Mil verdes palmas e laureis tambem;
    Triumphos, c'rôas e sonoros brados
    Da turba: É elle!--repetindo alem...
    Então em sonhos d'uma vida infinda
    Verei a chamma d'immortal pharol,
    Que em meu sepulchro resplandeça ainda,
    Bem como a lua quando é morto o sol.

    Mas não, que a inveja com a voz mentida,
    A luz em sombras poderá tornar...
    O amor, o amor, que redobrando a vida,
    A vida n'outrem me fará gosar!

    O amor, o amor, celestial perfume
    Que a mão dos anjos sobre nós verteu,
    Doce mysterio que n'um só resume
    Dous pensamentos aspirando ao céo!
    O amor, o amor, não mentiroso incenso
    Que em frios labios só no mundo achei,
    Mas immutavel, mas sublime e immenso
    Qual em meus sonhos juvenís sonhei...

    O amor! só elle poderá n'esta alma
    Risonhas crenças outra vez gerar,
    De minha sêde mitigar a calma,
    E inda fazer-me reviver e amar.

    A. A. SOARES DE PASSOS, _Poesias_,
    pag. 43.



UMA PHANTASIA DE THALBERG


    Foi n'uma negra noite...
    Sósinho, á beira mar...
         Ai, toca-me esses cantos
         Que m'a fazem lembrar!

    E o vento era tão frio!
    Chamei então por Deus...
         E Deus foi mudo, e mudos
         A terra, o mar e os céus.

    Sorri-me!... Era uma vaga
    Que alem vinha a bramir...
         Ai, toca-me esses cantos,
         Que gosto de os ouvir!

    Um véo de negras nuvens
    Não vem o céo turbar?
         Ás vezes ha prazeres
         N'um triste recordar.

    E que saudade eu sinto
    Lembrando-me d'então!
         Ai, toca-me esses cantos,
         Que tão saudosos são.

    Oh, longe, longe! E ouvi-te...
    Não penses que eu menti...
         Que diga o vento e as rochas
         O que eu chamei por ti.

    E não me ouviste. O oceano
    Gemendo ouviu meus ais!...
         É tam triste esta musica!...
         Ai não m'a toques mais.

    S.--_A Grinalda_, vol. I,
    pag. 28.


       *       *       *       *       *


AO SOL

    Que te importam a ti, astro fecundo,
    Essas mil gerações de fragil barro,
    Que vês, qual denso pó, brotar no mundo
    Sob as ardentes rodas do teu carro?

    Quando, nuncio da vida, a mão do eterno
    Te fez brilhar no espaço a vez primeira,
    Medonhas sombras, e continuo inverno
    Cobriam a teus pés a terra inteira.

    Mas apenas a luz doirando os ares,
    Veiu annunciar-lhe, oh sol, o teu destino,
    O gelo róla convertido em mares,
    E a terra sólta da existencia o hymno,

    Que mais querias tu? No immenso grito
    Que exhalava, acordando, a natureza,
    Nas ondas, nas florestas, no infinito
    Vias gravado, oh sol, tua grandeza.

    E disseste comtigo:--A vida e as flores
    São o rastro que deixo em meu caminho,
    Quando, cingido d'immortaes fulgores,
    Em mortas solidões rólo sósinho.

    Disseste; e proseguindo o immenso trilho,
    N'outras regiões entraste socegado,
    E em cada globo a que chegou teu brilho,
    D'um novo genesís ouviste o brado.

    Que te importava o mundo? Á luz immensa
    De teus lucidos mantos desprendida,
    Já o verme infeliz que vive e pensa
    Para te festejar saudára a vida;

    E se acaso de novo, oh sol fecundo,
    Encontrasses a terra erma e gelada,
    D'entre as ruinas fataes do antigo mundo
    Fizeras mil nações surgir do nada.

    Que tinha, pois, comtigo a obscura raça
    Que só diz grande, e bella e omnipotente,
    Mas que, envolta no pó, sussurra e passa,
    Sem jámais encarar teu brilho ardente?

    Deus o mandou, oh sol. Ás tuas plantas
    Nunca da terra o passageiro grito
    Irá turbar as harmonias sanctas
    Das espheras que vagam no infinito.

    Não! Embora as nações caiam por terra
    Com seus templos, suas leis, seus monumentos;
    Tu passarás tranquillo, á luz da guerra,
    Por cima dos cadaveres sangrentos.

    Rica de magestade, á flôr dos mares,
    Bella n'outr'ora a Atlantida reinava,
    Casando o torvo som d'impios folgares
    Do rude oceano á voz ruidosa e cava.

    Debalde em torno d'ella a tempestade
    Soltava, ás noites, infernal lamento...
    Deus mandava-lhe ignota mocidade
    No rugir dos trovões, na voz do vento,

    E ella rindo vaidosa, á luz errante
    Que o céo, a terra, e as ondas accendia,
    Clamava ao mar revolto:--«Eia, oh gigante,
    Repete a voz de Deus, responde á orgia.

    Que tens? Porque deitado ao pé das fragas,
    Gemes a custo em vil torpor submerso?
    Brinca tambem, oh mar, enrola as vagas,
    E vem se pódes embalar meu berço.»

    Mas um dia fatal, em torno d'ella,
    A sombra d'Elohim pairou nos ares,
    E ao som ruidoso de infernal procella,
    Passou rente c'o a terra erguendo os mares.

    E ella, qual flôr secca e mirrada,
    Que a lava arroja em turbilhões de fumo,
    Sentiu metter-lhe os hombros a rajada,
    E arrastal-a no chão sem lei, sem rumo.

    E hoje, que é d'ella, oh Sol? N'essas paragens
    Ainda em pé, na gavêa, o marinheiro
    Ergue altivo seus canticos selvagens
    Procurando um albergue hospitaleiro:

    Mas em torno de si, no mar deserto,
    Só vê mil rolos de fervente espuma,
    E a gaivota que fende em giro incerto
    Do horisonte longinquo a densa bruma.

    E tu, oh sol, tu passas como d'antes,
    Sereno, magestoso e solitario,
    Doirando as vastas solidões fluctuantes,
    Que são da pobre Atlantida o sudario.

    Deus creou-te immortal. Seu braço immenso
    Gravou no teu clarão: Gloria e mysterio.
    E entre nuvens de canticos e incenso
    Deu-te de ignotas solidões o imperio.

    Eia, caminha pois--esparge ufano
    N'esses ermos sem fim teus mil fulgores,
    E deixa o homem levantar insano
    D'um orgulho infundado os vãos clamores.

    Eu já li nas canções de antiga raça
    Que um dia cahirás do excelso throno,
    Como as penhas, que o raio despedaça,
    Ou como as folhas que desprende o outono.

    E ri-me. O vérme insano, o rei obscuro
    Por suas mãos em farça vil coroado,
    Imaginar-se um deus, lêr no futuro,
    E erguer aos astros pavoroso brado!

    Elle, que ao teu clarão surgindo ufano
    Do seio inerte da brutal materia
    Nem vê nos céos, nos montes, no oceano
    De seu fadario horrivel a miseria!

    Elle julgar-se um deus!... Mas n'outra edade
    Também eu te bradei louco d'amores:
    --A ti, a ti, oh sol, a immensidade,
    Mas a nós... as paixões, a crença e as flores.--

    Doido! Que importa caminhar na terra
    Ebrio de amor, d'aspiração e gloria,
    Se tudo, tudo que este mundo encerra
    Tem de esquecer por fim nossa memoria?

    Que vale, oh sol, n'um extasis profundo
    Crear mil sonhos de immortal belleza,
    Se nem um élo, um só, nos prende ao mundo?
    Se nada tem comnosco a natureza?

    Segue, segue o teu curso, astro bemdito,
    Que entre milhões de sóes vaidoso passas
    Derramando nos seios do infinito
    O ardente germen de futuras raças.

    Tu, sim, és immortal.--Na tua frente
    Reluz etherea, inextinguivel chamma,
    Que sempre, sempre, á voz do omnipotente,
    De novas éras o raiar proclama.

    Tu sim, és immortal. Embora o dia
    Perdido, ao longe, na veloz carreira
    Deixes de novo a terra arida e fria
    Buscando n'outros céos a errada esteira;

    Embora; ao teu clarão todo o universo
    Clamará ao Senhor: «Senhor, piedade!»
    E elle fendendo os céos em luz submerso,
    Te mostrará de novo a immensidade.

    1854
    ALEXANDRE BRAGA, _Grinalda_,
    t. II, p. 134.

       *       *       *       *       *


HYMNO Á LUA

    Levanta-te! surge, rainha modesta,
    Que vens pudibunda da noite na festa
            Teu sceptro tomar;
    De traz das montanhas, o que é que tu sondas?
    O sol? não o temas, que ha muito nas ondas
            Se foi occultar.

    E a noite é tão triste sem ti, meiga lua!...
    Sem ti o regato perdido fluctúa,
            Não sabe onde vae;
    Pratêa-lhe as aguas co'a luz argentina,
    E as margens lhe alegra, que a densa neblina
            Ao ver-te, se esvae.

    A noite é bem triste sem ti, astro lindo;
    Mas quando apparecer, das nuvens abrindo
            Os pallidos véos,
    Tão linda e tão seria, teu gesto profundo
    Parece o de virgem que vaga no mundo,
            Mas scisma nos céos.

    Sem ti as montanhas que ondeam distantes
    No pardo horisonte, não tem habitantes,
            Ninguem móra lá;
    Mas quando as envolve de candidos mantos,
    Visões namoradas de aérios encantos
            Teu brilho lhes dá.

    Eu amo-te sempre! quer brilhes entre ondas,
    De nuvens gigantes, que timida escondas
           O casto fulgor;
    Bem como o futuro que sonha o poeta,
    Nos sonhos incertos, de mente inquieta
           Já gôso, já dor.

    Ás vezes amiga das velhas ruinas,
    O antigo mosteiro calada illuminas
           Beijando-lhe a cruz;
    E a cruz mutilada, já meio pendida,
    Ao ver-te, remoça; que tu lhe dás vida
           Co'a magica luz.

    Ás vezes espreita por entre cyprestes
    A estancia dos mortos, e os tumulos véstes
            Com mantos de dó;
    Alli surprehendes a virgem que, leda
    Se crê isolada... e um nome segreda,
            Que tu ouves só.

    E o homem não ama teus palidos mantos;
    Á vida aspirando, dedica seus cantos
            Do sol ao fulgor;
    Mas quando são findos os sonhos da vida,
    Quem vem afagal-o na extrema guarida?
            Teu mystico amor.

    Eu não, eu não gosto da luz orgulhosa
    D'esse astro que alegra co'a chamma pomposa
            Da vida o festim...
    O sol! não é elle que pinta os martyrios,
    Nem roxos amores, nem candidos lyrios;
            Mas tu, lua, sim.

    Que digam os sabios, que o sol sempre ardente,
    Se para nós surge n'um outro occidente
            Sumir-se lá vae...
    Mas eu, n'este mundo tambem passageiro,
    Quero antes a lua modesto lazeiro,
            Que vive e se esvae.

    J. S. DA SILVA FERRAZ, _O Novo Trovador_,
    p. 163. Coimbra, 1856.


A VIDA

    A CRIANÇA:

    Ao longe! ao longe! quem ir lá me déra
    Colher virente louro, ou linda flor,
    N'esse jardim d'eterna primavera,
    Todo cheio de luz e esplendor.

    O HOMEM:

    Tem o louro, veneno em suas bagas...
    Tem espinhos as rosas mais gentis...
    Avante! talvez possa minhas chagas
    Curar na solidão, viver feliz.

    O VELHO:

    Quem é d'esses jardins que vi formosos,
    Cobertos de perfume e de verdor?...
    Nos espinhos até sentia gozos,
    Agora de não vel-os sinto a dor.

    A ESPERANÇA:

    Caminha, louca, alem; caminha ávante!
    O que julgas o nada é tenue véo:
    Depois d'elle corrido, tens adiante
    Bem mais lindo jardim, bem mais, o céo.

    1853
    A. C. LOUZADA, _Grinalda_,
    t. VI, p. 43.

       *       *       *       *       *


A FILHA DA MOLEIRA

    Oh senhora mãe,
    Deixe-me ir á festa,
    Que não ha nenhuma
    Mais linda do que esta.

    Arcos, fogo e musica,
    Arraial tão lindo!...
    E moços e moças
    Conversando e rindo.

    Ir lá tambem posso;
    Já não sou pequena,
    Sou da mesma edade
    Da Rita Morena.

    Estou já crescida,
    Sou quasi da altura
    Da Rosa, que em breve
    Casa o senhor Cura.

    Já sei molinhar
    Como um bom moleiro,
    No moinho do milho,
    E mais no alveiro.

    Já posso co' trigo;
    Já chego á moéga,
    Vou mesmo ao travouco,
    Se ás vezes adrega.

    Se no tremonado
    A farinha é grada,
    Sei dar na estadêa
    Geitosa pancada.

    E se o grão cae pouco
    Sobre a segurelha,
    Desando o torno,
    Desço mais a quelha.

    Quem faz d'estas cousas
    Já não é criança:
    Já póde ir ás festas,
    Já canta e já dança.

    Dê-me o chapéu fino,
    E a roupa asseada,
    Que eu ir lá não devo
    Toda enfarinhada.

    Heide ir de chinellas,
    De meias de linho,
    Camisa mui branca...
    Mas não de farinha.

    Não quero se ria
    De mim todo o povo;
    Dê-me a saia verde,
    Quero o gibão novo.

    Que se eu levo o outro
    Tão coçado e antigo,
    Não virão os moços
    Conversar commigo.

    Eu quero mostrar-me
    No largo da egreja,
    E mordam-se as outras
    Embora de inveja.

    E se perguntarem
    Quem é a gaiteira,
    Saibam pois que é filha
    Da Thereza moleira.

    HENRIQUE AUGUSTO, _A Grinalda_,
    t. III, p. 7. Porto, 1860.


A TROCA DA MINHA LYRA

    Uma vez que eu recolhia,
    Para dar aos meus amores,
    No jardim da poesia
    Um ramo de varias flores,
    Trouxe, pousada na rosa,
    Leve e gentil mariposa.

    Olhando-a então mais de perto,
    Reconheci que a belleza
    Excede muito, de certo,
    Nos reinos da natureza
    Aquella que um vate gera,
    E á qual eu já culto déra!

    Vi as escamas subtis
    Em forma de bellas pennas,
    Que dão ás azas matiz,
    E as delicadas antennas:
    E comecei a ver mais,
    Estudando os animaes.

    Vi a próvida formiga,
    Vi a aranha tecedeira,
    Vi a abelha nossa amiga,
    Vi a vêspa carniceira:
    E o sirgho, que a sêda tece,
    Com que os homens enriquece.

    Vi as conchas variadas
    Na fórma, grandeza e côres,
    Umas nas aguas salgadas,
    Lá vivem com seus amores;
    Outras nos rios e fontes;
    E outras nos valles e montes.

    Que bizarra a creação!
    Que o cantinho mais escuro
    Não deixara na exempção
    D'um habitante seguro!
    Que as entranhas d'outros têm
    Entes com vida tambem.

    Se á lyra desafinada
    Já cantei a noite e o sol,
    Hoje, sem lyra, sem nada,
    Serei tambem rouxinol:
    Cantarei da natureza
    Solida graça e belleza;
    E porque amor não me inspira,
    Já troquei a minha lyra
    Pela casca d'um caracol.

    1862
    AUGUSTO LUSO, _Grinalda_,
    t. VI, p. 103.


A ESMOLA DO POBRE

    Nos toscos degráos da porta
    De egreja rustica e antiga,
    Velha trémula mendiga
    Implorava compaixão.
    Quasi um seculo contado
    De atribulada existencia,
    Eil-a, enferma e na indigencia,
    Que á piedade estende a mão.

    Duas crianças brincavam
    A distancia, na alameda;
    Uma trajava de sêda,
    Da outra humilde era o trajar!
    Uma era rica, outra pobre,
    Ambas loiras e formosas,
    Nas faces a côr das rosas,
    Nos olhos o azul do ár.

    A rica, ao deixar os jogos,
    Vencida pelo cançasso
    Viu a mendiga,--e ao regaço
    Uma esmola lhe lançou.
    Ella recebe-a; e a criança,
    Que a soccorre compassiva,
    Em préce fervente e viva,
    Aos anjos encommendou.

    De um ligeiro sentimento
    De vaidade possuida,
    Á criança mal vestida
    Disse a do rico trajar:
    «O prazer de dar esmolas
    A ti e aos teus não é dado;
    Pobre como és, coitado,
    Aos pobres o que has de dar?»

    Então a criança pobre,
    Sem más sombras de desgosto,
    Tendo o sorriso no rosto
    Da egreja se aproximou,
    E após, serena, em silencio,
    Ao chegar junto da velha,
    Descobrindo-se, ajoelha,
    E a magra mão lhe beijou.

    E a mendiga, alvoroçada,
    Ao collo os braços lhe lança,
    E beija a pobre criança,
    Chorando de commoção!
    É assim que a caridade
    Do pobre ao pobre consola;
    Nem só da mão sae a esmola,
    Sae tambem do coração.

    JULIO DINIZ, (GOMES COELHO) _Grinalda_,
    t. VI, p. 115.


PORTUGAL VELHO NO SECULO XIX

    Os nossos avós jarretas,
    Lá nos tempos carunchosos,
    Ao lume, contando pêtas,
    Entre creados idosos,
    Passavam noutes seletas.

    Polkas, chás e contradanças
    São cousas que nunca viram!
    Todas as suas mestranças
    D'Africa os mouros sentiram
    Na ponta das fortes lanças.

    Tinham barbas não pequenas,
    Bigode em fórma avultada;
    Cabelleiras nazarenas,
    Nunca usaram nem pomada
    Que lhes ungisse as melenas.

    Vinha o padre capellão
    As vidas dos santos lêr,
    E muitas vezes então,
    Quem a Asia fez tremer
    Chorava de compunção!

    Crença tão sincera e pia
    Creou quasi homens divinos!
    Da descrença hoje a mania
    Cria apenas figurinos
    Com fórmas varias de enguia!

    Môsca subtil hoje pende
    Sob mesquinho bigode...
    Quem a tal miséria attende
    Com razão duvidar póde
    D'onde esta barba descende!

    Palavra de um portuguez
    Valia como escriptura:
    Da barba cabellos trez
    Hypotheca eram segura
    Quando o grande Castro a fez!

    Palavras hoje, aos milhões,
    Não faltam,... isso é verdade;
    Mas vê-se tremer sezões,
    Quem teve tanta bondade
    Que emprestou os seus tostões!

    No castello de Faria
    Sustentou leal soldado
    Essa herdada valentia,
    Com que um cidadão honrado
    A vida á patria offer'cia!

    Soube n'Africa o Menezes,
    Soube n'India o Mascarenhas,
    Mostrar ao mundo, mil vezes,
    Que eram mais firmes que penhas
    Os peitos dos portuguezes.

    Hoje a walsa e a contradansa ...
    Suprem bem Tanger e Diu;
    Foi outr'ora o Gama um pança,
    E o Albuquerque um sandio
    Que nem merecem lembrança!

    Do bom Faria a firmeza
    Faz hoje morrer de riso!
    Imbecil por natureza
    Cuidava, o pobre sem siso,
    Achar na morte a nobreza!

    Que parvo! Se se entregára
    Com geitinho aos castelhanos,
    Talvez dinheiro alcançára
    Com que rico aos lusitanos
    Para outra vez se passára!

    Com estes passos e trespasses
    Descobriu-se um grande int'resse!
    Os heroes são os cachaços,
    Que onde dinheiro apparece
    A honra lhes cae nos braços!

    Sópre o norte com excesso,
    Sópre o sul, leste ou poente,
    É bom vento, e bom succeso!
    Quem crava melhor o dente
    Toca a méta do progresso!

    Ao antigo Portugal
    Parece estar bem provado
    Quanto o louvor caiba mal...
    Que é tontura ser honrado
    Sem n'isso ganhar real.

    1867 VISCONDE DE AZEVEDO, _A Grinalda_,
    t. VI, p. 20.

       *       *       *       *       *


AVE CAESAR

(Á morte de Carlos Alberto, rei do Piemonte)

I

    Eil-o, o teu defensor, oh liberdade;
    Eil-o, no extremo leito! Á humanidade
              O tributo pagou!
    Da nobre espada á lamina abraçado,
    Viveu soldado-rei, e, rei-soldado
              Sobre a espada expirou.

    Rasgou-lhe ovante as margens do destino;
    Foi-lhe rôta bordão de peregrino
              Essa espada leal!
    Hoje é cruz. Do aço puro a cruz só resta,
    Sentinella da campa ao mundo attesta
              Que o heroe era mortal.

    Os Œdipos de um drama incerto e vario
    Talharam-te na purpura o sudario;
              Deixaram-te ermo e só!
    Salve, oh rei! Rei no solio e no abandono;
    Mais rei no exilio do que os reis no throno,
              Rei até sobre o pó.


    II

        Salve, oh martyr, coroado
        Dos espinhos da paixão;
        N'uma nova cruz pregado
        D'uma nova redempção!
        O teu Golgotha foi este.
        Aqui te cobre um cypreste
        Muita gloria e muita dôr;
        Aqui teus mares plantaste;
        Vencido, aqui triumphaste
        De ti mesmo vencedor!

        O calix já trasbordava:
        Bebeste-o. Foi Deus que o quiz!...
        Deu a vida á Italia escrava,
        E a sua alma ao seu paiz.
        Não dobra a fronte suprema:
        Impondo o pó no diadema
        Dos extranhos foge á lei,
        E, holocausto derradeiro,
        Expia a dor do guerreiro
        Na sepultura do rei!

        Foi longa aquella agonia!
        Foi curta aquella afflicção!
        Desceu rapida n'um dia
    Da cabeça ao coração.
    Entre as balas despedidas,
    Entre as phalanges caídas,
    Ficou tranquillo e de pé,
    Como o cedro da montanha,
    Que, da tormenta na sanha,
    As selvas prostradas vé!

    Pela Italia, Hespanha e França
    Depois, calado, galgou;
    E por momentos descança
    Onde o somno lhe faltou!
    Chega, observa, scisma e pára.
    O soldado de Navára
    Quer ter por leito final,
    Quer por leito das batalhas
    Este berço de muralhas
    Que fez livre Portugal;

    Onde a nossa liberdade
    Martyr, heroica nasceu,
    Pela sua magestade
    Heroica e martyr morreu.
    Das glorias tuas, oh Douro,
    Accrescentaste o thesouro
    O que é ligando ao que foi,
    Cingiu teu braço robusto
    D'um heroe ao resto augusto
    A memoria d'outro heroe!

    Ambos firmes combateram
    Para a patria libertar;
    Ambos do throno desceram,
    Para a vida á patria dar;
        Ambos reis, ambos soldados,
        Ambos fieis a seus fados,
        Mostraram que no provir
        Podem ambos muitas vezes,
        No triumpho ou nos revezes
        Eguaes da historia surgir.


    III

    Ferve o sangue, troveja a batalha!
    Tine o ferro, rebomba o canhão!
    Pavorosa sibila a metralha,
    Varre as filas, dispersa-as no chão.

    Lá galopam, se imbebem, se enlaçam
    Uns aos outros, rivaes esquadrões;
    Corpo a corpo ferventes se abraçam
    Em sangrentos, crueis turbilhões.

    No lampejo do gladio vermelho
    Fulge o raio que a morte vibrou!...
    Sem seu filho a gemer deixa um velho,
    Seu esposo uma esposa deixou.

    D'essa immensa procella da guerra,
    D'esse ardente, confuso stridor,
    Que ficou? Uma corôa por terra,
    Uma bella cativa, um senhor!

    Pobre Italia, tão bella e tão triste
    No teu vasto, florído jardim!
    Foi-te ingrata a fortuna, cahiste;
    Mas a quéda de um povo tem fim.

    Infelizes! Da turba guerreira
    Fica um resto, que, prompto a morrer,
    Cobre a face co' a rôta bandeira,
    Para ao menos a affronta não vêr.

    Mudos prantos os rostos consommem,
    Dos valentes de Goito... Que adeus!
    Era a sombra de um rei e de um homem,
    Que passava em silencio entre os seus.

    E passava. Expirar não lograra
    Sob o golpe que em vão procurou;
    Mas a vida que o céo lhe deixára
    Entre os braços da patria a deixou.


    IV

        Salve, salve, oh magestade
        Moribunda a succumbir!
        Como o espinho da saudade
        Te havia fundo pungir!
        Como o homem soffreria
        Do monarcha na agonia!
        Longe do que era tão seu,
        Da esposa e filhos briosos,
        E dos campos seus formosos,
        E do seu formoso céo!

        --Patria, adeus! Italia minha,
        Oh terra que tanto amei!
        Se te não fiz ser rainha,
        Não quiz mais tambem ser rei!
        Adeus, margens do Tessino,
        Sentença do meu destino!
    Adeus, povo que escolhi;
    Sê tu justo e livre e forte,
    Possa dar-te a minha morte
    O que em vida não vencí.--

    Assim dizia; e lançando
    Os olhos em derredor,
    E vendo afflicto chorando
    Outro povo aquella dor,
    Resoluto accrescentara:
    --O soldado de Navára
    Morre contente afinal,
    Morre ao ecco das batalhas,
    N'este berço de muralhas,
    Que fez livre Portugal.--


    J. S. MENDES LEAL, _Canticos_,
    p. 227. Lisboa, 1858.


SE CÓRAS NÃO CONTO

    Tu queres que eu conte um sonho que tive,
    Não sei se acordado, não sei se a dormir:
    Foi todo singelo, foi todo innocente,
    Tu córas--sorris-te; tens medo de ouvir?

    Não córes, escuta; não fujas de mim,
    Que o sonho foi sonho de casta invenção;
    Já crês--não duvidas--verás como é lindo
    O sonho innocente do meu coração.

    Eu via em teus labios um meigo sorriso,
    Em teus olhos negros um terno mirar,
    Teu seio de neve a arfar docemente.
    Sentia nas faces o teu respirar.

    E tu não fallavas, mas eu entendia,
    E tu não fallavas,--mas eu bem ouví
    Amor!--na minh'alma a voz me dizia,
    E um beijo na fronte não sei se o sentí.

    Já vês, o meu sonho é sonho innocente,
    O resto eu te conto; como hades gostar!
    É todo singelo--de amores sómente,
    Verás que ao ouvil-o não hasde córar.

    Depois apertando teu corpo ligeiro,
    Cingindo teu collo no braço a tremer,
    Ouvi uma falla--e o que ella dizia
    Agora acordado não posso dizer.

    Não posso contar-t'a, só pude sentil-a,
    Não posso contar-t'a senão a sonhar
    No sonho innocente--no sonho de amores
    Que tu, duvidosa, julgavas córar:

    Não posso contar-t'a, nem sei se acordado
    O que ella dizia se póde entender;
    Eu sei que sonhando pensei que era sonho,
    E agora acordado a não posso esquecer.

    Mas tu porque escondes a face córada?
    Não tem nada o sonho que faça córar?
    É todo singello--é todo innocente,
    Que importa um abraço, se é dado a sonhar?

    Mas tu não te escondas, que eu fico calado,
    Não quero offender-te a casta isempção,
    Não torno a contar-te depois de acordado
    O sonho innocente do meu coração.

    R. DE BULHÃO PATO.


O DOIDO

    Passei!--O povo na praça
    Se apinhava todo alli;
    Olha-me a turba devassa,
    E chama-me doido, e rí.
    Retiniu a gargalhada,
    Soturna, fria, pausada,
    Perdeu-se ao longe,--pensei
    Um momento em mim;--vaidade!
    Á turba dei, por piedade,
    O meu desprezo, e passei!

    Porque luctas, sociedade,
    Contra o genio?--Não venceu
    Teus sophismas a verdade
    Nos labios de Galileu?
    E era um doido! De demencia
    Alcunhaste a intelligencia
    Cujo peso te esmagou;
    Não chamaste louco ao Tasso
    Por fender n'um vôo o espaço
    Que o talento lhe apontou?

    E eu, doido; porque sósinho
    Não imploro amor, nem dó!
    Firme trilho o meu caminho,
    Mas quero trilhal-o só.
    Ver-me só n'este degredo,
    Não profanar um segredo,
    Nem ir, mendigo servil,
    Pedir gloria; não careço
    De vender-me pelo preço
    De um sorriso estulto e vil.

    Se soffrí muito... calei-me,
    Repreza ficou a voz;
    No inferno d'alma abrazei-me...
    Mas eu era e a dor a sós.
    A ninguem pedi esmola
    De uma lagrima que rola
    Nas faces por compaixão;
    Foram só meus gemidos,
    Não quiz vêr prostituidos
    Mysterios do coração.

    Tantas fui n'esta alma ardente
    Visões lindas conceber!...
    Que desengano pungente!
    Encontrei uma mulher
    Em vez das visões divinas,
    Colloquei-me entre as ruinas
    Do meu passado e porvir;
    Olhei a vida de perto,
    Tinha um horisonte incerto,
    Quiz força para reagir;

    E tive-a. Da dependencia
    As algemas quebrei eu;
    Nem sequer a esta existencia
    Pedí o influxo do céo;
    Porque uma vez, não me esquece,
    Balbuciei uma prece,
    D'angustia soltei um ai,
    Da magoa o brado no anceio
    Que não teve ecco no seio
    De um senhor, que é Deus... que é pae!

    Ao soffrimento puz termo,
    Suffoquei n'alma as paixões,
    E no peito achei um ermo
    De affectos, de sensações;
    Parto de um golpe as cadeias
    Que me anciavam: e nas veias
    Livre o sangue tem calor;
    Encontro-me só, mas forte,
    Salvo o espirito da morte,
    De um marasmo assustador.

    D'estes hombros, n'um momento,
    Arrojei ao longe a cruz;
    E pedí ao pensamento
    Em vez das trevas a luz.
    Quiz ver e vi: que não sente
    Ninguem, que a palavra mente
    Que quer dizer--coração;
    É o homem meu inimigo,
    E ao que me bradou--amigo,--
    Recusei volver lhe a mão.

    Da mulher á face impura
    Que me fallou em amor
    Com hypocrita candura,
    Com calculado fervor,
    Com mentido enthusiasmo,
    Cuspi acerbo sarcasmo;
    Forcei-a aos olhos baixar;
    E a mulher e o homem vingáram
    Tamanha affronta e bradaram:
    Deixem o doido passar!

    O doido passa; não venha
    Ser-lhe de estorvo ninguem,
    N'um abysmo se despenha
    Rindo ao mal e rindo ao bem!
    Que vos importa se espande
    Sua alma assim?--se elle é grande
    Porque em si é grande a fé;
    Se vós tremeis por bem pouco...
    Porém vêdes sempre o louco
    Firme, impassivel, de pé.

    ERNESTO MARECOS, _Primeiras Inspirações_,
    p. 119. Lisboa, 1865.



MORTA!


    Ella morreu?... Pois d'ella nada existe?...
    Triste do sêr que só na vida colha
    Os resquicios da flor que se desfolha,
    E o riso que desmaia!... Ai, triste, triste!...

    Que tudo o que eu amar logo se extingue!
    No cuidado jardim dos meus amores,
    Que nem uma só flor, de tantas flores,
    Heide vêr e querer que vice e vingue!

    Que sina é pois, meu Deus, a minha sina?
    Parece que ando sempre adstricto á morte;
    Fujo do que é vivaz e alegre e forte,
    Busco tudo o que chora e a fronte inclina.

    Mais quero ao pôr do sol que á rósea aurora;
    Mais que ao botão acceso, á flor que pende;
    Mais que ao peito que lucta, ao que se rende;
    Mais que ao riso feliz, á voz que implora.

    Não sei que tem a pallidez do outono,
    E o frémito das folhas desbotadas;
    Lembra-me em noites no prazer passadas
    Um sonho de ternura antes do somno.

    Alguma cousa vaga e transparente
    Que enlaça co'a visão a realidade,
    Que affaga e que sorrí, mas faz saudade
    Por que enche d'agua os olhos do vidente.

    Eu vi-a e senti n'alma que a adorava,
    Que fragancia! que flor! que novidade!
    É que a mystica luz da eternidade
    Já da entre-aberta campa a illuminava.

    E eu louco ante visão tão pura e bella,
    Nem via em tanta luz sombra da morte,
    Nem me lembrei da minha ingrata sorte,
    E eu sabia que amal-a era perdel-a!

    Adeus!... Se existe o céo... a eternidade?...
    Se nos veremos no paiz risonho?...
    A vida transitoria e a morte... é sonho?...
    Meu Deus! porque nos dás esta saudade?

    1869 THOMAZ RIBEIRO, _Grinalda_,
    t. VI, p. 7.


A VIDA

      Foi-se-me pouco a pouco amortecendo
    A luz que n'esta vida me guiava,
    Olhos fitos na qual até contava
    Ir os degraus do tumulo descendo.

    Em se ella annuveando, em a não vendo,
    Já se me a luz de tudo annuveava;
    Despontava ella apenas, despontava
    Logo em minha alma a luz que ia perdendo.

    Alma gémea da minha, ingenua e pura
    Como os anjos do céo (se o não sonharam...)
    Quiz mostrar-me que o bem, bem pouco dura.

    Não sei se me voou, se m'a levaram,
    Nem saiba eu nunca a minha desventura
    Contar aos que inda em vida não choraram.

      Ah! quando no seu collo reclinado
    --Collo mais puro e candido que arminho,
    Como abelha na flor do rosmaninho
    Osculava seu labio perfumado;

    Quando á luz dos seus olhos... (que era vel-os,
    E enfeitiçar-se a alma em graça tanta!)
    Lia na sua bocca a Biblia santa
    Escripta em letra côr dos seus cabellos;

    Quando a sua mãosinha pondo um dedo
    Em seus labios de rosa pouco aberta,
    Como tímida pomba sempre álerta,
    Me impunha ora silencio, ora segredo;

    Quando, como a alvéola, delicada
    E linda como a flor que haja mais linda
    Passava como o cysne, ou como, ainda
    Antes do sol raiar, nuvem doirada;

    Quando em balsamo d'alma piedosa
    Ungia as mãos da supplice indigencia,
    Como a nuvem nas mãos da providencia
    Uma lagrima estilla em flor sequiosa;

    Quando a cruz do collar do seu pescoço
    Estendendo-me os braços, como estende
    O symbolo d'amor que as almas prende,
    Me dizia... o que ás mais dizer não oiço;

    Quando, se negra nuvem me espalhava
    Por sobre o coração algum desgosto.
    Conchegando-me ao seu candido rosto,
    No perfume d'um riso a dissipava;

    Quando o oiro da trança aos ventos dando
    E a neve de seu collo e seu vestido
    --Pomba que do seu par se ia perdido,
    Já de longe lhe ouvia o peito arfando;

    Tinha o céo da minha alma as sete côres,
    Valia-me este mundo um paraiso,
    Distillava-me a alma um doce riso,
    Debaixo de meus pés nasciam flores.

    Deus era inda meu pae. E emquanto pude
    Li o seu nome em tudo quanto existe
    --No campo em flor, na praia árida e triste,
    No céo, no mar, na terra e... na virtude!

        Virtude! Que é mais que um nome
        Essa voz que no ár se esvái,
        Se um riso que ao labio assome
        N'uma lagrima nos cae!

        Que és, virtude, se de luto
        Nos vestes o coração!
        És a blasphemia de Bruto
        --Não és mais que um nome vão.

        Abre a flor á luz, que a enleva,
        Seu calix cheio d'amor,
        E o sol nasce, passa e leva
        Comsigo perfume e flor!

        Que é d'esses cabellos d'oiro
        Do mais subido quilate,
        D'esses labios escarlate,
            Meu thezoiro!

        Que é d'esse halito, que ainda
        O coração me perfuma!
        Que é do teu collo de espuma,
            Pomba linda!

        Que é d'uma flor da grinalda
        Dos teus doirados cabellos;
        D'esses olhos, quero vel-os,
            Esmeralda!

        Que é d'essa alma que me déste!
        D'um sorriso, um só que fosse,
        Da tua bocca tão doce,
            Flor celeste!

        Tua cabeça, que é d'ella,
        A tua cabeça d'oiro,
        Minha pomba! meu thesouro!
            Minha estrella.

    De dia a estrella d'alva empallidece;
    E a luz do dia eterno te ha ferido.
    Em teu languido olhar adormecido
    Nunca me um dia em vida amanhecesse.

    Foste a concha da praia. A flor parece
    Mais ditosa que tu. Quem te ha partido,
    Meu calix de crystal, onde hei bebido
    Os nectares do céo... se um céo houvesse!

    Fonte pura das lagrimas que chóro!
    Quem tão menina e moça desmanchado
    Te ha pelas nuvens os cabellos d'oiro!

    Sóme-te, vela do baixel quebrado!
    Sóme-te, vôa, apaga-te, meteoro!
    É n'este mundo mais um desgraçado.

    E as desgraças, podia prevel-as
    Quem a terra sustenta no ár,
    Quem sustenta no ár as estrellas,
    Quem levanta ás areias o mar.

    Deus podia prevêr a desgraça,
    Deus podia prevêr e não quiz;
    E não quiz, não... se a nuvem que passa
    Também póde chamar-se infeliz!

        A vida é o dia d'hoje,
        A vida é ai que mal sôa,
        A vida é sombra que foge,
        A vida é nuvem que vôa;
        A vida é sonho tão leve
        Que se desfaz como a neve
        E como o fumo se esvae;
        A vida dura um momento,
        Mais leve que o pensamento,
        A vida leva-a o vento,
        A vida é folha que cae!

        A vida é flor na corrente,
        A vida é sôpro suave,
        A vida é estrella cadente
        Vôa mais leve que a ave;
        Nuvem que o vento nos ares,
        Onda que o vento nos mares,
        Uma apoz outra lançou,
        A vida--penna cahida
        Da aza d'ave ferida--
        De valle em valle impellida,
        A vida o vento a levou!

    Como em sonhos o anjo que me afaga
    Leva na trança os lyrios que lhe puz,
        E a luz quando se apaga
        Leva aos olhos a luz;

    Como os ávidos olhos d'um amante
    Levam comsigo a luz d'um doce olhar,
        E o vento do levante
        Leva a onda do mar;

    Como o tenro filhinho quando expira
    Leva o beijo dos labios maternaes,
        E á alma que suspira
        O vento leva os ais;

    Ou como leva ao collo a mãe seu filho,
    E as azas leva a pomba que voou,
        E o sol leva o seu brilho,
        O vento m'a levou.

        E tu és piedoso,
        Senhor! és Deus e pae!
        E ao filho desditoso
        Não ouves um só ai!
        Estrellas déste aos áres,
        Dás perolas aos mares,
        Ao campo dás a flor,
        Frescura dás ás fontes,
        O lirio dás aos montes,
        E tiras-m'a, Senhor!

    Ah! quando n'uma vista o mundo abranjo,
    Estendo os braços, e, palpando o mundo,
    O céo, a terra e o mar vejo a meus pés;
    Buscando em vão a imagem do meu anjo,
    Soletro á froixa luz d'um moribundo
            Em tudo só--talvez...

    Talvez é hoje a Biblia, o livro aberto
    Que eu só ponho ante mim nas rochas, quando
    Vou polo mundo vêr se a posso vêr;
    E onde, como a palmeira do deserto,
    Apenas vejo aos pés, inquieta, ondeando
            A sombra do meu sêr.

    Meu sêr voou na aza da aguia negra
    Que levando-a, só não levou comsigo
             D'esta alma aquelle amor!
    E quando a luz do sol o mundo alegra,
    Chrysalida nocturna, a sós commigo,
            Abraço a minha dôr!

    Dôr inutil! Se a flôr, que ao céo envia
    Seus balsamos, se esfolha, e tu no espaço
    Achas depois seus atomos subtis;
    Inda has de ouvir a voz que ouviste um dia,
    Como a sua Leonor inda ouve o Tasso...
            Dante... a sua Beatriz!

    --Nunca; responde a folha que o outono,
    Da haste que a sustinha a mão abrindo,
            Ao vento confiou;
    --Nunca; responde a campa, onde, do somno,
    E quem talvez sonhava um sonho lindo,
            Um dia despertou.

    --Nunca; responde o ai que o labio vibra;
    --Nunca; responde a rosa que na face
            Um dia emmurcheceu:
    E a onda, que um momento se equilibra
    Em quanto diz ás mais: deixae que eu passe!
            E passou e... morreu!

    JOÃO DE DEUS, _Flores do Campo_,
    p. 160. 2.ª ed. Porto, 1876.


ADORAÇÃO

          Vi o teu rosto lindo,
          Esse rosto sem par!
    Contemplei-o de longe, mudo e quedo,
    Como quem volta d'aspero degredo
          E vê, ao ár subindo,
          O fumo do seu lar!

          Vi esse olhar tocante,
          D'um fluido sem igual!
    Suave, como lampada sagrada,
    Bemvindo, como a luz da madrugada,
          Que rompe ao navegante
          Depois do temporal.

          Vi esse corpo d'ave
          Que parece que vae
    Levado, como o sol ou como a lua,
    Sem encontrar belleza egual á sua,
          Magestoso e suave,
          Que surprehende e attrae!

          Attrae, e não me atrevo
          A contemplal-o bem;
    Porque espalha o teu rosto uma luz santa,
    Uma luz que me prende e que me encanta,
          N'aquelle santo enlevo
          D'um filho em sua mãe!

          Temo, apenas presinto
          A tua apparição!
    E se me aproximasse mais, bastava
    Pôr os olhos nos teus, ajoelhava!
          Não é amor, que eu sinto,
          É uma adoração!

          Que azas previdentes
          Do anjo tutelar
    Te abriguem sempre á sua sombra pura!
    A mim basta-me só esta ventura
          De ver que me consentes
          Olhar de longe... olhar!

    JOÃO DE DEUS, _Folhas soltas_,
    p. 31. Porto, 1876.

       *       *       *       *       *


SYMPATHIA

    Olhas-me tu
    Constantemente:
    D'aí concluo
    Que essa alma sente!...
    Que ama, não zomba,
    Como é vulgar;
    Que é uma pomba
    Que busca o par!...

    Pois ouve; eu gemo
    De te não ver!
    E, em vendo, tremo
    Mas de prazer!...
    Foge-me a vista...
    Falta-me o ár...
    Vê quanto dista
    D'aqui a amar!

    JOÃO DE DEUS, _Folhas soltas_,
    p. 131.

       *       *       *       *       *


A CIGARRA E A FORMIGA

    Como a cigarra o seu gosto
    É levar a temporada
    De junho, julho e agosto
    N'uma cantiga pegada,
    De inverno tambem se cóme,
    E então rapa frio e fome...

    Um inverno a infeliz
    Chega-se á formiga, e diz:
    --Venho pedir-lhe o favor
    De me emprestar mantimento,
    Matar-me a necessidade!
    E, em chegando a novidade,
    Faço até um juramento,
    Pago-lhe, seja o que fôr!

    «Mas, (pergunta-lhe a formiga,)
    O que fez durante o estio?
    --Eu, cantar ao desafio.
    «Ah! cantar? Pois minha amiga,
    Quem leva o estio a cantar
    Leva o inverno a dançar.

    JOÃO DE DEUS, _Folhas soltas_
    p. 66.

       *       *       *       *       *


O DINHEIRO

    O dinheiro é tão bonito,
    Tão bonito, o maganão!
    Tem tanta graça o maldito,
    Tem tanto chiste o ladrão!
    O fallar? falla de um modo...
    Todo elle, aquelle todo...
    E ellas acham-n'o tão guapo ...
    Velhinha ou moça que veja,
    Por mais esquiva que seja,
             _Tlim!_
             Pápo.

    E a cegueira da justiça
    Como elle a tira n'um ai!
    E sem pegar n'uma pinça,
    E só dizer-lhe: Ahi vae...
    Operação melindrosa
    Que não é lá qualquer cousa;
    Catarata! tome conta;
    Pois não faz mais do que isto,
    Diz um juiz que o tem visto:
             _Tlim!_
             Prompta.

    N'essas especies de exames
    Que a gente faz em rapaz,
    São milagres aos enxames
    O que aquelle diabo faz.
    Sem saber nem patavina
    De grammatica latina,
    Quer-se a gente d'ali fóra?
    Vae elle com taes fallinhas,
    Taes gaifonas, taes coisinhas...
             _Tlim!_
             Ora...

    Aquella physionomia
    E lábia que o diabo tem!
    Mas n'uma secretaria
    Ahi é que é vel-o bem!
    Quando elle, de grande gala,
    Entra o ministro na sala
    Aproveita a occasião:
    Conhece este amigo antigo?
    --Oh meu tão antigo amigo!
             (_Tlim!_)
             Pois não!

    JOÃO DE DEUS, _Flores do Campo_,
    pag. 147.

       *       *       *       *       *


AMORES... AMORES...

    Não sou eu tão tola
    Que caia em casar;
    Mulher não é rola,
    Que tenha um só par.
      Eu tenho um moreno,
    Tenho outro de cór,
    Tenho um mais pequeno,
    Tenho outro maior.

    Que mal faz um beijo,
    Se apenas o dou,
    Desfez-se-me o pejo
    E o gosto ficou?
      Um d'elles por graça
    Deu-me um, e depois,
    Gostei da chalaça,
    Paguei-lhe com dois.

    Abraços, abraços
    Que mal nos farão?
    Se Deus me deu braços,
    Foi essa a rasão.
      Um dia que o alto
    Me vinha abraçar,
    Fiquei-lhe de um salto
    Suspensa no ár.

    Amores, amores,
    Deixal os dizer;
    Se Deus me deu flores,
    Foi para as colhêr.
      Eu tenho um moreno,
    Tenho um de outra côr,
    Tenho um mais pequeno,
    Tenho outro maior.

    JOÃO DE DEUS, _Flores do
    Campo_, p. 71. 2.ª ed.


A SOMBRA

    Quando Christo sentiu que a sua hora
    Em fim era chegada, grave e calmo,
    Sereno se acercou dos que o buscavam.
    A turba vinha em armas! Mas, de tantos,
    Nem um só se atreveu a dar um passo,
    A pôr a mão no Filho do Homem.--Todos
    De olhos no chão, as armas encobriam
    Ante Jesus inerme.
                        Então aquelle
    Que o tinha de entregar, aproximando-se,
    O tomou nos seus braços, murmurando:
    «Que Deus te salve, Mestre!» E, sobre a face
    O beijou, como fôra contractado.
    Então os mais, chegando-se, o prenderam.

    Mas Jesus, sem os vêr, lhes perdoava;
    De olhos no céo, seguía-os sereno.
    Era duro o caminho. Sobre um monte
    Iam, e dos dois lados, lá em baixo,
    Cobria a treva a terra toda.
                                  Quando,
    Porém, sobre o mais alto d'esse monte
    Foram emfim chegados, de repente
    Viu-se-lhe uma das faces alumiar-se
    De uma luz doce e branda, mas immensa!
    E quanta terra, desde o monte ao oceano,
    Lhe ficava do lado aonde virada
    Lhe estava aquella face, reflectindo-a,
    Tudo se esclarecia--valle e serra
    E a metade do céo--apparecendo
    Como em puro luar, ou qual se fosse
    Vir nascendo uma aurora d'esse lado.
    E essa face radiante era a que Judas
    Não chegára a tocar.
                           Porém a outra,
    Que elle beijara, conservou-se escura,
    Como se o crime d'elle ali guardasse...
    Onde a virava, era uma noite immensa,
    Coberto o horisonte de nevoeiro...
    Partido o mundo em dois, essa metade
    Era a que se ficara envolta em sombras.
    ........................................
    Foi d'essas sombras que se fez a Egreja!

    1865 ANTHERO DE QUENTAL, _Odes modernas_,
    p. 129. 2.ª ed. Porto, 1875.

       *       *       *       *       *

    Como o vento ás sementes do pinheiro
    Pelos campos atira e vae levando...
    E, a um e um, até ao derradeiro,
    Vae na costa do monte semeando;

    Tal o vento dos tempos leva á Idéa,
    A pouco e pouco, sem se vêr fugir...
    E nos campos da vida assim semêa
    As immensas florestas do porvir!

    ANTHERO DO QUENTAL, _Odes modernas_,
    p. 135

       *       *       *       *       *

    Ha dous templos no espaço--um d'elles mais pequeno;
    O outro, que é maior, está por cima d'este;
    Tem por cúpula o céo, e tem por candelabros
    A lua ao occidente, e o sol suspenso ao éste.

    De sorte que quem stá no templo mais exiguo
    Não póde vêr nascer o sol, nem póde vêr
    As estrellas no céo,--que os tectos e as columnas
    Não o deixam olhar, nem a cabeça erguer.

    É preciso abalar-lhe os tectos e as columnas,
    Porque se possa erguer a fronte até aos céos...
    É preciso partir a Egreja em mil pedaços
    Porque se possa vêr em cheio a luz de Deus.

    1864 ANTHERO DO QUENTAL, _Odes modernas_,
    p. 155.

       *       *       *       *       *


VERSOS ESCRIPTOS NA MARGEM D'UM MISSAL

    Bem póde ser que nossos pés dorídos
    Vão errados na senda tortuosa,
    Que o pensamento segue nos desertos,
    Na viagem da Idéa trabalhosa...

    Que a arvore da sciencia, sacudida
    Com força, jámais deite sobre o chão,
    Aos pés dos tristes que ali 'stão anciosos,
    Mais do que o fructo negro da illusão...

    Que o livro do Destino esteja escripto
    Sobre folhas de lava, em letra ardente,
    E não chegue a fital-o o olho humano
    Sem que se offusque e cegue de repente...

    Póde ser, que na lucta tenebrosa
    Que este seculo move sob o céo,
    venha a faltar-lhe o ár, por fim, faltando-lhe
    A terra sob os pés, bem como Anteo...

    Que do sangue espalhado nos combates,
    E do pranto que cae da triste lyra,
    No árido chão da esperança humano
    Mais não nasça que a urze da mentira...

    Que o mysterio da vida a nossos olhos
    Se torne dia a dia mais escuro,
    E no muro de bronze do Destino
    Se quebre a fronte--sem que ceda o muro...

    E que o pensamento seja só orgulho,
    E a sciencia um sarcasmo da verdade,
    E nosso coração, louco vidente,
    E nossas esperanças só vaidade.

    E nossa lucta, vã! talvez que o seja!
    Cego andará o homem cada vez
    Que vê no céo um astro! e os passos d'elle
    Errados pelo mundo irão, talvez!
    Mas, oh vós que prégaes descanço inerte,
    No seio maternal da ignorancia,
    E condemnaes a lucta, e daes ao homem
    Por seu consolo o dormitar da infancia;

    Apostolos da crença,... na inercia...
    Vós que tendes da Fé o ministerio
    E sois reveladores, dando ao mundo
    Em logar de um mysterio... outro mysterio;

    Se quanto o Universo tem no seio,
    E quanto o homem tem no coração,
    O olhar que vê, e a alma que adivinha,
    O pensar grave e a ardente intuição,

    Se nada--em terra e céo--pôde ensinar-nos,
    Do fado humano o immortal segredo,
    Nem os livros profundos da sciencia,
    Nem as profundas sombras do arvoredo,

    Se não ha mão audaz que possa erguel-o
    O tenebroso véo do Bem e Mal...
    Se ninguem nos explica este mysterio...
    Tambem o não dirá nenhum Missal.

    1865 ANTHERO DO QUENTAL, _Odes modernas_,
    p. 143.


ONDA VIVA

    --Chame-te Sudra quem servil te nota,
    Deixem-te as castas com horror sagrado,
    Calquem-te, Pária, Fellah, bronco Ilóta,
    Façam-te Escravo em Roma, ai, é baldado;
    És sempre o mesmo homem ultrajado!

    A natureza deu-te a força, e vida
    Que não succumbe á violação proterva!
    Como a prancha que arrasta onda batida,
    Como revive a amaldiçoada erva,
    Assim poder extranho te conserva.

    Erva, cujas raizes derrocaram
    De ergástulos e templos velhos muros,
    Que nas ruinas seu vigor mostraram,
    Cobrindo de verdura os seixos duros,
    Só com ter de ár e luz uns haustos puros.

    Os que te viram sob o aspecto novo,
    A ti, o ignobil da vetusta edade,
    Como lisonja te chamaram Povo;
    E envolvidos na pávida anciedade
    Deixaram-te provar da egualdade.

    Como foi que subiste a tanta altura?
    Não és aquelle mesmo intonso e hirsuto,
    Sem vontade ou direito; por ventura
    Bebendo o choro mudo, nunca enxuto?
    Vivendo equiparado sempre ao bruto?

    Não és aquelle a quem o sol aquenta
    Pela graça dos reis, pois que um relance
    Das Bastilhas te arroja á morte lenta?
    Da crassa escravidão deixaste o alcance?
    Da gleba adscripta sacudiste o transe?

    Como ousaste pensar por ti um dia,
    Rodeado de bonzos como andáras?
    Chamaste a Providencia; a Theologia,
    A escarnecer-te com devotas caras,
    Respondia queimando-te nas áras.

    E foi possivel germinar a ideia,
    Sob esse craneo duro, tantas vezes
    Decepado nas praças, porque cheia
    Um dia trasbordára a taça as fézes,
    E ousaste resistir a mil revézes?

    Explorado do berço á sepultura,
    Tu, conservado estupido por plano,
    Como foi que subiste a tanta altura?
    Lançando da cerviz o jugo insano,
    Reclamando isso que é do sêr humano?

           *       *       *       *       *

    «Perguntas bem! Direi toda a verdade:
    De luz, terra e trabalho, de ár e ideia,
    Da santa aspiração da liberdade,
    De tudo quanto o peito vivo anceia,
    Um dogma nos privou por culpa alheia.

    O velho egoismo nos privou de tudo!
    Fomos baixando até cahir exangue;
    Rasgava-nos o peito o ferro agudo,
    E quando estava já para a dor mudo
    Só não poderam esgotar-lhe o sangue.

    E o sangue correu sempre,--e quente arrasta
    Provocando a embriaguez da liberdade,
    Lavando o stigma que separa a casta,
    Minando a secular fatalidade
    Que fez do atroz arbitrio Auctoridade!

    Quando o rei paternal, d'entre o arminho
    Triumphante exclamava:--Quero e posso!
    Lançava ao ár o cópo cheio de vinho;
    Tambem ao derrubar o alto colosso,
    Nos derramámos sempre o sangue nosso.

    O sangue, o sangue nosso! o vinho forte
    Da garantia cívica romana!
    Na sua enchente rompe o dique á sorte.
    Como Christo augmentou o vinho em Cana,
    O sangue fez a egualdade humana.

    THEOPHILO BRAGA.



O SEPULCHRO DE VIRGILIO


I

    Era chegado o Apostolo eloquente
    Cansado, e firme n'uma fé robusta,
    Da romagem longinqua do Oriente,
    Por hordas sevas da região adusta:
    Vinha trazer á Capital da Gente
    Que impera no orbe e com poder assusta
    De armas e leis, poder egual não visto,
    O Verbo novo que dissera Christo.

    Vira o Apostolo uma fresca gruta,
    Entrou, sentou-se em vago esquecimento.
    Queria forças para entrar na lucta,
    E repouso de quem recobra alento;
    Santos carmes do velho Lacio escuta
    Agitando-lhe o incerto pensamento.
    É bem que te extasies e arrebates
    Co'a a lingua dos Juristas e dos Vates!

    Sentou-se extenuado sobre as bordas
    Do tumulo sagrado de Virgilio!
    Transpondo os mares, e sedentas hordas,
    Mal comprehende o Apostolo esse idylio
    Que resôa das invisiveis cordas
    Da alma grega no etrusco domicilio.
    Elle quer possuir essa magia
    Para espalhar a fé viva que o guia.

    Virgilio! A natureza era serena!
    Com mansidão o mar longe estuava
    Na forte placidez de quem sem pena
    Do promontorio os vinculos quebrava.
    Atito pesaroso de uma avena
    Graça de infancia á paisagem dava;
    Era limpido o ár! Cariz de Italia...
    Quem tiver mais poesia n'alma exhale-a.

    Havia o quer que é, de mysterioso
    Que perturbava o Apostolo fervente,
    A revelar-lhe com tristeza e goso,
    Que vinha tarde ás bandas do Occidente,
    Fallar do Verbo novo e doloroso
    Da liberdade humana florescente!
    Sobre o tumulo d'esse augusto Vate
    Medita nas palavras do resgate.

    Repousou a cabeça somnolenta
    Da campa de Virgilio sobre a lagem;
    A mente em sonho vago representa
    Que chegou tarde tarde da romagem.
    E chorou como aquelle que se ausenta
    Do seu amigo, para a eterna viagem,
    E chorou! Concentrou-se a natureza
    Para ouvil-o em sua intima tristeza:


II

    «Oh alma bem fadada, só nascida
    Para sentir o bello e a verdade!
    Para ti minha vinda foi perdida.

    «Ao conhecer-te, quem chorar não hade
    Vendo morrer no erro e culpa d'Eva
    O melhor coração da antiguidade?

    Tu foste como o guia, quando leva
    A luz adiante, e a todos alumia;
    Só para si não vae rompendo a treva!

    Ah, presentiu a ideal melancholia
    Que faz do novo dogma a essencia, quando
    _Sunt lacrymae rerum!_ proferia.

    Virgilio! Ah, como apostolo seria
    O que dava á verdade essa linguagem
    Profunda, humana e viva da poesia!

    Se Paulo, ai, tarde! da longiqua viagem
    Pudesse vir a tempo, em tua procura,
    Do Verbo novo dando-te a mensagem!

    Ter eu vindo tão tarde! desventura.
    E ser já tarde! que lethal tristeza,
    Para salvar esta alma ingenua, pura!»

    E chorou! concentrou-se a natureza.


III

    Longo foi o silencio, como aquelle
    Que procede o ruir da tempestade,
    Antes que o vendaval rijo atropelle
    As ondas, contra as quaes urrando brade!
    Paulo chorava por essa alma imbelle,

    Com magua e suavissima saudade
    Ás lagrimas, da compunção alarde,
    Respondeu-lhe uma voz:

          --Não vieste tarde.

    Não vieste tarde! E vê se poderias
    Ao maximo pontifice do Justo
    Leval-o a crêr na Graça que annuncias?

    Não podera esquecer a todo o custo
    O nexo da harmonia das vontades,
    Por um dogma de privilegio augusto.

    Cuspido ás praias pelas tempestades
    Vieste Paulo, a tempo a dar a nova
    D'esse mysterio ás immoraes cidades.

    Em quanto da Justiça déra prova
    Roma! foi grande, soberana e forte.
    Quem haverá que a outra ideia a mova?

    Mas essa luz que sempre foi seu norte,
    Um dia a apaga a purpura devassa:
    Do carcomido imperio segue a sorte.

    Antepondo á Justiça, arbitrio ou Graça,
    Vae, Paulo! agora é tempo, e entra em Roma,
    Se fallas em Justiça, a plebe passa...

    Ella não te percebe! Ah Paulo, dóma
    A plebe ignava com o doce engano
    De cousa que se palpe e que se coma...

    Da bem aventurança pinta o arcâno;
    Mas a doutrina só será fecunda
    Quando o teu Christo se tornar romano.
    .......................................

                                                        THEOPHILO BRAGA

       *       *       *       *       *



PHRASE DE MIGUEL ANGELO


I

    Oh Dante! oh nova aurora da Poesia,
    Duro juiz da inulta liberdade!
    Quando entraste dos prantos na Cidade,
    Perguntaste a Virgilio, ao doce guia:

    --D'onde vem tal fragrancia e harmonia?
    Vozes de amor de tanta suavidade?
    Que se aclara a amplidão da escuridade
    Sobre o estertor da hórrida agonia?--

    Viste pairando em nuvem diamantina
    Voar Paulo e Francesca, triste e amante;
    Quizeste ouvir que dôr é que os fulmina.

    Interrogaste o mestre n'esse instante;
    Mas respondeu a bella florentina:
    _La bocca me bacció tutto tremante_.


II

    Fria, dentro de um féretro estendida,
    Eu vi passar tambem, d'esta janella,
    Ai! para sempre e nunca mais, aquella
    Que fôra para mim ideal e vida.

    Ah Vittoria Colonna, não vencida;
    Vae-se-me da esperança a luz com ella;
    Sem rumo e sem phanal, d'entre a procella
    Que eu fique como a nave já perdida.

    O espirito se abysma em vacuo immenso,
    A solidão é vasta mas suffoca;
    Da dor irremediavel me convenço:

    Eu pergunto--que mão lethal me toca?
    Vel-a morta levada... ah scismo e penso:
    _Sem nunca ter beijado aquella bocca!_

    THEOPHILO BRAGA.

       *       *       *       *       *


O PRISIONEIRO

(Diante de uma cabeça de Miguel Angelo)

    Uma palavra diz toda a desgraça:
    --Ter por si a rasão, eis o seu crime!--
    O despota o conhece; busca traça
    Para esconder a victima que opprime.

    Ferros! vossos anneis encadeados
    Venham soldal-o para sempre ao muro;
    Abobadas! calae-lhe ardentes brados,
    Trevas! summi-o no estertor do escuro.

    Mas tudo é pouco. O prisioneiro pensa
    No rancor do tyranno e adormece;
    A natureza é mãe: na dor immensa
    Accolhe o que nas ancias desfallece.

    Então, em somno longo e descuidoso
    Aos sitios mais queridos d'outras éras,
    A mente vôa e aviva com repouso
    Passadas illusões, doces chimeras.

    Quem cuidará que o inerme prisioneiro
    Esquecido do peso das algemas
    Ouve os colloquios do amor primeiro?
    Do adeus final as expressões extremas?

    Ali lhe transparece sobre os labios
    O arpejo ignoto de suave riso,
    Sereno como a profundez dos sabios,
    Triste como o luar quando indeciso.

    Pensa que é livre! o somno é liberdade
    Para esse a quem nenhum consolo reste;
    Qual será mais feliz? a auctoridade
    Nunca logrou um instante como este.

    Vela o tyranno, tendo álerta os guardas,
    Entre canhões, muralhas, torres, fossos;
    Lá quando o somno chega em horas tardas,
    Ouve ais, vê sangue, estrepitos, destroços:

    Escuta os gritos surdos da revolta
    Do povo que a si mesmo faz justiça;
    É negro o pezadello, o horror o escolta,
    Quer despertar, remorso o infeitiça.

    Este, dormindo, já se sente escravo,
    Arrastado por praças, com vergonha;
    Mas quem jaz mudo sob o iniquo aggravo
    Que é livre, livre, ai prisioneiro, sonha.

    Qual será mais feliz? um quando dorme,
    É só para sentir terror, fraqueza;
    E áquelle que succumbe ao peso enorme
    Diz-lhe ser livre, a santa natureza.

    Bem haja a eterna força que lhe inspiras
    Que não conhece algemas--a vontade!
    Prepotentes! quebrae ante ella as iras,
    Embalem-nos os sonhos da verdade.

    (Junho, 25--1872.) THEOPHILO BRAGA.

       *       *       *       *       *


NAPOLEÃO MORIBUNDO

    Como o grande astro, pallido e já frio
    Vae a afundar-se lento no horisonte!
    Olhos vagos, de extremo desvario
    Dão um sinistro aspecto áquella fronte!
    A fronte sombra gélida a cobriu
    Como os nimbos no vertice do monte;
    Aguia, que vae morrer sacode as azas,
    Tal se agitou, e disse então:
                                  --Las-Casas!

    Estás ahi? És sempre o egual amigo,
    Mais vinculado a mim pela desgraça!
    Attenta nas palavras que te digo...
    A custo sae a voz já surda e baça!
    Um pezo enorme aqui, duro castigo,
    Me opprime o peito, augmenta e ameaça.
    Repara, arquejo de agonia e medo,
    Tira de sobre o peito este penedo!

    Sim, um penedo! alguem o detem sobre
    O peito exhausto para meu desdouro;
    Serei eu como o sapo que se encobre
    Sob a pedra? ou recondito thezouro?
    Mais opprime! sem ár e luz que sóbre
    Acovarda-me o pezo d'esse agouro...
    A pedra o gello seu me communica,
    E como a pedra o corpo inerte fica!

    Ouve. Acordei de um sonho longo e aziago
    Na vertigem da febre que devora;
    Prostra-me o pezadello máo, persago,
    Que me levou alem dos mundos fóra.
    Por onde eu ia me seguia o estrago,
    Pude então meu destino ler; e agora
    A mim voltei; ah, sobre mim o bloco
    Assim encontro... E como o palpo e toco!

    Fatalidade immensa; fim medonho!
    Menos que Prometheu, do mundo antigo!
    Como Sysipho á fraga não me opponho,
    Nem faço como Ajax da rocha abrigo.
    Sucumbo! escuta o tenebroso sonho,
    Attenta na visão que aqui te digo,
    Verás d'onde caíu este penedo
    De que fiz pedestal... guarda segredo:


VISÃO DO PAROXISMO

    Vi-me perdido, como outr'ora Dante,
    Não na floresta escura, mas bem perto
    D'uma montanha que encontrei diante
    Do passo temerario, vão, incerto;
    No flanco da montanha, a mais gigante,
    Deparei antro lóbrego e aberto,
    Quiz conhecer o goso de ir perdido,
    E entrei, com esperança, destemido.

    Era um algar profundo, escuro, mudo,
    Gotejando a humidade e a doença;
    Frio, como o terror! e mais que tudo
    Ermo, como o que nunca teve crença!
    Com a audacia da edade o passo ajudo,
    Através da visagem feia e densa;
    Quero ir lá dentro ouvir a Pythonissa
    Na solidão dos que só tem justiça.

    Era a via subterrea, má, sem tento,
    Debaixo da Montanha aos céos erguida,
    Interminavel como o soffrimento,
    Desconhecida como o entrar da vida.
    Foi impavido adiante o pensamento,
    Quem romperia a tétrica avenida?
    Oh, não foram por certo as alimarias
    Sim, bem o sei, foi geração de Párias.

    Parecia que o pezo da montanha
    Já o sentia no offegar cansado;
    A crassa escuridão era tamanha
    Que ultrapassava os dogmas do peccado.
    A tristeza que o peito ali me banha
    Similhava a do homem ultrajado;
    Silencio, egual ao seculo confuso,
    Que não deixou protesto contra o abuso.

    E tacteando trépido prosigo
    Como o que deu por falta, e em vão procura;
    Mas como a tradição de um tempo antigo
    Paralisou-me uma humidade escura!
    Senti-me vérme dentro de um jazigo,
    E vi que a vida quer a luz só pura;
    E dentro, lá nos infimos cancéllos
    Ouvi ruido como de martellos;

    Pancadas longas, de quem rompe e escava
    Na compacta pedreira e a derruba,
    O som pela caverna retumbava;
    Fui avançando! quer eu desça ou suba
    Mais se distingue a varia faina brava,
    Como o leão, quando sacode a juba!
    Ais e vivas, lamentos e cantigas
    Soam como animando nas fadigas.

    Cheguei mais perto. Vi-os! eram tantos...
    Cataduras de Cyclopes, de athletas!
    Rostos sulcados por calados prantos,
    Peitos transidos por ignotas setas;
    Na expressão moral, brutos e santos;
    Tão ingenuos como almas de poetas;
    Rudes, leaes, e rotos mas contentes;
    Chamam isto--trabalho--aquellas gentes:

    Levantavam os malhos contra a rocha,
    Responde ella com afiadas lascas;
    E quando no trabalho a força afrouxa,
    Um canto anima as vacillantes vascas!
    O canto ou grito da agonia roxa,
    _Çà ira!_ voz das intimas borrascas,
    Vinha ao bater dos malhos dar compasso,
    Trazer alento no mortal cansasso.

    Muitos caíam já sem força, em terra,
    Mudos, outros ficavam sepultados
    Nas barreiras por culpa d'este que erra
    Indo minar em perigosos lados.
    Mas que poder sublime o canto encerra!
    _Çà ira!_ levam eccos prolongados;
    E ao trabalho de novo metem hombros,
    Na dor e na coragem sempre assombros.

    Cheguei mais perto, ao perto dos mineiros:
    --Oh raças condemnadas ao trabalho,
    Criadas na fadiga, e os primeiros
    Que procuraes romper tão duro atalho!
    E para quem do Golgotha o madeiro
    Só produziu o secco e esteril galho,
    Que sentença condemna a essa luta
    De vencerdes a natureza bruta?

    «Vamos minando o alteroso Monte.
    Temol-o atravessado pela base!
    Procuramos a luz d'outro horisonte,
    Nós sentimol-a! é esta a nossa phrase.
    Sem um astro que a via nos aponte,
    Vamos errantes, acertando quasi,
    Mergulhados no frio e escuridade,
    Dá-nos calor o ideal da liberdade.

    «Ha gerações que aqui nasceram méstas;
    E que se nasce livre aquella ignora!
    Outra trabalha equiparada ás bestas,
    E pensa que só vive quando chora.
    Umas cáem na vala, restam estas
    Na esperança de achar a nova aurora!
    Sobre nós a montanha peza horrenda
    Na tradição de seculos tremenda.

    _«Çà ira!_ Pois Encélado palpita,
    Sacudindo a montanha sobre o dorso;
    A montanha é a tradição maldita,
    Immovel como os dogmas do remorso,
    Impassivel como uma lei escripta...
    Nós proseguimos no baldado esforço
    Porque os filhos de nossos filhos vejam
    A luz que os nossos olhos tanto almejam.

    «Nós transmittimos o fatal legado
    Que herdámos sem saber como nem quando...»
    E quando olhava para aquelle lado
    Lá onde o _Çà ira!_ ia levando,
    De repente ficou tudo calado!
    Vi transluzir clarão suave e brando...
    Jôrros de luz, que as trevas longe sómem,
    Eu conhecí, era--_Os Direitos do Homem_!

    Por ti, que gerações foram á vala
    Afirmando o que a tradição mais nega!
    E emquanto o pranto em cada rosto falla,
    E a vêr a claridade cada um chega;
    Lembrou-me a mim dever eu gradual-a,
    A diáphana luz que a olhos céga;
    --Oh, parae um instante! sabei que essa
    Luz repentina é como a treva espessa.

    Confiae hoje em mim; que eu vá adiante
    A vêr se algum abysmo aí está aberto;
    Quem sae da escuridão não vê distante,
    Sustae o passo trépido e incerto!--
    Como entra o mensageiro alegre, ovante
    Na Promissão, saindo do dezerto,
    E emquanto choram n'uma effusão terna,
    Cheguei então á bocca da caverna.

    Que mundo extranho, que planicie infinda,
    Que ár saudável, tépido e fagueiro!
    Que céo azul, que paizagem linda,
    A harmonia embalava o mundo inteiro.
    Bloco enorme de pedra estava ainda
    Na bocca da caverna sobranceiro,
    Cresceu-me esta ambição danada minha,
    E vi a fragil lasca que o sustinha.

    Á posse d'esse mundo a mente eu alço;
    Sentí o egoismo de querer tal mundo
    Só para mim; e eu, misero e falso,
    Inda escutava o cantico jocundo,
    De prompto o bloco intrepido descalço!
    Rolou o pedra da caverna ao fundo;
    Como se entaipa n'uma furna o urso,
    Pensei interromper do tempo o curso.

    Sepultos outra vez deixei em trevas
    Miseraveis que seculos luctaram;
    Abafei-te, hymno ardente, que sublevas,
    Puz um dique aos golphões que extravasaram;
    Cobri o quadro das angustias sévas
    Que a tradição e a ordem ameaçaram;
    Sobre essa pedra eu presenti a gloria
    Fiz o meu pedestal perante a Historia.

    Ouves, Las-Casas? choras, fiel amigo?
    A custo sae-me a voz já surda e baça...
    O meu destino foi, á força o digo,
    Missão de um blóco em sua inerte massa.
    Eu o sinto opprimir-me por castigo
    O peito, e com seu pezo me ameaça;
    No estertor de Job, ai se me ouvissem!
    _Melius erat si natus non fuissem._--

           *       *       *       *       *

    Como se afunda do alto no oceano
    A mó do Apocalypse amaldiçoada,
    Tal para sempre no desprezo humano
    Se imerge essa existencia egoista, errada.
    Vomitou destruição o ignobil cano,
    Da morte e do que é morto fez parada!
    E se a dor sente alivio no improperio,
    Sirva-lhe de alvo sua vida e imperio!

    1874 THEOPHILO BRAGA


ÁS MÃES

    Oh santas, que embalaes os berços das crianças,
    E assim lh'o revestis de floreas esperanças;
    Que andaes sempre a cuidar das almas por abrir,
    E a verter-lhes no seio o germen do porvir!
    Sois vós que, pela mão, da gloria á vida inquieta
    Levaes um vosso filho, um pallido propheta,
    Que é Newton ou Petrarcha, Angelo ou Raphael,
    Com o pincel e a pena, o compasso e o cinzel,
    Fazendo enobrecer quem lhes seguir o exemplo!
    Sois vós que o conduzis ao portico do templo
    Onde o porvir corôa os genios immortaes,
    E mal chegadas lá de todo o abandonaes
    Sem aguardar sequer, nas sombras d'uma arcada,
    A grande acclamação que festeja a entrada!
    E modestas que sois! tornaes a vosso lar
    E só vos contentaes em vel-o atravessar
    Coroada de laureis a frente scismadora,
    Um arco triumphal, que o cérca d'uma aurora.
    Mas nós, cabeças vans, escravos pelo amor,
    Andamos a dizer; «Beatriz! Leonor!»
    E o nome vosso, oh mães, não lembra um só instante.
    Quem sabe o nome vosso, oh mães de Tasso e Dante?

    Oh santas! perdoae; lá tendes o Senhor
    Que vos cobre de luz, de bençãos e de amor,
    Fazendo abrir ao sol as vossas esperanças!
    Oh santas, emballae o berço das crianças!

    1864 GUILHERME BRAGA, _Grinalda_
    t. V, p. 25.

       *       *       *       *       *


AMIGOS...

    Era da Terra-Nova: um formidavel cão.
    O homem que m'o vendeu, chamava-lhe--Sultão,
    E creio que o trazia ha dois annos comsigo;
    Eu só lh'o quiz comprar para ter um amigo ...

    Depois que lh'o paguei, o soberbo animal
    Lançou-lhe um triste olhar d'estes que fazem mal,
    Que envolvem um adeus, talvez o derradeiro!
    O dono, distrahido a contar o dinheiro,
    Nem mesmo reparou n'essa muda afflícção,
    E disse-me a sorrir; «É um bravo, este Sultão!
    Bem nutrido e leal: dedicado e robusto!
    Mas... pode acreditar que lh'o dou pelo custo...
    Já me salvou a vida uma vez no alto mar.»
    Disse isto, e cortejou-me e partiu...
                                         A scismar
    N'aquella ingratidão, que tantas me recorda,
    Do pescoço do cão desamarrando a corda,
    Em voz alta eu bradei: Bem o dizias tu,
    Oh poeta immortal: _Le chien c'est la vertu
    Qui ne pouvant se faire homme, s'est faite bête_.
    E como em todo o olhar uma alma se reflecte,
    A alma d'aquelle sêr que vinha atraz de mim...
    Curvo, humilde, ou talvez resignado por fim,
    No olhar que então lhe vi, das sombras do seu nada
    Parecia dízer-me:--Obrigada, obrigada!

    1866 GUILHERME BRAGA, _Heras e Violetas_,
    p. 239. Porto, 1869.

       *       *       *       *       *


PLATÃO

    Quando ao cair das sombras, o sol já semi-morto
    Tornava côr das rosas o anil do mar Egeo
    Onde veleiras cymbas singravam para o porto
    Abrindo as azas brancas, como as aves do céo;

    Do promontorio Sunium ao viso magestoso,
    Que banha o pé nas aguas, ascendia Platão;
    E, como lendo as folhas de um livro mysterioso
    Derramava seus olhos na infinita amplidão...

    O sol desce! o sol desce! seu derradeiro lume
    Diz aos montes e ás vagas melancolico adeus,
    E o sabio sempre immovel no purpurado cume,
    Com a vista no espaço finge a estatua de um deus.

    Sobre a roca de Egina, vem surgindo a seu turno
    Vésper, tingindo as aguas de azulado fulgor;
    As estrelas despontam, e o sabio taciturno
    Com o dedo nos labios pensa no infindo Amor.

    Mas, eil-o que estremece! n'um transporte impetuoso
    Do seu negro, amplo manto se desembuça então,
    Depois estende os braços ao plaino rumoroso,
    E brada, erguendo os olhos á etherea solidão:

    «D'este grande poema, portentos, harmonias,
    D'esta hora, só d'esta hora, mysteriosa assim,
    Só d'esta hora de doces e santas alegrias,
    Eu aprendo o que podes, oh Potencia sem fim!

    És tu, oh Natureza que a rigidez me ensinas,
    Que os sophistas da Eschola, na Eschola assombrará,
    Em ti bebo a Sciencia, que das coisas divinas
    Tenho, que o mundo busca, mas no mundo não ha!

    Que logar fica á duvida em corações, que o effeito
    Mago d'estes momentos faz d'amor palpitar?
    Oh virações do empyreo, purificae-me o peito,
    Para que os meus bons Genios o possam habitar.

    Descei, oh meus patronos! descei do excelso empyreo!
    Já minha alma está pura! homem novo já sou!
    Não pezam em mim sombras e duvida e delirio!
    A luz da eterna aurora para mim já raiou.

    Chamma d'amor celeste me aquece a intelligencia,
    Minha rasão, qual aguia, paira no extremo céo,
    E, á luz mysteriosa da minha consciencia,
    Vejo através da tumba, da morte rasgo o véo!

    Immortal! que presagios. Immortal! que delirio,
    Immortal! que alegrias. Que crêr e que esperar!
    Purificae-me o peito, vós, virações do empyreo,
    Para que os meus bons Genios lá possam habitar!»

    Diz--e do Promontorio deixa o cume elevado,
    Que dos Genios da Noite já cercam turbilhões,
    E, ao rir da nova aurora, com a voz de inspirado,
    Descreve á turba absorta suas grandes visões!

    1871
    LEONEL DE SAMPAIO (VICENTE DE FARIA)
    _Grinalda_, vol. III, p. 88.

       *       *       *       *       *


N'UM TUMULO

    Envolve-se a existencia em dois mysterios:
    Berço e campa--dois óvulos diversos;
    Dos berços faz-se o pó dos cemiterios,
    Das campas sae o pollén dos berços.

    Mysterioso circulo da vida
    Que esmaga em cada giro uma alma, um ente,
    Que rasga em cada volta uma ferida,
    Que deixa em cada sulco uma semente.

    ALEXANDRE DA CONCEIÇÃO.


DILEMMA

    Eu, quando aos labios teus o pejo assoma
    Como no céo a nuvem matutina,
    Ou, quando esse rubor que te illumina
    Occultas entre as ondas da aurea cóma,

    Parece que estou vendo, n'esse pejo,
    A timidez da pomba que tem medo
    Do mais leve sussufro do arvoredo,
    Cuidando que o rumor lhe pede um beijo

    A ti também, meu Deus! tudo te assusta!
    Que medo podes ter quando eu te fallo?
    Porque córas assim quando me calo?...
    Parece que até mesmo a olhar te custa!

    Se te fallo de amor não me respondes,
    Se te tento beijar, sorris córando;
    E concedes o beijo, mas, curvando
    A fronte ao seio aonde tu a escondes.

    Esconde; olha, eu por mim não me arrenego;
    O que te digo é que esse teu receio
    Faz ás vezes com que eu te beije o seio
    Como errando o caminho... se estou cego!...

    Desterra para longe esse embaraço!
    Vamos, olha para mim, mas sem tal pejo!...
    Vamos, se não córares dou-te um beijo,
    Se córares... então dou-te um abraço.

    ALEXANDRE DA CONCEIÇÃO, _Grinalda_,
    vol. V, p. 29.

       *       *       *       *       *


SIC TRANSIT...

    Um dia frei Manuel das Bentas Chagas
    Limpava ás sujas mangas da batina
    Do seu teimoso pranto as grossas bagas,
    Sentado á sombra de uma velha ruina.

    Ruíra, ha muitos annos o convento,
    Onde lédo passara a mocidade,
    E vinha agora alí, por seu tormento
    Curtir as agras dores da saudade.

    «Frei Manuel, (lhe pergunto) que pezares
    Turvam teu rosto que em tal pranto lavas?
    Tens culpa que ruissem os altares
    Do templo, onde ao Deus vivo celebravas?

    Não tens culpa, bem sei, choras os damnos
    Da santa religião, pois viste um dia
    O que fôra trabalho de mil annos
    Cair ás mãos da ignara hypocrisia?»

    Frei Manuel me responde:--Esse tão bello
    Tempo da vida asceta não lamento;
    Choro, sim, mas por vêr o carmatello
    Não respeitar a adega do convento.

    J. SIMÕES DIAS.

       *       *       *       *       *


A BENÇÃO DA LOCOMOTIVA

    A obra está completa. A machina flammeja,
    Desenrolando o fumo em ondas pelo ár;
    Mas antes de partir, mandem chamar a Igreja,
    Que é preciso que um bispo a venha baptizar.

    Como ella é com certeza o fructo de Caim,
    A filha da Rasão, da independencia humana,
    Botem-lhe na fornalha uns trechos em latim,
    E convertam-n'a á fé catholica-romana.

    Devem n'ella existir diabolicos peccados,
    Porque é feita de cobre e ferro; e estes metaes
    Saem da natureza, impios, excommungados,
    Como saímos nós dos ventres maternaes.

    Vamos, esconjurae-lhe o demo que ella encerra,
    Extrahi a heresia ao aço lampejante!
    Ella acaba de vir das forjas de Inglaterra,
    Ha de ser com certeza um pouco protestante.

    Para que o monstro côrra em férvido galope,
    Como um sonho febril, n'um doido turbilhão,
    Além do machinista é necessario o hyssope,
    E muita theologia... além de algum carvão.

    Atirem-lhe uma hostia á bocca famulenta,
    Preguem-lhe alguns sermões, obriguem-n'a a resar,
    E lancem na caldeira um jorro d'agua benta,
    Que com agua do céo talvez não possa andar.

    GUERRA JUNQUEIRO.

       *       *       *       *       *


O URSO BRANCO

    Elle é descommunal, titânico, felpudo;
    Anda sinistramente a farejar na treva,
    E causa-nos horror, como um gigante mudo.

    Vive na escuridão phantastica do Neva,
    E já ouvi dizer que essa alimaria informe
    É também como nós filho de Adão e Eva.

    Rasteja pela sombra; e mesmo quando dorme
    Conserva sempre aberto um olho coruscante
    Como um cacto real ensanguentado, enorme.

    É o despota feroz o Cesar triumphante
    D'uma crepuscular, longinqua Babylonia,
    Que é como um pezadelo, uma visão do Dante.

    Nas convulsões febris da bestial insomnia
    Estorce-se a lamber as garras sensuaes,
    Ruminando lá dentro o craneo da Polonia.

    Anda espreitando ao longe as torres orientaes,
    As flexas de Stambul, as morbidas almêas
    Com o riso cruel dos lobos imperiaes.

    Tira o sangue do povo e manda abrir-lhe as veias,
    E os duques-generaes e os bispos-cortezãos,
    Misturam-no com vinho e bebem-no nas ceias.

    Satanaz é seu pae, e os tigres seus irmãos,
    Depois de realisar doidas carnificinas,
    Lava com agua benta as sanguinarias mãos.

    Sobre os campos do mal semeia as guilhotinas,
    Mergulha brutalmente a plebe esfarrapada
    Na bronzea escuridão de tenebrosas minas:

    Por isso quando vae de fronte levantada,
    Entre o clamor febril da guarda pretoriana,
    Erguendo para a luz a flammejante espada,

    Debaixo de seus pés, em confusão insana,
    Sente-se revolver um mar de imprecações,
    Que abala o fundamento á consciencia humana.

    Justiça! vae abrir as furnas dos leões!
    Desce d'aquelle inferno ás gélidas entranhas,
    E arranca-me de lá os tristes corações,

    Que sentem sobre si o peso das montanhas.
    Transforma n'uma lança os ferros das algemas!
    Vae aos gelos do norte, as solidões estranhas...

    Procura a fera brava; eia, mulher, não tremas!
    Embebe-lhe sem dó no musculoso flanco
    A lança virginal das coleras supremas.

    Monta no teu corcel! Agarra o urso branco:
    Ensina-lhe a dansar umas grutescas dansas,
    E dá-o de presente a um magro saltimbanco

    Que o mostre n'uma feira aos risos de crianças.

    GUERRA JUNQUEIRO

       *       *       *       *       *


NOVO PETRARCHA

    Ia o sol desmaiando no occidente,
    E disseste-me então: «Ah! doce amante,
    Ditosa eu fôra se inspirasse um Dante:
    Em seus cantos vivera eternamente!»

    Fez-se em minh'alma a luz. Um poema ingente
    Inspirado encetei desde esse instante.
    Aqui o tens, oh musa; em tom vibrante
    N'elle celebro o nosso amor ardente.--

    E mais lhe disse o trovador:--No Pindo,
    E na fronte ao deus loiro consagrada,
    Estes versos compuz de amor infindo.--

    E ella com voz doce e namorada:
    «Oh! como és bom, e que poema lindo:
    Excede a _Joven Lilia abandonada_.»

    JOÃO PENHA.

       *       *       *       *       *


TO BE, OR NOT TO BE

    Não te parece esta existencia clara,
    E deploras em o vate da tristeza
    Abandone com tanta ligeireza
    Quanta mulher gentil ancioso amára.

    Mais frio em Blondin sobre o Niagára,
    Julgas minh'alma em vis paixões accesa;
    E comtudo, nas ostras da belleza
    Eu só procuro o amor, pérola rara.

    Seja a mulher como um reptil hedionda,
    O typo ideal da estupidez suprema,
    Um monstro informe que da luz se esconda;

    Ou seja a Venus do marmoreo poema,
    Um modelo de artistas, a Gioconda;
    Ser ou não ser amado, eis o problema.

    JOÃO PENHA.

       *       *       *       *       *


STELLA-MARIS

    Soltava a barca da pesca
    As azas brancas de neve
    Aos mansos ventos do sul!
    Estava a tarde tão fresca;
    Estava o céo tão azul.

    Ella corria assim leve
    Como a espuma que fazia
    Na carreira que levava!
    Se a vela toda se enchia
    A borda toda virava;
    Se a vela cheia tombava
    A barca toda se erguia!

    Era assim que a mariposa
    D'aquelle vasto oceano
    Volitava em manso abril,
    Sobre a onda buliçosa
    Que ia e vinha, em giro eterno,
    Beijar as fragas, sutil.

           *       *       *       *       *

        Eu na rocha mudo e quedo
        Seguia a vela co'a vista
        De quem vê a que é só vista
        Com suave e doce medo!

           *       *       *       *       *

    E n'aquelle engano d'alma
    Que arrobada trazia,
    Sem saber que confundia
    A que o fogo, branda, accalma,
    A que o éstro accende em mim,
    Com a barca fugidia
    Que corre, e corre, perdido
    O rumo e norte sem fim...
    Até d'ella me esquecia!
    Que pois me era esquecido
    D'este mundo em que vivia.

    Foi então, Deus meu, que assombro!
    Que um não sei que de tão leve
    Sentí poisar no meu hombro...
        --Mão de neve,
        D'onde vens?
    Quem te deu, gentil mãosinha,
    Esse aroma, essa magia,
        Que tu tens?
    Esse encanto d'onde vinha?
        D'onde vens?

    Louco de mim, que não via
    Luz que doiras o meu dia,
        Que eras tu...
    Perdido n'aquelle enlevo...
    Eu, que a ventura te devo
        Que possúo.

           *       *       *       *       *

    Depois, inclinada a face
    Como o céo que lá se arquêa,
    Apontaste ao longe a aldêa
    Que sobre o monte renace
    Á luz de cada manhã,
    Como rosa, que sobre haste
    Abre as pétalas mimosa,
    E a barquinha me apontaste
    Que se ía librando airosa
        Tão louçã!

    Uniste as mãos; e olhando,
    Co'esse olhar que amor te dá,
    O céo, que a tarde incendeia,
    Murmuraste suspirando,
    E com voz de magoa cheia
        --A vida... lá!

    ALBERTO TELLES.

    Através da transparencia
    Do teu bello rosto oval,
    Ve-se-te a alma--como chamma
    N'uma urna de crystal.

    ALBERTO TELLES.

       *       *       *       *       *

    Quando te vejo, é como se no mundo
    Ninguem mais existisse alem de nós.
    Não vejo mais ninguem: reinas a sós,
    E em ti com tudo o mais eu me confundo.

    A terra, o vasto mar, o céo profundo
    São accessorio teu; e na tua voz
    Ouço a toada harmonica e veloz
    De quanto ha n'este espaço em que me inundo.

    Nas dobras d'este manto universal,
    Em que tudo o que é, se involve e alista,
    Creio que só de ti vem bem e mal;

    Tudo se move, e move-o a tua vista,
    E, se a verdade queres que te fale,
    Não sei se Deus és tu, se um Deus exista...

    SANTOS VALENTE.


FALA A ORDEM

    Pequeno, d'onde vens cantando A _Marselheza_?
    Da barricada infame? ou d'outra vil torpeza?

    Que esplendido porvir! Do nada apenas saes,
    Começas a morder as purpuras reaes,
    Oh filho trivial da livida canalha!
    E, vamos! deixa ver... guardaste uma navalha?
    Não tremas, que eu bem vi! que trazes tu na mão?
    Intentas já limar as grades da prisão,
    Fazendo scintillar um ferro contra o solio,
    Archanjo que adejaes nos fumos do petroleo?...

    Mas, vamos! abre a mão; não queiras que eu te dê.

    Bandido, eu bem dizia!--A carta do A B C...

    GUILHERME DE AZEVEDO, _A Alma nova_,
    p. 37. Lisboa, 1874.

       *       *       *       *       *

    Ó machinas febrís eu sinto a cada passo,
    Nos silvos que soltaes, aquelle canto immenso,
    Que a nova geração nos labios traz suspenso
    Como a estancia viril d'uma epopêa d'aço!

    Emquanto o velho mundo arfando de cansaço
    Prostrado cae na lucta; em fumo negro e denso
    Levanta-se a espiral d'esse moderno incenso
    Que offusca os deuses vãos, annuviando o espaço!

    Vós sois as creações fulgentes, fabulosas
    Que, vibrantes, crueis, de lavas sequiosas,
    Mordeis o pedestal da velha Magestade!

    E as grandes combustões que sempre vos consommem
    Começam, n'um cadinho, a refundir o homem,
    Fazendo resurgir mais larga a humanidade.

    GUILHERME DE AZEVEDO, _Ib._ p. 69.

       *       *       *       *       *


A REPUBLICA

    Tremeis? Vêde-a dormindo socegada,
    A deusa dos combates sempiternos:
    Rugem-lhe em torno os horridos invernos,
    E tudo é para ella uma alvorada.

    Não penseis que ella durma, embriagada
    No somno grato dos reaes phalernos;
    Como Dante, desceu aos vís infernos,
    E repousa momentos da jornada.

    Filhos do negro val, filhos da serra,
    Erguei os vossos gladios coruscantes,
    Á luz d'aquelle olhar que se descerra.

    Ide, apertae-lhe os seios uberantes!...
    De cada gota que cahir na terra
    Hão de surgir impavidos gigantes.

    SOUSA VITERBO, _Harmonias phantasticas_,
    p. 97. Porto, 1875.

       *       *       *       *       *


HETAIRAS

    Vós envolveis o corpo nas roupagens
    Mais finas, elegantes, caprichosas;
    Vêdes passar, alegres, voluptuosas,
    Do amor fidalgo as lubricas imagens.

    Adormeceis nas plácidas carruagens,
    Murchaes no seio as pudibundas rosas,
    E queimaes essas boccas sequiosas
    Nas boccas feminis dos louros pagens.

    Tendes tudo; os theatros, a riqueza,
    As noites de delirio e morbideza,
    Todas as tentações, todos os brilhos!

    E só não tendes nas estereis pomas,
    Oh Venus das esplendidas Sodomas,
    Uma gota de leite para os filhos!

    SOUSA VITERBO, _Harmonias
    phantasticas_, p. 145.

       *       *       *       *       *


AO SOL

    Tu sim, tu é que tens d'um deus a essencia!
    Reconhece-se a tua divindade
    Na branca luz formada de bondade,
    Mais bella de que o peito da innocencia.

    Teus raios são os raios da existencia,
    Espadas da justiça e da verdade,
    E, n'esse livro azul da immensidade
    És em letras de fogo a Providencia.

    Ah! se um dia a materia desvairada,
    Perdendo-se em seu proprio cataclismo,
    Te congelar a esphera abrazeada.

    Hade a terra chorar no teu abysmo,
    E quando apalpe a immensidão do nada,
    Ha de soltar rugidos d'atheismo.

    SOUSA VITERBO, _Harmonias
    phantasticas_, p. 151.


TREVAS

    Quiz vêr o carcere. Só n'elle havia
    Uns vultos pálidos de torvo aspecto,
    Respirava-se a custo, e parecia
    Que me esmagava o ennegrecido tecto.

    Era um mar de paixões, em calmaria;
    Mar outr'ora revôlto e irrequieto;
    Apenas pela abobada sombria
    Revoava, a zumbir, nocturno insecto.

    Cheguei-me á turba vil, encarcerada,
    Em cuja face se cravára o stigma
    Do crime, que nos faz estremecer.

    E perguntei:--Que dolorosa estrada
    Vos trouxe aqui?--E a turba, a esphinge, o enigma
    Rugir na sombra:--«Não sabemos lêr...»

    CANDIDO DE FIGUEIREDO, _Poema da Miseria_,
    p. 153. Coimbra, 1874.


OURO

    Dizia o ouro á pedra: «Ente mesquinho,
    Que profundo scismar sempre te prega
    Á beira d'uma estrada, ou d'um caminho,
    Pasmada, mas sem vêr, eterna cega?

    Em vão o orvalho a ti te lava e rega!
    Em ti não cresce nunca pão nem vinho,
    Dura e inutil--o lodo é teu visinho,
    E o homem só, por te pisar, te emprega.

    Em ti só medra e cresce o cardo, os lixos,
    Tu serves só d'abrigo ao lodo e aos bichos,
    E ensanguentas os pés descalços, nús.

    Oh pedra! quanto a mim sou a riqueza!»
    A cega disse então, com singeleza:
    --Eu tambem guardo no meu seio a luz!

    GOMES LEAL, _Claridades do Sul_,
    p. 33. Lisboa, 1875.


A CANALHA

    Eu vejo-a vir ao longe perseguida,
    Como d'um vento livido varrida,
    Cheia de febre, rota... muito além...
    --Pelos caminhos asperos da Historia--
    Emquanto os Reis e os Deuses na gloria
          Não ouvem a ninguem!

    Ella vem tríste, só, silenciosa,
    Tinta de sangue... pallida, orgulhosa,
    Em farrapos, na fria escuridão...
    Buscando o grande dia da batalha,
    --É ella! É ella! A livida _Canalha_!
          --Caín, é vosso irmão!

    Elles lá vêm famintos e sombrios,
    Rotos, selvagens, abanando aos frios,
    Sem leito e pão, descalços, semi-nús...
    --Nada, jámais, sua carreira abranda!
    Fizeram Roma, a Inglaterra e a Holanda,
          E andaram com Jesus!

    São os tristes, os vis, os opprimidos,
    --Em Roma são marcados e batidos,
    Passam cheios de vastas afflicções!...
    Nem das mezas lhe atiram as migalhas!
    Morrem sem nome, ás vezes, nas batalhas,
          E andam nas sedições.

    Vêm varridos do aspero destino!
    Em Roma e velha Grecia erram, sem tino,
    Nos tumultos, enterros, bacchanaes...
    Nas praças e nos porticos profundos...
    E disputam, famintos e immundos,
          O lixo aos animaes!

    São os párias, os servos, os _illotas_,
    Vivem nas covas humidas, ignotas,
    Sem luz e ár; arrancam-lhes as mães...
    --Passam, curvados, nas manhãs geladas!
    E, depois de já mortos, nas calçadas,
          Devoram-os os cães.

    Elles vêm de mui longe... vêm da Historia,
    Frios, sinistros, maus como... a memoria
    Dos pesadellos tragicos e maus...
    --Eu oiço os reis cantando em suas festas!
    E _elles_, _elles_--maiores do que as florestas--
          Chorarem nos degraus!

    É uma antiga e lugubre legenda!
    --Vão, sempre, sempre, sós na sua senda,
    Sublimes, heroicos, rotos, vis...
    Cheios de fome, ás luzes das lanternas,
    Cantando sujas farças, nas tabernas,
          Chorando nos covís.

    --Alguns dormem em covas quaes serpentes!
    Viveram, entre os povos, e entre as gentes,
    Vergados d'um remorso solitario...
    --Sabem, de cór, os reinos devastados!
    E vieram, talvez, ensanguentados
          Da noite do Calvario!

    Têm trabalhado, occultos, noite e dia,
    Ó réis! ó réis! as luzes da orgia
    De subito, que vento apagará!
    --Corre no ár um ecco subitaneo,
    E escuta-se, no seu subterraneo,
          O riso de Marat!

    Chega, talvez, a hora das contendas!
    Ó legionarios! desertae as tendas,
    Já demolem os porticos reaes...
    Os que tem esgotado a negra taça,
    --Cantam, ao vento, os psalmos da _Desgraça_,
          E a historia dos punhaes!

    Vão, ha muito, na sombra, foragidos,
    Pelas neves, curvados e transidos,
    Emquanto Deus se aquece nos seus Céos!
    --Vem do Sul uma lugubre toada,
    E escuta-se Rousseau, na agua furtada,
          Gritar--_Que me quer Deus!?_

    Erguem-se ebrios de mortes, de vinganças,
    Assoma lá ao longe um mar de lanças,
    Resôam sobre os thronos os machados...
    E a Europa vê passar, cheia de assombros,
    Ferozes, em triumphos, aos seus hombros,
          --Seus reis esguedelhados.

    Á voz das legiões rotas, sombrias,
    Desabam pelo mundo as monarchias...
    Tremem os graves bispos... e depois...
    Que mais farão? perguntam, desolados,
    --Vão ser, inda depois, crucificados
          Os deuses e os heroes!

    ........................................
    ........................................

    Vae prolongada a barbara orgia!
    No silencio da noite intensa e fria,
    Vem uns echos perdidos de batalha...
    Como uns ventos do norte impetuosos,
    São uns passos, nas trevas, vagarosos,
          Os passos da _Canalha_!

    Elles vêm de mui longe... mui distantes
    Como sonoros batalhões gigantes,
    Como ondas negras de afflicto mar...
    N'uma viagem tragica e ingloria,
    --Ha muito, pela noite da Historia,
          Que os oiço caminhar!

    Quem sabe quando vêm... é longa a estrada,
    D'esta comprida e aspera jornada
    Quem sabe quando, emfim, descançarão?
    Atapetem as pedras de flores,
    Lá vêm queimados, rotos, vencedores,
          Altivos e sem pão.

    Não raiou inda o dia da Justiça!...
    Mas, breve, talvez, se oiça a nova missa,
    E dispersem-se tetricos caudilhos...
    Vão talvez, vir os tempos desejados!
    --E, então, por vossa vez, ó reis sagrados,
          --_Saude aos maltrapilhos!_

GOMES LEAL.


AO COMBATE!...

    Retumba pelo espaço desolado
    Como que um brado immenso, prolongado,
    Como os eccos sinistros de batalha;
    Anda no ár um fluido mysterioso,
    E ouve-se, ao longe, o passo vagaroso
             Da «livida _canalha_».

    É ella, é ella, a triste, a desherdada,
    Cheia de lodo vil, esfarrapada,
    Arrastando, nas trevas, as algemas:
    Caminha em busca de um ideal mais puro,
    E vae fundir, nas chammas do futuro,
            Os sceptros e os diademas.

    .................................
    E eil-a que assoma, no horisonte escuro,
    Essa phalange heroica do futuro,
    Como as vagas do mar phosphorecente:
    Vem perseguir as sanguinosas féras,
    Os monarchas e as lúbricas pantheras,
            A prostituta gente.

    Vêm caminhando sempre; nada impede
    A carreira ao colosso que nem cede
    Ás legiões dos cezares sombrios.
    Trazem nas mãos as paginas da Historia,
    E a Justiça e o Direito e, na memoria,
            A fome, a sêde e os frios.

    São elles os escravos e opprimidos,
    Esses que dormem tristes, escondidos,
    Nas ruinas das velhas cathedraes:
    Andam minando a antiga sociedade
    E hão de, em breve, sentar a Liberdade
            Nos thronos imperiaes,

    Andam cavando a sepultura immensa
    Que ha de involver, na escuridão intensa,
    As venenosas viboras reaes;
    Revigora-os a força do heroismo,
    E hão de calcar, aos pés, o despotismo
            E os tigres e os chacaes.

    Hão de esmagar-vos, sim! ó reis sagrados,
    Vós, os deuses dos seculos passados,
    Tereis mais de um Calvario, em breve... agora;
    Mas não vereis um pranto piedoso,
    Heis de morrer, ao grito tumultuoso,
            Dos miseros d'outr'ora;

    Miseros que hão de ser mais que gigantes,
    Que hão de arrancar, com suas mãos possantes,
    O fundamento ás velhas monarchias;
    Que hão de lançar ás trevas do passado
    O velho despotismo, ensanguentado,
            E gasto nas orgias;

    Miseros, sim! mas d'esses cuja gloria
    Se ha de inscrever nas paginas da Historia
    Dos sublimes combates da Justiça;
    Miseros!... e vós, ó reis repletos,
    Sereis como que uns symbolos completos
            D'uma feroz cubiça:

    Tendes nas mãos o ferro dos destroços,
    E levantaes os thronos sobre os ossos
    De milhares de povos immolados;
    Bebeis com sangue o vinho, em aurea taça,
    E adormeceis, ao grito da desgraça,
            Sinistros e embriagados.

    ...........................................
    ...........................................
    ...........................................
    ...........................................
    ...........................................

    Lançaes, por toda a parte, o luto e a morte...
    Mas vae haver uma vingança forte...
    Tremei agora, ó grandes criminosos;
    --Approxima-se a hora da batalha...
    Eil-a, já perto, a livida _canalha_,
            Os vís, os asquerosos.

    São elles os _plebeus_, os desgraçados,
    Cheios de fome, tristes, descarnados,
    Como espectros das lendas tenebrosas;
    Deixam as trevas de um passado escuro,
    E vão depôr nas aras do futuro
            As--palmas victoriosas.

    Vêm terminar a noute dos horrores,
    E hão de sair altivos, vencedores,
    Da luta contra a velha realeza;
    Ha de unil-os o braço da Egualdade,
    E inundal-os a luz da Liberdade,
            Ao som da _Marselheza_.

    .....................................
    Mas percorra-se, breve, a longa senda,
    Conquistemos os louros da contenda,
    Abram-se agora as jaulas imperiaes;
    Á luta! irmãos! á luta!... «_Democratas,
    Poisae o pé sobre as cabeças chatas
            Das viboras reaes!_...»

    A. BETTENCOURT RODRIGUES.

       *       *       *       *       *


UM HEROE

    É dia de batalha! Em fumo suffocados
    Desde o romper do sol, duzentos mil soldados
    Luctam a ferro e fogo.
                              Um d'elles,--um dragão
    Curvado no selim, e em frente do esquadrão,
    Como racha uma cunha os tóros de um pinheiro,
    Embebe-se feroz n'outro esquadrão fronteiro,
    Fazendo-o rebentar em rotos vagalhões.
    Qual se na mão vibrára um raio, as multidões
    Vergam, fundem-se á luz do aço de sua espada.
    Apoz o lampejar de cada cutilada
    Chovem jorros de sangue em meio d'essa mó
    Que aos pés do seu cavallo, e em turbilhões de pó,
    Desenlaça os cordões do seu dobar confuso.
    Incendeia-lhe a raiva o torvo olhar diffuso
    Por tudo o que inda vive! e do seu labio á flor
    Fuzila a imprecação, se o fatigado açor
    Da morte, um só momento, encolhe a garra curva.

    Depois a noite desce, enregelada e turva,
    Co'as brumas d'esse mar de sangue. Desde então
    Findára a lucta horrenda; e o esplendido dragão,
    O grande heroe do dia, após tão bom regalo,
    Limpa tranquillo a espada ás clinas do cavallo.
    De repente uma voz interrogal-o vem,
    Qual se de dentro d'elle a voz partira:
                                            «Quem
    Venceu n'esta batalha em que mataste tanto?
    Que salvadora ideia, ou que principio santo
    No sangue baptisaste? e, cego de furor,
    Porque te foi prazer a ancia da alhêa dôr?
    Das lascas do metal dos elmos, que partiste,
    O que forja a victoria? aguda lança em riste
    De encontro aos peitos nús de alguns de teus irmãos?
    Ou martello que parta os ferros em que as mãos
    Lhes roxeiam no cêpo, ambas acorrentadas?
    Que lumes surgirão do choque das espadas,
    Em que se aqueça mais a cinza do teu lar,
    Quando--volvido á choça onde te foi buscar
    A guerra--em torno a ti pedirem as crianças
    Calor, abrigo, e pão? Que férvidas vinganças
    Reclamarás de quem, pela primeira vez,
    Tu viste hoje e que ainda, ha bem pouco, talvez
    A mil leguas de ti, em vez de humanas vidas
    Ceifava, como tu, as messes resequidas
    Á luz do sol do céo e do outro sol da paz?
    De que lado partiu o desafio audaz?
    Da força do direito, ou do empuxão da força?
    O que faz com que o ferro esmague, quebre e torça
    Armas e corações em funebre tropel?
    Que sabes tu, que sabe o teu feroz corcel
    De mappas ou de leis, de imperios ou de raças,
    Para que, contemplando os rombos das couraças
    D'onde sae pingo a pingo a vida a gottejar,
    Tranquillo o coração e indifferente o olhar,
    Escutes o estertor e as ancias da agonia
    De uns pobres como tu?»
                                  O grande heroe do dia
    Os hombros encolheu em frente á mortal grei,
    Sorriu bestialmente, e respondeu:
                                             «Não sei!»

    CLAUDIO JOSÉ NUNES. _Scenas contemporaneas_,
    p. 73. Lisboa, 1873.

       *       *       *       *       *


ESPOSA, FILHA E MÃE

    Passou por mim n'um dia venerando
    Um grupo que em minh'alma ainda hoje brilha:
        Uma linda creança hia guiando
        Um velho cego e triste.
    Ao vêr como o guiava, eu disse: «Existe
        O santo amor de filha.»

    Annos depois--não sei como, nem quando--
    Encontrei o botão já feito rosa...
    Fitava o meigo olhar que mal esconde
        Thesouros de meiguice,
    N'um homem, por tal fórma que quem visse
        Diria: «Amor de esposa.»

    Encontro-te hoje a mesma, apenas vejo
    Novos cuidados que ao teu rosto vêm,
    E ao vêr com quanto amor tu dás um beijo
        N'um sêr que tens ao peito,
    Digo: «Bemdito Deus, que assim te ha feito
        Esposa, filha e mãe.»

    LUIZ DE CAMPOS.



                               PARTE II


                        OS LYRICOS BRAZILEIROS


SONHANDO

    Na praia dezerta que a lua branqueia,
    Que mimo! que rosa, que filha de Deus!
    Tão pallida--ao vel-a meu sêr devaneia,
    Suffoco nos labios os halitos meus.
              Não corras na areia,
              Não corras assim!
              Donzella, onde vaes?
              Tem pena de mim.

    A praia é tão longa! e a onda bravia
    As roupas de gaza te molha de escuma;
    De noite aos serenos--a areia é tão fria,
    Tão humido o vento que os áres perfuma!
              És tão doentia!
              Não corras assim!
              Donzella, onde vaes?
              Tem pena de mim.

    A brisa teus negros cabellos soltou,
    O orvalho da face te esfria o suor;
    Teus seios palpitam--a brisa os roçou,
    Beijou-os, suspira, desmaia de amor.
              Teu pé tropeçou...
              Não corras assim!
              Donzella, onde vaes?
              Tem pena de mim:

    E o pallido mimo da minha paixão
    N'um longo soluço tremeu e parou;
    Sentou-se na praia; sósinha no chão
    A mão regelada no collo pousou!
              Que tens, coração,
              Que tremes assim?
              Cansaste, donzella?
              Tem pena de mim.

    Deitou-se na areia que a vaga molhou,
    Immovel e branca na praia dormia;
    Mas nem os seus olhos o somno fechou,
    E nem o seu collo de neve tremia.
              O seio gelou?...
              Não durmas assim!
              Oh pallida fria,
              Tem pena de mim.

    Dormia--na fronte que niveo suár!
    Que mão regelada no languido peito!
    Não era mais alvo seu leito do mar,
    Não era mais frio seu gélido leito!
              Nem um resonar!...
              Não durmas assim!
              Oh pallida fria
              Tem pena de mim.

    Aqui no meu peito vem antes sonhar,
    Nos longos suspiros do meu coração,
    Eu quero em meus labios teu seio aquentar,
    Teu collo, essas faces e a gélida mão!
              Não durmas no mar!
              Não durmas assim
              Estatua sem vida,
              Tem pena de mim!

    E a vaga crescia seu corpo banhando,
    As candidas formas movendo de leve!
    E eu via-a suave nas aguas boiando,
    Com soltos cabellos nas roupas de neve!
              Nas vagas sonhando
              Não durmas assim;
              Donzella, onde vaes?
              Tem pena de mim!

    E a imagem da virgem nas aguas do mar
    Brilhava tão branca no limpido véo!
    Nem mais transparente luzia o luar
    No ambiente sem nuvens da noite do céo!
              Nas aguas do mar
              Não durmas assim!
              Não morras, donzella,
              Espera por mim!

    M. A. ALVARES DE AZEVEDO, _Obras_, t. I,
    p. 67. Rio de Janeiro, 1862.


SONETO

    Pallida, á luz da lampada sombria,
    Sobre o leito de flores reclinada,
    Como a lua por noite embalsamada,
    Entre as nuvens do mar ella dormia!

    Era a virgem do mar, na escuma fria
    Pela maré das aguas embalada!
    Era um anjo entre nuvens d'alvorada
    Que em sonhos se banhava e se esquecia!

    Era mais bella! o seio palpitando...
    Negros olhos as palpebras abrindo...
    Fórmas núas no leito resvalando...

    Não te rias de mim, meu anjo lindo!
    Por ti--as noites eu velei chorando,
    Por ti--nos sonhos morrerei sorrindo!

    ALVARES DE AZEVEDO, _Ibid._
    t. I, p. 131.

       *       *       *       *       *


LEMBRANÇA DE MORRER

    Quando em meu peito rebentar-se a fibra
    Que o espirito enlaça á dor vivente,
    Não derramem por mim nem uma lagrima,
            Em palpebra demente.

    E nem desfolhem na materia impura
    A flor do valle que adormece ao vento:
    Não quero que uma nota de alegria
    Se cale por meu triste passamento.

    Eu deixo a vida como deixa o tedio
    Do deserto, o poente caminheiro,
    --Como as horas do meu longo pesadello
    Que se desfaz ao dobre de um sineiro;

    Como um desterro da minh'alma errante,
    Onde fogo insensato a consummia;
    Só levo uma saudade--é d'esses tempos
    Que amorosa illusão embellecia.

    Só levo uma saudade--é d'essas sombras
    Que eu sentia velar nas noites minhas...
    De ti, oh minha mãe, pobre coitada,
    Que por minha tristeza te definhas!

    De meu pae... de meus unicos amigos,
    Poucos--bem poucos--e que não zombavam
    Quanto, em noites de febre endoidecido.
    Minhas pallidas crenças duvidavam.

    Se uma lagrima as palpebras me inunda,
    Se um suspiro nos seios treme ainda
    É pela virgem que sonhei... que nunca
    Aos labios me encostou a face linda!

    Só tu á mocidade sonhadora
    Do pallido poeta déste flores...
    Se viveu, foi por ti! e de esperança
    De na vida gosar de teus amores.

    Beijarei a verdade santa e núa,
    Verei cristallisar-se o sonho amigo...
    Oh minha virgem dos errantes sonhos,
    Filha do céo, eu vou viver comtigo.

    Descancem o meu leito solitario
    Na floresta dos homens esquecida,
    Á sombra de uma cruz, e escrevam n'ella:
    --Foi poeta--sonhou--e amou na vida.

    Sombras do valle, noites da montanha,
    Que minha alma cantou e amava tanto,
    Protegei o meu corpo abandonado,
    E no silencio derramae-lhe canto!

    Mas quando preludia ave d'aurora
    E quando á meia noite o céo repousa,
    Arvoredos do bosque, abri os ramos...
    Deixae a lua pratear-me a lousa.

    ALVARES DE AZEVEDO, _Ibid._
    t. I. pag. 198.

       *       *       *       *       *


NO DIA DO ENTERRO DE...

    A vida é uma comedia sem sentido,
    Uma historia de sangue e de poeira,
            Um deserto sem luz...
    A escara de uma lava em craneo ardido...
    E depois sobre o lodo... uma caveira,
            Uns ossos e uma cruz!

    Parece que uma atroz fatalidade
    A mente insana no provir alenta
            E zomba da illudida!
    O frio vendaval da eternidade
    Apaga sobre a fronte macilenta
            A lampada da vida.

    Não digas, coração, que alma descança
    Quando as ideias no prazer enfurda
            O escarneo zombeteiro...
    Que loucura!... a manhã o peito cansa,
    Resta um enterro... e uma resa surda...
            E depois... o coveiro!

    Fermente a seiba juvenil do peito,
    Vele o talento n'uma fronte santa
            Que o genio empallidece...
    Embalde! á noite, ao pé de cada leito
    O phantasma terrivel se levanta...
            E seu bafo entorpece!

    E comtudo essa morte é um segredo
    Que gela as mãos do trovador na lyra
            E escarnece da crença;
    Um pesadêllo--uma visão de medo...
    Verdade que parece uma mentira
            E inocula a descrença!

    E quem sabe? é a duvida medonha!
    Quem os véos arregaça do infinito
            E os tumulos destampa?
    Quem, quando dorme, ou vela, ou quando sonha
    Ouviu revelações no horrendo grito
             A rebentar da campa?

    E quem sabe? é a duvida terrivel:
    É a larva que aos labios nos aperta
             Entreabrindo o sudario!
    A realidade é um pesadêllo incrivel!
    Semelha um sonho a lápida deserta
             E o leito mortuario!

    E quando acordarão os que dormitam?
    Quando estas cinzas se erguerão tremendo
             Em nuvens se expandindo?
    Perguntae-o aos cyprestes que se agitam,
    Ao vento pela treva se escondendo,
             Nas ruinas bramindo!

    E comtudo parece um desvario,
    Blasphemia atroz o cantico atrevido
             Que rugem os atheus;
    Sem a sombra de Deus é tão vasio
    O mundo--cemiterio envilecido!...
             Oh! creiamos em Deus!

    Creiamos, sim; ao menos para a vida
    Não mergulhar-se n'uma noite escura...
             E não enlouquecer...
    Utopia ou verdade, a alma perdida
    Precisa de uma ideia eterna e pura
             --Deus e céo... para crêr.

    Consola-te! nós somos condemnados
    Á noite de amargura: o vento norte
            Nossos pharoes apaga...
    Iremos todos, pobres naufragados,
    Frios rolar no littoral da morte
            Repellidos da vaga!

    ALVARES DE AZEVEDO, _Ibid._,
    t. I, p. 335.

       *       *       *       *       *


TRINDADE

    A _vida_ é uma planta mysteriosa
    Cheia de espinhos, negra de amarguras,
    Onde só abrem duas flôres puras
            Poesia e Amor...

    E a _mulher_... é a nota suspirosa
    Que treme d'alma a corda estremecida,
    --É fada que nos leva alem da vida
            Pallidos de languor!

    A _poesia_ é a luz da mocidade,
    O amor é o poema dos sentidos;
    A febre dos momentos não dormidos
            E o sonhar da ventura...

    Voltae, sonhos de amor e de saudade!
    Quero ainda sentir arder-me o sangue,
    Os olhos turvos, o meu peito langue,
            E morrer de ternura.

    ALVARES DE AZEVEDO, _Ibid._,
    t. III, p. 47.

       *       *       *       *       *


SE EU MORRESSE ÁMANHÃ!

    Se eu morresse ámanhã, viria ao menos
    Fechar meus olhos minha triste irmã;
    Minha mãe de saudades morreria,
            Se eu morresse amanhã!

    Quanta gloria presinto em meu futuro!
    Que aurora de porvir e que manhã!
    Eu perdera chorando essas corôas
            Se eu morresse ámanhã!

    Que sol! que céo azul! que doce n'alva
    Acorda a natureza mais louçã!
    Não me batera tanto amor no peito,
            Se eu morresse ámanhã!

    Mas essa dôr da vida que devora
    A ancia de gloria, o dolorido afan...
    A dor no peito emudecera ao menos,
            Se eu morresse ámanhã!

    ALVARES DE AZEVEDO, _Ibid._,
    t. I, p. 343.

       *       *       *       *       *


PEDIDO

    Hontem no baile
    Não me attendias!
    Não me attendias
    Quando eu fallava.

    De mim bem longe
    Teu pensamento!
    Teu pensamento
    Bem longe errava.

    Eu vi teus olhos
    Sobre outros olhos,
    Sobre outros olhos
    Que eu odiava.

    Tu lhe sorriste
    Com tal sorriso!
    Com tal sorriso
    Que apunhalava.

    Tu lhe fallaste
    Com voz tão doce!
    Com voz tão doce
    Que me matava.

    Oh não lhe falles
    Não lhe sorrias,
    Se então querias
    Experimentar-me.

    Oh não lhe falles
    Não lhe sorrias,
    Não lhe sorrias
    Que era matar-me.

    A. GONÇALVES DIAS, _Cantos_,
    p. 22. Leipzic, 1860.

       *       *       *       *       *


LYRA

    Se me queres a teus pés ajoelhado,
    Ufano de me vêr por ti rendido,
    Ou já em mudas lagrimas banhado;
            Volve, impiedosa,
            Volve-me os olhos,
            Basta uma vez!

    Se me queres de rojo sobre a terra,,
    Beijando a fimbria dos vestidos teus,
    Calando as queixas que meu peito encerra,
            Dize-me, ingrata,
            Dize-me: Eu quero!
            Basta uma vez.

    Mas se antes folgas de me ouvir na lyra
    Louvor singelo dos amores meus,
    Porque minha alma ha tanto em vão suspira;
            Dize-me, oh bella,
            Dize-me: Eu te amo!
            Basta uma vez.

    GONÇALVES DIAS, _Ib._, p. 117.

       *       *       *       *       *


O SOMNO

    Nas horas da noite, se junto ao meu leito
    Houveres acaso, meu bem, de chegar,
    Verás de repente que aspecto risonho
            Que toma o meu sonho,
            Se o vens bafejar!

    O anjo, que ao somno preside tranquillo,
    Ao anjo da terra não cêda o logar;
    Mas deixe-o amoroso chegar-se ao meu leito,
            Unir-se ao meu peito,
            D'amor offegar.

    As notas que exhalam as harpas celestes,
    Os gosos que os anjos só podem gosar,
    Talvez tambem frúa, se ao meu peito unida
            Te encontro, oh querida,
            No meu acordar!

    GONÇALVES DIAS, _Novos Cantos_,
    p. 186.

       *       *       *       *       *


MEU ANJO, ESCUTA...

    Meu anjo, escuta: quando junto á noite
    Perpassa a brisa pelo rosto teu,
    Como suspiro que um menino exhala;
    Na voz da brisa que murmura e falla
    Brando queixume, que tão triste cala
            No peito teu?
            Sou eu; sou eu; sou eu!

    Quando tu sentes luctuosa imagem
    D'afflicto pranto com sombrio véo,
    Rasgando o peito por acerbas dôres;
            Quem murcha as flores
    Do brando sonho?--Quem te pinta amores
            De um puro céo?
            Sou eu; sou eu; sou eu!

    Se alguem te accorda do celeste arroubo,
    Na amenidade do silencio teu,
    Quando tua alma n'outros mundos erra,
            Se alguem descerra
            Ao lado teu
    Fraco suspiro, que no peito encerra;
            Sou eu; sou eu; sou eu!

    Se alguem se afflige de te vêr chorosa,
    Se alguem se alegra co'um sorriso teu,
    Se alguem suspira de te vêr formosa
    O mar e a terra a enamorar o céo;
            Se alguem definha
            Por amor teu,
            Sou eu; sou eu; sou eu!

    GONÇALVES DIAS, _Ultimos Cantos_,
    p. 378.


AMOR E MEDO

    I

    Quando eu te fujo e me desvio cauto
    Da luz de fogo que te cerca, oh bella,
    Comtigo dizes, suspirando amores:
    «Meu Deus! que gelo, que frieza aquella!»

    Como te enganas! meu amor é chamma
    Que se alimenta no voraz segredo,
    E se te fujo, é que te adoro louco...
    És bella,--eu moço; tens amor,--eu medo!...

    Tenho medo de mim, de ti, de tudo,
    Da luz, da sombra, do silencio ou vozes,
    Das folhas seccas, do chorar das fontes,
    Das horas longas a correr velozes.

    O véo da noite me atormenta em dores,
    A luz da aurora me entumece os seios,
    E ao vento fresco do caír das tardes
    Eu me estremeço de crueis receios.

    É que esse vento, que na varzea--ao longe,
    Do côlmo o fumo caprixoso ondeia,
    Soprando um dia, tornaria incendio
    A chamma viva que teu riso atêa.

    Ai! se abrazado crepitasse o cedro,
    Cedendo ao raio que a tormenta envia,
    Diz:--que seria da plantinha humilde
    Que á sombra d'elle tão feliz crescia?

    A labareda que se enrosca ao tronco
    Torrára a planta qual queimára o galho,
    E a pobre nunca reviver podera
    Chovesse embora paternal orvalho!

    II

    Ai! se eu te visse no calor da sesta,
    A mão tremente no calor das tuas,
    Amarrotado o teu vestido branco,
    Sôltos cabellos nas espaduas núas!...

    Ai! se eu te visse, Magdalena pura,
    Sobre o velludo reclinada a meio,
    Olhos cerrados na volupia doce,
    Os braços frouxos--palpitante o seio.

    Ai! se eu te visse em languidez sublime,
    Na face as rosas virginaes do pejo,
    Trémula a falla a protestar baixinho...
    Vermelha a bocca, soluçando um beijo!...

    Diz:--que seria da pureza d'anjo,
    Das vestes alvas, do candor das azas!...
    --Tu te queimáras, a pizar descalça,
    Criança louca, sobre um chão de brazas!

    No fogo vivo eu me abrazára inteiro!
    Ebrio e sedento na fugaz vertigem;
    Vil, machucára com meu dedo impuro
    As pobres flores da grinalda virgem!

    Vampiro infame, eu sorveria em beijos
    Toda a innocencia que teu labio encerra,
    E tu serias no lascivo abraço,
    Anjo enlodado nos paúes da terra.

    Depois... desperta no febril delirio,
    Olhos pisados, como um vão lamento,
    Tu perguntáras: que é da minha corôa?...
    Eu te diria: desfolhou-a o vento!...

    Oh! não me chames coração de gelo!
    Bem vês; trahi-me no fatal segredo.
    Se de ti fujo, é que te adoro e muito,
    És bella,--eu moço; tens amor, eu--medo.

    CASEMIRO DE ABREU, _Primaveras_,
    p. 131. Lisboa.

       *       *       *       *       *


NA RÊDE

    Nas horas ardentes do pino do dia
             Ao bosque corri;
    E qual linda imagem dos castos amores,
    Dormindo e sonhando cercada de flores
             Nos bosques a vi!
    Dormia deitada na rêde de pennas,
             O céo por docel,
    De leve embalada no quieto balanço,
    Qual nauta scismando n'um lago bem manso,
             N'um leve batel.

    Dormia e sonhava;--no rosto, serena,
             Qual um seraphim;
    Os cilios pendidos nos olhos tão bellos,
    E a brisa brincando nos sôltos cabellos,
             De fino setim!

    Dormia e sonhava--formosa, embebida
             No doce sonhar,
    E doce e sereno, n'um magico anceio
    Debaixo das roupas batia-lhe o seio
             No seu palpitar.

    Dormia e sonhava,--a bocca entre-aberta,
             O labio a sorrir;
    No peito cruzados os braços dormentes,
    Compridos e lisos quaes brancas serpentes,
             No collo a dormir!

    Dormia e sonhava--no sonho d'amores
             Chamava por mim;
    E a voz suspirosa nos labios morria
    Tão terna e tão meiga qual vaga harmonia
             De algum bandolim!

    Dormia e sonhava--de manso cheguei-me
             Sem leve rumor,
    Pendi-me tremendo e, qual fraco vagido,
    Qual sopro da briza, baixinho ao ouvido
             Fallei-lhe de amor!
    Ao halito ardente o peito palpita...
             Mas sem despertar;
    E como nas ancias de um sonho que é lindo,
    A virgem na rêde córando e sorrindo...
             Beijou-me a sonhar!...

    CASIMIRO DE ABREU, _Ibid._, p. 95.

       *       *       *       *       *


MARTYRIO

    Beijar-te a fronte linda:
    Beijar-te o aspecto altivo,
    Beijar-te a tez morena;
    Beijar-te o rir lascivo.

    Beijar o ár que aspiras,
    Beijar o pó que pisas,
    Beijar a voz que soltas.
    Beijar a luz, que visas.

    Sentir teus modos frios,
    Sentir tua apathia,
    Sentir até repudio,
    Sentir essa ironia;

    Sentir que me resguardas,
    Sentir que me arreceias,
    Sentir que me repugnas,
    Sentir que até me odeias;

    Eis a descrença e a crença,
    Eis o absyntho e a flor,
    Eis o amor e o odio,
    Eis o prazer e a dor!

    Eis o estertor da morte,
    Eis o martyrio eterno,
    Eis o ranger dos dentes
    Eis o penar do inferno.

    JUNQUEIRA FREIRE, _Contradicções
    poeticas_, p. 79.

       *       *       *       *       *


TAMBEM ELLA

    Ella tambem ouviu o som das vagas
    Sobre os rochedos--e talvez dissesse:
    --O som das aguas que embellece os outros,
            Não me embellece.

    Ella tambem sentiu a fresca aragem
    Sobre os cabellos--e talvez dissesse:
    --A fresca aragem que adormece os outros
            Não me adormece.

    Ella tambem deitou-se no sereno
    Sobre estas relvas--e talvez dissesse:
    --Este sereno que empallece os outros
            Não me empallece.

    Ella tambem olhou estas montanhas
    Sobre as campinas--e talvez dissesse:
    --A vista d'ella, que embevece os outros
            Não me embevece.

    Ella tambem andou ao sol ardente
    Sobre as planicies--e talvez dissesse:
    --O sol ardente que enrubece os outros
            Não me enrubece.

    Ella tambem provou dos cardos frescos
    Sobre as areias--e talvez dissesse:
    --O gosto d'elles, que arrefece os outros,
            Não me arrefece.

    Elle tambem sentou-se n'este muro,
    Sobre estas pedras--e talvez dissesse:
    --Esta quadra gentil que encanta os outros
            Já me aborrece.

    Este quadro gentil agrada aos outros,
    É bello todo--ella talvez dissesse!
    --Porém tão longe o meu amor! oh, tudo
            Tudo fallece!

    Sim, ella o disse merencoria e amante,
    Impios não duvideis que ella o dissesse:
    --Tão longe d'elle assim! sem vida tudo,
            Tudo parece!

    JUNQUEIRA FREIRE, _Ibidem_, p. 117.

       *       *       *       *       *


A FLOR SUSPIRO

    Eu amo as flores
    Que mudamente
    Paixões explicam
    Que o peito sente,
    Amo a saudade,
    O amor perfeito,
    Mas o suspiro
    Trago no peito.

    A forma esbelta
    Termina em ponta,
    Como uma lança
    Que ao céo remonta.
    Assim, minha alma,
    Suspiros geras
    Que ferir podem
    As mesmas féras.

    É sempre triste,
    Ensanguentado,
    Quer secco morra,
    Quer brilhe em prado.
    Taes meus suspiros...
    Mas não prosigas,
    Ninguem se move
    Por mais digas.

    D. J. GONÇALVES MAGALHÃES, _Suspiros
    poeticos_, p. 239. Pariz 1859.

       *       *       *       *       *


LYRA

    Quando me volves teus formosos olhos,
    Meigos, banhados de celeste encanto,
    Rasgo uma folha da carteira, e a lapis
            Escrevo um canto,

    Quando nos labios do rubim mais puro
    Mostras-me um riso seductor, faceto,
    Encommendo minh'alma ás nove muzas,
            Faço um soneto.

    Quando ao passeio, no mover das roupas,
    Deixas de leve vêr teu pé divino,
    Sinto as arterias palpitarem tumidas,
             Componho um hymno.

    Quando no marmor das espaduas bellas,
    As negras tranças a tremer sacodes,
    Ebrio de amor, sorvendo seus perfumes,
             Rimo dez odes.

    Quando á noitinha, me fallando a medo
    Elevas-me do céo á luz suprema,
    Esqueçoi-me do mundo e de mim mesmo,
             Gero um poema.

    L. N. FAGUNDES VARELLA, _Cantos do
    ermo e da cidade_, p. 149.

       *       *       *       *       *


O MESMO

    Desde a quadra a mais antiga
    De que rezam pergaminhos,
    Cantam a mesma cantiga
    Na floresta os passarinhos;

    Tem o mesmo aroma as flores,
    Mesma verdura as campinas,
    A briza os mesmos rumores,
    Mesma leveza as neblinas;

    Tem o sol as mesmas luzes,
    Tem o mar as mesmas vagas,
    O dezerto as mesmas urzes,
    A mesma dureza as fragas;

    Os mesmos tolos o mundo,
    A mulher o mesmo riso,
    O sepulchro o mesmo fundo,
    Os homens o mesmo siso;

    E n'este insipido giro,
    N'este vôo sempre a esmo,
    Vale a pena, em seu retiro,
    Cantar o poeta, mesmo?

    FAGUNDES VARELLA, _Ibid._, p. 151.

       *       *       *       *       *


SERENATA

    Em teus travessos olhos,
    Mais lindos que as estrellas
    Do espaço, ás furtadelas
       Mirando o escuro mar;
    Em teu olhar tyrannico,
    Cheio de vivo fogo,
    Meu sêr, minh'alma afógo
      De amor a suspírar.

      Se teus encantos todos
      Eu fosse a enumerar!...

    D'esses mimosos labios
    Que ao beija-flor enganam,
    D'onde perpetuos manam
      Perfumes de encantar;
    D'esses lascivos labios,
    Macios, purpurinos,
    Ouvindo os sons divinos
      Me sinto desmaiar.

      Se teus encantos todos
      Eu fosse a enumerar!...

    Tuas madeixas virgens,
    Cheirosas, fluctuantes,
    Teus seios palpitantes
      Da sêde do gozar;
    Tua cintura estreita,
    Teu pé subtil, conciso,
    Obumbram-me o juízo,
      Apagam-me o pensar.

      Se teus encantos todos
      Eu fosse a enumerar!...

    Ai quebra-me estes ferros
    Fataes que nos separam,
    Os doudos que os forjaram
      Não sabem, não, amar.
    Da-me o teu corpo e alma,
    E á luz da liberdade,
    Oh minha divindade
      Corramos a folgar.

      Se teus encantos todos
      Eu fosse enumerar!...

    FAGUNDES VARELA, _Ibid._, p. 43.

       *       *       *       *       *


ESTANCIAS

    O que eu adoro em ti não são teus olhos,
    Teus lindos olhos cheios de mysterio,
    Por cujo brilho os homens deixariam
    Da terra inteira o mais soberbo imperio.

    O que eu adoro em ti não são teus lábios,
    Onde perpetua juventude móra,
    E encerram mais perfumes do que os valles,
    Por entre as pompas festivaes da aurora.

    O que eu adoro em ti não é teu rosto
    Perante o qual o mármor descorára,
    E ao contemplar a esplendida harmonia
    Phidias, o mestre, seu cinzel quebrára.

    O que eu adoro em ti não é teu collo
    Mais bello que o da esposa israelita,
    Torre de graças, encantado asylo
    Aonde o genio das paixões habita.

    O que eu adoro em ti não são teus seios,
    Alvas pombinhas que dormindo gemem,
    E do indiscreto vôo de uma abelha
    Cheias de medo em seu abrigo temem.

    O que eu adoro em ti, ouve, é tu'alma
    Pura como o sorrir de uma criança,
    Alheia ao mundo, alheia aos preconceitos,
    Rica de crenças, rica de esperança.

    São as palavras de bondade infinda
    Que sabes murmurar aos que padecem,
    Os carinhos ingenuos de teus olhos,
    Onde celestes gozos transparecem!...

    Um não sei que, de grande, immaculado,
    Que faz estremecer quando tu fallas,
    E eleva-me o pensar além dos mundos,
    Quando abaixando as palpebras te callas.

    E por isso em meus sonhos sempre vi-te
    Entre nuvens de incenso em aras santas,
    E das turbas solicitas no meio
    Tambem contricto hei te beijado as plantas.

    E como és linda assim! Chammas divinas
    Cercam-te as faces placidas e bellas,
    Um longo manto pende-te dos hombros,
    Salpicado de nitidas estrellas!

    Na douda pyra de um amor terrestre
    Pensei sagrar-te o coração demente...
    Mas ao mirar-te deslumbrou-me o raio...
    Tinhas nos olhos o perdão sómente!

    FAGUNDES VARELLA, _Ibid._, p. 68.


       *       *       *       *       *


O CANTO DOS SABIÁS

    Serão de mortos anjinhos
    O cantar de errantes almas?
    Dos coqueiros florescentes
    A brincar nas verdes palmas,
    Estas notas maviosas
    Que me fazem suspirar?

        São os sabiás que cantam
        Nas mangueiras do pomar.

    Serão os genios da tarde
    Que passam sobre as campinas,
    Cingindo o collo de opalas,
    E a cabeça de neblinas,
    E fogem, nas harpas de ouro
    Mansamente a dedilhar?

        São os sabiás que cantam,
        Não vês o sol declinar.

    Ou serão talvez as preces
    De algum sonhador proscripto,
    Que vagueia nos desertos,
    Alma cheia do infinito,
    Pedindo a Deus um consolo
    Que o mundo não póde dar?

        São os sabiás que cantam.
        Como está sereno o mar!

    Ou quem sabe as tristes sombras
    De quanto amei n'este mundo,
    Que se elevam lacrimosas
    De seu tumulo profundo,
    E vêm os psalmos da morte
    No meu desterro entoar?

        São os sabiás que cantam.
        Não gostas de os escutar?

    Serás tu, minha saudade?
    Tu meu thezouro de amor?
    Tu que ás tormentas murchaste
    Da mocidade na flor?
    Serás tu? Vem, sê bem vinda,
    Quero-te ainda escutar!

        São os sabiás que cantam
        Antes da noite baixar.

    Mas ah! delirio insensato!
    Não és tu sombra adorada!
    Não ha canticos de anjinhos,
    Nem de phalange encantada
    Passando sobre as campinas
    Nas harpas a dedilhar!

        São os sabiás que cantam
        Nas mangueiras do pomar!

    FAGUNDES VARELLA, _Ibidem_, p. 34.

       *       *       *       *       *


O ADEUS DE THEREZA

    A vez primeira que eu fitei Thereza,
    Como as plantas que arrasta a correnteza,
    A walsa nos levou nos giros seus...
    E amámos juntos... E depois na sala
    Adeus!--eu disse-lhe, a tremer co'a falla...

    Ella, córando, murmurou-me:--Adeus!

    Uma noite... entreabriu-se um reposteiro...
    E da alcôva sahia um cavalleiro
    Inda beijando uma mulher sem véos...
    Era eu... Era a pallida Thereza!
    Adeus!--lhe disse, conservando-a preza...

    E ella entre beijos murmurou-me:--Adeus!

    Passaram tempos... sec'los de delirio,
    Prazeres divinaes... gozos do empyreo...
    Mas, um dia volvi aos lares meus,
    Partindo eu disse: Voltarei, descança!...
    Ella chorando mais que uma criança,

    Ella em soluços murmurou-me:--Adeus!

    Quando voltei, era o palacio em festa!...
    E a voz d'ella e de um homem lá na orchestra
    Preenchiam de amor o azul dos céos.
    Entrei... Ella me olhou branca, surpreza!
    Foi a ultima vez que eu vi Thereza!...

    E ella arquejando murmurou-me:--Adeus!

CASTRO ALVES, _Poesias_, p. 47. Bahia, 1870.



IMMENSIS ORBIBUS ANGUIS


I

    Resvala em fogo o sol dos montes sobre a espalda
    E lustra o dorso nú da india americana...
    Na selva zumbe emtanto o insecto de esmeralda,
    E pousa o colibri nas flores da liana.

    Ali, a luz cruel, a calmaria intensa!
    Aqui, a sombra, a paz, os ventos, a cascata...
    E a pluma dos bambús a tremular immensa...
    E o canto de aves mil, e a solidão, e a mata...

    É a hora em que, fugindo aos raios da esplanada,
    A Indigena, a gentil matrona do deserto,
    Amarra aos palmeiraes a rêde mosqueada,
    Que, leve como um berço, embala o vento incerto...

    Então ella abandona-lhe ao beijo apaixonado
    A perna a mais formosa, o corpo o mais macio,
    E, as palpebras cerrando, ao filho bronzeado
    Entrega um seio nú, moreno, luzidio.

    Porém d'entre os espatos esguios do coqueiro
    Do verde gravatá nos caxos reluzentes,
    Enrosca-se e desliza um corpo sorrateiro
    E desce devagar pelos cipós pendentes.

    E desce... e desce mais... á rêde já se chega...
    Da india nos cabellos a longa cauda sóme...
    Horror!... aquelle horror ao peito eis que se apega!
    A baba quer o leite! A chaga, sente fóme!

    O veneno quer mel! A escama quer a pelle!
    Quer o almiscar perfume! O immundo quer o bello!
    A lingua do reptil--lambendo o seio imbelle!...
    Uma cobra por filho... Horrivel pesadello!...


II

    Assim, minh'alma, assim um dia adormeceste
    Na floresta ideial da ardente mocidade...
    Abria a phantasia a pétala celeste...
    Zumbia o sonho d'ouro em doce obscuridade...

    Assim, minh'alma, déste o seio (oh dor immensa!)
    Onde a paixão corria indómita, fremente!
    Assim bebeu-te a vida, a mocidade e a crença
    Não bocca de mulher... mas de fatal serpente...

CASTRO ALVES, _Ibid._, p. 170.


QUANDO EU MORRER

    Quando eu morrer... não lancem meu cadaver
    No fosso de um sombrio cemiterio...
    Odeio o mausoléu que espera o morto
    Como o viajante d'esse hotel funéreo.

    Corre nas veias negras d'esse marmore
    Não sei que sangue vil de messalina;
    A cova, n'um bocejo indifferente
    Abre ao primeiro a bocca libertina.

    Eil-a, a náo do sepulchro--o cemiterio...
    Que povo extranho no porão profundo!
    Emigrantes sombrios que se embarcam
    Para as plagas sem fim do outro mundo.

    Tem os fogos-errantes por santelmo,
    Tem por velâme os pannos do sudario...
    Por mastro o vulto esguio do cipreste,
    Por gaivotas--o mocho funerario...

    Ali ninguem se firma a um braço amígo,
    Do inverno pelas lugubres noitadas...
    No tombadilho indifferente chocam-se,
    E nas trevas esbarram-se as ossadas...

    Como deve custar ao pobre morto
    Vêr as plagas da vida além perdidas,
    Sem vêr o branco fumo de seus lares
    Levantar-se por entre as avenidas!

    Oh! perguntae aos frios esqueletos
    Porque não tem o coração no peito...
    E um d'elles vos dirá: Deixei-o á pouco
    De minha amante no lascivo leito.

    Outro: Dei-o a meu pae. Outro: Esqueci-o
    Nas innocentes mãos de meu filhinho...
    Meus amigos! Notae: bem como um passaro
    O coração do morto volta ao ninho.

CASTRO ALVES, _Ibid._, p. 187.



OS PERFUMES


    O perfume é o invólucro invisivel
    Que encerra as fórmas da mulher bonita,
    Bem como a salamandra em chammas vive,
    Entre perfumes a sultana habita.

    Escrinio avelludado onde se guarda
    Collar de pedras--a belleza esquiva,
    Especie de crysálida, onde móra
    A borboleta dos salões, a diva.

    Alma das flores--quando as flores morrem,
    Os perfumes emigram para as bellas,
    Trocam labios de virgens por boninas,
    Trocam lirios por seios de donzellas.

    Ali--sylphos travessos, traiçoeiros
    Vôam cantando em languido compasso,
    Occultos n'esses cálices macios
    Das covinhas de um rosto ou d'um regaço.

    Vós, que não entendeis a lenda occulta,
    A linguagem mimosa dos aromas,
    De Magdalena a urna olhaes apenas
    Como um primor de orientaes redomas.

    E não vêdes, que ali na myrra e nardo
    Vae toda a crença da judia loura...
    E que o oleo que lava os pés de Christo
    É uma resa tambem da peccadora.

    Por mim eu sei que ha confidencias ternas,
    Um poema saudoso, angustiado,
    Se uma rosa de ha muito emmurchecida
    Róla acaso de um livro abandonado.

    O espirito talvez dos tempos idos
    Desperta ali como invisivel nume...
    E o poeta murmura suspirando:
    Bem me lembro... era este o seu perfume!

    E que segredo não revela acaso
    De uma mulher a predilecta essencia?
    Ora o cheiro é lascivo e provocante!
    Ora casto, infantil, como a innocencia!

    Ora propala os sensuaes anceios
    D'alcôva de Ninon ou Margarida,
    Ora o mysterio divinal do leito
    Onde sonha Cecilia adormecida.

    Aqui, na magnólia de Celuta
    Lambe a solta madeixa que se estira;
    Unge o bronze do dorso da cabôcla,
    E o marmore do corpo da Hetaíra.

    É que o perfume denuncia o espirito
    Que sob as fórmas feminis palpita...
    Pois como a salamandra em chammas vive,
    Entre perfumes a mulher habita.

    CASTRO ALVES, _Ibid_., p. 167.


RASTO DE SANGUE

    É a hora do crepusculo,
    Que viração tão grata!
    Geme o riacho quérulo,
    Nem um cantor na mata.

    Desce a ladeira ingreme
    Um touro de repente,
    E vae nas frescas aguas
    Fartar a sêde ardente.

    Os juncos tremem, subito
    Sôa, medonho ronco,
    E o jaguar precípite
    Pula de traz de um tronco.

    Debalde o touro curva-se,
    Recúa, dá um salto,
    E o jaguar mais flacido
    Sabe pular mais alto.

    O touro parte célere
    Soltando um grito horrendo!
    Sobre elle a féra escancha-se,
    Tambem lá vae correndo.

    Vôam por esses páramos,
    O touro em grandes brados;
    Soltar querem das órbitas
    Os olhos inflammados.

    Espuma, arqueja! a lingua
    Da bocca vae pendente!
    Garras e dentes crava-lhe
    A fera impaciente.

    Largo rastilho rubido
    Embebe-se na areia,
    O sangue jorra calido
    Da lacerada veia.

    Contrae-se a forte victima
    Luctando com braveza!
    Porém o algoz impavido
    Lá vae... não deixa a prêza!

    Correram mais! que insania!
    Que scena pavorosa,
    Passada no silencio
    Da selva escura, umbrosa.

    Emfim n'um precipicio
    Os dois vão baquear...
    Cahiram lá exânimes
    O touro e o jaguar.

    JOAQUIM SERRA, _Quadros_, pag. 45.
    Rio de Janeiro, 1873.


A MINHA MADONA

    Alva, mais alva do que o branco cysne,
    Que alem mergulha e a pennugem lava;
    Alva como um vestido de noivado,
          Mais alva, inda mais alva!

    Loura, mais loura do que a nuvem linda
    Que o sol á tarde no poente doura:
    Loura como a virgem ossianesca,
          Mais loura, inda mais loura!

    Bella, mais bella que o raiar da aurora
    Apoz noite hybernal, negra procella;
    Bella como a açucena rociada,
          Mais bella, inda mais bella!

    Doce, mais doce, que o gemer da brisa;
    Como se d'este mundo ella não fosse...
    Doce como os cantares dos archanjos,
          Mais doce, inda mais doce!

    Casta, mais casta, que a mimosa folha
    Que se constringe, que da mão se afasta,
    Assim como a Madona immaculada
          Ella era assim tão casta!...

    JOAQUIM SERRA, _Ib._, p. 121.


AS DUAS ESCRAVAS

    Eu vejo-as abraçadas,
    Ambas em luto envoltas,
    Co' as loiras tranças soltas,
    Cobrindo os hombros nús;
    A desprender gemidos
    Dos seios palpitantes,
    E os olhos supplicantes
    Fitos na mesma cruz.

    E pende-lhes dos pulsos
    A mesma atroz cadeia,
    Seus labios incendeia
    A mesma imprecação:
    «Infamia eterna! (exclamam)
    Aos nossos oppressores!
    Senhor! vêde os horrores
    Da nossa escravidão!»

    --Mas quem sois vós, augustas
    Imagens do martyrio?
    Que assustador delirio
    Vos tem curvado assim?
    Em vossos rostos leio
    A dor, a magoa, a insonia:
    «Eu chamo-me--Polonia.
    --E eu sou a pobre Erin...»

    A. DE SOUSA PINTO, _Ideias e Sonhos_,
    p. 11. Lisboa, 1872.


CANTIGA

    Aqui n'este arvoredo,
    Das sombras no segredo,
          Oh, vem!
    Por estes arredores
    O bosque outros melhores
          Não tem.

    O ruivo sol da tarde
    Já nas montanhas arde,
          D'além!
    A lua alvinitente,
    Nas portas do oriente
          Lá vem.

    A viração fagueira
    A rapida carreira
          Detem,
    E dorme preguiçosa
    No calix da mimosa
          Cecem.

    Ninguem na sombra escura
    Verá nossa ventura,
          Ninguem!
    Sómente os passarinhos
    Occultos nos seus ninhos
          Nos vêm.

    Do bosque entre os verdores
    Se occupam só de amores,
          Tambem!
    E a lua, que desponta,
    Jámais segredos conta
          De alguem.

    Debaixo do arvoredo,
    Na gramma do vargedo
          Oh, vem,
    Á sombra d'este abrigo
    Fallar a sós commigo,
          Meu bem.

    BERNARDO GUIMARÃES, _Novas Poesias_
    p. 143. Rio de Janeiro, 1876.


QUANDO ELLA FALLA

    Quando ella falla, parece
    Que a voz da brisa se cala;
    Talvez um anjo emudece
          Quando ella falla!

    Meu coração dolorido
    As suas maguas exhala,
    E volta ao gozo perdido
          Quando ella falla.

    Pudesse eu eternamente
    Ao lado d'ella escutal-a,
    Ouvir sua alma innocente
          Quando ella falla.

    Minha alma já semi-morta,
    Conseguira ao céo alçal-a,
    Porque o céo abre uma porta
          Quando ella falla.

    MACHADO ASSIS, _Phalenas_
    p. 29.


O LEQUE

(De Tan-Jo-Lu)

    Na perfumada alcova a esposa estava,
    Noiva ainda na vespera. Fazia
    Calor intenso; a pobre moça ardia,
    Com fino leque as faces refrescava.
    Ora, no leque em boa lettra feito
          Havia este conceito:

    «Quando, immovel o vento e o ár pesado,
          Arder o intenso estio,
    Serei por mão amiga ambicionado;
          Mas volte o tempo frio,
    Ver-me-heis a um canto logo abandonado.»

    Lê a esposa este aviso, e o pensamento
          Volve ao joven marido:
    «Arde-lhe o coração n'este momento
    (Diz ella) e vem buscar enternecido
    Brandas auras de amor. Quando mais tarde
          Tornar-se em cinza fria
          O fogo que hoje lhe arde,
    Talvez me esqueça e me desdenhe um dia.»

    MACHADO ASSIS, _Phalenas_, p. 121.

LAURA

    --D'onde vens, Laura? «De casa.»
    --Vaes á festa? «Já se vê.»
    --Tão sósinha? «O que tem isso?»
    --Vou comtigo... «Para o que?»

    --Para ensinar-te o caminho...
    «Agradeço-lhe o favor;
    Eu sei de cór estas bandas,
    Obrigada, meu senhor.»

    --Olha o demo se te encontra...
    «Pergunto ao demo o que quer.»
    --E se elle quizer um beijo?
    «Dou-lhe até mais, se quizer.»

    --Ora, anda cá; dá-me o beijo,
    Porque o demonio em mim vês...
    «Já me estava parecendo...»
    Ficará para outra vez.

    --Vá d'esta vez um abraço...
    «Abraço?»--Sim; o que tem?
    «Mamãe me disse outro dia...»
    --O que te disse a mamãe?

    «Que a rapariga solteira
    Em abraçando um rapaz...
    Ferve-lhe o sangue nas veias,
    E depois...» --E depois? «Zás!»

           *       *       *       *       *

    Arregaçando o vestido
    Deitou-se Laura a correr;
    Deixando-me boquiaberto,
    Co'o sangue todo a ferver.

    BRUNO DE SEABRA, _Flores e Fructos_, p. 115.
    Rio de Janeiro, 1862.


A PROTECÇÃO DOS REIS

    Ai do poeta que se accolhe a um throno,
    E que implora de um rei mão protectora!
    Ai d'elle! n'esse putrido ambiente
    Pende-lhe morta a fronte sonhadora.

    Assim ao viajor da Africa adusta
    Hospitaleiro abrigo lhe similha
    Uma arvore gigante; e elle adormece
    Morto á sombra lethal da mancenilha!

    LUCIO DE MENDONÇA, _Alvoradas_, p. 149.
    Rio de Janeiro, 1875.


FRAGMENTOS

    Minh'alma é como a rôla gemedora
    Que delira, palpita, arqueja e chora,
    Na folhagem sombria da mangueira;
    Como um cysne gentil de argenteas plumas,
    Que fallece de amor sobre as espumas
    A soluçar a queixa derradeira.

    Meu coração é o lothus do Oriente,
    Que desmaia aos languores do occidente,
    Implorando do orvalho as lácteas pérolas;
    E na penumbra pallida se inclina,
    E murmura rolando na campina:
    --Oh brisa, me transporta ás plagas cérulas.

    Ai, quero nos jardins da adolescencia
    Esquecer-me das urzes da existencia,
    Nectarisar o fel de acerbas dôres!
    Depois... remontarei ao paraiso,
    Nos labios tendo os lirios do sorriso,
    Sobre as azas dos mysticos amores.

    NARCISA AMALIA, _Nebulosas_, p. 59.
    Rio de Janeiro, 1872.


AI DE MIM!

    Ai! dizes que não me queixe?
    Que de vogar eu me deixe
    N'um mar de scismas sem fim?
    Que não lamente meu fado,
        Desprezado,
    Desprezado sempre assim!
        Ai de mim!

    Que distante dos teus olhos,
    Nas trevas por entre abrolhos,
    Vagando ás tontas sem fim,
    Não maldiga a triste vida
        Dolorida,
    Dolorida sempre assim?
        Ai de mim.

    Ai, se tu és minha estrella,
    Que luz, que brilha tão bella
    N'esse horisonte sem fim,
    Porque te occultas? Sem norte...
        Cruel morte,
    Cruel morte eu soffro assim!
        Ai de mim.

    BETTENCOURT SAMPAIO, _Flores sylvestres_, p. 26
    Rio de Janeiro, 1860.

       *       *       *       *       *


A--

    Teus olhos brilhantes
    Me cegam de luz;
    São vivos diamantes
    De raios cingidos
    Da noite embutidos
    Em dois cilios nús.
    Teus olhos que agitam,
    Que queimam, que fitam,
    Teus olhos brilhantes
    Me cegam de luz.

    Mas ai! não pudessem
    Teus olhos ser taes!
    Que morte elles dessem,
    Não fogo e martyrio
    Da mente ao delirio,
    Do peito a meus ais!
    Se nunca elles matam,
    Mas se alma arrebatam,
    Ai! nunca pudessem
    Teus olhos ser taes!

    Teu corpo fluctúa
    Qual concha no mar,
    Mais doce que a lua,
    Mais frouxo que a espuma,
    Mais tenue que a pluma
    Nos braços do ár;
    Se a dansa os vestidos
    Te agita--aos sentidos
    Teu corpo fluctúa
    Qual concha no mar.

    Mas ai! nunca eu visse
    Como és tão gentil!
    Que nunca sentisse
    Teu corpo engraçado
    Voar balançando
    Na dansa subtil!
    Se roe-me o desejo,
    De ver-te e não vejo,
    Ah! nunca te visse
    Como és tão gentil.

    Teus seios me turvam
    A vista e a rasão:
    Nas roupas se curvam
    Tão presos, tão vivos...
    Oh! doces cativos,
    Quebrae tal prisão,
    E inquietos, travessos
    Do collo nos gêssos
    Teus seios me turvam
    A vista e a rasão.

    E Deus faz na terra
    Mulheres assim!
    E quando o homem erra,
    Perdido de amores,
    Será, meus senhores,
    Um doudo por fim?
    Se o peito suspira,
    Se a mente delira,
    Se Deus faz na terra
    Mulheres assim?

    F. DIAS CARNEIRO, _Parnaso maranhense_,
    p. 115. Maranhão, 1861.

       *       *       *       *       *


O PASSEIO

    Não foi nos campos, onde a vida corre
    Placida, longe do rumor do mundo,
    Onde um suspiro, que nos labios morre,
    Traz o segredo de um amor profundo;

    Onde o arroio de cristal deslisa
    Por entre o aroma de mimosas flores;
    Onde parece que a formosa lua
    Respira e sente, como nós, amores!

    Não foi nas praias onde as brandas vagas
    Vem á tardinha soluçar, gemer;
    Onde os amantes com o sorrir nos labios
    Sonham venturas de um feliz viver;

    Onde a donzella que só pensa e scisma
    Em aureos sonhos, que os amores tem,
    Meiga suspira e arroubada escuta
    Canções do nauta, que do mar lhe vem.

    Não; essa noute em que eu feliz sentia
    Sobre o meu braço tua mão pender,
    Entre os ruidos d'esse mundo louco
    Serena vimol-a perpassar, correr!

    E no bulicio d'este mundo frivolo
    Entre essa turba sempre louca e van,
    Eu recolhia tuas phrases soltas
    No imo peito com fervor e afan!

    Que de venturas em aspirar teu halito;
    Fixar teus olhos que o pudor baixava!
    Manso, bem manso te batia o seio,
    Que eu em delirio contra o meu chegava.

    E a voz tão fresca e argentina e pura,
    Que me parece estar ouvindo ainda!
    Se n'este mundo já gozei ventura,
    Foi n'essa noute, n'essa noute linda.

    Em puro extasis minha voz tremia,
    Talvez te lembres, descórado estava!
    Tudo o que eu vi era só pompa e risos,
    Tudo de amores e prazer fallava.

    Que noite linda, que luar formoso!
    Meu peito ardente de prazer tremia!
    De tuas tranças aspirava o aroma,
    Sobre o meu braço tua mão pendia.

    E no bulicio d'este mundo frivolo
    Serena vimol-a perpassar, correr
    A noite linda que me deu prazeres,
    Sonhos, venturas de um feliz viver!

    F. VIEIRA DE SOUSA. _Parnaso
    maranhense_, p. 119.

       *       *       *       *       *


MEUS ANHELOS

    Se bem o digo, mulher, a hora infausta.
    Em que da vida a luz primeira eu vi,
    Se ao duro embate de uma cruel sorte
    Até hoje, mulher, não succumbí,
           O devo a ti!

    Se presinto glorias n'um provir remoto,
    E vejo estrada nova que não vi,
    Se eu aspiro, mulher, do louro as palmas,
    E ás duras provações, não esmoreci,
           O devo a ti!

    Se morte ingloria receioso temo,
    Se a vãos perigos sempre me sorri,
    É p'ra dizer-te no momento extremo:
    Vivi! em vão luctei, morro por ti!

    F. G. F. DE MATTOS, _Parnaso
    maranhense_, p. 125.

       *       *       *       *       *


UM AMOR

    Eu sinto a fronte palpitar de idéas,
    Eu sinto o peito palpitar de ardor!
    O que me falta pois? o que preciso?
            Um amor!

    Um amor, um amor de virgem bella,
    Cheia de mocidade e de pudor!
    Eu só procuro, só desejo e quero
            Um amor!

    Não permittas, meu Deus, que triste passe
    De minha juventude toda a flor,
    Sem que ao menos inspire, e sinta e gose
            Um amor!

    A. J. FRANCO DE SÁ, _Poesias_, p. 55.
    S. Luiz do Maranhão, 1869.

       *       *       *       *       *


QUEM SABE? TALVEZ!

    Existe uma virgem que o céo me destina,
    Com quem delirante meu peito já sonha;
    Eu vejo-a na fórma da virgem risonha,
    Do céo nas estrellas, na flôr da campina,
    Á noite, do bosque por entre a mudez;
    Na brisa que passa por entre os palmares,
    A voz bem lhe escuto que falla inda a medo...
    Eu sinto na fronte seus meigos olhares!...
    Quem dera-me ao peito cingil a bem cedo...
            Quem sabe? talvez!

    E tu nada sentes? tu nada procuras?
    Nos quadros tão lindos que tu phantasias
    Um dia brilhante de occultas magias,
    De amores ardentes, de infindas venturas,
    Ó virgem! não viste siquer uma vez?
    Nos breves delirios, nos teus devaneios,
    Nos vagos desejos da mente inquieta,
    Que o peito te abalam, arfando-te os seios,
    Não sonhas ás vezes o amor de um poeta?
            Quem sabe? talvez!

    Tu sonhas; que virgem não sonha de amores?
    Tu sonhas um doce viver duplicado,
    Viver como os anjos de amor exaltado,
    Viver de perfumes, de luz, como as flores,
    Que Deus como as flores e os anjos te fez;
    E uma alma formada de amor como a tua
    No mundo que habitas procuras de certo...
    Debalde... tua vista vacilla, fluctua...
    E esse ente, quem sabe si existe bem perto?
            Quem sabe? talvez!

    Quem sabe si a virgem que o céo me reserva,
    Que pura e formosa diviso na mente,
    Que o peito me pede, que o peito presente,
    P'ra quem puro, isento, fiel se conserva,
    Quem sabe si és tu? no riso, na tez,
    Nos olhos... na face tão pallida e bella...
    Uns áres, uns visos comtigo lhe noto...
    Nos longos cabellos... Quem sabe si és ella?
    Aquella a que em sonhos minha alma já voto?
            Quem sabe? talvez!

    Quem sabe? de tarde seguindo teus passos
    O anjo dos sonhos parece que vejo,
    Meu peito palpita, e vem-me o desejo,
    De, louco de amores, voar a teus braços,
    Beijar-te os cabellos, morrer a teus pés!...
    E tu não presentes, oh virgem! que eu ardo
    E quando teus olhos de encanto celeste
    Os olhos ardentes encontram do bardo,
    No peito de virgem tu nunca disseste:
            Quem sabe? talvez!

    Ah! dize... si és tu, fugir-me não tentes,
    És tu que procuro? ah! dize, que eu creio...
    Tu flores bem frescas abrigas no seio?
    Bastantes perfumes no peito tu sentes?
    Um céo de ternura tu tens que me dês?
    Ah! falla, responde, teu dito me traga
    Um mar de delicias, de amor, de ventura;
    Ah! dize-me---sim,--do peito me apaga
    A phrase terrivel, que a mente murmura:
            Quem sabe? talvez!

    A. J. FRANCO DE SÁ, _Poesias_, p. 63.
    S. Luiz do Maranhão.

       *       *       *       *       *


O AMOR UM DIA NOS PRENDEU, QUERIDA

    O amor um dia nos prendeu, querida,
    Como dous élos de uma só cadêa;
    Sômos dous sôpros de uma mesma vida,
    As duas azas de uma mesma idéa:

    Dous pensamentos n'uma mesma alma,
    Nascendo juntos e sorrindo apoz;
    Somos dous ramos de uma mesma palma,
    Somos dous eccos de uma mesma voz.

    As duas aves que em jardim volteiam,
    Buscando flores para o ninho olente,
    Ou duas nuvens que nos céos vaguêam
    Illuminadas pelo sol nascente.

    Se cantas, gemo, e no scismar suspira
    Minha alma em sonhos ideaes, azues;
    Somos dous cantos de uma mesma lyra,
    Somos dous raios de uma mesma luz.

    Se ris, me rio, e no prazer unidos,
    O mundo diz-nos: «São felizes, sabios...»
    Se soffres, chóro; somos dous gemidos
    De um mesmo peito a nos morrer nos labios.

    Quaes duas vagas que tu vês, rolando,
    N'uma se unir, no mesmo mar correr,
    Os nossos peitos foram-se abraçando
    No mesmo affecto que nos faz viver.

    Deos nos fizera de uma egual natura,
    Nós nos sentimos como irmãos no amor;
    Somos dous risos de uma só ventura,
    Somos dous prantos de uma mesma dôr:

    As duas folhas, de pureza francas,
    Do livro santo onde tu lês--amar!
    Que somos nós? as duas velas brancas
    Ardendo vivas, sobre um mesmo altar.

    Que as nossas almas, uma á outra unida
    Vôem no sonho de um eterno afago,
    Bem como vogam na indolente vida
    Dous brancos cysnes sobre um mesmo lago.

    No mesmo fogo o nosso olhar queimemos:
    Na mesma fé as nossas almas crentes;
    No mesmo aperto as nossas mãos liguemos,
    No mesmo beijo os nossos labios quentes.

    FILGUEIRAS SOBRINHO, _Consoladoras_,
    p. 52. Paris, 1876.

       *       *       *       *       *


A SÉSTA

    Na rêde, que um negro moroso balança,
          Qual berço de espumas,
    Formosa creoula repousa e dormita,
    Emquanto a mucamba nos áres agita
          Um leque de plumas.

    Na rêde perpassam as trémulas sombras
          Dos altos bambús;

    E dorme a creoula de manso embalada,
    Pendidos os braços da rêde nevada
          Mimosos e nús.

    A rêde, que os áres em torno perfuma
          De vivos aromas,
    De subito pára, que o negro indolente
    Espreita lascivo da bella dormente
          As tumidas pômas.

    Na rêde suspensa dos ramos erguidos
          Suspira e sorri
    A languida moça cercada de flores;
    Aos guinchos dá saltos na esteira de côres
          Felpudo saguí.

    Na rêde, por vezes, agita-se a bella
          Talvez murmurando
    Em sonhos as trovas cadentes, saudosas,
    Que triste colono por noites formosas
          Descanta chorando.

    A rêde nos áres de novo fluctua,
          E a bella a sonhar!
    Ao longe nos bosques escuros, cerrados,
    De negros captivos os cantos magoados
          Soluçam no ár.

    Na rêde olorosa, silencio! deixae-a
          Dormir em descanço!...
    Escravo, balança-lhe a rêde serena;
    Mestiço, teu leque de plumas acena
          De manso, de manso.

    O vento que passa tranquillo, de leve,
          Nas folhas do engá,
    As aves que abafem seu canto sentido;
    As rodas do Engenho não façam ruido,
          Que dorme sinhá.

    A. C. GONÇALVES CRESPO, _Miniaturas_,
    p. 14. Coimbra, 1871.

       *       *       *       *       *


O FILHO DA LAVANDEIRA

    Um dia, nas margens do claro Atibáia,
    Estava a cativa sósinha a lavar;
    E um triste filhinho do rio na praia,
    Jazia estendido no chão a rolar.
    A pobre criança que o vento açoitava,
    De frio e de fome chorava e chorava.

    A misera negra, co'o rosto banhado,
    No pranto que d'alma trazia-lhe a dor,
    Prendeu-a com força no seio abrazado
    De magoas, de angustia, de susto e de amor.
    Pendendo a cabeça no collo da escrava
    A pobre criança chorava e chorava.

    «Meu filho querido, no meio dos mares,
    Lá onde governa sómente o meu deus,
    Lá onde se estendem mais lindos palmares,
    Porque não nasceste cercado dos meus?»
    E a pobre criança no seio da escrava,
    Fitando-a tristinha, chorava e chorava.

    «Meus paes lá ficaram; são livres, cantando
    Que vida contente que passam por lá!
    E tu, meu filhinho, commigo penando,
    Esperas a morte nas terras de cá.»
    Os ventos cresciam: o sol declinava,
    E a pobre criança chorava e chorava.

    «Ai, não! que dos pretos as almas não morrem!
    Havemos ainda p'ra os nossos voltar:
    As aguas tão mansas dos rios que correm
    Nos levam bem vivos ao largo do mar.»
    Nas aguas já meio seu corpo nadava,
    E a pobre criança chorava e chorava.

    «As aves, os bosques, as serras que vemos,
    Não são como aquellas de onde eu nasci!
    Tão doces folgares risonhos quaes temos,
    Tão bellos, tão puros não ha por aqui.»
    E os fundos gemidos o ecco levava,
    E a pobre criança chorava e chorava.

    «Oh vamos, meu filho, ao sólo jocundo
    Aonde a existencia nos corre gentil;
    Emquanto cativos houver n'este mundo
    Os negros não devem viver no Brazil.»
    A casa era perto; chamavam a escrava,
    E a pobre criança chorava e chorava.

    Assim soluçou! e no seio estreitando
    O caro filhinho, nas aguas caiu;
    Depois, muito tempo de leve boiando,
    Sumiram-se os corpos nas voltas do rio.
    Debalde procuram, procuram a escrava,
    Se a pobre criança nem mais lá chorava!

    F. QUIRINO DOS SANTOS, _Estrellas errantes_,
    p. 75, 2.ª ed. Campina, 1876.

       *       *       *       *       *


AS CRIANÇAS

    Deixae-as vir a mim!--o Christo assim dizia,
    Das crianças beijando as frontes radiosas.--
    Pertence á candidez dos lirios e das rosas
    O reino de meu pae, eterno de alegria!
    Deixae-as vir a mim!--o Christo assim dizia.

    Deixae-as vir a mim com toda a liberdade,
    As crianças adoro humildes ou zangadas;
    As innoxias, tambem, estridulas risadas,
    Não ha n'essa expansão os sulcos da maldade:
    Deixae-as vir a mim com toda a liberdade.


    Deixae-as vir a mim; eu amo as criancinhas,
    Nos folguedos gazís, no lar silenciosas;
    E quando eu as contemplo insontes, descuidosas,
    Estudo-lhe da face as curvas e covinhas.
    Deixae-as vir a mim; eu amo as criancinhas.

    Deixae-as vir a mim; são luzes do porvir,
    Almas cheias de amor e aureas esperanças;
    Nos olhos divinaes de todas as crianças
    Ha mundos de candura e crenças a florir.
    Deixae-as vir a mim são luzes do provir.

    OCTAVIANO HUDSON, _Peregrinas_, p. 7.
    Rio de Janeiro, 1874.



                     CANTOS POPULARES BRAZILEIROS

       *       *       *       *       *



I

CHACARA DO CEGO


(Da provincia do Ceará)

    --Sinhá da casa
    Venha vêr seu pobre;
    Nem por vir pedir
    Deixo de ser nobre.

    «Não póde ser nobre
    Quem vem cá pedir;
    Não ha que lhe dar,
    Já póde seguir.»

    --Não usais commigo
    Tanta ingratidão:
    D'este pobre cego
    Tende compaixão:

    «Eu não sou dona,
    Nem governo nada;
    A dona da casa
    Ainda está deitada.»

    --Si está deitada
    Ide-a chamar,
    Que o pobre do cego
    Lhe quer fallar.

    «Acordai, senhora
    Do doce dormir,
    Vinde ver o cego
    Cantar e pedir.»

    --«Si elle canta e pede
    Dae-lhe pão e vinho,
    Para o pobre do cego
    Seguir seu caminho.

    Larga, Anninha, a róca,
    E tambem o linho,
    Vae ensinar o cego
    Seguir seu caminho.»

    «Aqui fica a róca
    Acabou o linho;
    Marchae, adiante, cego,
    Lá vae o caminho.»

    --Anda, anda, Anninha,
    Mais um boccadinho,
    Sou curto da vista,
    Não enchergo o caminho.

    «De conde e fidalgo
    Me vi perseguida;
    Hoje de um cego
    Me vejo rendida.»

    --Cala-te, condessa,
    Prenda tão querida,
    Eu sou este conde
    Que te pretendia.

    «Cala-te, conde,
    Não digas mais nada,
    Só quero saiâmos
    D'aqui d'esta estrada.»

    Infinitas graças
    Vos dou, meu senhor,
    Já ter vencido
    Um cruel amor.

       *       *       *       *       *


II

CHACARA DE D. JORGE

(Do Ceará)

    Dom Jorge se namorava
    D'uma mocinha mui bella,
    Pois que apanhando servido
    Ousou logo de ausentar-se,
    Em procura d'outra moça
    Para com ella casar.

    Juliana que d'isso soube
    Pegou logo a chorar,
    A mãe lhe perguntou:
    --De que choras minha filha?
    «É Dom Jorge, minha mãe,
    Que com outra vae casar.»
    --Bem te disse, Juliana,
    Que em homens não te fiasses;
    Não era dos primeiros
    Que as mulheres enganasse.

    --«Deus te salve, Juliana,
    No teu sobrado assentada!»
    «Deus te salve, rei Dom Jorge,
    No teu cavallo montado.
    Ouvi dizer, rei Dom Jorge
    Que estavas para casar?»
    --«É verdade, Juliana,
    Já te vinha desenganar.»
    «Esperae, rei Dom Jorge,
    Deixa eu subir a sobrado,
    Deixa buscar um copinho
    Que tenho para ti guardado.»
    --«Eu lhe peço, Juliana,
    Que não haja falsidade;
    Olhe que sômos parentes,
    Prima minha, da minh'alma.»
    «Eu lhe juro por minha mãe,
    Pelo Deus que nos criou,
    Que rei Dom Jorge não logra
    Esse seu novo amor.»
    --«Que me deitas, Juliana,
    N'este seu copo de vinho,
    Estou com as redeas nas mãos,
    Não enchergo meu russinho.
    Ai qu'é do meu paisinho,
    Por elle pergunto eu?
    Eu morro, é de veneno
    Que Juliana me deu.
    --Morra, morra o meu filhinho,
    Morra contricto com Deus,
    Que a morte que te fizeram
    Ella quem vinga sou eu.
    --«Valha-me Deus do céo,
    Que 'stou com uma grande dor;
    A maior pena que levo
    É não vêr meu novo amor.»

       *       *       *       *       *


III

CHACARA DE FLORES-BELLA

(Do Ceará)

    --Mouro, se fôres ás guerras,
    Trazei-me uma cativa!
    Que não seja das mais nobres,
    Nem tambem de villa minha;
    Seja das escolhidas
    Que em Castelhana havia.

    Saiu o Conde Flores
    Fazer essa romaria:
    A Condessa como nobre
    Foi em sua companhia.
    Mataram o Conde Flores,
    Cativaram Lixandria,
    E trouxeram de presente
    Á rainha de Turquia.

    --«Vem cá, vem cá minha moura,
    Aqui está vossa cativa;»
    --Já vou entregar as chaves
    As chaves da minha cozinha.
    «Entregae, entregae, senhora,
    Que a desgraça foi minha;
    Ainda hontem ser senhora,
    Hoje escrava da cosinha.

    Ao cabo de cinco mezes
    Tiveram os filhos n'um dia;
    A moura teve um filho,
    A cativa uma filha.
    Levantou-se a moura
    Com tres dias de parida,
    Foi á cama da escrava:
    --Como estaes, escrava minha?
    «Como hei de estar, senhora,
    Sempre na vossa cosinha.»

    Foi olhando para a criança,
    Foi achando muito linda:
    --Se estivesses em tua terra
    Que nome tu botarias?
    «Botaria Flores-Bella,
    Como uma mana que tinha,
    Que os mouros carregaram
    Sendo ella pequenina.
    --Si tu a visses hoje
    Tu a conhecerias?
    «Pelo signal que tinha
    Só assim a conhecia!»
    --Que tinha um lirio roxo
    Que todo peito cobria!
    «Pelo signal que me dais,
    Bem parece mana minha.»
    --Vem cá, vem cá minha moura
    Que te dizes tua cativa.
    «Eu já estou bem agastada,
    E já me vou anojar
    Tu mandaste lá buscar,
    O teu cunhado matar.»
    --Si eu matei meu cunhado
    Outro melhor te hei de dar.
    Farei tua irmã senhora
    Da minha monarchia!
    «Eu não quero ser senhora
    Da tua monarchia
    Quero ir para a minha terra
    Onde eu assistia.»
    --Aprontae, aprontae a náo,
    Mais depressa em demasia.
    Para levar Lixandria,
    Ella e sua filhinha.
    «Adeus, adeus Flores-Bella!
    --Vae-te embora Lixandria.
    E dae lá muitas lembranças
    Á nossa parentaria.
    Que eu fico como moura
    Entre tanta mouraria.»

       *       *       *       *       *


LUNDUNS E MODINHAS

(Pará)

    Quanta laranja miuda,
    Quanta florinha no chão;
    Quanto sangue derramado
    Por causa d'essa paixão.[58]

    Quem vae a Pará, parou;
    Quem bebe açahy ficou.


(S. Paulo)

    Pinheiro, dá-mi uma pinha,
    Roseira dá-mi um botão,
    Morena, dá-mi um abraço,
    Que eu te dou meu coração.[59]


(Cuyabá)

    O bicho pediu sertão,
    O peixe pediu fundura,
    O homem pediu riqueza,
    A mulher a formosura[60].


(Pará)

    Te mandei um passarinho,
        _Patuá mira pupé_; (Dentro de uma caixa pequena)
    Pintadinho de amarello
        _Iporãnga ne iavé_. (E tão formoso como você.)


(Amazonas)

    Vamos dar a despedida
        _Mandu sarará_,
    Como deu o passarinho
        _Mandu sarará_;
    Bateu aza, foi-se embora,
        _Mandu sarará_,
    Deixou a pena no ninho
        _Mandu sarará_[61].


(De Ouro preto)

    Vamos dar a despedida,
    Como deu a pintasilva;
    Adeus, coração de prata,
    Perdição da minha vida.

    Vamos dar a despedida,
    Como deu a saracura;
    Foi andando, foi dizendo
    Mal de amores não tem cura.[62]

       *       *       *       *       *


(Maranhão)

    Quem quizer comer mangabas
    Vá no pé da mangubeira,
    Vá comendo, vá gostando,
    Vá mettendo na algibeira.

        Cajueiro pequeno,
        Carregado de flores,
        Eu tambem sou pequeno,
        Carregado de amores.

    Quando eu era pequenino,
    Que aprendia o _b-a_, _bá_,
    Minha mestra me ensinava
    O Lundum do Mon-Roy.


BATUQUE DOS CURURUEIROS

(De Cuyabá)

    Em cima d'aquelle morro
        Siá dona!
    Tem um pé de jatobá;
    Não ha nada mais pió
        Ai, siá dona!
    Do que um home se casá.

       *       *       *       *       *


DESAFIO DOS CURURUEIROS

(De Cuyabá)

    --Eu passei o Parnahyba
    Navegando n'uma barça;
    Os peccados vem da saia,
    Mas não pode vir da carça.

    «Dizem que a muié é farça,
    Tão farça como papé,
    Mas quem vendeu Jesus Christo
    Foi home, não foi muié[63].

       *       *       *       *       *


(De Rio de Janeiro)

    Sinhasinha, vá-se embora
    Vá p'ra casa direitinha,
    Não me faça como honte
    Que se me ficou no caminho.
        Não me encorrilhe meus babados,
        Não me suje meu collarinho.

    Cupidinho das quedas,
    Cae aqui cae acolá;
    Não venha cahir nos braços
    Da minha amante Iá, Iá.

        Ora que gostos
        Você mi dá!
        Gosto de ti,
        Ladrão, vem cá.

    Mandei fazer um anel
    Na ilha do Paquetá
    Para metter no dedinho
    Da minha amante Iá Iá.


A CHULA (a tres vozes)

(Ceará)

    Lá nos campos de Cendrêa
    Meu corpo vi maltratado!
    Tudo isto experimentei
    Só por ser seu bem amado.

        Vem aos meus braços,
        Meu bem amado,
        Vem consolar
        Um desgraçado.

    Si eu não te quero bem
    Deus do céo me não escute;
    As estrellas me não vejam,
    A terra me não sepulte.

        Vem aos meus braços,
        Meu bem amado,
        Vem consolar
        Um desgraçado.

    N'aquelle primeiro amor
    Que no mundo teve a gente,
    O amor cravado n'alma
    É lembrado eternamente.

        Vem aos meus braços,
        Meu bem amado,
        Vem consolar
        Um desgraçado.

       *       *       *       *       *


SARABANDA

(Ceará)

    --Aqui estou, minha senhora,
    Com dôr no meu coração,
    Bem contra minha vontade
    Fazer-lhe esta citação.

    «Tambem tenho minha casa
    Mui da minha estimação;
    Tudo darei á penhora,
    Porem as cadeiras não.

    Tambem tenho minha cama
    Coberta de camellão,

    A barra de setim nobre,
    O forro de camellão;
    Tudo darei á penhora,
    Porem as cadeiras não.

    Tambem tenho cinco escravos,
    Tres negros e dois mulatos
    Mui da minha estimação,
    Tudo darei á penhora
    Porém as cadeiras não.

    --Venha cá, minha senhora,
    Deixe-se de tantas besteiras,
    Que no mundo não falta ourives
    Que lhe faça outras cadeiras.


NOTAS DE RODAPÉ:

[58] Ap. Couto de Magalhães, _O Selvagem_, P. II, p. 79.

[59] Ibidem, p. 80.

[60] Ibidem, p. 81.

[61] Ibidem, 144--5.

[62] Ibid. p. 146.

[63] Ap. _Noticia sobre a provincia de Matto-Grosso_, por Ferreira
Moutinho, p. 19.



                               PARTE III

       *       *       *       *       *

OS LYRICOS GALLEGOS

    _Airiños, airiños, aires,
    Airiños da miña terra;
    Airiños, airiños, aires,
    Airiños, leváime a ella._

    Cant. pop.


    Sin ela vivir non podo,
    Non podo vivir contenta,
    Qu'á donde queira que vaya,
    Cróbeme unha sombra espesa.
    Cróbeme unha espesa nube
    Tal preñada de tormentas,
    Tal de soidás preñada,
    Qu'á minha vida envenena.
    Leváime, leváime airiños,
    Com'unha folliña seca,
    Que seca tamen me puxo
    A callentura que queima.
    Ay! si non me levás pronto,
    Airiños da miña terra;
    Si non me levás, airiños,
    Quiçaes xa non me conesan
    Qu'a frebe que de min come,
    Vaime consumindo lenta,
    E no meu corazonsiño
    Tamen traidora se ceiba.

    Fun n'outro tempo encarnada
    Com'á color de sireixa,
    Son oxe descolorida
    Com'os cirios das igrexas,
    Cal si unha meiga chuchona
    A miña sangre bebera:
    Vou-me quedando muchiña,
    Com'unha rosa qu'inverna,
    Vóume sin forzas quedando,
    Vóume quedando morena,
    Cal unha mouriña moura
    Filla de moura ralea

    Leváime, leváime, airiños,
    Leváime á donde m'esperan
    Unha nay que por min chora
    Un pay que sin min n'alenta,
    Un hirman por quen daria
    A sangre das miñas venas,
    E un amoriño á quen alma
    E vida lle promettera.
    Si pronto non me levades,
    Ay morrerei de tristeza,
    Soya n'unha terra extraña,
    Dond'extraña m'alumean,
    Donde todo canto miro
    Todo me dic'; extranxeira!

    Ay, miña pobre casiña!
    Ay, miña vaca bermella!
    Años, que valás nos montes,
    Pombas, qu'arrulás nas eiras,
    Mozos, qu'atruxás bailando,
    Redobre d'as castañetas,
    Xás-co-rras-chás das cunchiñas,
    Xurre-xurre d'as pandeiras,
    Tambor do tamborileiro,
    Gaitiña, gaita gallega,
    Xa non m'alegras dicindo:
    _Muiñera! muiñera!_
    Ay quen fora paxariño
    De leves alas ligeiras!
    Ay con que prisa voara
    Toliña de tan contenta,
    Para cantar á alborada
    Nos campos da miña terra!
    Agora mesmo partira,
    Partira com'unha frecha,
    Sin medo as sombras da noite,
    Sin medo da noite negra.
    E que chovera ou ventara,
    E que ventara ou chovera,
    Voaria, e voaria
    Hastra qu'alcanse á vela.
    Pero non son passariño
    E irey morrendo de pena,
    Xa en lagrimas convertida,
    Xa en suspiriños desfeita.

    Doces galleguiños aires,
    Quitadoiriños de penas.
    Encantadores d'as auguas,

    Amantes d'as arboredas,
    Musica dás verdes canas
    Do millo d'as nossas veigas,
    Alegres compañeirinos,
    Run-run de tódalas festas,
    Leváime nas vosas alas,
    Com'unha folliña seca,
    Non permittás qu'aqui morra,
    Airiños da miña terra,
    Qu'ainda penso, que de morta,
    Eide sospirar por ela.
    Ainda penso, airiños, aires,
    Que dimpois que morta sea,
    E aló pólo composanto,
    Dond'enterrada me teñam,
    Pasés na calada noite
    Runxindo antr'á folla seca,
    Ou murmuxando medrosos
    Antr'as broncas calaveras,
    Inda dimpois de mortiña
    Airiños da miña terra,
    Éivos de berrar: ¡Airiños,
    Airiños, leváime á ela!

    D. ROSALIA CASTRO DE MURGUIA, _Cantares
    gallegos_, p. 87. Madrid, 1872.


CANTAR GALLEGO

    Acolá enriba
    Na fresca montaña,
    Qu'alegre se crobe,
    De verde retama,
    Meniña morena
    De branco vestida,
    Nubiña parece
    No monte perdida.
    Que xira, que corre,
    Que torna, que passa,
    Que rola, e mainiña
    Serena se para.

    Xa embolta se mira
    N'espuma que salta,
    Do chorro que ferve
    Na rouca cascada.
    Xa erguida na punta
    De pena sombrisa
    Immoble cál virxe
    De pedra se mira.
    A cofia de liño
    A os ventos voltada
    As trenzas descoida
    Qu'os aires espalhan;
    Tendídal-as puntas
    Do pano de seda,
    As alas d'un anxel
    De lonxe semellan.
    Si as brisas da tarde
    Xogando con elas
    As moven ca gracia
    Qu'un angel tivera.
    Eu penso ¡coitado
    De min! que me chaman,
    Si as vexo bulindo
    Na verde enramada;
    Mas ay, qu'os meus ollos
    M'engañam traidores,
    Pois von, e lixeira
    Na niebra s'esconde;
    S'esconde outras veces
    Na sombra dos pinos
    E cant'escondida
    Cantares dulciños,
    Qu'abrasan, que firen,
    Ferida d'amor
    Que teño feitinha
    No meu corazon.

    Que feita, que linda,
    Que fresca, que branca.
    Deu Dios á meniña
    Da verde montaña!
    Qu'hermosa parece,
    Que chore, que xima!
    Cantando, sorrindo,
    Disperta, dormida!
    Ay, si seu pay
    Por regalo ma dera,
    Ay, non sentira
    No mundo mais penas!
    Ay, que por tela,
    Commigo por dama
    _Eu llá vestira,
    Eu llá calzara_.

    D. ROSALIA CASTRO DE MURGUIA,
    _Cantares gallegos_, p. 75.

       *       *       *       *       *


    _Cantan os galos pr'ó dia,
    Érguete, meu ben, e vaite,
    --Como m'ei d'ir, queridiña,
    Como m'ei d'ir e deixarte._

    --D'eses teus olliños negros
    Como doas relumbrantes,
    Hastr'as nosas maus unidas
    As vagoas ardentes caen.
    ¿Como m'ei d'ir si te quero?
    Como m'ei d'ir e deixarte,
    Si cá lengua me desvotas,
    E có coraçon me atraes?
    N'un corruncho do teu leito

    Carinhosa m' abrigaches;
    Có teu manso caloriño
    Os frios pés me quentastes;
    E d'aqui xuntos miramos
    Por antr' ó verde ramaxe,
    Cal iba correndo á lua
    Por enriba dos pinares.
    ¿Como queres que te deixe,
    Como que de ti m' aparte,
    Si mais qu' á mel eres dulce,
    E mais qu'as froles soave?

    «Meiguiño, meiguiño meigo,
    Meigo que me namoraste,
    Baite d' onda min meiguinho
    Antes qu'ó sol se levante.

    --Ainda dorme, queridiña,
    Antr' as ondiñas do mare,
    Dorme por que m' acariñes
    E por qu' amante me chames,
    Que sol' onda tí, meniña,
    Pódo contento folgare.

    «Xa cantam os paxariños,
    Érguete, meu ben, qu' é tarde.

    --Deixa que canten, Marica,
    Marica, deixa que canten...
    Si tí sintes que me vaya,
    Eu relouco por quedarme.

    «Conmigo, meu queridiño
    Mitá dá noite pasaches.

    --Mais en tanto ti dormias
    Contenteime con mirarte,
    Qu' asi sorind' entre soños
    Coidaba qu' eras un anxel,
    E non con tanta pureza
    O pé d' un anxel velase.

    «Asi te quero, meu ben,
    Com' un santo dos altares,
    Mais fuxe... qu' ó sol dourado
    Por riba dos montes saye.»

    --Irey, mais dame un biquiño
    Antes que de ti m' aparte;
    Qu' eses labiños de rosa
    Inda non sei como saben.

    «Con mil amores chó dera,
    Mais teño que confesarme,
    E moita vergonza fora
    Ter un pecado tan grande.»

    --Pois confesate, Marica,
    Que cando casar nos casen,
    Non ch' han de valer, meniña,
    Nin confesores, nin frades.
    Adios, cariña de rosa!

    «Raparigo, Dios te garde,»

    D. ROSALIA CASTRO DE MURGUIA, _Cantares
    gallegos_, pag. 21.

      Un repoludo gaitero
    De pano sédan vestido,
    Com' un principe cumprido,
    Cariñoso e falangueiro,
    Antr' os mozos o pirmeiro
    E nas siudades sin par,
    Tiña costum' en cantar
    Aló po la mañanciña:
    _Con esta miña gaitiña
    As nenas ei d' enganar_.

      Sempre pó la vila entraba
    Con aquel de señorio,
    Sempre con poxante brío
    Co tambor s' acompasaba:
    E si na gaita sopraba,
    Era tan doçe soprar,
    Que ven fixera en cantar
    Aló po la mañanciña:
    _Con esta miña gaitiña
    As nenas ei d'enganar_.

    Todas por él reloucaban,
    Todas por él se morrian,
    S' o tiñam cerca, sorrian,
    S' ó tiñam lonxe, choraban:
    Mal pecado! non coidaban,
    Que c' aquel seu frolear
    Tiña costum' encantar
    Aló pó-la mañanciña:
    _Con esta miña gaitiña
    As nenas ei d' enganar_.

      Camiño da romeria,
    Debaixo d'unha figueira,
    Canta menina solteira
    ¡Querote! lle repetia...
    Y él c' á gaita respondia
    Por á todas envoucar,
    Pois ven fixeira en cantar
    Aló pó-la mañanciña:
    _Con esta miña gaitiña
    As nenas ei d' enganar_.

      Elas louquiñas bailaban
    E por xunta d' el corrian,
    Cegas... cegas que non vian
    As espiñas qu' as cercaban;
    Probes palomas buscaban
    A luz qu' as iba queimar,
    Pois qu' el soupera cantar
    Aló pó-la mañanciña,
    _Ó son da miña gaitiña
    As nenas ei d' enganar_.

    ¡Nás festas, canto contento!
    ¡Canta risa nas fiadas!
    Todas, todas namoradas
    Deranll' ó seu pensamento;
    Y él que d'amores sedento
    Quixo á todas enganar,
    Cand'as veu dimpois chorar
    Cantaba nas mañanciñas,
    Non sean elas toliñas
    Non veñan ô meu tocar.

    D. ROSALIA CASTRO DE MURGUIA, _Cantares
    gallegos_, p. 47.

       *       *       *       *       *


O DESCONSOLO

    D'esta fontiña á beira froleada
    Sentado á sombra d'un choron estou
    Doido o peito, a alma esconsolada,
    Triste morrendo pouco á pouco vou.

    Desde qu'a negra morte aquella prenda
    Que tanto quixen me arrancou sin dor,
    Solás non acho en nada, e solta renda,
    A pena, choro o meu perdido amor.

    Quen o diria! tão garrida e nova,
    Doce cal rula, e branca cal xasmin,
    Tan cedo habias de baixar á cova,
    Piedade, céos, ay, piedá de min.

    Solo quedei no mundo, solo, solo,
    Qu'ei de facer?... chorar e mais chorar!
    E qu'ainda te vexo no meu colo,
    Sabeliña, querida, maxinar.

    Xa non iremos mais polas roleiras
    En compaña amorosa ás moras, non;
    Nin baixo das follosas ameneiras
    As coitas che direi do corazon.

    Cantas veces da auga d'esta fonte
    Che dice, mina vidiña, pola mao!
    Cantas os dous deixabamos o monte,
    Por tomar aqui o fresco, aló no brau.

    E nas tardes de outono... ¡non te acordas...
    Mais ¿que digo acordar? si te perdin?
    Partenseme, ay do corazon as cordas
    Penso qu'ainda aqui estás... louco de min!

    N'outono... pois con alegria moita
    Nos ibamos ó longo castañal,
    E a rebaladas eu guindabava froita
    Mentras ti regalabas meu cantar

    E tamen cando... ¿pero á que memoria
    Fago de tempo aquel? ay! calarei!
    Mirame, Sabeliña, desde a groria;
    Por ti de cote triste chorarei.

    ALBERTO CAMINO, ap. _Trovas e Cantares_, p. 329.


O ALALALAA

    Si é que escoitades cando ó sol morre,
    Cando á ovelliña no monte bala,
    Un canto tenro, vago e subrime
    Que commovida vos deixa a yalma;
    Un canto brando pero queixoso
    Que de pasados recordos fala,
    E o mellor canto da nossa terra,
             E o _alalalaa_.

      Cántan-o as mozas que o gando coidan,
    Cántan-o os homes que os eidos labran,
    Cantando os nenos que san da escola
             Van isa cántiga...
    ¡Ay que feitizos eiqui en Galicia
             Ten ó _alalalaa...!_

      Cand'os gallegos morren de coitas
    Entr'os misteiros d' as suas montanas,
    Entoan ó canto con moita forza,
    Y-enton semellan, nas enramadas,
    Ises gorxeos dos roulsinores
    Cando saudan á lus da yalba,
    Ises murmuxos que ten-o rio,
    Ises concertos que fan as auras...

      Dempois qu' o entoan con moita forza
    Con toda a forza da sua yalma,
    Van-o baixando pouquiño a pouco
    Hastra que logo na gorxa esmaya,
    Como unha queixa que leva o vento,
    Cal un sospiro qu'o peito garda.

      ¡Ay! non m' esquenzen d' aquella tarde
    As oxe mortas legrias santas,
    Cando eu ouvia por ves primeira,
    Aló no monte, lonxe, o _alalalaa!..._
      ¿Qué canto e ise?--eu perguntéille
    A unha garrida xóven aldeana
    Qu' un feixe d' erba, na sua cabeza
    Chea de negros rizos, levaba,--
    Y ela miróume co aquilos ollos
    Qu' a duas estrellas s' assemellaban,
    E co-a sonrisa nos roxos lábios,
    Asina dixo con moita gracia:

      «A cantiguiña qu' astra nos chega
    Conmovedora, doida, branda,
    E o feitizo d'istas ribeiras,
    A compañeira da nossa yalma,
    E o consolo das penas fondas,
    O pano limpo que enxuga as vágoas,
    O millor canto da nossa terra,
            E o _alalalaa!..._
      O meu cortexo veira da fonte,
    E n' unha noite de lua crara,
    Vendo que estaba cantando, estraida,
    Sonando amores, un _alalalaa..._
    Díxome logo qu' enchin á ola
    E cando ó pobo m' encamiñaba:
    --«Por Dios che rogo que cando estemos
    Os dous soliños, miña Mariana,
    Si é que non queres me volva tolo,
    Non mais entoes ise _alalalaa...;_
    Seica che deron iman as meigas,
    Seica che deron sua voz as fadas;
    Tí fasme dano, si é que me queres
    Miña xoiña, non cantes, cala.--»

      ¡Meu Dios! ¿qu' estrano é que se volvan
    Loucas d'amores as aldeanas,
    Si ti puxeches no chao gallego
    As melodias d' un _alalalaa?..._
    Ise lenguaxe do sentimento,
    Isa amorosa doida cántiga,
    Forte ó comenzo, tenra no tono,
    E lastimeira, cando s' apaga:
    E necesairo non ter no peito
    Un sentimento nobre, nin alma
    Pra que indifrente pódea escoitar-se
    Aló nas noites de lua crara
    Nista adourada bendita terra,
             Un _alalalaa..._

      Cando se queixan os paxariños,
    Cando murmuxan as frescas augas,
    Cando os prefumes do val s' esparxen,
    Cando sospiran as ledas auras,
    E cando as tristes campás d'a irexia
    Dobran ás animas,
    ¡Ay! que feitizos eiqui en Galicia
            Ten o _alalalaa..._

    VALENTIN L. CARVAJAL, _Espiñas, follas
    e frores_, p. 5. Ourense, 1876.


DOORA

      Unha nena abouraba ó seu cortexo,
    C'o ardente anhelo d'o primeiro amor:
    Na ansiedá d'os seus prácidos ensonos
    Falando á solas, con amante voz
    Decía: «¡Quen me dera pr'adouralo,
    Ter moitos..., pêro moitos curazós!»

      Amou constante e foi correspondida;
    Ela siguiu amando, il, olvidou:
    Cando sola se viu, cando perdera
    A fé sagrada d'o primeiro amor,
    Escramaba entre vágoas e sospiros;
    «¡Quen poidera vivir sem curazon!»

VALENTIN L. CARVAJAL, _Espiñas, follas e frores_, p. 14.


Á CARTA D' A GUERRA

      Unha probiña xente d'unha aldea,
    Sempre agardando carta d'un rapaz
    Que camiñou para a guerra, vindo as noites,
    Xa non fay outra cousa que chorar.
    Os coitadiños pensan que chorando
    Danll'a xoya que garda ó seu amor
    Ises consolos tenros que non teñem
    Os que levan ferido o curazon.

      Chega por fin ó cobizado dia,
    Ven o carteiro, dálles o papel,
    E sin perda de tempo, todos xuntos
    As sospiradas letras van leer:

      «Meus quiridiños pais: fólgome moito
    Si vostedes s'atopan oxe bos
    Cal desexo para min, (comenza asina,
    Di asina ó primeiro ringuilon.)
    Saberán que n'a guerra d'as Provincias
    Non hay mais que roinas e door
    E mortos, xa se ve unhos e outros.
    Vão sementando a morte c'os cañós.

     (Chegando eiquí, á nai toda afrixida
    A leutura d'a carta fay parar;
    Dinlle que cale..., ¡Pero quen afoga
    Os tristes sentimentos d'unha nay!)
    Siguen leendo: «Cando camiñamos
    Xa de dia ou de noute, sempre vou
    C'o pensamento n'isa pobre aldea
    Ond'a miña frorida edá pasou;
    Os soutos que no vrao lle prestan sombra,
    Seus regatos e montes vexo eiquí,
    Os ecos d'as campás d'aquela Igresia,
    Tránm'os ventos da terra onde nacin.
    Meus queridiños pais... ¡con que lenguaxe
    Os recordos me veñen á falar
    D'unhas cousas que falan d'outras cousas
    Que non podo nin sei adiviñar!
    .......................................
     Meus quiridiños pais, si é que m'esquece
    D'escribirlle á Sabela de Pitin,
    Díganlle que me queira é non me deixe,
    Díganlle que me queira é non me deixe,
    Que viva e teña amor soilo pra min.
    ¡Ay! aldeiña... ¡Cantas veces poño
    En ti o pensamento e curazon...,
    Eydos, montes e soutos de Caldelas,
    Lonxe de vos, eu morro de door!
    Adios, quiridos pais, que teño presa;
    Si poidera subir á xeneral,
    Cantas cousas lies dera o seu filliño
    C'oxe, coitado d'il, non pode dar.

     Adios, quiridos páis, hast'outro dia,
    A cantos lle pergunten que é de min,
    Diganlle qu'estou bó, denlle recordos,
    Canto queiran vostés ¡Adios!--_Xoaquin_.»

    (Unha carta d'a guerra, ó un tesouro
    Pr'a coitada xentiña d'o rapaz,
    Carta que dempois leen os veciños,
    O maestro y-o crego d'o lugar.)

    VALENTIN L. CARVAJAL, _Espinas, follas
    e frores_, p. 30.

       *       *       *       *       *


¡QUEN POIDERA CHORAR!

      Eu, chorei sendo neno, moitas veces;
    Pranto de pelras aquil pranto foi:
    Tiña forza n'os ollos, mais non tiña
           forza n'o curazon.
      Chorei dempois cando xa feito home
    Loitaba c'os delirios d'a pasion,
    Y-os meus ollos souperon o que eran
           As vágoas de door.
      Logo mais tarde, cando as penas fondas
    Deixáronme sin grorias nin pracer,
    Eu cobizei chorar, pero non tiven
           Mais que vágoas de fél.
      As mortas illusiós, os desenganos
    Consumiron a yalma c'o pesar;
    Pidínll'os ollos vágoas ¡ay coitado,
           Xa non puden chorar!
      Pranto dichoso, fonte de consolo,
    Xa pr'a min as tuas augas non virán:
    Cando c'os anos pérdense as legrias,
           ¡Quén poidera chorar!

    VALENTIN L. CARVAJAL, _Espinas, follas
    e frores_, p. 37.

       *       *       *       *       *


DOORA

    Dis que queres vivir pra gozar moito;
    ¡Ay probe nena! xuzgas que o pracer
    D'os teus primeiros xuveniles anos,
          Eterno pode ser;
      Hoxe vives no ceo, eres un ánxel,
    Sobre frores camiñam os teus pés;
    Mañan..., cando non vexas mais qu'espiñas,
          Cobizarás morrer.

    VALENTIN L. CARVAJAL, _Espinas, follas
    e frores_, p. 60.


PRELUDIO

(Trad. do Castelhano)

    O meu corazon soíño
    ê morada de cantares;
    nel agarimados viven
    coma no seu niño as aves;

      É cando a dôr os desperte,
    ou cando pracer os chame,
    encherán de sons alegres
    ou do tristesiña os aires.

      A guitarriña qu'eu toco
    sente como unha persona;
    unhas veces canta é rïe,
    outras veces xime e chora.

      A côr d'o teu rosto, nena,
    ê coma noite de lua,
    é a mata d'os teus cabelos
    o mesmo que noite escura.

      Cando á veiriña d'o rio
    lavas os teus pes de rosa,
    tembran d'amor as auguiñas,
    sospira o vento antr'as follas.

      Os cravos qu'en pes é mans
    lle puxeron al Señor,
    lévaos a nay afrixida
    cravados no corason.

      O mundo doum'un libro;
        é eu sou tan lerdo,
    que canto mái-lo estudio
        méno-lo entendo.

      Vay logo, é a tua nay dille
    si me despresa por probe,
    quro mundo da moitas voltas,
    que tamen se cân as torres.

      Quítate d'esa ventana
    é oye un consello, meniña:
    rosa que está ben gardada
    os paxáros non-a pican.

      Medin c'os ollos o ceo,
    sondey o fondo d'o mar;
    mais no corason d'os homes
    fondo non puden topar.

      A Dios un abogado
        lle imita n'esto;
    Dios fay todo de nada...
        é el fay un preito.

      Chistosa, churrusqueiriña,
    que sal espallando vas;
    ¿dí cómo espallando tanta
    non che s'acabou o sal?

     Queixéchesme cando tiben,
    xa non teño é das a volta;
    a campana t'asomellas
    que, si non lle dan, non toca.

     Nas ventanas d'esta casa
    un faro deben poñer,
    para que naide se estrelle
    na falsedá de vosté.

      Despois de feita, Dios quixo
    poñerch' un lunar por firma;
    c'o sello d'as gracias suas
    síñaloute esa cariña.

      O dia en que ti naceches
    cayeu do ceo um anaco;
    cando morras é aló subas,
    taparáse aquel burato.

      Un home cantaba un dia,
    dicind'o seu triste mal,
    qu'auga no mar non topara
    si por auga fosse ó mar.

      O verde dos teus olliños
    recordan o verde mar:
    ¡coitado d'aquel qu'os mire
    si non axeit'a á nadar!

      Cando d'auguiña saes,
        cara de estrela,
    O teu cabelo escuro
        longo te vela;
           tal coma un manto,
    qu'o teu seyo de rosas
        da dobre encanto.

      Neste ramo de froles
        que che presento,
    verás, lus dos meus ollos,
        un pensamento.
          E é, ¡miña xoya!
    qu'an que tí olvidar sabes
        de ti s'acordan.

      No rosal da miña vida
    loucas illusiós cantaron;
    o dôr tiroulle unha pedra...
    ¡ay de min! todas voaron.

      En este longo deserto
    moitiños de sede morren;
    eu triste unha fonte busco...
    ¡quén sabe donde s'esconde!

      No-mais q'unha foñte vin,
    e está sequiña, está soya;
    nin paxariños lle cantan,
    nin árbores lle dan sombra.

    D. VENTURA RUIZ AGUILERA, _Armonias
    y Cantares_, p. 145. Madrid, 1865.



                       CANTOS POPULARES GALLEGOS

       *       *       *       *       *


I

NADAL


(Tuy)

    Esta noite de Nadal
    Per ser noite d'alegria,
    Camiñando vay Xosé
    A mais a virxen Maria.
    Camiñan para Belen
    Para xegaren de dia.
    Quando a Belen xegaron
    Toda a xente dormia;
    Arrimaron-se a unha peña
    Ó pé d'unha fonte fria.
    San Xosé foi buscar lumbre,
    Até lumbre non tragia:

    --Abre las portas, portero,
    A Xosé e a Maria.
    «Estas portas son de ferro,
    Non s'abren até el dia.»
    Bajaron anxos del cielo
    Que rico lumbre tragian.

    Ap. _Romania_, t. VI, p. 260--1873.


II

A MORTE DE XESUS

(Tuy)

    Juebes santo, juebes santo,
    Tres dias antes de Pascoa,
    Quando o Redemptor do mundo
    Por seus disciplos xamaba;
    Xamaba por un e un,
    Dous e dous se lle xuntaba.
    Despois que os tiña xuntos,
    D'esta maneira fallaba:

    «Qual de vós, disciplos mios,
    Quer morir por mi mañana?»

    Miran uños para otros,
    Niun lle voltou palabra,
    Senon San Xuan Bautista,
    Padricador da montaña.
    A roda da meia noite
    Xesus Christo camiñaba;
    Levaba unha cruz a cuestas
    De madeira mui pesada;
    C'unha corda á garganta
    D'onde os xudeus puxaban:
    Cada puxon que lle daban
    Xesus Christo arrodillaba.
    Xegou ao Monte Calvario,
    Tres Marias a xorar:
    Unha era Madalena,
    Otra era sua irmana,
    Otra era virxen pura,
    Que mais passion lle daba;
    Unha limpaball'os pés,
    Otra limpaball'a cara,
    Otra recogia o sangre
    Que Xesus Christo derrama.
    O sangre que lle caía
    Caía en cal sagrado;
    O home que o bebese
    Será ben aventurado:
    N'este mundo será rei
    No otro santo coronado.

    Quen esta oracion disera
    Todos os vernes do anno,
    Gañaba un canto no cielo.
    Quen a sabe non a di,
    Quen a oye no a deprende,
    Dia do noso xuizo
    Berás que conto nos ten.

    Ap. _Romania_, t. VI, p. 260.


III

ROMANCE DE UN MAUREGATO

(Puente de Domingo Florez)

    Eu jungin os meus boisiños
    E leveinos á arada,
    E no medio do carniño,
    Acordóuseme a aguillada.
    Tornei e volvin por ela
    Topei a porta fechada.

    --Abreme a porta, muller,
    Ábreme a porta, malvada.
    «Eu a porta non cha abro
    Que estou facendo a colada.

    Rompin a porta pra dentro
    Fun por donde acostumaba,
    Subin pol-a escaleira
    Para coller a aguillada,
    Vin estar un gato roxo
    Debaixo da miña cama.

    --Que é aquelo, muller,
    ¿Que é aquelo, malvada?
    «É o gato do convento
    Que anda tras da nossa gata.

    Unha machado collin,
    Fun a ver se o mataba.

    «Qué fas, meu home, qué fas?
    Que a min me bates a cara?»

    _La Galicia_, t. IV, 126.

       *       *       *       *       *


IV

ROMANCE PICARESCO

    Vou a dar unha voltiña
    Da sala para a cociña,
    Que me pareu a muller,
    Voulle asar unha sardinha.

    Miña nai aqui ll'estou
    Desde o dia en que chegamos,
    Que sin non me lle esquenceu,
    Non lle estou atribucado,
    Foille un dia da semana,
    Do mes do presente ano.
    Ja lle dixen que no mar
    Déronnos queijo por rancho,
    Agua moura por almorzo
    Cando vimolos gabachos.
    Eu gomitei como un cocho,
    Non atravesei bocado,
    Inda que estribaba os pés
    Não estaba quedo o barco.
    Chegamos a Santander,
    E de cote nos cebaron
    Con arroz e pan desfeito
    Por que estabamos muy flacos.
    Cando gordos estivemos
    De Santander nos botaron
    Nun barco que era mui mouro,
    Era mui mouro aquel barco;
    Eralle un barco sin velas,
    E de cote fumegando;
    Tiña un forno con caldeiras
    Mais grandes que sete armarios,
    E unhos ferros daban volta
    Que iban zumbaleando,
    E por arte de virloque
    Ibamos todos andando.
    Diz que con agua fervendo
    Amáñan-se estes milagros:
    Miña nai, faga a esperencia
    Do que seria este barco
    Que eu por min teño dementres
    Que hade ser cousa d'encanto,
    Que seriam navoyeiros
    Aqueles homes tiznados.
    Déalle moitas memorias
    A Mingucho de Carballo,
    Á miña prima Marica
    Que me coide aquel boi branco,
    E que me garde tamen
    Por Dios e todolos santos
    Unha sardiñina femia,
    Porque acá todos son machos.

    _La Galicia_, 89.

       *       *       *       *       *


A SERRA DO RAÑO

(Cantiga das montañas)

    Alta serriña do Raño
    Ten moitas zarzas e penas,
    Donde o lobo fai o cocho,
    E os boutres berran nelas.

    Esta serra ten seus bosques
    Onde o lobo fai o cocho,
    E o corzo e o porco bravo
    A mais tamen o raposo.

    Se por ela pasa alguen
    Pode que se estemoreza,
    E pode que teña medo
    Que o lobo se lle apareza.

    Se certa a ser de noite
    Aló no mes de janeiro,
    Cando berra moito a loba
    Que anda ó casticeiro.

    Hai que ter un gran coedado
    Despois que ós corzos lles tiren
    Que hay ó Ponente un regato
    Pode ser que pra el biren.

    Está chea de carballos
    De uzes e de acibros,
    Por ali é donde están
    Os animais escondidos.

    Ten un calejo pequeño
    Aló na parte de riba
    Ali se arman as córdas
    Cando hai a montaria.

    Esta serra é moi fria
    Aló no tempo do inverno,
    Estan os boutres silvando
    Co o frio e con o helo.

    Aló pra beas do Norte
    Chamanll'o Pico de Vales.
    É o punto mais bonito
    Pra tirar ós animales.

    Pra se o Pico de Vales
    Máis pra fonte Jandaviña
    É pra donde o corzo e o porco
    Polo regular camiña.

    O calejo que já dixen
    Donde se arma a montaria
    Chamanlle Louseira Vélla
    Donde o lobo mais arrima.

    Desengaño ós cazadores
    Se algun hai que ó Raño veña,
    Que vaya ganar as costas
    E que se aparte da leña.

    Pol o Sur de esta serra,
    Pasa o camiño real:
    Mirar cando o ladronciño
    De dentro das uzes sal.

    Desengaño ó pasageiro
    Pase por el con coedado,
    Que nunca tuvo bon nome
    Esa gran costa do Raño.

    Porque já non é o primeiro
    Que d'entre das uzes sal,
    Por eso algun ladron
    Sofreo pena corporal.

    Estamos hoje no siglo
    Cando houbo un suceson,
    Que o verdugo puxo ali
    A cabeça de un ladron.

    Por estes feitos e crimes
    Que socederon no Raño,
    Polo amor que teño á gente
    Por eso a desengaño.

    Na cabeceira hai un marco
    Feito de unha pedra longa,
    Tres Auntamentos devide
    Monfero, Arauga, Irijoa.

    A sua gran fertuniña
    Devide gran estension,
    Se algun non o conoce
    É o marco de Pion.

    _La Galicia_, t. IV, 276.


AS TRES COMADRES


    Elas eran tres comadres,
    E dun barrio todas tres;
    Juntaron unha merenda.
    Para ir ó Santo Andrés.

        Con seconequé,
        Con el peregil,
        Con domine és,
        Con trispilistas,
        Con domine olé, olé
        Pola tua fé
        No souto d'Alberto
        De Jan Pirulé.

    Unha puxo trinta óvos,
    Para cada unha dez;
    Outra puxo unha empanada,
    De tres codos a otravés.

        Con seconequé, etc.

    Unha dixo: Vou por viño,
    Comadre, cánto traerei?
    Trai no máis canado e medio,
    Para volver outra vez.

        Con seconequé, etc.

    Unha dixo pola luna:
    Mira qué paniño ingrés;
    Outra dixo polo odre:
    Mira qué neno sin pés.

        Con seconequé, etc.

    Alá pola media noite
    Ven o marido de Inés,
    Pau a unha, pau a outra,
    Pau doulles, a todas tres.

    _Gallicia_, III, 240. Colligidos da tradição
    popular por José Lopez de la Vega.


SERRANILLA


    «Donde le dexas al tu buen amigo?
    Donde le dexas al tu buen amado?

        Ay, Juana, cuerpo garrido!
        Ay, Juana, cuerpo galano!

    --Muerto le dexo á la orilla del rio,
    Dexole muerto á la orilla del vaio.

        Ay, Juana, cuerpo garrido!
        Ay, Juana, cuerpo galano!

    «Canto me dás, volver he che le vivo?
    Canto me dás, volver he che le sano?

        Ay, Juana, cuerpo garrido!
        Ay, Juana, cuerpo galano!

    --Doyche las armas, y doyche el rocino
    Doyche las armas, y doyche el caballo[64].

        Ay, Juana, cuerpo garrido!
        Ay, Juana, cuerpo galano!


NOTAS DE RODAPÉ:

[64] Ap. Baret, _Les Troubadours_, p. 208; compara este canto moderno
com uma serranilha de el-rei D. Diniz.


VILANCENTE DO NADAL


    =1.º Pastor=:--Toquen us gallegos,
                   E canten os cregus;
                   Toca galleguiño,
                   Que nace o deusiño,

    =2.º Pastor=:--Eia, pues, tocae.

    =3.º Pastor=:--Nun queru.

    =2.º Pastor=:-- Queru eu,
                   Que Deus pode bir
                   Por bispo de Tuy.

    =1.º Pastor=:--Toquen as gaitas
                   Godois e Xan Ruy.

    =2.º Pastor=:--Ao neno cantáe
                   A Deus festexae,
                   Folgae e folgae!

    =3.º Pastor=:--Nun queru.

    =2.º Pastor=:-- Queru eu
                   Que Deus é gallego
                   Que nace entre bois.

    =1.º Pastor=:--Toquen as gaitas
                   Xan Ruy e Godois.
                   Festexae en pas
                   U rei garridiño
                   Que viste d'armiño

    =2.º Pastor=:--Nun cayas a dar
                   Voltas galleguiño,
                   Que chora o deusiño.

    =Todos=:--Toquemos, bailemos
                   Xunto adoremos
                   O neno que vemos.

    App.º 5 das _Trovas e Cantares_.


PLEGARIA A SAN ANTONIO

(Provincia de Lugo)


    Ana, pariu á Santa Ana,
    Santa Ana pariu á Virgen,
    Señora Santa Isabel
    Pariu á San Juan Bautista:
    Asin como estas cousiñas son certas,
    Meu señor San Antoniño de Padua,
    Eu lle pido é lle suplico
    Pol o libro en que leeu,
    Pol o cordon que cingeu,
    Pol a vision beatifica,
    Eu lle pido e suplico
    Que me libre á facendiña
    De raposo é de raposa,
    E de can é de cadela,
    E de lobo é de lobella,
    Con sete brazas darredor,
    Meu señor San Antoniño de Padua.
    Cun padre nuestro é unha ave-maria
        A miña facendiña
        Me gobernaria.

    _Gallicia_, IV, 105.

       *       *       *       *       *

    San Antonio bendito,
    Dádeme un home,
    Anque me mate
    Anque m'esfole.

    Ap. _Cantares gallegos_, p. 71.


(De Lugo)

    Arre cabaliño,
    Vamos a Belen,
    Que mañan é festa.
    Pasado tamen.

    Hoje é domingo
    Mañan dia santo,
    Y hoje me deito
    Mañan me levanto.

    Sale para fóra
    Cara de macaco,
    Tiroc'unha pedra,
    Fagoch'un buraco.

    Crou, crou,
    Chocos meus ovos,
    E logo vou
    Crou, crou.

    _Galicia_, IV, 107.

       *       *       *       *       *

    --Miñato miñato,
    «Que levas no plato?
    «Leite callado.
    --Quen cho callou?
    «Marica do rei.
    --Cala, cala,
    Que eu llo direi:


PARA AYUNTAR LA CHUVIA


    Vaite chuvia,
    Vente sol,
    Pol os campos
    D'arrebol.
    Que te chama
    Teu padriño,
    Para arrolal o miniño,
    Que che ha de dar,
    Pan e viño.

           *       *       *       *       *

    Cando chove e fai sol
    Anda o demo por Ferrol,
    Con un saco dalfileres
    Para pical as mulleres.


DICHOS COMMUNES

(Paroquia de Sola)


    Amiguiñas de Miguel
    Todas cargadas de mel,
    E de mel e de maduro,
    Ribirese don Gregorio del Mulo.

    --¿Que hai n'aquel tellado?
    «Un gato desfolado.
    --¿Qué hai n'aquella artesa?
    «Unha vella tesa.
    --¿Qué hai n'aquela horta?
    «Unha vella morta.
    --¿Qué hai n'aquel buratiño?
    «Unha campanilla.
    --¿E como fai?
    Tilin, tilin, tilin, tilin[65].

           *       *       *       *       *

    --Meu compadre veu?
    «Veu.
    --E que me trouxo?
    «Un cordonsiño
    --De que color?
    «De verde limon.
    Sopitaipon, de verde limon,
    Sopitaipon.

           *       *       *       *       *

          Miña Santiña,
          Miña Santasa,
          Miña cariña
          De calabasa.


    --Que está na rua?
    «Uma espada nua.
    --Que está detraz da porta?
    «Uma velha morta,
    --Que está n'aquelle ninho?
    «Um passarinho.
    --Que está n'aquelle telhado?
    «Um gato pingado.
    --Vamos inchotal-o?
      Sápe! sápe, sápe, sápe!
    Ei de emprestarbos
    Os meus pendentes,
    Ei d'emprestarbos
    O meu collar:
    Ei d'emprestarcho
    Cara bonita
    Si me deprendes
    A pentear.

    Ap. _Cantares Gallegos_.


    Fun ó muhiño,
    D'o meu compadre,
    Fun po-lo vento,
    Vin pó-lo aire.

    Isca d'ahi,
    Galiña maldita,
    Isca d'ahi
    Nô me mate-la pinta.

    Isca d'ahi
    Galiña ladrona,
    Isca d'ahi
    Pra câs de tua dona.

    _Ibid._


NOTAS DE RODAPÉ:

[65] VARIANTE PORTUGUEZA: (_Minho_).


ADVINACIONES

(Poenteareas)


    Chorin, chorin
    Trás torre andaba,
    Se a torre caia
    Chorin se alegraba.

           *       *       *       *       *

    Fun ó monte
    Prantei unha estaca,
    E o tiroliro
    Volven para a casa.

           *       *       *       *       *

    Vai para o monte
    Mira pra casa,
    Ven para casa
    Mira pro monte.

           *       *       *       *       *

    No monte nace,
    No monte se cria,
    Chegando á casa
    Nunca hai alegria.

      Terra branca,
      Semente negra,
      Cinco aradores
      E unha chabella.

           *       *       *       *       *

      Non está nado,
      Nin por nacer,
      Non é Dios,
      E pode ser.

           *       *       *       *       *

      Alto pepino
      Redondo molete,
      Que chova, que neve,
      Jamais se derrete.

           *       *       *       *       *

      Tacon sobre tacon,
      E tacon do mismo pano,
      Si no cho digo chora,
      Non acertas en un ano.

           *       *       *       *       *

    Estudiante lareiro
    Que estudias tras do lar,
    ¿Cando t'hei de ver lareiro
    Dal a volta no altar?

      Estudiante que estudias
      No arte da theologia,
      Dime, ¿que ave é aquella.
      Que ten peitos e cria?

           *       *       *       *       *

      Que cousa é cousa
      Que ten un dente,
      E chama por toda a gente?

           *       *       *       *       *

      Calza de ferro,
      Viste de liño,
      E tirase cun garabulliño?

           *       *       *       *       *

    ¿Qué cousa e que sempre anda;
    E nunca chega á casa de seu dono?

           *       *       *       *       *

      Tres pés con croa,
      Trepia son, tontona?

           *       *       *       *       *

      Qué cousa é cousa.
      Que pon o cu na lousa?

    _La Gallicia_, t. IV, 127.

    Mingo, Mingacho
    Cara de cacho,
    Bico de ovella
    ¿Quén che mandou
    Trebellar co a nena?
    Agora a nena
    Está barriguda;
    Juntall'os ovos
    Para a paridura.

       *       *       *       *       *


(Tradição do Valle de Valeije)

    Raposo, raposo
    Do cu piolloso,
    Non comal'o año
    De Pedro Castaño,
    Que vai na riveira
    Buscal'a manteiga
    Para a muller
    Que esta parideira,
    Na porta da eira
    Cun fillo varon,
    Chamado Anton,
    E entre tamaño
    Como un perillon.

    _Galicia_, t. IV, p. 6.

       *       *       *       *       *


(Pueblo de Orense)

    Padre nuestro pequeniño
    Lévame por bo camiño,
    Aló fun, aló cheguei,
    Tres Marias encontrei
    Preguntando por Jesus,
    E Jesu'staba na cruz,
    E na cruz e no altar
    Cos peiños a sangrar;
    --Ténte, tente Madanela,
    Non vos veñas lastimar;
    Que estes son os traballiños
    Que por vos ei de passar.

    _Ibid._

       *       *       *       *       *

    Santo que estás no canizo
    Tira castañas abaixo;
    Tira das mais graudiñas,
    Que ás pequenas non me baixo.

           *       *       *       *       *

    San Amaro era xastre
    Pero despois foi ladron,
    Non houve xastre no mundo.
    Que non roubase un calzon.

           *       *       *       *       *

    Unha vella fixo papas,
    E o pote botonllas fóra,
    Hay un ano que foi esto,
    E ainda hoxe a vella chora.

           *       *       *       *       *

    Señor San Juan de ortorio,
    Feito de pau d'ameneiro,
    Primo carnal dos meus zocos,
    Hirman do meu tabaqueiro.

           *       *       *       *       *

    A dar fé á un que morrera
    Foy un escribano torto,
    Mais él á poder de cruces
    Fixo parolar ó morto.

           *       *       *       *       *

    As costureiras d'ahora,
    Foron feitas ó sisel;
    Son amiguiñas dos homes,
    Como as avellas do mel.

           *       *       *       *       *

    O crego foi a o moiño,
    Meteu a cabeza dentro,
    Trouxo a fariña na croa,
    Para facer o formento.

    O crego foi ó moiño,
    E caeu da ponte en baixo,
    Acudi ó crego, nenas,
    Que vai pol o rio abaixo.

    Fun esta noite ó moiño,
    C'un fato de nenas novas,
    Elas todas en camisa,
    Eu no medio con cirolas.


MÁRGENES DEL MIÑO

(Salvatierra e Albeos)


    Meniña, ti el-o démo,
    Que me andas atentando;
    Que no rio, que na fonte,
    Sempre te encontro lavando.

    Eu ben cho dixeu, meniña,
    Eu ben te desengañei,
    Dixeuche que era casado,
    ¿Agora qué che farei?

       *       *       *       *       *

    Miña nai ten tres ovellas
    Todas tres mas ha de dar.
    Unha cega y outra coxa,
    Y outra que non pode andar.

    O casado casa quer,
    O solteyro no lla dan,
    O que hade ser casado
    Ha de saber ganar pan.

       *       *       *       *       *

    Por amor de vosso galo
    Treydora, mala viciña,
    Por amor de vosso galo
    Perdin a miña galiña.

       *       *       *       *       *

    Pol amor da vosa lengoa,
    (Malo rayo ne la fenda)
    Pol amor de vosa lengoa
    Perdin a miña facenda[66].

       *       *       *       *       *

    Moreniño, moreniño,
    Moreno como unha mora,
    Non sei que tén o moreno
    Que a todo o mundo namora.

    O cura chamoume rosa,
    Eu tamen lle respondin;
    Desas rosas, señor cura,
    Non as ten no seu jardin.

    A Castilla van os homes,
    A Castilla por ganar;
    Castilla queda na terra
    Para quen quer traballar.

    Meniña, ponte direita,
    Que teu pae te quer casar;
    Ben direitiña me poño,
    Que me non podo baixar.

    Sardiñas frescas do mar,
    Quén che me déra un milleiro,
    Pantrigo de Rivadavia,
    Nenas do chan d'Amoeiro.

    Adios, casa de meu pai,
    Con tódalas catro esquinas,
    Que pra min já se acabaron
    As entradas e salidas.

           *       *       *       *       *

    Teño unha nena no Porto,
    Outra no Riveiro d'Avia;
    Se a do Porto é bonita
    A do Riveiro lle gana.

    O Riveiro é alegre,
    Polo tempo da vendima,
    Que a vén faguer alegre
    As nenas daló d'arriba.

    Anque son daló d'arriba
    Anque son da Carrasqueira,
    Tamen sei bebei o viño
    Como os guapos da Ribeira.

    Cuidache porque era probe
    Que já me tiñas na man;
    Moitas cerdas ten un cocho
    E non sai de marran.

    A lua vae encuberta,
    Con panos de tafetan;
    Os ollos que me ben queren,
    Nesta terra non están.

    Casaivos, mozos, casaivos,
    Que as nenas baratas van;
    Vint'e cinco por un carto,
    Fiadas hastra o San Juan.


NOTAS DE RODAPÉ:

[66] Colligidas de Elfrich, _Aperçu des langues romaines_, p. 38-39.


MÁRGENES DEL SAR


    Tócan o tambor na guerra
    Tócan o moi avivado;
    ¡Coitadiña da miniña
    Que ten o amor soldado!

    ¡Canta rula, canta rula,
    Canta rula naquelle souto!
    Coitadiña da que espera
    Polo que está na man d'outro!

    Non me mate a pombiña
    Que está no arró da eira,
    Non me mates a pombiña,
    Que foi miña compañeira.

    Estrelíña do luceiro
    Dame a tua craridade,
    Quérolle seguir os pasos,
    Ó meu galan que se vaye.

    Heime de embarcar num barco
    Nun barquiño de papel;
    Andareime toda a vida,
    Para ver ó meu Manuel.


SATIRICAS


    Miña nai foi-me casar
    Prometeume bois e vacas,
    Cando me foi dal-o dote
    Deume unha cunca de papas,

        Sale para fóra
        Cara de macaco,
        Tiroch' unha pedra,
        Fagoch' um buraco.

        Sale para fóra,
        Deixame pasar,
        Tua nai é probre
        Non ten que me dar.

    A muller de Roquetroque,
    Non ten faldra na camisa,
    Si llo sabe Roquetroque,
    Non se hade ter co a risa.

    As señoras son bonitas,
    Porque teñen almidon:
    ¡Quén mas dera ver na eira
    Tirando polo ligon!

    Se ti viras o que eu vin,
    Indo pol-a carballeira,
    Vinte e cinco xastres juntos
    Cosendo n'unha monteira.

        Se ti viras o que eu vin
        O gato n'unha ventana
        Tocando n'um violin.

    Se ti viras o que eu vin,
    Na feira de Monterroso,
    Vinte e cinco estudiantes,
    A cabalo d'un raposo.

    Miña nai por me casar
    Prometeume canto tiña,
    Cando me foi dal o dote
    Pagoume c'unha galiña.

    A cama do crego é boa,
    Mais no médio tén un ai!
    A nena que n'ela dorme
    Ó reino de Dios non vai.

    _Galicia_, III, 242, 43.

       *       *       *       *       *

    Yo traijo tantos dobrones
    Como en la mano de dedos,
    Y la brona d'esta tierra
    No la comerán los perros.

    Teño tres cartos e medio
    Mettidos nunh agulleiro,
    Casa comigo rapaza
    Que teño moito dinheiro.

    Tráelo sombreiro torto
    Bén-o podes pôr direito,
    Que anque che son moreniña
    Eu a ti non me sujeito.

    Se fores a San Amaro
    San Amaro de Barouta,
    Se fores a San Amaro
    Bailarás con pouca-roupa.

    Bonitiña non cha sou,
    De fea non teño nada,
    Non me criou miña nai
    Para ti, cara lavada.

    Meu siñor San Adrian
    É un santo miragroso
    Pedinll'o un mozo bonito
    Doum'un barbas de raposo.

    Eu casar ben me casaba
    Recear ben o receo,
    Sinto d'andar preguntando
    A como val'o centeo.

    Caseime no mes d'Agosto
    Porque habia muito pan,
    O forno de miña sogra
    Cria o fieito no vran.

    Ainda che ei de botar unha
    Inda che ei de botar outra,
    Inda che ei de botar unha
    Que che ha de queimal a roupa.

    Por moiro que te presumas
    _Verbum caro factum és_,
    Non eres branco de cara
    E eres trenco dos pés.

    Adios ti, Pontenafonso,
    Non sei quen te acabará...
    Trinta anos me levache
    Flor da miña mocedá!
          _Alalala, lala, lala
          Alalala, lala, lá_.....

    _Galicia_, III, 218.


REDEDOR DE SAN ORENTE


    O cantar bergantiñan,
    O cantar de Bergantiños
    En Iallas é malhian.

    Manoeliño do vento,
    Quen me dera a min saber
    Donde tel-o pensamento!

    Tamen o gardar é bo!
    Sombreiro que o navio leva
    Era do pai do abó.

    Jacobiño de Fontan
    Quen che cobízal a morte
    Veñall' a sua, mañán.

    Tomasiña do Gamallo,
    Se non me caso contigo
    Nunca me verás casado.

    Adios meu diamante,
    Joguei contigo e perdin.

           *       *       *       *       *

    O galo canta co o dia
    Erguete meu ben e vaite;
    ¿Como me hei d'ir miña vida,
    Como me hei d'ir e deixarte?

    _Galicia_, III, 98.

       *       *       *       *       *

    Nós d'acá, e vós d'alá
    Somos tantos como vos;
    Nos comemos ó carneiro,
    Os cornos son para vós.

       *       *       *       *       *

    Señora Santa Lucia
    A do rio do Piñeiro,
    Tende conta co'a ermita
    Que non a leve o regueiro.

    Miña nai doume unha tunda
    Co aro d'unha peneira,
    Miña nai tende vergonza
    Da gente que ven da feira.

           *       *       *       *       *

    En ben vin estar ó crego
    Tendendo nos cuiriños;
    Dixeu entre Dios e min:
    Este crego ten miniños.

           *       *       *       *       *

    Se queres que vaya é veña,
    De noite pol o lugar,
    Manda cerrar a cadela
    Que non fai sinon ladrar.

           *       *       *       *       *

    O crego cando namora
    Logo promete almendriñas;
    Namorai, namorai cregos,
    Que vos nasan as nacidas.

           *       *       *       *       *

    Hei de vír e hei de ir
    Fala no cha hei de dar;
    Heite de facer moer,
    Como os barqueiros no mar.

    Eu arrolei a miniña
    Eu arrolei o amor,
    Eu arrolei a rapoza
    Outro levoulle o mellor.

           *       *       *       *       *

    Antoniño, Antoniño,
    Antoniño, meu amor,
    Antoniño queridiño,
    ¿Quén che levou o color?

           *       *       *       *       *

    Antoniño, gaxo de uvas,
    Vámoste depenicar,
    Eres amigo das mozas
    Tua nai vaite matar.

           *       *       *       *       *

    A miña muller é bella
    De bella non hade andar;
    Heina de por de cancela
    No portelo do lugar.

           *       *       *       *       *

    O zapato quel a media,
    A media quel o zapato,
    Tamen á guapa meniña
    Quer un rapaciño guapo.

    Asnos de vir á ver,
    Asnos de vir á buscar,
    Cantararnos, tocararnos
    Sacararnos á bailar.

           *       *       *       *       *

    Manuel, Manueliño,
    Manuel feito de cera,
    ¿Quen me dera ser o lume
    Que á Manuel derretera.

           *       *       *       *       *

    As mulleres que son boas
    Dios lle dé boa fortuna;
    Sarna con dolor de moas,
    Ortigas pol a cintura.

           *       *       *       *       *

    Heicho de dar quiridiña
    Heicho de dar que o teño,
    Heicho de dar queridiña,
    O anillo do meu dedo.

           *       *       *       *       *

    Mariquiña da forneira
    Onte tua nai coceu,
    Dame un bocado de bola
    Pol a nai que te pareu.

    Mariquiña da forneira
    Se coceres faíme un bolo,
    Se mo fai, faimo de trigo,
    Que centeo non cho como.

           *       *       *       *       *

    Arriba pandero roto,
    Arriba manta mollada,
    Que donde estámol os homes
    As nenas non valen nada.

           *       *       *       *       *

    Meniña, dille á teu pai
    Que se veña ver conmigo,
    Tanto é o que me debe,
    Que non me paga contigo.

           *       *       *       *       *

    Aloméame, aloméa
    Estrelliña, da fertura,
    Aloméame, aloméa
    Mentras que non ven a lua.

           *       *       *       *       *

    Non chas quero, non chas quero
    Navizas do teu naval;
    Non chas quero, non chas quero,
    Que me poden facer mal.

    Catro aves escollidas
    Son as que pasan o mar,
    O cuco e a golondrina,
    A rula e o paspallás.

           *       *       *       *       *

    A muller que ha de ser miña
    Ha de ter o cu de pau,
    A barriga de cortizo
    E o nariz de bacaláo.

           *       *       *       *       *

    A miña muller é bella,
    Heille de sacar o coiro,
    Para facer un pandeiro
    Para correr o antroido.

           *       *       *       *       *

    Amoriño non desprecies
    O probe pol o non ter,
    Que o rico pode faltar,
    E o probe non te querer.

           *       *       *       *       *

    Teño unha vaca á ganancia
    Que me deu o vinculeiro,
    Mais sobre todo, rapaza,
    Teñoche moito diñeiro.

    Achegate, dalle un bico
    En señal de casamento;
    Achegate que é ben rico
    Non no deixes descontento.

           *       *       *       *       *

    Baila quedo, baila quedo,
    Non me raches o mantelo,
    Coidaches que era de pana
    E echo de terciopelo.

           *       *       *       *       *

    Mellor quero ser pereira
    E dar peras e reperas,
    Do que ser a dama d'un xastre
    Que non ten sinon gadellas.

           *       *       *       *       *

    Catro cartos para pan,
    Tres e medio para viño,
    Un carto para tabaco
    Alá bai un realiño.

           *       *       *       *       *

    O primeiro amor que eu teña
    Hade ser d'un militar;
    Que anque non teña diñeiro
    Ten un polidiño andar.
    Alá arriba non sei donde
    Dicen hay non sei que santo, etc.

           *       *       *       *       *

    Indo eu non sei por donde
    Encontrei non sei con quen,
    Na porta do xame esquence,
    Non llo digas á nínguen.

           *       *       *       *       *

    Vinde ver o dote
    Que me dou meu sogro,
    Unha cabra cega
    E un carnero tolo.

           *       *       *       *       *

    Rapaciños de Castilla
    Tratade ben os gallegos;
    Cando van, van como rosas,
    Cando ven, ven como negros.

    _Galicia_, IV, 109.

       *       *       *       *       *

    Tocan o tambor na guerra,
    Tócano mui avivado;
    ¡Ai probiña da miniña
    Que ten o amor soldado.

    Vexo Vigo, vexo Cangas,
    Tamen vexo a Redondela;
    Vexo a ponte de San Payo,
    Camiño da miña terra.

           *       *       *       *       *

    Non hay cantiga no mundo,
    Que non teña seu refran,
    Nunca ningueu faga conta
    Senon do que ten na man[67].

           *       *       *       *       *

    As de cantar
    Que ch'ei de dar zonchos;
    As de cantar
    Que ch'ei de dar moitos.

    O meu corazon che mando,
    C'unha chave par'o abrir,
    Nin eu teño mais que darche,
    Nin ti mais que me pedir.

    Cantan os galos pr'o dia,
    Érgue-te, meu ben, e vaite.
    --Como m'ei d'ir, queridiña,
    Como m'ei d'ir e deixarte?

    Nosa Señora da Barca
    Ten o tellado de pedra;
    Ben o pudera ter d'ouro,
    Miña Virxe, si quixera.

    Con esta miña gaitiña
    As nenas ei d'enganar,
    Non sean elas toliñas,
    Non veñan ô meu tocar.

    Adios rios, adios fontes,
    Adios regatos pequenos,
    Adios vista dos meus ollos,
    Non sei cando nos veremos.

    Eu ben vin estar o moucho
    Enriba d'aquel penedo:
    Non che teño medo, moucho,
    Moucho, non che teño medo!

    Anque ché son da montaña,
    Anque ché son montañesa,
    Anque ché son, non me pesa.

    Si ó mar tibera barandas
    Forate ver á o Brasil;
    Mais ó mar ten barandas,
    Amor meu, por dond'ei d'ir?

    Hora, meu meniño, hora,
    Quen vos ha de dar á teta?
    Si tua nay vay no muhiño,
    E teu pai na leña seca?

    Mais ó que ben quixo un dia,
    Si a querer ten aficion,
    Sempre lle queda unha magoa
    Dentro do seu coraçon.

    Á rula que viudou
    Xurou de non ser casada,
    Nin pousar en ramo verde,
    Nin beber d'augua crara.

    Ahi tés ó meu coraçon
    Si ó queres matar ben podes,
    Pero como estás ti dentro,
    Tamen sí ti ó matas, mórres.

    Como chove mihudiño
    Como mihudiño chove;
    Póla banda de Laiño,
    Póla banda de Lestrobe.

    Miña santa Margarida,
    Miña Margarida santa,
    Tendes a casa no monte,
    Donde ó paxariño canta.

    Ap. _Cantares gallegos_.

       *       *       *       *       *

    Non quero zapatos curtos
    Porque s'enterran n'aréa,
    Non quero amores d'afóra
    Porque xa os teño na aldeã.


NOTAS DE RODAPÉ:

[67] Ap. Elfrich, _op. cit._ 38.


                                 FIM.



                                INDICE

                       PARNASO PORTUGUEZ MODERNO


          _Da Poesia portugueza moderna--suas transformações
                     e destinos_           I-LXIV


PARTE I

OS LYRICOS PORTUGUEZES

ALMEIDA GARRETT:
Os cinco sentidos                                                      3
Retrato                                                                4
Vibora                                                                 6
Este inferno de amar                                                   7
Quando eu sonhava                                                      7
Cascaes                                                                8
Destino                                                               11
Não és tu                                                             12
Goso e dôr                                                            13

A. F. DE CASTILHO:
Eu, Antão Verissimo e a Môsca                                         14

ALEXANDRE HERCULANO:
Mocidade e morte                                                      18

JOÃO DE LEMOS:
A Lua de Londres                                                      26

D. JOÃO DE AZEVEDO:
A vida                                                                29

A. X. RODRIGUES CORDEIRO:
Tasso no Hospital dos doidos                                          30

LUIZ AUGUSTO PALMEIRIM:
Luiz de Camões                                                        34

AUGUSTO LIMA:
Infancia e miseria                                                    38
Ás estrellas                                                          41

A. A. SOARES DE PASSOS:
O Firmamento                                                          42
Anhelos                                                               47

S.:
Uma Phantasia de Thalberg                                             50

ALEXANDRE BRAGA:
Ao Sol                                                                51

I. S. DA SILVA FERRAZ:
Hymno á Lua                                                           56

A. C. LOUZADA:
A vida                                                                59

HENRIQUE AUGUSTO:
A filha da moleira                                                    60

AUGUSTO LUSO:
A troca da minha lyra                                                 63

JULIO DINIZ (GOMES COELHO):
A esmola do pobre                                                     65

VISCONDE DE AZEVEDO:
Portugal velho no seculo xix                                          67

J. S. MENDES LEAL:
Ave! Cæsar                                                            70

R. DE BULHÃO PATO:
Se córas não conto                                                    76

ERNESTO MARECOS:
O doido                                                               78

THOMAZ RIBEIRO:
Morta                                                                 82

JOÃO DE DEUS:
A vida                                                                84
Adoração                                                              91
Sympathia                                                             92
A cigarra e a formiga                                                 93
O dinheiro                                                            94
Amores... amores                                                      96

ANTHERO DE QUENTAL:
A sombra                                                              98
Distico                                                               99
Outro                                                                100
Versos escriptos na margem d'um Missal                               100

THEOPHILO BRAGA:
Onda viva                                                            103
O sepulchro de Virgilio                                              106
Phrase de Miguel Angelo                                              110
O Prisioneiro                                                        111
Napoleão moribundo                                                   113

GUILHERME BRAGA:
As Mães                                                              121
Amigos                                                               122

LEGNEL DE SAMPAIO:
Platão                                                               123

ALEXANDRE DA CONCEIÇÃO:
N'um tumulo                                                          125
Dilemma                                                              126

J. SIMÕES DIAS:
Sic transit                                                          127

GUERRA JUNQUEIRO:
A benção da Locomotiva                                               128
O Urso branco                                                        129

JOÃO PENHA:
Novo Petrarcha                                                       131
To be, or not to be                                                  132

ALBERTO TELLES:
Stella Maria                                                         133
Distico                                                              136

SANTOS VALENTE:
Soneto                                                               136

GUILHERME DE AZEVEDO:
Falla a Ordem                                                        137
Soneto                                                               137

SOUSA VITERBO:
A Republica                                                          138
Hetairas                                                             139
Ao Sol                                                               140

CANDIDO DE FIGUEIREDO:
Trévas                                                               141

GOMES LEAL:
Ouro                                                                 142
A Canalha                                                            143

BETTENCOURT RODRIGUES:
Ao combate                                                           147

CLAUDIO JOSÉ NUNES:
Um Heroe                                                             150

LUIZ DE CAMPOS:
Esposa, filha e mãe                                                  152


PARTE II

OS LYRICOS BRAZILEIROS

ALVARES DE AZEVEDO:
Sonhando                                                             157
Soneto                                                               160
Lembrança de morrer            »
No dia do enterro de ***                                             162
Trindade                                                             165
Se eu moresse ámanhã                                                 166

GONÇALVES DIAS:
Pedido                                                               167
Lyra                                                                 168
O Somno                                                              169
Meu anjo escuta                                                      170

CASIMIRO DE ABREU:
Amor e medo                                                          172
Na rêde                                                              174

JUNQUEIRA FREIRE:
Martyrio                                                             176
Tambem ella                                                          177

GONÇALVES MAGALHÃES:
A flor Suspiro                                                       179

FAGUNDES VARELLA:
Lyra                                                                 180
O mesmo                                                              181
Serenata                                                             182
Estancias                                                            184
O canto dos Sabiás                                                   186

CASTRO ALVES:
O adeus de Thereza                                                   188
Immensis orbibus anguis                                              190
Quando eu morrer                                                     192
Os perfumes                                                          193

JOAQUIM SERRA:
Rasto de sangue                                                      195
A minha Madona                                                       197

SOUSA PINTO:
As duas Escravas                                                     198

BERNARDO GUIMARÃES:
Cantiga                                                              200

MACHADO ASSIS:
Quando ella falla                                                    202
O leque                                                              203

BRUNO DE SEABRA:
Laura                                                                204

LUCIO DE MENDONÇA:
A protecção dos reis                                                 206

NARCISA AMALIA:
Fragmentos                                                           207

BETTENCOURT SAMPAIO:
Ai de mim                                                            208

DIAS CARNEIRO:
A --                                                                 209

VIEIRA DE SOUSA:
O passeio                                                            211

F. DE MATTOS:
Meus anhelos                                                         213

FRANCO DE SÁ:
Um amor                                                              214
Quem sabe? talvel?                                                   215

FILGUEIRAS SOBRINHO:
O amor um dia nos prendeu, querida                                   217

GONÇALVES CRESPO:
A sésta                                                              219

QUIRINO DOS SANTOS:
O filho da lavandeira                                                221

OCTAVIANO HUDSON:
As crianças                                                          223

CANTOS POPULARES BRAZILEIROS:
I Chacara do Cego (Ceará)                                            225
II Chacara de D. Jorge (Ceará)                                       227
III Chacara de Flores-Bella (Ceará)                                  229
Lunduns e Modinhas (Pará, etc.)                                      232
Batuque dos Cururueiros (Cuyabá)                                     235
Desafio dos Cururueiros (Cuyabá)        »
Chula (Ceará)                                                        237
Sarabanda (Ceará)                                                    238


PARTE III

OS LYRICOS GALLEGOS

D. ROSALIA CASTRO DE MURGUÍA:
Airiños, airiños, aires                                              243
Cantar gallego                                                       247
Cantan os gallos pr'ó dia                                            249
Un repoludo gaitero                                                  252

ALBERTO CAMINO:
O desconsolo                                                         254

VALENTIN CARVAJAL:
O Alalalaa                                                           256
Doora                                                                259
A carta d'á guerra                                                   260
Quen poidera chorar                                                  262
Doora                                                                263

RUIZ AGUILERA:
Preludio                                                             264

CANTOS POPULARES GALLEGOS:
I Nadal (Tuy)                                                        268
II A morte de Xesus (Tuy)                                            269
III Romance de un Mauregato (Puente de Domingo-Flores)               271
VI Picaresco                                                         272
A serra do Raño                                                      274
As tres Comadres                                                     277
Serranilla                                                           279
Vilancete do Nadai                                                   280
Plegaria a S. Antonio                                                281
Perlengas                                                            283
Dichos communes                                                      284
Adiviñaciones                                                        287
Jogos e Plegarias                                                    290
Márgenes del Miño                                                    293
Márgenes del Sar                                                     296
Satiricas                                                            297
Rededor de San Orente                                                301
Serenatas con alalalaa                                               302



ERRATAS


PAG.   VERSO       ERRO           EMENDA
 20      16      apodrerido      apodrecido
108      20      Longe           Longo
110       1      Da tua          Da
118      13      Impossivel      Impassivel
119      24      jocundot        jocundo,
127      13      perguntou       pergunto
130      16      trigues         tigres
132      15      em              que
181       3      na              no
190       4      calibri         colibri



Algumas edições da Livraria Editora GUIMARÃES & C.ª


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  Duas Almas       6$00


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  A Mulher de uma Noite      6$00
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