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Title: Verdadeiro metodo de estudar (Vol. I)
Author: Verney, Luís António
Language: Portuguese
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*** Start of this LibraryBlog Digital Book "Verdadeiro metodo de estudar (Vol. I)" ***
(VOL. I) ***



                               VERDADEIRO
                                 METODO
                              DE ESTUDAR,

                                  PARA
                   Ser util à Republica, e à Igreja:

                             PROPORCIONADO
                  Ao estilo, e necesidade de Portugal.

                                EXPOSTO
       _Em varias cartas, escritas polo R. P._ * * * _Barbadinho
               da Congregasam de Italia, ao R. P._ * * *
                  _Doutor na Universidade de Coimbra._

                             TOMO PRIMEIRO.

                             [Illustração]

                                VALENSA
                      NA OFICINA DE ANTONIO BALLE.
                             ANO MDCCXLVI.
                _COM TODAS AS LICENSAS NECESARIAS, &c._



                          _AOS REVERENDISIMOS_

                            PADRES MESTRES,

                   DA VENERAVEL RELIGIAM DA COMPANHIA
                               DE JEZUS.

                   _No Reino, e Dominio de Portugal._



                             ANTONIO BALLE

                        OBZEQUIOZAMENTE SAUDA.


Saiem à luz, Reverendisimos Padres, as cartas eruditas, de um autor
moderno: as quais até agora corrèram manuscritas, por algumas maons:
mas chegando às minhas, e conhecendo eu, que podiam utilizar a muitos,
me-rezolvi impremi-las. O argumento delas é este. Certo Religiozo da
Universidade de Coimbra, omem mui douto, como mostra nas suas cartas;
pedio a um Religiozo Italiano, seu amigo, que vivia em Lisboa; que
lhe-dèse algumas instrusoens, em todo o genero de estudos. O que o dito
Barbadinho executa, em algumas cartas: explicando-lhe em cada-uma,
o que lhe-parece: e acomodando tudo, ao estilo de Portugal. Este
autor escreveo-as, sem nem menos suspeitar, que se poderiam impremir:
como consta de alguns periodos destas, que nam impremi; e de outras
que conservo, em que declara com mais individuasam, o motivo desta
conrespondencia: e explica varias coizas, que aqui nam se-acham. Onde,
para consolar o dito autor, que nam sei se ainda vive, e fazer o que
dezejava; nam impremi senam as que me-parecèram necesarias: e ainda
nestas ocultei os nomes dos conrespondentes, e de algumas pesoas,
que nelas se-nomiavam: parecendo-me justo e devido, nam revelar
os segredos, das conrespondencias particulares: principalmente,
quando podia conseguir o fim, de utilizar o Publico, sem prejuizo de
terceiro. As cartas encadeiam tam bem umas com outras, que se-podem
chamar, um metodo completo de estudos. podem servir para todos; mas
especialmente sam proporcionadas, ao estilo de Portugal: pois este
era o fim do autor. Protesta ele nas mesmas cartas ineditas, que nam
dera em varias coizas, melhor metodo; porque temia, que o seu amigo
mostráse as cartas, a pesoas preocupadas: as quais nam fariam nada,
se lhe-aconselháse tudo, o que praticam em outros Reinos: e que por
iso se-acomodava ao gosto, do paîz em que estava. E nam cesava de
encomendar-lhe, que as-nam-lese a omens, que interpretasem mal as suas
palavras; e as-aplicasem, a outro sentido.

E querendo eu agora impremir estas cartas, a quem as-devo dedicar,
senam a VV. RR.? Prezumo, e com muita razam, que se o autor ouvèse
de publicar estes escritos, a ninguem mais os-ofereceria, que a esa
sagrada Religiam: visto mostrar a cada paso, o respeito e venerasam,
que lhe-profesava. E sendo eu nam menos propenso, e obrigado a toda
a Companhia; quero tambem mostrar-lhe o meu reconhecimento, nesta
pequena oferta. Se a minha posibilidade dèse mais, mais faria: mas as
forsas nam conrespondem aos dezejos: e VV. RR. costumam estimar mais a
vontade, que as ofertas. Alem diso, por todos os titulos deviam estas
cartas, ser consagradas ao seu nome. Sam VV. RR. aqueles, que só podem
ajudar, os pios dezejos deste autor: aqueles, que só tem forsas, para
iso: e finalmente aqueles, que mais que ninguem dezejam, o adiantamento
da Mocidade, e se-cansam, para o-conseguir. Acrecento, que o autor
confesa, que tudo aprendèra, com a diresam desa Roupeta, e polos seus
autores. E asim, torno a dizer, por todos os titulos estes livros,
se-lhe-devem dedicar.

Quam oportuna ocaziam se-me-oferecia agora, de referir os louvores
desa veneravel Religiam, se a moderasam, e umildade de VV. RR. nam
me-tapáse a boca! Quem tem dado mais, e mais ilustres escritores a
ese Reino, que a Companhia? Quem tem promovido com mais empenho os
estudos, que os seus mestres? Onde florecem as letras com mais vigor,
que nos seus Colegios? Que omem douto tem avido em Portugal, que nam
bebèse os primeiros elementos, nas escolas desa Religiam? Nam leio as
istorias dese Reino, e Conquistas, que nam veja a cada paso, exemplos
memoraveis, da grande piedade, da suma erudisam, do inexplicavel zelo
dos seus Religiozos! VV. RR. que abrîram no-Oriente as portas, ao
Evangelho, tem trabalhado com tal empenho, na vinha do Senhor; que
se contamos somente os Povos convertidos, tem conquistado para a Fé,
e tambem para o Reino, imperios vastisimos. Nem sei a quem atribua
maior gloria: se às armas vitoriozas dos Portuguezes, no Oriente; se
às pias exortasoens, e fadigas, dos seus Misionarios. Mas se é mais
gloriozo o triumfo, que se-consegue sem sangue, somente com a forsa
da eloquencia, sem prejuizo dos Povos, e com grande utilidade da
Republica: ficam VV. RR. muito mais gloriozos, que os mesmos ilustres
Generais Portuguezes; pois conseguîram a vitoria, nam dos corpos, mas
dos animos. Vencèram VV. RR. nam derramando o sangue dos outròs, mas o
proprio: e com ele escrevèram o seu nome, nam só nos livros da fama,
e destas istorias caducas; mas no-mesmo livro da-vida: e levantáram
um padram naquela patria, em que as virtudes se-estimam: premeiam-se
dignamente os servisos: e a gloria dos vitoriosos nam morre. Nam
me-volto para a Africa, para a America, que nam veja os Religiozos da
Companhia, convertendo os idolatras, ajudando os fieis, ensinando a
todos. Aî mesmo em Portugal, quem á que nam seja obrigado, à Companhia;
e nam experimente os influxos, desa benigna Religiam? Quem ja mais
chegou, a uma das cazas desa Religiam, para buscar um confesor, a
qualquer ora da noite; que nam ficáse consolado? um Pregador, para
qualquer festividade; que nam fose obedecido, ainda sem interese?
quem foi pedir conselho, em materias de conciencia; que nam tivese
promta resposta? quem quiz um parecer escrito, em qualquer materia
que o-quizese; que nam tornáse satisfeito? Se olho para as prizoens,
vejo os Religiozos da-Companhia consolando os aflitos, procurando
os livramentos, confesando, e confortando a todos. Se olho para as
prasas, e ruas publicas, vejo os mesmos Religiozos, doutrinando os
ignorantes, excitando a emulasam nos-meninos, atraindo com suave
maneira os que pasam, para ouvirem a verdade Evangelica. Se olho
para as igrejas, vejo-os frequentes no confesionario, exortando os
fieis em dias determinados, exatisimos nas funsoens divinas, que
celebram com toda a magnificencia, e devosam. Se olho para as escolas,
vejo-os ensinando aos meninos com grande amor, e paciencia, nam só
as letras, mas a piedade, que em toda a ocaziam lhe-inspiram. As
mesmas portarias das suas cazas, ensinam com o exemplo; nos muitos
martires, e doutos, que nelas vemos pintados; que muda, mas eficazmente
persuadem, seguir a mesma estrada: e ensinam com a doutrina, nos
livros que nelas incontramos, que suavemente inclinam a vontade, para
abrasar a vida perfeita. Finalmente se olho para qualquer Religiozo da
Companhia, vejo o retrato da continencia, da moderasam, da mansidam,
da afabilidade, do respeito: coizas que me-infundem um sagrado terror.
Bemdita Religiam, em que o Prelado nam se-distingue do Sudito, senam
em ter mais trabalho, e suportar o pezo, do governo economico. Ninguem
aspira aos governos: ninguem busca meios de conseguilos: sinal certo,
que se-administram com os olhos em Deus, e na sua obrigasam. Nam á
distinsam de magisterios: nam á izensam de graos. O mesmo que ensina
a Teologia na cadeira, ensina o catechismo nas prasas: o mesmo que
confesa os Grandes, confesa os Pequenos: o mesmo Prelado que manda
aos mais, obedece, e serve nas ocazioens a todos. Finalmente todos
conspiram, para dar gloria a Deus, utilidade ao proximo, e servir no
que podem à Republica.

Nam quero trazer à memoria, o que esa sua Religiam tem feito, e faz,
nas mais partes da Europa Catolica. Deixo de parte, a inviolavel
uniam que sempre teve, com a Sé Apostolica: e as persiguisoens, e
censuras criticas, que tem sofrido por esa cauza. Nem menos falo na
gloria, que rezulta à Companhia, de ver que tantas Religioens, e
Congregasoens, que se-fundáram despois dela, todas a-tem tomado por
treslado: e nam julgam merecer com justisa, os louvores dos omens pios,
senam quando se-avizinham mais, ao seu instituto. Este é um milagre
continuo daquele bemaventurado espirito, que la no-Ceo está sempre
pedindo a Deus, pola propagasam, e aumento da Religiam que ca deixou:
unir tantas vontades, para imitarem uma Religiam, que nam conta longa
serie de seculos, mas que é a mais moderna, entre as famozas. Nam,
nam quero referir mais singularidades. Intraria na verdade em uma
materia vastisima, que me-daria argumento, para muitos e dilatados
panegiricos; mas excederia os meus limites. Só considero, o que faz em
Portugal, e o que pratîca no seu dominio. Estas coizas ocupam de sorte
a minha ideia, e admirasam, que me-nam-permitem considerar o demais,
aindaque seja grande e singular. Nem tem que me-dizer, que as outras
Religioens sagradas todas se-cansam em obzequio da Igreja: ensinam
muito, e edificam muito. Confeso, que todas tem as suas singularidades:
todas merecem ser louvadas: todas dam gloria a Deus, e servem à
Igreja: mas cadauma no seu genero. Nam vejo alguma, que tenha todas
as prerogativas, que se-acham juntas, na Religiam da Companhia: e que
as-pratique, nam por vaidade, nam por outro interese mundano; mas por
amor de Deus, e por caridade do proximo. Estam todos os Portuguezes
tam persuadidos, desta verdade, que quem quizese dizer o contrario,
serîa publicamente escarnecido. Os mesmos Monarcas de Portugal, que
sabem justamente estimar a Virtude; nam costumam intregar, a diresam
da sua conciencia, senam aos Religiozos da Companhia. Desde que
VV. RR. intráram neses Reinos, conspiráram todos eses Soberanos a
reconhecèlos, como prudentisimos diretores, da conciencia dos omens:
e por iso os-elegèram, para seus Confesores. Os Principes, a Caza
Real, os Grandes, a maior parte dos omens de letras, e empregos, todos
praticam o mesmo. Nam é posivel, que se-inganem tantos omens, de
diferentes gerarchias, e de incontrados intereses, sem que os-obrigue
a experiencia, e a verdade. Em todos os seculos, e entre todos os
omens de juizo, o consenso de todos, foi argumento irrefragavel,
da evidencia. Todos os omens prudentes louvam a VV. RR. todos
os-engrandecem, todos os-buscam, todos se-servem das suas prendas, e
virtudes: E asim sam VV. RR. tais como eles intendem.

Mas eu PP. RR. ja saî fóra do-meu argumento. Comesei uma carta, e
acho-me engolfado em um elogio: caî naquilo mesmo que dezejava evitar.
Nam sei se ofendi a sua moderasam, com as minhas expresoens: que é
verdade que nacem do corasam, e sam proferidas com toda a sinceridade,
de um bom amigo; mas emfim sam elogios. Nam obram VV. RR. polos
louvores: mas por um fim mais alto, mais grande, mais admiravel. Nam
obram bem para o-parecerem, e paraque todos o-conhesam; mas porque o
seu instituto asim obriga: asim foram criados: vivem persuadidos diso
mesmo: e nam podem obrar de outra sorte. Este é o elogio, que aquele
encarecido Romano[1] deu la, ao seu Catam Uticense, com adulasam
excesiva: mas que eu intendo, que só se-pode aplicar a VV. RR. nam
com lizonja, mas com verdade notoria; porque o-digo publicamente, e a
todo o mundo. Asim é, nam obram bem os Religiozos da Companhia, para
agradar ao mundo, e conseguir os seus louvores: e dejando eu fazer-lhe
a vontade, nam devo opor-me aos seus dezejos. Verdade é, que falando
desa Religiam, dificultozamente podia deixar de expremir, alguma
coiza do que intendo. Mas VV. RR. nam mo-permitem; eu me-desdigo, e
dou por nam dito, quanto até aqui tenho significado. Só digo, que
lhe-ofereso, e dedico as cartas de um autor, que conforme julgáram os
omens doutos, que as-lèram, conheceo o verdadeiro modo de estudar: e
para o-conseguir, deu excelentes doutrinas: e quem as-ler com animo
dezapaixonado, e tiver voto na materia, achará nelas tudo o que é
necesario, para aquistar o bom gosto literario; quero dizer, um juizo
critico, que ensine abrasar somente o que se-deve, em todo o genero
de estudos. Acho nelas algumas vezes, certas palavras, e diversidade
na uniam dos-Pronomes, e outras particulas com os Verbos &c. conforme
o idiotismo Italiano; que o autor pode ser que mudáse, se lhe-puzese
a ultima mam: porque me-parece, que era bem informado da-lingua
Portuguesa, e nam pecou por-ignorancia. Mas se nelas á algumas coizas
que emendar, e acrecentar, quem melhor o-pode fazer, que VV. RR. Comque
ponho-as nas suas maons, e ofereso-as ao seu criterio: e só direi o que
me-pertence, a cerca da prezente edisam.

O autor segue uma Ortografia particular, (que eu, movido das mesmas
razoens, abrasei) e que ainda nam está bem recebida, nese Reino: e
asim para nam parecer novidade, será precizo ler as cartas, como
se-acham impresas: observando bem a primeira, na qual dá razam, da sua
Ortografia. Mas como em outras cartas explica varias coizas, que aqui
nam se-acham; devo declarálas, paraque os leitores formem conceito,
das opinioens do autor. Em certa carta, escrita entre a primeira, e
segunda do primeiro tomo, diz, que nam obstante que disèse[2], que a
linha se-pode pór entre as disoens, para evitar os equivos: v.g. na
particula _por_, quando significa _cauza_, para a-distinguir do-verbo
_pòr_: ou tambem nas particulas _no_, _do_, _da_; para as-distinguir
dos sustantivos _nó_, _dó_, e do verbo, _dá_, _dás_: Contudo observando
ao despois, que podia embarasar os principiantes, ver as linhas nestas
particulas, que sam frequentes; julgára mais acertado, tirálas das
ditas particulas: como tambem de todas as terminasoens plurais dos
verbos: v.g. _disera-mos_, _amaria-mos_, _quizer-mos_, _fizer-des_
&c. pola razam que estas terminasoens sam mui frequentes, e todos
as-intendem mui bem. Acrecenta, que tambem nam se-deve pòr, naquelas
palavras e verbos, em que se-acrecenta uma letra, para evitar a uniam
de vogais, que fasam equivocos, v.g. _fazèla_, quando vale o mesmo,
que _fazer-a_, isto é, _fazer esa coiza_. Tambem quando se-introduz o
pronome no verbo: v.g. _dirmeám_, que vale o mesmo que, _diram-me_:
_falosîa_, _obrigalosîa_, que muitos escrevem mal asim; _falos-ia_,
_obrigalos-ia_: porque a dita palavra compoem-se destas: _faria-os_,
_obrigaria-os_: acrecentando um _l_, para facilitar a pronuncia
das-vogais: onde separando, _ia_, separam uma parte necesaria da
palavra, e fazem erro. Nestes cazos diz, que basta o acento em
_fazèla_, _dirmeám_, _obrigalosîa_. Aindaque na primeira e semelhantes,
quando sam imperativos, _faze-la_, _quere-la_ &c. que valem, _faze-a_,
_quere-a_; nam reprova que se-ponha a linha, para mostrar que é
esdruxola, e que se-pronuncîa diferentemente. Asimque para facilitar
a Ortografia, somente deixa as ditas linhas nestes cazos. I. Na uniam
dos pronomes com os verbos, ou das particulas que servem de pronomes,
e sam diferentes das terminasoens dos verbos: v. g. _fazemos-lhe_,
_lhes-fazem_, _nos-dizem_, _dizem-no_, _o-dizem_, _as-querem_. II. Nos
verbos impesoais, que unem com o reciproco: _fazem-se_, _chamam-se_,
_se-nam-fazem_: ou tambem nestes; _nos-explicarmos_, _nos-virmos_ &c. e
outras unioens semelhantes: como no verbo á quando une com a particula
se: porque sempre se-pronuncîa unido: _se-á-de_, _ám-de_ &c. Tudo isto
advertîra confuzamente, no lugar apontado: mas aqui o-explica melhor.
E com efeito tendo escrito com as linhas, as primeiras trez cartas,
nas seguintes observa as regras, que aqui dá. E devendo eu, ou tirar as
linhas de todas, ou polas em todas, para proceder coerente; segui esta
segunda parte: aindaque em algum plural de verbo, alguma vez a-nam-puz.
A quem nam agradar, observe as regras que o noso autor dá; que eu
tambem observo.

Adverte na mesma carta o autor, que serîa utilisimo, que os omens
doutos, seguindo a regra da pronuncia, puzesem _i_ em muitos verbos,
e nomes que deles nacem, que se-pronunciam geralmente com _i_; e
nam se-podem pronunciar com _e_, sem se-esforsar: v.g. _emprestar_,
_engrandecer_, _envergonhar_ &c. Diz porem, que ele só o-praticou
em poucos, e mais comuns, v.g. _intrar_, _incontrar_, _inganar_,
_intender_, _ingenhar_, _importar_, _informar_, e algum outro
rarisimo. O que fez, para nam escandalizar de um jato os leitores,
pouco informados destas coizas: mas aconselhava, que pouco a pouco
se-introduzisem com _i_. Como tambem se-escrevesem com _e_, alguns
infinitos, v.g. _admetir_, _permetir_, _defirir_, &c. nam obstante se
pronunciarem com _i_, os prezentes &c.

Em algumas partes, de duas ou trez palavras compoem o autor uma só:
_damesma_, _contantoque_, _namobstanteque_. Outras vezes escreve-as
separadas: _com tanto que_, _nam obstante que_, &c. o que eu conservei
na impresam. Mas diz o autor que o-fez, para mostrar, que se-podem
unir, e separar, como cadaum quizer: O que fazem os seus Italianos, em
varias palavras; e os mesmos Latinos em _paulo minus_, _nihilo minus_,
_quam ob rem_, _et enim_ &c. que escrevem ou separadas, ou juntas, como
lhe-parece mais elegante. Mas o noso autor comumente escreve-as unidas.

Algum erro de Ortografia segundo os tais principios, se-cometeo nesta
edisam: o que moralmente nam se-podia evitar, nam sendo o mesmo autor,
o que correge a impresam. Estes parece-me que se-podem reduzir, a
varios capitulos. I. Puzeram algumas vezes acento agudo, em lugar do
grave; e polo contrario: o que o autor distingue mui bem. II. Falta
o acento em algumas palavras, em que o autor costuma polo, ou para
evitar equivoco, ou para facilitar a pronuncia: v.g. _serîa_, verbo;
e _seria_ adjetivo: _escrevèram_, preterito remoto; _e escreverám_,
futuro: _fórma_, nome da escola; e _forma_, nome de artifice: &c.
aindaque neste particular o contexto, comumente tira o equivoco.
III. Acha-se alguma linha, em parte onde nam devia, ou falta onde
devia: mas sam cazos mais raros. IV. Varias vezes escrevèram _i_, por
_e_, em _admitir_, _defirir_, _prefirir_, _permitir_ &c. que o autor
sempre escreve por _e_, _admetir_ &c. conformando-se, segundo diz,
com a pronuncia comua, e facil, que sempre exprime o _e_, tirando
em bem poucos. Polo contrario puzeram tambem e por _i_, em _ingano_,
_incontrar_, _intrar_, _inganar_ &c. que o autor sempre escreve por
i, pola mesma razam da pronuncia. V. Falta alguma virgula onde devia
estar, segundo os principios do autor: e alguma se-acrecentou. VI.
Dividîram algumas palavras mal no-fim das regras: v.g. _min-ha_,
_con-heso_, _mel-hor_, _ba-sta_, &c. devendo porem o _n_, e _l_
das primeiras unir-se com _h_; e o _s_ da segunda com o _a_. Em
_inco-gnito_, _per-spetiva_, e outras poucas que tem origem Latina,
ou sam quazi Latinas; intendo que è melhor, dividilas nesta fórma,
seguindo o estilo Latino.

Estes erros sucedèram mais frequentemente, nos principios de ambos
os tomos, que se impremiam juntos: tempo em que o corretor nam tinha
toda a noticia, da Ortografia do autor. Mas como os ditos erros nam
pervertem o sentido do-discurso; por iso os-nam-apontei nas erratas.
E asim só apontei aqueles, que me-parecèram que mudavam o sentido,
ou que eram totalmente contrarios, ao estilo do autor, ou comum da
dita lingua. Com as reflexoens que aqui aponto, pode o leitor cortez
emendàlos, quando s’incontrarem: tendo à vista esta regra: Que
achando-se diversidade em alguma palavra, que às vezes tem uma letra, e
n’outras ocazioens letra diferente; observe o que é mais frequente; e
saiba, que iso é o que o autor aprova.

Advirto alem disto, que os que impremîram o primeiro tomo, nam tinham
U vogal maiuscolo pequeno, e asim servîram-se deste U, para vogal; e
d’estoutro V, para consoante. No segundo tomo comumente se-distinguem
na figura. Tambem advirto, que a minha imprensa nam tinha estas duas
linhas =, para pòr no-fim da-regra, na divizam forsada das-palavras:
(o que serîa necesario para distinguir, o que o autor aponta, na
primeira carta) e asim puz somente, a linha simplez. O que advirto
ao leitor, paraque nam estranhe, faltarem aquelas duas linhas, que
o autor encomenda, e pratîca: aindaque com uma só linha, muito bem
se-conhece, e distingue o sentido. Finalmente advirto, que puz alguns
titulos das materias, no corpo de algumas cartas. v.g. na da Gramática,
Medicina, &c. o que fiz, para facilitar a inteligencia aos leitores,
e distinguir as materias. Isto é, RR. PP. o que tenho que advertir
nesta carta, sobre a impresam, e inteligencia das-ditas cartas. O mais
que se-contem nelas, compendiei nos-sumarios, que puz no-principio de
cadauma, e tambem se-acham no-Index, de cada tomo. Nem me-pertence amim
formar juizo delas, quando as-ofereso a pesoas tam doutas, de quem eu
devo receber os ditames. Onde acabo a prezente carta, repetindo de
novo a VV. RR. a venerasam que lhe-tenho, e dezejando-lhe as maiores
felicidades, e a toda a sua Religiam.


NOTAS DE RODAPÉ:

[1] Velleio Paterculo.

[2] Carta I. pag. 36.



                                 INDEX

               Do que contem as Cartas do primeiro Tomo.


CARTA I.

Motivo desta correspondencia: e como se-deve continuar. Mostra-se, com
o exemplo dos Antigos, a necesidade de uma Gramatica Portugueza, para
comesar os estudos. Dá-se uma ideia, da melhor Ortografia Portugueza:
e responde-se aos argumentos contrarios. Que o Vocabulario do Padre
Bluteau se-deve reformar, para utilidade da Mocidade. _Pagina 1._


CARTA II.

Danos que rezultam da Gramatica Latina, que comumente se-ensina.
Motivos porque nas escolas de Portugal, nam se-melhora de metodo. Nova
ideia de uma Gramatica Latina facilisima, com que, em um ano, se-pode
aprender fundamentalmente Gramatica &c. _pag. 59._


CARTA III.

Abuzos que se-introduzîram em Portugal, no ensinar a lingua Latina. Mao
modo que os mestres tem, para instruir a Mocidade. Propoem-se o metodo,
que se-deve observar, para saber com fundamento, e facilidade, o que é
pura Latinidade. Necesidade da Geografia, Cronologia, e Istoria, para
poder intender os livros Latinos. Apontam-se os autores, de que os
mestres se-devem servir na Latinidade: e como devem servir-se deles; e
explicálos com utilidade; e as melhores edisoens. Aponta-se o modo de
cultivar a Memoria, e exercitar o Latim nas escolas. _pag. 74._


CARTA IV.

Necesidade das linguas Orientais, principalmente Grega, e Ebraica, para
intender as letras Umanas: mas muito principalmente, para a Teologia.
Modo de as-aprender. Utilidade da lingua Franceza, e Italiana, para ser
erudito com facilidade, e sem despeza. _pag. 112._


CARTA V.

Discorre-se da utilidade, e necefidade da Retorica. Mao metodo com
que se-trata em Portugal. Vicios dos Pregadores; que sam totalmente
ignorantes de Retorica. Que absolutamente deve deixar o antigo estilo,
quem quer saber Retorica. _pag. 124._


CARTA VI.

Continua-se a mesma materia da Retorica. Fazem-se algumas reflexoens,
sobre o que é verdadeira Retorica, e origem, dela. Que coiza sejam
figuras, e como devemos uzar delas. Diversidade dos estilos, e modo de
os-praticar: e vicios dos que os-nam-admitem, e praticam. Qual seja o
metodo de persuadir. Qual o metodo dos panegiricos, e outros sermoens.
Como se-deve ensinar Retorica aos rapazes, e ainda aos mestres. Algumas
reflexoens, sobre as obras do P. Antonio Vieira. _pag. 153._


CARTA VII.

Fala-se da Poezia. Os Portuguezes sam meros versejadores. Prejuizos
dos mestres, de nam poetarem em Vulgar. Que coiza seja ingenho
bom, e mao. Especies de obras de mao ingenho, em que caîram alguns
Antigos, mas principalmente os Modernos. Necesidade do Criterio, e
Retorica, em toda a sorte de Poezia. Primeiro defeito de Poezia, a
inverosimilidade: exemplos. Segundo defeito, os argumentos ridiculos.
Reflexoens particulares, sobre as compozisoens pequenas Portuguezas;
que nam podem dar nome, a um omem: defeitos da Nasam, provados com
exemplos. Reflexoens sobre o Epigrama Latino, Elogios, inscrisoens
Lapidares, Eglogas, Odes, Satiras, poemas Epicos. Que os Portuguezes
nam conhecèram as leis, do poema Epico; prova-se com Camoens, Chagas,
Botelho de Morais. Aponta-se o metodo, com que se-devem regular os
rapazes, no-estudo da Poezia. Nova ideia de uma Arte Poetica, util para
a Mocidade. _pag. 215._


CARTA VIII.

Trata-se da Filozofia. Mao metodo com que se-trata em Portugal.
Advertencia das outras Nasoens, em procurar a Ciencia. Necesidade da
istoria da Filozofia, para se-livrar de prejuizos. Ideia da serie
filozofica. Danos e impropriedades da Logica, que comumente se-explica.
Dá-se uma ideia, da boa Logica. _pag. 276._



                             [Illustração]



                            CARTA PRIMEIRA.

                               SUMARIO.

 _Motivo desta conrespondencia: e como se-deve continuar. Mostra-se,
 com o exemplo dos-Antigos, a necesidade de uma Gramatica Portugueza,
 para comesar os estudos. Dá-se uma ideia, da-melhor Ortografia
 Portugueza: e responde-se aos argumentos contrarios. Que o Vocabulario
 do-Padre Bluteau se-deve reformar, para utilidade da-Mocidade._


Meu amigo e senhor: Nesta ultima carta, que recebo de V. P. entre
varias coizas que me-propoem, é a principal, o dezejo que tem, de que
eu lhe-diga o meu parecer, sobre o metodo dos-estudos deste Reino:
e lhe-diga seriamente, se me-parece racionavel, para formar omens,
que sejam utis, para a Republica, e Religiam: ou que coiza se-pode
mudar, para conseguir o dito intento. Alem disto, quer tambem, que
eu lhe-dé alguma ideia, dos-estudos das-outras Nasoens, que eu tenho
visto. Quanto às outras proguntas, parece-me que bastantemente
respondo, inviando-lhe o papel incluzo: no-qual achará, tudo o que
queria saber. Mas polo que respeita ao negocio, dos-metodos diferentes
de estudos, duvidei por-algum tempo, se obedeceria a V. P. e tinha
algumas razoens, que me-pareciam forsozas; suposta a grande pratica
que tenho, deste mundo, e deste Reino. Eu sou Estrangeiro: e com
dificuldade me-explicarei em uma lingua, que nam mamei no-berso. Que
nas minhas cartas particulares, eu cometa erros, a bondade de V. P.
mos-desculpa. mas se eu escrever em materia, que se-posa mostrar
a outrem; e me-fugir da-boca, alguma expresam menos propria; averá
censores tam dezumanos, que me-condenem, por-escrever em lingua alheia,
talvez sem advertirem, que iso está sucedendo todos os dias, aos
mesmos nacionais, que frequentemente os-cometem. Alem disto, sempre
foi coiza odioza, dar regras em caza alheia: e lembrando-me eu de
alguns, que me-diseram muito mal, do-grande serviso que fez ao Reino o
P. Bluteau, compondo o seu Vocabulario; via de longe, a tempestade que
se-levantaria contra mim, se este meu parecer tivese a infelicidade,
de sair das-maons de V. P. Mas a maior razam era, porque isto, de
emendar o mundo, e principalmente o querer arrancar certas opinioens,
do-animo de omens envelhecidos nelas, e consagradas ja por-um costume,
de que nam à memoria; é negocio, que excede as forsas de um só omem:
e principalmente de um omem, de tam pouco merecimento, e autoridade
como eu. E V. P. que é tam versado na Istoria, pode trazer à memoria,
mil exemplos destes, que deram, e ainda oje dam, ao mundo Literario,
materia de grande admirasam. Lembrou-me tambem, que eu sou Religiozo,
em uma Religiam, em que geralmente florecem pouco os estudos: e que,
por-este principio, nam faltariam omens, ainda prezados de doutos, que,
se chegasem a saber, de quem eram as cartas, as-desprezasem; sem terem
a paciencia, de examinar as minhas razoens: por se-persuadirem, que
certos acidentes exteriores, de emprego, vestido, &c. conduzem muito,
para o merecimento das-obras: e que, sem pizar os ladrilhos de certas
Universidades, nam se-pode fazer coiza boa.

Estas, e outras coizas, que se me-ofereceram à memoria, me-tiveram,
como lhe-dise, duvidozo. Finalmente as repetidas instancias que V. P.
me-faz: a sua grande autoridade: e as plauziveis razoens que me-alega,
me-fizeram pegar na pena, para escrever o meu parecer. V. P. segura-me
certas coizas, que nam sam de pouca considerasam. Diz-me, que oje á
muita gente do-seu parecer, nam só entre os Seculares, mas tambem
entre os Regulares: de que me-cita bons exemplos. Diz-me, que o bom
gosto nas Artes, e Ciencias, se-comesou a introduzir em Portugal,
no-feliz reinado deste Augusto Monarca: o qual nisto, tem ajudado mais
o Reino, que todos os seus antecesores. Finalmente promete-me, que
as minhas cartas, nam sairám da-sua mam, ao menos em meu nome. Com,
estas condisoens, obedeso a V.P. e me-gloreio muito, que um omem
da-sua literatura, nam despreze o parecer, de um sugeito de tam pouca
doutrina. Dividirei o argumento, em varias cartas: e como as minhas
ocupasoens, e molestias mo-permitirem, irei comunicando a V. P. as
minhas reflexoens. Devo porem, nesta primeira carta, fazer algumas
protestas. Primeira: Que eu nam acuzo, ou condeno, pesoa alguma deste
Reino. Se às vezes nam me-agradam as opinioens, nem por-iso estimo
menos os sugeitos, e autores, distingo muito o merecimento pesoal,
do-estilo de cada um, ou metodo que observa: e poso fazer esta
separasam, sem ofender pesoa alguma.

Esta reflexam para V. P. é superflua, pois conhese mui bem o meu
animo; e sabe, que eu só pego na pena, para lhe-dar gosto. Mas porque
poderá ler esta carta, a algum ignorante, ou malevolo; que intenda,
que eu, dizendo o que me-parece dos-estudos, com isto digo mal, da
Religiam da-Companhia de Jezu; que neste Reino, é a que principalmente
ensina a Mocidade: devo declarar, que nam é ese o meu animo. Eu
venero esta Religiam doutisima, por-agradecimento, e por-justisa.
Por-agradecimento, porque ese pouco que sei, eles mo-ensináram: e
aindaque nas escolas nam aprendese tudo, aprendi-o conversando com
eles particularmente, e lendo os seus autores. Sempre conservei com
eles, intrinseca amizade: e disto conservarei uma memoria sempiterna.
Por-justisa, porque sendo todas as Religioens veneraveis; esta o-é
mais que todas, segundo a minha opiniam. Parece que mandou Deus à
Igreja estes Religiozos, unicamente para utilidade dos-proximos, pois
eles ensinam a doutrina, e piedade, com grande amor, e trabalho:
sacrificam-se polos Fieis, em todas as ocazioens: e sam perpetuos
defensores da-Igreja Catolica, como confesam os mesmos Erejes.
Estes sam os motivos da-minha venerasam, e parcialidade por-eles.
Mas asimcomo nem todos os Jezuitas, seguem as mesmas opinioens de
doutrina, mas permitem aos seus mesmos, a liberdade de filozofar,
dentro dos-limites do-justo; e uns sam contrarios de sentimentos a
outros: Asimcomo alguns Jezuitas Estrangeiros, tem reprovado diante
de mim, o metodo de Portugal; e alguns Portuguezes me-confesáram, que
o-seguiam por-necesidade, e nam por eleisam; e confesáram limpamente,
que se-podia, e devia emendar em muitas coizas: (achará V. P. muitos,
que lhe-digam, que aquela Logica Carvalha, e Barreta, nam se-deviam
explicar nas escolas, mas coizas mais utis: o que eu ouvi muitas
vezes) Asim tambem nam será maravilha, que eu me-desvie em muitas
coizas, do-estilo que seguem, os Religiozos da-Companhia neste Reino:
e reprove outras, que observam alguns dos-seus autores. Para tudo
teria exemplos na mesma Companhia, e tambem em Portugal. Mas nam me-é
necesario tanto: porque os mesmos Jezuitas, reconhecem de antemam
esta verdade; e sabem, que, sem injuriar uma Religiam, pode um omem,
ser de contrario parecer. Conhecem muito bem estes doutos Religiozos,
que nestas diferensas de pareceres, nam deve entrar o corasam, porque
estam fóra da-sua jurisdisam: e se-podem dar entre pesoas, mui unidas
de inclinasam. Os Jezuitas todos sam prudentes: e nenhum omem prudente
ignora, e contrareia estas coizas. Os individuos de uma comunidade,
nem todos sam de igual talento: e as comunidades de uma Religiam, nem
todas seguem o mesmo metodo. Alem diso, aqui em Portugal, á muita
outra gente que ensina. os outros Religiozos, ensinam os seus, e
os de fóra. os mestres seculares, tambem ensinam. E asim as minhas
opinioens, podem ter por-objeto, nam uma só pesoa. Isto me-basta
advertir, a estas pesoas, que querem saber mais que os autores: e
quererám explicar, e interpretar mal as minhas palavras. Onde concluo,
que a todos venero, e estimo mui particularmente: somente direi, o que
me-parece se-devia fazer, para poder instruir com fruto. A segunda
coiza é: que eu nam me-cansarei, em escrever Portuguez elegante: mas
me-servirei das-palavras, de que comumente me-sirvo, no-discurso
familiar. Nas materias de doutrina, por-forsa devo servir-me, de
algumas palavras, que nam sam Portuguezas: o que tambem fazem os
Latinos, quando tratam semelhantes pontos. porque no-estado em que
as coizas estam, nam se-servindo das-ditas palavras, nam é posivel,
explicar bem as materias. E asim deve V. P. estar preparado, para nam
se-admirar, de alguns termos novos; e para me-desculpar, os erros que
posa cometer. Ocorre-me ainda terceira: e vem aser, que eu suponho,
que V.P. me-dispensa, de citar todos os momentos autores, de que tiro
algumas das-noticias, que lhe-diser. com tanto que eu aponte, o que
é necesario, nam emporta quem o-diz. Basta que eu diga, uma vez por
todas, que a major parte do-que digo, experimentei eu mesmo: outras
coizas, observei em terceira pesoa; ou li em autor aprovado. V.P. olhe
para a razam, em que eu me-fundo: porque esta deve valer mais, que a
autoridade extrinseca. Tambem incidentemente digo, nam a V. P. que
sabe conhecer as coizas; mas a algum, que posa ler estas cartas: que,
se algumas vezes apontar como optimos, alguns autores Erejes; nam louvo
neles a sua particular religiam, mas a erudisam, ou metodo. Comumente
avizarei, quais sam os Erejes, paraque nam se-leiam, sem licensa
devida. Mas se acazo me-esquecer entam advertilo, aqui o-advirto para
sempre.

Comeso pois nesta carta, pola Gramatica: que é a porta dos-outros
estudos: da-qual depende, a boa eleisam dos-mais. Porque muitos nam
intendem, o que significa este nome, por-iso nam fazem, grande progreso
na Gramatica. Eu, ainda que falo com V. P. que o sabe, falarei daqui
emdiante, como se faláse, com quem o-nam-soubese.

A Gramatica, é a arte de escrever, e falar corretamente. Todos aprendem
a sua lingua no-berso: mas se acazo se-contentam com esa noticia,
nunca falarám como omens doutos. Os primeiros mestres das-linguas
vivas, comumente sam molheres, ou gente de pouca literatura: de
que vem, que se-aprende a propria lingua com muito erro, e palavra
impropria, e pola maior parte palavras plebeias. É necesario emendar
com o estudo, os erros daquela primeira doutrina. Uma razam, aindaque
boa, um pensamento exquizito, exposto com palavras toscas, ou que nam
signifiquem, o que se quer; dezagrada muito, e comumente nam persuade.
Contudo iso por-muitos seculos, se-contentàram os Omens, de falar, como
primeiro lhe ensináram. Nam foi senam despois do-terceiro milenario,
que os Omens se-aplicáram a falar bem. Foram os Gregos os primeiros,
de que a Istoria nos-aponta, que se-aplicasem a este estudo: e tal
vez os unicos, entre todos os Orientais. A sua Gramatica consistia,
em conhecer bem as diferensas das-letras: ler, escrever, e falar
bem. Explicavam tambem os Poetas; nos-quais aprendiam a Politica,
e Religiam. O governo da-Grecia, que era quazi todo de Republica,
(nas quais as publicas asembleias do-Povo, deliberavam nos-maiores
negocios) lhe-inspirou este dezejo. conhecéram eles, quanto emportava
falar bem, para falar em publico: e se-aplicáram tanto a iso, que
deram, e ainda oje dam, documentos a todo o mundo. Talvez niso foram
mais escrupulozos doque convinha: porque, para conservar a sua lingua
pura, nam queriam aprender, lingua alguma estrangeira. Estavam tam
satisfeitos, das-belezas da-sua lingua, que quazi desprezavam as
outras todas. desorteque quando os Romanos, despois de vencidos os
Gregos, os-transportáram a Roma; avendo nesta tantos, e de diferentes
gerarchias, se-observou (como nota um autor de bom juizo) que os
Romanos, aprenderam o Grego: mas nenhum Grego, estudou a lingua Romana:
aindaque com o uzo, alguma coiza intendese. E este costume, durava
ainda nos-tempos de Cicero.

Com a lingua pasou da-Grecia para Roma, a inclinasam para a Gramatica.
porque se-observou, que a lingua Latina se-comesou a aperfeisoar,
desde o tempo dos-Cipioens, e continuou até o seculo de Augusto. que
é justamente o tempo, em que os Gregos, destruido o seu imperio,
comunicáram a sua lingua aos Romanos. Pois aindaque, desde o tempo
da-guerra com os Sanitas, e outros Povos da-Magna Grecia, polos anos de
Roma 471. algum Romano comesáse a intender, e falar o Grego; foi raro:
e somente para poder intendelos nas Embaixadas, e coizas semelhantes,
é que o-aprendiam. nam era vulgar este estilo: o que só sucedeo ao
despois. Foram os Romanos os primeiros, que aprenderam voluntariamente
lingua estrangeira. o que nam consta, que Povo algum, antes deles,
tivese feito. E nisto mesmo, me-parecem mais racionaveis: porque
conhecendo a necesidade dela, para o estudo da-Filozofia, Matematica, e
belas Letras, nam se-envergonháram de receber lisoens, daqueles mesmos
a quem tinham vencido, e davam leis. Este é um grande elogio, para
uma Nasam tam considerada, como a Romana: conhecer que é vencida em
merecimento; e confesar publicamente ese vencimento; e pór o remedio
a esa falta. Paolo Emilio, aquele grande omem, que destruio na pesoa
de Perseo, o imperio de Macedonia, antes de tornar para Roma, pedio
aos Ateniezes, que lhe-buscasem um excelente Filozofo, para acabar de
instruir, seus dois filhos. Outros omens grandes, que por-brevidade nam
aponto, seguiram o seu exemplo. Lelio, e Cipiam Emiliano, que tanto
rafináram a lingua Romana, eram inseparaveis, dos-seus mestres Gregos:
dos-quais nam só aprendiam a Filozofia, mas tambem a Gramatica; e o
modo de falar bem, e aperfeisoar a sua lingua. Os Filozofos daquele
tempo, nam se-ocupavam somente, com discursos aereos de Logica; mas
estendiam o seu conhecimento, para muitas outras coizas.

Mas, é necesario confesar uma verdade; em todo o tempo ouve
dificuldade, em se-receberem costumes novos, aindaque fosem utis. os
Velhos nam querem ceder dos-costumes, que uma vez espozáram. Isto
vimos em Roma, no-consulado de Estrabo, e Messala: que publicáram
um decreto, em que ordenavam aos Filozofos, e Retoricos, sairem de
Roma[3]. Catam o velho, que temia, que os Romanos, pola vaidade
de quererem falar bem, servisem mal à Republica no-oficio das-armas;
foi um grande protetor disto. Mas a Verdade, por-mais que se encubra,
sempre transpira. Trez Embaixadores Ateniezes, que, cinco ou seis anos
despois do-tal decreto, vieram a Roma, namoráram todos com os seus
discursos. e, nam obstante a repugnancia de Catam, e de alguns outros,
os estudos das belas Letras se-introduziram em Roma, e cada dia mais
se-aumentáram[4]. A Grecia foi reconhecida por-mestra: e Atenas foi
sempre reputada, a Universidade de Roma: aonde se-mandavam os nobres
Romanos, para aprenderem o bom gosto. Os dois celebres Antonios, Atico,
Cicero pai, e filho, e muitos outros lá foram aprender o que souberam.
e o que mais cauza admirasam, é, irem em tempo, que as letras tinham
descaido na Grecia. tal era a boa opiniam que tinham dela! Outros
muitos Gregos vinham a Roma, e publicamente ensinavam, os estudos
Gregos.

Com este exemplo, pouco mais de um seculo antes de Cristo, se-abriram
escolas Latinas em Roma. as quais, ainda que com alguma contrariedade,
felizmente e com grande concurso se-continuáram. Delas sairam omens
mui grandes, que apuráram, quanto puderam, a lingua propria. Tais
foram Cota, Sulpicio, Ortensio, Marco Cicero, Caio Cezar, Marco
Bruto, Messala, Asinio Pollio, e muitos outros que entam, e oje
veneramos, como mestres da-lingua Latina. À imitasam dos-Gregos,
comesáram os Romanos a aprender, a Gramatica da-sua lingua, no-mesmo
tempo que aprendiam a Grega. A Gramatica, nam se-reputava, coiza de
pouca emportancia: mas a-consideravam como baze da-Eloquencia: e
por-iso a ela se-aplicavam omens grandes; e nela empregavam um tempo
consideravel, os que queriam, fazer figura na Republica. Os livros
Retoricos de Cicero, principalmente os trez _de Oratore ad Quintum
Fratrem_, especialmente o ultimo: o livro intitulado: _Orator ad Marcum
Brutum_: e o _de Oratoriis Partitionibus_: nam só ensinavam Retorica,
mas principalmente falar a sua lingua, com toda a pureza, e grasa: que
era uma parte principal da-Retorica. Caio Julio Cezar, aquele grande
omem em armas, e letras, nam se-envergonhou, de escrever dois livros,
sobre a Analogia da-lingua Latina[5]. Marco Terencio Varram escreveo
comentarios doutisimos sobre a sua lingua, e uma Gramatica. Continuou
este costume, até o tempo de Quintiliano, e seu dicipulo Plinio o moso:
o qual Quintiliano, alem de nos-explicar, como se-ensinava a Gramática
Latina; ele mesmo nos-deixou uns Elementos dela, no-primeiro livro
das-suas Instituisoens. E é de crer, que se-continuase este estilo,
até os principios do-quinto seculo de Cristo; em que os Godos entráram
em Roma: ou um pouco despois, em que os Ostrogodos se-estableceram na
Italia, e arruináram o imperio Latino: abrindo com isto a porta aos
Longobardos, que nela domináram tantos anos. Desorteque com o Imperio
no-Occidente, se-pode dizer, que se arruinou a lingua Latina: porque
comesando a destruir-se, com a mescla de outras palavras, foi necesario
emendála com o estudo, e fazer Gramatica dela.

Este metodo de ensinar aos nacionais, a Gramatica da-sua lingua, nam
só praticáram os Antigos; mas até em um seculo barbaro, qual foi o
de Carlo Magno, foi conhecido, e praticado: e o mesmo Carlo no-dito
VIII. seculo, escreveo uma Gramática Tudesca, que era a lingua da-sua
corte. Nos-seguintes seculos até o duodecimo, em que a ignorancia tanto
dominou, nam foi ignoto este uzo. Mas alguma Gramatica que se-fazia,
era para intender o Latim. os livros eram rarisimos. a critica nenhuma.
e asim nam é maravilha, se nam se-aplicáram ao que deviam. Desde o
seculo duodecimo até todo o seculo decimosexto, reinou outra particular
ignorancia, sobre o metodo. Muitos se-aplicáram as letras, mas muito
mal. só reinavam as agudezas, e o estilo ridiculo. No-seculo pasado, é
que resuscitou este metodo, de ensinar a Gramatica da-propria lingua.

E, na verdade, o primeiro principio de todos os estudos deve ser, a
Gramática da-propria lingua. A razam porque nos-parece tam dificultozo,
o estudo da-Gramatica Latina, (alem de outros motivos que em seu lugar
direi) é porque nos-persuadimos, que toda aquela machina de regras, é
particular da-lingua Latina: e nam á quem nos-advirta, quais sam as
formas particulares desa lingua, a que chamam _Idiotismos_: quais as
comuas com as outras. Se a um rapaz que comesa, explicasem, e mostrasem
na sua propria lingua, que á Verbo, Cazo, Adverbio &c. que á formas
particulares de falar, deque se-compoem, a Sintaxe da-sua lingua: Se
sem tantas regras, mas com mui simplezes explicasoens, fizesem, comque
os principiantes refletisem, que, sem advirtirem, executam as regras,
que se-acham nos-livros: e isto, sem genero algum de preceitos, mas
polo ouvirem, e exercitarem: Seguro a V. P. que abririam os olhos
por-uma vez, e intenderiam as coizas bem: e se-facilitaria a percesám
das-linguas todas.

Isto suposto, julgo que este deve ser, o primeiro estudo da-Mocidade.
e que a primeira coiza, que se-lhe-deve aprezentar é, uma Gramatica
da-sua lingua, curta, e clara: porque neste particular, a voz
do-Mestre, faz mais que os preceitos. E nam se-devem intimidar os
rapazes, com mao modo, ou pancadas, como todos os dias sucede: mas, com
grande paciencia, explicar-lhe as regras: e, sobre tudo, mostrar-lhe
nos-seus mesmos discursos, ou em algum livro vulgar, e carta bem
escrita, e facil; o exercicio, e a razam, de todos eses preceitos.
Se me-tocáse o-fazelo, regularia tudo desta maneira. Primeiro,
explicaria brevemente as regras: e obrigalosîa a repetir, as mesmas
noticias gerais. Despois, darlheîa um livro de Cartas, vg. as do-P.
Antonio Vieira: escolhendo as mais facis: ou alguma istoria pequena,
digo, que tivese capitulos pequenos, e periodos nam mui compridos: e
mandaria, que a-lesem: e no-mesmo tempo apontaria, quais eram as partes
da-orasam. o que se-observa, com grande facilidade. Ajuntaria a isto,
as regras mais principais de Sintaxe: porque como tudo isto, se-á-de
recozer na Latinidade, basta nesta ocaziam, uma noticia geral. Feitos
estes principios, ensinaria duas coizas, mui principais em materia
de linguas. a primeira é, a propriedade das-palavras: mostrando-lhe,
a forsa de cadauma daquelas, que sam menos comuas. a segunda é, a
naturalidade da-fraze: ensinando-lhe, que a afetasam, se-deve fugir em
tudo: e que se-deve cuidar em explicar tudo, com palavras mui naturais.
Alem disto, ensinaria aos rapazes, pronunciar bem, e ler expeditamente.
Este ponto, é mui necesario: achando-se todos os dias omens feitos,
que lem soletrando, e cantando: e que dizem mil barbarismos. o que
tudo procede, de nam terem tido mestres, que lhes-ensinasem bem.
Quando os rapazes estivesem mais adiantados, obrigálosia, a escrever
algumas cartas, a diversos asumtos. e introduziria entre dois, uma
conrespondencia epistolar: ensinando-lhe os tratamentos, e modo de
escrever, a diversas pesoas. Nesta ocaziam tem lugar, ensinar-lhe a boa
Ortografia, e Pontuasam. É incrivel, a utilidade que daqui rezulta,
nam só para a inteligencia da-Latinidade; mas para todos os estudos
da-vida. Este estudo pode-se fazer, sem trabalho algum: e se-pode
continuar no-mesmo tempo, emque se-explica o Latim: bastando meia ora
cada menhan, ler, e explicar o Portuguez. Isto se-pratica oje, em
algumas partes da-Europa. e só os que nam tem juizo, para conhecerem a
utilidade, que daqui rezulta, é que negam, a necesidade deste metodo.

Mas aqui, deixe-me V. P. lamentar, e admirar, a negligencia
dos-Portuguezes em promover, tudo o que é cultura de ingenho, e
utilidade da-Republica. Ainda até aqui, nam tem cuidado nestas coizas:
e será rarisimo, o que souber, que esta Gramatica pode ser util.
Especialmente nóto isto, sobre a falta de escritos, para instruir um
Secretario principiante. (falo dos-secretarios dos-Grandes, e de tudo
o mais, fóra das-Secretarias Reais.) Nas-outras Nasoens á livros,
que ensinam a qualquer, a urbanidade e ceremonial do-seu Reino. Como
escrevem os Reis, e os Grandes entre si, e às pesoas de diferentes
gerarchias mais inferiores. como os inferiores escrevem, a toda a
sorte de pesoas de maior esfera, tanto Secular, como Ecleziastica. &c.
apontam-se os sobrescritos, e poem-se algumas cartas para exemplo. Isto
ensina a todos; e impede o fazer erros. Mas em Portugal, é desconhecido
este metodo. Um secretario de um Bispo, ou Cardial, ou Fidalgo, ou
Dezembargador &c. governa-se por-uma pura tradisam; ou porque asim vio
alguma carta; sem mais conhecimento da-materia. Comtantoque um moso,
tenha um carater comprido, e dezembarasado, a que eles chamam, letra
de Secretaria, é o que basta. Confeso a V. P. que ainda até aqui,
nam vi secretario algum destes, que soubese escrever duas palavras,
com juizo. que tecese uma carta, considerando quem escreve, e a quem
escreve: emque circunstancia: se com dependencia, ou sem ela: se
por-agradecimento de alguma fineza, e atensam, ou por-outro motivo.
Nam consideram circunstancia alguma destas: as quais porem deveriam
considerar muito; porque fazem a carta, mais, ou menos abundante de
atensam: Sendo certo, que o Secretario, deve conservar o decóro de
seu amo: mas no-mesmo tempo deve procurar, que paresa mais cortez que
posa ser. Mas isto, é o que eles nam intendem. e nada mais cuidam, que
mostrar, nam digo a grandeza, mas a soberba de quem escreve. Verá V. P.
um pobre Cavalheiro das-Provincias, do-qual se pode dizer, como dise
aquele noso amigo==_Est res angusta domi_==; escrever uma carta, com
mais soberania e magestade, que nam fará o Papa. porque este, comumente
poem==_Dilecto filio_==: e aquele, comesará uma carta _ex abrupto_,
e imprudentemente, sem atensam alguma. Os de maior gerarchia, ainda
fazem pior. e apenas se achará um, que nam queira mostrar na carta,
que é mais, da-pesoa a quem escreve. Por-fóra, costumam pór==_do-Bispo
Fulano: do-Marquez Sicrano_== &c. á coiza mais digna de rizo doque
esta! As cartas mandam-se lacradas, para que ninguem saiba, de quem
sam; e nem suspeite, o que contem: e estes tais poem, e asinam-se
de fóra! Que o-fasa o Secretario de Estado, ou outro Ministro, que
tem jurisdisam publica; é justo: paraque todos conhesam, de quem é
a carta; e, se mais suceder perdela, quem a-achar, a-entregue; e
lhe-tenham o respeito, que é devido. mas que o-fasam os outros, e em
negocios particulares; e que o-fasam por-grandeza, merece compaixam.
Tenho visto milhares de cartas, de Cardiais, Principes Soberanos de
outros Reinos, e muitos outros Gran-senhores, e nenhum praticava esta
rapaziada. Mas eu vi mais doque isto: porque vi carta de uma grande
pesoa, que V. P. conhece, que escrevia a outro mui condecorado, que
tinha no-sobrescrito: A Fulano: pondo o simplez nome, sem _Senhor_, nem
titulo, &c. e dentro asinava-se, sem lhe-fazer comprimento, como se-faz
nas Patentes.

Pertencem à clase asima, os que carregam o sobrescrito, com todas
as circunstancias de _Pai_, _Primo_, _Cunhado_ &c. o que tudo pode
dar ocaziam, a abrir a carta por-curiozidade. O mesmo digo, dos-que
poem: _Familiar do-S. Oficio_, e outras coizas destas. Basta pór
um titulo principal, ou, quando muito, dois maiores: os mais ja
se-intendem, ou se-supoem. Estes sam semelhantes àqueles, de que ja
falámos tantas vezes, que, no-titulo das-censuras dos-livros, poem
uma enfiada de empregos velhos: _Ex-Provincial_: _Ex-Difinidor_: &c.
e dos-quais V. P. dizia, com tanta grasa, que lhes-faltava pór:
_Ex-Porteiro_: _Ex-Guardiam_: _Ex-Procurador_. &c. O pior é que nisto,
caiem tambem os Seculares: e poem frequentemente: _Colegial que foi
no-Colegio de S. Paulo_: _Lente que foi de Leis_, _ou de Instituta_.
&c. só lhes-falta acrecentar a prepozisam, e dizer: _Ex-Colegial_:
_Ex-Leitor_: _Ex-Secretario_: _Ex-General_: _Ex-Coronel_. Que tendo
os empregos, o-declarem; é mui justo: mas que ponham os que tiveram,
e sam inferiores aos que oje tem; é uma vaidade mal fundada: e é
querer ser estimado, mais polos empregos, que polo merecimento.
Leia V. P. a istoria, que escreveo Alexandre Ferreira, e verá, que
no-titulo da-obra, escreve toda a sua vida. Outros fazem dedicatorias
de livros, a pesoas Grandes, e enchem boa meia folha de papel, de
titulos: _Capitam-mor de cá_: _Alcaide-mor de lá_: &c. Quando tivesem
dito: _Marquez, ou Conde_; _Conselheiro, ou General_ &c. estes titulos
sorvem todos os outros. Destes se-pode tambem dizer, que lhes-esqueceo
escrever, todas as quintas, e cazas, que posuem em diversas Vilas, e
Cidades, as pesoas a quem louvam, e dedicam as obras.

Em Italia, seria grande injuria, tratando-se com um grande Principe,
por-lhe todos os titulos: porque era mostrar, que sam menos conhecidos
polo nome, e pesoa. Á cazas, que tem muitos Principados, Marquezados,
Condados: e nam somente de titulo, mas com inteira jurisdisam e
dominio, pois tem o direito==_Vitæ & Necis_: e contentam-se com um só
titulo, ou, quando muito, dois: Vg. Lourenso Colona, Duque de Paliano,
Condestavel do-Reino de Napoles. Domingos Orsini, Duque de Gravina.
Prospero Conti, Duque de Poli. Estas cazas tam antigas, que algumas
contam mais de mil anos, e tem dado, alem de infinitos Cardiais,
13. Papas, outras cinco, à Igreja de Deus; nam fazem vaidade destes
ridiculos titulos; porque sabem, que sam mui bem conhecidas. Mas os ***
e principalmente os Portuguezes, governam-se por-outros principios. Tem
alem diso estes Senhores por-injuria, se lhe-escrevem por-secretario;
e quando nam vem toda a carta, de proprio carater, tocam a fogo. Veja
V. P. quam diferentes sam, os costumes estrangeiros! Em Roma, aonde o
ceremonial está tanto em vigor, que às vezes é excesivo, nam se-faz
cazo de tal coiza. escreve um Cardial a outro, por-secretario. escrevem
os inferiores &c. por-secretario. Isto nam prova descortezia, mas que
um omem, é sumamente ocupado. nem pesoa alguma faz cazo disto. Somente
se-pratica, escrever de proprio punho, quando é primeira carta de
ceremonia a pesoa grande, ou quando respondo, a quem escreve de proprio
punho: ou n’outros cazos asim. Mas aqui, seria um cazo rezervado,
praticar o contrario.

Ora tudo isto, é intender mal as coizas: é falta de educasam: falta
de livros bons: e é expor-se ao rizo dos-omens de juizo. Isto pois
deve acautelar o mestre, quando instrue os rapazes. deve informar-se
das-coizas: ensinar-lhe como se-devem regular: e finalmente dizer-lhe
em poucas palavras aquilo, que, por-falta de livros, somente se-pode
saber, com uma longa experiencia. Estas coizas devem-se tratar, nestes
primeiros estudos.

Despois de ter escrito isto, me-veio à mam, uma Gramatica Portugueza,
composta polo P. Argote, Teatino. Verdadeiramente nam é Gramatica
completa: mas o autor declara, que só dá regras, para facilitar a
inteligencia da-lingua Latina. O juizo que formo desta Gramatica, é
este. O autor, introduzindo um dialogo enfadonho, dise, em muitas
folhas, o que podia dizer, em poucas regras. Os dialogos nam servem
mais, que de fazer mil repetisoens sem necesidade. servem de cansar á
memoria aos rapazes, sem fruto: ensinando-os a falar como papagaio:
vistoque nam intendem o que dizem. quando polo contrario poucos
preceitos, bem explicados com a viva voz do-Mestre, ensinam mais,
com menos trabalho. Isto, quanto ao metodo. quanto às regras: O que
diz da-Analogia das-vozes, parece-me mui bem; e pode-se ensinar com
utilidade. A Sintaxe de _concordar_, pode pasar: a de reger, nada
me-agrada. O P. Argote dezemparou o seu mesmo metodo, por-seguir
os erros de Manoel Alvares, e multiplicar regras sem necesidade;
asinando regencias falsas: quando tudo aquilo se reduzia, a explicar
a regencia dos-Cazos, polas regras fundamentais; que sam mui poucas.
Isto é o que deve cuidar o Mestre: reduzindo as regras, às verdadeiras
cauzas da-regencia: apontando algum particular idiotismo &c. porque
isto basta: vistoque a Gramatica Latina, tambem se-deve explicar
em Portuguez, e com poucas regras. A terceira parte, da-sintaxe
_Figurada_, tirando a extensam, tambem pode pasar. Na quarta parte, o
que diz dos-Dialetos &c. pode pasar: aindaque tudo aquilo se dizia,
em duas palavras. o que diz do-modo de reger a lingua Portugueza, é
uma grande superfluidade, e _pedanteria_: vistoque nam á mestre tam
tolo, que nam saiba, como á-de reger, uma carta Portugueza. Isto
se-faz, quando o estudante nas escolas, vai lendo a lingua dita: e
o mestre lhe-explica, o dialeto da-proza, e do-verso. Antes seria
loucura, querer explicar ao principio, o dialeto do-verso. porque os
Poetas, que pola maior parte nam pezam bem as coizas, sem excetuar o
Camoens; caîram na parvoice, de aportuguezar mil palavras Latinas,
sem necesidade alguma: e asim nam é coiza para rapazes. Antes, polo
contrario, deve o mestre advertir-lhe, que ese estilo, nam se deve
uzar. Finalmente, a Ortografia do-P. Argote nada vale, como abaixo
direi. Mas, em quanto nam aparece outra, ou se-reforma esta arte; pode
o mestre uzar dela, com as ditas cautelas.

Devo tambem dizer a V. P. alguma coiza, sobre a Ortografia Portugueza.
noticia que me-parece mui necesaria, e que com todo o cuidado se-deve
comunicar aos principiantes: pois da-falta desta doutrina nace, que em
toda a sua vida, escrevam mal: e, ainda despois de estarem em lugares
de letras, é lastima ver, como muitos escrevem. E estas reflexoens,
servirám para emendar, o que diz o P. Argote, nas suas _Regras
Portuguezas_, e algum outro.

Isto suposto, e compreendendo em pouco, o muito que outros escrevem
nesta materia, digo, que os Portuguezes devem pronunciar, como
pronunciam os omens de melhor doutrina, da-Provincia de Estremadura:
e, posto isto, devem escrever a sua lingua, da-mesma sorte que
a-pronunciam. Esta é uma singularidade da-lingua Portugueza, que só
se-acha nela, na Italiana, e na Castelhana: aindaque esta tenha sua
variedade: ponho de parte a Latina, que é morta. Daqui fica claro, que
devem desterrar-se da-lingua Portugueza, aquelas letras dobradas, que
de nada servem: os dois _SS._ dois _LL._ dois _PP._ &c. Na pronuncia
da-lingua, nam se-ouve coiza alguma, que fasa dobrar, as ditas
consoantes. Que se-escreva _Terra_, _Perra_, com dois _rr_, intendo eu
a razam: e o ouvido me-aviza, que a pronuncia é fortisima no-_r._ pois
quando nam é forte, como em _Pera_, _Caracol_, escreve-se um só _r._
mas em _Elle_, _Essa_, é coiza superflua: porque ou tenha um, ou dois
_ss._ sempre seá-de pronunciar, da-mesma sorte. Nas linguas mortas,
faso escrupulo, de mudar uma letra: mas nas vivas, em que nós temos
todo o poder, e uzo, quando a boa pronuncia nam ensina o contrario, sam
superfluas as repetisoens.

Os nosos Italianos somente dobram as letras, quando a pronuncia é
diferente: e sam tam escrupulozos observadores da-pronuncia, que
nam á Nasam, que os-iguale. De que nace, a grande dificuldade que
os Estrangeiros tem, em pronunciar bem a nosa lingua, nam obstante
ser labial. porque nam tendo eles, ouvido tam esperto, para poder
perceber, a diferente pronuncia das-letras dobradas; na pronuncia
delas, servem-se de uma pronuncia doce e simplez; a qual os-acuza,
por-Estrangeiros. O motivo que os Nosos tem, para pronunciarem asim,
é uma antiga tradisam, desde o tempo em que a lingua Latina, era
viva e domestica entre os seus antepasados. pois é sem duvida, que
os Romanos cuidavam muito, em pronunciar bem a sua lingua; e que os
mestres, ensinavam isto aos dicipulos com cuidado. Esta tradisam
conservou-se sempre em Italia. e nacendo o Italiano, da-corrusam
do-Latim, conserváram sempre as mesmas letras dobradas, que os Latinos
tem: e talvez acrecentáram mais alguma. Donde vem, que os Italianos,
achando no-Latim as letras dobradas, pronunciáram-nas como dobradas:
e, por-este mesmo principio, pronunciando o Italiano, com alguma
semelhansa do-Latim, dobráram tambem as letras da-sua lingua por cuja
razam, sam nela desculpadas, as repetisoens. Os Francezes dobram
algumas letras, por-necesidade, para distinguirem as pronuncias: outras
dobram, porque tomáram os ditos nomes, dos-Gregos, e Latinos, entre os
quais antigamente se-pronunciavam, e escreviam asim: como mostram os
omens, que escreveram nesta materia. Tambem nisto tem variado muito:
e nam sam aprovados, polos melhores criticos. E oje os Francezes
mais doutos, regeitam muitas letras, que parecem escuzadas, por
se-nam-pronunciarem: como adverte o P. Lima, na sua Arte Portugueza,
e Franceza. Muitos Francezes sam de parecer, que se-devam desterrar
todas. e talvez com o tempo, escrevam como falam: vistoque ainda nam á
muito tempo, que esta lingua se-comesou a purificar: o que nam excede o
tempo, de Luiz XIV. Mas concedamos-lhe o mesmo, que oje concedemos, aos
Ebreos, Caldeos &c. é certo, que a lingua Portugueza, todos asentam,
se-deve escrever como se-pronuncîa: e asim, nam deve receber letras,
que se-nam-proferem.

Deste meu parecer, sam muitos Portuguezes de boa doutrina, com quem
tenho conversado nesta materia: os quais nam podiam sofrer, que, sendo
a pronuncia a regra da-Ortografia; ainda asim ouvesem omens prezados
de doutos, que embrulhasem a Ortografia, com a preocupasam de quererem
seguir, a derivasam e origem. Se eu ouvese de escrever, tudo o que me
ocorre nesta materia, ou tudo o que se-pode dizer nela, faria um longo
tratado; que seria contra o meo asumto, e tambem contra a necesidade
da-materia, a respeito de V. P. Direi somente, o que pertence ao meu
argumento. Nam obstante que eu á muitos anos, viva nesta opiniam,
que a Ortografia comua é muito má; e, com esta ideia, tenha feito um
tratadinho dela, para uzo, e regulamento meu; contudo nam me-atrevia, a
declarar a todos, o meu animo, como faso a V. P. sabendo, que ainda os
mais doutos se-ririam, de que um Estrangeiro, viese dar regras, nesta
materia: Sem se-lembrarem, que tambem os que nestes ultimos seculos,
escrevèram sobre a Ortografia Latina, eram Estrangeiros nela: semque
por-iso, sejam mal ouvidos. Mas agora, devendo dizer a V. P. o meu
parecer nela, puz de parte, todos os respeitos politicos; e nam só quiz
apontar, o que condeno; mas, para o-fazer melhor, tive a curiozidade de
ler, o que dise nesta materia o P. Bluteau. cuja leitura me-confirmou,
no-meu propozito, e me-convida, a abrir-me mais promtamente: porque
alfim vejo, que tenho mais padrinhos, doque nam cuidava[6].

Digo pois, que da-observasam que asima fiz, e maxima que estableci,
se-devem tirar as reflexoens, para as outras letras, e para todas
as mudansas e corresoens da-Ortografia. E comesando pola letra _A_,
dobram alguns esta letra, em _Menhaan_, _Vaan_ _&c._ e deste parecer,
é Duarte Nunes de Leam. Nam se-pode intender, a razam destes omens. Na
pronuncia, nam se-ouve aquele segundo _A_, e seria verdadeiro ridiculo,
quem o-quizese pronunciar. e asim porque se-aja de escrever, eu nam
intendo. O certo é, que a regra da-pronuncia, ensina o contrario.
Daqui pasando ao _B_, digo, que esta nam se deve conservar, senam
naqueles nomes, que especialmente a-tem na pronuncia, como _obstaculo_,
_obstante_ _&c._ mas naqueles, que oje se-pronunciam sem ela,
parece-me escrupulo demaziado. Sobre o _C_, acha-se alguma diversidade
entre os mesmos Portuguezes, em que lugares deve entrar quando tem
cedilha, _ç_. Comumente antes das-terminasoens em _ão_ o-escrevem, e
mais em outras partes: sobre o que nam á regra alguma mais, que o uzo.
Nisto alguns sam tam escrupulozos, que se encontram escrito com _s_,
_Sapato_, fazem um orrivel espalhafato. Outros desterram o dito _c_, e
em seu lugar escrevem dois _ss_. Mas para falar a verdade, e examinar
as coizas sem paixam, tudo isto sam iluzoens. Nenhuma diferensa
na pronuncia se-acha entre o _c_, _e_ o _s_: se alguem contrareia
isto, que me-fasa a merce de mo-provar: porque o meu ouvido, que é
bastantemente advertido, nam conhece esta diversidade. Isto suposto,
pór dois _ss_, em lugar do _c_, é uma solenisima ridicularia, sem mais
razam, que querer distinguir-se dos-outros. Mas, nam merecem mais
indulgencia, os que se-escandalizam de lerem, _Sapato_, _Surrador_
_&c._ com _s_: porque na minha estimasam asim se-deve escrever. Eu
verdadeiramente nam sei donde veio, que o _ça_, se-pronunciáse _sa_:
mas se é permitido conjeturar em materia tam oscura, suponho que foi,
por-engano de quem escrevia, que pintava mal o _s_: e asim com o
tempo tomáram-no por-_c_: Porque a falar a verdade o _c_ com cedilha
sam dois _cc_ contrapostos, e que imitam bastantemente um _s_, asim
[Illustração]: onde continuando a pronuncia do-_s_ por-tradisam; e
achando-se escrito o dito _ç_; intendèram que era uma particular
especie de _c_, e asim o-escreveram. Seja como for, o _c_, em tais
cazos vale um _s_. e por-esta razam cuido, que é mais proprio, e
mais natural, servir-se desta letra simplez, que do-dito _c_. Desta
sorte averia menos confuzam na Ortografia Portugueza, se asentasem
todos, a nam escrever antes de _a_, ou _o_, ou _u_, senam um _s_, e
nunca o dito _c_. Dirmeám alguns, que tambem o _c_ antes de _e_, ou
_i_, vale um _s_: e que será tambem necesario desterralo, e convertelo
em _s_. Mas eu respondo, que á mui diferente razam. porque o _c_,
antes de _e_, ou _i_, tem o seu proprio soido, sem violencia alguma:
e aindaque se-posa compensar com _s_, contudo neste cazo deve-se
permitir alguma coiza ao uzo, que o-introduzio. Nam asim o _c_ antes
de _a_: pois para fazer o soido que eles querem, deve violentar-se,
sem ter analogia com as linguas, de que deriva, a nosa Portugueza: e
asim parece-me grande superfluidade. Este é o meu parecer: Contudo
se alguem ateimáse a servir-se do-dito _c_, nam faria disto um cazo
rezervado: comtantoque confesase, que igualmente se-pode escrever com
_s_: e que nam se-escandalizase, de quem fizese o contrario.

Desta regra, de escrever conforme a pronuncia, crejo que se-pode achar
excesam no-_Ch_. Tem esta letra aspirada com o _h_, uma pronuncia em
Portugal semelhante ao _x_. e asim dizemos _Choro_, _Chove_ _&c._ como
se estivera escrito, _Xoro_, _Xove_. Contudo algumas vezes se-deve
pronunciar; como se-fose um _k_. o que intendo dos-nomes que vem
do-Grego, e nos-quais se-ouve o _k_ na pronuncia. vg. _Architetura_,
_Machina_, _Chimica_ _&c._ O Bluteau nam admite isto, nos _Opusculos_;
e defende, que sempre o _ch_ se-deve pronunciar quazi semelhantemente
ao _x_. Mas ele mesmo se-contrareia no-Dicionario: pois diz, que em
Portuguez se-deve escrever, _Archanjo_, _Patriarcha_ _&c._ com _ch_,
aindaque se-pronuncie o _k_: Tomára pois que me-dese a diversa razam,
porque em outros nomes oriundos da-mesma Grecia, se-deva escrever com
_qui_ v.g. _Monarquia_ _&c._ O certo _é_, que em ambas as partes a
razam é a mesma. Antes parece-me, que com maior razam se-deve fugir o
_qui_: porque em Portuguez despois do-_q_, sempre se-pronuncia o _u_,
desorteque o _q_ por-si só nam une com as vogais, sem se-pronunciar o
_u_. E como seria erro pronuncialo, em _Monarchia_, _Chimica_ _&c._
daqui vem que também é erro, escrevelo. A quem nam agradar esta minha
opiniam, de escrever estes nomes por-_ch_, sou de parecer, que adóte o
_k_ dos-Gregos: pois é melhor chamar de fóra, uma letra Estrangeira,
doque escrever o _q_, que em Portugal geralmente tem diferente
pronuncia: o que nam sucede no-_ch_, que ja em muitas disoens está
recebido em Portugal, com privilegios de _k_.

E nam obsta, que a maior parte dos-Ortografos Portuguezes digam, que o
_k_ é superfluo no-Portuguez: nam é o mesmo dizelo, que provalo: aqui
nam á meio, ou se-deve admitir o _ch_ com privilegios de _k_; ou adotar
o _k_, em seu lugar. Sei que podem argumentar com _Aquele_, _Aquilo_
_&c._ em que parece nam se-ouve o _u_: mas isto provèm da-pronuncia,
que o-toca levemente; porque em todas as palavras Portuguezas o _q_
faz pronunciar o _u_: _Quando_, _Quanto_ _&c._ E principalmente
avendo-se de introduzir, em disoens novas, ou Gregas, deve sempre
observar-se o uzo mais comum. Duarte Nunes poem sempre _c_ antes de
_t_, como em _Docto_, _Doctrina_ _&c._ Desta afetasam zomzombam
os omens de melhor juizo; e cuido que com razam: pois se aos nosos
ouvidos é insoportavel, quem fala asim, porque á-de ser toleravel,
quem o-escreve? Bluteau admite o tal estilo alguma vez, para evitar o
equivoco; v.g. _Compacto_, e _Compato_: mas eu nam vejo nisto equivoco,
pois na segunda disam o _Com_, deve estar separado. Mas aindaque ouvese
equivoco, o contexto o-tira. Outros em lugar do-_c_, sempre poem _u_, e
dizem, _Auto_ _&c._ tambem esta afetasam é condenavel: porque _Ato_, é
mui boa palavra, e todos a-intendem. Em _Douto_ _&c._ pode-se conceder
alguma coiza ao uzo.

Costumam muitos Portuguezes dobrar os ee finais em muitas vozes,
especialmente em _Fée_, _Sée_ _&c._ e alguns dobram-nos em muitas
outras palavras, inclinando-se, segundo dizem, a uma antiga pronuncia.
Mas ou seja antiga, ou seja de novo inventada, deve-se fugir esta
introdusam, pola mesma razam que disemos, de ser contraria à pronuncia.
Concorda o Bluteau dizendo, que em algumas palavras se-supre, com
um acento sobre o _é_. Mas eu digo, que nam sò em algumas, mas em
todas se-deve escrever um só _e_. e quanto ao acento agudo, digo, que
se-lhe-deve pór, nam para mostrar, que falta um _e_; mas para mostrar,
que se-deve carregar a vogal; porque asim ensina a pronuncia.

Pola mesma razam da-pronuncia, se-deve desterrar das-palavras ou
Portuguezas, ou aportuguezadas o _Ph_, em lugar de _F_. Muitos
Portuguezes introduzem, sem advertencia, em lugar do-_f_, o dito
_ph_: outros dam longuisimas regras para distinguir, quando se-deve
escrever um, quando outro. mas uns e outros discorrem muito mal. O _ph_
dos-Gregos era um _p_, aspirado com muita forsa, e que alguma coiza
declinava para _f_. e nam avendo em Portugal semelhante pronuncia,
é erro introduzir o dito _p_, quando temos cá o _f_, que tem o seu
próprio soido. Daqui vem que aindaque _Filozofia_, _Triumfo_ _&c._ na
sua origem tivesem o _ph_, contudo oje que sam palavras Portuguezas,
nam só adotadas polos doutos, mas de que indiferentemente se-servem
todos; devem-se escrever com simplez _f_. Temos o exemplo nos-mesmos
Latinos, que, quando adotavam algumas palavras Estrangeiras,
pronunciavam-nas com a pronuncia Romana: e davam-lhe as proprias
declinasoens Latinas. Talvez lhe-conservavam algumas proprias letras,
em atensam de serem linguas vivas. E muitas vezes, para se-livrarem
da-impropriedade, escreviam, e pronunciavam as ditas letras em
Grego puro: como todos os momentos encontramos nos-seus escritos,
principalmente nas cartas de Cicero, e alguns outros. Esta liberdade de
acomodar as palavras, ao estilo da-propria lingua, tiveram sempre todos
os Povos cultos: e devem ter tambem os Portuguezes. e asim significando
o _ph_ um _p_ aspirado, com algum soido de _f_; nam o-devemos uzar,
vistoque nas palavras Portuguezas, nam temos tal pronuncia.

Quanto aos nomes, que ainda nam estam em uzo por-todos, mas que somente
uzam, ou para melhor dizer, algumas vezes se-servem deles os literatos;
deve-se praticar outra regra. Se sam nomes (falo dos-Latinos, Gregos,
Ebreos &c.) de coizas pertencentes a Artes, ou Ciencias, parece-me que
se-devem escrever, com as suas letras originais. Vg. se quizer-mos
explicar, ou escrever os nomes pertencentes à Anatomia, que sam todos
Gregos, segundo o estilo do-Portuguez; escreveremos palavras, que
se-nam-intenderám: e asim é melhor, seguir a derivasam Grega. O mesmo
digo, de algumas partes da-Medicina, da-Filozofia &c. Muitos destes
nomes ou nam se-podem escrever de outra maneira, v.g. _Pneumatologia_
&c. ou, aindaque se-posam escrever, nam estam geralmente recebidos, nem
ainda polos mesmos eruditos: e asim nam gozam, do-privilegio Portuguez.
Se sam nomes Proprios, entra a mesma regra: ou sam pouco uzados; e em
tal cazo é obrigasam escrevelos, com as suas proprias letras. Onde nam
condeno quem escreve, _Homero_, _Herodoto_, _Herodes_ &c. aindaque
estes trez, e outros semelhantes que estam ja muito em uzo, podem mui
bem escrever-se sem _h_: o que ate os nosos Italianos ja fazem: Mas
sempre é mais desculpavel, se em semelhantes nomes se-uzam letras
da-origem. Quanto porem aos outros, que servem de diferenciar as pesoas
Portuguezas, e já estam totalmente naturalizados; devem-se vestir, com
o traje de Portugal. E este uzo acho praticado, em todas as Nasoens de
melhor doutrina. Quazi todos os nomes da-Sagrada escritura, se-acham
mudados na nosa Vulgata. Vg. nós dizemos, o _Mesias_: e se ouvesemos
pronunciar como está no-texto Ebreo, deveria-mos dizer, _Maxiaggh_ com
pronuncia forte, e gutural no-g. o que fizeram os Latinos, para adosar
a pronuncia forte, e aspera dos-Ebreos. Traduzindo os Gregos este nome,
escreveram, _Christos_: os Latinos, _Christus_: de que nós tomámos a
palavra, _Cristo_. Podia apontar mil exemplos, que deixo por-brevidade.
Os Gregos quando pronunciavam os nomes Latinos, faziam-no com
o dialeto Grego. e por-iso nós achamos, que nas medalhas Gregas
dos-Consules, e Imperadores Romanos, os nomes estam transformados.
Vg. este nome, _Marcus Tullius Cicero_, os Gregos escreveram-no
nas medalhas, _Markos Tyllios Kikeron_, que tem bastante diferensa
do-Latino. Os Latinos, como ja disemos, davam a terminasam Latina, aos
nomes Gregos: e muitas vezes deitavam-lhe fóra algumas letras. basta
abrir os Dicionarios, para reconhecer esta verdade. Os nosos Italianos
italianizam todos os nomes Estrangeiros, que lhe-chegam às maons,
quando eles sam tais, que se-podem pronunciar à Italiana: e, seguindo a
pronuncia Franceza, desterram da-escritura, os ditongos, e tritongos;
pondo somente a letra que conresponde ao tal ditongo. outras Nasoens
fazem o mesmo. Se pois em todos os tempos ouve esta liberdade; tambem
se-deve praticar em Portugal. E asim parece-me escrupulo ridiculo,
querer conservar em _Ieronimo_, o _h_, e _y_: e em _Iozé_, o _ph_ &c.
tudo isto se-deve evitar, escrevendo os nomes com as letras, com que-se
pronunciam em Portugal.

Emfim a regra é geral, que todos os nomes de origem antiga &c. ou sejam
Proprios, ou Apelativos, que estam naturalizados, e sam frequentemente
uzurpados, ou por-todos os omens, como _Ieronimo_, _Triumfo_, &c.
ou polo comum dos-doutos, como _Filozofia_, _Teologia_, _Fizica_,
_Metafizica_, e mil outros; devem-se escrever como se-pronunciam.
Os nomes ditos que nam sam geralmente uzados, v.g. _Themistio_,
_Theopompo_ &c. por-nam escandalizar os ouvintes, ou confundir os
ignorantes, é melhor escrevelos com as letras originais. Os nomes,
em que entra duvida se sam, ou nam uzados, podem-se escrever, com
as letras da-sua derivasam; pois a duvida mostra, que nam é uzual.
Isto digo dos-nomes, que sam puramente antigos, ou que se-derivam de
linguas mortas, como a Latina, Grega, Ebraica, Caldaica &c. Quanto
pois aos nomes de linguas vivas, principalmente das-linguas do-Norte,
em que se-acham muitas consoantes seguidas &c. acho que é melhor, e
às vezes preciza necesidade, escrevelos com todas as suas letras:
porque sem isto, nam se-poderám distinguir e reconhecer, os Autores,
as Cidades &c. e nacerá grande confuzam. Aquelas consoantes que a
nós parecem superfluas, nam o-sam para eles, porque as-pronunciam,
supondo-lhe vogais: onde tirando-as, nem os-intenderemos pronunciar,
nem os-saberemos procurar nos-livros.

Esta doutrina que atè aqui establecemos, deve-se aplicar, a todos os
outros cazos que ocorrerem, de quaisquer letras que se-nam-pronunciam:
E asim nam é necesario repetila especialmente, em todas as palavras:
pois qualquer por-simesmo pode aplicála. Onde, seguindo a ordem
do-Alfabeto, deve-se desterrar o _G_. de _Madalena_ &c. Polo contrario
deve conservar-se em _Significar_, _Magnifico_ &c. porque na pronuncia
s’exprime.

A mesma razam persuade, que nenhum Portuguez deve servir-se do-_H_,
senam quando tem diferente pronuncia. v.g. despois de _c_, como em
_Chave_, despois de _n_, como em _Minha_ &c., nunca porem quando
se-diz, _He_, _Hei_ &c. Desta opiniam foram alguns antigos Portuguezes,
como Joam Franco Barreto na sua Ortografia; que quer se escrevam, sem
_h_: e o P. Bento Pereira na sua _Grammatica Linguæ Lusitanæ_, que
concede, que em algumas partes se-pode deixar. Muitos Portuguezes que
atualmente vivem, e de mui boa doutrina, defendem fortemente, que
se-exclua o _h_. e achei um, que somente o-admitia, quando distinguia
uma disam da-outra. v.g. _Ouve_ pode significar, _teve_, e também,
_está ouvindo_: onde no-significado de _teve_, punha-lhe o _h_, para
nam cauzar confuzam. Conheso, que o contexto mostra bem, em que sentido
se-toma: e sei que no-Latim, á infinitas palavras, que tem terminasoens
equivocas, cujo verdadeiro significado se-alcansa, polo contexto.
E ainda no-Portuguez _Amára_, e _Amará_, se acazo nam tem acento,
somente se-distinguem polo contexto. da-mesma sorte _Cria_ verbo que
significa, _Tirar do-nada: cria_ verbo que significa, _Produzir a
terra: cria_ verbo que significa, Dar _leite ás criansas_: e _cria_,
imperfeito do-verbo _crer_: nam se-distinguem senam polo contexto: o
que tambem sucede em muitos outros. Digo somente, que nam condenaria,
quem o-escrevese nestes cazos: aindaque eu pratique comumente o
contrario. Fóra daqui, julgo que nam se-deve escrever, em nenhuma outra
disam; porque todas se-distinguem mui bem, sem ese sinal de aspirasam.
O Bluteau, que no-Dicionario diz, que em algumas partes se-podia
deixar de pòr o _h_ no-principio; em outros lugares porem defende, a
introdusam do-_h_, querendose desculpar, com a lingua Italiana. Mas
erra manifestamente no-que diz. porque nam só os omens mais doutos na
lingua Italiana desterráram o _h_ do-principio, e de muitas partes
do-meio das-disoens, deixando-o somente despois de _c_, e g, como em
_Bianche_, _Vaghe_; porque aqui é verdadeiramente aspirasam forte,
e tem seu particular soido: mas tambem a mesma Academia da-Crusca
no-seu _Vocabulario Compendiado e Correto_, declara, que somente uza
do-_h_, para evitar algum equivoco. v.g. _Hanno_, Verbo que quer
dizer, _tem_; de _Anno_, nome que significa, o _ano_. Como tambem em,
_Ho_, _Hai_, _Ha_, inflexoens do-mesmo Verbo; para as-distinguir de
algumas Particulas, que tem a mesma terminasam. aindaque neste cazo
nam condenam, quem deixa o _h_. Quando muito admitem o _h_, em _Hui_,
_Hoi_, exclamasam de quem se-queixa, ou outro semelhante monosilabo:
declarando porem, que aqui, e em quatro vozes que apontam, s’introduzio
por-erro antigo dos-impresores, e nam por-alguma fundada razam. O que
é muito de notar: sendoque os Toscanos aspiram fortemente todos os
monosilabos, semque por-iso escrevam _h_. Fóra destas circunstancias,
nenhum Italiano douto escreve _h_: onde falsamente se-serve o Bluteau
do-seu exemplo.

Mas, deixando o que fazem os outros, e pasando ao que devem fazer os
Portuguezes, digo, que nam devem escrever _h_ senam, quando cauza
diferente pronuncia, como em _Minha_, _Diz-lhe_ &c. O _é_ quando _é_
Verbo, muito bem se-distingue do-_e_ Conjunsam, pondo-lhe emsima um
acento. Nem eu poso intender porque razam _é_ Verbo, deva escrever-se
com _h_, e _era_, _eram_ &c. que sam inflexoens do-mesmo Verbo,
sem ele. Também o _ás_, _á_, Verbos que significam _ter_, mui bem
se-distinguem de _às_, _à_ Particulas, com a diversidade do-acento
grave. Tudo isto asim distinguem os nosos Italianos, que participam
mais que ninguem da-lingua Latina, e que sam mui advertidos nestas
pronuncias. Onde é erro dizer, _Huma_, _Humilde_ &c. mas deve-se
escrever, _Uma_, _Umilde_ &c. Nem é obscura a razam: basta olhar para
à pronuncia, para saber, que é erro, pòr o _h_. Antigamente o _h_ era
sinal de uma forte aspirasam[7]. (intendo por esta palavra _aspirasam_,
deitar para fóra o ar que se-recebeo, para refrescar o interior, e
ajudar a circulasam do-sangue: o que advirto, porque me-parece, que
entre muitos Portuguezes, nam é bem certa a significasam desta palavra,
_aspirasam_) Deste final pois somente se-serviam, para suprir as letras
aspiradas dos-Gregos. Onde somente s’escrevia antes das-vogais, cuja
pronuncia era bem aspirada, e gutural, como adverte Cicero[8]. e talvez
antes desas nam se-punha. Mas no-tempo da-pureza da-lingua Latina,
nunca os omens doutos escreveram _h_ despois de consoante: mas somente
no-principio da-disam, e antes de vogal: e nam escreviam _Pulcher_,
mas _Pulcer_: nam _Charitas_, mas _Caritas_ &c. o que ainda oje vemos,
nos-melhores manuscritos, e inscrisoens lapidares. Mas se alguma vez
a-punham despois de consoante, somente o-faziam nas palavras Gregas, ou
que de lá traziam origem. De que fica claro, que na lingua Portugueza,
em que nam á aspirasam alguma nem forte, nem branda; nam se-deve pòr
aquele sinal, que só serve de avizar o Leitor, que aquela letra deve
ser aspirada. Somente do-_U_ duvidei por-algum tempo, se admitia antes
de si _h_: porque, a falar verdade, parece-me ser aquela letra, que em
Portugal se-pronuncia, com alguma aspirasam; porque a mesma natureza
da-letra o-permite. mas dezenganáram-me os meus Italianos, que, sendo
tam escrupulozos observadores da-pronuncia, nam poem _h_ antes de disam
alguma, que comece por-u: falo dos-que escrevem com a ultima perfeisam.
Onde nem menos os Portuguezes devem ter escrupulo, de os-escrever sem
_h_.

Sobre as diferentes especies de _II._ é incrivel a bulha que alguns
fazem, especialmente para determinar, quando se-deve pòr j rasgado, ao
principio das-disoens. Cuido que esta grande bulha, se-pode reduzir a
duas palavras. Distinguir o _i vogal_ do-_consoante_, é mui necesario,
para saber quando fere, ou nam fere a vogal. chamamos _rasgado_, ao
consoante; _pequeno_, ao vogal; e distinguem-se pola figura. Quanto
ao escrevelos ao principio, pouca dificuldade pode nacer, em quem
escreve em Portuguez; vistoque rarisima palavra Portugueza comesa
por-_i_ vogal, antes de outra vogal. Onde tirando, _îa_ Verbo, ou
alguma outra rarisima, que agora nam me-ocorre; em todas as
palavras Portuguezas, que comesam por-_i_ antes de vogal, a dita
letra é consoante, e deve-se escrever rasgada; ou de forma pequena,
ou maiuscula, segundo a necesidade. Alguma dificuldade pode nacer,
no-principio das-palavras impresas. Neste cazo nam dezaprovo, que o
_i_ de _Joannes_ v.g. e outros semelhantes seja rasgado, para evitar
alguma confuzam. Mas isto intende-se nos-nomes de fórma pequena: porque
nos-de fórma grande, que é a maiuscula Romana, pouca necesidade temos
de escrever _i_ rasgado no-principio: pois com o outro, igualmente
se-pronuncia bem. Quem porem em ambas as partes quizese pòr _i_
rasgado, nam o-condenaria: principalmente se comesasem por-alguma
das-duas Portuguezas, que asima aponto.

A maior dificuldade consiste em determinar, quando se-poem _G_, quando
_I_, antes de _e_, ou _i_, nas palavras Portuguezas. v.g. _Gente_
escreve-se com _g: Ereje_ uns o-escrevem com _g_, outros com _i_,
_Ieronimo_ com _i: Giro_ escreve-se com _g_: E outras vezes antes
do-_e_ &c. poem-se um _j_ consoante. Para dar razam destas variasoens,
tem alguns escrito longas paginas: mas nenhuma Regra das-que li, deixa
de ter suas excesoens. Dizem, que em _Gente_, _Giro_ &c. a derivasam
aponta o _g._ concedo: mas que derivasam aponta a letra, que devemos
escrever em _Ereje_, e outros semelhantes, que nam tem analogia
alguma, com as letras da-sua derivasam? O meu parecer é este: Que os
doutos, sigam a derivasam Latina, especialmente no-principio; e tanto
nos-Apelativos, como Proprios, que sempre comesam por-_i_: tirando
quando despois se-segue outro _i_, que entam é melhor, converter o
primeiro em _g_, como _Ginja_. Que no-meio, uzem mais do-_g_, que
do-_i_: vistoque nisto tambem á diversidade, ainda nos-que derivam
do-mesmo Latim. Mas, nam se-lembrando da-derivasam, &c. posam servir-se
indiferentemente de ambas. Os ignorantes sigam o costume e a pràtica,
dos-que melhor escrevem. Nem devemos admirar-nos, se em alguma letra
nem todos concordem: nam sendo posivel, que convenham todos, em materia
tam duvidoza e arbitraria.

Tambem sobre as terminasoens, _am_, e _aõ_, fazem alguns longuisimas
disputas, e mui superfluamente. Confesa o Bluteau na sua Proza
Apologetica, que ja saîram livros inteiros, para deitar fóra o _aõ_: e
que outros lhe respondèram dizendo, que o _til_ nam era _letra_, mas
_risco_. O Bluteau protege a pose do-_aõ_. mas declara, que o _til_
supre a letra _n_: e defende constantemente, que nam se-deve tirar o
_til_, porque a terminasam _aõ_, segundo ele diz, é mais engrasada, que
o _am_; e por-este motivo deve-se conservar: muito mais porque seria
necesario tambem, desnaturalizar as palavras, _Birimbao_, _Catimbao_,
_Pao_, &c. Mas o Bluteau nesta materia, deixou-se guiar por-alguns
prejuizos. Dizer, que o _til_ é _risco_, e nam _letra_, é o mesmo, que
nam dizer nada. O certo _é_, que este risco faz, que eu pronuncie um
_n_ demais, que as letras que ali vejo: onde, chamem-lhe como quizerem,
é um verdadeiro _n_. Dizer, que a terminasam _am_, é diferente na
pronuncia, de _aõ_, é outro engano: pois em qualquer disam Portugueza,
que se-ache a terminasam _am_, todos a-pronunciam como _aõ_: e
Portuguezes mui doutos servem-se indiferentemente de ambas: e cuido que
com muita razam; se è que a segunda se-deva tolerar.

Os que contrareiam isto, nam intendem bem a materia; nem d’onde
naceo, esta particular pronuncia em _aõ_. Quem bem considera o ponto,
reconhece facilmente, que aquele _til_, é um rigorozo _m_ final: e
deveria escrever-se, _Falaom_: porque escrevendo-se desta sorte, e
pronunciando-se depresa, faz o mesmo soido, que _Falaõ_. Daqui naceo,
aquela particular terminasam em _aõ_ dos-Portuguezes: porque com a
presa de pronunciarem, tocam tam de pasagem o _o_; que nam se-ouve
mais, que o _m_: o qual, em vez de o-pronunciarem com os beisos
fechados, que é a sua propria pronuncia; pronunciam com um soido
fanhozo do-nariz: que é o estilo prezente de pronunciar todo o _m_
final, em Portugal: nam avendo aqui _m_, que se-pronuncie como deve
ser. Alemdeque bastava alguma reflexam, para conhecer isto; acha-se
manifesta razam, para o-persuadir. A _plica_ ou _til_, deve significar
alguma letra: de outra sorte seria superflua, e nam produziria algum
efeito. Esta letra só pode ser _m_, ou _n_, e ambos finais: porque de
outra sorte sería, _Falamo_, ou _Falano_: o-que nam pode ser. Onde fica
claro, que _Falam_, é uma sincope de _Falaom_: e que tanto se-pode
escrever um, como outro. Reconhece-se isto melhor nos-plurais. v.g.
_Maõ_, faz _maons_: _Varaõ_, _varoens_: nos-quais declaradamente se-ve
o _m_, ou _n_, segundo a pronuncia. E eu creio, que antigamente nestes
plurais, em vez de _n_, punham _m_; e que a dificuldade de pronunciar
o _m_ junto com o _s_; ou o som do-nariz, que pouco a pouco se-foi
introduzindo no-_m_, o-converteo em _n_ nestas terminasoens: pois ainda
oje escrevendo-se com um _m_ final, a pronuncia o-faz parecer, como
_n_. O que, como dise, é um idiotismo particular dos-Portuguezes.

E esta é a razam, porque os Estrangeiros, nam podem pronunciar bem
estas dezinencias; que na verdade sam feias, e asperas terrivelmente:
porque nam á quem lhe-explique, que o _til_ de _aõ_, é um _m_, que
os Portuguezes, por-corrusam, pronunciam como um _n_; nam só no-fim,
mas ainda no-meio das-palavras. Reconheci isto por-experiencia: pois
tantoque dei esta explicasam a alguns, e mostrei o vicio da-linguagem;
pronunciáram melhor, que os outros. Daqui concluo, que as ditas
terminasoens, _aõ_, e _am_, podem-se uzar indiferentemente; vistoque
uma é sincope da-outra: tendo introduzido o uzo, nam pronunciar na
segunda, o _o_. Onde dise um erro Inacio Garcez Ferreira, e alguns
outros, quando quizeram defender, que estas dezinencias eram diferentes
no-soido: e quando ele lhe-chamou, sincopes das-Castelhanas. E nam sei,
se confirma tambem o que ate aqui dise, ver, que na Provincia de Entre
Doiro, e Minho, ainda oje se-pronuncîa, em muitas destas palavras, o
_o_; pois dizem, _Tabaliom_, _Escrivom_ &c.

Mas eu digo mais, e asento, que aindaque uma seja abreviatura da-outra,
emportava muito à lingua Portugueza, que se-deitase fóra o _til_, e
a terminasam _aõ_, escrevendo-se tudo extensamente: e uma de duas,
ou que se-escrevese _Falaom_; ou, abreviando, _Falam_. Introduzir a
primeira escritura, serîa mais dificultozo; porque estes amigos nam
querem reformas utis: e asim será melhor, preferir a segunda _am_,
que ja está recebida em Portugal. Certo é, que quando os Portuguezes
escrevem, a dita terminasam _am_, pronunciam _aõ_: e tambem é certo,
que muitos omens doutos servem-se da-primeira terminasam. Este modo de
escrever, encostava-se mais para a pronuncia: e com ele se-evitavam
confuzoens. serîa também a lingua mais facil de ler, e pronunciar,
aos Estrangeiros: pois bastava advertir-lhe, que entre, o _a_ e _m_,
deve-se pòr um _o_, e pronuncialo depresa. Advertimos porem, que
aindaque os Portuguezes tenham, esta pesima pronuncia na sua lingua;
quando porem pronunciam a dita terminasam _am_, no-Latim; devem
pronunciala com os beisos fechados, como em seu lugar advertiremos:
poisque a lingua Latina nam está sugeita, às suas leis.

Querem alguns, que em _Tempo_, e outras palavras, em lugar do-_m_,
se-ponha _n_, porque asim soa. Cuido, que dizem mal: porque aindaque
alguns pronunciem o dito _m_, como _n_, pronunciam muito mal; pois
nesta voz muito bem se-ouve o _m_, e em outras tambem. E aindaque em
outras partes, nam seja tam sensivel o _m_, deve conservar-se: pois se
ouvesemos de tirar todos os _mm_, que nam se-explicam bem, poucos _mm_
ficariam em Portugal. Em _Contigo_, _Consigo_ &c. podem tiralo. Contudo
quem o-quizese tirar em todas as outras, nem por-iso o-condenaria como
erro.

A terminasam _an_, tambem cauza duvidas, a muitos Portuguezes: e eu
julgo, que nam deve ter nenhuma. Acham-se omens que asentam, que nam
á tal terminasam no-Portuguez, e defendem isto, com muita forsa. Se
disesem, que a terminasam _an_, antigamente era _am_, nam diriam
mal: mas querer defender, que oje nam á tal terminasam, é dizer um
erro. Distinguem-se oje os nomes Femininos, dos-Masculinos, com esta
terminasam. Vg. _Vam_, e _Van_: _Irmam_, e _Irman_. Nem me-digam,
que o _til_ é risco, e nam letra: pois ja asima mostrei, que o _til_
é uma letra; e que a pronuncia ensina, que á-de ser _n_. Por-esta
razam concluo, que será necesario, pòr o dito _n_ expreso, deitando
fóra o _til_. Muitos Portuguezes doutos seguem esta opiniam: os quais
rim-se de Duarte Nunes, que queria se-dobrasem os _aa_, dizendo _Vaã_,
_Menhaã_.

Sobre o P, ja asima dise, que nam se deve escrever _ph_ por-_f_: Agora
digo, que nem menos se-pode sofrer, o que muitos fazem, pòr _p_, antes
de _t_, em muitas disoens. vg. _Prompto_ &c. Esta é uma afetasam pouco
toleravel: vistoque a pronuncia Portugueza, tem ja desterrado este _p_.
Onde nam é a mesma razam do-_b_, ou do-_g_, ou do-_d_, que se-conservam
nas palavras, _Obscuro_, _Significo_, _Adverte_: porque este, ouve-se
mui bem: e o _p_, nam se-ouve sem afetasam. E nam falta quem diga, que
nas duas primeiras palavras tem ja introduzido o uzo, deixar aquelas
letras na pronuncia: o que eu nam condeno: como nem menos condeno, quem
as-pronuncîa. Pode ser que com o tempo, se-deixem totalmente.

_Quimera_ por-_Chimera_, defende Bluteau, e alguns outros: eu julgo,
que sem razam alguma; sendoque o _qui_, tem mui diferente pronuncia,
doque a que se-ouve na palavra, _Chimera_. Ja asima dise, que a quem
nam agrada, escrever estas palavras, por-_ch_, é melhor, uzar o _k_
dos-Gregos, doque o _qui_; que tem em Portugal diferente pronuncia,
na qual expresamente se-ouve o _u_.

Introduzio o uzo em Portugal, dobrar os _rr_, quando tem pronuncia
forte: e parece-me que este uzo se-deve observar, nam fazendo cazo,
do-que aconselham alguns, que um só _r_ bastava.

Nam poso sofrer, que o Bluteau na sua _Proza Gramatonomica_, queira
introduzir, no-principio das-palavras Portuguezas, o _s_ antes de
consoante: e escrever, _Squeleto_, _Spasmo_, _Scena_, _Sciencia_ &c.
Esta corresam é tam fora do-escolio, que nenhum Portuguez, que nam
seja Latino, saberá pronunciar aquele _s_, no-tal lugar: e o que souber
Latim, será necesario, que pronuncie um _e_ mui redondo. A razam disto
_é_, porque o _s_ Portuguez, que nam é final, é um verdadeiro sibilo ou
letra sibilante, que faz ouvir a vogal ou antecedente, ou consequente.
e asim, querer escrevela sem vogal, é mudar a pronuncia da-letra, e é
fazer uma ridicularia, fundada unicamente em querer mostrar, que sabe
a derivasam daquelas palavras. Abrasáram algumas pesoas cegamente, a
opiniam do-Bluteau: mas nem por-iso dam razam, ou fazem autoridade
nesta materia. Onde, antes de consoante, nunca se-deve escrever _s_
simplez.

Deve-se com cuidado distinguir o _u_ vogal, do-consoante v, ou _v_,
para nam originar duvidas. O que muitos nam fazem, ainda prezados de
doutos: pois vejo escrituras deles, que merecem compaixam. Isto porem
nam só no-Portuguez, mas ainda no-Latim é necesario: Pois aindaque
antigamente, (que os Romanos escreviam com letras maiusculas) todos os
_vv_ tinham a mesma figura: oje que, com muita razam, se-introduzio
esta necesidade, devemos, no-carater pequeno, distinguir na figura
estas duas letras, asimcomo as-distinguimos na pronuncia. E fazem mui
bem os Alemaens, que, ainda nas letras maiusculas, distinguem o vogal,
do-consoante, nos-livros impresos.

Diz Alvaro Ferreira Vera, que nenhuma disam Portugueza, deve acabar
em _x_. Muitos porem acabam em _x_ algumas palavras, e entre elas,
_Felix_, _Simplex_ _&c._ O que eu sei é, que a pronuncia Portugueza
acaba em _x_, todas as palavras que acabam em _s_: quero dizer, que
todo o _s_ final pronunciam como _x_. de que nam quero outra prova
mais, que cada um observe, como pronuncia o _s_ final; e que diferensa
tem do-_s_, que pronunciam no-meio das-disoens. O que suposto, se
seja mais util, acabar em _x_, o que se-pronuncia como _x_, ou
pronunciar diferentemente os _ss_ finais; eu o-deixo considerar a V.
P. Mas deixemos o _s_, na sua pose: observo, que nam só o _s_ final
se-pronuncîa como _x_, mas também o _z_ final: o que V. P. pode ver em,
_Diz_, _Luiz_, _Fiz_ _&c._ E daqui cuido que naceo a facilidade, de pòr
o _z_, em lugar de _s_ final, naquelas vozes de que se-formam outras:
como, _Diz_, _dizes_; _Faz_, _fazes_; para por-este meio fazer os
plurais, somente com acrecentar _es_. O que eu nam condeno, mas antes
aprovo, e pratîco com o exemplo, e com a razam: e cuido asim se-deve
fazer. Nesta letra é digno de atensam, o demaziado escrupulo de alguns,
que magistralmente decidem, que o _x_ tem diferente pronuncia do-_ch_,
antes de _e_, ou _i_: e que _é_ erro dizer, _Xapeo_; mas que se-deve
pronunciar, _Chapeo_, carregando muito no-_ch_, para o-distinguir do
_x_: e advertem, que é erro da-pronuncia da-Estremadura, pronunciar o
_ch_, como _x_. Mas, sem fazer cazo da-decizam destes Senhores, julgo,
que devemos continuar, na pronuncia da-Estremadura. Nam digo, que na
escritura convertamos o _ch_, em _x_: deixo as coizas como se-acham: só
digo, que na pronuncia, nam á diferensa entre uma, e outra letra. Em
materia de pronuncia, sempre se-devem preferir, os que sam mais cultos
e falam bem na Estremadura, que todos os das-outras Provincias juntas.
Ora é certo, que os ditos pronunciam docemente como um _x_: e nem só
eles, mas muitisimos de outras Provincias, tem a mesma pronuncia.
Somente alguma diversidade achei nos-Beirenses, que batem mais o dito
_c_, encostando-se à pronuncia Romana do-_c_. Mas seja como for, estas
nam sam razoens, para persuadir um omem, a que pronuncie o dito _ch_,
diferentemente do-_x_: quando a pronuncia comua está a seu favor:
a qual por-iso mesmo que é mais suave, deve ser preferida à outra.
E saiba V. P. que notei outra coiza, e vem aser, que os que querem
pronunciar o _ch_, nam como _x_, esforsam-se desorte, que, na violencia
comque pronunciam, mostram bem, que nam é esa a sua pronuncia. O dizer,
que se-devem distinguir na pronuncia, nem menos persuade: porque eles
mesmos admitem que _s_, e _c_, antes de _e_, e _i_, pronunciam-se
da-mesma sorte: onde nam tem que se-escandalizar. E asim o dizerem
eles, _é erro_, nam faz forsa: devemos responder-lhe, que eles sam
os que erram. Advirto porem, que no-meio das-disoens introduzio o
uzo, nam pronunciar o _x_, como no-principio; mas segundo o estilo
Latino, como se fose um cs brando, tocando ligeiramente o _c_: v. g.
em _Reflexam_, _Conexam_ _&c._ porque asim é mais suave. mas _Paixam_,
ainda se-conserva em toda a sua forsa; e nam sei qual outro.

O _Y_ tem tantos apaixonados, principalmente entre os modernos
Portuguezes, que quazi abuzam dele: e acham-se livros, em que sam
mais os _yy_, que os _ii_: especialmente o Curvo na sua _Atalaia
da-Vida_, e alguns outros. O Bluteau, seguindo a Bento Pereira, diz,
que se-deve admetir nas palavras, para mostrar a origem remota delas,
principalmente do-Grego &c. Como se sem esta noticia, nam pudesemos
saber Portuguez! Tomára porem que me-disese, se _Meio_, _Cuidado_,
_Saia_ _&c._ em que poem o tal _y_, tem alguma analogia com a origem.
Outros dam outras razoens, que nam merecem reflexam, nem resposta:
O certo é, que esta vogal antigamente valia o mesmo, que o _u_, ou
tinha um soido mais semelhante a _u_, que a _i_. onde se a-quizer-mos
tomar, no-seu antigo vigor, faremos uma voz desemelhante, à que
queremos pronunciar: e se acazo deve valer um _i_ simplez, tomára que
me-disesem, por-qual razam a-poem, onde nam é necesaria. Daqui vem, que
é erro escrever, _Meyo_, _Ley_, _Hey_, _Rey_ _&c._ tudo isto se-deve
escrever sem y, porque nam sam nomes Gregos, mas puros Portuguezes.
Onde nam só os Portuguezes, mas os mesmos nomes Gregos, quando estam
bem aportuguezados, como _Idropezia_, _Ulizes_ _&c._ se-devem escrever
sem y. Confeso, que nam pude sofrer o Bluteau, o qual, seguindo ao
Pereira, quer, que a vogal _i_ nam seja suficiente, para fazer ditongo
com _a_, dizendo, _Pai_, _Dai_, _&c._ mas que seja de necesidade pòr
o _y_, para o ditongo. Este parecer nam necesita de confutasam: pois
quemquer conhece, que com _ai_, se-pronuncîa, da-mesma sorte que _ay_:
onde o uzo serve de resposta; e nam temos necesidade do-_y_, para fazer
o mesmo, que fazemos com o _i_.

Paso daqui ao Z, aquela letra desgrasada, que teve a infelicidade de
dezagradar, à maior parte dos-escritores Portuguezes deste seculo: os
quais nam só a-desprezáram, para introduzir em seu lugar o _s_; mas
alguns deles com decreto asentáram, que se-devia desterrar do-meio
das-disoens, e prover o seu lugar no-_s_. Estes Senhores escrevem
quazi tudo com _s_. Achará V. P. em alguns dos-bem modernos * * *
_Cezar_, _Fazer_, _Quizeram_, _Miudeza_, _Reduzir_, _Fazenda_ &c. tudo
escrito com _s_. Entre eles achei um, de mui boa fama, que em uma
orasam * * escreve, _Alteza_, _Solenizado_ com _z_: e pouco abaixo,
_Usurpáram_, _Lisonja_ com _s_. poem _Riqueza_, e logo _Luminoso_,
_Profusam_. poem _Fazem_, e logo _Religioso_. Emfim a maior parte
destes modernos doutisimos escrevem, _Alteza_, _Luzes_, e outras
poucas palavras com _z_: e tudo o restante, em que devia entrar o
_z_, vai com _s_. O Vieira, e outros, que nam admitem tantos _ss_,
contudo em algumas disoens seguem o mesmo, e escrevem vg. _Brazil_,
com _z_, e _Reside_, com _s_. Mas eu creio, que é necesaria mui pouca
meditasam para conhecer, que todos estes erram. Os Portuguezes tem
a pronuncia do-_z_ asperisima: que creio lhe-ficou, da-comunicasam
com os Moiros, e Arabios, que abundam muito diso: e eu acho em
Portugual, muitos vocabulos destas Nasoens. Onde tendo o _s_, e _z_,
diferentisimas pronuncias, é erro sem desculpa, pòr o _s_, em lugar
do-_z_, quando este deve ter toda a sua forsa, como no-principio, ou
meio das-disoens. Dezafio todos os Portuguezes, paraque pronunciem
estas palavras diferentemente, vg. _Luzes_, _e Lizonja_; _Abrazado_,
e _Plauzivel_; _Riqueza_ e _Religiozo_. nam averá algum que se-atreva
a dizer, que nas primeiras se-ouve _z_, e nas segundas _s_: mas em
ambas as partes se-ouve um _z_ mui grande, e gordo. Sendo pois esta
pronuncia particular na lingua Portugueza, acha V. P. que se-pode
sofrer, desterrar todos os _zz_, para introduzir uma letra, que
soa diferentemente? a isto chamo eu destruir, nam emendar, a boa
Ortografia. Alem diso, eu acho em Portugal motivo, para dizer o
contrario. ponhamos exemplo nestas duas palavras, _Azeite_, e _Aceite_;
ou tambem, _Razam_, e _Raçam_. Ninguem dirá, que estas duas palavras
soam da-mesma sorte: porque em tal cazo nam averia motivo, para
as-distinguir na pronuncia. todos tambem conhecem, que o _c_, com
cedilha _ç_, antes de vogal, pronuncia-se como _s_; e que por esta
razam muitisimos Portuguezes indiferentemente uzam delas. Daqui pois
segue-se, que se _z_, se-deve pronunciar como _s_, os ditos pares de
vocabulos devem pronunciar-se da-mesma sorte. Mas sem eu perguntar
isto a omens doutos, mas somente ao leigo da-cozinha de V. P. sei que
me-responderá, que _Razam_, e _Raçam_, sam coizas mui diferentes:
_Azeite_, e _Aceite_, nam menos: E asim nam tenho lugar de duvidar,
que, pronunciando-se diferentemente, devem tambem escrever-se, com
letras diferentes. Se concedem, que o _z_ se-deve conservar, em algumas
vozes, como todos concedem; que razam á, para o-nam-conservar nas
outras? Se dizem, que o dito _s_ se-deve pronunciar como _z_, merecem
rizo quando querem pòr aquele por-este. ou deitem fóra esta letra
do-alfabeto; ou escrevam-na onde deve entrar. Fazer o contrario, é
destruir a pronuncia da-lingua, ou batizar de novo as letras.

Somente porei _z_ em lugar de _s_, no-fim de algumas disoens, de
que se-formam outras, como asima dise: porque o uzo introduzio esta
pronuncia do-_z_, semelhante ao _s_. o que suspeito que provèm de uma
_Apocope_, que se-acha nas tais palavras: e que antigamente despois
do-_z_ se-punha uma vogal: como á exemplo em muitas linguas, e também
na Portugueza.

Lendo eu a este intento o Bluteau nos-opusculos,[9] fiquei confirmado,
que poucos omens pensam bem, ainda dos-que tem bom nome. Confesa, que
muitos eram de parecer, que s’escrevese _Filozofia_, sem _ph_: e que
sempre se-avia de seguir a pronuncia, pois era esta a maior excelencia
do-Portuguez; no-qual as letras dobradas eram inutis. Que desta opiniam
era Duarte Nules de Leam, & Joam de Barros, nas suas Ortografias; e
outros muitos autores, que escrevèram da-lingua. Contudo diz, que na
Academia do-Ericeira se-asentára, que nem sempre se-devia escrever como
a pronuncia: Mas aqueles nomes que conhecidamente encerravam origens
sem corrusam, s’escrevesem como na sua etimologia, quando as letras
nam fosem como a pronuncia: e asim _Coro_, e nam _Choro_: _Monarquia_,
e nam _Monarchia_: E que os _zz_ s’evitasem muitas vezes, servindo-se
do-_s_. Confeso a V.P. que nam pude ler isto sem rizo. Eu nunca li as
obras do-_Leam_, ou _Barros_, nem me-cansei em buscalas: mas agora fico
formando melhor conceito deles. Polo contrario nam sei, quais eram
os votantes na dita conferencia: porem olhando para o que asentáram,
formo mao conceito do-seu juizo: pois conhecendo a razam, e tendo bons
autores, que os-apadrinhasem; ainda asim quizeram seguir os prejuizos e
preocupasoens que mamáram, somente por-serem antigas. Isto certamente
nam é emendar a Ortografia. O pior é, que o Bluteau conhecendo isto
mesmo, como em algumas partes confesa, deixa-se guiar da-corrente.
Asima mostrei, que _Monarchia_, deve-se escrever com _ch_, vistoque
asim escrevem _Archanjo_ os contrarios &c. e nam tem divesa razam, sem
cairem em uma superfluidade. Devendo pois desterrar o _ch_, é melhor
servir-se de _k_; mas nunca de _q_. O mais tambem ja fica advertido.

Certamente que o dizer o Bluteau, que nos-nomes se-deve observar, a
Ortografia da-derivasam, como em _Philosophia_ &c. porque de outra
sorte nam se-saberám buscar nos-Dicionarios; é reflexam que merece
rizo: porquanto as derivasoens, só as-procuram os doutos: e estes bem
as-sabem. os ignorantes, nem asbuscam, nem necesitam de buscalas,
aindaque queiram falar, e escrever puramente.

Até aqui tenho feito algumas reflexoens, principalmente sobre as
coizas, que se-devem deixar: agora farei outras, sobre as que se-devem
acrecentar. Nam cuide V. P. que estas sam de menor momento nesta
materia: antes muitas vezes delas depende o aumento, a pureza, e
elegancia da-lingua. Ponho em primeiro lugar os _Acentos_: que creio,
sam indispensavelmente necesarios, para distinguir muitas palavras. Nam
podemos sem eles saber, se _Amara_, é preterito, ou futuro: e damesma
sorte em outras muitas palavras. Tambem para distinguir os _Nomes_,
dos-_Verbos_, vg. _Pronuncia_ nome, de _Pronuncîa_ verbo. Asimque este
deve ser todo o cuidado dos-mestres: que devem advertir aos discipulos,
em que partes se-devem pòr, para bater com mais, ou menos forsa as
vogais, e distinguir os tempos, e as vozes: vistoque os Portuguezes nam
tem letras dobradas, que antigamente serviam a outros, para mostrar
as diferentes pronuncias. Porque eles com as dobradas, pronunciavam
diferentemente: e os Portuguezes, tirando em pouquisimas palavras,
pronunciam como se estivese uma simplez letra.

Nam ignora V.P. que as _virgulas_, _pontos_, e _dois pontos_, foram
inventados, para distinguir melhor o discurso. Este é um dos-defeitos
da-antiga escritura, que tinha poucos sinais destes: e por-iso é às
vezes bem embrulhada. Muitas vezes verá V.P. um ponto, despois de
cada palavra: o que faz grandisima confuzam. Outras vezes, o lugar em
que punham o ponto, mostrava a diversidade da-pontuasam: quero dizer,
que o polo na cabesa, ou no-corpo, ou no-pé da-letra, mostrava que
era _virgola_, _dois pontos_, e _ ponto_. E como nam temos documentos
bem claros, ainda oje vareiam muito os Gramaticos no-determinar,
quando era ponto, e quando virgula &c. Com efeito eu vi uma lapide
antiga, na qual os pontos todos estavam em um mesmo sitio, no-corpo
das-letras: o que aumentava a confuzam. Os Modernos mais advertidos
inventáram estes diversos sinais, para nam nos-enganar-mos nas pauzas,
e no-sentido do-discurso. Mas ainda nisto procedèram devagar: e eu vi
livros impresos nos-primeiros tempos, quero dizer, nos-fins do-seculo
XV. e principios do-XVI. nos-quais nam avia mais que virgulas, e
todas damesma figura: o que aumentava sensivelmente o embaraso:
sendo necesario um grandisimo estudo, para distinguir os sentidos. E
isto se-pratîca ainda oje nos-originais das-Bulas Romanas, escritos
sem virgulas, nem pontos: os quais quem nam é pratico dos-estilos
da-Dataria, nam pode ler; nam só polo carater Gotico, mas pola
Pontuasam. Os Modernos evitáram isto, com a diferensa de figuras. Onde
sendo os Acentos, os que tiram a confuzam à pronuncia, e ensinam,
como se-devem distinguir as partes do-discurso; valem infinito preso,
e devem praticar-se com cuidado. Nam digo, que escrupulozamente
pratiquemos as trez sortes de acentos: pois nem os mesmos Romanos
se-serviam muito do-_circumflexo_, que com o tempo perdèram. basta
uzar do-_agudo_, que se-escreve asim (´) para bater mais as silabas:
do-_grave_ neste modo (`) para as particulas, que se-tocam menos: em
algum cazo quem quizese podia pòr o _circumflexo_ sobre o î, para dar
lugar ao ponto desima. Ifto é o que basta.

Aos acentos seguem-se as _linhas_, que se-escrevem entre as disoens,
para as-juntar, ou dividir na pronuncia. Os Ebreos tambem tinham
estas linhas, e alguns Povos Europeos. Algum Portuguez a-uza. mas
serîa justo que a-uzasem mais, e com regras determinadas: pois ajuda
muito a pronuncia, e distingue muito as disoens, principalmente as
compostas. Julgo, que se-deve uzar naquelas, que compoem duas palavras
perfeitas, que costumam estar às vezes separadas. v.g. _Fazemos-lhe_,
_lhes-fazem_, _nos-dizem_, _dizem-no_ &c. Com isto se-mostra, quando
os Pronomes unem com os Verbos, nam só no-sentido, mas na pronuncia:
e finalmente, quando muitas disoens na pronuncia compoem uma. Deve-se
tambem pòr entre a Particula _se_, quando é Pronome, e o Verbo. v.g.
_Se se-fizer_. o primeiro _se_, é Conjunsam condicional: o segundo, é
Pronome, e une com o Verbo. Onde a dita linha é de grande utilidade,
para mostrar as palavras, que devem pronunciar-se unidas. v.g. o _Nos_,
algumas vezes é Nominativo, _Nós fazemos_; e pronuncia-se separado,
e com acento forte: outras vezes é Cazo, v.g. _nos-fazem_: o que
se-distingue mui bem com a dita linha. Tambem às vezes serve, para
distinguir os tempos. v.g. _Amáse_ preterito, e _Ama-se_ prezente, com
esta linha se-distinguem: porque esta separasam de vozes mostra, que,
quando chegamos ao _a_, deve correr a pronuncia, para apanhar o _se_:
que é o mesmo que dizer, deve nam parar no-_a_, nem carregalo: no-que
se-distingue o tempo. Sei, que com os acentos se-podem distinguir
estas coizas, digo, este ultimo cazo; e por iso digo, que ou uma,
ou outra coiza se-deve praticar: aindaque eu, por-intender que sam
necesarias, pratîco ambas.

Quanto ao _se_, nam só deve ter linha, quando se-une imediatamente ao
Verbo, mas tambem quando s’interrompe com a Particula negativa. v. g.
_se-nam-faz_, quando vale o mesmo que, _nam se-faz_. porque aindaque a
Particula paresa que separa; contudo no-dito cazo a negasam é unida ao
Verbo, e faz com ele um só corpo, e sentido: damesma sorte que entre os
Latinos, a particula _in_ unida aos Verbos. Onde a separasam, é somente
quanto à vista: e as duas linhas ensinam, que se-deve pronunciar tudo,
como uma só palavra. Serve às vezes a dita linha nam só para unir as
palavras, que ese é o seu principal fim; mas para evitar os equivocos.
E asim poem-se na Particula _Por_, quando significa _cauza_ &c. para
distinguila do-Verbo _Pôr_. tambem nas Particulas _no_, _do_, _da_,
para as-distinguir dos-Sustantivos _nó_, e _dó_, e do-Verbo _dá_, ou
_dás_. Em todas estas, e outras semelhantes, milita a mesma razam. nas
quais porem será justo pòr acento, quando deve ser.

Em outras partes tenho visto uzar estas linhas, que nam me-parecem de
tanta necesidade. v.g. _Fazemos_: que algum douto escreve: _Faze-mos_:
ou tambem quando uma consoante se-converte n’outra, para evitar o
concurso de muitas vogais: v.g. _Fazé-la_, _Amá-la_, que vale o mesmo
que, _Fazer-a_, _Amar-a_. Mas nestas primeiras pesoas do-plural parece
escuzada, porque se-intendem muito bem, e estam muito em uzo. E o mesmo
julgo, dos-segundos exemplos: muito mais porque nestas em que vai _La_,
muitas nam se-acham separadas às vezes, v.g. _Quere-la_ &c. Mas quem
nestes segundos exemplos ateimáse a praticala, nam faria erro. O que
porem me-parece afetasam é, querer separar esta voz _Mente_, dos-nomes
com que faz Adverbio: _Pia-mente_, _Antiga-mente_ _&c._ Na pronuncia
destas disoens, nam pode aver engano: e quem as-separa, intende mal as
coizas.

Podem opor-me uma dificuldade, vem aser, quando se-dividem as palavras
no-fim das-regras, como á-de conhecer quem copeia, se na seguinte regra
deve pòr a palavra inteira, ou com a dita linha. Mas a isto respondo,
que se-conhece muito bem deste modo: se as palavras se-dividem
por-necesidade da-regra, poem-se no-fim duas linhas asim =: quando
se-dividem na divizam da-linha, basta pòr uma só linha. Primeiro
exemplo asim: _Fa_=_zia_: segundo exemplo: _Faz-me._ Se no-fim da-regra
se-acha o _Fa_= com duas linhas, é sinal que na imprensa, ou copia deve
ser inteira a disam: se tem só uma linha, sucedendo ficar toda a disam
na seguinte regra, deve ter tambem a linha: e isto é facil de praticar.

Creio que será mui justo, introduzir na lingua Portugueza, os
_Apostrofes_: que sam umas virgulas, que se-escrevem no-alto de
uma consoante antes da-vogal seguinte; para mostrar, que falta uma
vogal, e que a consoante se-deve unir na pronuncia, com a vogal
da-seguinte disam. Digo na proza, porque no-verso o Camoens, e outros
ja os-introduzîram. Os nosos Italianos introduzîram os _Apostrofes_,
para abreviarem as disoens: vistoque, comendo-se as ditas vogais
na-pronuncia, é superfluo escrevelas: bastando ali pòr o sinal, de
que deveriam estar. O mesmo fazem os Francezes: e cuido que, sem
alguma censura, o-podem introduzir os Portuguezes. Onde será permetido
escrever, _Amor d’ Antonio_: _Cam d’agua &c._ A razam disto é, porque
ou na proza, ou no-verso nam se-faz cazo daquela primeira vogal: e
asim podemo-nos dispensar de a-escrever. Em 2. lugar, porque nam
se-perde com isto o sentido, nem se-faz equivoco. Em 3. porque faz
a pronuncia mais doce. o que principalmente se-conhece, quando as
vogais sam semelhantes: no-qual cazo pronunciar dois _ee_, ou dois
_aa_, é aspero, e cansa. Asim cuido, que neste cazo, é necesario;
nos-outros, mui agradavel o _Apostrofe_. Nem isto é tam novo em
Portugal, que nam se-achem vestigios desta uniam na pronuncia: antes
nam á coiza mais frequente. Considere V.P. estas palavras, _Deste_,
_Daquele_, _Damesma_, e outras semelhantes; e verá nelas o que digo.
Antigamente escrevia-se, _De este_, _De aquela_, _De a mesma &c._ o que
facilmente alcansa quem considera, o que vale aquele _d_, e com que
motivo se-introduzio. Mostrou a esperiencia, que, pronunciando estas
particulas separadas, ficava aspera a pronuncia: e asim deitaram-nas
fóra até da escritura. O que suposto, o que eu aconselho é, que
pratiquem com as outras disoens, que se-unem na pronuncia, o mesmo que
tem praticado com estas: e que em ambas as partes ponham o _Apostrofe_,
para mostrar a vogal que falta; e com isto ensinar melhor a compozisam
das-disoens, sabelas conhecer, e buscar. Apostarei eu, que de dezmil
omens Portuguezes, a um só nam veio nunca à imaginasam, que _Deste_
_&c._ é composta de _De_, e _Este_. Proguntei isto a alguns, e nam
me-souberam responder: e contudo serviam-se indiferentemente destes
termos. Eu teria uzado mais amiudo dos-_Apostrofes_: mas como ainda nam
estam bem introduzidos, temo que me-nam-intendam. pouco a pouco devemos
acostumalos a isto.

Outra coiza tenho que repreender, na maior parte dos-Portuguezes, e
vem aser, que dividem muitas disoens, que deviam estar juntas. Vg.
escrevem, _Ainda que_, _Para que_, _Com que_, _Por que_, e outras
conjunsoens semelhantes. Mas erram, porque aquelas palavras quando
se-seguem umas a outras, devem estar unidas, e fazem uma só palavra:
e até isto pode ser necesario, para fugir de equivocasoens. Se eu
diser: _Para que omem me-manda! Com que razam me-persuade!_ neste
cazo o _que_, é Relativo. e deve estar separado. Mas quando significa
o mesmo, que _etsi_, _ut_, _igitur_, _quia_, como nas quatro asima
apontadas; deve estar junto: o que servirá muito, para os-distinguir
ambos. Isto mesmo praticáram os Romanos. _Attamen_, _Etenim_, sam
compostos de _At_, _tamen_; _Et_, _enim_. _Quamobrem_ é composto de
trez disoens, nenhuma das-quais é Adverbio: e contudo juntas fazem de
muitos nomes um. E isto mesmo devem fazer os Portuguezes nestas disoens
indeclinaveis: e ainda algumas vezes nas declinaveis, que se-unem com
o Articulo &c. o que o uzo ensinará; e a pratica dos-omens doutos
confirmará.

Tambem sobre os _Plurais_ serîa necesario, establecer um uzo constante.
O P. Bento Pereira diz, que o plural de _al_, é _ais_, e nam _aes_.
e parece que tem razam; porque a pronuncia mostra um _i_, e nam um
_e_. Mas nisto á tanta variedade, que uns escrevem _ais_, outros
_aes_: e o pior é, que o mesmo escritor serve-se às vezes, d’ambas
as terminasoens. Um destes é o Bluteau: que, tendo aprovado na Proza
Gramatonomica a opiniam do-Pereira, contudo escreve _Misaes_, e outros
plurais semelhantes. Mas ja adverti, que o Bluteau é inconstante
na Ortografia. Mais controversos sam, os que acabam em _er_, como
_Chanceler_, cujo plural querem muitos que seja _Chancereis_: e nisto
tropesa muita gente boa. Cuido, que é mais proprio, e mais chegado
à analogia, _Chanceleres_: e asim todos os mais. Damesma sorte
_Almiscar_, deve fazer, _Almiscares_. Tambem é mui duvidozo o plural
de _Simplez_, como tambem _Feliz_. Muitos escrevem o primeiro com
_x_, em ambos os numeros: o que aumenta a confuzam. Outros escrevem
no-singular, _Simplice_: que parece afetasam vergonhoza. Ou acabe em
_s_, ou _z_ no-singular, o plural deve acrecentar somente um _es_:
v.g. _Simpleses_, ou _Simplezes_. O mesmo digo, dos-que afetam dizer
no-singular, _Felice_, e plural _Felices_. Digo, que no-singular
deve-se dizer _Feliz_, ou com _s_, ou _z_; e no-plural _Felizes_: e
asim dos-mais. as palavras _Indice_, e _Index_, ja oje se-recebem
indiferentemente em Portugal. Que _Brazil_, fasa _Brazis_, está muito
bem: mas que _Malsim_, _Beleguim_, fasam _Malsis_, _Beleguis_, como
querem alguns; é contra a pronuncia boa, que mostra um _n_ mui claro.
E asim estes em _im_, devem acabar em _ins_, _Malsins_. Os outros
plurais em _aons_, _aens_, e _oens_, é facil determinalos; advertindo
as anomalias que se-acham nas tais regras, que nam sam poucas.

Mas nam pára a qui a reforma: deve-se dar um paso mais adiante, e
acrecentar muita coiza, em que é defeitoza a lingua Portugueza.
Consiste a primeira, em adotar algumas palavras Estrangeiras, para
explicar melhor o que queremos. Nam acho em Portugal palavra, que
explique a idea que formam os nosos Italianos, (e ainda os Francezes)
quando proferem esta palavra, _Penso_: dizendo, _Um omem que pensa bem:
Que pensa mal &c._ Dizer, _Ajuizar_, nam explica: porque ajuizar é uma
especie de _Pensar_; mas nam compreende tudo quanto diz, _Pensar_. Nem
menos serve, _Considerar_: porque considerar é o mesmo que _Meditar_,
_Examinar_ uma materia; e _Pensar_ diz mais. Um meu amigo, para dezatar
este nó, servio-se de _Pensamentear_: mas parece afetado. É mais
proprio e natural, servir-se do-Verbo _Pensar_, que compreende todas
as operasoens do-intendimento. Onde, diremos que um omem _Pensa bem_,
quando se-serve de todas as qualidades da-mente ou intendimento, como
deve ser.

A mesma dificuldade pode nacer em outras palavras. Aqui confundem
_Iuizo_, e _Intendimento_: sendo coizas muito diferentes. porque
cada nome destes distingue uma particular faculdade da-alma, esta de
intender, aquela de julgar. A estas duas unem outras duas, _Ingenho_,
e _Talento_: as quais nam só sam diferentes das-ditas, mas entre
si. _Ingenho_, somente explica a facilidade que temos, para unir
diferentes ideias, de um modo que eleve. _Talento_, significa a
capacidade tanto de intender, como de julgar, e discorrer. Serîa bom,
que se-distinguisem estes significados, e se-explicasem aos rapazes,
para nam confundir as palavras. Parece-me, que para explicar aquilo,
a que os Latinos chamam, _Mens_, _Intelligentia_, e algumas vezes
_Intellectus_, se-podia adotar em Portugal a palavra _Mente_, como
fazem os nosos: a qual explica melhor tudo. O uzo tem introduzido, que
_Intendimento_ seja sinonimo de _Mente_.

A estas se-podiam ajuntar outras muitas palavras Estrangeiras, que
explicam melhor o que se-quer dizer; principalmente quando se-trata de
Artes e Ciencias: cujos termos é necesario uzar, mas com cautela. Nam
digo, que se-devam adotar cem mil termos Latinos, que no-Portuguez sam
inutis: antes condeno isto muito em bastantes Portuguezes, que enchem
os seus escritos, de mil palavras Latinas sem tom nem som, somente para
parecerem eruditos. Este é aquele vicio dos-pedantes ou ignorantes, a
que os nosos chamam, _Pedanteria_. O que digo é, que nam avendo termo
proprio em Portuguez, se-pode, e deve buscar fóra: e muitas vezes
pode-se buscar fóra, nam tanto por-preciza necesidade, quanto para
maior ornato da-lingua: aqual é justo que nam seja tam pobre, que nam
tenha algumas ocazioens dois ou trez sinonimos, para explicar as mesmas
coizas: outras vezes para adosar a pronuncia aspera de algumas vozes
antiquadas: e fazer seja mais bela, e mais suave a lingua materna. Mas
aqui é que está o juízo, em sabelos adotar sem afetasam. Porei um,
ou dois exemplos. Em Portugal nam á nome proprio, para nomiar aquele
criado de libré, que acompanha seu amo a pé vizinho à carruagem, ou
cavalo. Os nosos Italianos explicam isto com uma palavra, _Staffiere_,
ou _Palafreniere_. Porque nam uzaremos destes termos em Portugal?
Chamamos aqui _Letrado_, ao que advoga nas cauzas: chamamos aos
omens doutos, _Letrados_. Mas isto é uma impropriedade. _Letrado_,
_Douto_, _Erudito_, _Sabio_, sam sinonimos, mas de significasam mui
generica. Aos que advogam, deviam chamar _Advogados_: que é o seu nome
proprio, ainda na lingua Latina, como diz Quintiliano, e Asconio:
_Advocatus_, i. e. _Patronus_, _Caussidicus_. Adotáram os Portuguezes
estas palavras, _Berlinda_, _Paquebote_, _Estufa_, _Sege &c._ para
distinguir as diferentes sortes de carruagens de que uzam: mas podiam
adotar muitas mais: avendo aqui outras carruagens, que nam tem nome
proprio, que em outras partes o-tem. As artes Liberais, Ciencias &c.
tratando-se em Portuguez, devem ter os seus nomes Estrangeiros, mas
aportuguezados. Finalmente, se eu ouvese de escrever tudo, o que
me-ocorre nesta materia, faria um groso volume: e asim contento-me, de
apontar estes exemplos. O que encomendo muito é, que com este pretexto,
nam nos-encham a lingua de Latinismos, Francezismos, e Italianismos,
como entre outros fez Inacio Garcez, nas Notas ao Camoens.

Serîa mui util, que os omens doutos introduzisem uma terminasam certa,
em todos os _Patronimicos_ de Provincias &c. no-que falta muito a
lingua Portugueza. A um omem das-Provincias, chamam _Algarvio_, a outro
_Alemtejam_, a outro _Minhoto_, _Beiram &c._ E ainda estes nomes nam
sam geralmente, e benignamente recebidos; porque se-reputam injuria.
Mas o pior é, quando pasamos aos Patronimicos de Cidades; comumente
nam se-acham: mas dizem: _Um omem d’Evora: Um d’Elvas &c._ Neste cazo
parece licito, fazer nomes novos, e dizer, _Evorense_, ou _Eborense_,
_Coimbrense_, _Portuense &c._ E o mesmo dos-outros antecedentes: os
quais podem terminar-se em duas maneiras: v.g. _Algarviense_, ou, com
outra dezinencia Romana, _Algarviano_: _Alemtejense_, _Alentejano_:
_Beirense_, _Beirano &c._ Nos-nomes de Provincias Ultramarinas, deve-se
observar o mesmo. v. g. _Brazileense &c. Insolense_, _Indiano &c._

Em todo o cazo porem, tanto na introdusam de nomes novos, como na
pronuncia dos-antigos, sempre se-deve cuidar, em adosar a pronuncia, e
fazela, quanto mais puder ser, facil. Nisto pois á muito que condenar
em Portugal, principalmente nestes modernos eruditos; que, querendo
parecer elegantes, e mui versados na sua lingua, e origens dela; dizem
coizas, que é uma piedade ouvilos. V.g. Escrevem, _Volumozo_: sendo
_Voluminozo_ muito mais suave, e mais chegado à analogia Latina.
Dizem, _Exceptas_: sendo mais natural _Excetuadas_, que vem do-Verbo
_Excetuar_, que é mui _Portuguez_: quando polo contrario nam acho
nela, o verbo _Exceptar_. Dizem, _Eregia_: que ofende os ouvidos com
a pronuncia: sendo melhor _Erezia_, que é mais doce e nem por-iso
menos conforme ao Latim. Dizem, _Pesoa comum_: que é uma verdadeira
ridicularia: porque aindaque a palavra _comum_, signifique coiza de
muitos; deve ter as suas duas terminasoens em Portuguez, asimcomo tem
no-Latim, em que explica diferentemente o _Neutro_: e o superlativo
_Communissimus_, tem trez mui redondas. Onde deve dizer-se, _Coiza_,
_ou pesoa comua &c._ Finalmente, (deixando por-agora outras reformas
destes escrupulozos) nóto que escrevem _Pai_, _Mai_, ou com _y_, ou
com _i_. Quanto ao primeiro concordamos: mas nam no-segundo: porque na
pronuncia ouve-se um _e_, e _n_ mui redondo: e asim deve escrever-se
_Maen_, porque asim pronunciam os omens de melhor doutrina. Nem vale
o dizer, que com isto se-conformam mais, com outras semelhantes
palavras Portuguezas: porque, como ja dise, o uzo, fundado sobre a
pronuncia mais doce, faz lei neste particular[10]. Tambem eles dizem
_Catam_, _Varram &c._ e no-mesmo tempo dizem _Cicero_, _Pollio &c._ e
nam _Ciceram_, _Polliam &c._ sendo a mesma razam. No-mesmo Latim, ou
Italiano vemos, que uma palavra se-pronuncîa de um modo, e outra, que
vem damesma origem, diferentemente. o que V. P. pode ver nos-livros de
Cicero, que apontei asima, que traz exemplos de tudo: por-nam citar
agora exemplos vulgares, que sam muitos. Asim asento, que, com esta
regra diante dos-olhos, é que se-deve emendar e reformar a lingua.

Mas o que me-dá mais vontade de rir é, ver as cautelas que praticam,
para dizerem, _Porco_. Uns dizem, o _Gado mais asqueroso_: outros
dizem, _Carne suina_: e louvam muito isto em alguns antigos escritores.
Tudo puerilidades. _Porco_ nam é palavra obcena: dizem-na os Latinos,
e os nosos Italianos diante do-Papa. Antes creio que _asquerozo_, traz
a memoria nam só coiza _suja_, como o _porco_, mas coiza que volta o
estomago. Estas delicadas orelhas pronunciam, _sugidade_, _escremento_,
_lesmas_, _ratos_, _persevejos_, _piolhos_, _pulgas_, e outras coizas
imundisimas sem dificuldade: e acham-na grande em pronunciar, _Porco_.
Que lhe-parce a V. P. a esquipasam?

Finalmente devo advertir a V. P. que estes seus nacionais, ainda
falando, pronunciam mal muitas letras no-meio; mas principalmente
nos-fins das-disoens. V.g. _e_ final, pronunciam como _i_: como
em _De-me_, _Pos-me &c._ todo o _o_ final, acabam em _u_: v.g.
em _Tempo_, _Como_, _Buxo &c._ cujos nomes quem quer pronunciar à
Portugueza, deve acabar em _u_. todo o _m_ final, e no-meio, como n.
todo o _e_ antes de _a_ no-meio da-disam, pronunciam como se-fose
um tritongo. v.g. _Cea_, _Vea_: que pronunciam _Ceia_, _Veia_:
namobstanteque na escritura, comumente nam ponham o _i_. E nisto
merecem rizo alguns Portuguezes, que nas suas Ortografias impresas
ensinam, que na lingua Portugueza se-devem pronunciar algumas letras,
aindaque nam estejam escritas: e que umas letras devem pronunciar-se
por-outras; v.g. achando-se _Outo Dous &c._ se-deve pronunciar o _u_,
como _i_. Isto, como digo, é querer confirmar os rapazes, nos-seus
erros. Deveriam polo contrario dizer, que, pronunciando-se o _i_
em _Cea_, se-deva escrever tambem com _i_, para se-conformar com a
pronuncia: Muito mais porque eles escrevem _Meio_, _Veio_, _Correio_
com _i_, e a mesma razam milita, nos-que apontamos, e semelhantes.
Damesma sorte achando-se escrito _Outo_ com _u_, deveriam ensinar aos
rapazes, a conformar-se com a escritura, se intendem que é arrezoada:
se porem intendem, como na verdade é, que parece aspera e dura; deviam
dizer, que se-escrevèse com _i_; e nam enganar os rapazes na pronuncia.

E na verdade nam poso intender, por-que razam, pronunciando os omens
doutos nos-seus discursos, _Dois_, _Oito_, _Oitenta_, _Toiros_, _Coizas
&c._ devam na escritura mudalo em _u_; se nam é por-se-conformar com
quatro velhos impertinentes, que intendem e julgam mal das-coizas. Este
é o mesmo cazo de _Optumus_, _Maxumus_, _Dividundo_, _Faciundo_, e
outros semelhantes dos-Latinos. Cicero, Cezar, Nepote, e outros omens
cultos, nam puderam sofrer aquela pronuncia; e convertèram aquele _u_
em _i_, para fazer suave a lingua: Salustio, que nos-ultimos tempos
o-quiz conservar, foi criticado: e nem menos agradou _Varram_, que era
o protetor das-antiguidades. Onde deve isto tambem ser permetido na
lingua Portugueza, que filha damesma maen, tem as mesmas qualidades.
Parece coiza galante, que estes omens, em vez de facilitar aos
Estrangeiros, a pronuncia da-sua lingua; só busquem meios de aumentar,
a aspereza dela. Certamente que o Camoens no-XVI. seculo, apurou muito
a sua lingua, servindo-se da-Italiana &c. e isto devemos nós tambem
fazer, emendando os erros de Camoens, nam só no-que digo; mas em outras
coizas, em que ele pecou, e eu podia advertir. Concluo dizendo, que
na lingua Portugueza, nam só se-devem tirar as letras superfluas, onde
nam se-pronunciam; mas escrever outras, que se-pronunciam, e até aqui
se-deixavam. Onde, todas as vezes que se-pronuncîa o _i_ entre _e_,
e _a_; deve-se escrever. V.g. _Cadeia_, _Ideia_, _Ceia_, _Veia &c._
vistoque os Portuguezes escrevem comumente, _Meia de calsar_, _meia
duzia &c._ e a razam é a mesma em ambas as partes. Por-esta mesma
razam se-deve escrever em todos os Verbos, como _Leia_, _Paseia &c._
porque se os-pronunciasem como _Ceo_, _Plebeo_, _Chapeo &c._ neste
cazo era justo que lho-tirasem: mas levando o _i_ na-pronuncia, tambem
o-deve ter na escritura. Desta sorte somente, se-poderá introduzir uma
Ortografia certa, e geral, que nam necesite dar diversas razoens em
todas as palavras. Repare V. P. que eles escrevem _Aia_, _Maia &c._ com
_i_, porque o som desta vogal é claro: e porque nam faram o mesmo com
outros nomes, que sam puros Portuguezes?

Acho alem disto omens, que aconselham, se-tire de _Arrecadar_,
_Arrematar &c._ o _arre_; e se-diga, _recadar_, _rematar_. Sam deste
parecer o Bluteau, e algum outro. Mas estas orelhas tam delicadas e
escrupulozas, que se-ofendem com tais minucias; nam tem dificuldade,
de se-servirem em todas as paginas destes termos, _Com noticia_; _&c._
o que abunda no-Bluteau: ou, como diz o Vieira, _Por razam_, e outras
tais. Parece-me, que estas cacafonias menos sofriveis, se-deveriam
evitar; deixando as outras que nada ofendem. Este metodo de reformar a
Ortografia, era melhor que se-nam-impremise.

Ora deste dano de pronunciar mal o Portuguez, de que até aqui fizemos
mensam; rezulta outro, de conservar no-Latim os mesmos erros. onde
serîa mui util, que se-emendasem quanto pudesem. Sei, que isto tem sua
dificuldade, porque os ignorantes sam muitos, e pronunciam mal: mas
Roma nam se-fez em um dia. Seja V. P. um dos-primeiros a dar exemplo:
persuada isto mesmo aos seus amigos: que os outros os-imitarám. Deste
modo introduzirám em Portugal uma Ortografia, quanto mais poder ser,
constante; o que até aqui nam tem avido: e asim será mais bela, e facil
a pronuncia; e mais armoniozos os versos Portuguezes.

Isto me-parece basta advertir, sobre a Ortografia Portugueza, visto nam
fazer tratado dela. muito mais, porque com estas poucas regras, se-pode
responder, às outras dificuldades que ocorrerám. Algumas observasoens
de menor momento, podem-se ver, nas Ortografias Portuguezas: tendo
a advertencia, de nam se-deixar enganar, das-regras que dam, porque
comumente sam mui más. O P. Bento Pereira, que cuido foi dos-primeiros
que escrevèram nesta materia, dá muito más regras; e só proprias para
destruir, o que cada um sabe. O Barreto, o Leam, o Vera, tem algumas
coizas boas, entre outras muito más. Na mesma clase ponho, o que diz
o P. Argote, nas suas Regras Portuguezas; e algum outro. Tais autores
copiaram-se fielmente uns a outros, sem examinarem a materia.

Sei que alguns, dam em razam do-que escrevem, acharem-no asim escrito,
nos-antigos Portuguezes. Mas esta razam, é de caboesquadra. Porque
tratando-se de linguas vivas, que nam estavam purgadas polo pasado,
mas que na nosa idade, se-vam reduzindo à perfeisam; e desta, da-qual
no-noso tempo, apareceo o primeiro Vocabulario; nam devemos estar, polo
que diseram os Velhos: mas examinar, se á razam, para se-dizer asim.
Observe V. P. que os que asim respondem, contrareiam-se na pratica:
porque nam uzam daquelas palavras toscas, que ainda lemos nas leis
antigas, nos-testamentos, doasoens, e outros documentos, que deixáram
os Antigos. Serîa uma ignorancia manifesta, e afetasam indesculpavel,
falar oje com muitas palavras, de que uzáram os antigos Portuguezes. E
isto, nam por-outra razam, senam porque a lingua se-foi purgando, e os
omens mais capazes intendèram, que se-devia falar de outra maneira. E
se isto se-pratîca, com inteiras palavras, porque o-nam-praticaremos,
com melhor pronuncia?

Alem disto, é ja coiza muito antiga, que o uzo e juizo dos-omens
doutos, e de boa eleisam, decida neste particular. E como ajam muitos
Portuguezes inteligentes, que escrevem polo contrario; e asinam boa
razam do-que dizem; nam tem lugar nisto, uma prescrisam sem fundamento.
No-tempo de Cicero, a lingua Romana tinha de idade, polo menos, uns
setecentos anos; (contando somente da-fundasam de Roma: porque sabemos,
que a lingua do-Latio é muito mais antiga) e contudo ele, e outros
omens doutos, a-purgáram muito bem. Observe V. P. os fragmentos que
temos, de _Livio Andronico_, _Enio_, _Estacio Cecilio_, _Pacuvio_
&c. e as obras de _Catam_ o velho, de _Plauto_; e achará, palavras
dezuzadas, e mui toscas; e, em algumas obras, uma compozisam languida,
e sem grasa. Prosiga mais para baixo, examine as obras de _Terencio_,
_Lucrecio_, _Varram_, _Catúlo_, _Salustio_ &c. achará neles a lingua
mais mudada, e palavras mais polidas. Desa finalmente à ultima fineza
da-idade de oiro da-Latinidade, quero dizer, aos que melhor faláram,
no-seculo de Augusto; e sempre lhe-crecerá a admirasam, porque crece
a mudansa. _Pacuvio_, e _Estacio_ tem tanta semelhansa com _Cicero_,
_Cezar_, _Cornelio Nepote_, _Virgilio_, _Oracio_ &c. como o dia com a
noite. naqueles, tudo é inculto: e nestes, tudo é polido, palavras,
fraze, e metodo. E mais todos entram na idade de oiro! O mesmo Cicero,
em alguns seus tratados, adverte, quanto trabalhára neste particular,
para apurar a lingua. Oracio tambem adverte, que o bom uzo, é o que
emenda as linguas. Finalmente advertiram os Gramaticos, e Oradores
de melhor nome, que a Ortografia, está sugeita ao costume[11]: e um
douto Latino, deixou escrito nesta materia: _Antiquitatem posterior
consuetudo vicit_[12]. E nem somente encontrará V. P. palavras mudadas,
mas novas. Os Romanos nam tinham palavras para tudo: e asim foi
necesario tomalas prestadas: principalmente em materias de Ciencias, e
Artes: as quais adotáram como Latinas. Este é o privilegio das linguas
vivas. Mas certamente nam conhece este privilegio, quem se-escandaliza,
como vi alguns, de que se-recebam palavras estrangeiras em Portugal. Se
os Portuguezes as-nam-tem, que mal fazem, em pedilas aos outros? Nam
aprovo porem, o que muitos fazem, servir-se sem tom nem som, de vozes
estrangeiras, e palavras puramente Latinas, tendo outras Portuguezas
tam boas. O que observo em muitos, que prezumem de Criticos, e Poetas:
especialmente no-dito Inacio Garcez Ferreira. O que digo é, que nam
se-achando proprias, nam é delito, procuralas em outras linguas; ou
fazelas novas: e que, quando as proprias sam asperas, se-devem adosar.

Este mesmo uzo, de purgar as linguas, melhorando na boa pronuncia, e
enriquecelas com palavras novas, quando á necesidade; está geralmente
introduzido. Achei livros, ainda impresos, Inglezes, Francezes,
Espanhoes, e Italianos, com infinitas palavras, que ja oje nam estam
em uzo, e com um estilo de fraze pouco uzada. e lembro-me agora, ter
visto á anos, um livro de Genealogias de Flandres, escrito polos
anos de Cristo 1400., em um Francez tam embrulhado, que o-tinham
imprimido, com a versam de Francez moderno a lado: sem o qual socorro,
nam era facil intendelo. Os nosos antigos Poetas tem palavras, que
oje se-nam-recebem. Em _Dante_, e _Petrarca_, acham-se coizas nam
mui finas; e tambem em outros. Os Modernos de todas estas Nasoens,
melhoráram sobre os Antigos, e serviram-se do-seu direito, para emendar
a lingua. os mesmos Portuguezes o-fizeram. Finalmente isto é tam
claro, que me-envergonho de o-provar. E com efeito, a estes que asim
respondem, ou asim argumentam, seria mais acertado, nam-lhe-responder.
É fazer-lhe muito favor mostrar, que tais argumentos tem resposta.
Mas eu o-faso aqui, porque a amizade de V.P. me-obriga a obedecelo: e
escrevo isto, mais para satisfazer ò seu dezejo, doque à materia.

A outra razam, que outros afinam, para se-desculparem dos-seus erros
é, que umas vezes dobram as letras, para mostrarem donde se derivam:
outras, para a significasam, quero dizer, os diversos tempos: E asim
escrevem _Escritto_ com dois _tt_, para mostrar, que vem de _Scriptus_:
e _Amasse_ com dois _ss_, para o-distinguir do-prezente _Ama-se_.
Esta razam achará V. P. em alguns livros impresos. Mas, com todo o
respeito que devo, a quem uza dela, digo, que nada vale. A maior parte
das-palavras Portuguezas, tem origem Latina: o que até as criansas
sabem: quizera pois que me-disesem, porque se-devem dobrar em vinte,
ou trinta palavras, e nam nas mais? Alem diso se V. P. observa, muitas
palavras Portuguezas, achará, que nam só tem origem, mas sam puras
Latinas. V.g. _Aplaudo_, _Aplico &c._ e nestas será tambem necesario
dobrar os _pp_, e escrever trez consoantes seguidas, como no-Latim.
Será tambem necesario pòr o _s_, antes de _Ciencia_. e finalmente
comesar muitas disoens, por-duas consoantes, _mn_, _pn_, _sp_, _ps_:
porque tudo isto á no Latim. O _c_ antes de _t_, tambem se-deve pòr, em
muitas palavras, como em _Benedicto_, _Doctor_, &c. E nam sei, se, os
que seguem o dito parecer, admitirám todos estes acrecimos: o que nem
menos o Italiano, que se-preza de filho primogenito do-Latim, admite
em tudo. Crece o argumento se observamos, que o Portuguez tem palavras
Arabias, Goticas, Inglezas, Tudescas &c. o que suposto, será necesario
em cadauma, pòr a sua diferensa original: ou ao menos nas Latinas, para
as-nam-confundir com as outras. Finalmente se a tal razam valese, nam
deveria quem uza dela; pòr _h_, em _é_ verbo, e outros destes: porque
na sua origem nam o-tem.

Mas, deixando outras observasoens, com que podia provar, a
insufisiencia das-ditas razoens; darei só uma, que prova por-todas:
e esta especialmente serve, contra aqueles Portuguezes que dizem,
que se-devem dobrar muitas letras, porque se-pronunciam dobradas; e
expresamente se-ouvem os dois _mm_, em _comum_, e outras semelhantes.
Digo, que para responder a estes, basta citar-lhe o exemplo, da-lingua
Italiana. Nam vi ainda Portuguez algum (nam falo dos-que pasáram
a Italia até a idade de 7 ou 8 anos: porque estes perdèram a sua
lîngua, e falam o Italiano, como lingua propria) por-mais estudiozo,
e diligente que fose, que aprendèse a pronuncia, principalmente
Toscana, ou Romana: em que expresamente se-pronunciam as duas letras
consoantes: todos as-pronunciam como una simplez. V. g. Distinguem os
nosos _Capello_, que significa _Cabelo_, de _Cappello_, que significa
_Chapeo_; com pronunciar dois _pp_, e dois _ll_ no-2. Nenhum Portuguez
o-chega a distinguir: e por-iso sam logo conhecidos, por-Estrangeiros.
O mesmo digo em todas as outras dobradas: O mais que vi foi, pronunciar
os dois _zz_, v.g. em _Palazzo_, _Ragazzo_: mas isto com muito esforso,
e pola razam, de que se-pronunciam diferentemente: quero dizer, que os
dois _zz_, pronunciam-se como _ds_: que, se tivesem soido igual, nam
os-pronunciariam. Esta experiencia constante mostra, que é falso dizer,
que os Portuguezes, na-sua pronuncia natural, e sem fazer um grande
esforso, pronunciem as dobradas. Do-que se-segue, que sam inutis as
tais letras. E em tal cazo entra a minha regra, que as letras inutis,
se-devem desterrar, da-lingua Portugueza.

Sobre a pontuasam, tenho pouco que advertir a V. P. É claro, que a
_Virgula_ foi inventada, para denotar a interrusam que se-faz, quando
se-toma a respirasam: e para dar alguma distinsam ao discurso, e impedir
a equivocasam nele. Tem seu proprio lugar, quando se fazem distinsoens
de Nomes, ou de outras palavras, que dependem do-mesmo Verbo, e
se-unem em uma propozisam. v. g. _Pedro foi soldado, capitam, coronel,
e chegou a ser general_. Uza-se tambem dela, antes da-Conjunsam
copulativa, e adversativa. v.g. _Pedro, e Paulo partîram: Nem Pedro,
nem Paulo partio_. Mas nam se deve uzar, quando a conjunsam está
entre sinonimos: v. g. _Antonio tem eloquencia e facundia. Pedro tem
grande animo e valor._ Porem muito bem se-uza entre propozisoens,
que signifiquem o mesmo; a que podemos chamar sinonimas. v.g. _Cezar
subjogou todo o imperio Romano, e com a serie das-suas vitorias
conseguio, que os Governadores, o-reconhecesem soberano._ aindaque
entre estas, sendo longas, podese escrever ponto e virgula, ou dois
pontos.

Utilmente se-uza da-virgula, para distinguir e fazer mais claro o
discurso: o que se-faz em trez cazos. I. separando as propozisoens,
regidas pola mesma pesoa, ou coiza. v.g. _Umas vezes ri, outras
chora. Tomou uma lansa, e lhe-atravesou o peito._ II. interrompendo o
sentido, com outras palavras. v. g. _Deus, autor do-mundo, é pai de
mizericordia; e tem providencia das-criaturas_; mas quando a interrusam
é comprida, é melhor pór-lhe ponto e virgula; como abaixo diremos. III.
separando aquelas propozisoens, emque a segunda, é objeto da-primeira.
v.g. _Dezejo ver, como sucederá o negocio. Quererá Deus, que iso nam
se-verifique._

Finalmente se às vezes nam se-poem virgula, pode nacer confuzam
no-discurso. v. g. _Cuidando na minha aflisam, e ocupado neste
pensamento, confuzo saî de caza._ se nam ouvése virgula, em
_pensamento_, podia unir-se com _confuzo_, e cauzar nova confuzam. Mas
nisto das-virgulas, é necesario ter muito cuidado, de nam ser excesivo:
como fazem alguns, prezados de doutos, que em cada palavra poem
virgula. o exceso, e a falta igualmente se-devem evitar.

Tambem a _parentezis_, é especie de virgula: e consiste neste sinal,
() com o qual se-compreendem algumas palavras. Escreve-se, quando
dentro de uma propozisam, se-inclue outra, separada do-sentido; ou para
excesam, ou declarasam de alguma coiza. v.g. _Deixo de dizer (aindaque
poderia com razam) as atrocidades que cometeo. O Amor, (como achamos
escrito na Sagrada escritura) é tam forte como a morte._ Porem, se a
interrusam é breve, bastam duas virgulas. v.g _O Amor, como ja dise, é
uma grande paixam._

Despois da-virgula, seguem-se os _dois pontos_. Estes se-poem, quando
o sentido da-orasam é completo, quanto à sustancia; mas nam em quanto
ao fato: quero dizer, quando o que se-escreveo, faz por si só sentido
perfeito; desorteque podia-se terminar com um só ponto: mas quem
escreve, ainda tem alguma coiza que acrecentar, para melhor declarar
a coiza, ou expremir alguma circunstancia, com a qual se-acabe de
todo o periodo. v.g. _Recebi o doutisimo livro que v.m. me-mandou:
para me-obrigar com isto ainda mais, doque estava._ Neste periodo,
despois de _mandou_, escrevem-se dois pontos: porque o sentido, ja está
completo; mas ainda á que acrecentar. E estes dois pontos se-podem
replicar, em um longuisimo discurso, tantas vezes, quantas o sentido
da-orasam for suficientemente completo. Mas a melhor regra que nisto
se-pode observar, é esta: Se a propozisam que se-segue, nam é muito
independente da-antecedente, deve-se pòr dois pontos. v. g. _Estudar
varias ciencias, no mesmo tempo, antes confunde, que doutrina: como
tambem o comer no-mesmo tempo comeres diferentes, tanto nam engorda,
que ofende._ Mas se eu comesáse a segunda, por-palavras menos
dependentes, deveria pòr um ponto. v. g. _Estudar varias ciencias,
no-mesmo dia, antes confunde, que ensina. Damesma sorte, como dizem
os Medicos, mui diferentes comeres no-estomago, impedem a digestam._
neste cazo ponho ponto, porque o sentido é mais separado. Porem se
as propozisoens sam breves, intendo mais acertado, separalas com uma
virgula. v. g. _O estudar muito junto faz confusam, como tambem o comer
muito._

O _ponto_, costuma-se pòr, no-fim do-periodo, e quando o sentido é
totalmente completo. Neste particular observo, que muitos em Portugal
ensinam, que despois de ponto, sempre se-poem letra grande. O que é
um engano manifesto; e contra a pratica dos-que melhor escrevem: que
dizem, que quando os periodos sam breves, e em certo modo dependem uns
dos-outros; basta despois de ponto, pòr letra pequena: e quando isto
sucede no-fim do-verso, poem-se dois pontos: vistoque o verso seguinte
deve sempre comesar, por-letra grande. Onde os omens doutos advertem,
que nam só se-pode escrever letra pequena, despois de ponto final; mas
tambem algumas vezes, despois de dois pontos, letra grande: quando o
periodo é comprido, e se-tem posto muitas vezes dois pontos: ou tambem
quando se-introduz alguma pesoa que fala, ou coiza semelhante.

E aqui incidentemente advirto, que nisto de escrever letra grande,
á um grande abuzo: avendo escritores que a-escrevem, em mil coizas
desnecesarias: o que ofende a vista. E asim, nam avendo razam
forsoza, deve-se escrever letra pequena, que é mais natural. As
regras que nisto dam, os omens mais advertidos, se-reduzem a estas.
Poem-se letra grande. I. quando se-comesa o discurso. II. nos-nomes
proprios, e sobrenomes tanto de Pesoas, como Provincias, Cidades,
Ilhas, Montes, Mares, Rios, Ventos, e Animais. III. nos-nomes de
dignidade, ou abstratos, como _Bispado_, _Papado_ &c. ou concretos,
como _Papa_, _Rei_, _Abade_, _Conego_, _Senador_ &c. mas nam se-poem
nos-de oficios inferiores, como _soldado_, _pintor_, _sapateiro_. IV.
nos-nomes apelativos, quando se-tomam por-alguma coiza particular.
v. g. _O Orador Romano_, por-Cicero: o _Doutor Angelico_, por-S.
Tomaz: _Religiam_, pola vida Religioza &c. V. nos-nomes do-genero, ou
especie, quando significam todo o genero, ou especie. v. g. _A Terra é
redonda.Os Rios correm para o mar._ porque significando um individuo
particular da-dita especie; v.g. _um bocado de terra_ &c. basta letra
pequena. VI. as coizas inanimadas tomadas como pesoas, ou polo genero.
v. g. _A Ira é uma grande paixam. O Amor cega os mais doutos_ &c. VII.
os Adjetivos tomados como Sustantivos. v.g. _O Amigo, é outro eu. O
Forte, aumenta o animo nos-perigos._ VIII. os nomes que significam
multidam. v.g. _Senado_, _Republica_, _Cabido_, _Turcos_, _Inglezes_
&c. IX. os nomes da-materia, de que principalmente se-trata. v.g. _A
Incarnasam_, a _Simonia_. ou tambem os nomes das-principais partes, em
que se-divide um todo. v.g. _Neste cazo pecam alguns, por-Ignorancia,
ou por-Malicia. Por-Ignorancia, pecam aqueles &c._ X. quando
no-discurso se-introduz alguma pesoa, que fala. v.g. _Voltando-se
entam para o ceo S. Paulo, dise, Senhor, que quereis que eu fasa?_ mas
se o discurso que se introduz, fose mui longo, serîa mais acertado,
separalo com um ponto sinal. E a palavra que se-segue, despois do-ponto
interrogativo, nam deve ter letra grande; porque nam comesa um sentido
novo.

Estas sam as regras, establecidas polo melhor uzo. Contudo á alguns,
que ainda às vezes as-limitam, quando intendem, que nam sam necesarias.
v. g. Vindo juntos dois nomes, um generico, e outro particular, como
_Seita Turquesca_, _Igreja Catolica_, _Senador Romano_, _Academia
Real_, _Concilio Toletano_, _Concilio Geral_, _&c._ deitam fóra a
letra grande dos-primeiros, e somente a-conservam nos-segundos,
que distinguem os primeiros. Porque ainda-que em outras ocazioens,
achando-se somente a palavra, _Igreja, oncilio_, _&c._ tenha letra
grande; neste cazo porem, parece ser escuzada: o que eu aprovo.
Outros ainda fazem mais, que, achando muitas destas ultimas palavras,
que aponto, como _Senador_, _Consul_, _&c._ escrevem-nas com letra
pequena: principalmente se está unida a algum sustantivo Proprio. v.
gr. _Joannes rex. Cicero consul._ E isto achamos mui praticado, em
antigos manuscritos; e belisimas edisoens de livros modernos, emendadas
por-omens mui doutos. Onde nam se-deve condenar, se algum o-praticar em
alguma conjuntura, para evitar tanta letra grande.

Outros ainda limitam, o que se-diz nos-numeros V, e IX. porque
intendem, que nem sempre é necesaria, a dita letra grande. E em tal
cazo, ou escrevem letra grande, só na primeira vez: ou poem uma risca
por-baixo, escrevendo; o-que na imprensa convertem em letra cursiva: ou
nam a-poem: Nam parecendo muito bem um papel, em que repetidas vezes
se-encontram as mesmas palavras, com letra grande: o que ofende a vista.

Tornando pois aos _pontos_: algumas vezes o periodo inteiro, é
acompanhado de admirasam, ou interrogasam: e em tal cazo o ponto
se-acompanha, com o final proporcionado. A _admirasam_, nota-se
asim, (!) v.g. _Morreo, cazo admiravel! dezesperado._ ou em qualquer
outra parte, em que entre a admirasam, ou simplez exclamasam. A
_interrogasam_, ou progunta, distingue-se com este final, (?) v.g. _E
porque nam poderei eu fazer isto? qual de vos outros mo-pode impedir?_
Muitas vezes sucede, que a înterrogasam é acompanhada de exclamasam.
v. g. _Ó que grandes consequencias, seám-de seguir de um tal fato!_
ou tambem: _E como é posivel, que te-occorrese fazer isto?_ e nestes
cazos, é licito pòr um, ou outro final, como melhor lhe-parecer.
É porem de advertir, que quando a progunta é mui comprida, e que
na longueza, perde a forsa de progunta; os omens mais doutos, nam
costumam pòr-lhe no-fim, o final de interrogasam: mas se lho-poem, é
no-principio, ou no-fim do-primeiro periodo, ou nam lho-poem. V.g.
_Julgas tu, que á omens de tam pouca considerasam, que siguam um tal
estilo, nem fasam cazo da-palavra, nem procurem ileza a sua onra, nem
tenham diante dos-olhos estas circunstancias: as quais se eu nam tivese
executado, totalmente me-faltaria aquela benevolencia, que certamente
me-mostram, os que examinam as minhas asoens =._ Neste periodo, ou
se-deve pòr ponto de interrogasam, despois de _tu_: ou, despois de
_circunstancias_: ou, em nenhuma parte: vistoque o contexto mostra
bem, em que sentido se-fala.

Finalmente deve-se advertir, que á outra separasam de periodo, a que
chamam _Paragrafo_: o qual se-comesa, quando a materia que se-trata,
se-acabou; e se-pasa a outra materia. Muitas vezes se-comesa paragrafo,
quando o discurso tem sido comprido, e, por-nam-fazer confuzam, é
necesario varialo. o que sucede, quando sobre a mesma coiza, alego
muitas razoens, e cada uma ocupa uma meia pagina. Em tal cazo, para
evitar a confuzam, e dar mais gosto, e repoizo a quem le; é justo
comesar paragrafo. O que porem se-deve regular, pola prudencia de quem
escreve: pois tam enfadonho é, comesar paragrafo, despois de trez
folhas, como despois de trez ou quatro regras. Caiem no-primeiro destes
defeitos, alguns prezados de doutos: que, ouvindo dizer, que os Antigos
nam uzavam das-separasoens de capitulos; sem mais outra reflexam, fazem
um longuisimo discurso, sem divizam de paragrafos: em modo tal, que
se-perde a respirasam lendo-os. No-segundo, caiem muitos Escolasticos,
que de cada texto fazem um paragrafo. Uma, e outra coiza se-deve evitar.

Alem das-ditas pontuasoens; inventáram os escritores, principalmente
modernos, outra, a que chamam, _ponto e virgula_. e isto para variar a
pontuasam, e para evitar pòr tantas virgulas seguidas, antes dos-dois
pontos, nos-periodos longos. Este _ponto e virgula_, é uma pauza,
maior que a virgula, e menor que os dois pontos. Poem-se, quando a
orasam ja faz algum sentido; mas nam o que basta para se-intender,
de que se-fala: e ainda a primeira propozisam, espera pola segunda,
para se-poder intender. v. g. _Aindaque eu nam tenha, todo o dinheiro
necesario, para a compra; farei o posivel, polo alcansar: para concluir
de uma vez, este negocio._ No-qual periodo, quando chegamos à palavra,
compra; ja temos algum sentido: e quer dizer, _que nam tem dinheiro
para a compra_. mas fica o sentido imperfeito, por-cauza da-palavra
_ainda_: a qual faz que eu espere, pola seguinte propozisam até
_alcansar_, onde faz suficiente sentido.

Daqui fica claro, que _ponto e virgula_ tem o seu proprio lugar,
despois das-prepozisoens, que comesam por-_como_, _qual_, _quanto_,
_se_, _aindaque &c._ as quais introduzem aquela dependencia, que digo.
Finalmente despois de qualquer prepozisam, em que aja palavras, que
unam com as palavras seguintes. Especialmente se-poem, quando se-fala
de coizas opostas: ou quando se-faz enumerasam de muitas partes, e
se-especificam todas. v. g. _Destruia cazas, e templos; o sagrado, e
profano; o seu, e o alheio, &c._ Adverte-se porem, que os periodos,
os quais, sendo longos, podem receber ponto e virgula; em cazo que
sejam curtos, basta que tenham virgula: por-nam fazer tam enfadonha
a repetisam dos-_pontos e virgulas_. v. g. _Neste particular à duas
opinioens: uma é de Cujacio; a outra seguem Joam André, e Ostiense._
parecerá a muitos, que em _Cujacio_, basta uma virgula, o que eu nam
dezaprovo: outros quererám ponto e virgula. e asim é livre a cada um,
fazer o que lhe-agradar. Polo contrario, se os periodos fosem mui
compridos, se-deveria pòr ponto. v. g. se eu disese: _Prova-se isto
com duas razoens. A primeira é, porque &c._ neste cazo se a explicasam
desta primeira razam, se-estendèse até metade da-folha, ou ainda mais;
no-fim, deve-se pòr ponto somente: e muitas vezes pode ser necesario,
comesar a segunda razam, nam só com letra grande, mas ainda em novo
paragrafo. Tambem quando se-tem posto algumas vezes, ponto e virgula;
costumam os omens doutos, escrever dois pontos; aindaque o sentido nam
seja completo quanto ao fato: para mostrar, que se-deve fazer maior
interrusam; e descansar quem le, e quem ouve.

Isto é, o que me-ocorre advertir, neste particular da-_pontuasam_.
Devo porem declarar a V. P. que esta materia, nam é ponto matematico,
que nam admite mais, ou menos: antes, polo contrario, depende muito,
da-vontade de quem escreve. Porque aindaque todos convenham, na-razam
das-regras; quando porem decemos aos cazos particulares, e a examinar,
se neste, ou naquele cazo, deve entrar virgula, ou ponto e virgula &c.
acha-se muitas vezes diversidade, ainda entre os omens doutos. Eu neste
particular, propuz o que vejo praticar, aos que melhor escrevem; e que
se estriba, na razam das-regras: mas nam condenarei, quem se-afastar
alguma vez destas advertencias, comtantoque nam se-desvie em modo,
que fasa despropozitos. Eu mesmo sou o primeiro, que as-nam-sigo
escrupulozamente: antes muitas vezes, em lugar de _ponto e virgula_,
escrevo _virgula_: em vez de _dois pontos_, ponho _virgula e ponto_:
e quando os periodos sam curtos, nam tenho às vezes dificuldade, de
escrever _virgula_, em lugar de _ponto_: ou outra semelhante mudansa.
O que faso quando me-parece, que com estes sinais, fica bastantemente
separado o discurso, e livre de confuzam: e porque vejo, que muitos
escrevem damesma sorte, e me-intenderám tambem. Esta é a principal
regra, em materia de pontuasam: evitar as confuzoens, e procurar que
os outros intendam, tudo quanto eu quero dizer. Devo porem dizer a V.
P. que vejo muitos autores Portuguezes bem modernos, que fazem gala,
de as-desprezar: e publicam obras, nas quais em uma pagina tudo sam
virgulas, e apenas se-acha um ponto. Especialmente * * * e outros
que V. P. bem conhece. O Conde da-Ericeira D. Francisco Xavier de
Menezes tambem seguia esta doutrina: pois em algumas suas aprovasoens
de livros, que tenho visto, tudo sam virgulas: desorteque ninguem
o-pode ler seguidamente, porque cansa a respirasam. E se isto pode ser
louvavel, eu o-deixo julgar aos dezapaixonados inteligentes.

Muitas outras miudezas, se-podiam advertir, tanto na materia
de Pontuasam, como de Ortografia: mas estas ou se-acham, nas
instrusoens impresas a este intento; ou, se nam se-acham, como na
verdade as-nam-vemos; aprendem-se com o uzo: e quem percebe bem,
as advertencias que temos dado, escreverá sem embaraso algum com
perfeisam: e poderá rezolver, qualquer das-que ocorrerem. Eu nam
determinei, escrever um tratado completo: mas unicamente, sugerir
a V. P. o que se-acha mais bem notado, nesta materia: e o que deve
ensinar um mestre, ao dicipulo, a quem explica a lingua Portugueza.
Para V. P. é isto superfluo: e para os ignorantes, é ainda muito.
mas eu tomo a liberdade de falar com V. P. como com um principiante,
porque asim mo-tem ordenado. Somente acrecento, que isto que dise
da-Pontuasam, se-deve intender, nam só no-Portuguez, mas no-Latim; e
nas-mais linguas, que desta nacèram.

Concluirei esta carta lembrando a V. P., que, para facilitar este
estudo à Mocidade, seria necesario, que algum omem douto, abreviáse
o Dicionario do-P. Bluteau, e o-reduzise à grandeza, de um tomo em
folha, ou dois em 4.^o Ninguem pode olhar para a obra do-P. Bluteau,
sem ficar esmurecido, pola quantitade de volumes. Este Religiozo era
douto, e infatigavel: e fez à nasam Portugueza um grande serviso;
compondo um Dicionario, que ela nam tinha: e quem diser mal dele
neste particular, é invejozo, ou ignorante. Mas tem alguns defeitos,
que serîa necesario emendar: Era mui medrozo: e nam tinha metodo. O
medo, reconhece-se em cada pagina das-suas obras. Fora maltratado
por-alguns Portuguezes injustamente; e a cada paso se-queixa, e dá uma
satisfasam. Os Prologos, tanto na primeira Obra, como no-Suplemento,
sam insoportaveis: e apostarei, que se-nam-acha omem, de tanta
paciencia, e tam mao gosto, que os-posa ler todos seguidamente: porque
a cada momento, repete as mesmas coizas. E o pior é, que com dizer
tanto, nam explica o que deve: pois querendo um leitor saber, o que
ele faz no-Dicionario, e que razam dá da-obra; nam sabe por-onde á-de
comesar. Com um só titulo dirigido ao leitor * * * compreendia todos,
os que ele poem no-seu Prologo: e com um Prologo mui breve, dava razam
de toda a obra. Os omens doutos, intendem mui bem as coizas: e sabem
desculpar um autor, que escreve uma voluminoza obra: especialmente um
que escreva um Dicionario, que seja o primeiro que aparece naquela
lingua. Nam á pior trabalho que este: e nam á algum que menos paresa
grande, a quem o-nam-provou, doque este. Desorteque chegou a dizer o
douto Escaligero[13], que era pior este trabalho, que ser condenado
às minas, como faziam os Romanos. Comque a estes, bastam poucas
palavras: a os ignorantes, nam se-devem dar satisfasoens, ou digam
bem, ou mal. Nem menos me-agrada o titulo da-obra, que é mui afetado,
e cheio de superfluidades. Ja se-sabe que um Dicionario, compreende
todas as palavras, com que se-explicam na dita lingua, todas as coizas
imaginaveis. E o exemplo que ele traz de Furetiere, Moreri, Hofman, que
enchèram o titulo, de semelhantes coizas, nam desculpa os seus erros:
porque se-caza muito bem, que errem dois omens de diferentes Nasoens,
na mesma materia.

Avulta tambem muito a obra, porque as explicasoens sam longas, e o
carater é mui grande. O que tudo se-podia reduzir, a menor extensam:
bastando um exemplo de um bom autor, e deitando fora tantos Latins,
e citasoens superfluas. E asim, todo aquele grande Vocabulario,
se-pode reduzir nas segundas-impresoens, a trez ou quatro volumes,
se lhe-tirasem o que tem de superfluo: e serîa tambem mais barato, e
mais util à Republica. Mas, ainda despois de tudo iso, serîa necesario,
fazer um Compendio, para uzo dos-rapazes. Que é o que os Nosos tem
feito, compendiando o _Vocabulario da-Crusca_, quero dizer, da-lingua
Toscana, (sam trez ou quatro volumes) em dois tomos de 4^o. Mas neste
Dicionario, se-deveria acautelar outra coiza, em que caio o P. Bluteau;
que foi, nam distinguir as palavras boas, de algumas plebeias, e
antigas. Ele ajuntou tudo: e ainda muitas palavras Latinas, que muitos
Portuguezes modernos afetadamente aportuguezáram. E este é o maior
defeito que eu acho, naquele Dicionario. porque nam ensina a falar
bem Portuguez; como o da-nosa Crusca, que nam tem, senam o que é puro
Toscano; e nota às vezes o que é _antigo_, ou _poetico &c._ Sei, que
alguma diversidade se-acha: porque os nosos autores, que fazem texto,
sam os que escrevèram, em um seculo determinado: e asim tudo o que
é moderno, entre nós é barbaro. Polo contrario a lingua Portugueza,
como á pouco tempo que comesou a aperfeisoar-se, nam pode excluir,
tudo o que é moderno. Contudo, deveria o P. Bluteau, nam abrasar
senam os autores, que faláram melhor. v. g. desde o fim do-seculo
pasado para cá: ou encurtar mais o tempo. E ainda neses, que talvez
nam seram iguais em tudo, escolher, o que é mais racionavel: e nam
tudo o que aportuguezáram alguns destes, prezados de eruditos; que,
por-forsa, querem introduzir, uma mixtura de Portuguez, com Latim.
Temos o exemplo da-Academia Franceza, a qual no-seu Dicionario, nam
poz as vozes plebeias, e antigas; mas as puras, e que oje falam os
omens cultos. Aindaque, como diz o Senhor de Furetiere,[14] é justo, que
se fasa um Dicionario à parte, das-vozes antigas, e baixas: paraque,
por-meio dele, posamos intender, os antigos documentos. Isto fizeram
muitos na lingua Latina, compondo somente Vocabularios da-inferior
Latinidade, como _Vossio_, _Izidoro_, _Spelman_, _Du Cange_: o qual
ultimo fez tambem outro, para o Grego inferior. E isto mesmo deveria
ter feito Bluteau: pondo em um volume, as palavras boas; no-outro, as
antigas &c. O certo é, que os Nosos no-Compendio da-Crusca, somente
puzeram as puras: e advertîram as que sam _poeticas_, e nam tem lugar
na proza. O mesmo Bluteau em certa parte[15], reconhece a necesidade
deste distinto livro; e deu uma ideia dele, nos-Catalogos que traz,
no-Suplemento. Mas se o dito P. o-nam-fez, porque quiz compreender,
tudo o que se-acha em Portuguez, ou por-outro motivo; no-Compendio
porem do-dito Dicionario, nam se-deviam escrever, senam palavras
puras e boas, e segundo a pronuncia mais suave. E.g. nam escrever
_Devaçam_, porque o dise o Vieira: mostrando a analogia, que se-deve
dizer _Devosam_: muito mais, porque asim o-pronunciam os doutos, e é
mais agradavel. O mesmo digo, de _Outo &c._ porque escrevendo muitos
omens doutos comumente, _Oitenta_; nam acho que tenham boa disparidade,
para, no-mesmo livro, escreverem, _Outo_: como V. P. verá em muitos
livros modernos. E asim a pronuncia melhor, sendo apadrinhada por-omens
doutos, deve ser preferida. Tambem se-devia no-dito cazo, emendar
a Ortografia do-Bluteau, que é variante: e establecer uma certa, e
sempre a melhor. Este Compendio seria mui necesario. os que quizesem
majores noticias, podiam procurálas no-Vocabulario grande. Isto é o que
me-ocorre. V. P. conserve-me a sua benevolencia, e rogue a Deus por-mim
nos-seus sacrificios. Deus Guarde &c.

                             [Illustração]


NOTAS DE RODAPÉ:

[3] _Sueton. de Cl. Rhet. C. I._

[4] _Auditis oratoribus Græcis, cognitisque eorum litteris,
adhibitisque doctoribus, incredibili quodam nostri homines dicendi
studio flagraverunt. Cicero l. I. de Orat. num. XIV._

[5] _A. Gel. l. I. c. x._

[6] _O Bluteau no-Prologo do-Suplemento, falando com o leitor
Pseudo-critico, confesa, que muitos omens doutos, nam dobram as letras
no-Portuguez: aindaque condena, que muitos nam observem, a analogia e
derivasam do-Latim, e Grego. que é a costumada cantilena dos-Velhos.
Reconhece porem, que seria necesario, reformar a Ortografia Portugueza.
Mas, conhecendo isto, adotou no-seu Dicionario, todas as variasoens
de Ortografia dos-autores; como confesa no-Prologo do-Suplemento. O
que nam tem desculpa em um omem, que estudou trinta anos, o argumento
do-seu livro._

[7] _S. Aug. l. I. confess. C. XVIII._ Catullus Carm. 85.

[8] _No livro, Orator ad. M. Brutum._

[9] _Na 6. conferencia literaria aos 18 de Maio de &c. em caza do-Conde
da-Ericeira_.

[10] _Impetratum est a consuetudine, ut peccare suavitatis caussa
liceret._ & pomeridianas quadrigas, _quam_ postmeridianas, _libentius
dixerim_: & mehercule, _quam_ mehercules. Non scire _quidem_, _barbarum
jam videtur_: nescire _dulcius_. _Ipsum_ meridiem _cur non_ medidiem?
_Credo, quod erat insuavius. Cicero. Orator. ad M. B. num. 47._ Et
infra == _Consule veritatem, reprehendet: refer ad aures, probabunt.
quære, cur? ita se dicent juvari. voluptati autem aurium morigerari
debet oratio._

[11] _Quintil. l. I.c.I. Varro de lingua L. l.6. & alii._

[12] _Marius Victorinus Aff. de Ortographia._

[13]

    _Si quem dira manet sententia Judicis olim
    Damnatum aerumnis, suppliciisque caput:
    Hunc neque fabrili lassent ergastula massa,
    Nec rigidas vexent fossa metalla manus._
    Lexica _contexat, nam cetera quid morer? omnes
    Pœnarum facies hic labor unus habet._ Sylvarum Carm. 39.


[14] _Pref. du Dicionaire Universel._

[15] _Prozas Academic. fol. 26._



                             [Illustração]



                            CARTA SEGUNDA.

                               SUMARIO.

 _Danos que resultam da-Gramatica Latina, que comumente se-ensina.
 Motivos porque nas-escolas de Portugal, nam se-melhora de metodo. Nova
 ideia de uma Gramatica Latina facilisima, com que, em um ano, se-pode
 aprender fundamentalmente Gramatica &c._


Despois do-estudo da-Gramatica Vulgar, segue-se o da-Latina. e desta
direi a V.P. o meu parecer, na prezente carta. Quando entrei neste
Reino, e vi a quantidade de Cartapacios, e Artes, que eram necesarias,
para estudar somente a Gramatica; fiquei pasmado. Falando com V. P.
algumas vezes, me-lembro, que lhe-toquei este ponto: e que nam lhe
dezagradáram as minhas reflexoens, sobre esta materia. Sei, que em
outras partes, onde se-explica a Gramatica de Manoel Alvares, tambem
lhe-acrecentam algum livrinho: mas tantos como em Portugal, nunca vi.
As declinasoens dos-_Nomes_, _e Verbos_ estudam, pola Gramatica Latina.
a esta se-segue um Cartapacio Portuguez, de _Rudimentos_. despois
outro, para _Generos_, _e Preteritos_, muito bem comprido. a este um
de _Sintaxe_, bem grande. despois um livro, a que chamam _Chorro_: e
outro, a que chamam _Promtuario_: polo qual se-aprendem os escolios
de Nomes e Verbos. e nam sei que mais livro á. E parece-lhe a V. P.
pouca materia de admirasam, quando tudo aquilo se-pode compreender,
em um livrinho em 12.^o e nam mui grande? Despois diso ouvi dizer,
que ocupavam seis, e sete anos estudando Gramatica: e que a maior
parte destes dicipulos, despois de todo ese tempo, nam era capaz de
explicar por-si só, as mais facis cartas de Cicero. Confeso a V. P. que
nam intendi isto, nem donde proviese o dano. Alguns sugeitos, bem
inteligentes de politica, me-deram algumas razoens, que nam pareciam
inverosimeis. Mas eu, sem aprovar, ou reprovar alguma delas, e tambem
sem me-demorar com esta materia; discorrerei sobre o merecimento
da-Gramatica Latina; e sobre o modo, com que se-deve aprender.

Ora convem todos os omens de bom juizo, e que tem visto paizes
Estrangeiros, e lido sobre isto alguma coiza; convem, digo, que
qualquer Gramatica de uma lingua, que nam é nacional, se-deve explicar
na lingua, que um omem sabe. Se V.P. quizese aprender Grego, e para
este efeito lhe-desem uma Gramatica toda Grega, e um mestre que somente
faláse Grego; poderia, à forsa de acenos, vir a intender alguma
palavra; mas nam serîa posivel, que aprendese Grego: o mesmo sucederia,
em qualquer outra lingua estrangeira. e se algum ateimase, que somente
daquela sorte, se-podia aprender Grego, diriamos, que era louco.
Pois suponha V.P. que estamos no-cazo. É coiza digna de admirasam,
que muitos omens deste Reino, queiram aprender Francez, Tudesco,
Italiano, de uma sorte, e o Latim de outra muito diferente. Aprendem
aquelas linguas com um mestre, que as-fala ambas, e explica a lingua
incognita, por-meio daquela que eles conhecem e falam: e com uma só
Gramatica se-poem em estado, de intenderem os autores bem, e, junto com
o exercicio, de falarem Francez correntemente. E tomára que me-disesem,
porque nam se-deve praticar o mesmo, no-Latim: e porque razam se-aja
de carregar, a memoria dos-pobres estudantes, com uma infinidade de
versos Latinos, e outras coizas, que nam servem para nada neste mundo?
Chega este prejuizo a tal extremo, que o P. Bento Pereira, escreveo uma
Ortografia Portugueza, em Latim. Desorteque quem nam intende Latim,
segundo o dito P., nam pode escrever corretamente Portuguez.

Os defensores deste metodo, nam alegam outra razam mais, que serem
os versos, mais facis de se-conservarem na memoria: e que em todo o
tempo, a eles se-pode recorrer, para ter prezentes as regras. Mas esta
razam, é pueril, e ridicula. Primeiramente se alguma coiza valèse,
deveria praticar-se com versos Portuguezes: porque só eses intendem
os estudantes. E qual é o estudante que intende, os versos Latinos
das-regras, principalmente sendo tam embrulhados, como os do-P. Manoel
Alvares? O certo é, que proguntando eu a alguns rapazes, a explicasam
deles, nenhum ma-soube dar. E eisaqui temos, que para os rapazes, nam
servem os tais versos. Se pois falamos dos-omens adiantados, estes
sabem Latim, polo exercicio de ler, escrever, e falar: comque nam tem
necesidade, de recorrer a semelhantes regras. E se querem examinar,
alguma dificuldade de Gramatica, vam consultar os Criticos, que as
explicam: nam as simplezes Gramaticas, que nem menos as-tocam: e talvez
establecem principios, contrarios à mesma solusam.

Finalmente a Gramatica Latina para os Portuguezes, deve ser em
Portuguez. E isto parece quiz dizer o P. Manoel Alvares, na advertencia
que faz aos mestres, no-fim das-declinasoens dos-Verbos[16]. aindaque
ele praticase o contrario, do-que aconselha: pois deveria, nam ter
dado o exemplo, introduzindo uma Gramatica puramente Latina. A outra
coiza que se-deve reprovar é, que obriguem os rapazes, a aprender trez
sortes de regras: em verso, em proza Latina, e em proza Vulgar: como
adverte bem o dito Padre. Isto, quando nam lhe-queiramos dar outro
nome, é perder tempo, sem utilidade, e com prejuizo grande: sem aver
outra razam, que seguir um costume envelhecido, aindaque prejudicial.
Mas o que mais me-admirou neste particular, e claramente me-mostrou,
quanto pode nos-Omens a preoccupasam dos-primeiros estudos, foi, ver
que o Sargentomór Manoel Coelho, que parecia ser mais alumiado nestas
materias, pertendendo distinguir-se do-Comum, dando aos principiantes,
uma facil explicasam das-_oito partes da-orasam_; ainda asim caie na
simplicidade, de pòr primeiro a regra em Latim para um rapaz, que ainda
nam tem noticia da-dita lingua; mas que aprende os primeiros elementos.
Tal é a forsa de um mao costume, que cega ainda aqueles, que querem
dezembrulhar-se dele! Esta reflexam é sustancial: mas ainda á outras de
maior momento. Entremos bem dentro na Gramatica.

Toda a Gramatica Latina se-reduz a explicar, a natureza, e acidentes
das-oito vozes, que podem entrar na orasam ou discurso: e o modo
de as-unir, e compor os periodos. E isto deve-se fazer com a maior
clareza, e mais breves regras, que se puderem excogitar. O que
certamente nam se-consegue com a Gramatica uzual: porque nam á coiza
mais confuza, nem mais cheia de excesoens, que a dita Gramatica, como
todos vem.

O mundo estava mui falto de noticias, e de metodo, antes do-seculo
pasado. Desde o restablecimento das-letras Umanas na Europa, direi
melhor, no-Ocidente, que podemos fixar nos-principios do-seculo XV.
melhor direi, desde a invensam da-Imprensa no-meio do-dito seculo;
até o fim do-XVI. nam tiveram os omens tempo de cuidar, em dar metodo
proprio às Letras, e Ciencias. Nam fizeram pouco aqueles primeiros
doutos, em procurar manuscritos, e impremir os antigos autores, mais
corretamente que pudese ser. Achamos alguns, no-fim do-XV. e no-XVI.
seculo, que foram letrados à forsa de estudo, mas nam de metodo. Temos
tambem alguns omens, que souberam bem Latim nese seculo, porque liam
muito polos bons autores: nam porque tivesem achado a chave, de ir para
diante com facilidade, e explanar as dificuldades de Gramatica, aos
estudantes. Finalmente esa gloria estava rezervada, para o seculo XVII.
Os pasados seguiam uns a outros, sem mais eleisam, que o costume. viam,
e estudavam com os olhos, e juizo alheio. Mas no-principio do-seculo
XVII. aparecèram alguns, que quizeram servir-se do-proprio: e foi-lhes
facil, conhecer os erros dos-antecedentes, porque eram grandes. Asim
se-abrîram os olhos ao mundo, em todo o sentido. um conhecimento
facilitou outro. e eisaqui aberta a porta ao metodo. De-me V. P. omens,
que queiram examinar as materias com razam; que nam inculquem um autor,
porque seus mestres lho-diseram, mas porque é digno de seguir-se;
que eu lhe-prometo, adiantamento nas Ciencias todas. A seu tempo
discorrerei das-outras: agora continuemos com a Gramatica.

Tinha no-tempo do-Concilio de Trento o douto _Julio Cezar Escaligero_,
comesado a examinar a Latinidade, seguindo o exemplo, e lumes do-famozo
_Agostinho Saturnio_; o qual tinha ja notado varios erros, nos-outros
Gramaticos. _Escaligero_, dando um paso adiante, publicou um livro,
com o titulo = _De Caussis Linguæ Latinæ_: em que doutisimamente
expoem o seu sentimento, sobre os elementos da-Gramatica: mas nam toca
a construisam das-Partes. A leitura deste livro, abrio os olhos a
_Francisco Sanches_, que era um profesor celebre de letras Umanas, na
Universidade de Salamanca. Este douto empreendeu no-seguinte seculo,
com o mesmo titulo, a explicasam da-construisam das-partes daorasam: e
com tanta felicidade, que descobrio as verdadeiras cauzas, até àquele
tempo ignoradas. Este livro incontrou em Salamanca, e trouxe para
Roma,[17] nos-principios do-seculo pasado, o famozo Gaspar Scioppio,
Conde de Claravale, de nasam Tudesca: aquele grande omem em letras
Sagradas e Profanas; e que empregou toda a sua vida, em estudos
gramaticos. O livro de Sanchez fez todo o efeito, que podia esperar-se.
Scioppio (que nam costumava dizer bem, daquilo que o-nam-merecia;
antes, polos seus inimigos, é tachado, como censor dezumano) cedendo à
evidencia das-razoens, proseguio o mesmo metodo de Sanches: ilustrou,
e reformou a sua doutrina: e compoz a primeira Gramatica, que apareceo
segundo os tais principios. No-mesmo tempo o famozo Gerardo Joam Vossio
em Olanda, tam benemerito das-letras Umanas, e Sagradas, explicou ainda
melhor o dito metodo; seguindo em tudo Sanches, e Scioppio; os quais ou
copeia, ou ilustra.

Esta é, e será sempre, a Epoca famoza da-Latinidade, e Gramatica. A
estes trez grandes omens, seguîram em tudo e por-tudo os melhores
Gramaticos, que despois ouveram: e devem seguir, os que tem juizo
para conhecer, como se deve estudar a Latinidade. Por-Fransa,
Alemanha, Olanda, Italia, e outras partes se-dilatou este metodo: e
alguns escrevèram belisimas Gramaticas, segundo os tais principios.
A razam porque nam se-propagou mais é, porque pola maior parte os
estudos da-Mocidade, sam dirigidos por-alguns Religiozos, que seguem
outras opinioens. Os doutisimos Jezuitas, ensinam grande parte
da-Mocidade, em varias partes da-Europa: e nam querendo apartar-se,
do-seu Manoel Alvares, rejeitáram todas as novas Gramaticas. Alguns
destes Religiozos, que trato familiarmente, e estimo muito pola sua
doutrina, e piedade; me-diseram claramente, que bem viam, que o Alvares
era confuzo, e difuzo; e que as outras eram melhores: nem se-podia
negar, que os principios de Scioppio fosem claros, e certos: mas que
o P. Geral nam queria, se-apartasem do-P. Alvares, por-ser Religiozo
da-Companhia. Este é o motivo, porque o P. Alvares se-conservou, nas
escolas dos-tais Religiozos: e esta tambem a origem da-tenacidade,
comque muitos seguem, aquilo mesmo que condenam.

Os outros Religiozos, aindaque nam sejam Jezuitas, tem as mesmas
obrigasoens, e opinioens. A maior parte, cuida pouco niso: e vam
vivendo, como seus mestres lhe-ensináram. Nam tem noticia dos-melhores
autores, que á na materia: cuidam, que no-mundo nam á outra Gramatica,
fóra que a do-P. Alvares. E todos estes, contentando-se de intender, um
pouco de Latim bom, ou mao, nam cuidam em saber Gramatica. Os mestres
Seculares, pola maior parte, sam ignorantisimos, e puros _pedantes_.
e desta sorte de gente nunca esperou aumento, a republica Literaria.
É necesario porem confesar, que fóra de Portugal, aindaque perzistam
algumas destas razoens, muitisimos Religiozos, e Seculares ensinam,
segundo os verdadeiros principios. Comque, considerado bem tudo isto,
nam tem que se-maravilhar V. P. de que um metodo, que louvam tanto os
omens doutos, tenha tido tam mao recebimento, em varias partes. Mas
estas Gramaticas que tem saido, aindaque sigam os mesmos principios,
nem todas se explicam com igual clareza. Eu direi o que achei nas
melhores, e o como se-pode ordenar uma Gramatica, util para a Mocidade.

A Gramatica deve-se dividir, em dois volumes. No-primeiro, devem-se
tratar aquelas coizas, que indispensavelmente devem estudar os
principiantes. no-segundo, aquelas reflexoens, que sam mais proprias
para os adiantados, e para os mestres: como sam as dificuldades de
Gramatica, e as razoens daquelas regras, que parecem menos comuas.
Explico agora a primeira parte. Esta primeira parte (podemos-lhe chamar
pura Gramatica: porque a segunda, sam comentos sobre ela) divide-se
naturalmente, em quatro partes: _Etimologia_, _Sintaxe_, _Ortografia_,
e _Prozodia_. a primeira trata das-Vozes: a segunda da-Uniam delas: a
terceira das-Letras: a quarta da-Quantidade das-silabas.


_ETIMOLOGIA_.

Na primeira parte, trata-se da-origem e diferensa das-vozes Latinas,
que podem entrar na orasam, por-sua ordem. Primeiro, explica-se o
_Nome_, e suas especies. O _Nome_, tem trez acidentes, que sam,
_Genero_, _Cazo_, _Terminasam_. Os _Generos_, que tanta bulha fazem
nas escolas, explicam-se com toda a brevidade. á regras gerais
da-_significasam_, e particulares da-_terminasam_. Na primeira regra,
poem-se todos os que pertencem ao Masculino. v.g. _Sam do-Masculino,
os nomes de Omens_ &c. 2. _Sam do-Feminino, os nomes de Molheres,
Naos_ &c. 3. _Sam do-Neutro, os nomes de Letras, Frutas_ &c. Tambem as
particulares, se-reduzem a trez. v. g. _Sam do-Masculino os nomes em
O, como Sermo: em il, como Mugil_ &c. Acabado isto, poem-se um escolio
que diga: _Nomes que sam do-Masculino, por-excesam das-outras regras._
v.g. _Cometa_, _Adria_, _Harpago_, _Splen_ &c. O mesmo metodo se-pode
praticar no-Feminino, e Neutro. E com seis regras, se-explicam todos
os Generos: e se-acaba esta grande barafunda de Cartapacios. Se pois o
estudante quizer saber a razam, porque alguns nomes, que pareciam de um
genero, se-atribuem a outro; pode ir ver, a segunda parte da-Gramatica.

Segue-se explicar, quantos _Cazos_ tem o Nome. e em 3.^o lugar _a
Declinasam_: mostrando quantas á: e em cada uma delas, quais sam a
Latinas, quais as Gregas. Tudo isto se-pode dizer, com muita clareza e
brevidade; bastando alegar um exemplo, em cada especie de terminasoens,
que podem entrar em cada declinasam. Com este metodo, em uma vista de
olhos, percebe o estudante os nomes, que pertencem a cada declinasam.
Despois, podem-se explicar os Nomes Compostos, os Anomalos de genero,
de numero, de cazo, e de declinasam. A segunda especie de Nome, é o
Adjetivo. E aqui tem lugar explicar, as diversas especies de Adjetivos:
Pozitivos, Comparativos &c. as suas declinasoens, e anomalîas.

O _Pronome_, tem seu lugar despois do-Nome: porque tambem é, uma
especie de Adjetivo. Onde deve explicar-se logo, a sua diversidade: e
as declinasoens dos-Simplezes, e Compostos.

O _Verbo_, é a mais dificultoza parte, nas Gramaticas vulgares: e
por-iso pede grande atensam. Explicadas as divizoens dos-Verbos; e
apontado, que á quatro Declinasoens ou Conjugasoens: segue-se logo,
explicar os Preteritos. v. g. A primeira, tem no-infinito _a_ longo
antes de _re_: no-Preterito faz, _avi_: no-Supino _atum_: ut _amo_,
_amavi_, _amatum_, _amâre_. Tiram-se os Verbos em _bo_, ut _Cubo_:
em _co_, ut _Mico_ &c. E isto se-observará em todas as Conjugasoens.
Desta sorte conclue-se em poucas palavras, toda aquela grande arenga
de Preteritos, que nam tem fim nas escolas de Portugal. Se pois o
estudante nam quer aprender, toda aquela enfiada de Verbos, nam
emporta: basta que aprenda um exemplo, e saiba buscar os outros: porque
a pratica ensina o demais.

Seguem-se as _Declinasoens_ dos-Verbos, a que vulgarmente chamam,
_Linguagens_. E aqui achamos bastantes erros, nas Gramaticas comuas,
e tambem confuzoens: porque mandam aprender aos rapazes, coizas
totalmente superfluas; e nam explicam as necesarias. Quanto ao
Indicativo, concordamos com Manoel Alvares: só dizemos, que aquele
_Preterito plus quam perfeito_, é uma arenga, que nenhum estudante
intende; nem os mestres explicam. Deve-se explicar asim: _Amavi_,
é _Preterito perfeito proximo_; que afirma uma coiza, simplezmente
pasada: _Amaveram_, é _Preterito perfeito remoto_, que nam só
se-intende de uma coiza pasada; mas que ja era pasada, antes de outra,
de que eu falo como pasada. Dizemos mais, que aquele _Futuro perfeito_,
nam o-á no mundo: pois esta voz, é o mesmo Futuro segundo, que ele poem
no-Conjuntivo.

Alem dos-primeiros tempos do-Indicativo, tem o Verbo, segundo Prezente,
que é _Amem_: segundo Imperfeito, que é _Amarem_: segundo Perfeito,
que é _Amaverim_: segundo Preterito remoto, que é _Amavissem_: segundo
Futuro, que é _Amavero_. Mas isto pode-se explicar em Portuguez,
com diversas palavras. A estas segundas vozes, ou segundo modo,
podemos chamar _Conjuntivo_: porque pola maior parte, une-se com
outras partes. Daqui vem, que é erro, pòr nas Gramaticas: _Modo
Optativo_, _Conjuntivo_, _Potencial_, _Permisivo_: porque por-este
estilo, podem-se acrecentar muitos outros Modos: sendo certo, que,
ajuntando-lhe novas particulas, nacem diferentes modos de se-explicar.
Basta advertir ao estudante, que aquele _Amem_, pode-se tomar, em
diversos sentidos: o que se-conhece, polo contexto da-orasam. tudo o
mais é tempo perdido, e é ensinar uma falsidade: pois nam á tais modos
separados: sendo que a linguagem, ou a voz sempre é a mesma. _Amem_,
quando significa _posibilidade_, e quando significa _permisam_, nam
se-distingue mais, que polo contexto. E isto bastava que brevemente
se-advertise, apontando um exemplo: porque o mais ensina a lisam, e
reflexam sobre os bons autores.

O terceiro Modo é o Imperativo: a que podemos chamar, por-distinsam,
_Prezente terceiro_: _Ama_. Futuro terceiro: _Amato_.

O Infinito, é aquele; a que verdadeiramente devemos chamar, _Impesoal_:
pois nam tem determinado numero, ou pesoa, ou tempo &c. Este tem
uma voz: a que, aindaque impropriamente, podemos chamar, Prezente,
e Imperfeito: que é _Amare_. a qual tem todas as significasoens
do-Prezente, e Imperfeito primeiros. Para os outros Preteritos
serve, _Amavisse_. Tem Futuro, que é _Amaturum esse_: e outro Futuro
remoto, que é _Amaturum fuisse_. Gerundios, Supinos, e Participios.
Isto posto, deve-se explicar, como se-formam os tempos. E nisto
se-compreende, a primeira parte das-Linguagens.

Seguem-se os Verbos Anomalos, quero dizer, os que nam tem analogia,
com as quatro Conjugasoens: sam _Volo_, _Nolo_, _Malo_, _Fero_, _Eo_,
_Edo_, _Fio_, _Memini_ &c. _Aio_, _Inquam_, _Forem_. E nisto se-encerra
tudo, o que se-diz do-Verbo.

Os Gramaticos fazem aqui uma barafunda de explicasoens, e divizoens,
em _Neutros_, _Comuns_, _Depoentes_, _Diminutivos_, _Frequentativos_,
_Denominativos_, _Imitativos_ &c. mas tudo isto é superfluo. Todos os
Verbos, tirando dois, sam Ativos, ou Pasivos: porque ou significam
asám, ou paixam: e a estas especies se-reduzem os apontados. Basta
advertir, o que significam estas palavras, e a que conjugasam pertencem
os ditos verbos: apontando um exemplo de cada um. o que porem melhor
se-faz, no-exercicio da-leitura, e tradusam.

Ao Verbo, segue-se o _Participio_: que aqui se-deve explicar com as
suas divizoens. notando quais sam os Verbos que os-tem: quais os em que
faltam: quais deles formam Comparativos, e Superlativos.

No-_Adverbio_, deve-se explicar e apontar, os que sam de proguntar,
os que significam tempo, lugar; e outras diferentes especies deles.
Despois, a _Prepozisam_: mostrando as que sam separaveis, e as que
se-nam-separam. Como tambem advertir, que coiza acrecentam ao Nome, e
Verbo, estas Prepozisoens. Sobre a Interjeisam, deve mostrar, quais
sam as que significam, os diferentes afetos do-animo, para o estudante
poder servir-se na ocaziam. A _Conjunsam_, tambem tem suas especies:
que sam _Conjuntiva_, e _Disjuntiva_, _Condicional_, _Concesiva_ &c. e
estas todas devemos apontar: alegando exemplos em cada uma.

Despois da-Etimologia das-vozes, tem lugar explicar o _Metaplasmo_: que
vale o mesmo que dizer, certas figuras, polas quais se-acrecentam, ou
diminuem as letras das-disoens: v. g. _Gnavus_ pro _Navus_ &c. Noticia
é esta sumamente util para intender, as diferentes vozes Latinas. E
nisto se-compreende, tudo o que deve saber-se sobre a Etimologia, com a
maior clareza, e brevidade imaginavel.


_SINTAXE._

Despois, segue-se a _Sintaxe_. E a qui é maior a dificuldade: porque
se a Etimologia, nas Gramaticas ordinarias, é confuza; a Sintaxe delas
é a mesma confuzam. é necesario variar muito do-comum, para ensinar
verdadeira Sintaxe. Nam tenho tempo para provar o que digo: mas seguro
a V. P. que o que escrevo, é ja provado evidentemente, polos autores
que aponto, e outros que os-comentáram: e que, se a necesidade o
pedise, com pouco trabalho mostraria tudo: porque tenho visto o que
basta. E asim apontarei somente, as rezolusoens.

A Sintaxe ensina a unir as vozes, para fazer a orasam: e, por-meio
desta, formar um bem regulado discurso. A construisam ou uniam
ou é _Regular_, que segue as regras da-Arte: ou _Figurada_, que
se-desvia delas, mas funda-se na autoridade dos-bons escritores. A
construisam Regular funda-se na _Concordancia_, ou na _Regencia_. Chamo
Concordancia, quando as partes concordam, em alguma coiza comua. v.g.
o Sustantivo concorda com outro Sustantivo em _cazo_, que é comum a
ambos. Nas Concordancias achamos alguns erros comuns, que em breve
apontaremos.

Nam se-devem admetir mais concordancias, (nam falo daquela entre dois
Sustantivos) que de _Sustantivo com Adjetivo_: _Verbo com o Nome_.
O Adjetivo concorda com o Sustantivo em _numero_, e _cazo_, que sam
comuns a ambos: nam em _genero_, porque o Adjetivo nam tem genero,
mas somente o Sustantivo: poem-se porem o Adjetivo em uma terminasam,
conrespondente ao _genero_ do-Sustantivo. Alem disto o Adjetivo, nam
concorda com o Sustantivo proprio, v.g. _Petrus_: mas com o Sustantivo
comum, v.g. _Homo_: e vale o mesmo dizer: _Petrus est bonus_: que se
disese-mos: _Petrus est homo bonus: vel artifex, vel magister bonus_
&c. Quando nam á nome comum, recorre-se aos nomes, _Res_, _Factum_,
_Opus_, _Negotium_, e outros semelhantes, que antigamente tinham,
significasam mais extensa, que a que oje lhe-dam. Damesma sorte quando
Ovidio dise: _Nox, & Amor, & Vinum nil moderabile suadent_; deve-se
intender asim: _non suadent factum, vel opus, vel negotium moderabile_.
Virgilio umas vezes dise: _Præneste altum_: intendendo _Oppidum_.
outras vezes: _Præneste sub ipsa_: intendendo _sub ipsa Civitate_.
podia tambem dizer: _Præneste altus_: intendendo _Locus_. Terencio
dise: _Eunuchum suam_; intendendo _Comoediam_, ou _Fabulam_; porque
_Eunuchus_ é masculino. Deixo outros exemplos, com que se-mostra, que a
concordancia sempre é com o Sustantivo comum.

Á infinitos exemplos que provam, que o Relativo concorda com o
_susequente_ expreso, ou supreso, em _numero_, _cazo_, e terminasam
conrespondente ao _genero_: damesma sorte que outro Adjetivo. Temos
exemplo bem claro em Cicero, do-expreso: _Ego tibi illam Aciliam
legem restituo, qua lege simul accusasti_[18]: e em outra parte[19]:
_Sequitur enim caput, quo capite non permisit._ Cezar abunda muito
destes modos de falar, porque afetava clareza. Acham-se exemplos
do-supreso: _Populo ut placerent, quas fecisset fabulas_[20]: i. e.
_Populo ut placerent fabulæ, quas fabulas fecisset_. Do-que fica
claro, que o Relativo concorda, em genero, numero, e cazo, como dizem
comumente, com o seu susequente; que é o mesmo antecedente-repetido.
Isto basta por-agora.

A segunda concordancia, é do-Verbo com o Nome: os quais concordam em
_numero_, que é comum a ambos: nam em _pesoa_, porque esta é somente
do-Verbo: mas poem-se o Verbo em uma terminasam, conrespondente à
pesoa, que o Nome significa. Devem-se porem advertir algumas coizas.
I. A primeira, e segunda pesoa do-Verbo, raras vezes se-construe com
o Nome expreso, senam por-distinsam, ou emfaze. II. A terceira pesoa
do-Verbo, construe-se tambem com um Verbo infinito. v.g. _Scire tuum
nihil est_: pro, _scientia tua_. Tambem algumas vezes sem nome expreso:
v.g. _Aiunt_, supple, _homines_. _Tonat_, sup. _Deus_. outras vezes com
o Nominativo: _Saxa pluunt._ Tambem se-uza do-Nome, sem Verbo expreso:
_Rari quippe boni._ i. e. _sunt_. III. No-Verbo com o Nome, tem lugar
a Figura _Sintesis_, que parece, que discorda do-Nome expreso: mas
a verdade é que concorda, com o sinonimo oculto. v. g. _Pars epulis
onerant mensas_: onde o Verbo concorda, com o sinonimo oculto,
_Plurimi_. Tem tambem lugar a figura _Zeugma_, em que o Verbo concorda,
com o mais vizinho: _Tu quid ego, & populus mecum desideret, audi._ Tem
tambem lugar a _Silepsi_, emque o Verbo concorda, com o mais digno: _Si
tu, & Tullia lux nostra valetis, ego, & suavissimus Cicero valemus._

IV. Porque o Adjetivo significa acidente, nam pode estar só sem
sustantivo, que signifique a sustancia. o mesmo digo das-terminasoens
do-Verbo que significa, movimento de alguma coiza: e asim sempre
se-subintende a dita coiza. Nam á Orasam sem Verbo, e Nome. se o Verbo
é finito, o suposto é Nominativo: se é infinito, é Acuzativo. A Letra,
Silaba, Voz, e Orasam, pode ser suposto do-Verbo, e do-Adjetivo. V.
Do-sobredito se-inferem varias coizas. É falso, que os Nomes de numero,
come _tres_, _& decem_, concordem entre si. É falso, que os Adverbios,
e Conjunsoens concordem com o Indicativo, Optativo &c. deve-se dizer,
que se-construe um com outro. E nisto com pouca diferensa se-comprende,
tudo o que se-diz da-Sintaxe de concordar.

A Regencia, é a que mostra o seu efeito, em outra coiza que rege.
Quatro sam as vozes que regem outras: Nome, Verbo, Participio, e
Prepozisam. É falso, o que se-ensina comumente, que o Adverbio,
Conjunsam, Interjeisam, Verbo pasivo, Participio pasivo, Gerundio, Nome
adjetivo, reja, e pesa cazo: porque o cazo que se-acha com eles, é
regido de uma parte supresa, pola figura _Ellipsis_.

A regencia ou é Gramatical, que segue as regras da-arte: ou Figurada,
que se-desvia delas. E porque a regencia se-exercita nos-Cazos do-Nome,
daqui vem, que toda a Sintaxe de Regencia se reduz, à explicasam deses
seis Cazos. v.g. no-Nominativo aponta-se, quando entra na orasam.
despois, quais sam as partes da-orasam, que se-construem com ele,
ou simplez, ou dobrado. O mesmo digo de todos os outros Cazos: na
explicasam dos-quais deve-se muito advertir, de mostrar quais sam as
partes, que verdadeiramente os-regem: e nam enganar os estudantes, com
as doutrinas das-Gramaticas vulgares. V.g. o Genitivo é cazo somente
regido, por-um Sustantivo expreso, ou supreso: ou por-uma parte, que
esteja em lugar de Sustantivo. É pois necesario mostrar-lhe, que
se-enganam os outros, que atribuem o tal Genitivo, a outras partes
da-orasam. Com este metodo, explica-se mui brevemente a Sintaxe, e
mui solidamente: porque se-reduzem todas as construisoens figuradas,
ao modo de falar regular: e se-descobrem os verdadeiros principios
da-Regencia: postos os quais, dezaparecem todos aqueles Apendices, e
Limitasoens da-Gramatica uzual: as quais nam de outra coiza nacem,
senam de establecer principios falsos. Despois, explica-se a Gramatica
Figurada: e se-aponta o fundamento da-Figura, e como se-pode reduzir à
construisam natural. porque sem esta inteligencia, nam se-pode ir para
diante na Gramatica.


_ORTOGRAFIA, E PROZODIA._

As outras duas partes da-Gramatica sam mais facis, porque menos
contrariadas. A noticia das-Letras, e _Ortografia_, é sumamente
necesaria, para escrever bem, e ler correntemente nam só a moderna, mas
tambem a antiga escritura: em que vareiam muito as letras. O mesmo digo
da-_Prozodia_, ou quantidade das-silabas. Tambem nisto é necesario,
uzar melhor metodo, que o da-Gramatica comua: e conheso eu muito bem,
que se podem dizer, com mais clareza.

Eisaqui tem V.P. uma idea do-que sinto, sobre a Gramatica. Parece-me
bastante o que dise, paraque veja V. P. quanto trabalho encurtaria uma
Gramatica, concebida nestes termos: e uns principios tam claros, como
os em que se-funda. Nam poso dilatar-me mais nesta materia, porque
serîa compor Gramatica; e o meu argumento nam é ese. Eu sei, quem tem
composto uma Gramatica, pouco diferente da-ideia que propuzemos: e
tem composto outro particular escrito, com que se-aprende Gramatica
mais facilmente, e em menos tempo: os quais podia publicar, para
utilidade deste Reino. Dois nosos amigos lhe-pediram instantemente,
que a-impremise: mas ele desculpa-se sempre com dizer, que é mais
facil, conquistar um novo mundo; doque despersuadir os Velhos,
da-antiga Gramatica. Cita alguns exemplos com que mostra, que a paixam
obra nestes particulares mais, que o juizo: e lamenta-se muito, que
se-tenham reprovado tantas coizas, sem as-lerem, nem intenderem.

O que eu poso segurar a V. P. é, que com este metodo, aprende-se em um
ano mais Gramatica, doque nam sabem muitos, que a ensinam trinta anos,
ou pasáram nela toda a sua vida. É erro persuadir-se, que um omem ou
deva, ou posa ter prezentes todas as regras, que se-acham na Gramatica
do-P.Alvares. A experiencia deveria dezenganar, os que estudáram por
ela; e mostrar-lhe, que aquele estudo morre com a escola. Um estudante,
despois de seis ou sete anos de Manoel Alvares, se acazo nam le os
antigos Latinos, e procura intendèlos; ou nam pasa para a Filozofia,
onde a necesidade o-obriga a intendèlos, e falar a tal lingua; fica
toda a sua vida ignorante de Latim, com toda a sua Gramatica. Porem
se acazo segue o exercicio do-Latim, de tal sorte se-familiariza com
a lingua, como se fora nacional; e comesa a falar por-uzo. Aqui nam é
necesario mais prova, que proguntálo a eses mesmos leitores. apenas
conservam umas ideias gerais, das-regras de Gramatica. Onde fica claro,
que tudo aquilo é superfluo. O metodo porem que aponto, é mais facil de
se-conservar na memoria, porque é natural: e chega à origem das-coizas.
Mas em um e outro sistema é verdade, que preceitos sem uzo, nada valem.
Onde deve o estudante, nam só aprender a Gramatica, mas exercitar esas
regras no-discurso, na leitura, e na composizam: descobrindo em toda a
leitura as regras, que na Gramatica lhe-insinuam: no-que deve ter igual
cuidado o mestre, que o estudante. No-primeiro ano, deve ensinarlhe
Gramatica: o que se-pode fazer com muita facilidade. No-segundo,
traduzir os autores mais facis: como algumas Cartas de Cicero, as
Fabulas de Fedro, Terencio, Cornelio Nepote. procurando que o estudante
asine a regencia das-partes, e descubra neses livros, os principios
que estudou: e intendendo as outras particularidades mais reconditas
da-Gramatica: as quais nam sam para o primeiro ano.

Mas, para proceder nisto com utilidade, deve o mestre ordenar ao
estudante, que ja vio uma vez a Sintaxe, que escreva em Portuguez,
polas palavras que melhor lhe-parecer, mas sempre diferentes daquelas,
que estam na regra, a razam de alguma regra; apontando um exemplo, e
explicando as partes todas dese exemplo. Pode tambem o mestre tomar,
um periodo de duas regras, em algum autor claro; e dalo ao rapaz,
paraque o-explique em uma folha de papel: pondo nela toda a regencia
gramatical, sem deixar nem menos uma virgula, por-explicar. E quando o
rapaz aprezenta a sua carta, examinálo de tudo, o que nela se-contem;
para ver se verdadeiramente o-intende. E isto mesmo se-pode praticar
ao principio, quando traduzem os autores. Este modo de estudar, nam
enfada os principiantes, visto darem-lhe tempo para considerar, o que
ám-de escrever. Ao principio, deve ser em caza: quando sam adiantados,
na escola. Alem diso o estudante, para escrever a sua explicasam, é
necesario que leia, e intenda bem a regra: que busque no-Dicionario, o
significado das-palavras: e desta sorte é que a-imprime bem na memoria.
Quando o estudante for adiantado, entam é que se pode obrigar, a
repetilo de memoria: mas nem sempre: pois algumas vezes é bom, dar-lhe
o periodo, paraque fasa a explicasam por-papel: Com a diferensa porem,
que se o periodo avia ser de quatro regras, seja de seis, ou oito.
Explicando isto por-escrito, é incrivel, quanto se-intende melhor:
principalmente se o mestre, quanto lhe-tomar conta, fizer as proguntas
necesarias; emendar os erros, e explicar tudo como deve.

Mas esta carta ja é mais comprida, doque eu queria fazé-la: porem poso
segurar a V. P. que ainda me-fica muito que dizer. Contudo do-que tenho
escrito, fica bem claro, o que eu intendo: e para V. P. é mais que
bastante. Fico às ordens de V. P. como seu criado.

                             [Illustração]


NOTAS DE RODAPÉ:

[16] _Patrio sermone tantum declaranda Rudimenta, Genera,
Declinationes, Anomala, Præterita, Supina: ne simul & ligata & soluta
oratione præcepta memoriter recitare cogantur. Quod etiam in Syntaxi,
quando ea primum explicatur, observandum est._

[17] _Veja-se a sua Gramatica da-edisam de Scavenio, na Prefasam._

[18] _In Ver. act. 3._

[19] _2. Agrar._

[20] _Terent. in Andria._



                             [Illustração]



                            CARTA TERCEIRA.

                               SUMARIO.

 _Abuzos que se-introduzîram em Portugal, no-ensinar a lingua Latina.
 Mao modo que os mestres tem, para instruir a Mocidade. Propoem-se o
 metodo, que se-deve observar, para saber com fundamento, e facilidade
 o que é pura Latinidade. Necesidade da-Geografia, Cronologia, e
 Istoria, para poder intender os livros Latinos. Apontam-se os autores,
 de que os mestres se-devem servir na Latinidade: e como devem
 servir-se deles; e explicálos com utilidade: e as melhores edisoens.
 Aponta-se o modo de cultivar a Memoria, e exercitar o Latim nas
 escolas._


Meu amigo e senhor, Tardei em escrever a V.P. porque tive legitimas
ocupasoens. Continuando pois o fio das-minhas reflexoens, da-Gramatica
paso para a Latinidade: porque me-persuado, que este mesmo caminho deve
seguir o estudante, que quer ter perfeita noticia, da-lingua Latina.
Esta noticia certamente nam se-consegue, com a pura Gramatica: mas com
a continua lisam de bons autores, e reflexam sobre as suas melhores
obras. _Aliud est grammatice, aliud latine loqui_: advertio ja no-seu
tempo Quintiliano. e com muita razam: porque a escrupuloza sugeisam
às regras da-Gramatica impede, saber falar a lingua. A Gramatica é a
porta, pola qual se-entra na Latinidade: e quem pára no-vestibulo,
nam pode ver as singularidades do-Palacio. Quantos omens acha V. P.
que, com terem sido mestres de Gramatica muitos anos, saibam pegar na
pena, e escrever uma pagina em bom Latim? responder a uma carta com
facilidade? e fazer qualquer outra coiza, em que seja necesario, uzar
da-lingua Latina? Eu conheso infinitos sugeitos, que pasáram a sua vida
neste exercicio, e quando ám-de escrever Latim, servem-se de expresoens
em tudo barbaras, e indignas do-seu exercicio. Outros, aindaque tenham
eleisam de palavras, nam se-despem dos-idiotismos da-sua lingua:
que é o mesmo que falar Portuguez, com palavras Latinas. Uma vez que
observam, aquela regencia gramatical que estudáram, parece-lhe que
fazem a sua obrigasam. Os que se-querem apartar deste uzo, declinam
para outro extremo viciozo, que é a afetasam: e nam buscam, senam
palavras grandes e sonoras, _sesquipedalia verba_, com as quais atroem
os ouvintes, ou leitores. E daqui entam nace, aquele estilo ridiculo,
que tanto dominou nos-seculos da-ignorancia; e oje em Italia chamamos,
_estilo do-seculo XVI_.

A estes ultimos chama o comum dos-Gramaticos, grandes Latinos. É um
louvar a Deus, ver a prezunsam de uns, e a ignorancia de outros.
Achei-me prezente em algumas orasoens Latinas, que se-recitáram sobre
diversos asumtos; e nam podia asás admirar, a afetasam, e estilo
dezigual, que reinava em toda a orasam. Despois diso, li muitas
compozisoens, feitas por-eses mesmos: li muitas postilas de diversos
leitores, que tinham pasado com louvor, por-aqueles bancos: e em
tudo notei o mesmo defeito. E tudo isto provèm, de se-contentarem
com a erudisam de quatro temas, que lhe-mandam compor: e de nam
se-internarem na lisam dos-bons autores, e que escrevèram no-tempo
da-mais pura Latinidade. É coiza imposivel, que um omem que tenha
tomado o gosto, à verdadeira Latinidade, com facilidade o-perca.
Ainda quando trata asumtos umildes, e argumentos em que è obrigado
servir-se, de expresoens barbaras, v.g. na Filozofia, ou Teologia
Peripatetica; ou ainda quando despreza o falar elegante; la mostra
sempre, o conhecimento que posûe daquela lingua. Nos-seus escritos
conhecem muito bem os omens inteligentes, o que ele podia fazer.
caiem-lhe da-pena palavras proprias. um estilo facil e natural é o
carater das-suas obras. Mostra a experiencia o que digo: e convem
nisto os omens de alguma doutrina. Daqui vem, que os que querem fazer
progreso na Latinidade, procuram logo um autor facil e elegante, como
qualquer dos-que na minha ultima apontei; e desorte se-familiarizam com
ele, que tomam e imitam a sua fraze, e modo de falar. Quem quer falar
uma lingua, deve conversar com os omens que a-falam bem. ora os que oje
falam bem Latim, sam eses quatro livros, que nos-deixou a Antiguidade:
e com eles é necesario conversar tanto, que aprendamos o que se-pode
aprender.

Pode tambem aver perigo, na lisam deses mesmos bons livros: e pode
suceder, que com bons livros, se-saiba mal Latim: Digo isto, polo
que tenho observado, em grande parte deste Reino. Omens á, que lem
indiferentemente, todos os livros antigos; e pola vaidade de quererem
saber tudo, nam sabem nada. Formam um estilo dezigual, que nam é de
seculo algum: e com grande trabalho, nam conseguem o fim que queriam.
Neste defeito, nam só caiem os pouco doutos; mas chegáram a cair, omens
de grande doutrina. Erasmo, que foi um omem tam douto como V.P. sabe, é
censurado neste ponto. A grande lisam que tinha, dos-antigos autores, e
Padres, impedio-lhe formar um estilo determinado. Contudo iso, nam sei
se achará V.P. muitos no-seu Reino, que escrevam como ele. O certo é,
que Erasmo nam lia os Antigos por-vaidade, mas por-necesidade dos-seus
estudos: mas estes de quem eu falo, nam se-livram deste pecado. Outros,
furtam indiferentemente, de todos os autores que lem; para poderem
encher as suas compozisoens: servido-se imprudentemente, destes
livros de Fraseologia: sem advertirem, que sempre á-de ser capa de
romendos: e que os diversos mantimentos primeiro se-ám-de digirir, para
se-converterem em uma sustancia, que seja uniforme e simplez.

A outra razam que á, para que se-posam enganar, é a diversidade de
estilo, e merecimento deses mesmos Antigos. Quanto ao estilo, é
certo que os querem ser Istoricos, faram mal em ler as Filipicas
de Cicero, as Comedias de Terencio, os Epigramas de Catúlo, e
outras semelhantes compozisoens: porque nam conduzem ao seu fim;
aindaque sejam escritas, no-seculo da-bela Latinidade. omesino digo
das-outras proporcionadamente. Podem-se ler estes autores: mas cada
um deve aplicar-se ao que é insigne, na materia que ele trata. Se
bem ouso dizer, que Terencio serve-se das-expresoens, no-seu proprio
significado: que Cezar falou melhor, que nenhum dos-Romanos: nem
por-iso ei-de logo meter Cezar, e Terencio em toda a parte. para
o conhecimento da-lingua, todos me-podem servir: nam asim para o
exercicio particular, que eu quero. Quanto ao merecimento é certo, que
nem todos os Antigos sam iguais. antes muitos que escrevèram no-seculo
de Augusto, e em tempo de Tiberio, fizeram-no com tal negligencia, que
mal tem lugar, na idade de _prata_ da-lingua Latina: e sem injuria
se-podem colocar, na idade de _bronze_.

Esta advertencia é mais necesaria em Portugal, que em outros Reinos:
porque os mestres aqui, tem pouca noticia destas coizas. Nas escolas
da-Latinidade, verá V.P. traduzir livros, de merecimento mui dezigual:
e pasar de um para outro sem eleisam, nem advertencia, somente para
encher tempo, e completar o ano. Na 3. e 4. em que os rapazes comesam
a traduzir, explicam pola menhan, as Filipicas de _Cicero_ &c. e
de tarde, a Eneide, ou _Ovidio_ de Trist. Na 2. e 3. pola menhan,
_Suetonio_; de tarde _Oracio_. Mas eu vi mais: vi um mestre que
explicava aos dicipulos, as Orasoens de _Cicero_, _Marcial_, _e o
Thesaurus Poeticus_. E que coiza boa pode sair daqui? Nam ensinam
aos estudantes, qual é o merecimento de cada autor, que lhe-mandam
traduzir: e como pode o estudante advinhálo? Alem diso, aquilo de
explicar no-mesmo tempo, _proza_, e _verso_, e isto a principiantes,
nam pode menos, que produzir monstruozidades. O pobre estudante, com a
memoria cheia de tam diferentes especies, nam pode distinguir o branco,
do-negro: nem chegar a conhecer bem, qual é o estilo da-proza, e qual
o do-verso. Muito pior ainda é, comesar por-tais livros: porque as
Filipicas, e Eneide, nam é Latim para rapazes, mas para omens feitos.
por-estes livros devem acabar o estudo, e nam principiálo. Tambem o
_Suetonio_, nam é livro proprio da-Escola, porque nam escreve com a
pureza dos-outros da-idade de oiro. era melhor _Livio_, _Nepote_ &c.
que, alem da-pureza de lingua, sam perfeitos modelos de eloquencia.
Outros mandam traduzir lisoens do-Breviario, ou Concilio de Trento:
dizendo que sam necesarias, para quem á-de seguir a Igreja. E isto
tambem é uma solenisima loucura. Cada lisam do-Breviario é de seu
autor, e de estilo diferente. Ainda das-que se-tiram da-Escritura,
se-deve dizer o mesmo: umas sam oscuras, que sam as dos-livros
profeticos; outras mais claras, que sam as dos-istoricos: e o Latim
delas nam é bom, porque a fraze é barbara. E querer, que um estudante
traduza isto, é querer, que nam saiba Latim. Tambem o Concilio nam é
próprio, para dar boa doutrina: porque se-serve de um estilo Forense
proprio de Roma, que nam é Latino. Se o-fazem para intender estes
livros, é superfluo explicálos. Nam á omem nenhum tam decepado, que,
se intende bem Latim, nam intenda as Bulas; aindaque nunca as-tenha
lido. Estar o verbo vizinho ou distante, nam muda, ou dificulta o
sentido, a quem le todo o periodo: e quem tem alguma pratica delas,
intende-as maravilhozamente, aindaque seja mao Latino, como vi muitas
vezes em Roma. O que suposto, é muito mao emprego, obrigar o estudante
a traduzir Bulas, ou Constituisoens: e principalmente a traduzilas
palavra por-palavra, como fazem estes mestres. O Ecleziastico, nam é
necesario que traduza; basta que as-intenda. Antes é muito mal feito,
obrigálos a traduzir asim: porque o tal Latim nam se-deve traduzir _ad
verbum_, mas _ad sensum_. O que bastava que o mestre advertise, quando
quizese dar-lhe alguma noticia diso: pois em tal cazo bastaria, que
mandáse ler alguns periodos, e explicar o sentido. Isto basta: o mais é
perder tempo.

Contudo iso sam poucos os que conhecem, que com isto se-perde o tempo:
antes blazonam, quando procuram embrulhar os rapazes, com coizas
oscuras. Achava-me eu em uma parte, em que certo M. de Filozofia, para
examinar um rapaz, mandou-lhe traduzir aquelas palavras de S. Paulo ad
Cor. _Aemulor enim vos Dei æmulatione_ &c. que era o capitulo da-Ora,
que estava rezando. O rapaz, que nam era mao estudante, traduzio
literalmente: mas como nam fazia bom sentido, o mestre dito deu
grandes rizadas, e fez escarneo do-rapaz. Eu calei-me por-prudencia:
mas tive meus impetos de lhe-dizer, V.P. ri-se de um pobre rapaz, que
nam é obrigado a saber, o sentido da-Escritura, nem os _ebraismos_,
que se-acham na Vulgata: e eu apostarei, que V.P. é o primeiro que
nam intende, o que nisto diz S. Paulo. Com efeito se eu apertava os
negalhos, estava certo, que serîa mui mao interprete, da-dita Epistola.
O certo é, que nam á maior parvoice, que mandar traduzir palavras
oscuras: e que esta _pedanteria_ se-devia desterrar de lugares, onde
se-sabe falar. Alem disto, é obrigado o estudante, a compor varios
periodos, a que chamam _orasoens_: repetir uma quantidade de regras
Latinas, e Portuguezas: e se o pobre rapaz nam pode responder a tudo,
em vez de lhe-aliviar o pezo, e mostrar-lhe a estrada, e animálo a
proseguila; dam-lhe muita palmatoada; e obrigam-no a odiar, todo
o genero de estudos. De que nace, aquela grande ignorancia, que
se-observa nestes paizes.

Daqui fica claro, que com tal metodo, pouco se-pode saber de Latim.
É lastima que os Profesores, nam cheguem a conhecer por-uma vez,
o ridiculo deste costume. Todos os primeiros estudos naturalmente
dezagradam, porque sam cansados: e paraque avemos enfastiar mais os
pobres rapazes? Um omem consumado nos-estudos, quando estuda uma
lingua estrangeira, v.g. Grego, Ebraico, ou Caldaico, nam pode menos
que enfastiar-se, daqueles primeiros elementos. Tem grande dezejo
de sabèla: conhece o metodo de aprender a dita lingua: reconhece a
necesidade que tem dela, para intender as Escrituras Santas: contudo
iso quando se-aplica a ela, mil vezes deita fóra os mesmos livros:
e nam-se-acha com rezolusam, de tornar a servir-se deles. Falo pola
experiencia propria, e pola de alguns amigos, que se-aplicáram às
linguas estrangeiras. E nam acha V.P. que é uma crueldade, castigar
rigorozamente um rapaz, porque nam intende logo a lingua Latina? que
de si mesmo é dificultoza, e ainda o-parece mais, na confuzam comque
lha-explicam. Isto é o mesmo, que meter um omem, em uma caza sem luz, e
dar-lhe pancadas, porque nam acerta com a porta.

V. P. está em uma Universidade, onde é facil dezenganar-se com os seus
olhos. Entre no-Colegio das-Artes, corra as escolas baixas; e verá
as muitas palmatoadas, que se-mandam dar aos pobres principiantes.
Penetre porem com a considerasam, o interior das-escolas: examine se o
mestre lhe-ensina, o que deve ensinar: se lhe-facilita o caminho, para
intendèla: se nam lhe-carrega a memoria, com coizas desnecesariisimas:
e achará tudo o contrario. O que suposto, todo este pezo está fóra,
da-esfera de um principiante. Ora nam á lei que obrigue um omem, a
fazer mais do-que pode: e que castigue os defeitos, que se-nam-podem
evitar. Nam nego, que deve aver castigo: mas deve ser proporcionado. Um
estudante que impede, que os outros estudem: que faz rapaziadas pezadas
&c. é justo que seja castigado: e, avendo reincidencia, que seja
despedido. Serîa bom, que nesa sua Universidade, se-dese um rigorozo
castigo, ainda de morte, aos que injustamente acometem os _Novatos_;
e fazem outras insolencias. A brandura comque se-tem procedido neste
particular, talvez foi cauza, do-que ao despois se-fez, e ainda
se-faz. Nese particular serîa eu inexoravel: porque a paz publica,
que o Principe promete, aos que concorrem para tais exercicios,
pede-o asim: e em outros Reinos, executam-no com todo o rigor. Falo
somente do-castigo que se dá, por-cauza de nam acertar com os estudos.
a emulasam, a repreensam, e algum outro castigo deste genero faz
mais, que os que se-praticam. É necesario ter muita paciencia com os
rapazes, e ensinálos bem: nam seguindo a opiniam daquele Bispo de
Vizeo D. Ricardo Rosel, que em um exame reprovou XVI. estudantes afio,
porque pronunciáram _Idolum_, com a segunda breve. Isto só faz, quem
nam conhece o que deve. Um omem pode ignorar, a quantidade de muitas
silabas, e ser um grande Latino. Todos os dias se-oferecem duvidas na
quantidade delas, aos omens doutos: principalmente naquelas palavras,
que tem origem Grega: na qual lingua o _O_, e _E_ sam de duas sortes,
breves, e longos. Este rigor é censuravel. deve-se praticar outro
estilo.

Acho ainda mais outro inconveniente, para saber Latim, praticado nas
escolas: que é, compor muito naquela materia, que intendem mui pouco.
Um pobre estudante ainda nam intende Latim, e ja lhe-dam varios temas,
que sam certas orasoens vulgares, para traduzir na lingua Latina. ou
dam a orasam Portugueza, com partes Latinas; ou uma sentensa Latina,
para eles a-dilatarem, e provarem. Mas um e outro metodo, é um erro
masicho. Que coiza boa á-de fazer um rapaz, que ainda nam sabe Latim?
Dar as partes conrespondentes ao Portuguez, e obrigar o estudante,
a que se-sirva delas em uma orasam longa; é o mesmo que querer, que
ele siga os despropozitos do-seu mestre. Ainda quando o estudante
acertáse com tudo, nam acertaria com os idiotismos, isto é, com os
modos de falar, que sam proprios da-lingua Latina: e falaria Portuguez,
com palavras Latinas. Pode-se permetir o dar as partes, em uma breve
orasam; e isto a um rapaz que comesa: mas nam se-deve obrigar outro
mais adiantado, a seguir tal metodo.

Devia o mestre ensinar ao dicipulo, compor bem uma orasam Portugueza
breve, uma carta, um comprimento, ou coiza semelhante. Para isto tem
o estudante, toda a facilidade posivel, porque o-faz em uma lingua
que sabe; e na qual o mestre pode claramente mostrar-lhe os erros.
Quando o estudante soubése fazer isto bem, entam lhe-aconselharia, que
a-convertèse em Latim, deixando-lhe toda a liberdade da-compozisam.
Emendados os erros de Gramatica, se os-ouvèse, emendaria os erros
da-lingua: e lhe-mostraria, a diferensa que á, entre estas duas
linguas: e a diversidade que aparece, entre escrever segundo as
regras de Gramatica, e segundo o estilo da-boa Latinidade. Mas nisto
procederia com advertencia. Primeiro, nam procuraria que escrevesem,
senam em estilo familiar e facil. despois, segundo o adiantamento
que tivesem, pasaria aos argumentes ou asumtos mais dificultozos; os
quais explicaria muito bem. Desta sorte, acompanhando a tradusam com
a compozisam, facilitaria muito o estudo, e conseguiria promtamente o
intento.

Deste estilo rezultariam muitas utilidades. Primeiramente, sairiam os
omens da-escola, nam só sabendo a lingua Latina, mas tambem a sua. É
lastima, que omens que pasáram tantos anos, nas escolas pequenas, e
grandes; omens que estam oje ensinando a outros, e ocupam cargos de
Letras, e Politica; nam saibam escrever uma carta! Pois isto é coiza,
que sucede todos os dias. Eu me lembro, que V.P. se-queixou ja disto:
e me-dise, que achava muitos Religiozos, que tinham o mesmo defeito:
e reconheceo comigo, que a origem destes danos era, a que aponto.
Cometem-se mil erros de Gramatica, na propria lingua, e infinitos de
Ortografia. Preparam-se muitos para escrever uma carta, como para fazer
um ato publico. Procuram palavras bem dezuzadas, ou estrangeiras; e
verbos que nam á no mundo. E com isto compoem uma carta, sumamente
afetada, e de um estilo, que é mais declamatorio, que epistolar.
Estes sam os que sabem mais: e os que sabem menos, pedem a estes, que
lhas-componham. E tudo isto provèm, de nam terem uzo de compor na sua
lingua: e de nam terem quem lhe-ensine, qual é o estilo de Carta, qual
o de Orasam: e nam aver uma alma cristan, que lhe-persuada, que a
afetasam deve-se evitar, em todos os generos de eloquencia, mas muito
principalmente, no-estilo familiar.

A segunda utilidade é, sobre a inteligencia da-lingua Latina. Um rapaz
que de sua cabesa escreve uma carta, ou comprimento, ou oferecimento
Portuguez, com palavras proprias; ja sabe, o que á-de dizer em Latim:
só lhe-falta, ter as palavras Latinas, para as-colocar. A isto pois
deve suprir o mestre. Suponho, que lhe-tem ja ensinado a Gramatica:
e tambem a traduzir de Latim, em Portuguez, para intender os termos:
e supondo estes principios, facilmente o rapaz intenderá, quais sam
as palavras, de que á-de uzar: ou ao menos será facil ao mestre,
mostrar-lhas. Eu no principio seguiria esta regra. Comporia diante
dele em Latim, parte da-dita carta, ou toda: e lhe-daria a razam
do-que fazia: explicando-lhe, porque uzo daquele verbo, e nam de
outro: porque uzo daquela fraze, mais doque outra. Capacitando-o, que
a todas as palavras Portuguezas, nam pode conresponder uma Latina: mas
é necesario uzar de _perifraze_, ou rodeio de palavras, para as-poder
explicar. Este é o defeito que nós achamos, no-metodo de dar as
partes: porque nam conrespondendo elas sempre umas a outras, por-forsa
á-de sair uma embrulhada. Sabido tudo isto, darlheîa a incumbencia,
de escrever a dita carta em Latim, sem lhe-mostrar, a que eu tinha
composto: e pedirlheia a razam, de tudo o que tinha feito.

Alem disto, com este metodo aprende-se o que significa, escrever Latim
com propriedade. Um mestre que se-contenta, com a Arte do-P.Alvares,
e com a noticia do-Dicionario do-P.Bento Pereira, nam sabe distinguir
entre muitos sinonimos, qual é o proprio, para o que quer explicar.
Figuro um exemplo. Tenho necesidade de uzar, do-Verbo _Pedir_: para
isto ocorrem logo mil Verbos: _Postulo_, _Posco_, _Peto_, _Flagito_,
_Efflagito_, _Oro_, _Rogo_, _Precor_, _Obsecro_, e alguns outros.
Quem sabe pouco, intende que sam rigorozos sinonimos; e nam tem
dificuldade, de servir-de indiferentemente de todos: mas quem sabe
mais, conhece que nem todos o-sam: porem que alguns daqueles Verbos,
significam mais, ou menos. v.g. _Postulo_ significa pedir aquilo, que
se-me-deve: _postulare jure_. _Flagito_ significa pedir com instancia,
e injuriozamente. _Efflagito_ pedir com grande instancia; e acrecenta
sobre _Flagito_, alguma coiza. O mesmo dos-outros com sua proporsam.
Do-que fica claro, que querendo eu explicar, que peso com instancia;
direi muito mal: _Vehementer postulo. cum clamore & magna instantia
obsecro._ basta que diga, _Flagito_. O mesmo digo, em diversas outras
materias. Isto nam ensina o Alvares, nem o Pereira: mas isto deve
ensinar o mestre, mostrando ao estudante, quais sam os vocabulos
proprios, para explicar o que quer. Desta sorte acostuma-se o rapaz
desde o principio, a servir-se de termos proprios, e frazes naturais à
Lingua: E com isto insensivelmente toma o gosto da-boa Latinidade, e
da-sua mesma lingua: e aprende as leis da-Tradusam, mui necesarias a
quem á-de ler, e servir-se de autores estrangeiros.

Dirmeá V.P. que eu peso muito: e que isto nam é facil, praticálo nas
escolas: porque nem todos os mestres, tem a erudisam que aponto; e nem
todos os estudantes, sam capazes desa doutrina: E eu respondo, que nam
á coiza mais facil de se-executar. Ponha-me V. P. nas escolas outra
Arte: um bom Calepino dos-modernos, reduzidos à grandeza do-Dicionario
do-P. Pereira; que tudo se-remedeia. Estas duas coizas sam sumamente
necesarias. A Arte comua, ensina muita coiza má: e a Prozodia, tem
muito erro. Nam distingue as idades dos-vocabulos: mas com uma simplez
estrelinha quer, que nós suspeitemos mal, de tudo o que dezagradou ao
corretor: o qual às vezes erra, como ouvi queixar os mesmos Jezuitas.
Alem diso, desterra da-Latinidade muitos nomes, que sam Latinos; e
introduz outros, puramente barbaros. Nam explica a forsa das-vozes:
nem mostra com exemplos, os significados proprios, e figurados de
cada palavra: alem de muitas outras coizas, que se-podem notar. E
asim serîa necesario, compor um Dicionario pequeno para os rapazes;
ou servir-se de algum estrangeiro. v.g. o de Danet, ou ainda melhor,
o que ultimamente se-compoz em Turin, por-ordem d’El-Rei de Sardanha,
para uzo das-escolas: que sam dois tomos in 4^o. Italiano e Latim,
Latim e Italiano: e traduzir as palavras Italianas em bom Portuguez.
Establecido isto, conheso eu entre os doutisimos Jezuitas, mosos de
toda a erudisam, e capacidade, proprios para executarem dignamente,
este emprego. Comque, tire V.P. das-escolas, os que sabem pouco; e
em seu lugar ponha estoutros: prescreva-lhe o metodo apontado: fasa
com que o executem sem epikeas, (como fez ultimamente o dito Duque de
Saboia aos seus suditos, determinando-lhe o metodo, de ensinar Latim, e
Leis &c.) e verá, com que facilidade se-reformam as escolas. Todos os
estudantes, asim como sam capazes de sofrerem, aquele mao metodo, com
mais razam receberám outro, que seja mais claro e facil, e seguiloám
com mais boa vontade. O dano desta era consiste em quererem, que um
estudante, que sabe pouco, e a quem nam ensinam a saber mais, mostre
que sabe muito; e, para o-mostrar, componha muito. Eu nam peso tanto.
Suponho que tem ja, um bom ano de Gramatica, e que tem pasado parte
do segundo ano, traduzindo de Latim em Portuguez: onde nam me parece
que peso muito, se quero que no-resto do-ano, se-empreguem em compor
Latim, polo metodo que asima digo. Este tal estudante nam è noviso,
mas adiantado; e pode com fruto aplicar-se a este estudo. Falando-lhe
em Portuguez, e compondo polo metodo que aponto; muda-se de sistema.
Nas escolas comuas sabe-se pouco, quando os-obrigam a compor: v.g. na
quarta, e terceira, em que comesam a traduzir de Latim, em Portuguez;
nesa mesma clase, e no-mesmo tempo comesam a fazer tema. E isto nam
pode produzir bom efeito. Mas neste sistema, quando se-compoem, ja o
negocio está adiantado: e vai-se adiantando mais, com a dita compozisam.

Acha-se tambem outro inconveniente bem grande, nestas escolas,
sobre isto da-compozisam; que é, obrigar os estudantes a fazerem,
ou indireitarem versos rotos: e castigálos rigorozamente, se
os-nam-fazem. desorteque ou sejam, ou nam aptos para a Poezia, todos
ám-de fazer, o mesmo numero de versos. Mostra pouco intender de
versos, quem pratîca isto: porque nam é facil, obrigar o entuziasmo
a que venha, quando quer o mestre. Mas o que mais é para rir é, que
fasam isto omens, que prezumem muito de ser Poetas, e matam gente
com as suas poezias. Falando com alguns mestres neste particular,
responderam-me que o-faziam, para que os estudantes tivesem alguma
erudisam, dos-Poetas Latinos. Proguntei-lhe, que necesidade avia
desa noticia: responderam-me: Que era necesaria, para a inteligencia
da-lingua Latina. Poisque, continuei eu, quando V.V.P.P. intendesem
bem _Cicero_, _Cezar_, _Cornelio Nepote_, _Livio_, _Paterculo_ &c.,
e pudesem explicálos com facilidade, e escrever como eles; tinham
medo de nam saber Latim; ou serîa necesario, recorrer a eses Poetas?
Aqui nam souberam que responder mais, doque recorrer ao costume,
das-Universidades da-Europa. Mas eu, que nam queria deixar fugir a
preza, pedi-lhe, que me-provasem, que nesas Universidades, emque
se-sabe ensinar, (avemos de concordar, que á algumas que seguem, o
estilo de Portugal, aindaque mais moderado) explicavam os Poetas, só
para intender a lingua: ou que obrigavam os estudantes, a que fizesem
versos como eles. Aqui ficáram calados. E, na verdade, era dificil
coiza, que quem nunca saîra de Portugal, ou nam tinha examinado com
grande atensam, os estudos estrangeiros, discorrese fundadamente sobre
eles.

Mas a verdade é, que nam á coiza mais contraria à boa razam, que
esta pratica de fazer versos. Os omens nam tem capacidade igual; e
nem todos sam capazes de tudo: antes às vezes acham-se mosos tam
rudes, que dificultozamente podem intender o Latim. E como ám-de
estes compor versos elegantes? Asentamos, que, para a inteligencia
da-lingua Latina, é loucura, obrigar a fazer versos. O mais que podem
fazer, e que eu nam reprovo, é, quando o estudante sabe bem a lingua
Latina, mandar-lhe traduzir, alguns dos-Poetas antigos melhores, como
_Lucrecio_, _Virgilio_, _Ovidio_, _Oracio_, _Catûlo_, e algum outro:
mas raro; porque nisto se-compreende o melhor. E isto para mostrar, as
frazes particulares dos-Poetas, e tambem o bom gosto da-lingua. sendo
certo que alguns destes escrevèram, com purisima Latinidade, como
_Virgilio_ nas Georgicas, e Eglogas: _Oracio_ nas Epistolas, e Satiras:
_Ovidio_ nas Epistolas às Damas ilustres.

Quanto ao Verso, é querer perder tempo, obrigar os omens a fazèlos:
e serîa melhor, empregar aquele tempo, em coiza mais util. Ouveram
omens doutisimos, e os-á prezentemente, que nam sabiam fazer versos.
No-tempo de _Cicero_ avia omens, que faziam versos, com grande
facilidade, e insignes na dita profisam: e contudoiso estavam mui
longe, do-merecimento de _Cicero_. Este grande omem nam ignorava, o
como se-faziam os versos: e com efeito alguns fez, cujos fragmentos
ainda oje existem: mas o seu talento, e a sua maior propensam era,
para a Retorica. Nam que eu julgue, que os versos de _Cicero_ sejam
maos; como muitos ignorantes, e que querem falar do-que nam intendem,
se-persuadem. Os versos de _Cicero_, principalmente os _Fenomenos de
Arato_, sam tam elegantes e tam belos, como os de _Lucrecio_: nem eu
acho diversidade sensivel entre uns, e outros: e igualmente admiro
ambos, principalmente olhando para a materia, sobre que compuzeram.
Pois se todos admiram em _Lucrecio_, explicar com tanta naturalidade,
coizas tam dificultozas, conservando a elegancia, e o espirito de
Poeta; o mesmo louvor, e polas mesmas razoens, compete a _Cicero_: o
qual com a frequencia de ler, e emendar _Lucrecio_, tinha aquistado a
mesma facilidade, e estilo. Para conhecer o que nisto podia _Cicero_,
basta lelo nas partes, em que nam é violentado, pola esterilidade
da-materia. Nam sei se se-podem achar na Antiguidade, versos mais
armoniozos, que os que ainda oje lemos, do-livro segundo do-seu
Consulado. Este bocado somente mostra bem, na minha estimasam, o que
_Cicero_ podia. Nem obsta, que _Marcial_, _Juvenal_, _Quintiliano_,
zombasem de um certo verso de Cicero: isto, como nota bem o doutisimo
_Turnebo_[21], nada prova. O que nam agradava a estes, agradava
no-tempo de Augusto: e muitos omens grandes, (como advertio um grande
critico daqueles tempos) estimavam mais os Antigos, que outros
bem nomiados[22]. Se em muitas partes, _Cicero_ nam se-asemelha a
_Virgilio_, nem por-iso perde nada do-seu merecimento. Nem menos
é semelhante _Oracio_ nas suas Satiras, e Epistolas: nem em tudo
_Lucrecio_; e com tudo sam famozos Poetas: e a naturalidade com
que se-explicam, e acomodam o verso exametro, a tudo o que querem,
é mais estimada, entre os criticos de bom gosto, doque a elevasam
de _Virgilio_. O estilo daquele tempo pedia, grande naturalidade
nas-compozisoens. E nam falta quem censure _Virgilio_, em ser tam
elevado e artificiozo nos-versos: no-que alguma coiza se-desvia de
_Omero_. Contudo ninguem nega, que, se na Eneide, e Georgica observou
bem o decoro; e sustentou a dignidade do-argumento; nas Eglogas pecou
muito, porque nam observa a simplicidade natural no-estilo pastoril:
mas procura que falem os pastores, com toda a civilidade, e arrogancia
de cidadoens: o que nam é verosimel. Mas, tornando a _Cicero_, ficaria
prejudicada a Republica de tam grande talento, se, pola Poezia, deixáse
a Oratoria. Conheceo aquele grande omem o seu talento: cultivou-o: e
saio aquele oraculo, que entam venerou Roma, e oje admira o mundo.
Esta, é uma grande lisam para os Modernos, consultar o talento; e
nunca violentar a natureza. Onde neste particular, deve-se consultar,
a inclinasam dos-rapazes: e avendo-a, explicar-lhe brevemente, as
diferentes sortes de compozisoens metricas: nam os-ocupando senam
em asumtos brevisimos: deixando-lhe toda a liberdade no-compor: mas
emendando-os, e dando-lhe distintamente, a razam da-emenda.

Até aqui tenho falado a V.P. em alguns abuzos, das-escolas deste Reino,
que impedem saber a lingua Latina. Agora falarei nos-requizitos, para
a inteligencia da-dita lingua: a falta dos-quais, nam se-deve contar,
entre os menores abuzos: e tambem apontarei o modo, comque se-deve
regular, o estudo do Latim; e a eleisam de livros, para o-conseguir
com brevidade. Parecerá um paradoxo, se eu diser a V.P. que, ainda
observando tudo quanto asima digo, nam se-pode saber Latim, (nam
digo com toda a perfeisam; porque uma lingua morta, nam se-chega a
saber bem: mas sabèlo no-melhor modo posivel) sem alguma noticia
da-Geografia, e Cronologia, e das-Antiguidades, em que entram os
Costumes, a Fabula &c. e contudo, nam á coiza mais verdadeira doque
esta. Eu nam quero sair do-livro mais uzual, que nas escolas se
explica, que é _Quinto Curcio_. Nele ocorrem todos os momentos nomes,
de Gentes, de Povos, Regioens, Cidades &c. fala-se de guerras entre
Nasoens e Nasoens. E que conceito á-de formar do-escritor, aquele que
o-explica, se ele nam sabe, se diz bem, ou mal? porque, ignorando a
Geografia, nam sabe, nem chega a compreender, em que parte do-mundo,
estejam as tais Gentes, se vizinhas, ou distantes. Como á-de o leitor
intender, as conquistas de Alexandre, se ele nam sabe por-onde foi,
que Nasoens venceo, que dificuldades superou? Alem diso, sucede muitas
vezes, que ese escritor, que o estudante le, se-enganáse nos-lugares:
e isto entam é erro sobre erro, que o leitor nam poderá decifrar. Nam
è isto cazo metafizico, mas engano bem comum em muitos escritores. _Q.
Curcio_ enganou-se muitas vezes, por-ignorancia da Geografia: _Plinio_,
e alguns outros: como admiravelmente mostra o douto Jozé Escaligero,
nos-Prolegomenos de Manilio. O mesmo _Manilio_, _Virgilio_, _Lucano_,
_Floro_ erráram algumas vezes na Geografia, e podem cauzar o mesmo erro
no-juizo, de quem for ignorante dela.

Dirmeá V. P. que este conhecimento, parece ser mais necesario, para
nam se-enganar na leitura dos-autores, doque para intender a lingua:
para a Critica, e nam para a Latinidade. Confeso, que para a Critica,
é de indispensavel necesidade: mas o que digo é, que nam pode o
estudante, intender com facilidade um autor, que trata a istoria de
um conquistador, sem a noticia dos-paîzes de que fala: e nem menos
o-poderá intender com gosto. Polo contrario, se é informado, aindaque
superficialmente, desta noticia, percebe maravilhozamente o fato:
facilita-se a inteligencia do-autor: e por-este meio a da-dita lingua.
Um moso, que ignora totalmente a Geografia, toma limpamente um nome
de Cidade, polo de um Reino, e polo de uma Pesoa: e outros destes
enganos, que vam acompanhados, da-ignorancia da-lingua. Quem nam souber
v.g. que Napoles, é nome de uma Cidade, e de um Reino juntamente; nam
só confundirá os termos, mas tambem as coizas, que a ambas se-aplicam.
E isto nam é somente dano da-Istoria, mas tambem impedimento, para
a inteligencia da-lingua Latina. Acham-se alem diso muitas Cidades
do-mesmo nome, em Regioens bem distantes. v. g. a antiga Geografia
mostra-nos na Azia muitas, com o nome de Alexandria, de Seleucia, de
Ecbatana, e bem longe umas de outras. O que quem nam sabe, persuade-se,
que se-fala somente de uma: e nam intende a materia de que se-fala.
E destes exemplos, de que abunda muito a Istoria antiga, se-colhe a
necesidade da Geografia, ainda para a lingua. Serîa coiza ridicula,
que um omem lese _Q. Curcio_, para intender as palavras, e nam para
o sentido da-Istoria: ou que, sem a inteligencia desta, prezumise
que poderia alcansar, a propriedade das-palavras. Muito mais sendo
certo, que com o socorro da-Istoria, se-intendem muitas coizas, que
sem ela é imposivel intender; e a inteligencia do-contexto abre a
porta, para se-intenderem muitos nomes. É bem vulgar aquele lugar de
Lucano,[23] em que, falando dos-Arabios, que sairam do-seu païz, diz =
_Umbras mirati nemorum non ire sinistras_ =: o que, sem Geografia, é
imposivel intender. Virgilio diz lá em certa parte[24]: _Gens inimica
mihi Tyrrhenum navigat æquor_ =: Como se-pode saber sem Geografia, que
coiza é aquele mar _Tirreno_? quem a-ignora, pode-o tomar polo mar
_Baltico_, ou _Etiopico_, ou _Pacifico_. De que vimos a concluir, que,
alem do-sentido istorico, a mesma propriedade das-palavras Latinas, nam
se-alcansa em varias ocazioens, sem Geografia.

Parece-me pois, que uma breve noticia da-Geografia, deve ser o
preludio, da-lisam dos-autores. A observasam das-principais Cidades,
de que fala o autor, que se-á-de ler: das-viagens, que fizeram os
conquistadores: os fins e limites dos-seus imperios: isto deve primeiro
observar-se. Mas porque esta noticia serîa de-minuta, se a-nam-unisem
com a noticia, da-Geografia de toda a terra; deve-se aprender esta
noticia brevemente em um Mapamundo: ajuntando-lhe a noticia da-Esfera
_Armilar_: das-divizoens do-Ceo, e da-Terra &c. O que com grande
facilidade se-pode fazer: pois, como diz um omem douto, este estudo nam
pede mais, doque olhos, e alguma memoria. Na Esfera Armilar conhece-se,
a dispozisam do-Ceo, respetivamente à Terra: no-Globo, a dos-Reinos:
e em uma carta particular, a da-Provincia, ou Reino de que se-trata.
Advertindo, que quando se-falar em alguma Cidade, deve-se notar, de
quais delas se-mudáram os nomes antigos, em alguns modernos. Acham-se
cartas, que apontam os antigos nomes, das-Cidades da-Grecia, e Italia:
e estas sam, as que principalmente se-deverám notar, para intender
os escritores antigos, que faláram destas Regioens. _Sophianus_
descreveo bem, a antiga Grecia: e _Cluverius_, a antiga Italia. E isto
é precizo saber, comparando os nomes daquelas antigas Cidades, com os
das-modernas; e procurando nas cartas modernas, os sitios das-antigas
Cidades, muitas das-quais ja nam existem. _Celario_ publicou um
belisimo Compendio da-antiga Geografia, em 2. volumes de 4.^o Tambem
compuzeram Introdusoens Latinas _Cluverio_, principalmente para a
antiga; e _Luitz_. Quem quizese maiores noticias deveria ler, o _Petrus
Bertius_==_Theatrum Geographiæ Veteris_. fol. &c. e este mesmo autor
compoz: _Veteris Geographiæ Tabulæ._ fol. &c. Este autor, que escreveo
nos-principios do-seculo pasado, é famozo. Oje á muitos modernos que
escrevèram bem, em Francez, ou Italiano. _Duplessis_, e _Buffier_
escrevèram bons Compendios; que temos oje nas ditas duas linguas.
_Jacobo Ode_ fez tambem um belo compendio Latino: e é mais moderno. Os
Senhores _Sanson_, e de _l’Isle_ compuzeram cartas Geograficas, nam só
de todas as partes do-mundo, mas especialmente, das-antigas divizoens
do-Imperio Grego, e Romano &c. E isto é o que deve fazer o mestre, e
ensinálo quando é necesario: porque desta sorte, acostumando os rapazes
a buscar na carta, que deve ter na escola, a dita Cidade; imprime-se a
Geografia na memoria, como quem brinca.

Em segundo lugar entra logo a Cronologia, que nam é menos necesaria,
para intender os autores, e fugir os _anacronismos_, ou confuzam de
tempos. Nam é necesario nestes principios entrar, nas disputas que á,
sobre os principios dos-Reinos &c. isto é negocio, que pede grande
estudo, e doutrina, e se-rezerva para outra idade. Basta apegar-se ao
calculo mais recebido e comum, que poem a vinda de Cristo no-ano 4000.
da-criasam do-Mundo: a que chamam o calculo de _Usserius_ por-ser
este autor, o que o explicou melhor. Aqui pois é necesario ler, em
um breve compendio, a serie dos-tempos, desde o principio do-Mundo,
até agora: notando os maiores sucesos, em que ano acontecèram: v.g.
Diluvio de Noé, Vocasam de Abram, Saida dos-Ebreos do-Egito, Destruisam
do-primeiro Templo de Jeruzalem, Vinda de Cristo, Paz da-Igreja
&c. Especialmente deve notar o que emporta, para a inteligencia
dos-autores, que quer explicar: e sempre que mudar de autor, deve
notar, em que tempo escreveo, e de que tempo escreveo. para o que nam
servem pouco, os Dicionarios Istoricos de _Hofman_, e _Moreri_ &c.

Quanto aos Compendios de Istoria á tantos, que é superfluo, que eu
aponte nenhum. Neste principio deve-se buscar, o mais breve. Por-iso
me-parece, que o _Petavio_ é mui longo. o _Celario_ é bom, mas tambem
nam é curto. _Turselino_, e alguns outros escrevem bem; mas em
Latim. o _Bossuet_ parece-me melhor para o principio; e acha-se em
Italiano, ou Francez. Tambem o _Valemont_, no-primeiro tomo, traz uma
carta Cronologica geral, que pode bastar para o intento. E como este
volume está traduzido em Portuguez, parece-me, que por-ele deve ler o
estudante: e o mestre pode servir-se, de quaisquer dos-apontados asima,
que sam dos-melhores. Em quanto nam aparece alguma istoria Portugueza,
proporcionada aos rapazes, que estudam nas escolas: aos quais basta
dizer, o que é somente precizo, sem tantos rodeios: o que me dizem está
atualmente fazendo, um omem douto meu conhecido.

É superfluo que eu mostre, a confuzam que nace, no juizo dos-pobres
principiantes, por-falta de alguma noticia de Cronologia: e quanto
podem errar, se derem credito a tudo, o que dizem os antigos
escritores. Eles erráram em muitas partes, por-nam terem noticia
dos-tempos: e para nós nam cairmos nos-mesmos erros, é que julgam
todos os omens doutos, que sam necesarios, estes requizitos. Um
omem que ouve falar em Alexandre Macedonio, e nam sabe, em que
tempo ele floreceo; confundiloá com muita facilidade, com Alexandre
Severo Imperador dos-Romanos. Filipe Macedonio, e Filipe Romano nam
se-distinguem polo nome, mas polo diverso tempo em que florecèram. os
dois Romanos tambem foram Reis de Macedonia: e a diversidade está, em
que foram juntamente, Imperadores Romanos, e florecèram alguns seculos
despois dos-primeiros. Esta confuzam se-aumenta, quando se-fala de
omens do-mesmo nome, da-mesma Nasam, e talvez do-mesmo tempo. Ouveram
alguns _Marcos Catoens_, _Marcos Antonios_, _Marcos Brutos_, _Marcos
Valerios_, _Marcos Ciceros_, _Apios Claudios_ &c. todos Romanos, e
alguns contemporaneos. E quem nam distingue isto, nam pode formar
conceito das-coizas. Isto suposto, alguma tintura de Cronologia é
necesaria, para intender a Istoria, e, sem a inteligencia desta, nam
se-pode intender o Latim, dos-que escrevèram nesta lingua.

Para facilitar este estudo é grande segredo, ter em caza uma carta
Cronologica, de que se-tem feito algumas Latinas, em duas folhas
grandes de papel. Acham-se umas tiradas das-obras do-P. _Petavio_,
Latinas: estas, com a diferensa de poucos anos antes de Cristo,
uniformam-se com as de _Usserius_. O _Delfini_ fez umas em Roma,
segundo a Cronologia do-_Usserius_, em 4 folhas grandes, que eu tenho,
e sam boas. _Lanceloti_ fez outras em Pariz, segundo a Vulgata, quero
dizer, segundo o _Usserius_: e sam otimas, principalmente despois de
Cristo. O P. _Pedro de S.Catarina_ Religiozo Bernardo, fez outras
em Fransa, seguindo o _Usserius_: sam boas, aindaque alguma coiza
extensas. O _Musanzio_ Jezuita Italiano fez umas, em quatro folhas
grandes, se me-nam-engano, porque averá anos que as-vi; em que segue
a Cronologia do-_Labbé_ Jezuita, que poem a vinda de Cristo no-ano
4053. do-Mundo: mas nam sam más. Outro Jezuita, que é o P. _Cassini_,
acrecentou-as por-ordem de Benedito XIII. O _Sanson_, e _Perizonio_ &c.
compendiáram tambem taboas boas. As do-Senhor _Langloit_ sam otimas,
mas cuido que nam sam para rapazes; porque unem os trez calculos Grego,
Ebraico, Samaritano: o que carrega muito a memoria. O ponto está
que o estudante abráse, uma Cronologia certa: e nam mude de cartas
todos os dias; mas meta umas na memoria. Toda a diversidade está,
antes da-vinda de Cristo: porque despois dele todos concordam, e é
rarisima a disensam. Se algum curiozo traduzise, umas destas melhores
taboas, em Portuguez, para uzo da-Mocidade, emendando-as em alguma
parte, e acomodando-as à necesidade do-Reino; faria grande serviso
à Republica. Eu comecei á tempos este trabalho, e tinha ideiado uma
carta mui facil: mas impedido com outras ocupasoens, nam pude acabála.
se V. P. tiver gosto, porlheei a ultima mam. Feito isto, deve-se ler
um compendio de Istoria. Neste principio basta o _Valemont_, que já
se-acha em Portuguez: e o mestre no-emtanto pode ler um compendio
da-Istoria universal: v. g. o que fez o _Cluverio_ em 4.^o que é bom:
e principalmente o que se-impremio em 1672. que é mais correto: E
preparar-se para saber explicar, estas noticias aos dicipulos, quando
falam na Cronologia. Mas disto falaremos em outra ocaziam.

Quanto pois às antiguidades Gregas, e Romanas, ou aos Uzos, e Costumes
destas Nasoens; sam indispensaveis para perceber, os autores antigos.
Um destes escritores nam escrevia para nós, mas para os seus: aos quais
eram notorios os costumes, nam só publicos, mas tambem privados da-sua
Nasam. onde aludindo aos ditos, nam se-cansa em os-explicar. Entam
intendiam-no todos: mas oje nam. e é necesario para o-intender-mos, que
procuremos esta noticia naqueles, que as-recolhèram. Um Istorico que
na prezente era, contando as virtudes de um servo de Deus, disèse, que
celebrava _Misa_ todos os dias, tinha _Extazis_ &c. como falava com
gente, que o-intendia, nam tinha necesidade, de se-explicar. Se pudese
suceder, que daqui a mil anos nam ouvese _Misa_, ou aquele livro caise
em maons de outra Nasam, que nam tivese noticia de _Misa_; é certo,
que nam intenderia, o que se-dizia; ainda que intendese a lingua: e
serîa necesario, que primeiro intendèse, que coiza era _Misa_, e outros
destes nomes; para dizer, que intendia bem a istoria, em que se-achavam
estas expresoens.

Os antigos escritores em quazi todas as paginas, aludem aos seus
costumes civis, e ecleziasticos. Falam de _Flamines_, _Augures_,
_Paterpatratos_, _Sacrificios_, _Apoteozes_, _Vestais_ &c. Encontram-se
mil nomes pertencentes à guerra, _Tribunus Militum_, _Tribunus Plebis_,
_Centurio_, _Quinquagenarius_, _Decanus_, _Triarius_, _Primipilus_ &c.
como tambem de machinas, e aparelhos belicos de muitas especies. A
cada paso se-tropesa com o nome, de _Consul_, _Proconsul_, _Prætor_,
_Proprætor_, _Quæstor_, _Legatus_, _Edilis_ &c. cada emprego dos-quais
tinha seu particular exercicio; sem a noticia do-qual, nam é posivel
intender, a forsa da-expresam que o-significa. Quem nam sabe, que
os Consules, que prezidiam aquele ano no-Senado, eram os mesmos
aquem se-distribuîam as Provincias, onde se-fazia a guerra; e a quem
se-entregava o governo do-exercito; nam poderá intender, como uma
dignidade, que parece civil, se-introduza nas-materias militares.
Quem nam sabe, que no-tempo dos-Consules, ouveram Tribunos Militares,
os quais governáram a Republica em lugar dos-Consules, com imperio
consular; e continuáram muitos anos com suas interrusoens; intenderá,
que _Tribunus Militaris_ nam era magistrado; mas valia o mesmo, que
_Tribunus Militum_: que conrespondia aos Coroneis dos-nosos Regimentos.
Quem nam tem lido, que no-mesmo ano se-elegiam muitos Consules, e
Proconsules, ou muitos Tribunos Militares, para abrangerem a todas as
necesidades da-Republica; justamente se-persuadirá, que, em se-falando
de Consul, discorre-se damesma e unica pesoa. Quem nam souber, que os
Pretores mandavam-se para as provincias pequenas, com imperio consular;
intenderá, que se-fala somente do-Pretor Urbano, ou Peregrino, que
administravam a justisa em Roma. Finalmente só os ignorantes, é que
podem negar esta necesidade: os doutos todos a-reconhecem.

Nós nam temos Istoricos Latinos que escrevesem, os seus costumes
patrios: sam os Gregos de quem recebemos, o que oje sabemos: porque
como os Gregos escreviam, para os seus Gregos, aos quais nam eram
notos, os estilos Romanos; tinham cuidado de lhe-advertir, tudo
o que era necesario, para a inteligencia da-Istoria. _Polibio_
deixou-nos uma particular descrisam, da-_Diciplina militar_,
dos-_Costumes domesticos_, das-_Leis publicas_ dos-Romanos. _Dionizio
de Halicarnasso_, dos-_Sacrificios_, _Magistrados_, e toda a politica
da-Religiam, e do-Estado. _Plutarco_ tambem nos-ensina muita coiza.
Mas como nem todos sam capazes, de lerem estes autores, por-iso será
bom recorrer, aos Compendios. _Joam Rossino_ fez uma boa colesam
das-Antiguidades Romanas, em Latim: que oje se-acha acrecentada
por-_Dempsterus_. Estima-se pola brevidade, a Republica Romana
do-_Cantelio_: mas eu intendo que é melhor o _Neuport_=_Rituum qui olim
apud Romanos_ &c. Quem quizer maiores noticias pode-as ler, no-_Corpus
Antiquitatum Romanarum do-Grevio_, em 12. tomos fol. que compreende
todos, os que escrevèram nesta materia: e onde pode consultar-se alguma
dificuldade, que ocorrer.

Tambem é bom, ter alguma noticia das-Religioens diversas dos-Antigos:
e para isto pode servir, _Alexander Sardi_ = _de Moribus_, _& Ritibus
Gentium_. 12.^o ou _Joannes Bohemus Aubanus_ de _eodem_ 16.^o ou
_Van-Dalen_ = _de Oraculis Ethnicorum_. 4.^o o mesmo _de Idolatria_
4.^o obra moderna: ou _o Barclai_ = _Icon Animorum_; para os costumes
das-Nasoens: ou o P._Pomei_ = _Pantheon Mythicum_. Nam aponto outros
livros, porque sam em linguas vulgares estrangeiras: aindaque estes,
talvez sejam os melhores, porque expoem tudo com clareza, e brevidade.
O mesmo digo da-Fabula, a que aludem todos os momentos, os Antigos.
É necesario saber, esta mitologia dos-Antigos, para os-intender; e
buscar autores que a-expliquem, sem a qual noticia, falarám muito, e
nam saberám nada. Dos-Modernos é melhor, o _Jovet_ = _Istoria de todas
as Religioens do-Mundo_ = 3. tomos de 4ᵒ que se-acha em Francez, ou
Italiano.

Esta noticia é necesaria, senam aos rapazes, que se-divertem com outras
coizas, ao menos aos mestres, que explicam os ditos autores: e, se
a-nam-tiverem, por-forsa ám-de dizer muito des-propozito: e mostrarám
ensinar, o que nam chegáram a intender. Ja sei, que chegando V.P. a
este emportante ponto, me-proguntará, qual mestre conheso eu, que
tenha toda esta erudisam: ou se me-persuado, que um rapaz, que saie
das-escolas, e que nam tem no-corpo mais, que quatro anos de Filozofia,
asim ou asado, quando entra a ensinar nas escolas baixas; seja capaz
desta doutrina tam necesaria, para fazer bem a sua obrigasam? A isto
respondo, que quanto à capacidade, ninguem lha-pode negar: pois este
pezo nam é maior, que as suas forsas. Bastaria que o-obrigasem, e
ensinasem a estudar isto que digo, mostrando-lhe a necesidade que á de
o-intender, para poder fazer a sua obrigasam; que ele faria tudo, o
que era necesario. E se acazo introduzisem, este metodo nas escolas,
e o-protegese quem pode fazèlo, continuarseîa, damesma sorte que
se-conserva, o metodo ordinario. Reconheso, que serîa alguma coiza
dificultozo, persuadir a muitos omens mosos, que, aindaque ensinem o
Latim, nam só tem pouca noticia dele, mas nem menos tem noticia, do-que
é necesario, para o-saber: o que serîa facil provar-lhe, fazendo-lhe
uma exata lista dos-requizitos; e proguntando-lhe, se os-posuiam.
Mas emfim tudo se-vence, tratando-se com pesoas de juizo, piedade,
e docilidade: e as razoens que apontamos, poderiam obrar muito, se
tivesem a paciencia, de as-quererem ler, e intender.

Suponho pois que o estudante, tem alguma noticia, do-que asima
apontamos, ou que polo menos a-tem o mestre, que seja capaz de
lhe-explicar em poucas palavras; e apontar-lhe os livros, onde se-podem
beber estas noticias: (as quais podem-se ir aprendendo no-mesmo
tempo, que se-explicam os autores, explicando uma ora cada menham,
alguma parte delas) Apontarei agora o modo, com que se-deve regular,
no-estudo da-Latinidade. Em primeiro lugar, deve somente procurar de
saber, a propriedade dos-vocabulos: para o que deve buscar autores,
que falasem mui naturalmente, e com estilo familiar. Para isto nam á
melhores autores que _Plauto_, e _Terencio_: porque ainda-que em alguns
lugares sejam, ou paresam oscuros; falam porem com estilo familiar, e
com fraze naturalisima, e longe de ornamentos: que é toda a dificuldade
na inteligencia da-lingua. Certamente _Terencio_ é um autor, que nam
tem preso, pola pureza da-lingua: e tambem é certo, que estes Comicos
parecem mais Prozadores, que Poetas. Onde nam poso asás rir-me, quando
ouso a alguns mestres responder, que _Terencio_ nam é para rapazes,
porque é oscuro. Os que asim falam, nam leram _Terencio_, nem sabem
Latim. Proguntára-lhe eu, se é mais oscuro _Terencio_, que _Oracio_: ou
se prezumem eles, que este, e _Virgilio_ sejam mais claros, e proprios
para rapazes, doque um Comico. Se bem considerasem estes, quanto é
necesario para dizer, que intendem _Oracio_, e a _Eneide_; certamente
julgariam diferentemente. Mas com estes omens nam falamos. O certo
é, que _Cicero_ julgou,[25] que a poezia Comica, nam se-distinguia
da-Proza, senam em ser escrita como verso: mas nam na dificuldade. e
tambem ninguem duvîda, que a Proza é mais facil, que qualquer Poema.

Em todo o cazo devem-se ler estes autores, com os Comentarios: e o
mestre deve suprir com a explicasam; nam traduzindo muito; mas ese
pouco com tal clareza, que nam fique dificuldade alguma ao rapaz. Quem
nam souber explicar bem _Terencio_, pode contentar-se com _Fedro_.
Este autor tratou argumentos simplezes, que sam certas fabulas, com
uma disam pura e natural: e, aindaque Poeta, parece Prozador; e para
principiantes é famozo. É estimada a edisam, que o douto _Gronovio_
nos-deu, de _Plauto_. Sobre _Terencio_ muitos tem escrito, mas nem
todos bem. Com razam se-dise, que _Farnabio_, _e-Minelio_, afetando
brevidade, deixáram mil coizas emportantes. _Madame le Fevre_ publicou
a mais bela tradusam, e notas sobre Terencio, que até o seu tempo
tinha aparecido: mas é em Francez, lingua que nem todos intendem:
como tambem _Monsieur le Fevre_ seu Pai, tinha ilustrado eruditamente
_Fedro_. No-estado prezente servirmeîa da-edisam de qualquer deles, _ad
usum Delphini_, &c. que parece ser a mais toleravel, das-modernas.

Estes primeiros autores nam se-devem ler correndo, como muitos fazem;
mas devem-se ler, e reler atentisimamente. v.g. lendo _Fedro_ deve o
mestre, nam deixar de explicar coiza alguma, que seja necesaria, para
intender a lingua. Onde deve notar e explicar, todas as dificuldades
de Sintaxe: porque aindaque na Gramatica se-expliquem, somente lendo
os autores se-intendem bem. E terá cuidado, de reduzir a construisam
embarasada e figurada, ao modo de falar natural: explicando a Figura,
em que se-funda. Despois, notará a propriedade das-palavras. E
quando encontrar algumas, que paresam sinonimas, deve ensinar, se
verdadeiramente o-sam, ou que coiza acrecentam. Em terceiro lugar
deve ensinar-lhe, a pronunciar bem o Latim: que é o que comumente
nam sabem em Portugal: pois ainda os mesmos mestres, pronunciam as
palavras corrutamente. v. g. Em _Omnis_ nam proferem o _m_: os _tt_
finais pronunciam como _dd_: o _m_ final pronunciam como _n_: e entre
_e_, e _a_ sempre pronunciam superfluamente um _i_. v. g. _Meam_,
_Deam_ &c. os _ss_ finais como _x_. O que sem duvida é grande defeito
da-pronuncia: deixando por-agora outros erros, que se-podem notar. Alem
diso oferecendo-se-lhe algum termo, do-Latim antigo, deve ensinar,
o modo antigo de pronunciar. v.g. _Maxumus_, _Militiai_ &c. Estas
noticias dam muita erudisam, a quem estuda o Latim: e como muitos nam
fazem cazo delas, por-iso ignoram, o que é Latim, e todos os momentos
encontram, dificuldades novas. Isto que digo de _Fedro_, deve-se
intender de qualquer outro autor: Mas isto é o que muitos nam intendem:
antes querem ler muito, intendendo poco; doque saber bem a lingua, com
um só livro. De que vem, que a Mocidade nam aprende nada, com o seu
metodo: pasam-se os anos nas escolas baixas, que se-deviam empregar, em
coizas mais utis: pois na verdade quem nam reflete, como deve, no-que
le, tanto emporta que leia _Cicero_, como os atos de _Maria Parda_.

O que emporta muito no-principio é, nam dar aos rapazes livros, que
tenham periodos longos: mas breves, e com fraze natural. Por-esta razam
alguns Italianos doutos, e despois deles os Francezes, aconselham, que
no-principio devem-se fugir, as istorias difuzas, os Oradores, e coizas
semelhantes: especialmente os Poetas Eroicos &c. e que é melhor, tirar
de Cicero, e outros autores elegantes e claros; tirar, digo, alguns
paragrafos melhores: indireitar as frazes, e transpozisoens dos-Verbos:
e polas na ordem natural. Sendo breves, e elegantes, podem os rapazes
intendè-las, e tirar daî grande utilidade. A experiencia mostrou-me,
que diziam bem: pois vendo eu, que alguns rapazes nam intendiam, os
discursos compridos, e as figuras da-orasam; feita esta experiencia,
intendèram tudo facilmente.

Mas isto que a estes aconselho, acha-se feito ja por-omens doutos: os
quais escolhèram entre os autores, as coizas mais facis, e melhores,
e reduziram-nas a capitulos diferentes: v. g. às quatro virtudes
principais: para que os rapazes, nam só aprendam a lingua, mas tambem
o moral das-asoens. A maior parte sam de Cicero: mas tambem se-acham
de outros autores. Sam trez livrinhos pequeninos, impresos em Pariz:
e tambem se imprimîram em Italia na Cidade de Pezaro, em 1740. Estes
livros valem um mundo, e tem aproveitado a infinitas pesoas: e quem
ajudáse com eles os seus dicipulos, conheceria a verdade do-que
dizemos. E por-esta mesma razam digo, que a leitura dos-Comicos,
é infinitamente util aos rapazes: v. g. a de _Terencio_. todos os
periodos sam breves: rarisima vez se-acha transpozisam mui oscura: e
os modos de falar, sam tirados do-estilo comum: motivo polo qual, sem
trabalho se-intendem. _Plauto_ tambem serîa bom: mas como tem bastantes
palavras antigas, ou escritas no-antigo modo, nam é tam proprio, para
principiantes. _Oracio_ nam o-aconselho: nem outros semelhantes,
que pedem maior erudisam. Em lugar de _Oracio_ nestes principios,
aconselharia _Catúlo_, que é nam só purisimo Latinista, mas mui
natural, e com infinitas grasas. Devem-se separar, os poemas impudicos,
e explicar os outros, com todo o cuidado, e diligencia.

Mas, supondo que o mestre, nam tem os ditos livros, direi o que
deve fazer, despois da-leitura de _Fedro_, e _Terencio_. Deverá
pois explicar em outra clase, as cartas de _Cicero_, a que chamam
Familiares, com os comentários de _Manucio_, ou _ad usum Delphini_,
que sam otimas: nam todas juntas, mas saltiadas. Onde deverá preferir,
as que escreve a sua molher _Terencia_, e a seu liberto _Tiro_: como
tambem as de recemendasam. Estas sam as mais naturais, breves, e
claras: desorteque nam enfadam o estudante: porque sam compostas
naquele estilo familiar, que todos intendem. Vi nam á muito tempo uma
pequena colesam, destas mais facis epistolas de Cicero, cuido que
impresas em Padova; que eram otimas, para estes principios. Despois,
na mesma clase pode ler, os Istoricos mais facis: como sam _Caio
Cezar_, _Cornelio Nepote_, _Veleio Paterculo_. Estes trez escrevèram
no-seculo da-mais pura Latinidade, e sam incomparaveis: principalmente
os dois primeiros, que sam sumamente naturais, e claros. Mas estes
autores nam se-devem ler seguidos: sim interrompidos, e tirando deles
os lugares mais singulares. Se o estudante, tiver feito aproveitamento
no-_Terencio_, e tiver ja lido alguns extratos, reduzidos à ordem
natural; basta explicar-lhe estes autores, sem mudar a ordem
das-palavras: paraque pouco a pouco das-coizas facis, vá intrando nas
dificultozas. E terá o mestre a advertencia, de nam obrigar sempre os
rapazes, a que traduzam de repente: mas em dias alternados. E comumente
deve ordenar-lhe, que escrevam em caza a sua tradusam: e quando vierem
à escola, fará que dem a razam, de tudo o que traduzîram. Este modo
de ensinar, aproveita muito, e imprime as coizas na memoria. polo
contrario o metodo comum, de dizer de cór, é falar como papagaio,
e exposto a mil enganos. Onde deverá o mestre cuidar muito, em que
escrevam as suas tradusoens; pois com o tempo serve isto, para ensinar
a traduzir bem: que é o que muitos nam sabem.

Quando o estudante chega a este estado, pode-lhe ordenar, que componha
alguma coiza: mas sempre asumtos breves: pola maior parte tirados
das-obras, que traduz: o que pode fazer trez vezes na semana. Eu
comecaria polas cartas: que é um modo de compor facil. Uma ou duas
vezes darlheîa as partes: tendo cuidado de escrever primeiro, uma
carta Portugueza pequena, e com ordem natural. Ou traduzir uma pequena
de Cicero, que serîa o mais acertado: obrigando-os a que compuzesem
outra semelhante, sem porem se-servir em tudo, das-mesmas palavras,
e fraze. Despois, daria outra carta facil, sem partes: obrigando-o a
que as-buscáse: e ensinando-lhe o modo. Em 3.^o lugar daria uma carta
mais elegante, sem a ordem natural: porque se acazo se-acostumam, a
escrever o Latim conrespondente ao Vulgar, nunca saberám fazer outra
coiza. Despois diso, pasaria a outro asumto mais dificultozo, e sempre
breve. v.g. a discrisam, ou carater, de uma pesoa determinada: no-que
é singular _Velleio Paterculo_. ou obrigalosîa a referir, algum pequeno
suceso: dando-lhe primeiro o Portuguez; e deixando-lhe a incumbencia,
de pòr o Latim. Isto é quanto pode fazer um rapaz, no-dito tempo: e se
o-chega a fazer, nam faz pouco. Com o tempo, e quando for lendo outros
autores mais dificultozos, é que lhe-podem dar outros asumtos: porque
o rapaz, em quanto estiver na Latinidade, deve fazer duas coizas,
compor, e traduzir. Deve porem o mestre fugir, de lhe-dar pensamentos e
sentensas oscuras, por-tema; porque as-nam-intendem: e neste tempo nada
mais se-procura, que ensinar-lhe que coiza é, pura Latinidade. Quando o
mestre ler as compozisoens, deve emendálas, e dar-lhe a razam, de tudo
o que faz. Ao principio somente cuidar, na propriedade: com o tempo
ensinar-lhe tambem, o que é elegancia, e particular idiotismo da-lingua
Latina: mostrando-lhe como se-deve traduzir, tanto de Latim em
Portuguez, como de Portuguez em Latim. Serîa bom que o mestre algumas
vezes, traduzise ele mesmo, algum paso de _Cicero_ &c. e o-propuzese
ao estudante por-tema: nam lhe-deixando ver o original, senam despois
de feita a compozisam: paraque asim reconhecese o moso a diversidade,
entre o que tinha feito, e devia fazer. Mas isto somente se-pode
fazer, nas clases altas, e quando ja o rapaz tem noticia bastante,
da-Latinidade: porque desta sorte, é que se-aprende, qual é o estilo
dos-bons autores.

Pode, despois dos-ditos autores, explicar os Istoricos mais
dificultozos: que sam _Tito Livio_, _Salustio_, ou tambem _Quinto
Curcio_. O qual _Curcio_, aindaque se-suponha ter escrito, no-reinado
de Vespaziano, que era a idade de prata; ou, como diz Scioppio, o
principio da-idade de bronze da-lingua Latina; contudo, é escrito com
a mais pura Latinidade do-seculo de Augusto: e o estilo é belisimo.
_Livio_ é mais copiozo, e magestozo, e digno da-grandeza do-Imperio
Romano. Quanto a _Salustio_, convem todos, que as suas frequentes
Ellipsis, e o demaziado laconismo, fazem-no duro, e oscuro: mas é
escritor de sumo pezo, e singular eloquencia. Nam me-parece porem,
proprio para rapazes, polas muitas e mui fortes metaforas, e bastante
oscuridade. Onde o meu parecer serîa, que dos-dois primeiros,
se-tirasem alguns lugares escolhidos, para se-explicarem aos
principiantes. Na mesma ultima clase podem-se explicar, alguns extratos
das-orasoens de _Cicero_, principalmente das-mais facis, que sam: _Pro
Archia Poeta: Pro lege Manilia: Pro Marcello_: e as _Catilinarias_.
Mas obrigar um rapaz, a que as-vá traduzindo seguidamente, e
inteiramente, como costumam muitos, é intender mal o negocio. Nenhum
omem pode ler com gosto, uma inteira orasam de Cicero, se nam é um
grande Latino, e Retorico: e á orasoens de Cicero tam longas, v.g. as
_Verrinas_, que ainda um omem douto, nam as-le, sem se-cansar. Ler uma
pagina oje, e no-seguinte dia outra; é ainda pior: porque se-perde o
sentido, e nam se-intende o que se-explica: de que nace o enfado, nam
só nos-rapazes, mas nos-grandes. Onde o melhor é, procurar alguns pasos
breves, e escolhidos: uma descrisam: um inteiro argumento: um inteiro
periodo do-exordio. O mesmo digo, daqueles que explicam, o _Somnium
Scipionis_, o livro _de Senectute_, _Amicitia_, &c. quem faz isto, nam
intende o que faz. Os ditos livros nam se-podem intender, sem saber a
istoria: da-antiga Filozofia: o que nam deve, nem pode um rapaz. Eu,
tendo lido algumas vezes Cicero inteiramente, só o-cheguei a intender,
(se é que o-intendo) quando li em _Laercio_, e _Plutarco_, a istoria
das-setas dos-Filozofos. Os que introduziram o estilo comum, e que
achamos no-livro a que chamam, _Selecta_, certamente ou nam refletîram,
ou nam intendiam isto: porque dam aos rapazes, livros muito diferentes,
e que só sam para omens adiantados. _Salustio_ nam é para rapazes.
Ouvîram dizer, que os livros pequenos de Cicero, eram perfeitisimos
no-seu genero; e sem mais reflexam os-traduzem. Mas polo mesmo
principio deviam explicar, os livros de _Oratore ad Q. Fratrem: Orator
ad M. Brutum_: e os trez _de Officiis_: que sam a melhor coiza que ele
fez, neste genero. Acho porem outras razoens, que se-devem atender,
quando se-fala com principiantes.

Quando o rapaz traduz estes autores mais dificultozos, com a mesma
ordem que se-acha neles, entam é precizo, que escreva a sua tradusam.
A razam é, porque estes autores uzam de muitas transpozisoens, frazes,
e figuras, as quais nem sempre se-podem traduzir literalmente: e asim
querer que um rapaz, de repente ache o verbo, ou perifraze propria,
é loucura: e vale o mesmo que ignorar, que coiza seja tradusam. Os
mestres ao seu bofete, muitas vezes nam acham, a palavra propria,
para a boa tradusam: como mostra bem o famozo Monsieur _Huet_, no-seu
livro==_de Claris Interpretibus_==: em que, aponta os defeitos, em
que caîram os omens grandes: E se isto sucede aos doutos; como é
posivel, que o-fasa derepente um principiante? O que suposto, deve
o mestre dar-lhe tempo, para escrever em caza a sua tradusam: ou ao
menos na escola. E despois ensinar-lhe, como se-deve traduzir bem de
Latim em Portuguez: porque intendido isto bem, conhece-se como se-devem
converter as mesmas frazes Portuguezas, em outras Latinas: ao que
chamamos, boa Latinidade. Por-esta razam digo, que o que fez aquele
livro, a que chamam, _Pai Velho_; que poem a tradusam de Virgilio, ou
o que quer que é, palavra por-palavra; merecia ser asoitado polas ruas
publicas: e tambem os mestres, que se-servem dele: e o livro, queimado
em prasa publica. Nam á coiza mais prejudicial para a Mocidade, que
semelhantes livros: pois mostrando ensinar a traduzir, sam a cauza,
de que se-nam-saiba. O pior é, que os mestres praticam o mesmo, que
diz o livro, nas suas tradusoens. Cujo metodo é tal, que ou os rapazes
estejam dez, ou vinte anos nas escolas, nunca intenderám Latim: como
na-verdade sucede: pois traduzindo todos Virgilio, nenhum o-intende.
Achei-me em certa parte, emque um celebre mestre traduzia, o principio
do-quarto livro da-Eneida: _At Regina gravi jamdudum saucia curæ_ &c.
palavra por-palavra: e tam pago de si mesmo, como se fose, o melhor
interprete do-mundo. Dise eu a um-discipulo, que escrevese a tradusam
do-seu mestre, e despois lha-mostráse, proguntando-lhe, se era boa
aquela tradusam. Asim o fez: e o mestre, cuidando que era coiza
do-dicipulo, foi o primeiro que dise, que nam prestava para nada. Pois
esta, replicou o discipulo, é a que V.P. ontem dise. Envergonhado o
mestre, quiz saber, quem lhe-dera o conselho, e respondeo: Que uma
coiza era, compor na banca, e outra, explicar na escola. Que parvoice!
esta propozisam vale o mesmo que dizer: _Que na banca se-deve compor
bem: e na escola explicar mal._ A falar a verdade quem explica a
rapazes o dito livro, ou coiza semelhante, sabe mui pouco: porque pola
maior parte aquelas palavras, nam se-devem tomar no-proprio sentido,
mas metaforicamente: e explicálas segundo o sentido do-Poeta. E
por-este motivo torno a dizer, que os Poetas, principalmente Eroicos,
nam sam para rapazes, que estudam Latim. Confeso a V.P. que ainda
nam ouvi um mestre, que na escola disese: _Esta palavra, nam se-pode
traduzir bem: é necesario explicála asim._ mas todos seguem o comum
estilo, que é muito mao. Onde a minha regra geral é esta: Quando ouso
um mestre, que, explicando livros eloquentes, traduz asim: _Petrus_
Pedro: _Amat_, ama: _Joannem_, a Joam: sem mais outro exame asento,
que nam sabe Latim. Deve o mestre praticar outro estilo, se quer que
aproveite aos estudantes: e o melhor é, o que aponto. Isto basta
por-agora, sobre a tradusam.

Quando digo, que se-devem ler estes livros, nam quero dizer, que
se-leiam todos: mas um, ou outro dos-que aponto; que sam os melhores,
e mais proporcionados ao noso cazo. Mas tambem é certo, que, lendo-os
como digo, quazi se-podem ler todos. O principal ponto está, em seguir
a ordem que insinuo: porque sem ela, nacerá confuzam e impedimento,
como todos os dias observamos no-metodo vulgar: sendo certo, que
primeiro se-devem ler, os que faláram a lingua naturalmente, doque os
que abundam muito de metaforas, e mil outros ornamentos dificultozos.
Mas nem menos isto basta, se o mestre nam explicar o que deve. Onde
o ponto de toda a consideram consiste, no-modo da-explicasam. Quando
pois o estudante estiver adiantado, deve o mestre, alem das-coizas que
asima apontei, explicar outras. v.g. a sintaxe dificultoza: a forsa
das-palavras: o modo de pronunciar antigo: e notar outras coizas, que
se-encontrarem. Porque os rapazes das-escolas maiores devem saber,
nam só o que é Latim puro, mas tambem as outras particularidades, que
constituem a elegancia. Acham-se autores, que se-servem de palavras
Latinas, e contudo nam tem aquela particular grasa, a que chamam os
inteligentes, boa Latinidade. Consiste esta às vezes, em uma fraze
inteira: tambem em um diminutivo, ou frequentativo &c. coizas que
dam infinita grasa ao estilo Latino; e frequentemente se-acham,
nos-melhores autores Latinos, como _Terencio_, _Cicero_ &c. Onde,
este deve ser o cuidado do-mestre: mostrálas quando ocorrem: e notar
a particular grasa que tem, naquele lugar. Deve tambem notar o modo,
com que os bons autores comesam, ou acabam o discurso, ou os unem
entre si, quando compoem uma orasam inteira. Esta uniam consiste às
vezes, em uma conjunsam: às vezes, em outra particula. E este é o
particular estilo da-boa Latinidade: que necesariamente se-deve ensinar
aos rapazes, paraque o-executem, quando compoem. Alem disto, quando
encontrar alguma expresam oscura, ou porque é fundada em uma fabula, ou
coiza semelhante, deve explicála. Desta sorte se-intenderám os autores,
e se-poderá tirar proveito da-sua leitura. E isto é o que um mestre
douto faz, com muito gosto, porque conhece a utilidade, que daqui
rezulta: e só entam pode repreender com justisa os rapazes, quando
da-sua parte faz tudo o que deve, para os-ensinar.

Mas antes de concluir isto, quero dizer alguma coiza, sobre as edisoens
deses mesmos autores, que tambem é noticia util. Em todo o cazo
devem-se procurar, as melhores edisoens destas obras, as mais corretas,
e com boas notas. Todos os livros comentados _ad usum Delphini_,
aindaque uns sejam melhores que outros, comumente, e principalmente
para o noso cazo, sam bons. mas devem ser da-edisam de Pariz, ou de
Olanda: porque as de Italia modernas, nam prestam para nada. Emporta
muito ter o texto correto, para se-nam-enganar, neste particular. Os
Olandezes sam famozos. As edisoens de Grevio, e Gronovio, e outros
omens doutos, aindaque nam tenham notas, (mas quazi todas as-tem) sam
corretisimas. a edisam de Cicero por-_Verburgio_, _cum notis variorum_,
em Olanda é exatisima. Em Inglaterra tambem fizeram algumas boas:
e a imprensa de Inglaterra, e Pariz é mais negra, que a de Olanda:
e por-iso agrada mais. Isto que digo das-edisoens, se-intenda, nam
só dos-Prozadores, mas dos-Poetas. O que porem encomendo muito ao
estudante é, que, nestes principios, se quer saber Latim, leia poucos
livros: mas eses que escolher, leia-os tantas vezes, e com tanta
atensam, como se ouvesem de ser eles, o seu unico estudo. na segunda
vez achará menores dificuldades: e asim nas outras. Isto basta, para
ser um grande Latino. Nem aconselharei a rapaz algum, que leia os
Poetas. Para saber Latim, é escuzado, e serve de impedimento: na
Retorica é melhor que se-leiam: mas é melhor quando sam grandes. Porem
por-nam deixar de dar metodo, na leitura dos-autores, direi brevemente
o modo: e servirá, para os que se-quizerem aplicar totalmente a isto.

Digo pois, que os que quizerem aplicar-se à leitura dos-Poetas, podem
fazèlo, despois de ter feito estas preparasoens: procurando somente,
os mais estimados polos doutos. Para intender estes é necesario, ler
algum tratado, que explique a Mitologia dos Antigos: e que nos-de
uma noticia breve das-fabulas, à que eles todos os momentos aludem.
Isto posto, deve-se ler _Ovidio_ nas _Metamorfozes_, e _Fastos_, em
que explica toda a Mitologia: despois as _Eroidas_, que sam as suas
melhores obras, e as mais facis. as outras podem-se rezervar para
outro tempo. Despoîs, ler _Virgilio_ todo atentisimamente: ao qual deve
seguir _Oracio_, nas suas _Odes_; melhor direi, todo, porque é um autor
inimitavel. Querem muitos, que com este se-leia, _Gracio Falisco_,
_Olimpio_, _e Nemesiano_, Poetas Bucolicos: aindaque na verdade sejam
muito inferiores, a _Oracio_. E finalmente, _Estacio_, e _Lucano_.
Isto basta para ter, uma grande noticia de Poetas: principalmente
lendo-se, com a devida atensam. E quem tiver bem estudado os ditos,
pode, sem mais mestre, ler qualquer dos-outros, que se-oferecer: mas
apontarei alguns. Quem pois quizer ler amores, veja _Ovidio_, _de
Arte amandi_, _Catûlo_, _Tibûlo_, _Propercio_: que sam todos no-seu
genero famozos. Os melhores satiricos sam, despois de _Oracio_, que é
o mestre; _Juvenal_, e _Persio_. _Marcial_ é um autor, que entre mil
coizas insulsas, tem algumas boas. agradam mais aos omens inteligentes
de Poezia, e Latinidade os Epigramas de _Catûlo_. Quanto a _Lucrecio_,
e _Manilio_, sam juntamente Filozofos, e Poetas: e o primeiro sempre
teve, e ainda conserva, muitos admiradores; e é um puro Latinista.
Nisto se compreende, o melhor da-Antiguidade.

Sobre as edifoens á pouco que dizer. Todos estes autores foram
comentados, para uzo do-Delfim de Fransa, por-ordem de Luiz XIV.
Estas edisoens sam melhores que as antecedentes: e as concordancias
que se-fizeram, de cada um destes autores, valem infinito, para a
inteligencia dos-vocabulos da-lingua: pois mostram os diferentes
uzos, e a forsa das-expresoens. Alem das-Delfinas, á outras
edisoens anteriores, que tem seu merecimento. Por-pouco que um omem
se-familiarize com os livros, e consulte os Bibliotecarios impresos,
e trate os omens que sam verdadeiramente doutos; conseguirá todas as
noticias necesarias, para se-regular na eleisam dos-livros, e edisoens.
Mas quem quizer ler estes autores, advirto-lhe, que os-nam-leia
seguidos, sim interrompidos: pois nem tudo neles é igualmente bom.
Onde, devem-se colher as coizas melhores: porque esta sorte de leitura
agrada: uma longa leitura enfastia, e só serve para um omem, que
nam fasa outra coiza. Nam aconselho, que se-expliquem Poetas nestas
escolas: mas que aja uma ou duas separadas, em que somente se-trate
esta materia.

E ja che falamos de livros, necesarios para a inteligencia do-Latim,
deve tambem o estudante saber, de quais se-deve servir, para compor
&c. Nisto á muito abuzo; porque comumente alguns aconselham livros,
que nam prestam. O _Cardial Adriano_ = de _Sermone Latino_; _Huberto
Gifanio_, nas suas Observasoens, _Tomaz Linacer_, sam autores famozos,
para ensinar o modo, de escrever bem: principalmente o ultimo.
_Enrique Estevam_, e o _Vossio_, escrevèram bem sobre as palavras,
que nam sam Latinas, ou que o-parecem. O _Ducange_ fez um belo
Dicionario, _de Infima Latinitate_: que oje se-acha mui acrecentado,
polos Beneditinos de S. Mauro, e cuido que sam, alguns seis tomos de
folha. O Dicionario Etimologico de _Vossio_, pode dar grande e fundada
noticia, da-Latinidade. _Nizolio_, e _Carlos Estevam_, compoz cadaum
seu Dicionario, para as vozes que se-acham em Cicero: mas o ultimo é
melhor, que o primeiro. Para ter noticia de toda a Latinidade, e ver o
uzo dos-vocabulos, é necesario consultar, o Tezoiro da-Lingua Latina,
de _Roberto Estevam_. 4. tom. para os rapazes, pode servir o _Calepino_
de Facciolati, que é mais breve. Para ver as diferensas das-palavras,
é utilisimo _Anzonio Popma_, e o P. _Vavassor_ Jezuita, e tambem o
_Borrichio_. Para saber o uzo, e forsa das-Particulas da-Latinidade,
é famozo o _Stevvechio_, e despois dele o P. _Turselino_, da-edisam
do-_Facciolati_. Os mestres podem ler o _Tomasio_, e _Schvvartio_,
que sam amplisimos. As Fraseologias nam as-aconselho a ninguem: mas
das-melhores, é a de _Manucio_, que compendiou as de Terencio, e
Tullio: e melhor que este, o _Pareo_, que acrecentou as de Plauto: e
fez mais outras obras utis, para a Latinidade. Acham-se mais alguns
autores, como o _Schorus_, _Cellarius_ &c. que escrevèram nestas
materias: mas estes que apontamos, sam os melhores. E estas noticias
bastam ao principiante: as outras aprenderá com o tempo.

Tenho dito o meu parecer, sobre o modo facil de aprender, a boa
Latinidade. Mas antes que acabe, direi a V.P., que para conseguir
este fim, e saber compor com facilidade, conduz muito, ter a
memoria cheia de muitas especies. Sem ela nada vale a aplicasam:
vistoque a nosa ciencia nada mais é, que a simplez memoria, do-que
temos estudado. Ninguem duvîda, que a memoria com o exercicio
se-aperfeisoa, principalmente nos-rapazes: e que todo o trabalho,
que nisto se-poem na mocidade, serve muito, para quem á-de seguir
os estudos. Mas a dificuldade está, em saber cultivar a memoria.
Quem obriga os rapazes, a aprender muito verso, e muita arenga;
faz-lhe mal, cuidando fazer-lhe bem. Eu comparo a memoria, cheia de
semelhantes ideias, a uma livraria grande, cujos livros nam estam nas
estantes, mas amontoados no-meio, e polos cantos: quem nela procura
um livro determinado, nam o-encontra: mas ofrecem-se-lhe cem mil,
que nada fazem ao cazo. Damesma sorte a memoria mal regulada: quando
lhe-pedem uma ideia, ofrece tantas, e tam fóra do-propozito; que é
o retrato da-confuzam: de que nace, que nunca se-aprendem bem, as
outras Ciencias. Isto suposto, deve cuidar o mestre, em exercitar
a memoria dos-principiantes, em algumas determinadas materias.
Primeiro, acostumálos a dizerem em breves palavras a lisam, que ám-de
explicar. Despois, explicará aos ditos, alguns pasos seletos de
autores, principalmente Poetas: v.g. alguma das-fabulas de _Fedro_,
ou _Ovidio_: mas curtas, e sempre agradaveis; pois só asim entram.
Nestas, os rapazes devem dizer primeiro, o que contem: despois,
poco a pouco ir repetindo, todas as palavras: com o tempo pode-se
aumentar, o numero dos-versos. E este exercicio pode-se fazer dois,
ou trez dias da-semana. Quando o rapaz tem algum exercicio; entam tem
lugar, servir-se de metodo, nas coizas que decora. Onde tera cuidado
de lhe-ensinar, algumas descrisoens, algumas exortasoens, ou-breves
orasoens &c. mas primeiro explicar-lhas bem: pois sem iso é querer, que
pronunciem como papagaios. Nisto nam devem molestar os rapazes, com
pancadas: mas animálos com premios, a que decorem bem algumas coizas:
remunerando ou louvando, os-que o-fazem melhor: sempre coizas utis, e
que posam servir com o tempo. Mas deve cuidar muito o mestre, de nam
permetir aos rapazes, a leitura destes livros de _Fraseologia_, antes
banilos, como coiza mui prejudicial. Sam càpas de romendos, cadaum de
sua cor, que nam podem fazer coiza boa. cauzam preguisa aos estudantes:
e arruinam o bom gosto da-Latinidade. Devem-se escolher as descrisoens
&c. nos-mesmos livros que estudam: e mandar-lhe aprender as frazes,
nos-mesmos autores que traduzem. O mais é madrasaria, e ignorancia.

Tenho ainda outra reflexam que fazer: é esta, sobre o falar Latim nas
escolas. Nisto á dois vicios: alguns falam sempre a sua lingua: de que
vem, que saiem das-escolas, sem saber dizer, um comprimento Latino: e
este é o defeito, que reina em Portugal. Outros, que pola maior parte
sam Polacos, Ungaros, Alemaens, obrigam a falar sempre Latim: ainda
antes de intenderem bem Latim. Tambem isto é um grande defeito: pois
se os que sabemos bem Latim, nam podemos falar com dezembaraso; que
fará um rapaz, que ainda o-nam-sabe! Esta é a razam, por-que vemos
muitos destes Estrangeiros, (e eu vi tambem molheres) que falam Latim
corrente. mas que Latim? um Latim tal, que é melhor nam intendèlo.
Para falar Latim depresa, servem-se de frazes barbaras, e termos
vulgares: e enchem a cabesa com aquilo, em modo tal, que em nenhum
tempo podem deixar, o dito estilo. Nam sei que grasa tem cansar-se,
para escrever Latim bem, e cansar-se tambem, para falar Latim mal: nem
menos intendo, que necesidade aja, de falar semelhante Latim. Quem á-de
fazer jornadas, por-paizes Estrangeiros, se sabe bem Latim, nunca tem
dificuldade em se-explicar, se acazo tem algum uzo. que o-fale mais ou
menos depresa, iso nada emporta. Nem menos aprovo, aquela afetasam de
alguns Portuguezes, que, querendo falar Latim com algum Estrangeiro,
estam meia ora a considerar, um periodo Ciceroniano: e desprezam as
vozes vulgares. Este tambem é outro defeito consideravel. Se os que
falam Portuguez afetado, nam se-podem suportar; que faram os que falam
com afetasam, o Latim? O Latim das-conversasoens deve ser, o mais
natural de todos. o ponto está ter palavras puras: a sintaxe delas
deve ser natural, e clara. V.P. nam verá afetasoens em _Terencio_, ou
_Plauto_, ou _Fedro_, porque falavam com estilo familiar. A lingua
Latina tem isto de bom, que se-caza com a elevasam, e naturalidade.
Onde, devemos saber aplicar o estilo, à materia; para conseguir o fim,
de falar com muita naturalidade, e nam falar mal.

Isto supposto, parece-me que deve aver nas escolas, algum exercicio de
Latim: mas requerem-se algumas cautelas. Primeiro, nam se-deve falar
Latim, senam na ultima escola da-Latinidade, ou da-Retorica: quando ja
os rapazes, intendem bem o Latim. Em segundo lugar, nam devem falar
Latim sempre, mas em dias determinados. Primeiro, podem ensinar-lhe
a dizer, alguns comprimentos de uma, e outra parte: despois, pode-se
introduzir algum Dialogo, sobre a materia que se-estuda: em que de uma
parte, um rapaz progunte alguma coiza: da-outra, responda outro, sempre
em Latim. Mas primeiro deve o mestre explicar, como isto se-deve fazer:
e ser ele o primeiro, a dar exemplo. E nam deve obrigar todos, a que
falem no-mesmo dia: mas comesar polos melhores: despois por-turno os
outros, em dias determinados: avizando-os primeiro, para que venham
preparados. Desorteque cada estudante ousa falar muitas vezes, os
outros: e asim vá aprendendo, para quando lhe-chegar a sua vez. Pode o
mestre falar a miudo, algumas coizas Latinas, com algum dos-estudantes,
que forem mais capazes, ainda fóra dos-dias asinados: tendo cuidado, de
falar bem; e ensinar-lhe sempre, o como se-deve falar. Desta sorte pode
ajudar muito, os estudantes: principalmente se souber excitar entre
eles, a emulasam, louvando muito os que o-fazem bem, e remunerando-os.
Este é o verdadeiro metodo, de ensinar a falar Latim. Comesando desta
sorte, mais facilmente o falarám, nas escolas da-Filozofia: e deste
modo aquistarám aquela facilidade, que é necesaria, a quem á-de seguir
as letras.

Isto é o que me-ocorre dizer, sobre o estudo da-lingua Latina: poderia
acrecentar muita coiza; mas estas bastam, para o que se-quer. Prouvera
a Deus, que estas se-puzesem em execusam; entam me-diria V.P. se
me-enganava eu no-meu conceito. Deixando para a vista outras razoens,
com que podia persuadir, o que digo; insinuarei uma bem clara. Entre
tantos que se-aplicam, ao estudo da-Lingua Latina, mostre-me V.P.
quantos sam capazes de se-apontarem, como exemplo de boa Latinidade.
Examine V.P. quantos autores tem cá, nos seus paîzes, que componham
Latim, como milhares, que eu poso apontar, nos-Reinos estrangeiros; e
ainda alguns em Espanha, que escrevéram asombrozamente. Se me-mostrar
um ou dois, que nam ignoro que aja, asente que o-nam-trouxeram
das-escolas; mas custou-lhe boas fadigas em caza: ou talvez porque
saîram fóra do-Reino, e tratáram, com quem lhe-abrise os olhos, como
o Bispo Ozorio &c. Quazi todos os outros falam Latim das-escolas. E
tantas testemunhas, que todos os dias saiem das-escolas, provam bem,
que esta ignorancia, é influencia do-mao metodo.

Disto podia eu citar muitos, e muitos exemplos, se mo-nam-impedise
a modestia. * * * porque aindaque tenham doutrina, e talento, o
mao metodo que bebéram na mocidade, impede o aproveitamento. Certo
Religiozo douto, devendo dar conta de si, em um congreso erudito,
queixando-se de lhe-nam-terem dado, certos papeis, concluia asim:
_Quæ ad nostram faciunt historiam monumenta omnia: sive scripta,
sive transcripta, sive præscripta; sive congesta, sive digesta, sive
indigesta; peto, expeto, repeto: posco exposco, reposco: quæro,
exquiro, requiro: flagito, efflagito: oro, peroro._ Todo o corpo
do-discurso era semelhante. Nam sei se se-pode fazer, coiza pior:
e apostarei eu, que os seus Religiozos doutos, seram os primeiros,
a condenar este Latim. O pior é, que afetando tanto, saber a forsa
dos-Verbos, enganou-se em alguns. Porque o _flagito_, e _efflagito_,
nam só significam, pedir com istancia, mas pedir com injuria[26], e com
pouca vergonha: o que suponho, ele nam quiz dizer. Tambem o _peroro_,
nunca ouvi, nem achei em autor Latino, que significáse _pedir_. tambem
_Orare monumenta_, é fraze que nunca achei nos-Latinos. Os primeiros
trez nomes significam a mesma coiza, no-noso cazo: pois ele nam pedia
cazas, nem estatuas; mas coizas escritas: e asim o _sive_, parece mal
inserido. Damesma sorte o _congesta_, nam se-opoem, a _digesta_, e
_indigesta_; pois a cadaum destes se-pode aplicar: sendoque é generica.
As outras examinará V.P. com mais vagar, que eu nam tenho. E nam
somente os que se aplicam, a diferentes materias, mas aqueles mesmos,
que se-empregam na Latinidade, muitas vezes nam sam iguais. v. g.
_Antonio Rodriguez da-Costa_, Conselheiro do-Vltramar, que escrevia
Latim com muita facilidade, esquecido ás vezes de simesmo, escreve
algumas cartas Latinas, fóra do-estilo familiar, que paresem orasoens
academicas. Mas pior que este, o Marquez _Manoel Teles da-Silva_, e
o _Conde de Vilarmaior_, os quais ambos tropesam terrivelmente nesta
materia, de elevasam afetada. O primeiro, na carta com que aprova, os
Epigramas do-P. Reis, que comesa _Cum nullum_ &c. uza de um estilo, que
ainda nam vi coiza mais impropria: O segundo, nas cartas que escreve,
a _Antonio Roïz da-Costa_, é afetado por-um novo modo; e inclina
muito para a declamasam, demora-se muito com os lugares comuns, e nam
observa, o verdadeiro estilo epistolar &c. Confeso a V.P. que lendo, e
examinando Cicero, nam achei nele nem orasoens, nem cartas afetadas.
Somente na idade de prata é, que comeso a ver, a afetasam, porque ja
degenerava a eloquencia. De que concluo, que os que lem bem polos
Antigos, e sabem imitálos, escrevem com muita naturalidade, e no-mesmo
tempo sublimidade. Quando porem nam se-lem os Antigos, ou, lendo-se,
nam se-faz como se-deve; nam se-pode fazer coiza boa. o que, como asima
dizia, nace do-mao metodo, de quem ensina.

Quando em um paîz, florecem com grande aplicasam as Artes, é coiza
observavel, que saiem muitos excelentes. No-tempo de _Cicero_, nam
só ele falava bem Latim; mas avia uma infinidade que o-falavam, com
a mesma pureza, e grasa; e muitos Oradores, de grande merecimento.
Se V.P. tira das-cartas de _Cicero_, os nomes de muitos, que
lhas-escrevèram; entre elas, e as de _Cicero_, nam achará diferensa
alguma. O bom gosto naquele tempo, era tam rafinado, que _Cezar_, e
_Atico_, repreendèram alguma palavra de _Cicero_: e o modo de orar
deste ultimo, nam agradava a _Bruto_, a _Calvo_, e _Pollio_, que
eram omens doutisimos. Toda a magestade, e pureza da-lingua de _Tito
Livio_, nam o-livrou, de ser censurado em Roma, por-aqueles delicados
criticos. O grande _Asinio Pollio_ achou neste escritor, certas
palavras, e estilo do-paîz em que nacèra; que os omens cultos de Roma,
nam lhe-queriam perdoar. tal era o delicado gosto daqueles Senadores,
e Cortezoens! Os mesmos Romanos, tinham um demaziado escrupulo, neste
ponto. Um Comico, que no-teatro errava uma silaba, e um acento, levava
grandisimas surriadas[27]. tal era a fineza do-juizo daquela Republica!

Se damos um paso mais atraz, e entramos em Atenas, onde as Artes,
e Ciencias tanto florecèram, que dali se-espalháram, polo resto
da-Europa; acharemos, que nesta grande escola, até a gente plebeia,
polo costume de ouvir orar, e falar bem em publico, aqueles grandes
Oradores; tinha aquistado, um tam exquizito gosto da-lingua, que
quando os Oradores subiam à tribuna, temiam ofender, com alguma menos
boa expresam, orelhas tam delicadas. Avia muitos anos, que o Filozofo
_Teofrastro_ abitava em Atenas, e tinha feito um particularisimo
estudo, de falar a sua lingua, segundo o dialeto de Atenas: comtudo
iso diz a Istoria, que da-pronuncia de uma palavra, conheceo que era
estrangeiro uma molher, que vendia legumes em Atenas[28]. Achamos na
istoria Grega, mil outros exemplos, que confirmam, quam geral era,
o bom gosto da-eloquencia, entre os Gregos. Nas asembleias publicas
da-Grecia, em que se-recitavam Poemas, e Istorias ao Povo; sabemos, que
muitas vezes regeitáram algumas, por-nam chegarem, à fineza de outras.
_Dionizio_ o velho, Rei de Saragosa nam era mao Poeta: vistoque com uma
das-suas compozisoens, alcansou o premio, nos-jogos da-Grecia, digo,
nos-jogos Olimpicos: mas porque mandára primeiro duas, que nam chegavam
ao merecimento, da-terceira, foi escarnecido por toda a asembleia.
Deixo outros Antigos.

E, se decemos a estes ultimos seculos, e ao prezente, poso mostrar a
V. P. com toda a evidencia, que em Londres, Amsterdam, Leiden, Pariz,
Roma, Napoles, Padoa, Bolonha, Piza, e outras muitas partes, onde
se-cultivam os bons estudos; os que neles sam instruidos, por-pouco que
saibam, aquistam um particular gosto, em todo o genero: e que neses
mesmos empregos de Ciencias, e Artes, á infinitos omens excelentes.
Do-que manifestamente se-prova, que onde se-ensina bem, sempre á omens
grandes: e que onde os-nam-á, é uma prova manifesta, do-mao metodo, de
quem ensina.

Tenho dito a V. P., quanto a brevidade de uma carta permite, o que
me-parece deve fazer, quem quer saber Latim. Poderia acrecentar outras
coizas; mas esas sam somente necesarias, aos que querem ser insignes,
nas letras umanas. Para V. P. que é tam versado nelas, o que digo,
parece ainda superfluo: e para os-outros, muito mais: vistoque nam
acho muitos, que queiram esta gloria, e queiram conseguila, com estes
meios. Comque páro aqui: E dezejando a V. P. felicisimas festas, e boas
intradas de anos; com todo o corasam me-asino &c.

                             [Illustração]


NOTAS DE RODAPÉ:

[21] _Adversar. l. 7. c. 19._

[22] As palavras de Furio Albino citado por-Macrobio, sam estas. _Nemo
debet antiquiores Poetas ea ratione viliores putare, quod eorum versus
nobis scabri videntur. Ille enim stilus maxime, tunc placebat: diuque
laboravit ætas secuta, ut magis huic molliori stilo acquiesceret.
Itaque minime defuerunt, imperantibus etiam Vespasianis, qui Lucretium
pro Virgilio, & Lucilium pro Horatio legerent._ Petrus Crinitus, de
Poetis Latinis.

[23] _L.3. v. 248._

[24] _Aeneid. I. v. 67._

[25] _Itaque video visum esse nonnullis, Platonis, & Democriti
locutionem, etsi absit a versu, tamen, quod incitatius feratur, &
clarissimis verborum luminibus utatur, potius poema putandum, quam
comicorum poetarum: apud quos, nisi quod versiculi sunt, nihil est
aliud quotidiani dissimile sermonis._ Cicer. de Orat. ad M.B. num.20.

[26] _Expectatione promissi tui moveor, ut admoneam te, non ut
flagitem: misi autem ad te quatuor admonitores, non nimis verecundos:
qui metuo, ne te forte flagitent: ego autem mandavi, ut rogarent._
Cicero Epist. famil. _l._9. _ep._ 8.

Quintil.--_Efflagitasti quotidiano convitio, ut libros jam emittere
inciperem &c._

[27] _At in his (numeris) si paullum modo offensum est, ut aut
contractione brevius fieret, aut productione longius; theatra tota
reclamant._ Cicero _l.3. de Oratore n.50_.

[28] Cicero, _de Claris Orator. n.46_.



                             [Illustração]



                             CARTA QUARTA.

                               SUMARIO.

 _Necesidade das-linguas Orientais, principalmente Grega, e Ebraica,
 para intender as letras Umanas: mas muito principalmente, para a
 Teologia. Modo de as-aprender. Utilidade da-lingua Franceza, e
 Italiana, para ser erudito com facilidade, e sem despeza._


Meu amigo e senhor, Talvez esperava V. P. que eu nesta carta, pasáse
direitamente à Retorica; e comesáse a discorrer sobre aquela materia,
que nos-ocupou bastante tempo; e nos-deu ocaziam, para fazer muitas,
e mui utis reflexoens. Tambem esa era a minha intensam; se me-nam
ocorrese outra coiza, que julgo ser igualmente necesaria: e que
nam nos-ocupará, senam uma carta, e nam mui longa. Falo do-estudo
das-linguas Orientais: que muitos desprezam, porque nam tem juizo, para
conhecer o bom, rezolusam para o-emprender, e metodo para o-conseguir.
Eu nam falarei de todas: mas das-duas mais principais, e que todos
os omens doutos reputam, que sam sumamente necesarias: e como tais
se-ensinam, em quazi todos os estudos, da-Europa culta: tais sam a
Grega, e Ebraica.

Sam estas duas linguas em Portugal, totalmente desconhecidas, ainda
nas-Universidades: o que é mui observavel: porque Universidade deve
compreender, todo o genero de estudos. Os Espanhoes conhecèram muito
bem, esta necesidade: e vemos que nas principais das-suas Universidades
ensinam, nam só estas, mas outras Orientais. Mas em Portugal observo,
que nam á noticia delas. Nese colegio das-Artes, dizem que á uma
cadeira de Grego: mas como se a-nam-ouvese, porque nam tem exercicio.
Os Seculares, que algumas vezes entram na aula, é para se-divertirem.
Os Jezuitas mosos, sam na verdade obrigados, a frequentar por-algum
tempo, a dita escola; e nos-dias santos le-se um capitulo de _S.
Joam Crizostomo_, ou coiza que o valha: mas como todos estes mosos,
estam na opiniam, que aquilo para nada serve; nenhum se-aplica a ela.
Despois de quatro anos de estudo, me-dise um, que nam sabia mais,
que esta palavra: ό δεος. Achei outro, que sabia o Padre noso, e Ave
Maria: e destes acham-se alguns: mas nenhum o sabia escrever derepente.
Finalmente nam achei algum, que soubèse explicar, quatro regras de
Grego, nam digo eu de algum Poeta, ou coiza dificultoza; mas nem
menos do-Testamento Novo, ou algum S. Padre facil. E isto observei
ainda naqueles, que tinham sido mestres de Grego: (nam por-falta de
capacidade: mas de aplicasam) e fasa V. P. a experiencia, que achará,
que nam minto. Os outros todos, ou sejam Regulares, ou Seculares,
nam tem mais noticia do-Grego, que do-_Kyrie Eleison_: e do-Ebreo,
só conhecem a palavra _Aleluia_, _Amen_, e alguns nomes proprios de
omens, ou Cidades, que se acham na Vulgata, ainda-que transfigurados: e
contentam-se com esta noticia: Antes rim-se muito, se acazo lhe-dizem,
que é um estudo necesario. Mas a verdade é, que aos Teologos é
indispensavelmente necesario, sabèlo; senam a todos, ao menos aos que
se-internam na Teologia, e a-ensinam. Senam diga-me V. P. se nacèse
uma dificuldade, sobre a inteligencia do-texto Ebreo, ou Grego, ou de
algum S. Padre; como muitas vezes sucede, conversando com os Erejes,
ou disputando entre os Catolicos; a quem se-á-de proguntar? será
necesario escrever, a Fransa, Roma, Veneza, Napoles &c. para saber a
resposta? que coiza mais vergonhoza! E que diriam aqueles Teologos, se
ouvisem, que aqui nam avia, quem os-intendèse? Mas disto falaremos, em
outra parte. Por-agora só digo, que asim como ao Teologo é necesario,
intender Latim, para ler a Vulgata Latina; asim tambem é necesario,
intender os textos Originais, de que esa Vulgata se-tirou.

Persuadem-se muitos, e alguns mo-confesáram, que só a Vulgata merece
autoridade. isto é, porque nam estudáram a materia. Convem todos os
Teologos de boa doutrina, que o Concilio Tridentino, quando declarou
_Autentica_, a nosa Vulgata; só a-preferio, às outras Vulgatas
Latinas: mas nam a-preferio, nem a-comparou com as Fontes, Grega, e
Ebraica. De que vem, que estas conservam oje, toda a sua autoridade: e
por-elas se-emendou a Vulgata, no-tempo de Sixto V., e Clemente VIII.
e ainda oje se-pode emendar, em varias coizas, que nela advertem os
omens doutos. E por-este principio fica claro, que pode aver grande
utilidade, e necesidade, em consultar as ditas Fontes.

Alem da-Escritura, temos os SS.Padres da-Igreja Grega, que escrevèram
na sua lingua. O Teologo todos os instantes tem necesidade, de
consultar estes Originais: porque as Versoens nem sempre sam fieis.
Muito mais porque nam se-ignoram as controversias, que todos os
dias nacem, nas escolas Catolicas, sobre as palavras dos-Padres, e
dos-Concilios. Alem diso, o Jurista tem necesidade do-Grego, para
alcansar o verdadeiro sentido, de muitas constituisoens Imperiais;
que foram escritas em Grego. O Canonista o mesmo: vistoque deve
procurar, as fontes da-Diciplina Ecleziastica: a qual pola maior parte,
determinou-se nos-Concilios: muitos dos-quais celebráram-se no-Oriente:
e ainda algum no-Ocidente, em Grego; como o Florentino no-tempo de
Eugenio IV. Tambem para intender, o Decreto de Graciano, que se-funda
todo, sobre a antiga Diciplina: e os mesmos PP. Gregos. O Medico tem
necesidade do-Grego, para intender as obras, de Ipocrates: para ver o
que dise Galeno, e Areteo de Capadocia; que, despois de Ipocrates, foi
o melhor Medico dos-seus tempos: e alguns outros. É tambem necesaria
ao Medico, para intender a Anatomia, e suas partes, cujos nomes sam
Gregos: nam avendo Ciencia, em que se-encontrem mais nomes Gregos: como
tambem para intender os nomes, de muitas infermidades. Nisto cuido
que convirám sem dificuldade, os mesmos Peripateticos, se quizerem
examinar o cazo. Mas eu paso adiante, e digo, que as Letras Umanas, e
ainda a mesma Latinidade, nam se-pode intender bem, sem alguma noticia
do-Grego. Os Romanos adotáram infinitos termos Gregos: cuja propria
significasam nam se-alcansa, sem saber o Grego. As mesmas declinasoens,
a dezinencia de muitos Verbos, pedem alguma erudisam Grega. mas isto só
o-intende, quem se-familiariza com o Latim.

Quanto pois ao estudo do-Grego, e Ebraico, nam é ele tam embarasado,
como o-pintam. Os Mestres podiam brevemente dar, alguma noticia
do-Grego: nam se-cansando em explicar, todos os preceitos de Gramatica
(este é o defeito de muitos Profesores). Basta ao principio saber, as
declinasoens, e conjugasoens, sem falar nos-dialetos. as anomalias
podem-se deixar; e basta que com o tempo se-observem, quando se-vai
lendo. As outras partes da-Gramatica basta velas uma vez, para
as-saber procurar, quando será necesario. Despois, toma-se um autor,
que tenha junto a versam Latina: e em cada voz se-deve observar, se é
raiz, ou nam: e, quando duvidar, procurálo no-Dicionario. Em um mez,
ou dois, pode conseguir, bastante noticia destes principios. Despois,
com o socorro do-Dicionario, e da-versam, deve comesar a explicasam,
de algum autor facil. Os Istoricos, e Prozadores devem ser preferidos,
aos Poetas; como mais dificultozos. Um omem douto ensina, que se-deve
seguir este metodo. 1.ᵒ Ler os Estratagemas de _Polyeno_, que sam mui
claros: os Dialogos de _Luciano_, e principalmente os Characteres
Ethici, de _Teofrasto_; que é elegantisimo. 2.ᵒ os dois famozos
Istoricos, _Xenofonte_, e _Erodoto_: que encerram as delicadezas,
e grasa, da-lingua Atica. 3.ᵒ a estes podem seguir-se _Tucidides_
Istorico; _Isocrates_, e _Demostenes_ Oradores; e _Platam_, Filozofo
o mais eloquente, e culto da-Antiguidade. Quem chegar a intender
bem estes, tenha a consolasam, que sabe bem Grego. Pode-se aprender
alguma noticia, dos-costumes Gregos, nas obras de _Ubbo Emmius_, e
_Joannes Meursius_, que sam os que melhor explicáram, as antiguidades
Gregas. Outros querem, que se-comece polo _Evangelho de S. Lucas_, e
_Atos dos-Apostolos_; ou polas fabulas _de Esopo_: despois _Luciano_,
_Erodoto_, _Xenofonte_, _Isocrates_: e no-fim _Omero_, e _Plutarco_,
e alguma coiza de _Demostenes_. Um, e outro destes metodos se-pode
seguir: mas agrada-me mais o primeiro. O principal ponto está, que
nestes principios, quando se-acham lugares dificultozos, deve-se pasar
adiante: e ler os autores saltiados, por-nam enfastiar os rapazes.

Sobre os Poetas, nam me-canso em dizer muito: porque quem tem noticia
da-lingua, tem ja bastante luz para ver, como se-á-de regular, na sua
lisam. Concordam os omens da-profisam, que o melhor Poeta, e mais claro
é, _Aristofanes_: mas é bastantemente obceno. Onde, quem nam souber ler
tais coizas, sem perigo; deverá pasar a _Omero_, e _Esiodo_, que sam
os mais facis entre os Eroicos, e que se-servem de expresoens, mais
claras. Verdade é, que nestes Poetas, á uma dificuldade nam pequena,
que consiste, na variedade de dialetos, e inflexoens, e mudansas de
palavras, proprias-dos Poetas: mas a isto se-supre com o Dicionario,
que explica distintamente, estas palavras. Aconselham os doutos, que,
antes de ler Omero, leia-se o _Everhardo Feithio_==_Antiquitates
Homericæ_: no-qual ele descreve a istoria, dos-tempos Eroicos, de que
trata _Omero_. Dos-Poetas Eroicos pode-se pasar, aos Bucolicos, que sam
_Moscho_, _Bion_, _Theocrito_; para aprender o dialeto Dorico, em que
escrevem: servindo-se do-pequeno Dicionario, de _Schrevelius_. A melhor
edisam destes autores é, a de _Daniel Heinsio_: em que, alem das-deste,
se-acham tambem as notas, de _Scaligero_, e _Casaubon_. Despois pode
ler, os Poetas Tragicos: entre os quais os mais facis, e judiciozos
sam, _Euripides_, _e Sophocles_: porque os outros, só os-podem
intender, os que sam bem praticos da-lingua. E como suponho, que o
estudante neste tempo, (isto nam se-faz nas primeiras escolas: mas
quando um é ja adiantado no-Latim) terá ja noticia, das-leis da-Poezia;
pode, lendo estes autores, ir descobrindo, e bebendo na sua fonte pura,
as grasas da-Poezia, em todos os generos.

Uma coiza porem é necesario advertir, nam só aos dicipulos, mas tambem
aos mestres, porque neste defeito caiem muitos profesores publicos:
e vem aser, que nam se-cansem em mandar compor, aos pobres rapazes:
porque esta lingua, que oje é morta, nam é necesario falála, basta
intendèla com facilidade. Encontram-se muitos, que explicam aos
rapazes, trez, ou quatro regras de Grego, e obrigam-nos a compor,
paginas inteiras. Onde vem a cair no-mesmo defeito, que em outra carta
ja dise, (falando da lingua Latina) de quererem, que os rapazes sejam
mestres, naquela materia, na qual nam chegáram ainda aser, dicipulos.
Em uma palavra: a experiencia ensina, que é absolutamente necesario,
intender Grego: e que é inutil, o escrevèlo; quando um omem nam está
empregado em coizas, que o-pesam.

Sobre as Gramaticas, á oje tantas, que é superfluo, que eu diga coiza
alguma. Muitos sam apaixonados, pola de _Clenardo_, com as notas
de _Antesignan_: porque nela se-acha com facilidade, o que só com
grande trabalho se-busca, em outros livros: e tambem ensina o uzo
da-Gramatica, reduzindo-a aos preceitos gerais: o que ilustra muito
o intendimento. Mas oje asentam todos, que a de _Lanceloto_, a que
chamam de _Porto real_, é a mais facil, e as reflexoens mais solidas.
mas é em Francez, ou Italiano, e nam é para o cazo. Alem destas, á
infinitas mais modernas, que sam mui boas, e Latinas. Um amigo noso
compoz a Gramatica Grega, e Ebraica, cada uma em duas folhas de papel
grande, com uma clareza inimitavel, para um principiante. Procuro
que a-imprima, para utilidade dos-Portuguezes. é sem duvida a mais
facil, que tenho visto nesta materia. No-cazo que o estudante nam
tenha, quem o-aconselhe, na eleisam de livros; deve sempre apegar-se
a uma Gramatica, das-mais modernas, e mais breves: principalmente
compostas por-alguns seculares, Inglezes, Olandezes, Alemaens, e alguns
Francezes. Porque como estes nam seguem as leis, que obrigam alguns
Regulares, a nam se-desviarem, dos-seus antigos metodos; procuram
sempre, melhorar no-metodo, e na inteligencia: como a experiencia
me-tem mostrado. E nestas letras Umanas é sem duvida, que os Seculares
excedem muito, aos Regulares.

Sobre o Dicionario, parece-me que o estudante deve servir-se,
do-_Scapula_, que costuma reduzir todos os _derivados_, à sua _raiz_.
Isto ao principio cauza dificuldade, porque se-ignora, que coiza
os _derivados_ acrecentam, sobre _a raiz_; para os-poder separar,
e procurar no-seu lugar. Mas neste cazo basta procurar, no-fim
do-Lexicon, a voz como se-acha; que ali se-ensina, de que raiz vem, e
aonde se-deve procurar. E desta sorte aprende um omem, o verdadeiro
modo de separar os _derivados_ das-suas _raizes_: e fica com a
inteligencia, de uma quantidade de termos: coiza que vale infinitamente
nesta lingua. Se o estudante pouco a pouco aprendèse de memoria, as
_raizes_; facilitaria muito este estudo, e intenderia mais depresa os
_derivados_. O ponto todo está em nam deixar totalmente este estudo,
por-todo o decurso da Latinidade, e Retorica: porque aindaque sò
expliquem, duas regras cada dia, no-cabo de um ano, adianta-se muito.

A Gramatica Ebraica é muito mais facil, que a Grega. Antigamente
escreviam os Ebreos, sem vogais: e o verdadeiro modo de pronunciar,
pasava de pais a filhos, por-tradisam: e ainda oje a Biblia, que
se-conserva nas suas sinagogas ou escolas, costuma escrever-se sem
vogais, como eu vi muitas vezes. Mas despoisque os Ebreos, tornáram
do-cativeiro de Babilonia, e, com permisam de _Artaxerxes Longimano_,
restablecèram, a Igreja Judaica, e todos os ritos da-sua antiga
religiam: entam, segundo se-prezume, se-inventáram os ditos pontos,
ou vogais. Certa coiza é, que nese tempo os Ebreos, tinham perdido
a sua lingua, e só intendiam a Caldeia. Onde nas sinagogas, que
entam se-introduzîram, era necesario, que um interprete explicáse em
Caldeo, as palavras da-Biblia, que outro proferia e lia em Ebreo.
E como uma lingua morta, nam se-pode aprender, nem ensinar, sem
vogais; fica claro, que os doutores, que com Esdras publicáram, uma
edisam correta da-lei, os-inventáram, para poderem ensinála, aos que
ignoravam a lingua. É porem provavel, que entam somente inventasem, as
cinco vogais: e nam tantas, como ao despois se-uzáram. Esta noticia
conservou-se, nas escolas dos-Gramaticos, ou escolas de ler: (entre os
Ebreos avia escolas de Gramatica; e outras de Teologia) mas nam nas
escolas de Teologia: porque os omens doutos, que ja sabiam a lingua,
nam necesitavam diso. Mas despois da-ultima destruisam de Jerusalem,
no-ano 70. de Cristo, tendo-se espalhado os Ebreos, por-todo o imperio
Romano; e muito principalmente, despois da-dispersam que tiveram,
no-tempo de Adriano; acrecentando-se todos os dias as _tradisoens_,
foi necesario escrevèlas, para se-poderem conservar na memoria, e
chegarem a todos. Isto fizeram eles, polos anos de Cristo 150.: cujo
libro chamam _Misná_; que é um corpo de toda a doutrina dos-Ebreos,
ritos, ceremonias, e religiam. A esta fizeram dois comentarios: um em
Babilonia, polos anos de Cristo 300.: outro em Jeruzalem 200. anos
quazi despois. E deste Comento, e da-_Misnà_, se-compoem os dois
_Talmudes_, que ainda oje temos.

Isto suposto, vendo os doutores, que os _pontos_ dos-Gramaticos eram
utis, para conservar a antiga maneira de ler; adotáram os ditos
_pontos_, e comesáram a servir-se deles, pouco mais ou menos, no-seculo
quinto de Cristo. Muitos suspeitam, que se-deve isto aos doutores,
da-escola de _Tiberiades_. Seja como for, o que sabemos de certo é,
que desde ese tempo, comesáram a escrever certos sinais, debaixo, e
desima das-consoantes; paraque todos os Ebreos, pronunciasem as vozes
Ebraicas, segundo a antiga tradisam. De entam para cá é, que á noticia
expresa, das-vogais[29]. Mas como os Ebreos sempre foram misteriozos;
para ocultar o verdadeiro sentido do-texto Ebreo, inventáram tanta
vogal que nam se-le, entre outras que se-lem; que esta é oje a maior
dificuldade, desta lingua. Umas vezes a mesma vogal le-se: outras, nam
se-lé: umas vezes converte-se em outra; e talvez nam se-converte: e
isto embarasa muito os principiantes.

Intendido isto, o metodo de aprender o Ebraico é, a prender a
conhecer, e unir as letras, e proferir as disoens: porque a pronuncia
diligente somente é necesaria, aos que querem falar, nam aos que
somente a-querem intender. Deixando ao principio, aquela infinidade
de excesoens, sobre a mudansa de pontos, &c. deixados os infinitos
acentos, que para nada servem: basta ter noticia, das-regras gerais,
para saber ler, e pronunciar facilmente. Daqui pasa-se às declinasoens
dos-Nomes, e seus diversos estados. A maior dificuldade está,
nos-Verbos: porque tem terminasam masculina, e feminina, o que ao
principio parece imbarasado: aindaque com o tempo, ajude muito para
intender, com quem, e de quem se-fala; se com omem, ou com molher.
Deve pois saber distintamente, quais sam os verbos _quiescentes_, e
_defetivos_. As anomalias deles podem-se deixar, porque se-aprendem com
o uzo. Esta lingua nam tem sintaxe particular: e todos os idiotismos
aprendem-se em meia ora. Daqui deve pasar a ler a Biblia, tendo
sempre prezente um Dicionario, v.g. o Compendio Hebraico Chaldaico de
_Buxtorfio_. É utilisimo servirse do-texto Ebreo, com a versam literal
de _Pagnino_, correta por-_Montano_: porque alem-de que se-aprende,
a propria significasam dos-vocabulos, tem à margem, boas notas de
Gramatica, e aponta as _raizes_. O que ajuda muito um principiante,
principalmente se a-quer buscar, no-Lexicon: e é muito necesario saber,
quais sam as raizes, para ter suficiente noticia, da-lingua. Com o
tempo observa-se a Sintaxe da-lingua, e os idiotismos, ou maneiras
proprias de se-explicar, diferentemente das-outras linguas: o que
se-reduz a poucos pontos, e se-aprende do-contexto.

Os livros que primeiro se-devem ler, sam os mais facis, como o
Pentateuco, os livros dos-Juizes, e Reis, Paralipomenon. Os Profeticos,
e Sapienciais podem rezervar-se, para outro tempo, por-serem mais
oscuros. Mas para intender estes livros, é necesario preparar-se com
a lisam, das-antiguidades Ebraicas. O Senhor de _Fleury_ publicou
um tratadinho, dos-costumes dos-Israelitas, em Francez, que tambem
se-acha em Italiano: que me-parece proporcionado, para um principiante:
e é escrito com grande atensam. Podem tambem servir, a _Politia
Judaica_==_de Bertramo_: _Respublica Hebræorum_==_de Sigonio_, _ou de
Cuneo_; que sam muito boas. Nam aponto livros de maior erudisam, porque
nam servem, para estes principios. Se a isto que dizemos, ajuntar cada
dia, a lisam de um capitulo da-Escritura, e consultar nas coizas em
que duvidar, a versam Grega dos-LXX.; ou as Concordancias de _Conrado
Kirker_; poderá conseguir facilmente, bastante noticia da-lingua
Ebraica. Isto digo, para um principiante: porque para os Teologos de
profisam, a seu tempo direi, que mais é necesario, nesta materia. Este
estudo, como tambem o da-lingua Grega, uma vez que se-intendeo, pode
continuar-se em dias alternados, por-todo o tempo dos-outros estudos,
sem perturbasam alguma: porque a estas linguas basta consagrar, as oras
menos preciozas do-dia.

Isto é, o que muita gente nam intende, ou nam quer intender, nestes
paîzes: porque quando nam tem, outra razam que dar, alegam a
dificuldade da-dita lingua, e a pouca utilidade, que dela se-tira:
aqual nam basta, para compensar o trabalho, que se experimenta em
aprendèla. Seguro a V. P. que com grande admirasam minha, ouvi
isto a alguns, de quem formára bom conceito; e que totalmente
se-desvaneceo, com este discurso. Nam acho que falasem asim, alguns
antigos-Portuguezes, que cuido sabiam um pouco mais, do-que estes, que
agora respondem asim: antes polo contrario acho, que alguns Religiozos
antigos, aplicáram-se a estas linguas com cuidado, e por-iso sam mais
conhecidos, no-mundo literario, do-que estes, com quem prezentemente
conversamos. Eu atribûo isto, à maior comunicasam que entam avia,
com os doutos das-Nasoens estrangeiras: pois só acho vestigios de
maior erudisam, quando a este Reino vinham ensinar, os Estrangeiros:
ou quando os Portuguezes îam aprender, e ensinar, fóra dele. Polo
contrario despoisque se-deixou, este comercio literario, vejo as coizas
mui mudadas.

Nam podem ser ocultos a V. P. os nomes de alguns deles: O _P. Jeronimo
Oleastro_, Dominicano Lisboense, que cuido se-chamáse _Jeronimo
da-Zambuja_, compoz um comentario Ebraico ao Pentateuco, e cuido que
a outros livros mais, se-nam me-engano; poisque averá anos, que vi
esta obra. Acho tambem citado um certo _D.Pedro_, Conego Regular, e
um Fr._Eitor Pinto_, Jeronimiano, ambos Portuguezes, por-omens mui
versados, na lingua Ebraica: ainda-que eu nam poso, formar juizo
das-tais obras, porque as-nam-vi. Mas tenho motivo para suspeitar,
que fosem omens doutos, vistoque aprendiam as linguas originais, para
comentarem a Escritura. Tambem achei um Religiozo meu, quero dizer
Observante, chamado Fr._Francisco de S.Luiz_, Lisboense, posterior
aos ditos; que floreceo no-tempo do-Concilio de Trento, e alguns
anos despois. Este tal compoz em Italia, uma Gramatica Ebreia, com o
titulo = _Globus Canonum & Arcanorum Linguæ Sanctæ, & Sacræ Scripturæ_
=: que é um livro bem voluminozo em 4.ᵒ e que dedicou ao Cardial de
Medici, impreso em Roma 1586. Este tal autor, (que, segundo diz, fora
no-seculo leitor de Leis em Coimbra, e Salamanca; e se-metèra Frade em
Espanha) dá a intender, que compuzera o livro em Italia: declarando,
que de cincoenta anos aprendèra o Ebraico, que ao despois foram as
suas delicias. Onde persuade com muitas palavras, a necesidade da-dita
lingua; e se-enfastia, contra os que a-regeitam. Com efeito o omem
parece bem informado, da-dita lingua: aindaque caise no-defeito,
dos-Gramaticos do-seu tempo; quero dizer, em fazer uma confuzisima
e mui enfadonha Gramatica; na qual quiz epilogar, quanto achou em
_Elias Levita_, e outros Rabinos: como tambem em vários autores, que o
precedèram. Mas este era defeito daquele tempo, em que nam sabiam, que
coiza era bom metodo. Contudo é verdade, que o dito P. fez um grande
progreso, na dita lingua, em uma idade maior; naqual tambem estudou
Teologia: e entre ocupasoens de predicas, e outras semelhantes, segundo
diz, nunca deixou, este estudo tam util.

Esta noticia que dou do-tal autor, é porque ignoro, se V. P. tem
noticia dele, visto escrever longe de Portugal. Acrecento a este,
o _P. Macedo_, Portuguez, e da-mesma Religiam: omem de prodigioza
memoria, (aindaque nam de igual juizo) segundo mostrou nas suas famozas
concluzoens, que defendeo em Veneza, de que V. P. tem boa noticia: que
sabia a lingua Grega, segundo me-diseram alguns dos-seus Religiozos,
da-mesma Provincia.

Do-Grego tambem no-seculo 16.ᵒ avia mais noticia, que nam á oje, neste
Reino. Polos tempos do-Concilio de Trento, um tal _Joam Vaz_, que
foi mestre de Umanidades em Salamanca, sabia bem Latim, e Grego: e
no-mesmo tempo _Fernando Soares_, (que compoz uma Gramatica Latina,
para uzo do-Duque de Bragansa, impresa em Evora no-ano 1572.) era
suficientemente informado, do-Grego. Ajunto a estes, o Bispo _Jeronimo
Ozorio_, o qual nam só aprendeo fóra de Portugal Latim bem, mas teve
bastante noticia do-Grego, e Ebreo: e podia nomiar alguns outros, que
agora nam me-ocorrem. Doque se-segue, que naqueles tempos, os mestres
Portuguezes, nam seguiam o parecer, que agora vejo tam comum, deque
estas linguas Orientais devam desprezar-se. Onde, com estes exemplos,
podiam muitos aplicar-se, a coizas mais utis à Republica. Eu apontei
algum exemplo: pode ser que ajam muitos mais, e de linguas peregrinas:
porque eu nam escrevo esta istoria.

Serîa tambem justo, que o estudante com o tempo, aprendèse Francez,
ou Italiano, para poder ler as maravilhozas obras, que nestas linguas
se-tem composto, em todas as Ciencias; de que nam temos, tradusoens
Latinas. Antigamente intendiam os doutos, que era necesario saber
Latim, para saber as Ciencias: mas no-seculo pasado, e neste prezente,
dezenganou-se o mundo, e se-persuadio, que as Ciencias se-podem tratar,
em todas as linguas. Parece-me que com muita razam: porque a maior
dificuldade das-Ciencias consiste, em serem escritas em Latim, lingua
que os rapazes nam intendem bem. Onde nam só sabem mal a materia,
mas o tempo que deviam empregar, em a-estudar, ocupam em perceber
a lingua. Com esta advertencia, os Inglezes, Olandezes, Francezes,
Alemaens &c. comesáram a tratar todas as Ciencias, em Vulgar. Esta oje
é a moda. Os melhores livros acham-se escritos, em Vulgar: e qualquer
omem que saiba ler, pode intender na prezente era, todas as Ciencias.
Nam que isto seja totalmente, ideia nova: porque me-lembro, ter lido
uma carta de _Paulo Manucio_, escrita a _Diogo Hurtado de Mendonsa_
Embaixador Cezareo, dedicando-lhe os livros Filozoficos de Cicero;
emque se-diz, que o maior impedimento das-Ciencias é, serem tratadas
em linguas estrangeiras, digo, Latina &c. O que o dito _Manucio_, com
toda a paixam que tinha à lingua Latina, nam dezaprova. Desorteque
ja no-seculo 16.ᵒ, emque o mundo comesou a abrir os olhos, em muitas
coizas, pensavam asim: o que porem somente se-executou, nestes ultimos
tempos. De certo tempo a esta parte, os nosos Italianos comesáram
a seguir, o método dos-Transmontanos. Comesou isto, traduzindo os
livros Inglezes, e Francezes: despois, pasáram a compor originalmente.
Desorteque quem oje quer ter, muitas noticias boas com facilidade,
deve intender Francez, ou Italiano. Este estudo nam pede grande tempo,
podendo servir-se dos-livros Latinos, que tem a tradusam literal
Franceza; como sam o _Terencio_, e _Oracio_, de Madame _D’Acier_, e
de um Jezuita &c. E estes mesmos autores Latinos, se-acham traduzidos
em verso Italiano, defronte do-Latim, por-dois omens mui doutos
de-Italia. O Italiano é mais facil. Mas nam intenda V. P. que eu sou
tam inexoravel, que queira carregar os pobres rapazes, com tanto pezo.
nada aponto, que nam vise executar a muitos rapazes: e poso afirmar a
V. P. que estes estudos, nam sam dificultozos em si mesmo: o mao metodo
os-pinta dificultozos. Contudo nam obrigo: aponto somente a utilidade.
Quando o estudante nam se-ache, com este dispozisam, pode rezerválo
para tempo mais descansado. Fico às ordens de V. P. como seu criado &c.

                             [Illustração]


NOTAS DE RODAPÉ:

[29] _Veja-se Ludovicus Cappellus in Arcano punctuationis, contra J.
Buxtorf. Filium._



                             [Illustração]



                             CARTA QUINTA.

                               SUMARIO.

 _Discorre-se da-utilidade, e necesidade da-Retorica. Mao metodo com
 que se-trata em Portugal. Vicios dos-Pregadores: que sam totalmente
 ignorantes de Retorica. Que absolutamente deve deixar o antigo estilo,
 quem quer saber Retorica._


Finalmente é tempo, de pasar-mos à Retorica: para com ela completar
os estudos, das-escolas baixas. Sei que V.P. tem gosto, de ouvir-me
falar dos-outros: e me-faz a merce nesta sua dizer, que imprime as
minhas cartas, na memoria: mas sei tambem, que de todos os estudos
das-Umanidades, de nenhum tem mais empenho, que da-Retorica.
Pois se bem me-lembro das-nosas conversasoens, conheci entam em
V. P. um ardente dezejo, de me-ouvir falar nesta materia; e de
querer instruir-se, dos-particulares estilos de Retorica, e muito
principalmente dos-sermoens, de outros paîzes: porque me-dise, que
nam lhe-agradava, o estilo deste Reino: o qual muitas vezes seguîra,
por-necesidade. Nesta carta direi brevemente, o que me ocorre, sobre os
defeitos, e tambem sobre o modo de os-evitar.

A Retorica naceo na Grecia, como todos os outros melhores estudos: e
de la se-espalhou, polas mais partes da-Europa. É mais moderna, que
a Gramatica: mas teve a mesma origem. Querendo os omens na Grecia,
persuadir aos Povos, varias coizas; foi necesario que observasem,
como eles se-persuadiam: e quais eram os meios, comque se-moviam, as
paixoens do-animo. De que naceo esta arte, a que chamam Retorica:
que é quazi tam antiga, como a Filozofia; quero dizer, que comesou a
florecer, despois da-metade do-quarto milenario. Agradou esta erudisam
aos Romanos, que se-reguláram polo mesmo metodo: e tanto se-entregáram
a ela, que, se nam excedèram aos Gregos, na ciencia; sem duvida
excedèram-nos na aplicasam, e exercicio: porque na verdade chegáram a
namorar-se, da-sua galantaria, e utilidade. Dos-Romanos a-recebèram os
outros Povos, e Nasoens: entre as quais as que mostráram mais juizo,
aplicáram-se a ela com cuidado, polos mesmos motivos.

E, na verdade, nam á coiza mais util, que a Retorica: mas nam á alguma,
que com mais negligencia se-trate, neste Reino. Se V.P. observar, o
que os mestres ensinam nas escolas, achará, que é uma embrulhada, que
nenhum omem, quanto mais rapaz, pode intender. Primeiramente, ensinam
a Retorica, em Latim. Erro consideravel: porque nada tem a Retorica,
com o Latim: sendoque os seus preceitos compreendem, e se-exercitam em
todas as linguas. Daqui nace o primeiro dano, que é, que os rapazes
nam a-intendem, porque ainda nam intendem Latim: e nace tambem o
primeiro engano, que é, persuadirem-se os ditos rapazes, que a Retorica
só serve, para as orasoens Latinas. Asim me-respondèram muitos, nam
sò rapazes, mas tambem sacerdotes. Do-que eu conclui, que saiem
da-Retorica, como nela intráram: e examinando as Retoricas, que eles
aprendem, fiquei tambem persuadido, serem elas tais, que nam podiam
produzir, outro fruto.

E, valha a verdade, nam só os rapazes que estudam, mas nam sei se os
mesmos mestres, vivem persuadidos desta razam: porque observo, que
falando-lhe muito, em exemplos Latinos, nam se-servem dos-vulgares,
para mostrar o artificio da-Retorica. Como se os preceitos só servisem,
para compor Latim, e orasoens estudadas: ou como se nas linguas
vulgares, nos-discursos familiares, nam pudesem ter lugar, os preceitos
da-Arte! E com isto ficam novamente persuadidos os estudantes, que só
para orasoens Latinas, serve a Retorica.

Mas por-pouco que se-examine, o que é Retorica, acharseá, que é _Arte
de persuadir_: e por consequencia, que é a unica coiza, que se-acha, e
serve no-comercio umano; e a mais necesaria para ele. Onde quem diz,
que só serve para persuadir na cadeira, ou no-pulpito; conhece pouco,
o que é Retorica. Confeso, que nos-pulpitos, e cadeiras faz a Retorica
gala, de todos os seus ornamentos: mas nam se-limita neles: todo o
lugar é teatro para a Retorica. Nam agrada um livro, se nam é escrito
com arte: nam persuade um discurso, se nam é formado com metodo.
finalmente uma carta, uma resposta, todo o exercicio da-lingua,
necesita da-diresam da-Retorica. A mesma Filozofia, serve-se utilmente
da-elegancia. A Teologia tem necesidade dela; porque (como adverte um
omem douto) nam pode explicar as verdades espirituais, que sam o seu
objeto, senam vestindo-as de palavras sensiveis, com que as-persuada.
A Lei ou Civil, ou Canonica, nam se-pode dispensar, da-Retorica.
Como á-de orar um Advogado, informar o Juiz, defender o Reo; se ele
nam sabe, em que lugar devem estar as provas, ou de que prova á-de
servir-se, para aclarar a verdade da-sua cauza, e excitar os afetos
do-Juiz? Como á-de compor uma escritura, se ele nam sabe, o metodo
de a-tecer, de dilatar os argumentos, e servir-se das-suas proprias
razoens?

O discurso de um omem despido de todo o artificio, nam pode menos, que
ser um Cahos. Poderá ter boas razoens: excogitar provas mui fortes:
mas se as-nam-sabe dispor com ordem, quem poderá intendèlo? quem
se-persuadirá delas? A dispozisam das-partes, dá nova alma ao todo:
convida a conhecer as proporsoens: mostra a relasam e dependencia, que
umas tem das-outras: coloca na sua justa proporsam, o que de outra
sorte nam se-poderia intender. Os diamantes, os rubis, e outras pedras
preciozas sam belas, e servem de grande ornamento: mas segundo o lugar
em que estam. Encastoadas com artificio, mostram toda a sua galantaria,
e dam novo lustre à mesma prata, e oiro que as-rodeia; e ornam muito
as pesoas, que as-trazem: postas porem sem ordem em um monte, ou
misturadas com outras pedras, nam parecem preciozas, mas ou pedras
groseiras, ou cristais. Os astros, que compoem a beleza do-Universo,
nam tem em si mesmos, beleza alguma: mas a proporsam os-faz vistozos.
Quem vise a Lua de perto, acharia um globo, sem diversidade alguma
deste terreste: o mesmo digo, dos-outros planetas opacos. Quem
examináse de vizinho o Sol, nam veria mais, que uma fogueira: o mesmo
digo, dos-outros igneos. Mas todos estes vastos globos, postos na sua
justa proporsam, fazem tal efeito, mostram tam extraordinaria beleza;
que é um famozo argumento, para ver, a suprema mam que os-criou. O Sol
posto no-centro do-Universo, segundo a ipoteze (que agora suponho) de
Copernico, dá luz aos mais planetas, alma ao Mundo, vigor à terra,
utilidade aos omens, e gloria ao seu criador. Se se-chegáse mais
vizinho a nós, queimaria tudo: e acabava-se o Mundo. E eisaqui o
efeito, da-boa proporsam e ordem.

Um omem douto advertidamente chamou à Retorica, a _Perspetiva
da-razam_: porque na ordem inteletual faz o mesmo, que a Perspetiva,
nas distancias locais. Em uma taboa liza, ideia a pintura um palacio,
com imensa profundidade: e muitas vezes com tal artificio, e tam
semelhante ao natural, que se-enganam os olhos. Nam sam as cores
que originam, esta delicioza equivocasam; porque com uma só cor,
se-consegue o mesmo intento: mas a dispozisam das-partes, o saber
pór cada uma na sua justa distancia, o saber-lhe dar as sombras, com
proporsam da-arte, produz este maravilhozo efeito: e faz que eu veja,
reconhesa, e admire, o que de outra sorte nam poderia ver. Este mesmo
é o cazo da-Retorica. Ela tem forsa tal, que me-obriga a descobrir, o
que eu de outra sorte nam verîa. Os materiais podem ser simplezes, as
razoens mui singelas; mas a dispozisam delas fará efeitos tais, que
sem ela nam se-conseguiriam. eu verei, e intenderei, o que sem ela nam
é facil intender. Ora de toda esta doutrina se-conclúe, a extensam
da-Retorica: porque sendo ela a que dá alma, a todos os discursos; e
novo pezo, a todas as razoens; fica claro, que tem lugar em toda a
parte, em que se arrezoa e discorre.

Dirmeám, e ja mo-diseram alguns, que este discurso é dirigido, a
introduzir um estilo afetado nas conversasoens; e carregar todos com
o pezo, de falar por-_tropos_ e _figuras_: nam proferir discurso, que
nam seja segundo as regras da-arte: cuja afetasam é pior, que falar
sem Retorica. Mas esta objesam é igualmente distante, da-boa razam,
que do-meu intento; e é unicamente fundada, em nam saber, que coiza
é Retorica. Permita-me V.P. que eu me-dilate alguma coiza, neste
particular, para explicar o que digo, o que devo, e livrar a muita
gente, deste prejuizo.

Os rapazes, que estudam nestes paîzes, nam sabem nada de Retorica,
porque lha-nam-ensinam: Os que sam adiantados, e continuáram os
estudos, sabem ainda menos; porque bebèram principios, tam contrarios à
boa razam, que ficam imposibilitados, para se-emendarem. Em todo este
discurso protesto, que nam falo daqueles omens, que com raro juizo, e
fina critica se-dezenganáram, das-preocupasoens comuas, e seguem outra
estrada: dos-quais eu conheso alguns: falo somente do-Comum, e falo
fundado nas suas obras: nas quais se-reconhece a verdade, de quanto
digo. Estam todos persuadidos, que a Eloquencia consiste na afetasam,
e singularidade: e, por-esta regra, querendo ser eloquentes, procuram
de ser mui afetados nas palavras, mui singulares nas ideias, e mui fóra
de-propozito nas aplicasoens. Tem V.P. mui belo exemplo nos-sermoens:
que eu, para maior clareza, dividirei em varias especies.

Encomenda-se um sermam v.g. de Exequias, de um General. O meu bom
Pregador mostra aqui, todo o seu ingenho, e eloquencia. Saie logo um
texto da-Escritura, para tema: e á-de ser do-testamento Velho, porque
á-de ser profetico. No-sermam mostra o Pregador, que estava revelado,
na escritura da-Antiga igreja, que aquele General avia fazer famozas
asoens: e nam só asoens _in genere_ eroicas, mas especialmente estava
revelado, que avia ganhar a batalha do-Canal, ou das-Linhas de Elvas.
E isto estava profetizado, com tanta individuasam, que nam se-podia
dezejar mais. Despois, vai recolhendo as outras profecias, da-vida
daquele General. Mostra, que a batalha de Saul contra os Filisteos,
era figura da-grande batalha, que o seu eroe ganhou. Se sucedeo, que
nesta batalha algum piquete, dése principio à asám; se era em partes
montuozas; nam deixa de observar, que tudo iso tinha ja sucedido a
Jonatas, e ao seu escudeiro: onde vem, que até aquela circunstancia,
estava profetizada. Pasa adiante, e comesa a levantar, e requintar
pensamentos. Diz, que o seu eroe, era maior que Saul, nam só de corpo,
mas tambem de animo: que era mais afortunado que David: mais prudente
que Salamam: E se nam á logo um texto claro, com que se-prove isto, nam
falta um expozitor, que diga uma palavra, da-qual o Pregador conclue
manifestamente, que o texto nam se-pode intender, de outra sorte.

Daqui pasa um pouco mais para baixo. Mostra, que Alexandre Magno, em
sua comparasam, era um ridiculo: que o seu eroe tinha um corasam, ao
menos, como metade da-America: que fez coizas, que a ninguem vieram
à imaginasam: e que somente a ele se-pode aplicar o, _Siluit terra
in conspectu ejus_. Se tem alguma noticia de-Istoria, nam deixa de
mostrar, que Julio Cezar, Paulo Emilio, Quinto Fabio, Anibal, Pirro,
&c. podiam ser seus dicipulos. E outras coizas destas, que se o dito
General fose vivo, e as-ouvise, nam podia deixar de envergonharse, de
tal panegirico. Isto quanto ao asumto. Quanto à dispozisam: Despois
de um grande exordio, e comumente improprio, divide o sermam em trez
pontos: raras vezes em dois: rarisimas conclue com um só discurso.
Promete mostrar em cada um, que o seu eroe teve uma singularidade, a
maior do-mundo: o que tudo quer tirar, da-Sagrada escritura. Pede a
grasa, paraque Deus lhe-inspire, o que deve dizer, em materia de tanta
importancia: e prosegue o sermam, na fórma dita.

Se pois as exequias sam de Molher, saie logo, o _Mulierem fortem quis
inveniet?_ e nam a-tendo achado o Sabio, afirma ele, que a gloria de
achar esta mulher, estava rezervada à sua diligencia. E, aindaque a
Senhora fose Religioza, e de animo pacifico; nam pode deixar de intrar,
o fato de Judita; em que ele mostra, que a dita Senhora é Judita: a sua
espada eram as diciplinas, e cilicios: Olofernes era a figura do-mundo,
que ela matou, e prostrou com facilidade, &c. Mas como na escritura
Antiga, á poucos exemplos de molheres eroicas, recorre logo à Nova, e
la vai buscar, a Molher do-Dragam, e outras destas figuras. Finalmente,
discorre das-virtudes da-dita Senhora, polo estilo das-do-General.

Nam me-negará V.P. que esta é a pratica deste Reino: porque
lhe-mostrarei, muitos livros impresos, em que se-acham estes sermoens;
e de omens que tiveram, e conservam grande fama. Progunto agora: acha
V.P. que isto é pregar? que é saber discorrer? que é ser eloquente? Em
primeiro lugar, o tema da-Escritura, e as provas tiradas dela, sam erro
de toda a considerasam. Estes Pregadores nam devem ter lido, o concilio
de Trento[30], que proibe, uzar das-palavras sagradas, aplicadas a
coiza profana: nam devem saber, que é expresamente proibido, explicar
a Escritura, senam segundo a expozisam, dos-SS.PP. da-Igreja. Concedo,
que um expozitor moderno, disèse alguma propozisam, que se-pudese
aplicar ao asumto: por-iso ei-de seguila? quantos destes expozitores,
nam vemos todos os dias, que nam sabem o que dizem? que omem prudente
faz cazo, de semelhantes escritores, que nam fundam a sua expozisam, na
doutrina da-Igreja? Despois diso, quem poderá defender aquelas provas,
tiradas da-Escritura? Ou quer o Pregador dizer, que os fatos da-Antiga
igreja, eram figura do-seu asumto; e esta é uma propozisam temeraria,
por-nam lhe-dar outro nome; e contraria à comua doutrina dos-Padres,
e da-Igreja: ou nam se-persuade disto; e nam se-livra da-censura,
fulminada por-muitos canones, por-abuzar imprudentemente, de palavras
sacrosantas. Porque eu nam acho, que semelhante aplicasam seja outra
coiza mais, que aplicar com grande irreverencia, umas palavras santas,
a um sentido, para que nam foram proferidas: e a um sentido indigno,
profano, e falso: que é o mesmo, que condena o Concilio.

Respondem alguns, que isto quando muito prova, que a aplicasam nam
é boa; por-ser de coiza sagrada, a uma profana: mas nam prova, que
no-sermam nam se-observáram, os preceitos da-Oratoria. Mas esta
mesma resposta mostra, que nam intendem, que coiza é Retorica. Se a
Retorica é arte de persuadir, quem mais se-persuadio com provas, que
nam fazem ao cazo? Que omem de juizo á-de intender, que aquele General
foi grande, porque Saul o-foi tambem? que parentesco tem uma coiza,
com outra? E como a obrigasam daquele panegirista seja, mostrar,
e engrandecer, as virtudes do-seu eroe; todas as provas que tirar
da-Escritura, nam concluem para o seu intento. Conheso, que alguma
vez se-pode alegar, um paso da-Escritura, damesma sorte que se-cita
um paso, da-istoria Profana: porque a istoria da-Escritura, tambem na
materia de Politica ensina muito: mas neste sentido nam se-servem,
os Oradores deste Reino, como é coiza notoria: porem sim, no-sentido
de profecia. Se pois aquele paso, nada faz ao cazo, com que razam
o-alega? Pode-se chamar Orador, um omem que se-funda em razoens, que
nam conduzem, para o seu intento? Temos ja, que a este omem falta, a
principal parte de Orador, que é _Inventio_: o saber buscar razoens
proprias, para o seu intento, e que pròvem o que ele quer. Peca logo na
aplicasam: e niso mesmo peca, contra a Retorica.

Suponha V.P. que da-outra parte estava outro Orador, que respondèse
aos argumentos. suponha que o cazo sucedia no-Egito, aonde antigamente
se-expunham os cadaveres, diante dos-juizes, para serem julgados. Um
publico acuzador, referia todos os defeitos, e respondia aos louvores,
que nam eram fundados. Se o omem era de boa fama, dava-se a sentensa a
seu favor, e enterrava-se com onra e panegirico, acompanhado de grandes
louvores do-Povo: se era condenado, privava-se de sepultura, e a sua
memoria ficava abominavel[31]. Que coiza julga V.P. que diria o noso
Pregador, neste cazo? parece-me, que ficaria convencido de falsidade, o
Orador; e envergonhada a fama do-eroe, que ele nam soubera defender.

Ora esmeuce V.P. as mais partes daquele sermam, e verá quantas faltas
de Retorica, ali se-incontram. Que má dispozisam dos-argumentos! que
arrastada confirmasam das-provas! Isto é supondo, que o paso que ele
cita, tenha alguma semelhansa, com o que quer provar. Mas nam ve V. P.
quantas coizas os Pregadores inculcam, que de nenhum modo se-seguem,
do-texto? Este é o segundo ponto, que nam me-parece de pouco momento,
nesta materia: e isto melhor se-conhece, quando querem esquadrinhar,
as palavras dos-Profetas, ou dos-livros cientificos. Primeiramente
tomam umas palavras troncadas, (que se fosem inteiras, eram contrarias
ao asumto) e delas deduzem o seu pensamento. E que diz V.P. a este
modo de comentar? parece-me que isto é aquilo mesmo, a que, em bom
Portuguez, se-chama, impostura: porque é tirar pensamentos de um texto,
que nam diz tal coiza. Despois, recorrem a um expozitor, ou S. Padre,
o qual talvez guiado do-furor do-seu zelo, ou com exceso retorico,
dise alguma propozisam, que, para nam ser erezia, é necesario tomála
muitos furos abaixo, do-que soa: no-que concordam todos os Criticos, e
Teologos. Aqui o meu Pregador, sem perder nem menos uma silaba, traduz
a propozisam como se-acha: e nela Levanta uma machina de paradoxos,
com que pertende provar, coizas mui verdadeiras, e sezudas. Nam cito
exemplos, porque falo com V.P. que sabe mui bem, de quem eu falo. E
averá quem me-negue, que isto é faltar à Retorica? averá quem se-atreva
a dizer, que isto é saber elogiar? Se os argumentos sam verdadeiros,
sempre sam fóra do-asumto: se o-nam-sam, nam deixam de ser imposturas:
e nam sei qual destas, é pior falta de Retorica. Mas prosigamos o
exame, e vejamos o que fazem, nos-outros asumtos.

Saie um sermam de asám de grasas a Deus, por-algum grande beneficio
concedido; como saude, batalha &c. ou por-alguma asám má castigada,
com gloria de Deus; como o roubo do-Sacramento em S.Engracia, Ato
da-Fé &c. Intende V.P. que por-mudarem de asumto, mudam de metodo?
nam senhor: e a pratica mostra o contrario. O argumento dos-primeiros
dois sermoens deve ser, dar grasas a Deus, por-tam especial beneficio:
e excitar a piedade dos-Fieis, para que o-louvem, por-este favor que
fez. Este é o asumto: e a este fim deve o Pregador dirigir, todos os
seus particulares argumentos. Mas iso é o que ele nam faz. O que ele
cuida é, buscar algum conceito sutil, e singular, com que posa dizer
alguma novidade, e mostrar o seu ingenho. Eu li um sermam do * * * que
pertencia a uma destas clases: em que o Pregador, por-querer dizer
uma novidade teologica, dise uma erezia: que somente o-nam-foi na sua
boca, porque nam intendeo, o que dise: aindaque tivese bastantes anos,
ensinado Teologia. La achou porem um S.Padre moderno, que cuido fose
S. Bernardo, que lhe-deo materia ao conceito. Mas a verdade é, que o
dito S. que frequentemente uza de iperboles, nam dise literalmente,
o que ele supoz. Mas fose o que fose, o sermam teve mil aplauzos, e
impremio-se com onra * * *. Ja se-sabe, que a saude ou batalha, á-de
ser profetizada, na Escritura do-Antigo testamento, ou polo menos
do-Evangelho, e com sinais mui particulares: porque segundo estes
autores, nam á sermam sem tema sagrado; seja o que for. Se o tema nam
calsa bem, nam falta quem o estenda: que este é o comum refugio, de
todos estes senhores.

Contou-me pesoa mui verdadeira, que, achando-se em certa Cidade deste
Reino, sucedèra, que a molher de um tangedor de rabeca, fazendo voto
por-uma infermidade perigoza; quando se-vîra livre, quizera agradecer
ao Santo, o tal beneficio, com uma festa estrondoza, e com sermam. O
dito amigo conhecia o Pregador: e incontrando-se com ele, dise-lhe: Que
tema toma vosè? ao que ele respondeo, Ja tenho escolhido as palavras:
_Surge, ascende Bethel; fac ibi altare_ &c. Reproguntou o meu amigo,
Que conexam tem iso, com o que vosè quer dizer? ao que o Pregador
respondeo seriamente: O texto é otimo: porque que Jacob era rabequista,
iso provo eu logo, com dez expozitores. E com efeito o sermam, saio
semelhante à promesa.

Eu mesmo asisti uma vez a um sermam, de asám de grasas, porque Deus
concedèra chuva, despois de uma grande esterilidade. É necesario
advertir, que se-tinham feito varias procisoens, com imagens
milagrozas, semque Deus ouvise, os clamores do-Povo. Na ultima, leváram
um Cristo com a cruz; e sucedeo, que pouco despois choveo alguma
coiza. O meu Pregador, que tinha fama de grande letrado, prometeo
mostrar no-sermam, que a chuva nam podia vir, por-outro estilo. E
provou isto, com a nuvem de Elias: a qual asimque a pareceo, desfez-se
o ceo em tempestades. Mostrou pois, com dois expozitores modernos,
que aquela nuvem, era Cristo com a cruz às costas. Faltavam algumas
circunstancias, entre as quais era, a da-tempestade seguida; que ca
nam tinha exemplo. Remediou o omem a isto, prometendo em pouco tempo,
a tempestade. (o que podia seguramente profetizar; porque despois de
uma grande elevasam de vapores, uma vez que estes comesam a mover-se,
é claro, que ám-de cair) Sucedeo o cazo da-grande chuva: e o meu
Pregador, alem da-fama de Orador, saio com a de Profeta; que lhe-frutou
muito bem. Os que sabiam pouco, estavam pasmados, da-felicidade de
ingenho do-omem: mas um dos-que estavam no-confeso, e tinha pezado bem
o sermam, falou-me em diferente maneira. E destes sermoens, pudera eu
citar infinitos.

Se o sermam é do-dezagravo do-Sacramento, ja se sabe, que somente
pregará bem, quem mostrar, que á textos expresisimos, em que
se-declara, que no-ano N. sendo Bispo N. Mordomo da-festa N. às
tantas oras do-dia, avia suceder a dita coiza. Mas nam basta isto,
é porem necesario, algum novo pensamento, que comumente prova tudo
o contrario, do-que quer persuadir. E aqui devem intrar, todas as
outras circunstancias, que apontámos. Nam se-lembra o Pregador, que
o asumto sempre é o mesmo: que é, dar grasas a Deus, por-descobrir,
com altisima providencia, os sacrilegos: e com iso mostrar, a sua
mizericordia, mansidam, e justisa: e que este asumto sempre se-deve
inculcar, variando unicamente as palavras, com mais ou menos ingenho,
segundo o cabedal de quem fala. Nam adverte, que faria muito maior
impresam, pintar a atrocidade daquele delito, de uma parte; e da-outra,
as infinitas virtudes, que Deus quiz mostrar, naquele castigo. Nada
disto lembra ao Pregador. o que emporta é, subtilizar bem. Mas o
que dali se-segue é, sair o auditorio tam persuadido, da-pouca
capacidade do-Pregador, como pouco persuadido, do-que ele determinára
persuadir-lhe.

E que nam diz um destes amigos, quando se-lhe-encomenda um sermam
de Intrada, ou Profisam de Freira! Aquele sermam nada mais é, doque
um panegirico da-eleisam, e perseveransa da-Freira, e outras boas
qualidades; acompanhado de uma exortasam, para perseverar na virtude.
Isto é o que deve dizer o Pregador: mas isto é o que nenhum diz. O que
importa é, mostrar, que esta Freira era tanto do-agrado de Deus, que
mandou ao mundo um, ou muitos escritores Sagrados, para lhe-comporem a
vida, muitos seculos antes de nacer. Um amigo meu teve a incumbencia,
de um destes sermoens: e logo lhe-advertîram, que teria mui boa paga,
se acháse na Escritura, toda a vida da-Freira. Ela era Dominicana, e
mui devota do-Rozario: tinha sido Pupila alguns anos, no-dito Convento:
o sermam era na oitava da-festa do-Rozario. Ele, que somente queria um
bom prezente, tomou as palavras do-capitulo IV. do-Cantico: _Veni de
Libano sponsa mea, veni de Libano, veni: coronaberis._ Mostrou, que
a Freira tivera tres estados, de Pupila, Novisa e Profesa: e que a
cadaum conrespondia sua vocasam, e seu _veni_, com que Deus a-chamava,
por-boca de Salamam. Que o _Libano_, reprezentava o Mundo, donde Deus
a-chamava para o Claustro. _Coronaberis_, explicava a Religiam, que é
toda consagrada ao Rozario: e que no-mesmo Rozario, que é uma coroa de
rozas, achava o premio da-sua eleisam, e obediencia. Acomodou novamente
isto ao Rozario, dividido em misterios dolorozos, gozozos, e gloriozos;
cada especie dos-quais conrespondia, aos seus trez estados: o que ele
provou, com textos expresisimos. Desorteque a concluzam do-negocio foi,
que todas as circunstancias da-vida da-Freira, estavam profetizadas com
tanta clareza, por-Salamam; que qualquer cego reconheceria, que aquele
texto somente falava, da-Senhora D. Fulana, filha de Fulano, moradora
em tal parte, Freira em estoutra, &c. O que eu sei é, que toda esta
metafizica frutou, cinco moedas, e um bom prezente: e que as Freiras
nam cabiam na pele de contentes. E isto sucede todos os dias: e alguma
vez eu o-tenho prezenciado, nestas festas.

Se o sermam é do-Ato da-Fe, comumente declinam para dois extremos: ou
nam chegam a dizer, o que devem; ou dizem muito mais, do-que nam devem.
O Santo Oficio justamente manda pregar, àqueles omens penitenciados,
para os-alumiar na sua cegueira: e esta é uma ideia sacrosanta. Mas
eu nam sei, se os tais Judeos ficam persuadidos: o que sei é, que
os sermoens que eu leio, nam sam proprios, para os-persuadir. Avemos
asentar em primeiro lugar nisto, que estes Judeos Portuguezes, sam
ignorantisimos diso mesmo, que querem profesar. Nam sabem mais, senam
que o Sabado se-deve guardar: e outras noticias gerais. de lingua
Ebraica nada sabem: menos de Caldaica: que sam as duas linguas, em
que estam escritos, os ritos e costumes Judaicos. Isto é sem duvida:
e quem ouve os procesos, conhece claramente, qual é a sua ignorancia
neste ponto. Quanto à ignorancia dos-ritos Judaicos, nam é necesario
alegar, testemunhas Orientais, nem ir buscar os Rabinos, _Maimonides_,
_Jacob Baal-aturim_, _Joseph Caro_ &c. basta que V. P. leia o
_Sigonio_, _Menochio_, _Cuneo_, _Reimero_, _Spencero_, que escrevèram
eruditamente, _de Republica Hebræorum_: ou algum dos-outros, que
tratáram das-escolas, e ritos, como _Selden_, _Godvvin_ &c. e ficará
mui bem persuadido, que estes seus Portuguezes, nam sabem que coiza é
ser Judeo: e sam Judeos, mais por-genio depravado, que por-erudisam.

Isto suposto, alguns Pregadores, como o Cranganor, para mostrarem a sua
erudisam Rabinica, entram em certas materias dificultozas, e procuram
noticias mui particulares, tiradas dos-que impugnáram os Rabinos; para
mostrarem aos Judeos, o seu ingano. Copeiam fielmente, toda a noticia
que se-lhe-oferece, na tal materia: nam sem se-inganar algumas vezes,
como sucedeo ao dito Cranganor; que por-nam ter inteligencia, das-ditas
linguas, nem da-istoria Judaica, nem ter nunca aberto o Talmud;
servio-se algumas vezes de argumentos, que tem mui boas respostas.
(devemos confesar em obzequio da-verdade, que entre os Ebreos
ouveram sempre, omens mui doutos, que propuzeram tais dificuldades
sobre a Escritura, que fazem suar muitos Catolicos doutisimos, para
lhe-responder. onde sem exquizita erudisam, é melhor nam tocar,
semelhantes materias) Finalmente à forsa de ajuntarem noticias, em
lugar de um sermam, fazem um tratado _Contra Judæos_. O que digo,
com boa paz do-dito Arcebispo, e seus apaixonados: porque nam quero
diminuir-lhe a estimasam: mas somente trazelo para exemplo, do-que
aponto.

O que se-segue daqui é, que com todo este trabalho, nem fazem sermam,
nem podem persuadir; pois nam proporcionam as provas, ao asumto. Porque
inculcar erudisam Rabinica, a omens totalmente ignorantes destas
materias, é manifestamente zombar do-seu emprego, e do-auditorio: e
tanto vale isto, como se lhe-pregasem em Persiano, ou discorresem em
diferente materia. Alem diso, á grande diversidade, entre uma disputa,
e um sermam; entre uma disertasam, e uma exortasam: e perde o seu tempo
e a sua fama, quem confunde estes dois nomes, e o significado deles.
Ora eisaqui tem V. P. o que fazem estes, com quererem dizer muito.

Os outros, que asima apontamos, seguirem diversa estrada, nam sei
se os-chame, mais condenaveis. Estes sam aqueles, que querem pregar
aos Judeos, polo estilo dos-outros sermoens, com conceitos sutis, e
pensamentos exquizitos. E nam é necesario muito para intender, que se
os Catolicos Romanos, que estudamos aquela doutrina, que eles inculcam;
os-nam-intendemos, e nos-dezagradam muito; que coiza sucederá, aos
Judeos? Ouve às vezes V. P. propor um asumto, que parece ao intento:
segue com o pensamento, o Pregador no-seu discurso: e quando nam
se-precata, este o-dezempára, e infere uma consequencia tal, que obriga
a rir. Seguro a V. P. que, tendo lido alguma coiza nesta materia, e
tendo observado muito; somente neste genero achei, um sermam Portuguez,
que se-pudese ler: aindaque tambem carregava no-silogismo, e intrava
bem dentro na Metafizica: mas foi o que vi menos mao.

Mas, colhamos as velas, parece a V. P. que este modo de pregar é
louvavel, ou toleravel? parece-lhe, que está fóra da-jurisdisam, de
uma arrezoada critica? O nam proporcionar as provas ao auditorio, ou
seja dizendo-lhe, o que eles nam chegam a intender; ou falando-lhe com
ideias, de que ninguem se-pode persuadir; é erro da-primeira esfera.
Temos outro modo de pregar, aos Ebreos idiotas, deixando de parte,
toda a verdade especulativa, e servindo-se unicamente, de exemplos
sensiveis: os quais, bem discorridos, produzem efeitos, que talvez
se-nam-alcansam, com erudisam mui exquizita.

De todos os argumentos, que se-oferecem para persuadir, a extinsam
da-Antiga igreja, deve o orador escolher, os menos embrulhados; e
persuadilos, com a forsa da-sua eloquencia. Niso é que consiste a
arte, em dilatar os argumentos, que nam sam reconditos. A vinda de
Cristo ao mundo, é oje bem clara: e para o-ser mais, é necesario ter
cuidado, em dispor os-argumentos, e fugir das-sutilezas. Nam á verdade
mais notoria, que a existencia de um Deus: e é observasam dos-melhores
Filozofos, e Teologos, que os antigos Padres para a-provarem, nam
se-serviam de sutilezas inauditas: mas contentavam-se com a prova mais
trivial, que é, a existencia do-Mundo, e principalmente deste noso
globo terreste. Esta unica prova, bem explicada e esmeusada, convenceo
o intendimento umano muito mais, doque nam fizeram, despois do-undecimo
seculo, todas as sutilezas dos-Dialeticos: e ainda oje os melhores
Filozofos asentam, que só nela nam se-acham sofismas. Isto é ao que nós
chamamos, saber conhecer o merecimento das-provas, e saber manejar a
eloquencia. Mas os nosos Pregadores, intendem o contrario: e só cuidam
em procurar ideias, que a ninguem tenham ocorrido: e por-iso nacem
aqueles sermoens, de que o mundo Literario se-ri.

A outra especie de sermoens, em que com mais facilidade, se-dizem
despropozitos, sam os Panegiricos de Santos. Esta especie compreende,
muitas sortes de sermoens: nos-quais á infinitas coizas, que condenar.
Ouvirá V. P. coizas, que cauzam orror. v.g. Devem pregar um sermam de
S. Antonio: em que deviam referir, as virtudes do-Santo: ilustrálas
com o artificio da-Retorica; para animar os fieis a imitálo. Mas isto,
que era a obrigasam do-Panegirista, parece coiza mui trivial, aos
Pregadores modernos. Julgariam que ficavam dezacreditados, se-dizesem
só esta verdade. É necesario levantar machina: e fazer uma trepesa,
composta de mil ridicularias. Dividem pois o sermam, nas-trez partes
solitas: em cada uma das-quais prometem provar coizas, que nada tem
de verosimel. v.g. Que S. Antonio nam foi omem, mas anjo: e a este
seguem-se outros pontos, damesma especie. Concluem pois, que se a
Fé nam estudáse cautelas, chegariam a dizer, que se equivocava com
Deus. Eu tenho ouvido isto, algumas vezes: e contou-me pesoa de muita
autoridade, que ouvira ele mesmo, em certa Cidade do-Reino, propor
estes trez pontos: Que o Santo de que pregava, era grande omem: grande
anjo: e grande Deus. e que tudo isto avia de sair, do-Evangelho. E
segurou-me a dita pesoa, que, ouvindo isto, saîra da-igreja, sem querer
esperar polas provas: tam escandalizado ficou!

Lembra-me ao intento, o que escreve um autor, mui acreditado em
Portugal. Pregava ele de S. Antonio, com o costumado tema, _Vos
estis lux mundi_: e querendo dizer alguma coiza singular, tirou este
asumto: ==_Que uma vez que S. Antonio naceo em Portugal, nam fora
verdadeiro Portuguez, se nam fora luz do-mundo. porque o ser luz
do-mundo nos-outros omens, é só privilegio da-Grasa: nos-Portuguezes, é
tambem obrigasam da-Natureza_==.Pareceo-me argumento nam só singular,
mas inaudito, querer fazer que os Portuguezes, fosem Apostolos
por-natureza: muito mais, porque se o Pregador prováse o que prometia,
tam longe estava, de fazer ao Santo um Panegirico, que lhe-preparava
uma Satira: e desmentia com as suas provas, aquelas singularidades,
que queria descobrir no-Santo: pois quando muito se-diria, que pregava
de todos os Portuguezes. Com esta opiniam examinei as provas: as quais
se-reduziam a isto. Que Cristo constituira os Portuguezes, Apostolos
das-Nasoens estrangeiras: e que asim o-prometèra, a El-Rei D. Afonso
I. e, como se nam ouvèse, quem negáse tal coiza, chama-lhe _verdade
autentica_. A isto acrecenta, uma profecia de S. Tomé, (nam sei em
que archivo a-achou) que os Infieis se-conquistariam na India, com as
armas de Portugal: nam com as de ferro, mas com as do-escudo, que sam
as Quinas: as quais Cristo, diz ele, deu aos Portuguezes, por-armas.
E como S. Antonio era Portuguez, avia conquistar Infieis, como fez: e
avia conquistálos com as Quinas: que nam só de Portugal, mas tambem sam
as armas, da-minha Religiam.

Pareceo duro ao Pregador dizer, que os Indios se-aviam conquistar
com as _Quinas_, e nam com as espadas: mas a isto, achou ele genuina
solusam, na saida que os Ebreos fizeram, do-Egito. Pondéra, que,
sendo-lhe proibidas as armas, diga a Vulgata[32]: _Armati ascenderunt
filii Israel de terra Aegypti_==. Examina pois, que armas eram estas:
e logo as-acha, no-original Ebreo, que diz: _Ascenderunt filii Israel
quini, & quini_== A sim, diz o Pregador, saîram os Ebreos com _quinas_;
pois esas lhe-servirám de armas, _ascenderunt armati_. Confirma isto,
com as cinco pedras de David, das-quais afirma, que eram as cinco
chagas de Cristo, tiradas da-torrente do-seu sangue, com as quais
derrubou o gigante. Esta é a virtude das _quinas_. Por-iso S. Antonio
seguio as bandeiras das-_quinas_, para mostrar que era Portuguez,
derrubando com elas, o Filisteo da-Erezia. Até aqui o Pregador.

Esta em sustancia é a primeira prova do-dito sermam; na qual achará V.
P. materia, para mil reflexoens. Deixo as istoricas, pois é bem claro,
que sam mui ligeiras provas, para afirmar tal paradoxo. Esta aparisam
ao Rei D. Afonso: a redoma de vidro cheia de olio, que veio do-Ceo a
Clodoveo: e outras destas coizas, que se-acham nas istorias, sam boas
para divertir rapazes: e os Criticos as-conservam todas, no-mesmo
armario, em que guardam as penas da-Fenix. Mas nam poso perdoar-lhe, a
má interpretasam, e aplicasam do-texto. Este autor certamente nam leo o
texto Ebreo, ou se o leo, nam o-chegou a intender: porque o texto diz
uma coiza, muito diferente, doque ele supoem. É verdade, que o texto
Ebreo serve-se de uma palavra,[33] que em Latim quer dizer, _Quintati_:
como se diseramos, de _cinco em cinco_: mas este modo de falar nam
é proprio; é translato, e deduzido do-estilo belico. Donde vem, que
explicando os antigos Ebreos, a dita expresam, asentam todos que quer
significar, _armados_. Só diversificam, para explicar particularmente,
a forsa da-dita palavra. _Kimchi_ diz asim: _Cingidos de armas, na
quinta costa._ outros explicam: _Cingidos com cinco generos de armas._
_Sepharadi_ verte: _Quinque turmis ascenderunt, sub quatuor vexillis.
Nam Moises cum senioribus Israel, in medio quatuor turmarum manebat._
Alem diso, todos os omens mais doutos na lingua Ebreia, expondo a dita
expresam, despois de porem o termo proprio e literal, que é _Quintati_,
acrecentam, id est, _Accinti_, _Expediti_: que é o mesmo que, _Armati_,
_Parati_. Desorteque com grandisima advertencia, o tradutor da-Vulgata
dise, _Armati_. E quer dizer o Ebreo, que os Israelitas saîram armados,
e em fórma de batalha; promtos para acometerem, e se-defenderem. E isto
é coiza certa, entre os doutos.

O que suposto, veja V. P. que parentesco tem isto, com as _quinas_.
Alem diso, suponhamos que verdadeiramente se-devia intender, de
_cinco em cinco_: que tiramos daqui para o intento? poderia dizer o
texto, que îam _quini, & quini_: mas nunca dise: _ideo armati, quia
quini & quini_: e é pesima Logica aquela, que de duas coizas sem
conexam, tira tal consequencia. Tambem é falso dizer, que os Ebreos
saîram dezarmados: quando lemos o contrario: pois nam só as batalhas
que deram, mas as obras que fizeram no-campo, mostram bem, que nam
só armas, mas toda a sorte de instrumentos, leváram do-Egito. Ja
nam falo na aplicasam da-profecia, a S. Antonio: pois se S. Tomè
falou das-Indias, que tem isto que fazer, com S. Antonio, que pregou
na Europa? Nam falo nas pedras de David, cuja aplicasam tem tanta
proporsam, como á entre um, e cinco.

Isto que unicamente disemos, basta paraque V.P. intenda, o conceito
que se-deve fazer, de semelhantes sermoens: os quais nada mais sam,
que um mero jogo de palavras, sem verdade, nem verosimilidade alguma:
e que se-desfazem em vento, quando, se-examinam de perto. Eu parei
no-primeiro ponto: avia ainda quatro que examinar: mas eses deixo eu, à
sua considerasam. Ora intende V.P. que o Santo fica elogiado, com tal
panegirico: que o auditorio ficará persuadido: que o Orador merece ser
louvado, por-tal sermam? Sei a resposta que V.P. me-á-de dar, porque
sabe dar às coizas, a sua justa estimasam: mas nem todos sam do-seu
parecer. e apostarei eu, e V.P. nam mo-negará, que mais gente estuda,
polo tal autor, doque pola Escritura, e SS. Padres.

O mesmo autor em outra parte, devendo pregar de S. Bartolomeo, e
sucedendo isto em uma Cidade, em que se-estava para eleger, um grande
Prelado, que nam tinha conexam com a festa; tomou por-tema estas
palavras, _de S. Lucas_: _Elegit duodecim ex ipsis, quos & Apostolos
nominavit_: e em vez de pregar de S. Bartolomeo, pregou das-obrigasoens
das-eleisoens: sem dizer em todo o corpo do-sermam, uma só palavra de
S. Bartolomeo. No-ultimo paragrafo, lembrou-se da-sua falta: e, para
remediar o cazo, diz mui secamente, que tudo o que disera, se-devia
aplicar, ao dito Santo. Porque sendo ele o sexto Apostolo, estava no
meio, que é o lugar de mais autoridade: E a razam disto era, porque
conrespondendo ele à 6.^a pedra da-nova Jeruzalem, que era o _Sardio_;
esta no-Racional de Aram, era a primeira: onde ficava claro, que o
sexto Apostolo, devia ser o primeiro. Acha nova semelhansa entre S.
Bartolomeo, e o _Sardio_: porque esta, segundo Plinio, é de cor de
carne viva: e conseguintemente, um belo retrato de S. Bartolomeo,
que ficou em carne viva, e sem pele. E tornando das-peles vivas, às
eleisoens, acaba o sermam, damesma sorte que o-comesou.

Progunto agora: que outra coiza avia ele dizer, se pregáse
das-eleisoens? Nam ignora V.P. que os sermoens panegiricos, pertencem
ao genero _demonstrativo_; e quem jamais pode sofrer, que um Orador,
que deve elogiar Pedro, faláse de Paulo? Julga V.P. que se-pode chamar
justa digresam, nam falar uma palavra no-asumto, para se-meter
em materîa alheia; e que por-titulo nenhum pertencia ao Pregador?
Mas examinemos ese pouco que diz, de S.Bartolomeo: eu nam acho ali
coiza, que nam seja inverosimel. Aquilo de querer, que S. Bartolomeo
fose criado Apostolo na 6.ᵃ eleisam, é falso; porque tal nam diz o
Evangelho. O que eu acho no-Evangelho é, que Cristo, despois do-jejum
de 40. dias, pasando defronte de Joam, e dizendo este: _Ecce Agnus
Dei_: dois seus dicipulos seguîram Cristo: um deles era André, que
incontrando de tarde, seu irmam Simam, o-conduzio a Cristo. No-dia
seguinte Cristo chamou Filipe: e este, incontrando Natanael, convidou-o
para seguir Cristo. Pouco despois, tornando Cristo de Cafarnaum,
tornou a chamar Simam, e André; que provavelmente se-tinham apartado
de Cristo, para exercitarem o seu oficio: e nunca mais se-apartáram
dele: e no-mesmo caminho chamou Jacob, e Joam. Se pois Natanael é o
mesmo que Bartolomeo, como alguns doutos modernos[34] conjeturam, com
muito fundamento; em tal cazo é o 4.ᵒ eleito: ou o segundo, fazendo
outra contra. Se Natanael é diferente de Bartolomeo, como diz S.
Agostinho[35], e Gregorio Magno[36], neste cazo devemos confesar, que
nam sabemos, quando foi chamado Bartolomeo. O certo é, que o Evangelho
nam explica, circunstancia alguma da-sua vocasam, e da-sua vida, com o
nome de Bartolomeo. Nem menos da-Istoria temos, como morreo Bartolomeo;
avendo grande disparidade de pareceres: aindaque a mais comua é, que
morrèse esfolado. O motivo que teve o Pregador foi, ver que em S.Lucas,
despois das-ditas palavras, nomeia-se em 6.ᵒ lugar Bartolomeo: e asim
intendeo, que foram todos eleitos, naquela ocaziam. Um bocadinho que
soubèse mais de Istoria, lhe-pouparia este erro, tam censuravel em um
Teologo. Mas aindaque isto asim fose; nam bastava para lhe-chamar, a
6.ᵃ eleisam, por-ser uma só: e muito menos deveria esta circunstancia,
dar materia a um sermam.

A outra coiza, que o 6.ᵒ Apostolo fose mais nobre, que o primeiro,
é uma ideia nova: o que só poderia intender-se, se puzese-mos os
Apostolos em linha, ou dobrase-mos a linha em angulo. Despois diso
seguirseîa, nam que o 6.ᵒ era mais nobre que o primeiro: mas sim,
que 6.ᵒ e primeiro era o mesmo. E ja em lugar de XII. que entam
se-nomeiam, se-reduzem os Apostolos a XI. Tambem aquilo de querer, que
S. Bartolomeo seja maior, que S. Pedro, nam sei se se-pode sofrer. Mas
pior que tudo é o cazo, da-pedra _Sardio_. Se esta, por-ser de cor de
carne, se-chama _carnerina_, tanta semelhansa tem com Bartolomeo, como
com os mais Apostolos: porque todos eram de carne, e carne vivente. Mas
o noso Pregador fundou-se na palavra, _viva_: que aplicada à carne,
significa em Portuguez, (mas nam na lingua de Plinio) carne sem pele:
e daî é que tirou o pensamento: que, como asima dizia, se-reduz, a
um mero jogo de palavras. Este é o costume destes Pregadores: quando
se-examinam as suas provas, com sangue frio; nada mais sam, que um
mero trocadilho de palavras, sem verdade, nem ainda verosimilidade:
sem a qual é certo, que ninguem se-pode persuadir. Ora eu podia citar
destes exemplos, a milhares, e sem sair do-mesmo Pregador: mas é coiza
enfadonha, e tambem escuzada, para quem, como V. P., tem tanta pratica
destes panegiricos.

Se o panegirico é de N. Senhora, parece a estes tais, que nam á coiza,
que nam seja licito dizer, em obzequio seu: Sem advertirem, que a
Santisima Virgem, se-daria por-mais bem servida, sem tais sermoens,
com a simplez relasam, das-suas grandes virtudes. O pior é, que á
autores, que fomentam estes sermoens, com livros bem grandes compostos
ao intento, a que chamam conceitos predicaveis. Os Espanhoes abundam
muito disto: e ajuntam uma infinidade de paradoxos, que cuidam provar,
com algumas expresoens figuradas, que se-acham nos-SS. Padres. Achei
um Espanhol, chamado _Bartolomeo de los Rios_, que compoz um groso
volume, todo tecido destas iperboles. Ele prova, que N.Senhora é meza
do-Sacramento: é pam: é vinho: é Cristo em carne. finalmente diz
tanta coiza insolita, que nam sei como puderam vir à imaginasam, de
um omem prudente. E tudo isto tira de umas iperboles, de S. Anselmo,
Bernardo, e alguns asceticos mais modernos. Estranho modo de provar!
servir-se das-figuras de que uzáram os Padres, separálas do-contexto,
para provar uma propozisam absoluta. Se valèse esta Logica, e Retorica,
com as mesmas palavras da-Escritura, se-poderia provar muita coiza
falsa, e ridicula. Nós temos em S.Joam, uma iperbole bem famoza.[37]
_Sunt autem & alia multa, quæ fecit Jesus: quæ scribantur per singula,
nec ipsum, arbitror, mundum capere posse eos, qui scribendi sunt,
libros_==. Quem daqui quizese provar mui seriamente, que uma livraria
grande como o Mundo, nam compreenderia, todas as asoens de Cristo,
serîa louco: porque todos os Padres intendem o texto, iperbolicamente:
e a Escritura abunda muito, destas expresoens. O mesmo digo,
das-expresoens figuradas dos-Padres. Comque, semelhantes autores sam
a origem, de todos estes danos: porque os ignorantes, que nam sabem
distinguir o branco do-negro, servem-se de semelhantes livros, como de
oraculos.

Mas, sem buscar exemplos de longe, tornemos ao meu Pregador asima, e
verá V.P. provas bem eficazes, do-que lhe digo. Pregava ele da-Asumsam
da-Senhora, na igreja de N. S. da-Gloria; com o tema, _Maria optimam
partem elegit_. Protesta em primeiro lugar, que nam lhe-agrada coiza
alguma, do-que tem dito os PP. e Expozitores todos: e que quer, coiza
mais fina. Os Padres o mais que diseram foi: Que Maria escolheo a maior
gloria, entre todos os bemaventurados. o noso Pregador parecendolhe,
que, dizendo aquilo, diziam uma bagatela; sobe de ponto, e diz: _Que
a comparasam de gloria a gloria, nam se-deve fazer só, entre a gloria
de Maria, e a gloria de todas as outras criaturas umanas, e angelicas:
senam com a gloria do-mesmo Criador delas, a quem Maria criou. A
palavra_ optimam (continua ele) _a tudo se-estende: porque sendo
superlativa, poem as coizas no-supremo lugar: do-qual se-nam-exclue
Deus, antes se-inclue esencialmente. Neste tam remontado sentido
pertendo provar, e mostrar oje, que a gloria de Maria, comparada com
a gloria do-mesmo Deus; e fazendo da-gloria de Deus, e da-gloria
de Maria, duas partes; a melhor parte, é a de Maria_==. Até aqui o
Pregador.

Bastava a propozisam do-asumto, para provar o que digo: mas peso a V.
P. um bocadinho de sofrimento, para ouvir a expozisam, e a primeira
prova. _Aindaque a gloria de Deus_, (diz ele) _é infinitamente maior,
que a de Maria; a melhor parte que pode escolher uma maen é, que a
gloria de seu filho seja a maior. Como Maria é maen de Deus, e Deus
filho de Maria; mais se-gloreia a Senhora, de que seu filho goze, esa
infinidade de gloria, doque se a gozára em si mesma. E daqui se-segue,
que considerada a gloria de Deus, e a gloria de Maria, em duas partes;
porque a parte de Deus é a maxima; a parte de Maria é a otima_==.
Posto isto, prova com _Seneca_, _Ovidio_, _Plutarco_, _e Claudiano_,
que os Filhos podem vencer os Pais, em beneficios, e em gloria: e que
isto é, o que mais deve dezejar um Pai. De que conclue: _Que se entre a
gloria de Deus, e de sua maen, fora a escolha da-mesma Senhora, o que a
Senhora avia escolher para si é, que seu Filho a-excedèse, e vencèse na
mesma gloria; como verdadeiramente a-excede e vence_==. Despois disto
produz alguns Padres, que, escrevendo a diversas pesoas, dezejavam,
que os Filhos deles excedesem aos proprios Pais: traz outros exemplos
da-Escritura; e conclue com uma prova teologica, que diz o contrario,
do-que ele quer provar. Este o sermam em breve: no-qual nam á pouco,
que observar.

Primeiramente o asumto que tira é tal, que se tivese a infelicidade,
de o-provar direitamente, dizia uma erezia. cauza orror somente ouvir
propolo. A explicasam é pior, que o mesmo asumto. N. Senhora nam podia
escolher uma coiza, emque nam entra liberdade: como é, ser a gloria de
um tal filho maior, que a da maen: porque iso era necesario. Teve a
Senhora liberdade para aceitar, ou nam aceitar, o ser maen de Cristo:
mas nada, de liberdade, sobre a gloria. Na supozisam imposivel, que
à Senhora desem a escolher, o tomar para si a gloria toda do-Filho;
ou contentar-se de ter um filho, que a-tivese asim; eu nam sei o que
a Senhora diria: nem pertence ao Pregador, advinhálo. É verosimel,
que a Senhora nam deixaria de escolher para si, uma gloria de tanta
dignidade. Mas de supozisoens imposiveis, que omem prudente tirou
jamais, consequencias absolutas? Fica logo claro, que aqui nam
ouveram, duas partes de gloria: entre as quais a da-Maen fose maior,
que a do-Filho. E quanto a estas sutilezas metafizicas, nam provam,
nem concluem coiza alguma, quando se-á-de persuadir, alguma coiza
verdadeira.

Quanto à prova teologica, é ela tal, que me-envergonho saise da-boca,
de quem estudou Teologia. Propoem as palavras de S. Paulo[38]: _Non
rapinam arbitratus est, se esse æqualem Deo: sed semetipsum exinanivit,
formam servi accipiens, in similitudinem hominum factus, & habitu
inventus est ut homo. propter quod & Deus exaltavit illum: & dedit
illi nomen, quod est supra omne nomen_==. Daqui deduz, Que recebeo o
Filho do-Pai, por-verdadeira e propria eleisam, o oficio e dignidade de
Redemtor do-genero Umano, fazendo-se juntamente omem: e com esta nova,
e inefavel dignidade, recebeo um nome sobre todo o nome, que é o nome
de _Jezus_: mais sublime e veneravel, polo que é, e polo que significa,
que o mesmo nome de Deus: _In nomine Jesu omne genu flectatur._
Recebeo a potestade judiciaria: _Pater non judicat quemquam: sed omne
judicium dedit Filio._ Recebeo o primeiro trono, entre as pesoas
da-SS. Trindade: _Dixit Dominus Domino meo, sede a dextris meis._ Se
pois o Padre podia tomar tudo isto para si, porque o-nam-tomou todo?
por-nenhuma outra razam, senam porque era filho.... intendendo, que
quando fosem de seu filho, entam eram mais suas: e que mais e melhor
as-gozava nele, que em si mesmo==. Sam palavras do-Pregador. Aplica
isto à Senhora, e conclue, Que por-iso elegeo a melhor parte: _Maria
optimam partem elegit._

Nam me-quero demorar muito neste exame, porque serîa nunca acabar:
direi somente de pasagem, que o noso Pregador com todo este discurso
desfaz, quanto pertendèra mostrar. Concedamos-lhe tudo de barato, e que
o Filho teve maior gloria que o Pai. &c. progunto: ou daqui se-segue,
que desa maior gloria do-Filho, rezultou no-Pai maior gloria, doque
tinha o Filho, ou nam? Se rezultou maior gloria; ficam desmentidas
todas as provas do-Pregador, com que quer mostrar, que o Filho excede
ao Pai, na gloria. Se nam rezultou maior gloria; nunca se-pode dizer,
que o Pai escolheo _meliorem, immo & optimam partem_. paraque serve
pois toda aquela arenga, se nam á-de provar, o que quer? De toda esta
metafizica pois, com que o Pregador enche o sermam, o que se-segue é,
que se-contradiz a si mesmo.

Mas quem poderá admetir, as provas do-Pregador, tomadas literalmente,
como ele as toma? Em primeiro lugar é falso, que o Pai dèse ao Filho,
com propria eleisam somente sua, a grandeza de Redemtor: porque sendo
a Incarnasam, _obra ad extra_, como lhe-chamam os Teologos, todas as
trez pesoas com uma unica vontade, concorrèram para ela. E isto nam sam
Teologias exquizitas: mas os primeiros elementos da-Fé. Polo contrario,
o noso Pregador supoem mui distintamente, que o Pai tinha uma vontade,
e o Filho outra: porque sem esta supozisam, nam corre o argumento. E
semelhante supozisam, nam sei como os Qualificadores a-deixáram pasar.
Em-segundo lugar é falso, que o nome de _Jezus_ seja maior, que o nome
de _Deus_. Aquele _supra omne nomen_ nam se-intende, compreendendo o
nome de _Deus_. É falso, que o Pai _abjudicase_ de si, a potestade
judiciaria. É falso, que o Filho tenha o primeiro trono, entre as
pesoas da-SS. Trindade. Todos aqueles textos, se-devem intender, com
seu gram de sal, segundo a expozisam dos-antigos Santos, e doutrina
da-Igreja. É falso finalmente, que a gloria do-Filho, que lhe-rezulta
da-redemsam, seja maior que a do-Pai. Ora tudo isto era necesario, que
fose verdade, paraque a paridade fose boa, e prováse, o que o Pregador
queria.

Alguns me-respondèram ja, que as palavras dos-textos mostravam, o
que o Pregador dizia: e que nos-sermoens nam se-deve procurar, rigor
teologico. Esta é a cantilena comua, destes apaixonados por-tais
sermoens. A isto ja respondi varias vezes, e nesta mesma carta. O
que dalî se-segue é, que tais sermoens sam trocadilhos de palavras:
e que páram na superficie, sem profundarem o sentido. Semelhantes
nisto a outro sermam, que eu li, em que o autor, para provar a negrura
da-Morte, trazia o texto: _Lanarum nigræ nullum colorem imbibunt_.
como se bastáse alguma semelhansa de palavras, para provar pensamentos
graves! Tambem é falso dizer, que nos-sermoens nam se-deve buscar,
rigor teologico. Eu intendo por este nome, _verdade teologica_: e
suposto isto constantemente defendo, que nenhum sermam se-deve tolerar
entre Catolicos, que tenha propozisoens contrarias, à dita verdade.
As ampliasoens, as iperboles, as delicadezas, podem ter lugar nas
orasoens: mas devem ser de outra qualidade, que as que aponto. Eu
deixei o sermam quazi no-fim, em que avia outro pensamento, bem
galante: mas nam tenho tempo, para me-demorar tanto, com estas coizas.
Do-que até aqui tenho dito, cuido ficará V.P. persuadido, do-que
afirmo, se quizer ter o trabalho, de ajuntar as minhas reflexoens, com
a leitura do-tal sermam. * * *

Esta materia de panegiricos é tam ampla, que serîa necesario um grande
volume, para tocar levemente, o que lhe-pertence. Acham-se porem outros
panegiricos, que rigorozamente o-sam, e eu considero divididos, em
varias clases. Compreende a primeira aqueles, que tratam de varias
asoens de Cristo, como _Mandato_, _Sacramento_, _Resurreisam_,
_Acensam_ &c. Aqui é onde os Pregadores lambicam o ingenho, para
dizerem coizas mui singulares: e aqui é onde se-mostra, a quinta
esencia de toda a sutileza. Aquele, _Cum dilexisset suos, in finem
dilexit_: tem-se espremido de tantas maneiras, que eu ja nam sei, que
coiza boa pode botar de si: e Pregador conheso eu, que, aplicando o
texto a mui diferente asumto, em lugar de pregar de Cristo, pregou de
si. Nas provas porem concordam estes sermoens, com os antecedentes,
com a unica diferensa de mais, ou menos. Sobre o da-Resurreisam, ja
se-sabe, que os melhores Pregadores dizem suas galantarias, e nam
poucas parvoices, improprias daquele lugar, e da-materia que tratam:
como tambem pouco decentes, a qualquer outro lugar sezudo. Ajunto a
esta, outra quinta especie de sermoens, tambem panegiricos, que sam os
louvores de algumas obras pias, como Publicasam do-_Jubileo_, _Obras de
Mizericordia_, _Procisoens_ &c. Estes ja sabemos, que sem profecia nam
podem pasar: porque como ja dise a V. P. muitas vezes, este é um pecado
nacional destes paizes, para o qual ainda até aqui, nam ouve redemsam.
Com o que asima dise dos-outros, pode-se intender o que se-deve dizer
destes. o defeito é geral: e asim a resposta sempre é a mesma.

Quanto aos sermoens das-Domingas de Quaresma, e Misoens, devo
confesar, que tem menos defeitos, que os outros: porem sempre
conservam os esenciais. Tambem neles (de Quaresma) á sutilezas,
asumtos impropriisimos, pesima dispozisam de provas, e outras coizas
destas. O que verdadeiramente nam poso sofrer é, que estes seus
Pregadores Portuguezes, procurem singularizar-se, com esquipaticos
asumtos, nos-mesmos sermoens da-Quaresma. O Pregador da-menhan, dizem
que explica o Evangelho: o de tarde, toma um asumto mais geral, que
distribue em sinco Domingas, sem se-sugeitar ao Evangelho do-dia. Aqui
pois move a compaixam ouvir, o que alguns excogitam, e quanto trabalham
para descobrir na Escritura, um numero de cinco, que seja acomodavel,
ao dito asumto. Uns, vam buscar, as cinco pedras de David: para atirar
ao auditorio, uma seixada espiritual cada Dominga. Asumto improprio, e
só coiza digna de um menino, que nam intende, o que é eloquencia: sendo
certo, que dezemparam logo o seixo, para falarem em outra materia.
Outros, vam buscar no-Cardial Ugo, que afeta ser moral, e misteriozo,
algumas palavras gerais, que posam calsar às cinco Domingas. Tudo isto
sam arengas: mas estes ainda sam mais toleraveis. Os que eu nam poso
sofrer sam, os que, saindo fora do-numero de cinco, por-se-quererem
singularizar dos outros, tomam ideias mais improprias. Tal foi um
Pregador de boa fama, que ouvi, o qual tomou por-asumto, explicar
o _Racional de Aram_, ou aquele pano que trazia o Sumo Sacerdote
dos-Ebreos, no-peito, em dias de funsam, com doze pedras preciozas
cravadas, em que estavam esculpidos, os nomes das-doze tribus. Este
titulo de sermam agradou muito, aos que tem o juizo nos-cotovelos,
que sam os mais. Concorri eu tambem, para ouvir o sermam, porque
cazualmente naquele dia, achava-me na dita Cidade: e como ja se-falava
muito nas tais Domingas, que foram pregadas em outra parte, fui ouvir,
que asumto tirava do-_Racional_: e como acomodava as doze pedras, com
as cinco Domingas. Com efeito o meu bom Pregador, escolheo entre as
pedras, as que lhe parecèram, e regeitou as outras. Galante modo de
explicar, o Racional de Aram! Do-sermam nada digo, porque a coiza fala
de si. Saindo eu para fora, incontrei um Religiozo da-Companhia meu
amigo, e um dos-omens de melhor juizo, que eu tenho cá visto; o qual
apertando-me a mam, me-dise: Amigo, o Racional é uma peste: o pobre
Aram nam esperava, que o-tratasem tam mal: e concluio dizendo, que tudo
aquilo era uma parvoise.

Com efeito eu nam acho, que proporsam tenha uma coiza, com outra: ou
para que ei-de ir buscar um titulo, que nada tem que fazer, com o
sermam. Nam sei como estes Pregadores ingenhozos, nam tem buscado,
os cinco escudos das-armas de Portugal, ou as cinco _quinas_: em que
se-podia dizer, muita coiza boa. Nam sei como nam se-tem apegado, às
cinco torres de Lisboa, a de S.Giam, do-Bugio, de Belem, a Torre Velha,
e o Forte da-caza da-India: daqui podiam sair muitos tiros espirituais,
e se-podia dizer, muita coiza bonita. Nam sei como nam explicam, os
cinco dedos da-mam, e mil outras coizas, que se-podem compreender,
debaixo desta ideia _de cinco_.

Mas, a falar a verdade, tudo isto sam rapaziadas: e os que procuram
estes asumtos, nam sabem o seu oficio, nem de que cor é, pregar. Eu
intendo que o Pregador de tarde, deve tirar do-Evangelho, um asumto
proprio para o auditorio. Nem me-digam, que o de menhan ja explicou o
Evangelho. os que asim falam, nam sabem que coiza é Escritura. O mesmo
Evangelho, pode dar infinitos asumtos. Nam é necesario, que todos
se-sirvam das-mesmas palavras: podem-se escolher outras: procurar os
SS. Padres, e tirar um asumto proprio: para iso servem os Expozitores.
Na quinta Dominga de Quaresma, todos se-servem das-palavras: _Se
Veritatem dico vobis_ &c e pregam da-Verdade em geral. Um omem que eu
conheci, pregando em um Convento de Freiras, tomou as ultimas palavras:
_Tulerunt ergo lapides ut jacerent in eum. Jesus autem abscondit se,
& exivit de templo._ Daqui tirou este asumto: Que Cristo nesta asám
quizera ensinar-nos, com quanta diligencia devemos fugir, de profanar
os Templos. porque nam só se-escondeo Cristo: mas fugio. Com a primeira
asám, evitava a profanasam com a obra, impedindo a morte: com o sair,
evitava a profanasam com a intensam, fugindo da-prezensa de omens; que
ainda conservavam os dezejos, de o-profanar. Acomodou isto ao intento,
mostrando, quanto Deus abominava, a profanasam dos-Templos. Nam avia
asumto mais proprio, ao lugar: porque nam avia lugar mais profanado com
asoens, e intensoens pecaminozas. Este era um asumto novo: nam sutil,
e ridiculo; mas verdadeiro, e mui proprio: E isto chama-se pregar:
o mais, é falar de alto. Quem tem ingenho, e leitura, pode tirar
infinitos asumtos, do-mesmo Evangelho, acomodados ao seu cazo.

Mas quando o Pregador nam quizese, servir-se do-Evangelho, pouco
importaria: bastava que escolhese um Vicio, para o-condenar, em cada
Dominga, digo dos-que mais reinam naquela Cidade. Porque os sermoens de
Quaresma, sam rigoroza misam: e se-deve buscar, argumento proprio para
isto. Quero ainda conceder, que cada um destes cinco sermoens, deva ter
relasam, com os outros, e compor um corpo de doutrina: digo ainda neste
cazo, que é fácil a um omem de juizo, buscar um argumento natural,
e solido, que se-posa dividir em cinco partes; para explicar cada
parte, em sua tarde: Sem dizer ridicularias e sutilezas; mas coizas,
verdadeiras, utis, e graves: e aplicando sempre o sermam, à necesidade
do-auditorio. Este é o defeito geral, da-maior parte destes Pregadores,
que comumente se-servem de ideias gerais, que nam calsam bem ao
auditorio; e de que nam se-tira fruto algum: pois tam ridiculo é,
falando a omens doutos, querer-lhe explicar, as pesoas da-Trindade &c.
como falando a pesoas ignorantes, servir-se de ideias especulativas;
ou, falando às Freiras, pregar da-politica de Machiavelo, e aos
Rusticos, do-_Principium quo in divinis_: da-_Existencia definitiva e
circunscritiva na Eucaristia_ &c. como eu ja ouvi a alguns pregadores,
e mestres. A isto chama-se, nam saber o _decoro_, quero dizer, nam
saber tratar a materia, nem aplicar os argumentos aos ouvintes: coiza
que condenam os Retoricos[39].

Tambem notei em certos Pregadores, alem dos-ditos, certos defeitos,
que nam sam de pequena considerasam. Omens á, que aplicam os sermoens,
às suas particulares intensoens; e em lugar de pregarem, do-que devem,
pregam de si: E como o tema nam dá para isto, dezempáram logo o asumto,
para meterem outros pensamentos mui alheios: e querendo dizer tudo,
nam dizem coiza que valha. Alguns, despedem-se no-sermam, das-pesoas
suas conhecidas: * * * outros, fazem satira aos Prelados, ou ao governo
politico da-Cidade &c. ou, a pesoas particulares, ou aos seus mesmos
ouvintes. E neste ultimo ponto, nam só caiem os ignorantes, mas pola
maior parte, os de maior doutrina, e prezumsam: e por iso às vezes
as provas, sam tam arrastadas, que é uma piedade ouvilos. Eu quero
conceder de barato, que seja verdade o que dizem: mas nam é aquele o
seu lugar: e sempre tem promto o argumento: _V. P. foi chamado para
pregar disto, e nam daquilo._ Este nam é pequeno defeito de Retorica:
pois é alienar os animos dos-ouvintes: de que se-segue, nam se-poder
obter a persuazam.

Estes sam os defeitos mais gerais, mas comuns, de todos estes seus
Pregadores. Dos-quais se-conclue claramente, que lhes-falta a principal
parte da-Retorica, que è a _Invensam_: da-qual falta nacem, todos os
outros defeitos, que impedem o bom gosto da-eloquencia. Criados desde
a primeira mocidade, com aquele pesimo estilo, de buscar conceitos
exquizitos, e dividir a orasam em tantas partes, quantos eles sam;
perdem os melhores argumentos, que lhe-dariam materia, para tecer
uma orasam continuada; que persuadise o auditorio, e fose digna de
se-ouvir. Nam reprovo as divizoens, quando sam necesarias, e a materia
as-pede: reprovo sim muito, o acomodar a materia às divizoens, para
fazer a costumada trepesa.

Desta falta, de nam saber buscar as provas, nace a segunda, e tam
importante, da-_Dispozisam_. Pois nam tendo argumentos proprios,
nam podem dispolos em maneira, que formem uma orasam unida: na qual
o exordio, ou seja _unido_, ou _separado_, forme um perfeito corpo
com o todo: e em que as partes observem, a sua justa proporsam, e
tal, que umas sirvam de aclarar as outras: e conduzam para o fim,
de persuadir o que se-quer. Desta mesma falta nace, a da-_Locusam_:
sendo certo, que quem nam acha um argumento, acomodado ao que quer,
mas vai buscando sutilezas; nam incontra com palavras proprias, para
expremir um pensamento sezudo, e nobre: nem acha aquelas que sam
necesarias, para ornar com armonia os pensamentos; desorteque fasam
uma orasam armonioza, e agradavel, sem ser afetada: o que nam tem
pouca dificuldade[40]. De que vem, que comumente enchem o discurso, de
mil tropos e figuras, fóra do-seu lugar; que mostram, o pouco talento
do-Pregador, e a ignorancia, da-sua propria lingua. Nace daqui tambem,
nam saber escrever uma carta, ou formar qualquer outro discurso, que
posa persuadir. Finalmente nace, o nam saber discorrer com propriedade,
em materia alguma. Leia V. P. as cartas que se-acham de Frei _Pedro
de Sá_, e Frei _Lucas de Santa Catarina_, e outros semelhantes: leia
os seus discursos: e verá, que cartas, orasoens, sermoens &c. tudo é
o mesmo. Nam se-acha mais, que equivocos, palavras sem significado,
pensamentos inverosimeis, encarecimentos inauditos, em uma palavra, uma
lingua nova, que serve para toda a sorte de asumtos, sem distinsam.
Os ignorantes gostam muito disto, e copeiam esta sorte de papeis, com
todo o cuidado, e acumulam quantos podem: mas os que verdadeiramente
intendem a materia, nam podem menos que rir-se, de tais escritos;
dos-quais toda a alma cristan deve fugir, como contrarios, à boa
eloquencia. A razam de tudo isto é a mesma: porque quem bebe aquele
estilo, de sutilezas, afetasoens, e singularidades; nam sabe distinguir
os estilos, proprios dos-diversos argumentos, que se-lhe-oferecem: e
asim nam sabe, nem pode fazer coiza boa, nem chegar a persuadir ninguem.

É uma prova manifesta disto, a infinita distancia que eles poem, entre
sermam funebres na Igreja, e orasam funebre na Academia. Nesta nam á
tema: comumente nam á divizam de pontos: nam á textos da-Escritura: á
menos sutilezas: e acha-se um discurso continuado, ainda-que cheio de
mil impropriedades, e ridiculos encarecimentos: No-outro acha-se tudo
o contrario. De que provèm esta grande mudansa? eu o-direi: De nam
saber, o que é Retorica: porque os preceitos em ambas as partes, sam os
mesmos. No-pulpito, poso uzar de mais asám do-corpo; e animar com a voz
o discurso: na-academia recito com mais brandura. Mas o papel em ambas
as partes é o mesmo: e doque se-faz na academia, podiam eles inferir, o
que devem fazer no-pulpito.

Porem aqui me-parece, que ouso dizer a V. P. que ja que apontei os
defeitos, aponte o modo de os-emendar. Mas isto; P. muito reverendo,
nam é negocio que se-posa fazer, com tanta brevidade, pois pediria um
tratado inteiro. O que tenho dito, bastava para um omem de juizo: e a
lisam dos-bons autores, completaria tudo. Contudoiso, para obedecer
a V. P. nam deixarei de fazer alguma reflexam, adquerida parte com a
lisam dos-outros, parte com a minha propria experiencia, e reflexam: as
quais V. P. aplicará, aos cazos particulares. Mas como isto pede mais
tempo, quero rezerválo para outra carta: e acabo esta, com pedir a V.
P., me-conserve na sua grasa. Deus guarde &c.

                             [Illustração]


NOTAS DE RODAPÉ:

[30] _Quia nonnulli Sacrarum scripturarum verba & sententias, ad
profana quæque detorquent; ad scurrilia, scilicet, fabulosa, vana,
adulationes, detractiones, superstitiones, impias & diabolicas
incantationes, divinationes, sortes, libellos etiam famosos: ad
tollendam bujusmodi irreverentiam, prohibet S. Synodus, ne quisquam
quomodolibet verba scripturæ Sacræ ad hæc, & similia audeat usurpare:
atque bujusmodi temeratores & violatores verbi Dei, juris & arbitrii
pœnis per Episcopos coerceantur._ Trident. Sess. I.

[31] _Diodor. Sic. l. 1. sect.2._

[32] _Exodi XIII._ 18.

[33] חמשים

[34] _Rupert. in Johann._ I. = _Tostat. in Matth. X._ = _Jansen._ =
_Alapide Harm. in Johann._ I. _&c._

[35] _Aug. in Johann. Homil._ 7. _& in Ps._ 65.

[36] _In Job. XXXII._ 15.

[37] _XXI._ 25.

[38] _Ad Philipp. II._ 6.

[39] _Est autem quid deceat oratori videndum, non in sententiis
solum, sed etiam in verbis. Non enim omnis fortuna, non omnis honos,
non omnis auctoritas, non omnis ætas, nec vero locus, aut tempus,
aut auditor omnis, eodem aut verborum genere tractandus est, aut
sententiarum: semperque in omni parte orationis, ut vitæ, quid deceat,
est considerandum: quod in re de qua agitur positum est & in personis
eorum, qui dicunt, & eorum, qui audiunt_ =. Cicer. Orat. num. 21.

[40] _Atque illud primum videamus, quale sit, quod vel maxime
desiderat diligentiam, ut fiat quasi structura quædam, (verborum) nec
tamen fiat operose: nam esset cum infinitus, tum puerilis labor._
Cicer. Orat. num. 44.



                             [Illustração]



                             CARTA SEXTA.

                               SUMARIO.

 _Continua-se a mesma materia da-Retorica. Fazem-se algumas reflexoens,
 sobre o que é verdadeira Retorica, e origem dela. Que coiza sejam
 figuras, e como devemos uzar delas. Diversidade dos-estilos, e modo de
 os-praticar: e vicios dos-que os-nam-admitem, e praticam. Qual seja o
 metodo de persuadir. Qual o metodo dos-panegiricos, e outros sermoens.
 Como se-deve ensinar Retorica aos rapazes, e ainda aos mestres.
 Algumas reflexoens, sobre as obras do-P. Antonio Vieira._


Nam intenda V. P. que ei-de faltar à promesa: pois nam só com
promtidam, mas com muito gosto executarei nesta carta, o que prometi
na ultima: e direi o como se-devem intender, as coizas que dise,
para emendar os defeitos, que nestes Retoricos vulgares s’incontram:
e que eu apontei na carta pasada. Digo pois, que o primeiro, e mais
importante ponto que deve advertir, quem quer formar, o bom gosto
literario, é, fugir totalmente destas Retoricas comuas, nam só
manuscritas, mas tambem impresas. Estou persuadido, que elas sam a
primeira ruina dos-estudos: porque inspiram mui maos principios, e nam
ensinam o que devem. Ouso louvar muito nestes paîzes, o _Candidatus
Rhetoricæ do-P. Pomei_, _o Ariadne Rhetorum do-Juglar_ &c. e mestres
conheso eu, que nam tem mais noticia da-Retorica, que a que dá o dito
livro, ou outro semelhante. Isto porem é mera iluzam: porque para
nam saber nada, nam á melhores livros, que os ditos. Estes, e outros
tais autores, fazem uma enumerasam das-partes da-Retorica, mui seca e
descarnada. propoem mil questoens, e nam rezolvem nenhuma bem. todo
o livro consiste em divizoens, e subdivizoens, que enfadam antes de
s’intenderem. Mas o pior é, quando ensinam a servir-se, dos-lugares
Retoricos: quando mostram os diversos modos, de ampliar um argumento:
dizem mil coizas inutis, e que mais facilmente s’aprendem, lendo os
bons autores, que estudando as tais observasoens.

Este em carne é o defeito, em que caiem os Logicos Peripateticos,
quando se-dilatam muito, sobre _a fórma silogistica, e ponte
dos-asnos_: despois de dizerem muito, sam obrigados a reconhecer, que
nada daquilo serve, para coiza alguma: e que na pratica do-argumentar,
nam só sam inutis, mas até imposiveis as tais regras. Nam achei até
aqui Peripatetico algum, que, devendo em algum ato publico, provar
de repente alguma propozisam, que lhe-duvidasem; se-servise de tal
metodo: nem menos achei omem algum, que, senam intendeo, e estudou
bem a materia, que á-de tratar; servindo-se unicamente dos-lugares
Retoricos, fizese coiza capaz. Chama-se perder inutilmente o seu tempo,
querer ensinar todas aquelas arengas: das-quais unicamente rezulta,
a desvanecida opiniam de uma ciencia, que nam tem. Os rapazes que
estudáram aquilo, persuadem-se, que sam Retoricos da-primeira esfera:
que podem, com a ajuda de quatro adjetivos e sinonimos, e quatro
descrisoens afetadisimas, arengar de repente, em qualquer materia.
Intendem, que nam á orasam, que nam observe a dispozisam, que eles lem
na sua Retorica. julgam, que nam á discurso oratorio, sem todas aquelas
mexerofadas. Finalmente, como nam lhe-explicam, o verdadeiro uzo
da-Retorica, e artificio da-verdadeira eloquencia; persuadem-se, que
só nos-discursos academicos, tem ela lugar. De que nace, que despois
de perderem bem tempo nas escolas, a que chamam de Retorica, ficam
totalmente ignorantes dela.

Isto suposto, é necesario desterrar uma, e admetir outra sorte de
Retorica. Ja asentamos, que a Retorica deve ser em Portuguez, para os
que nacèram em Portugal: porque, asim s’intendem os preceitos: e na
sua mesma lingua se-mostram, os exemplos. Nam avemos de carregar os
rapazes, com dois pezos: intender a lingua, e intender a Retorica:
tambem nam avemos fingir os Omens, como nam sam; imaginando rapazes
mui agudos, e espertos. Tudo isto é iluzam. Os rapazes sam de diversas
capacidades: e muitos sam rudes. comumente aprendem Retorica, quando
ainda nam intendem bem Latim. E asim, é necesario falar-lhe em
Portuguez: muito mais, porque ou queiram ser Pregadores, ou Advogados,
ou Istoricos &c. tudo isto se-faz cá em Portuguez: e é loucura ensinar
em Latim uma coiza, que pola maior parte, se á-de executar, em Vulgar.
Esta é a primeira regra do-Metodo, facilitar a inteligencia. Nam tenho
até aqui visto, (pode ser que aja) Retorica Portugueza impresa. Certo
sugeito mostrou-me á tempos, alguns apontamentos que fizera: mas nam
mereciam o nome de Retorica. tenho visto varios livros de conceitos:
mas nam era coiza, que merecese ler-se. Sei porem, que atualmente
se-copeia, uma Retorica Portugueza, que me-parece propria para formar,
o bom gosto da-Eloquencia. Um amigo meu mui particular a-compoz, para
uzo seu. pedio-me noticia, dos-melhores autores nesta materia: e deles
copiou, o que conconduzia, para o seu intento. uzou comigo a amizade,
de consultar-me na dispozisam dela. teve a moderasam de ouvir, e nam
desprezar, as minhas reflexoens. cuido que felizmente conseguio, o seu
intento: devo fazer esta justisa, à sua grande capacidade. Nam sei, se
a-determina divulgar: o que se puder ser, procurarei de a-comunicar
a V. P. seguro, de que nam lhe-dezagradará. Mas, tornando ao fio
das-minhas reflexoens:

Ja dise ao principio, que sendo a Retorica, arte de persuadir, tinha
lugar em todo o discurso, que seja proferido com este fim. Doque
se-segue, que a Retorica tem tanta extensam, quanta qualquer lingua:
o que muitos nam intendem, ainda dos-que lem as Retoricas. Parece
paradoxo a muitos, destes enfarinhados nos-estudos, dizer-se, que n’uma
carta, que é escrita com estilo simplez; n’uma Poezia, na Istoria, e
n’um discurso familiar &c. deve ter lugar a Retorica. E isto provèm de
intenderem, que a Retorica consiste, em figuras mui dezuzadas, tropos
mui estudados &c. e asim parece-lhe, que nam se-caza uma coiza com
outra. Mas por-pouco que estes tais, examinasem a materia; conheceriam,
que tudo se-deve tomar, em diverso sentido.

Nam á lingua neste mundo, tam fecunda de palavras, que posa expremir,
todas as ideias do-intendimento: A fecundidade que tem a mente, em
formar conceitos, e a facilidade com que de uma mesma coiza, fórma
infinitas ideias, é tal; que pode empobrecer, todas as linguas
do-mundo. Seriam necesarias muitas palavras, para um omem poder dizer
sofrivelmente, o que intende. Mas isto pediria tempo infinito, e
o comercio umano se-faria insoportavel. Conhecèram os Omens muito
bem isto, e cuidáram em lhe-pór o remedio. Daqui naceo a necesidade
de servir-se, de algum modo de expremir, que, aindaque nam diga
tudo, excite diversas ideias no-intendimento, e poupe o trabalho, de
proferir muitas palavras. A experiencia mostrou, que as nosas ideias
tem uma certa uniam, com que mutuamente se-ajudam: proferida uma
das-quais, todas as outras se-aprezentam. Isto asim posto, os Omens
souberam aproveitar-se, desta experiencia; e comesáram a servir-se
de um nome por-outro, para poder excitar a ideia, do-que queriam. Um
nome que significava uma coiza, aplicou-se para significar outra;
e se-transportou da-sua significasam propria para outra, por-cauza
de certo respeito, ou relasám, ou ordem, ou nexo, que uma coiza tem
com outra. A isto chamáram _Tropo_, palavra Grega, que significa
_transpozisam_: e estes modos de falar, chamáram-se Figuras: as quais
podem ser infinitas: mas os Retoricos as-reduzîram a pequeno numero,
contando as mais uzuais: e destas se-faz memoria, nas comuas Retoricas,
com diversos nomes.

Estes _Tropos_, _Metaforas_, ou _Metonimias_, que significam o mesmo,
tem grande uzo, e sam necesarias em todas as linguas, e ornam muito:
nam só porque encurtam o discurso, e fazem mais gostoza a conversasam;
mas tambem porque exprimem melhor, o que se-quer dizer, doque outras
palavras. Diz mais às vezes, uma só metafora, que um longo discurso:
e com uma só palavra, é mais bem intendido um omem, doque com a
fecundidade de infinitas. Quem ouve dizer, que _Alexandre era um raio
da-guerra_; a ideia do-_raio_, que é uma coiza sensivel, exprime bem o
grande poder, com que este omem sugeitava tudo: a velocidade das-suas
conquistas: o eco das-suas vitorias; que atroava tudo, e ainda as mais
remotas Nasoens. Este justamente é o carater de Alexandre: como ja a
Escritura tinha delineado. Uma só ideia excita mil outras, ao intento.
E como os Omens estam acostumados, a estas imagens sensiveis; os tropos
que delas se deduzem, valem infinito. Apenas o comum dos-Omens pode
intender, e julgar de outra sorte.

Sam boas, asim é: mas o uzo é que as-faz racionaveis: quero dizer,
que se-devem uzar em tempo, e lugar proprio, e quando o discurso
o-pede. O que nam advertindo os ignorantes, servem-se pouco sabiamente
das-Figuras; e com muito estudo, falam bem mal. Nam á maior beleza em
uma cara, que os olhos: mas se um rosto nacèse com mais de dois; se
chegáse a ter meia duzia, serîa um monstro. Deve aver figuras: mas
á-de aver proporsam, eleisam, dispozisam: ou seja no-discurso familiar,
ou na Istoria, ou na Cadeira. Este é o grande segredo do-falar bem:
o qual como muitos, segundo adverti, nam chegam a penetrar, quando
ouvem falar em Tropos, tremem de pés e cabesa: e persuadem-se, que é
algum enima singularisimo, rezervado para algum ato publico, ou coiza
semelhante.

Como as palavras sam as que significam, o que pasa dentro d’alma, ouve
necesidade de procurar palavras, para expremir, nam só o que a alma
conhece, mas tambem o que quer; ao que chamamos, _afetos da-alma,
ou paixoens_. O Omem nem sempre se-acha, na mesma dispozisam de
animo: mas esporiado de alguma coiza, saie fóra de si, e entam fala
de outra maneira, mui diferente. As expresoens com que se declara
isto, se-chamam _Figuras_; com a diferensa, que os Tropos sam figuras
das-vozes: e estas que aqui digo, sam figuras do-animo. É incrivel, a
diversidade destas vozes do-animo. Um omem agitado, nam só no-exterior
do-rosto, mostra a sua perturbasam, mas tambem no-modo do-seu discurso.
As paixoens violentas, alteram a bela armonia dos-umores: engrosam
os objetos: impedem que a alma dè a devida atensam, ao que julga:
no-mesmo instante a-transportam, de uma coiza para outra: sam como
o mar alterado, que joga a pela com um navio. Onde, agitadas com
tanta confuzam, as fibras do-cerebro, a alma, que em virtude daquela
armonioza dependencia, que estableceo Deus entre ela e o corpo; deve
conhecer todas as imagens, que elas lhe-prezentam; nam tem, se me-é
licito explicar asim, repouzo algum. A alma agitada, imprime novo
movimento nas fibras, e estas na machina: de que nacem as palavras: com
as quais dando-se dezafogo à ira, que moveo a machina, se-dá tambem
repouzo, à alma.

Sendo pois as nosas palavras, consequencias dos-movimentos d’alma, e
conrespondendo perfeitamente, aos nosos pensamentos; é claro, que o
discurso de um omem, que está sumamente agitado, deve ser dezigual.
Algumas vezes parece este omem difuzo, e fórma uma exata pintura,
das-coizas que sam objeto, da-sua paixam: e cuidando que o-nam-intendem
bem, repete a mesma coiza, em cem diferentes maneiras. Algumas vezes
interrompe o discurso, e sepára as palavras umas das-outras, dizendo de
uma só vez, bastantes coizas. Muitas vezes vareia o discurso, com mil
proguntas, com exclamasoens, com frequentisimas digresoens. Finalmente
um discurso destes vareia-se, com infinitos modos de falar: os quais
modos sam tam proprios, daquelas paixoens d’onde nacem, que, ouvindo-os
proferir, fica um omem formando, justa-ideia da-paixam. Estas pois sam
as tanto celebres Figuras do-animo: as quais nenhuma outra coiza sam
mais, que modos de falar particulares, e diferentes dos-modos de falar
natural e uzual.

Estas Figuras, que sam as naturais pinturas das-paixoens, sam sumamente
utis, e necesarias no-comercio umano. Um pintor famozo, (dise um
grande Retorico, de quem eu aqui sigo as pizadas) que quer delinear um
painel istoriado, nam só pinta as figuras, que devem intrar no-quadro;
mas procura, que cada uma esteja naquele ato, que exprima, o paraque
ele ali a-poem: nem só isto, mas até no-rosto lhe-pinta, aqueles
acidentes, que denotam a paixam, de que sam produzidos. Explico-me
melhor. Um omem agitado, e alterado com a colera, nam tem o rosto
sereno; mas fica palido: abre uns olhos, que parecem cheios de fogo:
carrega a vizeira: finalmente mostra no-rosto mil acidentes, que sam
os carateres da-Colera. Isto pois é o que procura imitar, o pintor:
e se chega a imitálo bem, só este é o bom pintor. O Retorico nam tem
cores, com que imitar a natureza, como o pintor: mas tem palavras,
para imitar aquelas, que profere um omem dominado da-paixam, que ele
quer persuadir: e como estas paixoens tenham, diferentes carateres; é
necesario que se-sirva de diferentes figuras, para as-expremir[41].

Alem disto, ninguem pode persuadir outro, sem que excite nele aquela
paixam, que lhe quer persuadir: porque as paixoens sam os instrumentos;
e, para me-servir de uma expresam filozofica, as machinas que abalam
a alma, e a-inclinam para onde querem. Ora para excitar estas
paixoens nos-outros, é necesario, que um omem se-mostre dominado,
da-mesma paixam:[42] porque, suposta aquela particular dispozisam, e
semelhansa dos-nosos corpos, deixamo-nos persuadir daquela paixam,
que vemos nos-outros: dos-mesmos sentimentos: dos-mesmos afetos:
se nam se-acha algum obstaculo, que empesa o curso da-natureza.
Naturalmente inclinamos a ter compaixam, de uma pesoa, que mostra estar
sumamente aflita: rimos quando nos-achamos, em um grande divertimento
dos-sentidos. Polo contrario, nam choramos, nem mostramos compaixam, de
uma pesoa que ri; aindaque verdadeiramente seja mizeravel. É necesario
ter um animo mui nobre, para se-vestir dos-sentimentos, e necesidades
dos-outros, semque lhas-exponham. Nam obram os Omens comumente asim:
obram porem asim, quando recebem o movimento, do-impulso das-paixoens.
Esta é a _simpatia_ das-paixoens: (se acazo tal voz, significa coiza
alguma) e daqui se-mostra bem, a necesidade das-Figuras, para efeito de
persuadir.

Nam me-cansarei, em dar o numero das-Figuras, e explicar o que
significam, e quando se uza delas. Disto abundam muito, as Retoricas
ordinarias: aindaque sam poucas, que o-expliquem de um modo, que
se-posa perceber. As Figuras sam infinitas: mas os Retoricos
reduzem-nas, a umas certas regras gerais, e-mais comuas. Direi somente,
que estas Figuras, sam as verdadeiras, armas da-alma, com que ela faz
guerra às outras almas; ou vence, ou é vencida: e produzem juntamente
mil outros efeitos. Primeiramente, elas declaram aquelas verdades,
que sam oscuras; e excitam nos-Omens a atensam, para as-perceber.
Aquela grande repetisam, aqueles muitos sinonimos, nam sam inutis
na Retorica[43]: antes sam de infinito preso: porque mostram o
que se-pertende em tanta luz, e de tantas partes; que é imposivel
o-ignorálo: imprimem com tanta forsa uma verdade, descobrem todas as
circunstancias com tanta clareza; que é imposivel nam admetilas. Mas
no-mesmo tempo estas Figuras, se sam bem naturais, e se pintam bem
a origem de que nacem; movem de tal sorte a alma, que a-arrastam e
conduzem, para aquele objeto, de que se-fez a imagem[44]. E como a
alma nam pode ver uma verdade clara, sem a-receber; daqui nace, que
por-forsa admite o objeto, e consente: e temos o omem persuadido.

Estas sam as Figuras, que sam a baze da-Eloquencia. Mas nam intenda V.
P. que eu quero persuadir indiferentemente, toda a sorte de Figuras,
e uzo delas: estou mui longe diso, e defendo constantemente, que só
no-bom uzo delas, é que está a Eloquencia, principalmente sublime.
Isto é o que eu dezejára refletisem comigo algumas pesoas, que,
por-nam-advertirem este importante ponto, dam à luz partos monstruozos.
Se as nosas paixoens sam mal ordenadas; se nam se-excitam quando deve
ser; é coiza clara, que as Figuras só servirám, de pintar a confuzam
das-nosas ideias, e a pouca eleisam do-noso juizo. Um omem que s’enfada
quando nam deve; que em um discurso placido, introduz mil Figuras
fortes; que progunta; que responde; que exclama; e mostra grande
paixam, aindaque nam aja de persuadir, ou disputar com alguem: é um
verdadeiro louco, que guiado, da-sua destemperada imaginasam, empunha a
espada, para combater com um inimigo imaginario. Pois este é o retrato
de muitos autores, que julgam nam serem bons escritores, se nam uzam de
todas as sutilezas d’arte: Semelhantes nisto a um omem de Provincia,
com que eu jantei uma vez, que para mostrar que tivera boa educasam,
comia as uvas com o garfo.

Outros, que devem persuadir, e tem materia para empregar, boa
Retorica; só estudam palavras, que tenham cadencia armonioza, mas tam
afetada, que pola maior parte degenera em verso. Fazem mil reflexoens
inutilisimas: procuram falar sempre por-sentensas: cuidam em introduzir
conceitos sutis, e divizoens importunas: com as quais arengas nam
procuram persuadir, mas agradar, e conseguir fama de eloquentes. E
estes eu os-reputo muito mais ignorantes, que os primeiros, pola sua
afetasam. O certo é, que uns e outros nam intendem, nem o fim, nem os
limites da-Retorica: e que em lugar de estimasam, conseguem desprezo.

As Figuras devem-se empregar, em toda a ocaziam. Temos Figuras para
tudo: negocios graves, mediocres, e para a mesma conversasam familiar.
Basta persuadir-se, de uma importante verdade, que é, que a Figura
nam se-deve procurar, mas naturalmente aprezentar-se: porque, como
tenho mostrado, sam consequencias das-paixoens. Observe V. P. um omem
rustico, que nam seja totalmente estupido, ou uma molher de juizo,
mas nam doutora: entre com eles em um discurso familiar, sobre alguma
materia, que lhe-pertensa: dificulte-lhe conceder-lhe alguma coiza,
que a eles paresa verdadeira, ou que na realidade o-seja: e observe
miudamente, quantas Figuras introduzem no-discurso. E finalmente,
achará mais forsa, nas suas razoens, quando sam em materia verdadeira,
doque nos-discursos, de muitos Oradores de fama. Eu fiz esta
experiencia muitas vezes: e sempre tirei por-fruto, da-minha meditasam,
que as Figuras ám-de ser naturais: e que somente se-fala bem, quando
se-fala animado, de algum verdadeiro interese, e se-deixa guiar, de uma
paixam arrezoada.

V. P. observará isto, nos-seus proprios discursos, ainda naqueles, que
parecem menos considerados, e que sam proferidos, quazi por-impulso
da-natureza. As coleras nam sam iguais, nem as paixoens: e asim á
Figuras nestes mesmos discursos. Fazem-se _antitezes_, por-cauza de
grandes movimentos, e tambem por-ligeiras comosoens. O dezejo que um
omem tem, de expremir-se, e de persuadir as coizas que diz, tem varias
destas Figuras. Na conversasam mais placida, repetem-se sem reparo, os
mesmos termos muitas vezes. servimo-nos de diversas expresoens, para
significar o mesmo. permitem os mais escrupulozos criticos, fazer
alguma breve descrisam, e procurar alguma semelhansa, para explicar
melhor a materia. pode-se proguntar o parecer dos-que ouvem, sobre o
que se-profere; e mostrar-lhe, que é necesario refletir, sobre algumas
das-circunstancias alegadas. Tudo isto pratica-se todas as oras, ou
se-pode praticar, sem enfado de quem ouve, e sem incorrer na censura,
de quem observa. Ora as Figuras nam sam verdes nem azuis, sam em carne
estas mesmas que apontamos, e outras a estas semelhantes. E eisaqui,
que nam só nas orasoens, e discursos estudados, mas em todo o discurso,
tem lugar as Figuras. Em uma palavra, primeiro ouveram Figuras,
doque ouvèse arte de Retorica: aqual nada mais é, doque a observasam
das-naturais Figuras. E asim todo o estudo de um omem, verdadeiramente
eloquente, consiste, em observar bem, a necesidade da-materia; e intrar
tanto dentro nela, que posa formar um discurso natural, mas no-mesmo
tempo eficaz: e em que as Figuras fujam-lhe da-boca, sem que ele vá
detraz delas, para ornar o discurso. Muito necesario é, estudar a
natureza: estudar o carater das-Paixoens: falar naturalmente: que só
asim se-fala eloquente, e sò asim se-persuade. Este é o primeiro ponto,
ou o mais importante, em materia de Retorica.

O segundo, e de nam menor consequencia, está, em saber proporcionar
o estilo, ao argumento que se-trata. Consiste o estilo, em certas
maneiras de s’explicar, e certas particulares expresoens, que cada omem
uza: as quais comumente seguem o impeto do-fogo, que cadaum tem: nam se
achando dois omens, que sejam perfeitamente iguais no-estilo, como nem
menos no-temperamento. Digo pois, que o estilo se-deve regular, segundo
a materia, que se-trata[45]. As expresoens magnificas e nobres, ornam
as coizas, de uma certa magestade, e mostram o grande conceito que
delas fórma, quem asim fala: se a materia nada tem de extraordinario,
antes é sumamente vil; impropriamente se-lhe-aplicam, tais expresoens.
Polo contrario, as coizas que se-podem considerar sem comosam, devem-se
dizer com estilo simplez: outras mais estudadamente: o que faz a
variedade de estilos: que os mestres da-arte reduzem comumente, a
trez. Querem dizer, que ou o discurso é sumamente nobre, ou sumamente
trivial, ou mediocre: à primeira, conresponde o estilo sublime: à
segunda, o estilo simplez: à terceira, o mediocre. A prudencia e
inteligencia com que se-devem aplicar, estes trez generos d’eloquencia,
é o principal emprego, do-Retorico.


_SUBLIME._

Quando se-quer dar uma alta ideia, de alguma coiza, é necesario
refletir no-mesmo tempo, em muitas circunstancias. Por-muito nobre que
seja o _sugeito_, de que se-trata, pode ter mil imperfeisoens: onde é
necesario procurar, de o-por à vista d’aquela parte, que melhor parece;
para poder impremir, uma justa ideia da-sua grandeza: procurando
quanto pode ser, de lhe-cobrir, ou disfarsar os defeitos, sem prejuizo
da-verdade: voltando-o e revoltando-o de todas as melhores partes,
para poder mostrar, até as minimas perfeisoens que tem: e tendo muito
cuidado, de nam sair com alguma expresam, ou pensamento, que destrua
o que se-tem fabricado. Caiem neste defeito infinitas pesoas, ainda
d’aquelas, que nam sam decepadas: Oradores, Istoricos &c. mas sobre
tudo os Poetas: que, por-forsa do-consoante, ou da-quantidade do-verso,
dizem mil coizas ou mal ditas, ou mal aplicadas. Li um soneto de certo
Espanhol, que descrevia um nariz grande: o qual, despois de ter dito
muita coiza do-dito nariz, conclue desfazendo, quanto encarecèra. Porei
somente os tercetos.

    _Erase un espolon de una galera.
      Erase una piramide de Egito.
      Las dose Tribus de narizes era._

    _Erase un narizissimo infinito.
      Muchissima nariz, nariz tan fiera,
      Que en la cara de Anás fuera delito._

Despois dos-quatro versos antecedentes, em que exagerava terrivelmente
o tal nariz, saie com uma frioleira, que destrue tudo. Admetida de
grasa, a comua opiniam do-vulgo, de que os Judeos tem narizes grandes:
admetida novamente a frioleira, de que Anás, por-ser Pontifice,
o-devese ter maior: é certo, que nam teria um nariz maior, que todo o
corpo. Demos-lhe, que fose tam grande: que proporsam tem isto, com uma
piramide, e nariz infinito? Destes exemplos acho a cada paso: de que
concluo, que estes nam sabem, as leis da-Retorica, nem da-Poezia.

Quanto ás expresoens, aindaque as-dezejo nobres, e com armonia sonora;
devem porem uzar-se, com moderasam. Prudentemente se-comparou um
discurso, no-genero sublime, com um palacio magnifico: neste á-de aver
cazas para os amos, para os criados, e tambem estrevarias para os
cavalos. Estas nam ám-de ser, como as anticameras, nem ornadas como
os gabinetes: mas ám-de ter certa magnificencia rustica, e proporsam
ao todo: ám-de ser todas as partes no-seu genero, belas, grandes,
magestozas. Um palacio que tem um portam pequenino, parece coiza
Mourisca, e nam de Architeto inteligente. tudo á-de ser grande, mas
no-mesmo tempo proporcionado. Damesma sorte em um discurso, nem todos
os pensamentos podem ser exquizitos, ou a locusam sublime: á-de aver
pensamentos bons, exquizitos, e mediocres: a locusam damesma sorte, em
alguns lugares sublime; v. g. nas perorasoens, e exagerasoens &c. em
outras mediocre; v. g. nos-exordios, nas confirmasoens de provas &c.
e em outras simplez e natural, como nas narrasoens, e outros lugares.
Mas todas estas coizas ám-de ter proporsam entre si: devem ser ornadas
e vestidas daquela tal grandeza, que mostre serem partes, de uma coiza
grande. Asim se-compoem, um discurso perfeito.

Esta magnificencia de expresoens grandiozas, e armoniozas, convem
ao estilo sublime, com a distribuisam dita, de aplicar as melhores,
às coizas que merecem maior atensam. Tambem no-estilo sublime devem
intrar, reflexoens judiciozas, e varias sentensas, que excitem a
atensam. Nele tem seu proprio lugar, as Figuras grandes: Sendo certo,
que um argumento nobre, nam se-pode tratar, sem alguma particular
comosam: de que nace aquele modo de expremir-se, em que consistem as
Figuras. Devem porem praticarse, segundo as observasoens asima feitas.

Esta porem é a maior dificuldade, do-estilo Sublime: e sam poucos os
omens, que saibam abrasar, uma distribuisam moderada de ornamentos,
no-discurso. A maior parte dos-que escrevem, sam como aquelas pesoas,
que nam tem educasam de Corte. Estas, para se-mostrarem bem informadas,
e de boa eleisam; carregam tanto os vestidos de oiro, e a cabesa de
joias; que em lugar de parecerem bem, ofendem a vista. O pior é, que
no-defeito que repreendemos, caiem tambem os que sam da-Corte, como os
que sam de fóra: e é mais dificultozo emendar-se. Um omem que tem má
eleisam no-vestir, tem tantos censores à vista, que à forsa de critica,
e de observasam, consegue a emenda. Nam asim o que escreve: sam poucos
os que censurem, porque sam pouquisimos os que saibam, como se-deve
censurar. Alem diso, nam á algum, que prezuma tam mal do-seu juizo,
que leia por-livros, que lhe-mostrem, as suas imperfeisoens. Busca
somente aqueles, que mais lhe-agradam, e sam mais uzuais: e em vez de
s’emendar, confirma-se na sua má eleisam. V. P. nam achará um Pregador,
que estude por-_Cicero_, _Demostenes_, _M. Seneca_, _Quintiliano_: ou
leia alguns, dos-que compuzeram boas reflexoens, sobre as ditas obras:
achará porem muitos, que estudam por-sermonarios, e muito maos: e estes
nam podem escrever melhor, doque lem nos-tais autores.

Outros escritores, querendo-se distinguir do-Comum, nam gostam senam,
de expresoens grandes: e de tal sorte se-deixam guiar, por-este furor;
que nam produzem palavra, que nam seja de pé e meio; e que nam acabe
d’estoiro, como uma bomba. As palavras e fraze natural, o modo de
s’expremir uzual, aindaque seja o mais proprio da-materia, nada vale.
desprezam tudo, o que nam é estrondozo. Nenhum destes dirá: _Petrus
amavit Joannem_: nam senhor: mas querem perifraze: _Accidit ut Petrus
amore prosequeretur Joannem_; ou alguma fraze mais comprida. Estes
omens vem todas as coizas, por-microscopio: tudo lhe-parece gigantesco:
ou, para melhor dizer, tudo transformam. A sua cabesa é como a de
D. Quixote: a quem moinhos pareciam palacios; e nam avia coiza para
ele, que nam fose magestoza. Daqui nace, que tudo exprimem pola mesma
maneira. o discurso comesa por-Figura, e acaba em Figura. Este é o
vicio comum destes paîzes; mas muito principalmente dos-Poetas, e
Oradores.

Estes omens confundem o Eloquente, com o Arrogante; a Exagerasam com a
Inverosimilidade: sem advertirem, que sam coizas bem diferentes. Ora
este é o verdadeiro carater da-ignorancia: tanto mais dificultozo de
s’ evitar, quanto é certo, que muitos omens grandes em outro genero,
tem caido neste defeito. Este é o ponto que se-deve advertir, com mais
circunspesam: este o defeito que se-deve fugir, com mais cautela. O que
se-consegue primeiro, com alguma reflexam judicioza: segundo, com a
lisam de bons autores, que falem como devem, e proporcionem o estilo,
ao asumto. Nam á coiza mais ridicula, doque uma grande afetasam de
palavras sonoras, em coizas onde nam devem intrar[46]. Em lugar de
engrandecerem quem fala, mostram a pobreza do-seu intendimento: que nam
tendo cabedal, de dar palavras para tudo, pede-as emprestadas, ou furta
sem advertencia, as que incontra.

Verá tambem V. P. que muitos, querendo falar elegante, acabam tudo em
tom de verso: _Porque nam chego a amar, nam poso padecer_: e com este
_ar_, e _er_; _ir_, e _or_; e consonancias semelhantes, vam enchendo
o discurso, que deveriam cuidar de ornar, com bons pensamentos e
conceitos. Isto é mais vulgar, doque V. P. imagina: e acha-se muita
gente de bigode, que chama a isto elegancia. Eu sei que o numero
oratorio, ou armonia dos-periodos, de que Cicero fala em varios
lugares, é uma grande beleza, em todo o discurso, principalmente
oratorio[47]: mas sei, que é muito diferente, do-que condeno. Nam á
regra exata, para o numero oratorio: a orelha é a que ensina, quando
o periodo é armoniozo[48]. Mas é necesario que tenha mui más orelhas,
quem nam distingue, que as consonancias que apontamos, em lugar de
agradarem, ofendem, e sam uma afetasam. Em Portugal sam rarisimos, os
que observam o numero, ainda nos-discursos estudados. Ou afetam verso,
e isto é vicio[49]: ou declinam para outro extremo, que é a languideza,
e tambem isto é vicio insoportavel. A mediania é que se-busca; e quem
bem intende o que é numero, nas cartas, e no-discurso familiar,
sem advertir o-pratica. Para isto quer-se boa orelha, acostumada a
ouvir ler, e pronunciar bem. Pecam alem disto; em fazer periodos tam
compridos, que nam se podem ler de um jato: o que tambem é falta de
numero. A lisam dos-bons livros remedeia isto, e introduz um omem, na
verdadeira estrada da-Eloquencia. Mas é necesario, lelos sem prejuizos,
e com animo de aprender. O estilo Sublime tem seu proprio lugar, nas
orasoens, e sermoens: na Poezia Eroica, e Tragica: e pode às vezes
ter lugar, na Istoria, quando s’ introduzem a falar, algumas pesoas.
As orasoens de Cicero, os poemas Epicos de Omero, e Virgilio, sam de
estilo sublime.


_SIMPLEZ._

Ao estilo Sublime contrapomos, o estilo _Simplez_ ou umilde. Asim
como as coizas grandes, devem explicar-se magnificamente; asim
o que é umilde, deve-se dizer com estilo mui simplez, e modo d’
expremir mui natural. As expresoens do-estilo simplez sam tiradas,
dos-modos mais comuns de falar a lingua: e isto nam se-pode fazer,
sem perfeito conhecimento, da-dita lingua. Esta é, segundo os mestres
d’arte, a grande dificuldade, do-estilo simplez. Facil coiza é a
um omem, de alguma literatura; ornar o discurso com figuras: antes
todos propendemos para iso: nam só porque o discurso s’ encurta; mas
porque talvez nos-explicamos melhor, com uma figura, doque com muitas
palavras. Polo contrario, para nos-explicarmos naturalmente e sem
figura, é necesario buscar o termo proprio, que exprima o que se-quer:
o qual nem sempre se-acha, ou ao menos, nam sem dificuldade: e sempre
se-quer perfeita inteligencia da-lingua, para o-executar. Alem disto,
as Figuras encantam o leitor, e impedem-lhe penetrar e descobrir os
vicios, que se-cobrem, com tam ricos vestidos. Nam asim no-estilo
simplez, o qual, como nam faz pompa de ornamentos, deixa considerar
miudamente, todos os pensamentos do-escritor. Por-iso se-diz, que o
estilo simplez é, o _lapis Lydius_ do-Juizo.

Isto que digo, das-expresoens comuas e naturais, deve-se intender com
proporsam. Nam quero dizer, que um omem civil fale, como a plebe; mas
que fale naturalmente. A materia do-estilo umilde, nam pede elevasam
de figuras &c. mas nem por-iso se-deve expremir, com aquelas toscas
palavras, de que uza o povo ignorante. Nam é o mesmo estilo baixo,
que estilo simplez: o estilo baixo, sam modos de falar dos-ignorantes
e pouco cultos: o estilo simplez, é modo de falar natural e sem
ornamentos; mas com palavras proprias, e puras. Pode um pensamento,
ter estilo sublime, e nam ser pensamento sublime: e pode achar-se um
pensamento sublime, com estilo simplez. Explico-me. Para ser sublime
o estilo, basta que eu vista um pensamento, e o-orne com figuras
proprias, aindaque o pensamento nada tenha, de sublime. Polo contrario,
chamamos simplezmente sublime, (com os Retoricos) àquela beleza e
galantaria de um pensamento, que agrada e eleva o leitor, aindaque
seja proferida, com as mais simplezes palavras. Desorteque o _sublime_
pode-se achar, em um só pensamento, ou figura &c. Importa muito
intender, e distinguir isto, para nam ser enfandonho nas conversasoens,
e nas obras que pedem estilo umilde. V. P. tem um bom exemplo de
estilo simplez, nas Cartas familiares de Cicero, principalmente
nas que escreve aos de sua caza: nas Eglogas &c. de Virgilio: nas
Fabulas de Fedro: Cartas de Plinio a algumas pesoas: e outras obras
da-Antiguidade. Em Portuguez as Cartas do-P. Vieira, tirando algumas
que degeneram em sermam &c. podem-se ler, para o estilo simplez. E
estas sam as melhoras obras, do-dito Religiozo.


_MEDIOCRE._

Do-que a V. P. tenho dito fica claro, qual é o estilo _Mediocre_:
aquele digo, que partecipa de um e outro estilo. Tambem este estilo
nam é pouco dificultozo: porque é necesario, conservar uma mediania,
que nam degenere em viciozos extremos: e sam poucos aqueles, que
conhecem as coizas, na sua justa proporsam, e formam aquela ideia, que
merecem. Ja dise, que a materia é a que determina, qual á-de ser o
estilo: e asim uma materia mediocre, pede um estilo proporcionado. A
maior parte das-coizas de que falamos, sam mediocres: e daqui vem, que
neste estilo de falar, deve-se empregar um omem, que quer falar bem;
e conseguir fama, de omem eloquente. Um omem de juizo, que conhece as
coizas como sam, fórma delas ideias justas, e verdadeiras; e as-explica
com as palavras, que sam mais proprias. D’ onde vem, que o estilo
mediocre compete propriamente, às Ciencias todas, à Istoria, e outras
coizas d’este genero: nas-quais se-reprezentam coizas nam vis, mas
mediocres; porem reprezentam-se, damesma sorte que sam, e com palavras
proprias. Tambem as cartas de negocios graves, ou eruditas, e aquelas
de ceremonia a pesoas grandes &c. costumam ser neste estilo. É porem
de advertir, que o estilo mediocre, admite todos os ornamentos d’arte:
beleza de figuras, metaforas, pensamentos finos, belas discrisoens,
armonia do-numero, e da-cadencia: Contudo nam tem a vivacidade, e
grandeza do-sublime. Participa de um e outro, sem se-asemelhar a
nenhum. tem mais forsa e abundancia que o simplez; menos elevasam que
o sublime: e prosegue com paso igual, e mui brandamente. Alegam-se
por-bons exemplos neste genero, as Georgicas de Virgilio: a maior parte
das-cartas de Cicero a Pomponio Atico: &c. os Comentarios de Cezar &c.
aindaque estes, por-nam terem ornamentos, quazi pertencem ao simplez:
as vidas de Cornelio Nepote. &c.

Quem bem intende isto, fica perfeitamente instruido do-modo, com
que deve aplicar-se, a diferentes materias. O estilo da-Istoria
pede clareza, e brevidade. aquela, para explicar todos os acidentes
da-materia: esta, paraque, sem longas frazes, que suspendem a atensam,
descreva as coizas que deve, com um fio de discurso continuado, e sem
ser interrompido com aqueles movimentos, que constituem o Orador[50].
Porque neste cazo nam pode conservar, uma certa inalterabilidade,
e quietasam de animo, que é tam necesaria, para nam inclinar mais
para uma parte, que para outra; e dizer as coizas com verdade, e sem
exagerasam. Pode porem o Istorico, mostrar a sua eloquencia, no-referir
as arengas, que s’ introduzem na Istoria; no-pintar as paixoens &c. mas
tudo isto com advertencia, e sem perder de vista a verdade. É pois a
Istoria aquela materia na qual, despois da-Oratoria, mais se mostra, a
eloquencia vigoroza.

Em segundo lugar fica claro, qual deve ser o estilo _Dogmatico_ ou
_Didascalico_, a que por-outro nome chamamos, estilo _Cientifico_.
Aqui nam se-trata de persuadir, omens apaixonados, excitando as
armas, comque a alma se-move para esta, ou aquela parte. O primeiro
_postulado_ que se-poem, no-principio dos-Tratados modernos é, que o
leitor se-dispa, de todo o genero de prejuizos, e paixoens: e que
examine as razoens, como merecem. Onde supondo-se um leitor docil,
nam é necesario, seguir o estilo veemente[51]. Mas nisto á mais, e
menos, segundo as Ciencias. A Geometria, que explica verdades claras,
e que nam interesam ninguem, deve-se tratar placidisimamente, com
aquelas palavras, que sam precizamente necesarias, para a explicasam
dos-termos &c. A Logica, Fizica, Metafizica pedem ja um estilo mais
ornado: ja se-disputa com omens, que tem suas prevensoens: as verdades
nam sam tam claras: é permetido servir-se de um estilo mais nervozo.
Principalmente na era prezente, em que a Filozofia, despida daquela
antiga e ridicula severidade, trata-se oje em todas as linguas, e com
vocabulos proprios, e se-familiariza com todos. Onde pode tratar-se
em estilo familiar, por-carta, em dialogo, ou de outra maneira; emque
pode ter lugar, um genero de eloquencia mais ornada. A Teologia pode
ser tratada, com estilo mais elevado. Somos interesados em defender,
a verdade da-religiam, contra os Ateos, e Infieîs, e Erejes. Este
interese nam pode menos, que acender em nós, alguma paixam bem devida.
Onde nam é maravilha, se algumas vezes nos-transportamos, falando de
Teologia, e seguimos um estilo mais elevado e viril. Nam digo, que
tudo se aja de tratar, em estilo oratorio, ou que se-devem defender as
questoens, com ironias &c. e nam com razoens solidas: serîa isto um
erro consideravel, e mui condenavel: digo somente, que ja é permetido,
servir-se de alguma figura, e uzar de estilo mais elegante. Os antigos
Padres uzáram deste estilo, quem mais, e quem menos. E oje todos os
omens de melhor doutrina, nam desprezando a fórma da-Escola, uzam porem
dela com tanta moderasam, que comumente expoem as suas sentensas, sem
aquele estilo das-escolas, que até aqui reinava. O que faz que seja
mais bela a Teologia: mais concludente o discurso: e poem à vista, e na
sua luz todas as razoens: porque só asim as-intendem todos, e se-evitam
palavras, que nada significam nas escolas. Quanto às outras Ciencias
profanas, pola maior parte tratam-se mais placidamente, segundo a
necesidade da-materia.

Em terceiro lugar fica claro, qual é o estilo dos-Poetas. Querem os
Poetas, (diz um Retorico) agradar, e elevar o animo dos-ouvintes, com
coizas extraordinarias e maravilhozas: e nam podendo chegar ao fim que
se-propoem, senam sustentando a sublimidade das-coizas que dizem, com
o sublime das-palavras que uzam; daqui vem, que nam se-sugeitam às
leis do-uzo comum; mas formam, para se-explicar, um idioma novo. Tudo
neles é grande e extraordinario; imaginasam, conceito, e palavras.
Daqui nace, que as figuras devem ser, as suas mimozas, Alem diso,
como as verdades abstratas nam agradam, porem sim as coizas, que
entram polos sentidos; fica claro, que querendo o Poeta agradar, deve
procurar metaforas, com que reprezente as coizas sensiveis, e quazi
palpaveis: porque asim é que imprimem, uma particular comosam. Este
é o principio, que obrigou os antigos Poetas, a romperem com certas
ideias, que nos-parecem chimeras. Cada Virtude, e cada Paixam na
Poezia, é uma Deuza: porque a descrisam destas Deuzas tam medonhas, ou
tam engrasadas, faz outra impresam no-animo, doque a simplez palavra de
Virtude, ou Vicio.

 _Est Deus in nobis, agitante calescimus illo._

Quando uma vez s’esquenta, a imaginasam do-Poeta, nam fala como os
demais omens: e asim nam é maravilha, que encha o discurso de Figuras,
e ingenhe tantas fabulas e fingimentos. Isto é tam proprio dos-Poetas,
que até os sagrados Poetas, para se-explicarem, servem-se de todo
o genero de metaforas. Isto porem deve intender-se dos-poemas, que
tem por-objeto, materia grande: os divertimentos dos-pastores, que
compoem as Eglogas; as istorias que dam materia às Comedias; e mil
outras poezias, que se-podem considerar com menos paixam, devem ser
tratadas, por-outro estilo. A regra geral, que ao principio demos, é
infalivel, e consiste nisto: A qualidade da-materia deve determinar o
estilo, aindaque posa ser mais ou menos ornado: o que s’intenda tanto
da-Proza, como do-Verso. Isto quanto ao estilo. quanto pois às regras
do-Poema, nam é aqui, o proprio lugar, de as-explicar: porque eu nam
faso tratado, mas reflexoens.

Dirmeám alguns, que estas advertencias conduzem, para fazer uma obra
solida, mas nam para a-fazer bela, e ornada: que é o principal emprego
da-Retorica. E com efeito esta é a costumada cantilena, destes vulgares
Oradores, que ignoram as belezas da-arte. Em algumas partes, temos
notado este defeito: e aqui, para o-confutar melhor, faremos outra
advertencia. Digo pois, que este ingano comum, fica suficientemente
asima convencido: sendo certo, que nam se-requerem outras regras, para
falar com elegancia, e ornato, doque as que asima démos, para falar com
propriedade. A mesmisima coiza se-pode expremir, com diversos nomes,
segundo o modo com que se-considera. A maior beleza e ornamento de uma
compozisam, aquilo que eleva um leitor racionavel e judiciozo, (que
sam os que podem fazer lei) é a exasam, e propriedade com que se-acha
disposta, e executada uma-obra. Quem nam intende este ponto, é noviso
na Retorica. Mas, declarando isto melhor aos principiantes:

Tem a Retorica ornamentos naturais, e artificiais: aqueles entram
necesariamente em qualquer obra: estes com parcimonia. O primeiro
ornamento é a verdade, ou semelhansa das-palavras com as ideias, e
objeto delas. A mais medonha cobra pintada, agrada: as coizas mais
ordinarias, quando sam bem explicadas, nam podem dezagradar. Deve
o discurso ter primeiramente, clareza nas expresoens, para poder
insinuar-se no-animo; armonia, e facil pronuncia. Estes sam os
naturais. Entre os artificiais, poem-se as Figuras todas, os Tropos,
as magnificas expresoens, as aluzoens, alguma ingenhoza aplicasam &c.
as quais sam às vezes tambem recebidas, como a mesma verdade: e elevam
a alma com o encanto oculto da-grandeza, para a qual ela tem propensam
natural. Nestes é em que se-deve empregar o juizo, distribuindo-os
com muita parcimonia, e boa eleisam. Nenhuma coiza orna, que nam seja
racionavel: quando os ornamentos sam repetidos, ou estam muito juntos,
sam importunos, e dezagradam muito: confundem a vista, e cobrem toda a
beleza do-sugeito. Ja nisto falámos larguisimamente. Finalmente quando
o ornamento, nam se-funda em verdade, aindaque um pouco encarecida; é
uma afetasam ridicula, que mostra nacer, de um ingenho mui trivial. Os
ignorantes sam, os que procuram com cuidado, estas ridicularias, para
aquistar fama de doutos por-esta via, visto que a-nam-podem por-outra.

Outro defeito ainda acho, em que comumente caiem, e vem aser, encher
o discurso de alegasoens importunas, de pasos Latinos, de versinhos,
e outras coizas que incontram. Podem as aluzoens, alegasoens &c. ter
lugar, quando á necesidade de ouvir as palavras, na mesma lingua
original; ou para mostrar a sinceridade, de quem as-cita; ou a
elegancia, de quem as-escreveo: o que raras vezes sucede: tudo o mais é
tempo perdido, e trabalho mui escuzado. Este dezejo de parecer erudito,
com a repetisam de mil pasos de autores, tem alucinado infinita
gente. Conheci um, que nam abria a boca, que nam repetise um verso
de Marcial, de Juvenal &c. Examine V.P. este ponto, e achará, que o
defeito é mais geral, doque nam parece. Conheso pouquisimos estudantes
desa Universidade, falo principalmente dos-Opozitores, e dos-que tem
prezunsam de literatura; cuja conversasam seja toleravel. Para dizerem,
que agora é dia; sairám com um, e talvez muitos textos do-Digesto, ou
Codigo &c. Nam deixam pasar coiza, que nam ornem com algum versinho
moderno: e quem sabe mais disto, é mais ciente. Aquele, _Erubescimus
sine lege loqui_, intendem-no tam nû e crû, que é uma piedade. Tambem
entre os Religiozos, nam falta desta fazenda: aquele, _tandem, item, a
parte rei, cum hoc quod, hoc unum est_; e outras destas palavras, sam
mui frequentes nos-seus discursos: e tambem seus textos da-Escritura,
e seus versinhos Latinos. Isto entra em todas as conversasoens,
aindaque sejam de idiotas, e molheres: antes nese cazo melhor, porque
se-grangeia fama sem embaraso.

Este mao modo de pensar, e discorrer, pasou ja das-conversasoens, para
as compozisoens: e por-iso V. P. ve tantos discursos, ou sermoens, ou
orasoens, que se-nam-podem sofrer. Tenho lido mil orasoens modernas * *
* e rarisima achei, em que nam intráse Plinio o moso, claro ou oculto:
mas pola maior parte entra claro: e às vezes a orasam tem mais palavras
de Plinio, doque de quem a-compoz. Ouvîram dizer, que o Panegirico de
Plinio, é o mais suportavel, que nos-deixou a Antiguidade; e sem mais
exame, enchem tudo de Plinio. Outros pasam do-Panegirico às Cartas:
um destes é o P. * * que no-elogio funebre de Julio de Melo, faz uma
istoria, em que introduz muitos periodos, tirados de varias cartas de
Plinio, que dizem o mesmo, que ele repete. Este modo de elogiar, é
totalmente novo, e ignoto à Antiguidade: mas nem por-ser novo cuido
que agradará, aos que intendem a materia. Nestes Panegiricos achará V.
P. duas coizas comumente: uma, é Plinio, e algum autor semelhante: a
segunda, é o Sol, com as Estrelas. Mais vara menos vara, aqui vem dar
todos. Serîa porem melhor, que estes autores puzesem departe, Plinio;
e disesem alguma coiza de sua caza: e nam dezenquietasem as Estrelas,
trazendo-as para uma coiza, para a qual nam calsam bem. Nam é este, o
modo de elogiar. disto se-rim todos os omens que sabem.

Até as aprovasoens dos-livros, andam cheias destes textos, às
vezes arrastadisimos, e talvez tirados da-Escritura, para provar
uma frioleira. Os que nam trazem textos, introduzem razoens bem
desnecesarias, e difundem-se em elogios, tam excesivamente encarecidos,
que ninguem os-pode ler sem nauzea. Aindaque disesem a verdade, e
bem; sempre era um grande defeito, e impropriedade. Vi á anos a vida
do-Infante D. Luiz, em 4.^o escrita polo Conde de Vimiozo; da-qual
as aprovasoens, sem encarecimento algum, compoem metade do-volume.
E nam só fazem isto nos-livros; mas em papeis avulsos, e breves. Vi
uma Egloga, escrita por-um certo Felipe Jozé da-Gama, no-nacimento
de um neto de Joam Alvares da-Costa; cujas aprovasoens eram maiores,
que a obra. O pior é, que tinha uma aprovasam do-Conde da-Ericeira,
D. Francisco Xavier de Menezes, que caîa na mesma simplicidade. Com
efeito, este era o carater do-dito Conde: que, para mostrar que
sabia muito, carregava as suas pinturas, com tantos ornamentos, e
doutrina, que pareciam ridiculas. Ele era um omem erudito: mas ignorava
totalmente aquilo, a que chamam modo, metodo, e criterio. comtantoque
falàse muito, nam lhe-importava se dizia bem. E naverdade na dita
aprovasam da-Egloga, tem coizas indignas. Deixa logo o argumento,
e pasa a descobrir entre Joam Alvares da-Costa e Asinio Pollio,
grande uniformidade. despois, difunde-se sobre os louvores da-Poezia.
finalmente faz uma selada tal, que nam vi coiza mais confuza. Eu nam
disputo agora, se a dita Egloga merece eses louvores: concedo tudo de
grasa: o que digo é, que se-explicava em duas palavras: e é grande
impropriedade fazer uma censura eterna istoriada, para uma brevisima
Egloga. Certamente o P. Estacio de Almeida, que em materia de Poezia
Latina, cuido que sabe alguma coiza mais, que o dito Conde; mostrou
o seu juizo na aprovasam, contentando-se com dizer, que era digna de
s’impremir. E isto deviam tambem fazer os outros: deixando de fazer
Panegiricos, a coizas que nam merecem, ou que merecem menos: e fazèlos
de um modo, que merece mais rizo a erudisam que trazem, que a que
lhe-falta. O P. D. Manoel Caietano de Souza, tambem seguia esta opiniam.
Compoz o Sargentomór Manoel Coelho, uma Explicasam das-oito partes
da-orasam: mas tam pequenina, que nem menos se-lhe-deve chamar livro,
mas caderninho. (foi impresa em Lisboa, no-ano 1726.) Sucede que D.
Manoel aprova esta obra: e aqui, tomando as coizas desde o principio,
faz uma longuisima censura, e um catalogo dos-Gramaticos do-Reino &c.
Tudo coizas desnecesarias! E sei eu, que, se ouvèse de impremir-se
em outro Reino, se-contentariam com escrever, _Imprimatur_. Com esta
advertencia observe V. P., as aprovasoens dos-livros, e verá, que ainda
nam digo metade, do-que devia. Neste particular de aprovasoens, nam
vi omem em Portugal mais moderado, que Fr. Manoel Guilherme: fugia
quanto podia de mentiras e afetasoens; e claramente dizia, o seu
parecer. Mas oje sucede o contrario: porque às vezes fazem-se empenhos,
para determinar os censores: e estes tais, nam censuram o livro, mas
agradecem a eleisam. E sei eu tambem, que quando o P. * * * impremio
a sua obra * * tendo feito um Teologo, a censura difuza; foram-lhe
pedir novamente, que se-dilatáse mais, e louváse a obra com maior
extensam. E nam podendo livrar-se do-empenho, que era forte; acrecentou
alguns sinonimos, para satisfazer às partes: o que sei da-mesma boca
do-censor. Onde com estes exemplos, nam devemos admirar-nos, se
incontramos os elogios tam frequentemente * * *

Mas, tornando à dita erudisam afetada, digo, que a este modo de ornar e
discorrer, chamam os Retoricos, _ornamentos falsos_. Porque os outros,
podem ter lugar no-discurso, e só se-procura a parcimonia: estes, de
nenhum modo devem intrar nele. Ja gran tempo é, que os omens de juizo
clamáram, contra este abuzo: principalmente porque, bem examinada a
coiza, é uma solenisima impostura, e azilo de ignorancia: sendo certo,
que estes tais nunca tem menos erudisam, que quando mostram ter tanta.
Quem ouve aquela machina de textos, persuade-se que é um omem, de
erudisam infinita: mas nada menos: e eu poso jurar de muitos, que nam
abriram os livros que citam, aindaque sejam bem uzuais. Remedeiam-se
com o _Theatrum Vitæ Humanæ_, _Polyantea de Langio_, e outros destes
armazens, em que polo A. B. C. acham-se as materias, dispostas. De que
vem, que os omens inteligentes nam podem menos, que rir-se de tais
compozisoens. Lembro-me, que um leitor de certa Religiam, querendo
persuadir-me, que um seu amigo sabia Latim perfeitamente; dizia-me,
que lia sempre por-_Plutarco_: e carregava muito em _Plutarco_. Ouvi
esta muzica algum tempo; e nam podendo sofrer mais, proguntei-lhe,
se _Plutarco_ era bom Latino. Aqui o omem: _Poisque, iso tem duvida?
na antiguidade nam acha V. P. um Latino, como Plutarco._ O que daqui
se-seguio foi, ficar eu formando mui mao conceito, dele, e do-seu
amigo. De um, por-dizer o que nam sabia: pois se tivese aberto
Plutarco, ou acharia o texto Grego com a versam Latina; ou tendo
somente a versam, acharia no-frontispicio, o nome do-tradutor.
Do-outro, porque aindaque a tradusam, nam seja barbara, contudo nam é
livro para se-imitar: falo da-versam de _Curserio_, e _Xilandro_, &c.

Tambem nam é pequeno defeito, a grande repetisam de sentensas, sem
necesidade. Persuadem-se muitos, que, falando por-sentensas, ficam
graduados como sutilisimos, e fundadisimos letrados. Lèram em Seneca
Filozofo, ou Lucano, ou Tacito, ou algum semelhante, uma quantidade
destas sentensas; e, sem mais exame, nem advertencia, adotam aquele
estilo; e deitam mais sentensas pola boca fóra, que uma carranca de
xafariz nam deita agua. Verdadeiramente é um divertimento, bem digno
de se-procurar em oras ociozas, ter uma conversasam com um destes.
Eu gozei esta felicidade algumas vezes: e nam me-podia satisfazer de
observar, aquela circunspesam magistral, com que proferem as palavras,
em tom decizivo e com toda a magistralidade, de um Padre de Concilio.
Ja eu lhe-perdoára a materia: o que nam poso sofrer é, o modo com
que se-explicam. Se eles tivesem observado e intendido, que aquele
mesmo Seneca foi o primeiro, que comesou a perverter, o bom gosto
da-Latinidade, com tam enfadonhas sentensas: com as quais perdeo entre
os seus, e entre todos os que se-seguîram de alguma estimasam; aquele
conceito, que poderia aquistar, se fose mais parco de ornamentos;
saberiam entam, com que olhos se-devem ler, certos autores. Mas eu
falo em um suposto, que me-parece falso, e vem aser; que estes tais
profiram, verdadeiras sentensas: falam como se fose por-sentensas; mas
nam sei se o que dizem, merece este nome. Porque a Sentensa deve, em
poucas palavras, dizer muito, e dize-lo com modo singular: o que raras
vezes se-acha neles.

Note tambem V. P. outro defeito de eloquencia, no-mesmo frontispicio
dos-livros. Estam estes seus autores, tam preocupados polas
esquipasoens, que nam se-contentam, de pór o titulo do-livro claro:
mas ou inventam um estrambotico, ou acrecentam algum epiteto, que
oscurece o negocio. v. g. _Cristais, d’alma, fraze do-corasam: Fenix
renacida: Alivio de tristes, consolasam de queixozos_: e outras coizas
destas, que quando eu as-leio, me-vem à memoria, o _Belorofonte
literario_, _Clypeus Mundi_, e outros titulos ridiculos, que só
estavam bem, na boca de D. Quixote de la Mancha. E isto nam só achará
V. P. entre os Antigos, mas entre estes Modernos. Traduz um Bacharel
os Epigramas do-P. Reis, em verso Portuguez, e dá-lhe este titulo:
_Imagens conceituozas_. Ora, falemos sem paixam, intende V. P. que,
lendo-se estes titulos, poderá um omem advinhar, o que contem estes
livros? Eu nam tenho dificuldade em apostar, que nam: e digo mais,
que este autor nam intendeo, o que quer dizer aquele titulo: pois,
a falar verdade, nam á maior despropozito, que a uniam daquelas
duas palavras, para explicar a dita versam. E ponho agora de parte
a loucura, de traduzir em Portuguez, epigramas destes Latinos, cuja
galantaria nam consiste, em um conceito nobre; mas em palavrinhas,
ou equivocos, que perdem o pico, na tradusam. Mas nam pára nisto o
abuzo: antes chegou a termos, de se-nam-chamarem as coizas, com os seus
nomes, porem com outros muito diferentes. Vi concluzoens de Logica,
que se-intitulavam: _Regnum Algarbiense in quatuor vicos distinctum:
Vicus primus, de Signis: secundus, de Enunciatione_ &c. que se-podia
intender, ser uma carta geografica. Outras de Filozofia intitulavam-se:
_Pigmenta Philosophica_. Finalmente chamavam-lhe como queriam. E
isto é mui frequente, nas escolas da-Companhia: e nam faltou ja quem
me-disèse, que eram titulos ingenhozos. Estes titulos, _Conclusiones_,
_Propositiones_, _Theses_, nam prestam ja para nada: sam coizas
dos-antigos, e nomes mui ordinarios. E que chama V. P. a isto, senam
jurar, de nam dizer as coizas direitas, mas de falar em Persiano, ou
Chinez?

E se V. P. examinar este defeito, achará, que sam poucos os autores,
que nam caiam nele. Outros acrecentam epitetos afetados. v.g. _Regras
da-lingua Portugueza, Espelho da-lingua Latina_: deixando agora
muitos outros, que podia acrecentar. Contudo eu intendo, que era
mais natural, e nobre dizer: _Regras da-Gramatica Portugueza, para
introduzir os rapazes, na Gramatica Latina_: ou ainda mais breve, e
melhor: _Introdusam para a Gramatica Latina_: e falando asim, todos
o-intenderiam. Que fizesem isto nos-dois ultimos seculos, paciencia:
mas agora, que o mundo abrio os olhos, e todos procuram explicar-se
bem; nam se-pode sofrer: e vale o mesmo que mostrar, que nam intendem
em que consiste, a elegancia da-lingua, e a forsa da-eloquencia. Os
_seicentistas_ sam os que caîram, nesta ridicularia: os antigos doutos
todos, a-evitàram: e se algum se-desviou dela, nam teve sequazes,
e deve ser reprovado. Os titulos dos-Antigos, todos sam simplezes:
_Cornelius Celsus, de Re Medica: Caii Julii Cæsaris, de Bello Gallico_
&c. _Ciceronis Orationes, Epistolæ, de Finibus bonorum_ &c. e outros
a estes semelhantes. Estas palavras mostram bem, o de que se-trata:
e aquela nobre simplicidade encanta mais, que todas as afetasoens,
a quem intende, que coiza é Eloquencia. Os Modernos doutos, quando
nam sam anonimos, que querem brincar; servem-se de titulos sezudos,
breves, e claros: e nisto é em que oje se-cuida. Com efeito nos-titulos
se-mostra, o juizo do-autor. Eles sam os que apontam a materia: e devem
nam dizer mentiras, e falar em lingua, que todos intendam.

Pertencem a esta clase, os que nas Concluzoens publicas, poem
por-questam principal uma coiza, que nam significa nada, e nam pertence
à materia. Confeso a V. P. que quando a primeira vez, vi neste Reino
estas concluzoens, fiquei pasmado: e quando vi, que a dita questam nam
se-disputa, nem serve de nada, ainda me-admirei mais. Um destes imprime
umas Concluzoens de Logica: dedica-as a Cristo Crucificado: (porque
estes mosos tem tanta devosam, que em nenhum lugar a-podem encubrir)
e poem por-questam principal: _Se ficou mais gloriozo Cristo na cruz,
que no-Tabor._ Outro faz umas concluzoens de Materia Primeira, e poem
por-questam: _Utrum in Lunæ concavo degant homines?_ Finalmente é bem
raro aquele, que poem questam principal, tirada das-concluzoens: mas ou
da-dedicatoria, ou de outra coiza, que nam significa nada. E estarám
às vezes semanas inteiras, lambicando o ingenho, para excogitar uma
questam sutilisima, que calse bem à dedicatoria. E que chama V. P. a
isto? senam dizer mentiras: servir-se de palavras que nam significam
nada: improprias ao argumento: só para mostrar, que tem ingenho. Saiem
eles logo dizendo, que é um costume antigo: E eu respondo, que é mao
costume: e que se-deve emendar. Na minha Italia poem-se as concluzoens
simplezmente, sem estes rodeios. Se as concluzoens sam dedicadas a
Cardiais, ou Bispos, ou outras pesoas grandes; estes vam asistir
em publico, asentados defronte do-Defendente: o qual porem está na
cadeira: e ali faz ao principio um comprimento Latino, à pesoa a quem
dedica, breve, e claro: e procura falar em lingua, que todos intendam,
e mostrar a sua doutrina sem sutilezas, nem coizas que meresam rizadas.

Nem intenda V. P. que estes defeitos que aqui aponto, sam de um ou dois
autores: nam senhor, sam gerais. Leia V.P. estas obras Portuguezas
modernas, principalmente orasoens Academicas, em que fazem ostentasam,
de toda a erudisam e advertencia; e confirmará o que digo. * * * Entre
os modernos, o Conde da-Ericeira tem muito disto, como ja disemos.
Comesa as suas coizas com uns rodeios, e umas oscuridades, que sem
comentos nam se-intendem. Daqui pasa a acarretar, tudo quanto leo:
e comumente dezempara o asumto, para dizer o que lhe-ocorre. v.g.
No-elogio Funebre de Francisco Dionizio de Almeida diz, que tomava
por-empenho, descrever o elogio de Tito Pomponio Atico, que morrèra
no-dito dia. Mas sem falar em Atico, mete outras noticias estrangeiras,
e diz mui pouco do-defunto. Promete encarecer a perda do-defunto: mas
nada disto faz. O mesmo Conde no-elogio do-Papa Inocencio XIII. declara
logo, que nam seguirá os preceitos da-Retorica, mas da-Istoria: e com
efeito faz um catalogo difuzisimo e insoportavel, da-gerasam do-dito
Papa: e deste nam diz nada. Devendo porem saber, que a obrigasam sua
era, exaltar as virtudes do-seu eroe, e nam as dos-pasados. Pois
asimcomo nenhuma molher feisima merece ser louvada, porque é filha,
de uma molher mui bonita: antes polo contrario, a fermozura da-maen
dá ocaziam, paraque nos-admiremos da-filha: asim tambem as virtudes
dos-pasados, nam servem de panegirico aos prezentes: é necesario
mostrar, que estes excedem os seus maiores, nas mesmas asoens. Do-que
fica claro, que o dito Conde sabia pouco, elogiar. E nam se podia
esperar menos, de um omem que protesta, de nam seguir a Retorica. E
quantos parentes, quero dizer, apaixonados, nam vemos deste fidalgo!
Mas sem nomiar mais ninguem, provarei tudo com outra orasam, feita na
morte, de D. Manoel Caietano de Souza: da-qual porem nam sei quem é
o autor, nem onde foi impresa; porque uma que achei em certa parte, e
ainda conservo, nam tem as primeiras folhas, e comesa na folha 7. Mas
seja quem for, é moderno: vistoque o Souza morreo á pouco tempo: e se
V. P. a-tem lido, achará uma grande prova do-que digo.

Este omem faz uma orasam, que é um groso volume. Primeiro defeito
do-panegirico. Confeso, que asisti a muitas e diferentes exequias,
de Pontifices, Imperadores, Reis, Principes soberanos, Cardiais, e
Senhores grandes: e nunca vi alguma, que chegáse à metade desta. Mas
isto é nada. tudo o que ele diz do-tal Souza, podia-se reduzir à
quarta parte, e ainda serîa longa. Consiste pois este grande volume,
emque o tal Panegirista, para mostrar que era erudito, verteo nela,
quanta erudisam tinha. Explicarmeei se diser, que ali se-acha o
_Teatro de los Dioses_, _e Theatrum Vitæ Humanæ_, em corpo e alma.
Nam diz coiza alguma, para que nam traga um bocado de antiguidade,
comumente arrastada. v.g. Para dizer, que o Souza unia a piedade com
a ciencia[52]; introduz a parentezis de uma pagina, em que entra
Alexandre, Cezar, Cipiam &c. Para dizer, que o dito nam quizera mostrar
a sua ciencia, senam em Lisboa[53]; nomeia Universidades sem tom nem
som: saltando de Bolonha aos Paizes Baixos: de Pariz outra vez a Padua:
de Espanha a Germania &c. e a cada paso mete fabulas, sem pés nem
cabesa. E este justamente é o defeito, que eu asima condenava. Sobre
o que me-lembro das-grasas, de um omem mui douto, que foi Monsenhor
Sergardi: Este quando se-achava em alguma parte, em que algum destes,
que tinham lido alguma fabula, ou istoria, a-queriam introduzir ou bem
ou mal; dizia-lhe galantemente: _Diga, meu senhor, diga tudo o que tem
estudado, esta noite._

Nam falo ja em alguns erros de istoria: como dizer, Que a barca
de S. Pedro navegou polo Tibre: Que por ele tambem intráram, as
Troianas galés de Eneas: e outros semelhantes[54]. Um bocadinho
que estudáse mais de Istoria, e Geografia, lhe-mostraria, como as
coizas ou foram, ou nam foram: e lhe-ensinaria, que o lugar em que
dezembarcou Eneas, nam foi o Tibre, polo qual nunca navegou. Chama aos
Romanos, decendentes de Eneas, e Ascanio. como se Eneas fose o Noé
dos-Lavinios, Albanos, e Romanos! Mas a isto chamo eu venialidades: o
que nam poso sofrer, sam outras falsidades, que diz naquele panegirico;
principalmente quando quer saîr, fóra de Portugal. Neste cazo o omem
transforma tudo. Um comprimento feito a D. Manoel Caietano, uma
carta escrita mais cortezmente, sam autenticas provas, da-sua imensa
literatura. Que pouco informado é, da-politica dos-outros Reinos, este
Panegirista! e quam pouco sabe distinguir, o encarecer uma coiza, e
o inventala! Pode o Retorico dilatar, e exagerar muito um argumento:
mas sempre dentro dos-limites da-verosimilidade. Ora é uma parvoice
manifesta dizer, Que o Souza foi a Roma, _para espantar todo o orbe
literario: Que em todo o mundo se-ouviam, os brados da-sua fama: Que
a Europa suspensa e admirada confesou, que excedia a sua mesma fama
&c._[55]: _Que a Europa confesou, que a sua erudisam era maior, que
todos os encarecimentos, com que o-celebravam no-mundo, as mesmas cem
bocas da-Fama_[56]. Isto sam mentiras mui manifestas: e a isto chama-se
satirizar, e nam, elogiar. Nam pára aqui a galhofa: diz, Que nam
se-sabe em Portugal, que os Reinos estrangeiros desem, nestes ultimos
tempos, um omem, que se-posa comparar ao Souza[57]. Que o-nam-saiba
ele, concedo: vistoque pola sua orasam, mostra saber muui pouco: mas
que o-ignorem outros Portuguezes, nego redondamente. Conheso eu omens,
que sabem distinguir muito bem D. Manoel Caietano, de infinitos omens,
muito mais doutos que ele.

Eu creio que D. Manoel Caietano foi douto, e soube mais, doque o comum
dos-Portuguezes: aindaque eu nam poso julgar por-experiencia, porque
nunca o-tratei: mas polas suas obras o-discorro: mas nam sam elas
tais, que ponham um omem, na primeira esfera dos-doutos. E sei eu
muito bem, que a sua _Expeditio Hispanica_, é mui pouco estimada em
muitas partes: e que nam pode obrigar, os omens mais doutos, e de uma
critica purgada; a que mudasem de opiniam, sobre a vinda de Santiago:
e eu sou um daqueles, que ainda nam se pode persuadir, das-suas
razoens. Mas querèlo comparar, com outros grandes omens da-Europa, é
mostrar, que nam intende este oficio. Que semelhansa tem o P. Souza,
com Petavio, Sirmondo, Launoi, Arnaud d’Andilly, Valois, Morin, Huet,
Bossuet, Tomassin, Noris, Calmet, Mabillon, e outros muitos Catolicos?
ou com algum dos-Erejes, como Grotio, Scaligero, Usserio, Selden,
J. Gerardo Vossio, Daniel Heinsio, Dallé, Samuel Petit, Saumaise,
Bochart, Lightfoot, Hottinger, Joam Gronovio, Luiz de Dieu, e outros
muitos que deixo? os quais todos vivèram no-seculo pasado, e muitos
deles alcansáram D. Manoel Caietano, e morrèram neste seculo? Que
semelhansa, torno adizer, em vastidam de noticias, em antiguidades,
linguas orientais, Teologia &c.? tanta como o dia com a noite. Estes
é que foram conhecidos, em todo o mundo douto, e seram eternamente
venerados. Bem mostra este Panegirista, que nam sabe que coiza é
erudisam, quando fala desta sorte. Nam falo na Filozofia, pois todos
sabem, que omens florecèram, no-fim do-seculo pasado, e no-prezente:
dos-quais a D. Manoel Caietano, (que dizem era Peripatetico, ou
aindaque o-nam-fose) á bem legoas de distancia. Em tudo se-mostra o
Panegirista, pouco informado do-mundo: e, polo que vejo, cuido que era
algum pobre Religiozo, que nunca saîra de Portugal; e asim vivia mui
satisfeito da-sua terra: pois chega a dizer, que as Universidades de
Portugal, até no-edificio, excedem muito, as dos-outros Reinos[58].
No-que mostra intender tanto de Architetura, como de erudisam. Mui
diferentemente me-falou um Portuguez, que estivera em Roma, e tinha
outros conhecimentos: o qual confesou limpamente, que em materia de
bom gosto, valia mais uma só janela da-Sapiencia, ou Universidade
Romana, ou do-Colegio Romano dos-Jezuitas, que todas as Universidades,
e Colegios de Portugal: e nam era encarecida a propozisam. Este é o
motivo, meu amigo e senhor, porque os Estrangeiros nam crem, em nenhum
destes panegiricos: porque dizem, que os Portuguezes, namobstanteque
comumente sejam invejozos, e digam mal uns dos-outros; quando
porem tomam o empenho de elogiar, mentem dezencaixadamente, e tudo
transformam: e até dizem mal dos-outros todos, para elogiar o seu eroe.
Se louvam um Santo, nam só nam á Santo igual ao seu; mas quazi chegam a
dizer mal, dos-outros todos. O mesmo faz o noso Panegirista.

Que um omem fasa uma orasam mui mal: que se-explique infelizmente:
que introduza na-orasam, quantas coizas leo: que ignore o estilo de
elogiar, e amplificar os argumentos: que seja languido e sem grasa na
compozisam: que nam saiba, manejar a sua lingua: que ignore a colocasam
das-palavras, e armonia dos-periodos: como faz este Panegirista; nam
serîa grande coiza: o que nam poso sofrer é, que tenha prezumsam
desmedida, e que diga mal dos-outros, e d’aquilo que nam intende. O
que se-faz nestas orasoens, e com especialidade o autor desta. Para
dizer, que o Souza estudou em Portugal, e nam fóra dele; emprega quatro
boas paginas[59], dizendo mal, dos-que vam estudar fóra de Portugal:
porquanto cá em Portugal, segundo ele diz, tudo se-acha, e muito
melhor, que nos-outros Reinos. Os mesmos livros: omens mais doutos:
Universidades melhores, e mais florentes da-Europa: Portugal é o Reino
da-Sabedoria; do-qual os Estrangeiros podiam participar com mais razam,
doque os Portuguezes deles: e outras semelhantes. E que diz V. P. a
esta propozisam? á coiza mais estupida! E concedem-se licensas, a
semelhantes escritos! Senhor Panegirista, responderia eu, nam basta ter
os livros, é necesario intendèlos: e iso é o que os praguentos dizem,
que muitos cá nam sabem. Todos os Latinos nas escolas lem Cicero; e
poucos o-intendem; e muito menos o-imitam. Mas, suponhamos que o-sabem
alguns; Porventura, sabem-no ou ensinam-no nesas Universidades? nam
senhor, que eu prezenciei tudo o contrario. Alem diso, aqui nam á
exercicio de linguas, Filozofia boa, Matematicas, Teologias Pozitivas
&c. Istoria, Medicina verdadeira, e outras faculdades: se me-nacer
alguma duvida, a quem o-ei-de proguntar? Alem diso, esa falta de
exercicio é cauza, de que se-ignorem muitos livros: pois é certo, que
em Portugal, nam se-conhecem livros bons, que sam bem vulgares em
outros Reinos: e o Panegirista é um deles; que por-nam conhecer os
autores, diz muita falsidade, no-seu Panegirico. Despois que se-fundou
a Academia da-Istoria, quantos livros nam se-conhecem, que antigamente
se-ignoravam? Concedo, que se em Portugal se-introduzisem outros
estudos, com o andar do-tempo fariam o mesmo, que nos-outros paîzes:
mas como ainda estamos mui longe d’esa epoca, nam é maravilha, que
muitos vam estudar fóra, o que cá se-nam-sabe. Prouvera a Deus, que
fosem muitos mais: e que estudasem bem: e viesem introduzir ese bom
gosto, em Portugal.

Quanto ao que diz o Panegirista, que os Estrangeiros podiam aprender,
dos-Portuguezes; tem muita razam: mas deixo a V. P. o-determinar, se
á-de ser em armas, ou letras. Se ele soubèse o conceito, que aqueles
tem dos-Portuguezes, ficaria mui admirado. E para nam buscar exemplos
remotos, direi a V.P. que eu falei em certa Cidade, com um Religiozo,
que viera instruir em Rilhafoles, os ordinandos: e me-dise, que
ficára pasmado, de ver a ignorancia destes paîzes, principalmente
dos-Clerigos: muitos dos-quais, nam obstante terem fama de doutos,
necesitavam aprender, os primeiros rudimentos da-Fé. Este falava
por-experiencia; pois estivera dois anos em Portugal: era alemdiso um
omem de virtude, e mui moderado no-falar. Veja V. P. que conceito eles
tem disto. Pode-se notar no-mesmo Panegirista, a incoerencia: Quando
lhe-tem conta, para avultar a ciencia do-Souza; Roma é uma Cidade cheia
de omens doutos: a Arcadia é uma coiza famozisima: é um congreso de
Virgilios, e Oracios. Quando nam lhe-tem conta, os Estrangeiros nam
sabem nada: e tudo podem aprender, dos-Portuguezes: quem intenderá
tal omem! Em uma palavra, este omem cuido nam fez coiza pior, na sua
vida. Todas as comparasoens que faz, sam arrastadas, e inverosimeis:
as exclamasoens, que frequentemente introduz, fóra do-propozito, e
do-lugar: as parentezis longuisimas, superfluas, e insoportaveis: a
fraze afetada, mas sem elevasam ou nobreza; repetindo em cada regra a
_Ilustrisima_, a um Religiozo, e a um morto. Finalmente nam sabe dar
forsa, aos argumentos que traz, dilatando-os com artificio retorico.

Mas nam quero falar mais nesta materia, porque parece que faso grande
cazo, de uma coiza que o-nam-merece. é fazer grande favor ao autor,
criticar-lhe os defeitos, que sam infinitos. Antes devo pedir a V. P.
perdam, de o-ter demorado, com semelhante orasam: o que fiz por-duas
razoens: Primeira, paraque V. P. vise, a infinita distancia que poem,
entre sermam funebre na igreja, e orasam funebre na academia: como
se os preceitos da-Retorica fosem diferentes! Segunda, paraque vise
pintados em uma só orasam, todos os defeitos que lhe-tenho apontado,
reinarem nestes paîzes: pois sendo este um dos-modernos, caie em todos
eles, nam dizendo o que deve; e dizendo o que nam deve. Os quais sam
mui consideraveis defeitos, de Retorica.

O que até aqui tenho exposto a V. P. bastantemente mostra, o que eu
tinha proposto: e dá uma verdadeira ideia, do-que é Retorica, em que
se-deve uzar, e como se-deve uzar. E com efeito menos ainda basta:
poisque tendo V. P. grande compreensam de materias, e mais que tudo,
formando juizo exato das-coizas; nam lhe-podem ser ocultas, estas que
aponto; e nam pode deixar de falar, com belisima Retorica. Mas á juizos
tam sepultados na materia, que nam podem considerar outras coizas,
senam aquelas que uma vez vîram: nem receberám a verdade mais clara, e
demonstrada, se nam é proposta com aqueles termos, e por-aquele metodo,
que uma vez ouvîram. Isto me-obriga a fazer alguma reflexam, sobre as
partes da-Retorica, ou sobre estas Retoricas uzuais, e principalmente
sobre o estilo do-pulpito: vistoque nestes paîzes, para isto inclinam
mais: e nisto é que necesitam, de melhor diresam; para os-livrar
daqueles ridiculos prejuizos, de que estam cheios.


_METODO DE PERSUADIR._

Manifesta loucura é persuadir-se, que é necesario saber tudo, o que
dizem as Retoricas, para ser Orador[60]. Ja adverti a V. P. que
estas Retoricas comuas, eram pola maior parte uma lista de nomes,
e divizoens, impertinentes de se-aprenderem, e dificultozas para
se-conservarem: mas tudo isto podia suceder, aindaque a materia fose
boa. Porem eu nam paro aqui, mas digo, que nam só polo modo com que
o-dizem, mas iso mesmo que dizem, tem pouquisima ou nenhuma utilidade;
e nada conduz para o fim, de falar bem, e persuadir. E digo da-maior
parte delas, o que lá dise Cicero de outra Retorica, que escrevèra
Cleantes, _Que para nam saber falar, nam avia coisa melhor_[61]. Sam
sinco as partes da-Retorica: Procurar meios de persuadir: dispolos:
falálos bem: estudálos de memoria: e pronunciálos com as asoens que
se-devem. A isto ajuntam, os trez meios de persuadir, que sam as
provas, os costumes, e as paixoens dos-ouvintes. Dizem alem diso,
que qualquer discurso oratorio deve ter exordio: despois, narrar o
fato: despois proválo, e responder aos motivos contrarios: finalmente
perorasam, na qual se-faz um epilogo dos-motivos, e se-excita
novamente, o animo dos-ouvintes. Tudo isto é verdade: mas se pararmos
aqui, pouco saberemos de Retorica. Eu direi alguma coiza da-_Invensam_:
sobre as outras, reporto-me a eses livros comuns; e só tocarei, o que
me-for necesario.

Para buscar argumentos ou provas, que persuadam, o que pertende o
Orador; propoem os Retoricos uma lista de nomes, aque chamam, _lugares
comuns_: os quais ensinam, considerar o argumento de tantas partes, e
voltálo de tantas maneiras, que seja facil, dizer muita coiza do-tal
sugeito. Confeso, que estas considerasoens genericas, dam materia
para falar muito; e em tal ou qual cazo, podem nam ser inutis: mas,
seguindo o parecer dos-omens de exata critica, constantemente digo,
que estes lugares nada menos ensinam, que a falar bem: suministram
ideias gerais, palavras sem sustancia, narizes de cera, que se-aplicam
a tudo, e nam persuadem nada em particular. Um destes que cre muito
nos-_Topicos_, falará uma ora inteira, sem dizer coiza alguma com
propozito: justamente como os Logicos da-Escola. Estes escrevem
longuisimos tratados de _Syllogismo_, dam mil regras, para discorrer
com propriedade, e sem falencia; e para provar tudo o que ocorrer. A
ouvilos na cadeira, julgará um omem, que sam letrados universais: mas
introduza-os V. P. em um discurso particular, e verá, que tudo aquilo
é palhada: concluirám um discurso pior, doque nam fará, um oficial
ignorante. Muitas vezes nam sabem nem comesálo, nem acabálo: e se
lhe-metem a pena na mam, é lastima ver, como escrevem as suas razoens.
O mesmo Cicero, que tam apaixonado era pola Retorica, e seus preceitos,
que escreveo um livro dos-Topicos; contudo reconhece, que é necesario
muito juizo, para se-servir destes lugares, em modo que nam digamos
parvoices[62].

Quem pois reflete nisto, intende o conceito que se-deve fazer, de
semelhantes _lugares_. Se nam fose permetido falar, senam naquilo
que se-sabe, a maior parte destes, que fazem profisam de falar em
publico, ficaria calada. Ninguem é capaz de discorrer em uma materia;
se é que a-nam-tem estudado fundamentalmente: e nunca poderá deduzir,
boas consequencias, se acazo nam posûe bem, os principios. Pode um
Fizico estar cheio de silogismos, até os olhos; ter lido quantas
ridicularias se-tem dito, sobre os apetites da-Materia; se acazo nam
tem bem examinado, as experiencias: nam poderá explicar, qualquer
uzual fenomeno. Pode um Teologo saber, a quinta esencia da-_fórma
silogistica_; mas se nam sabe bem, em que textos se-fundam os Dogmas,
nam será Teologo senam de nome.

Isto suposto, a primeira e importantisima regra da-Invensam é,
intender bem a materia, que se-trata[63]: porque só asim facilmente
se-incontram, os argumentos proporcionados ao sugeito: e tam facilmente
se-incontram, que naturalmente se-aprezentam, caiem da-boca, e da-pena.
Este é o grande defeito, destes Pregadores Portuguezes. Propoem-lhe
uma materia, que eles ignoram: e em lugar de estudarem o que devem,
formam logo ideia, do-que querem dizer; e despois procuram os textos,
que fasam ao intento: e se os-nam-acham, violentamente os-arrastam:
porque finalmente, seja como for, deve-se provar, o que se-propoz.
Ora a Escritura nem sempre dá textos literais, para confirmar todas
as chimeras, que os Pregadores propoem: e asim é necesario recorrer,
a algum destes comentadores Peripateticos: muitos dos-quais adotam
nos-comentarios, as sutilezas: e, se falta este, nunca falta um
destes Asceticos, que provam tudo o que querem: e temos o sermam
feito. Se o Pregador tivese estudado a materia, conheceria, que
verdades importantes, como sam as da-religiam, nam se-podem provar com
sutilezas, mas com razoens solidas: razoens solidas nam se-podem achar,
para provar conceitos ridiculos: de que vem, que necesariamente um omem
que sabe a materia, deve desprezar estas puerilidades; e considerar
todos os sermonarios, talhados por esta medida, como livros que nam
se-devem ler.

Que seria do-mundo Retorico, se todos os omens um dia, abrisem os
olhos! Eu seguro a V. P. que de cemmil livros, que se-acham nesta
materia, pouquisimos se-poderiam conservar; e alguns deles, só
por-fazer favor, aos seus autores. Pois aquilo que entam fariam todos,
devem oje fazer os omens, que se-querem aproveitar a si, e aos outros.
Quando eu era rapaz, e somente conhecia os autores polo sobrescrito,
considerava mais felizes, e doutos aqueles omens, que posuiam mais
livros, doque os que tinham menos: porque, dizia eu, aqueles gozam
a lisam, de mais autores, e de mais omens insignes. Naquele tempo,
_Escritor_, e _Doutor_, eram sinonimos no-meu Vocabulario. Eu era um
daqueles, (que por-nosos pecados, ainda vemos oje tantos) que medîa
a Ciencia a palmos: quanto mais livros, mais ciencia: e o livro
maior sempre me-parecia, tezoiro mais preciozo. Mas despois que
me-familiarizei, com aqueles mortos: que revolvi muitas, e grandes
livrarias: que consultei omens doutisimos: que li atentamente os
Criticos: e finalmente que tomei o trabalho de examinar, com os
proprios olhos, o merecimento de muitas das-ditas obras: transformei-me
neste particular: e formo tam diferente conceito do-mundo; que se
explicáse tudo o que intendo, nam conservaria tam boa conrespondencia,
com tanta gente. Ora isto que se-pode dizer, de toda a sorte de livros,
aplico eu oje aos sermonarios, e outros que tratam de Retorica: e
conclûo, que pouquisimos destes livros se-podem ler, e ainda eses com
cuidado.

É coiza digna de observar, que nestes paîzes, a maior parte dos-que
estudam, confundem o _Ingenho_, com o _Juizo_: o _Juizo_, com a
_Doutrina_: esta, com o _Criterio_: sendo coizas na verdade bem
diferentes. Pode um omem ser ingenhozo, porque pode unir diferentes
ideias que elevem, ao que chamamos _Ingenho_; e nam ter uma oitava
de _Juizo_: porque finalmente o _Juizo_ é aquela faculdade da-alma,
que sepára uma coiza da-outra, e conhece cadauma, como é em si. Pode
este omem ter _Juizo_, e nam ter _Doutrina_, porque nam tem estudado.
Pode ter alguma _Doutrina_, e nam ter aquela que é necesaria, para
formar bom _Criterio_. Isto parece-me bem claro. Mas nam o-intendem
asim aqueles, que por-verem um, que ideiou varias chimeras, e formou
algumas ideias sutis, mas ridiculas; logo o-batizam, por-omem de
juizo, e grande doutor. E daqui entam nace, que as ideias daquele tal
omem, sam recebidas com mais respeito, doque nam eram as respostas, em
Delfos. Mas, tornando ao argumento.

Para persuadir, quer-se em primeiro lugar, boa Logica, que dè os
verdadeiros ditames, para julgar bem[64]: em segundo lugar, um juizo
claro, que os execute. Sem estes primeiros principios. sam superfluos
todos os ditames. Da-Logica em seu lugar falaremos. Decendo pois ao
particular digo, que só a _verdade_ ou _verosimilidade_, é a que pode
persuadir um omem; e é aquela valente arma, com que nos-acomete a
_razam_. Ninguem deixa de se-persuadir, de uma verdade clara. Verdade é
que muitos se-persuadem, da-aparencia: mas tambem é certo, que os-move
a verdade, que nela imaginam. Asimque só a verdade é a que persuade,
quando se-lhe-dá atensam. A forsa que os omens fazem, para divertir
os olhos do-intendimento, para outra parte; é a que impede, que a
verdade nam triumfe, produzindo o seu efeito, que é a persuazam. Nisto
é que está o empenho do-Orador, em descobrir a verdade: mostrála em
toda a sua clareza: e manifestar o erro oposto. Nisto se-distingue o
verdadeiro Orador, do-Declamador. Este, contentando-se das-aparencias,
veste o _erro_ com a mascara da-_verdade_: o Orador porem descobre e
manifesta o _erro_, e poem a _verdade_ em toda a sua luz.

Orar nam é inganar, é sim introduzir no-animo, alguma verdade
importante. Mas muitas vezes os Oradores, tem mais necesidade, de
convencer o erro, doque establecer alguma verdade notoria. Ninguem
toma o trabalho de persuadir, que Deus castiga, e premeia: isto sabem
todos os ouvintes: o ponto está em mover os omens à penitencia,
mostrando o grande erro, de a-deferir para a ora da-morte. Em descobrir
o erro, é que deve cuidar muito o Orador. Os omens nam se-inganam
nas consequencias, porque comumente deduzem-nas muito bem: o em que
se-inganam é, nos-principios; porque, por-falta de exame, recebem
uns falsos, como se fosem verdadeiros. Deve pois o Orador, mostrar
a falsidade destes principios. deve mostrar-lhe em que diseram bem,
e em que faláram inganados. Desta sorte mostrando-lhe a verdade,
se a materia o-pede; ou, se é notoria, descobrindo-lhe bem o erro,
se-consegue o fim da-persuazam.

Mas nam basta isto, para persuadir: e sam necesarias outras
circunstancias, para introduzir no-animo, a verdade. A primeira é, a
atensam. Que importa, que o Sol alumeie o Mundo, se eu depropozito
me-retiro em uma caza oscura; ou polo menos, nam dou atensam aos
objetos, que se-me-propoem? Damesma sorte importa pouco, que a verdade
seja notoria, e o erro muito bem convencido; se eu nam faso atensam
para uma, nem para outra coiza. Deve pois com cuidado o Orador,
excitar a atensam: e como as coizas ordinarias, nam conseguem isto,
mas sim a singularidade e novidade; deve o Orador, vestir iso mesmo
que diz, de uma certa novidade, que o-reprezente singular. As Figuras
dam esta novidade às coizas: e por-iso elas sam, as que movem muito a
atensam: dando a intender, que o objeto é novo, é grande, é singular.
Certo amigo meu, descrevendo a cara de uma molher, igualmente feia, e
desvanecida; soube dar tal novidade a este asumto, que é bem umilde,
e esteril; que com gosto se-lia a descrisam, do-principio até o fim.
Porei aqui um soneto, que fez ao dito asumto, e que tem o mesmo
artificio.

    _Es feia: mas desorte, que orroroza
      À tua vista é bela a feialdade.
      Mas tens fortuna tal, que a enormidade
      Te-consegue os tributos de formoza.
    Cara tam feia, coiza tam pasmoza
      Todos observam, e move a raridade.
      Nam desperta o comum, a curzidade:
      Ser rara, é que te-adûla vaidoza.
    Ama-se o Belo, e cega o mesmo afeto.
      O Feio, pois nam liga o pensamento,
      Deixa miudamente ver o objeto.
    Iso faz, que se-observe ese portento.
      Quanto estás obrigada, a ese aspeto;
      Se no-enorme te-dá merecimento!_

O outro importante ponto, de excitar a atensam é, nam mostrar o
objeto, que se-propoem, senam quando a atensam, ja nam é necesaria.
Embebido o omem da-curiozidade, de saber o que se-propoem, vendo
sempre coizas novas, e que prometem despois de si, outras maiores; vai
seguindo com a considerasam o Orador, atéque lhe-explique, a inteira
sustancia do-negocio. Asim se-conserva o ouvinte atento; e, estando
atento, se-lhe-introduzem, as verdades que se-querem. Nos-Poetas de
algum nome verá V. P. este artificio, bem executado: e tambem em
muitos Prozadores. O mesmo Gracian no-seu Criticon, ingenha desorte
a narrasam, das-figuras que introduz; que acaba o capitulo, quando
se-á-de explicar, algum grande fato: e rezervando a solusam, para o
seguinte, conduz o leitor, desde o principio até o fim, sempre com
curiozidade de ler. Este tambem é o artificio mais comum, das-orasoens
de Cicero, e de alguns Oradores modernos, que o-souberam imitar: como
eruditamente adverte, um grande Retorico da-minha Religiam[65]. E nisto
é que se-distingue o Orador, do-Filozofo. Ambos tem por-objeto, a
Verdade: mas o Filozofo nam costuma, mover a vontade: contenta-se, de
expor as razoens: porem se acazo nam acha um leitor, sem prejuizos e
preocupasoens nam conclue nada. Mas o Orador move as paixoens: excita a
curiozidade: mostra a verdade de tantos modos, com tanta clareza, com
tanta eficacia: desfaz os prejuizos com tanto estudo; que finalmente
convence o ouvinte.

O 3.^o ponto importante é, saber ganhar a vontade, ou insinuar-se,
no-animo dos-ouvîntes. A Verdade, diz o proverbio, é amargoza: e uma
verdade nua e crua, proposta a uma pesoa, que as-nam-coze bem, é dura
de digerir. Deve pois o Retorico, insinuar-se galantemente, no-animo
dos-ouvintes: propondo-lhe a verdade, vestida de um tal modo, que
ele a-admita, quazi sem advertir. V.P. ja sabe, que as pirolas de
quinaquina, e outras tais amargozas, se-cobrem com marmelada, ou obreia
branca, para se-engulirem sem dificuldade. Eu sei muito bem, que este
negocio, nam está na esfera, de todos os Pregadores. Requer grande
pratica do-mundo: grande-conhecimento dos-omens: do-modo com que obram,
e com que se-excitam as paixoens: finalmente uma Filozofia particular,
que descubra a origem de todos os movimentos do-animo: lisam de bons
autores: e perfeita sagacidade: qualidades todas que pouquisimos chegam
a conhecer, quanto mais posuîr.

Julga-se comumente, e nam sem razam, que o conceito que os ouvintes
tem, da-virtude e merecimento do-Pregador; conduz muito, para
se-persuadirem. Quem vai ouvir um omem, de quem é fama comua, ser
muito santo, ou muito douto; vai meio convertido, ou persuadido. Em
todas as Aldeias, á-de aver um barbeiro, que julgue de sermoens: o
qual é estimado, como o omem mais inteligente. Os Aldeioens talvez nam
ouvem, o que diz o Pregador; mas estam atentisimos aos movimentos,
que faz o barbeiro: se este aprova o discurso, o Pregador é famozo.
Asim se-vive nam só nas Aldeias, mas tambem nas Cidades. Sam poucos
os omens capazes, de julgarem por-si: mas vem, ouvem, e julgam, polos
sentidos dos-outros. A prevensam pois com que se-ouve um omem, é
aquela que, entre a maior parte dos-omens, decide do-seu merecimento:
e esta tal opiniam de merecimento, é a que faz receber com agrado, os
discursos: os quais, quando nam acham opozisam no-animo, produzem todo
o seu efeito. E asim deve o Pregador, mostrar-se digno de o-ser: deve
pregar primeiro com as obras, que só entam os seus discursos, seram bem
recebidos, e os seus ouvintes ficarám persuadidos, do-que lhe-propoem.
Mas devem estas virtudes ser verdadeiras, porque sem iso, nada conclûem.

Em 4.ᵒ lugar, deve cuidar muito o Orador, em nam ofender com palavras,
os seus ouvintes. Os Omens nam gostam, de repreensoens publicas:
e parece que com razam. Tudo se-pode persuadir, com bom modo: e
facilmente concordamos no-que nos-dizem, se ouvimos as razoens,
propostas com amizade, e com brandura: e propostas por-um omem, que nam
faz vaidade da-Eloquencia: que nam ostenta triumfos: mas que utilmente
se-serve dela, para nos-inclinar, para onde devemos.

Em quinto lugar, é necesario tambem, mostrar aos ouvintes a utilidade,
daquilo que lhe-propoem: mostrar-se parcial dos-seus intereses,
para os-poder trazer, para a parte contraria. Nós facilmente damos
orelhas àqueles, que intendemos obram, polo noso mesmo motivo; e estam
persuadidos, da-mesma paixam. Por-iso é muitas vezes necesario, nam
condenar tudo quanto eles dizem: louvar alguma parte, para podermos
condenar a outra, com mais eficacia, e efeito. É necesario, saber
dizer mal nas ocazioens, modificando a censura, com alguns elogios.
Observei sempre, que um omem que nega tudo, ou concede tudo, nam
conclûe nada. Devemos dar lugar à prevensam; e algumas vezes dar tempo
à colera: esfogada a qual, entam é que pode ter lugar, a persuazam.
Para isto requer-se doutrina, prudencia, afabilidade, e outras muitas
virtudes.

Deve em 6.ᵒ lugar, saber excitar propriamente, as paixoens; e inspirar
aquelas que sam proprias, para mover o Omem. Sam as paixoens as
que nos-movem: e nam á coiza, que nam posa fazer um omem, se-acazo
se-lhe-excitou, a paixam proporcionada. Nisto pois é que deve estudar o
Orador: inspirando aquelas, que sam necesarias, para abrasar a verdade
que propoem. Para isto é necesario, estudar bem as paixoens do-animo;
porque, sem estas machinas, é certo, que nada obram os Omens. Isto que
até aqui temos dito, abrasa todo o genero de orasoens, e sermoens:
mas especialmente se-devem notar algumas coizas, para a eloquencia
do-pulpito: que compreende duas sortes de orasoens, Panegiricas, e
Morais.

Em primeiro lugar é uma ridicularia e impropriedade, tomar um texto
da-Escritura, para fazer um panegirico Funebre. Nam é o asumto,
explicar a Escritura: mas sim engrandecer, as virtudes todas daquele
omem; paraque todos o-imitem: e consolar o auditorio da-sua perda, com
a vista dos-monumentos, das-suas singulares prerogativas. Onde deve-se
descrever a vida dele; tomando as asoens mais famozas, e deixando
menudencias ridiculas, que nam dam maior ideia, da-dita pesoa. Devem-se
narrar, e engrandecer as asoens: deve-se na exagerasam empregar todo o
artificio da-Retorica; sem degenerar naquelas ridicularias, que todos
os momentos vemos: a Istoria, o exemplo pode dar novo lustre, às mesmas
virtudes. Mas sempre devemos ter diante dos-olhos, que uma coiza é
orasam, em que se-persuade, a execusam da-virtude; e outra panegirico:
naquela tem lugar, os textos da-Escritura; nesta de nenhuma sorte.
Em uma palavra, todo o artificio que se-deve praticar, em todas as
orasoens exornativas, que ou louvam, ou vituperam; consiste em narrar,
e amplificar. Desorteque, para nam fazer istoria, deve nam só narrar;
mas de tal sorte distribuir a narrasam, que despois de narrar um fato,
ou uma serie de fatos, que pertensem ao mesmo ponto; os-amplifique:
e asim mostre o seu juizo, na narrasam; e a sua eloquencia, na
amplificasam[66]. Como todas as orasoens do-_genero demonstrativo_,
tenham estado de comparasam, porque nam se-disputa, _an res sit_, mas
_quanta sit_: deve ser o principal artificio do-Orador, introduzir
a controversia conjetural; com que manifeste, a grandeza da-asám,
considerando miudamente todas as coizas, que a-podem relevar. Despois,
conjeturar das-virtudes pasadas, o que ele faria nestas, ou em outras
circunstancias &c. Podem tambem nestes panegiricos ter lugar, diversos
outros artificios, de controversia Definitiva, Translativa, e Judicial;
praticados polos antigos Retoricos: os quais conduzem muito, para este
mesmo fim.

Quanto à dispozisam dos-argumentos, aconselha Cicero, que primeiro
se-toquem, os bens externos, quero dizer, da-gerasam: despois, os
do-corpo, e os do-animo. Quanto às asoens, que ou se-siga a ordem
dos-tempos, ou se-reduzam a diversos titulos de virtudes[67]. Desta
sorte narrando, e amplificando, se-poderá formar, um panegirico
perfeito.

Pasando daqui aos panegiricos de Santos, em quanto se-puderem evitar
temas, será mais arrezoado: mas quando ou o costume, ou o genio
obrigue, a tomar algumas palavras da-Escritura; nam é necesario,
esquadrinhar profecias, nem procurar de acomodalas literalmente: basta
que as ditas tenham alguma analogia, com a materia de que se-trata.
Pode-se seguir a sentensa da-Escritura, para comesar o sermam; sem
a-introduzir novamente, no-corpo dele. Isto tenho visto fazer, a omens
muito grandes: e parece-me que um tal exemplo, se-deve preferir aos
outros. No-corpo da-obra, deve-se seguir o mesmo estilo, das-outras
orasoens laudatorias; narrar, e amplificar. Mas como a vida dos-Santos,
principalmente antigos, é ja nota a todos; para evitar o fastio a
estes delicados, pode escolher uma, ou duas asoens mais famozas, e
delas formar o seu panegirico. E este metodo é o mais frequente,
quando se-fala em Santos antigos: cujas asoens todas ou sam bem notas,
ou deles somente sabemos, uma ou outra virtude, mas publica a todo o
mundo: ou algum grande privilegio, concedido por-Deus ao dito omem: e
este o-engrandecem, com todo o artificio da-Retorica. Mas nos-modernos,
cuja vida nam é mui notoria; é melhor, seguir a ordem dos-tempos, ou
virtudes, e explicar toda a vida do-Beato. O grande Orador _Paulo
Segneri_, pregando de S.Estevam, engrandece a virtude deste Martir,
com varias considerasoens. 1.ᵃ ser S.Estevam o primeiro, que dèse a
vida pola Fé. 2.ᵃ tela dado por-uma fé, que entam comesava, e era ainda
desconhecida. 3.ᵃ tela dado nam só sem esperansa, de receber aplauzos,
mas com certeza moral, de experimentar oprobrios e derrizoens. 4.ᵃ
ter dado o proprio sangue por-um, de quem nam tinha recebido, tam
privilegiados favores, como recebèram os Apostolos. 5.ᵃ porque uma tal
asám mereceo, comunicar a Paulo, e outros que o perseguiam, a sua mesma
fé. Com este exemplo, se-podem tecer mil panegiricos: advertindo muito,
que estes pontos, nam se-devem provar separadamente, como fazem neste
Reino; porque este metodo destrue, a uniformidade do-sermam, e impede o
exercicio oratorio: mas de um se-deve pasar a outro, de modo tal que,
sem advertir o ouvinte, se-veja introduzido na considerasam, de uma
nova prerogativa; com que o Pregador vai requintando, as virtudes que
narra; e seguidamente o-conduz ao fim, de o-persuadir, que é grande o
sugeito, de que se-trata. E nisto se-compreende tudo, o que pertence
ao genero laudatorio, quero dizer, aos sermoens em que se-louva alguma
pesoa, ou alguma asám de piedade.

A outra especie de sermoens, a que chamam _Morais_, podem em certo modo
pertencer, ao genero demonstrativo: o qual nam só compreende, os que
louvam alguma asám, mas os que vitupèram outras: como sam os morais,
que pintam o _Vicio_ mui feio, para mover os Omens, a que abrasem a
_Virtude_ oposta. Mas como nisto entra a persuazam, e admoestasam,
que sam proprias do-genero deliberativo; podemos chamar-lhe, mixtos
de ambos os generos. Mas chamem-lhe como quizerem, o mesmo artificio,
que asima disemos, se-pratica nos-outros; deve praticar-se nestes,
com sua proporsam: quero dizer, que se-tome um asumto singular, e
proprio do-que se-quer dizer; e que se-busquem argumentos, e se-dilatem
demaneira, que sempre se-vá subindo; para chegar a persuadir-se, o
que se-quer. Isto suposto deve o Pregador, fugir de dois extremos:
um, de querer agradar muito, dizendo galantarias, e enchendo a
orasam de pensamentos sutis, de aplicasoens chimericas, e outras
coizas destas: outro, de nam querer agradar coiza alguma, como fazem
certos misionarios, que propoem as verdades tam nuas e cruas, que
infinitamente dezagradam. Contra os primeiros, ja asima dise alguma
coiza, repreendendo as afetasoens, onde nam entram: sendo certo que
nam entram tais coizas, em materias tam sezudas e graves. Mas porque á
muita gente, que, querendo fugir do-primeiro defeito, caie no-ultimo;
e para cubrir a propria ignorancia, despreza todos os ornamentos
da-Retorica; é necesario mostrar a estes, o seu ingano, com o exemplo
dos-omens doutos, e pios.

O Pregador Evangelico deve instruir, e mover: e nam se-insinuando,
no-animo dos-ouvintes, nam conseguirá o persuadilos. Onde, diz com
muita razam S. Agostinho[68], que o Orador Cristam, deve saber uzar,
dos-livros dos-Etnicos; principalmente dos-Retoricos, para agradar, e
persuadir: o que prova com exemplos, de muitos Padres, que fizeram o
mesmo. Semelhante pensamento expoem S. Jeronimo, escrevendo a Magno
Orador Romano: e S. Gregorio Nazianzeno diz mui claramente[69], que
todos os seus estudos profanos tinha deixado, menos a Retorica: na
qual experimentava todos os dias, infinitas utilidades; e que dela
se-servîra, e servia sempre. S. Bazilio, S. Ambrozio, e outros SS.
mui doutos nas letras profanas, praticáram o mesmo: e nas suas obras
conhecemos nós, como podemos uzar, dos-tais autores. Onde deve o
Pregador, ter sempre na memoria, aquelas palavras de S. Agostinho
no-lugar citado: _Volumus non solum intelligenter, sed libenter
audiri_. e em outra parte: _Nolumus fastidiri etiam quod submisse
dicamus ..... Illa quoque eloquentia generis temperati, apud eloquentem
Ecclesiasticum, nec inornata relinquitur, nec indecenter ornatur._ Deve
alem diso o Pregador, nam só instruir, e agradar; mas principalmente
mover: o que conseguirá por-meio do-genero sublime, e patetico,
quando se-trata de persuadir, as obras boas: porque no-saber mover é
que consiste, o verdadeiro triumfo da-eloquencia. E para fazer isto,
nam se-requerem, como jà dise, sutilezas, mas razoens fortes, e bem
dispostas, e exageradas. &c.

Isto é obrigasam. Quanto ao meio de o-conseguir, deve, despois de
bom fundamento, nas letras umanas, ter grande lisam da-Escritura, e
dos-Padres que apontamos: cujas homilias ensinam, como se-deve pregar,
para tirar fruto. Nam creio, que aja Pregador ou Misionario, que queira
ser mais santo, mais douto, e mas zelante, da-onra de Deus; que os
que apontamos, e outros semelhantes, como S. Joam Crizostomo &c. e
tendo eles praticado isto, com tanto louvor; eles tambem devem ser, os
nosos mestres. Especialmente se-deve ler S. Agostinho, nos-livros de
_Doctrina Christiana_, onde explica bem a materia.

Mas porque a maior parte destes, prezados de Criticos, e Retoricos,
que nam sabem a istoria Ecleziastica, nem Literaria; intenderám, que
estes Padres só cuidavam na virtude, e nam sam bons para se-imitarem,
na eloquencia &c. será necesario explicar-lhe em breve, quem eles
eram. _Bazilio Cesareense_, ou Magno, de quem aqui falamos, estudou
muitos anos, na mais famoza escola, que era Atenas. foi um dos-mais
famozos Filozofos, Gramatico, e Retorico insignisimo. as suas homilias
sam um perfeitisimo modelo de eloquencia: e o grande Photio chega a
dizer, que se-podem igualar, a Demostenes. Leva a palma principalmente,
nos-Panegiricos. _Gregorio Nisseno_ seguio as pasadas, de seu irmam
_Bazilio_. foi publico profesor de Retorica, e insigne Filozofo: e
tam amante das-letras profanas, e especialmente da-Retorica, que S.
Gregorio Nazianzeno, amigo comum de ambos, na carta 43. condena, este
seu nimio estudo. O estilo dele é sublime, e juntamente agradavel.
_S. Gregorio Nazianzeno_ foi condicipulo, e amigo de S. Bazilio. Na
eloquencia querem muitos, que exceda ao mesmo Bazilio. finalmente é
tam sublime na pureza, e elegancia; que o grande Erasmo diz, que nam
se-pode traduzir bem em Latim, por-cauza da-magnificencia &c. _S.
Ambrozio_ era eruditisimo em Grego, e Latim, mais doque comumente
se-nam-cre. o seu estilo é concizo, e agudo, e quazi semelhante ao
de Seneca; aindaque melhor. Nam era grande Retorico: mas é fluido, e
proprio para convencer os erros com doutrina, piedade, e gravidade.
_S. Jeronimo_ todos sabem que era um omem eloquentisimo, em Latim,
e Grego &c. e mui versado nos-livros dos-Etnicos, e na Filozofia
Grega, e Istoria; e sumamente veemente: Onde pode-se aprender nele,
muita coiza boa. _S. Agostinho_ aindaque nem na pureza da-lingua, nem
no-estilo seja igual a Jeronimo, e outros asima; contudo na sutileza,
e no-mesmo tempo na profundidade do-juizo, talvez o-excede. Certamente
que aindaque fose, profesor de Retorica, nam fez grande aproveitamento;
nem chegou à erudisam dos-outros. Mas dele se-pode aprender muito:
principalmente nos-ditos livros de _Doctrina Christiana_, emque
ensina que dotes se-requerem, para interpretar bem as Escrituras;
e fazer as outras obrigasoens de um Ecleziastico. Asimque dele
se-podem aprender, muitos ditames. _S. Joam Crizostomo_ tambem era
doutisimo. Alem da-pureza da-lingua, que parece um verdadeiro Atico,
une trez coizas admiravelmente; que sam a facundia, a erudisam, e a
facilidade: desorteque ninguem tratou as materias, com mais clareza, e
naturalidade. Alem diso é singular nisto, que acomodou a sua doutrina,
à capacidade dos-ouvintes; e por-iso agrada a todos: em modo que para
pregar ao povo, as suas obras ensinam muito. Estes sam os Santos, que
propomos ao estudante; e nam só porque sam santos, e mui versados
nas doutrinas sagradas; mas especialmente porque o-sam nas profanas:
com as quais formáram o bom gosto, e intendèram melhor as sagradas.
Porque muitos nam tem, estes principios de letras umanas, aplicadas
às divinas; por-iso vemos tantos Pregadores, que nam sabem abrir a
boca. E porque nas mesmas letras umanas, muitos as-nam-estudáram como
deviam, nem chegáram a conhecer, qual era o bom gosto, da-Eloquencia;
por-iso tambem V.P. ve todos os dias omens, que nam só nam sabem,
fazer um papel sofrivelmente; mas nem menos conhecer nos-outros, as
delicadezas da-Oratoria. Desorteque se acazo lhe-mostram, uma orasam
bem feita; nam lhe agrada: ou só vam buscar nela, as coizas menos
sofriveis; palavrinhas, e coizas semelhantes: sem olharem para o todo
da-orasam, para a proporsam, e dispozisam das-partes, o modo de dilatar
os argumentos, de aclarar uma verdade; a verosimilidade dos-mesmos
argumentos, e outras particularidades, em que consiste a eloquencia. A
este modo pois de examinar, como eles fazem, chamo eu, julgar com os
cotovelos: e tudo isto nace, de terem estudado mal.

Tambem outra coiza importante, deve advertir o Pregador, que sam as
asoens. parece isto nada, e é uma principal parte na Oratoria. Nisto
pecam bastantemente em Portugal. Vemos Pregadores, que peneiram
no-pulpito, movendo os brasos e maons orizontalmente, com afetasam
vergonhoza. vemos outros, que amasam, e dam estocadas com os brasos,
arregasando as mangas, e fazendo mil coizas e posturas improprias.
Nam pode V.P. crer, quanto isto desfigura o Orador, e esfria o animo
dos-que o-ouvem. Um papel bom, quando é mal reprezentado, nam vale
nada: o que todos os dias experimentamos. Bem nota é a istoria de
Demostenes, o qual tendo ja dezesperado, de poder orar em publico, pola
infelicidade da-sua pronuncia; um Comediante o animou, com a esperansa
de reprezentar bem: e deo-lhe tais lisoens, que foi a cauza principal,
do-grande nome, e aceitasam que ao despois teve.

Os Romanos, que sabiam quanto importava, reprezentar bem o seu papel,
desorte se-exercitavam nisto, que tomavam lisoens dos-Comediantes;
como o mesmo Cicero de si confesa. E com efeito, nam podiam tomar
melhores mestres: porque os Comicos eram tam insignes nisto, que
falavam somente, com as asoens. Nos-ultimos tempos da-Republica,
se-introduzîram nos teatros, os Pantomimos: que era uma especie de
Comediantes, que com as asoens somente explicavam, o que outro,
que estava imovel no-fim do-teatro, dizia. Desorteque um falava;
e o Pantomimo animava com a asám, a expresam do-outro. Tal era a
diligencia, com que sabiam com a asám, acompanhar os movimentos
do-animo! Isto faziam aqueles que sabiam, que coiza era Retorica: e
isto deve fazer qualquer omem, que á-de orar em publico.

Os nosos Italianos sam os unicos, entre todas as Nasoens, que melhor
exprimam com a asám, o que dizem: e nam só quando oram, mas tambem
quando recîtam versos. Os Inglezes nam se-movem, quando recîtam: os
Francezes esfogueteiam, e cantam: os Espanhoes choram: outros tem
outros defeitos. Mas pola maior parte convem todos, que os Italianos,
sam os mais expresivos: e um grande ingenho Francez, do-seculo pasado,
chegou a dizer, que os nosos Italianos naturalmente eram, Comediantes.
Porem em Portugal, á muita falta disto. Dos-Pregadores é notorio,
que nam só lhe-falta a asám, mas até o tom da-voz, que nam acompanha
com a asám. Confeso a V.P. que nunca pude sofrer a afetasam, com
que muitos pregam a Paixam, ou as Lagrimas. Estudam uma voz flebile,
mas com modo tal, que em lugar de fazer chorar, provoca o rizo:
muito mais se consideramos o que dizem, com a dita voz flebile. Eles
circunscrevem o estilo patetico, na dita voz: e asentam que ela basta,
para mover. Loucuras! O mesmo digo, quando fazem a exclamasam para
o Sepulcro, nos-sermoens de Quaresma. todo o ponto está, em gritar
muito: pedir mil mizericordias: e com isto se-contentam. Mas a falar
a verdade, estes nam sabem o seu oficio. O estilo patetico, é a coiza
mais dificultoza, da-Retorica, como confesa Cicero[70]: e nele é que
consiste o triumfo, e aplauzo da-eloquencia. Nam é pequena dificuldade,
ou para melhor dizer, é coiza admiravel, que as palavras que profere um
omem, ajam de mover em mil ouvintes, os mesmos sentimentos, que quer
o Orador: amor da-Virtude: odio do-Vicio: aborrecimento de si mesmo!
Que cuida V.P. que será necesario, para conseguir isto? É necesaria
doutrina admiravel: particular conhecimento das-paixoens umanas; como
se-excitam, e adormecem: asoens proprias: e em uma palavra, saber uzar
das-Figuras, na ultima perfeisam: e isto nam se-faz com voz flebile,
nem com gritarias, mas com outras virtudes oratorias. Nam digo, que
quem prega estes sermoens, esteja rindo: digo sim, que deixe aquelas
afetasoens, e reconhesa em que consiste, o mover os animos: qual é a
asám, qual a voz proporcionada.

Mas pior que tudo é, quando recîtam versos: rarisimo vi, que
pronunciáse verso bem. Comumente vam detraz do-consoante, e fazem
pauza, nam no-fim do-sentido, mas no-fim do-verso: o que é erro
manifesto. Parece isto pior, quando recîtam versos Latinos, nos-quais
nam á consoante: de que vem, que um _carmen_ pronunciado por-um deles,
e por-outro que o-saiba animar com a voz, e asám, parece diferente.
Este defeito deve emendar o omem, que quér ser perfeito. deve
exercitar-se em caza, diante de algum amigo bem informado; para ver, se
expremio bem, a asám que quer. Só asim conseguirá, ser ouvido com gosto.

Mas eu quero parar, neste ponto: porque se deixo correr a pena, em
lugar de reflexoens, escreverei um tratado de Retorica. Reconheso que
já caî, no-mesmo defeito que condeno: mas a materia é tam fecunda, e as
reflexoens ocorrèram-me, com tanta promtidam, que nam pude deixar, de
as-admetir. Direi porem a V. P., que lendo o que tenho escrito, acho
que é suficiente, para introduzir um moso no-estudo, da-verdadeira
Eloquencia. e quem se-capacitar bem destas reflexoens; e comesar
a ler os bons autores, tanto Latinos, como Vulgares; e observar
neles, o artificio das-orasoens; sem ler mais outra Retorica, pode
sair gravisimo Orador. Esta prezunsam nam nace de mim, mas damesma
qualidade dos-preceitos: os quais sam tam antigos, como os Oradores:
que é o mesmo que dizer, sam os mesmos que executou Demostenes, e
Eschines, e Isocrates: que nos-deixou escritos Aristoteles, Demetrio, e
Longino: que praticou e ensinou com tanto louvor Cicero, M. Seneca, e
Quintiliano, e outros autores antigos. As Retoricas comuas nam apontam,
senam alguns nomes, que eu aqui nam quiz apontar: sem saber os quais,
pode um omem ser, muito bom Retorico, se souber imitar estes treslados.
Como tambem pode um omem, com exata lisam de bons livros, discorrer
bem, sem saber as especies de silogismos, que apontam os Logicos.

Neste pouco que tenho proposto, cuido que cheguei, ao verdadeiro
principio da-Eloquencia. Nam apontei o artificio, dos-diversos estados
de controversias oratorias; porque nam era ese o meu argumento; nem
tambem se-acha, nas Retoricas ordinarias: e somente se-pode aprender,
nos-mesmos autores originais. O meu Religiozo que asima aponto, explica
muito bem estes artificios, dando os exemplos originais: mas tambem
se-demora com minucias: e como escreve em lingua estrangeira, nam é
para o cazo. Outros, de que eu me-aproveitei mui bem, tambem escrevem
em linguas estrangeiras, ou sam difuzisimos. Neste cazo para dizer a
V. P. o meu parecer, aconselho ao estudante Portuguez, que nam tem
alguma boa Retorica Portugueza; que, despois de intender bem, o que
aqui lhe-aponto, tome alguma ideia, da-distribuisam da-orasam; a
saber, exordio, narrasam, provas, epilogo: que leia brevemente, o nome
das-figuras das-palavras, e do-animo: o que o mestre facilmente podia
explicar. Posto isto, segue-se ler um autor Portuguez, no-qual posa
fazer, as reflexoens necesarias. Mas aqui esta a dificuldade: e eu
que nam costumo inganar ninguém, devendo dizer-lhe sinceramente o que
intendo; digo, que nam acho algum, que posa ser modelo.

Dos-sermoens nam tenho que dizer, sendoque ja expliquei, o que eram.
As orasoens Academicas, que se-lem nos-Anonimos &c. nam merecem que
se-leiam. Algum elogio da-Academia Real, que é mais toleravel, peca
por-outro principio: porque é mera istoria, sem artificio algum
retorico. * * * E aos que respondem, que tambem os Francezes praticam
o mesmo, nos-elogios dos-seus Academicos; respondo o mesmo: que os
ditos elogios sam istorias, e nam panegiricos: e asim o-julgam todos,
os que tem voto na materia. Li nam á muitos dias o do-Cardial _de
Polignac_, que teve ultimamente seus aplauzos: e achei que o autor, se
ouvèse de escrever a istoria do-dito, nam se-serviria, nem de outras
palavras, nem pensamentos, nem frazes. Com efeito eu julgo, que aqueles
omens nam querem fazer outra coiza, que explicar em breve, a vida,
e merecimentos dos-seus Academicos. Onde como eles nos-dispensem,
de lhe-chamar orasam, ou panegirico; concedemos-lhe tudo o mais: mas
devemos porem reconhecer, que nam sam obras no-genero Oratorio: e que
nam sam para se-imitarem. Onde neste cazo deve o mestre, tomar sobre
si o trabalho, de explicar tudo em Cicero: servindo-se para isto do-P.
_Cigne_ Jezuita: o qual, seguindo o metodo de um certo Inglez, faz a
analize das-orasoens de Cicero. E asim nelas deve o mestre, mostrar o
artificio da-Oratoria, fazendo as seguintes reflexoens. Notar primeiro
a forsa das-razoens, dispostas com boa ordem, unidas naturalmente, e
amplificadas com artificio. Notar a verosimilidade das-ideias: a pureza
e elegancia das-palavras: a moderasam e propriedade dos-epitetos: o
numero oratorio, que consiste em certa colocasam armonioza de palavras,
mas que nam degenere em verso: a introdusam das-figuras, quando é
necesario excitar as paixoens: as precausoens que observa, para nam
dezagradar. Observando bem isto, na lisam dos-autores, bastava para
conseguir, o bom gosto da-Eloquencia.

Deve porem unir-se com isto, o exercicio. Onde o mestre comporá, uma
breve orasam Portugueza, segundo as regras da-arte: e mostrará nela
aos dicipulos, o artificio e galantaria dela. Fazendo-se isto em
Portuguez, facilmente se-aprende: e só asim podem eles, intender bem
os preceitos, e executálos. Isto nam fazem em Portugal os mestres, e
quazi se-envergonham, de escrever em Portuguez: sem advertirem, que a
Retorica nestes paîzes, mais se-exercita em Vulgar, que em Latim. Mas
por-esta razam sucede, que saiem todos da-Retorica, sem saberem dela
mais, que o nome. Porem, tornando ao estudante, tendo-lhe proposto um
modelo, de fazer uma breve orasam; será necesario exercitálo. Isto
facilmente se-faz, propondo-lhe na escola um asumto, e proguntando-lhe,
o que eles diriam em tal cazo, para defender v.g. ou acuzar aquela
pesoa. Certamente um rapaz com a logica natural, dirá algumas razoens,
que lhe-ocorrem: pois vemos, que a nenhum rapaz faltam razoens, para
se-desculpar dos-erros que faz, quando o-querem castigar. A um rapaz
pode dar, a incumbencia de acuzar, e a outro de defender. Despois que
ambos tem dito o seu parecer, deverá o mestre, suministrar alguma razam
mais; e ordenar aos rapazes, que as-escrevam, e fasam as suas orasoens,
do-melhor modo que puderem. Isto feito, deve o mestre emendar os erros,
tanto de lingua, como de Retorica; dando-lhe razam, de tudo o que
faz: e variando sucesivamente os asumtos. Desta sorte aprende-se mais
Retorica, em uma semana; doque polo metodo vulgar, em dez anos.

Quando o estudante sabe bem, que coiza é Retorica, no-resto do-ano
se-pode empregar, em compor Orasoens Latinas: ou traduzindo, as
que compoz em Portuguez, o que é mais acertado ao principio: ou
compondo outras novas. Para quem ja intende Latim, e sabe compor bem
em Portuguez, isto é um divertimento, sem ter dificuldade alguma.
Terá pois o mestre cuidado, de lhe-encomendar, que leia os trez
livros _de Oratore_ de Cicero, e _Orator ad M. Brutum_, como tambem
_o de Oratoriis Partitionibus_: os quais dois ultimos sam a quinta
esencia, de toda a Retorica. Encomende-lhe que se-familiarize, com as
Orasoens de Cicero, para aprender os seus modos de explicar. As outras
reflexoens sam iguais, em ambas as linguas, com sua proporsam: e tambem
o modo de emendar os defeitos, que os estudantes cometem. Desta sorte é
sem duvida que em um ano, podiam saber muito facilmente Retorica, e mui
solidamente.

Quanto aos mestres, sou de parecer, que leiam atentamente, nam só os
ditos livros, que apontamos de Cicero, e alguns outros, pertencentes
também à Retorica; mas os de Quintiliano, em que faz belisimas
reflexoens, sobre ela. Valla diz[71], que ninguem pode, intender
bem Quintiliano, sem primeiro saber bem Cicero: nem menos seguir
perfeitamente Cicero, sem obedecer aos preceitos, de Quintiliano. O
certo é, que Quintiliano é um Retorico insigne, e um grande Critico,
que toda a sua vida empregou em refletir, e ensinar: e tem maravilhoza
eloquencia: e dele podem tirar os mestres, as necesarias reflexoens,
para comunicar a seu tempo, aos rapazes. Se o mestre quizese, mais
alguma noticia particular, e ver as fontes, de toda a Retorica; devia
ler os livros Retoricos de Aristoteles, que é o mestre nesta materia,
e os ditos sam a sua melhor obra: nela bebèram todos. Podia servir-se
da-versam Latina, se nam intendèse o Grego. A este ajunto um famozo
Critico, e Retorico, que é Dionizio Longino, no-seu tratadinho de
_Sublimi stilo_: em que faz admiraveis reflexoens, servindo-se tambem
da-Versam[72]. E quem quizese mais, podia ler o Demetrio Falereo:
aindaque nos-outros acha-se tudo. A estes quatro, Aristoteles,
Cicero, Quintiliano, e Longino, se-reduz tudo o que á melhor na
Antiguidade, sobre a Retorica. Aconselharia tambem ao mestre, que lese
os panegiricos Latinos, que temos dos-Antigos, comesando em Plinio,
e pasando aos outros que se intitulam, _Panegyrici Veteres_; que
cuido sam uns quinze, compostos no-quarto, e quinto seculo: nam para
os-seguir em tudo: mas para os-conferir com os antigos, ver em que
diferem, e aproveitar-se deles, em alguma coiza menos má. Advertindo
nestes ultimos, que o que aconselhamos nam é a lingua, que tem seus
defeitos; mas algum pensamento &c. Retoricas modernas nam aconselho
nenhuma, nem a dicipulos, nem a mestres: tirando o Vossio, nas suas
Instituisoens Oratorias, que é famozo: o qual podiam ler uns, e outros,
quando quizesem particularizar, alguma noticia. Aindaque quem le, e
intende bem, o livro _Orator_ de Cicero, nam necesita mais: mas como é
breve, pode-se permetir, ler alguma coiza mais.

Aconselharia tambem, que aprendesem bem a lingua Italiana, para lerem
as famozas tradusoens que se-acham, dos-Antigos Oradores Gregos, e
Romanos, feitas por-omens insignes: como tambem para lerem as belisimas
obras, em materia de Eloquencia; que os nosos Italianos tem produzido,
e produzem todos os dias. Ninguem nos-disputa a prerogativa, de que
a Eloquencia sempre se-conservou, em Italia. Os Francezes, que nam
cedem facilmente, no-particular de literatura, fazem-nos este elogio.
E aindaque eles abundem de omens doutos, nesta faculdade; vemos que
na Italia se-conservou sempre, com mais extensam, e pureza. Quem le
o P. Paulo Segneri Jezuita, o Cardial Cassini Capucinho, e ainda o
mesmo Monsenhor Barberini, tambem Capuchinho, e mil outros de diversas
Religioens, e Seculares sem numero; parece-lhe que conversa, com o
mesmo Cicero: porque formados sobre estes antigos modelos, em nada
se-distinguem, dos-originais. Acrecenta-se a isto a lingua, que,
despois da-Latina, é a mais bela, e armonica, para a Eloquencia. Tem
mais os Modernos, outra circunstancia; vem aser, que tendo-se aplicado
a diversas materias, nam só profanas, mas sagradas, de que nam á
vestigio, nos-antigos Retoricos; fizeram aos nosos olhos mais familiar
esta faculdade, e mais facil de se-imitar: porque dam belisimos
exemplos, em tudo. Desta sorte familiarizando-se muito, com os Antigos,
e Modernos; observando em que diferem, e em que sam louvados; se-pode
conseguir, a verdadeira Eloquencia.

Conheso, que se eu faláse com outra pesoa, que nam fose V. P.
se-escandalizaria muito, que eu nam aconselháse aqui, a leitura do-P.
Vieira, do-Baram Conego Regular, do-Bispo de Martiria, do-Arcebispo
de Cranganor, e de alguns outros, que nam aponto; persuadindo-se,
que estes omens sam originais, de toda a estimasam. E nam sei se
V.P., aindaque superior no-criterio aos outros, intende, que algum
deles podia ter lugar, entre outros que louvo. Mas eu, meu amigo e
senhor, nam tenho nisto parcialidade alguma; e julgo, segundo o que
intendo, na minha conciencia. Verdadeiramente é coiza indigna, de todo
o omem ingenuo, quanto mais de um Religiozo; desprezar autores, que
o-nam-meresam, e sejam em simesmos dignos, de todo o louvor: mas nam
é menos indigno, aprovar um escritor, contra aquilo que intendo. Eu
ja fiz a minha solene protesta, na primeira carta, e nesta da-Retorica
tambem; que nam pertendia defraudar ninguem, da-sua justa estimasam:
e novamente aqui repito, que estimo infinitamente qualquer destes
Religiozos: mas eu os-distingo muito das-suas obras, que nada estimo.

E comesando polo mais famozo, o P. Vieira teve mui bom talento; grande
facilidade para se-explicar; falou mui bem a sua lingua; e nas suas
cartas é autor, que se-pode ler com gosto, e utilidade. Quanto aos
sermoens, e orasoens, deixou-se arrebatar, do-estilo do-seu tempo; e
talvez foi aquele que com o seu exemplo, deu materia a tanta sutileza,
que sam as que destruem a Eloquencia. Nos-seus sermoens, nam achará V.
P. artificio algum retorico, nem uma Eloquencia que persuada. Muitos,
que gostam daquelas galantarias, lendo-o sairám divertidos: mas nenhum
omem de juizo exato, sairá persuadido delas. Sam daquelas teias de
aranha, bonitas para se-observarem, mas que nam prendem ninguem. Eu
comparo esta sorte de sermoens, aos equivocos: que parecem bonitos,
quando se-ouvem a primeira vez; mas quando se-examinam de perto, nam
concluem nada. Porque finalmente se V. P. le os tais sermoens, e
examina as provas e artificio delas; verá muitas coizas, que cheiram a
Metafizica das-escolas: mas nam achará alguma, das-que asima aponto,
como necesarias. Os exemplos que asima apontei, sam comumente tirados,
dos-seus sermoens: e com eles à vista, poderá V. P. conhecer, quantas
coizas eu deixei, que podia apontar. Se pois isto se-chama pregar, e
pregar bem, eu o-deixo considerar, aos dezapaixonados.

O dezejo que o P. Antonio Vieira, em quazi todos os sermoens mostra,
de agradar ao Publico, ainda quando às vezes o-critica; deixa bem
compreender, que se-conformava muito, com o estilo corruto do-seu
seculo. Tinha ingenho, imaginasam fecunda, e deixando-se conduzir,
do-impeto do-seu fogo, ou talvez procurando de excitar em si, uma
especie de entuziasmo; rompia nas primeiras ideias, que lhe-ocorriam;
que sempre eram sutis, polo costume que tinha, de ideiar asim. Eu falo
com V.P. que tem grande noticia dos-ditos sermoens, em virtude da-qual
conhece, com que razam eu-digo isto: que se-faláse com outro, serîa mui
facil, provar tudo quanto escrevo. Mas nam poso deixar de insinuar,
que a maior prova do-que proponho, é a sua decantada obra, _Clavis
Prophetarum_: de que nos-dá uma ideia, no-livro que intitula, _Istoria
do-Futuro_. Neste livro acha V.P., uma chimera mui bem ideiada, e que a
ninguem mais ocorreo. Promete provar primeiro, que á-de aver no-mundo,
um novo Imperio: mostrar, que Imperio á-de ser: determinar, as suas
grandezas e felicidades: explicar, por-que meios se-á-de introduzir:
individuar, em que terra, em que tempo, e em que pesoa á-de comesar
este Imperio[73]: o qual á-de ser tam grande como todo o mundo, sem
iperbole, nem sinedoche[74]. Prova isto, segundo diz, com uma profecia
de S. Frei Gil: com o juramento d’El-Rei D. Afonso: e com outras provas
deste calibre. Diz tambem, que a maior parte, á-de sair da-Escritura;
na qual estam reveladas, todas estas coizas. Quanto ao Imperador,
aindaque claramente o-nam-explica, dá muito bem a intender, que sairá
de Portugal; porque aos Portuguezes é que propoem, estas felicidades.
Alem disto em outra parte[75] declara mui bem, que este Imperador
será o filho primogenito, do-Serenisimo Rei D. Pedro II. e pretende
proválo com os mesmos fundamentos, com que prova o Imperio, na Istoria
do-Futuro. E nas cartas que escreve, a algumas pesoas, lhe-explica, que
as felicidades de Portugal, estam muito vizinhas.

Eu nam entro aqui a disputar, se estes fundamentos, (nam falo
das-Escrituras, pois é loucura persuadir-se, que falam em tal materia)
sejam bastantes, para afirmar tal paradoxo: é bem claro, que isto tem
aparencias de comedia; e bem parece obra feita, para divertir o tempo.
Mas aindaque fose verdade, que as conquistas feitas, estivesem tam
distintamente profetizadas, na Sagrada escritura; e despois do-suceso
se-intendesem; fica em pé a dificuldade, de tirar da-Escritura, as
conquistas futuras, deste novo Imperador. E quanto aos expozitores
que ele aponta, e às profecias destes modernos, em que se-funda;
creio nam faremos injuria ao P. Vieira, se nos-rirmos de todas estas
provas, esperando, que as-procure mais fundadas. Mas o que digo a
V.P. é, que na dispozisam deste livro preambulo, se-ve o estilo do-P.
Antonio Vieira: porque tudo prova com a Escritura. Ainda as coizas
mais triviais, as profanas, e a mesma justisima exaltasam de D. Joam
IV. ele as-quer provar aos Espanhoes, com as Escrituras. O pior é, que
pola major parte, funda-se em palavrinhas da-Vulgata. E este é mui mao
modo de interpretar: porque nam tendo Deus falado em Latim, mas em
Ebraico, Caldaico, e alguma coiza em Grego; é necesario saber estas
linguas, para alcansar, a verdadeira inteligencia do-original. Sem
estas preparasoens, nenhum interprete se-mete a dizer, coizas novas:
mostrando a experiencia, que comumente se-inganam, e só podem dizer,
sutilezas pouco sofriveis.

E eu creio que nam sam mui toleraveis, as que ele aqui escreve:
observando-se suma contrariedade, na interpretasam que dá, aos seus
mesmos fundamentos. Umas vezes, a decimasexta gerasam, é o Cardial
Rei D. Enrique:[76] e ainda lhe-faz a merce, de nam contar a vida
d’El-Rei D.Alfonso I. que cuido devia ser o primeiro, no-catalogo.
Outras vezes, a decimasexta gerasam é D. Joam IV.; e D. Pedro II. é a
prole atenuada[77]: e como ao dito Rei nam se-pode aplicar, a palavra
_atenuada_; procura aplicála a seu filho, o Principe entam nacido.
Eisque morre o tal Principe ainda menino: Neste cazo o noso interprete
excogita a saida, de lhe-ir dar no-Ceo, a investidura do-Imperio[78]:
e comesa com outra metafizica pior, que a primeira. Finalmente despois
de muitas observasoens, fica desmentida a verdade, do-juramento
d’El-Rei D. Alfonso: e o Imperio do-mundo, que tam claramente estava
profetizado, e prometido ao tal Principe, lá vai polos ares: e nem
menos á aparencia, que se-torne outra vez a restablecer: pois do-tempo
em que ele escrevia até este, vam bons 80. anos; e ainda nam vemos
aparencias diso. Eisaqui tem V. P. o que sam todas estas chimeras,
da-Istoria do-Futuro; e das-coizas que tem parentesco, com ela.

Ora estas sutilezas do-P. Vieira, cuido que tem arruinado, muita gente:
porque formando grande conceito, do-seu talento; o-imitáram tanto à
letra, que nada agradou, que nam cheiráse ao mesmo estilo. Ja é coiza
muito antiga, que em materia de literatura, um omem seja o treslado,
para que olhem os outros do-seu tempo. Quando em uma Cidade um sugeito
consegue, fama de eloquente, os outros o-imitam; e às vezes por-seculos
inteiros, se-conserva o mesmo estilo[79]. Aquele Seneca a quem chamam
o Filozofo, nam se-duvida, que tinha grande ingenho, e doutrina:
mas querendo-se singularizar; entre os antecedentes, comesou a fazer
um estilo tam florido; que foi a primeira cauza, de se-perder o bom
gosto da-Eloquencia, que reinára no-tempo de Augusto. _Multæ in eo
claræque sententiæ_: (diz um Orador grande) _multa etiam morum gratia
legenda: sed in eloquendo corrupta pleraque: atque eo perniciosissima,
quod abundant dulcibus vitiis. Vettes eum suo igenio dixisse,
alieno judicio. nam si aliqua contempsisset, si parum concupisset,
si non omnia sua amasset, si rerum pondera minutissimis sententiis
non fregisset; consensu potius eruditorum, quam puerorum amore
comprobaretur_[80]. Palavras que me-parecem cortadas, para o P. Antonio
Vieira: do-qual creio que se-pode dizer, que se, servindo-se do-seu
ingenho, seguise outro estilo; serîa um grande omem: quando porem nam
se-ocupáse com o argumento, da-Istoria do-Futuro.

E daqui compreenderá V.P. que conceito se-deve formar, daqueles
muitos epitetos, com que os apaixonados o-louvam. Chamam-lhe, _Mestre
do-pulpito: Principe dos-Oradores: Mestre universal de todos os
declamadores Evangelicos: Aguia Evangelica_: e mil coizas destas.
Outros lem as suas obras de joelhos, em sinal de respeito: e á omens
de tam pouca considerasam, que imprimem estas noticias[81]; e nam
se-envergonham de dizer, _Que o mundo sem contradisam, lhe-deo a coroa,
de Principe dos-Oradores_. Mas este censor, que nam fez maior jornada,
que de Lisboa a Madrid; nam era juiz competente, nesta matéria: nam só,
porque tinha visto pouco mundo; mas porque tendo somente conversado,
com os que liam o Vieira de joelhos; e nam sendo a Eloquencia, e belas
Letras profisam sua, segundo mostra; tinha impedimento dirimente,
para votar com acerto. Isto pois que digo destes, aplico a todos os
outros. Criados com o prejuizo, de que o Vieira foi, um grande Orador;
e ouvindo sempre repetir isto aos velhos, que bebèram aquela doutrina;
nam é maravilha, que digam tantas coizas dele, e que o-imitem tam
cegamente.

V.P. pode fazer uma experiencia, que eu ja fiz, e vem aser: quando
ouvir a um destes, gabar muito o Vieira, e louválo com alguns dos-ditos
epitetos; fasa-me a merce de lhe-proguntar primeiramente, emque
consiste ser grande Orador: despois, que lhe-explique, que qualidades
oratorias sam, as que excedem no-P. Vieira. Se lhe-responder bem ao
primeiro ponto, estou certo, que nam responderá ao segundo: mas a
experiencia mostrará, que o primeiro nam terá resposta. Eu aindaque nam
costumo ofender ninguem, e muito menos na sua cara; achando-me porem
com certa pesoa, que me-dise maravilhas do-tal autor, rezolvi-me a
fazer-lhe esta progunta. Leu V.M. bem as obras de Lysias, Isocrates,
Iseus, Demostenes, Eschines, Teofrasto, e Cicero, e tudo o que á de bom
na Antiguidade? observou miudamente as delicadezas, e singularidades
daqueles; e a diferensa que se-acha entre eles, e Plinio, e alguns
outros mais inferiores, como Nazario, Auzonio, Pacato &c.? leu os
antigos Retoricos, Aristoteles, Cicero, Quintiliano &c. ou algum destes
modernos, que deram belisimos preceitos, como Vossio, Cavalcanti, e
Platina: e outros que nas suas orasoens os-executáram, como Policiano,
Mureto, Vavaflor, Cuneo, Gravina, Paolino, Politi &c.? Diz, nam senhor.
Pois sem tais preparasoens, conclui eu, nam entro em discurso com V.
M. sobre estas materias, porque nos-nam-intenderemos. Onde vem V. P.
a conhecer, que as aprovasoens destes omens, nam devem fazer forsa a
ninguem, para reconhecer por-grande Orador, o P. Vieira.

Eu que tenho visto mais algum mundo: e falado com bastante gente douta:
e conhecido em Roma omens, que tinham tratado, com os que ouviram o
P. Vieira: nam achei nada doque ouso dizer dele. Bem sim, que foi
um Religiozo estimavel, polas suas prendas, e virtudes: o que tudo
pode estar, sem ser mestre dos-Oradores. Falei com muitos Religiozos
da-Companhia, que tinham dele perfeita noticia; e me-faláram como de
um omem, que era estimado em Portugal, mas nam em Roma. Acrecente V.P.
a isto, que muitos opusculos do-Vieira, foram compostos em Italiano: e
até os mesmos sermoens se-acham traduzidos nele, por-um seu apaixonado,
ao menos um tomo que vi á anos: e asim pode-se julgar, com todo o
conhecimento da-materia. Vejo sim, que os mesmos Jezuitas, e todos os
omens doutos, reconhecem o merecimento, do-P.Paulo Segneri Jezuita, e
de varios outros Oradores damesma, e de diferente Religiam; que sam
reconhecidos e venerados, como Oradores da-primeira esfera: e que tanto
se-distinguem dos-sermoens do-Vieira, como o dia da-noite. De que
venho a concluir, que quatro Portuguezes, ou Espanhoes, que dizem o
contrario, nam podem fazer mudar de conceito, ao mundo inteligente.

Ainda nas suas mesmas cartas, que louvo, acho coizas que reprovar.
Deste numero é a afetasam, de repetir em cada regra, o tratamento
da-pesoa, com quem fala. Pois aindaque nos-discursos familiares,
posa ter às vezes lugar iso; nas cartas, é enfadonho: e as pesoas, e
Nasoens cultas, fogem todas dese vicio. Nem vale o-dizer, que em Latim
se-costuma: porque na tal lingua, nam ofende os ouvidos; vistoque
o tratamento comumente nam se-distingue, das-diversas inflexoens
do-Verbo. Os nosos Italianos, que participam mais do-Latim, uzam
da-palavra _Ella_, para evitarem aquela repetisam: e ainda esta com
moderasam. E oje os que escrevem melhor, despois de darem o tratamento,
uma ou duas vezes, ou em carta particular, ou prologo de livro;
servem-se da-palavra _Vostra_, que se-refere a _Alteza_, _Eminencia_,
_Santidade_, _Excelencia_ &c. nam só porque esta Elipsi, nam prejudica,
ao respeito que se-deve, aos Senhores grandes; mas porque sendo mais
simplez e natural, é tambem mais nobre; e se-evita a ridicula afetasam
de alguns modernos, chegando-se mais ao estilo, da-Antiguidade. E,
valha a verdade, este periodo: _Excelentisimo senhor, a excelentisima
pesoa de Vosa Excelencia guarde Deus, como Portugal, e os criados de
Vosa Excelencia avemos mister_: com que o Vieira fecha muitas cartas,
ao Marquez de Gouveia, e outras pesoas; nam se-pode ler sem nauzea:
achando-se muitas vezes, em quatro regras das-suas cartas, cinco vezes
_Vosa Senhoria_ &c.

O segundo reparo caie, sobre a fetasam de muitos periodos, e cartas
inteiras. O que o mesmo coletor delas nam oculta, quando diz, que
muitas nam publicára, por-nam serem tanto naturais. De que eu
cuido, nam se-pode produzir melhor prova, que a carta que o P.
Argote publicou, nas suas Regras Portuguezas; e que é escrita ao
Cardial Lancastro: a qual é composta naquele estilo, que chamamos
_dos-Seicentos_. Basta ler o primeiro periodo: _Com melhor saude que
o ano pasado; e com menos vida, porque ele pasou_: a segunda parte
do-qual, é noticia mui digna, de se-mandar a um Cardial, porque
é coiza mui recondita. O que se-segue no-segundo paragrafo, sam,
_Sepulturas do-segredo: resurreisoens da-confiansa: exequias no-templo
do-dezingano: estatuas da-ingratidam_, e coizas semelhantes, que oje
tem ranso. E nam sei se se-pode perdoar, a um omem douto como o P.
Argote, o trazer a tal carta, para exemplo de construsam facil, e boa
locusam. Conheso, que muitas vezes as cartas damesma pesoa, nam sam
iguais: ou porque algumas escreveo, quando era moso, e sabia pouco; ou
porque as-fez muito em presa. Conheso isto, e o-perdoo: o que reprovo
é, que o coletor nam soubèse separar umas, das-outras, impremindo as
melhores.

E aqui noto incidentemente, que o que fez o prologo da-colesam, que eu
ignoro quem fose, dise uma falsidade, quando afirmou; _Que nas linguas
vulgares, tem todas as Nasoens escritores, mas nam em grande numero,
deste estilo_. Eu lhe-poso nomiar, somente na Italiana, nam digo
duzias, mas centos: publicadas muitos e muitos anos antes, que saisem
à luz, as do-Vieira: e entre estes escritores, muitos de purisima
locusam, e estilo inimitavel. E o que mais é de admirar, omens que
tratáram as Ciencias, mas principalmente todas as partes da-melhor
Filozofia; com tal clareza, propriedade, e metodo, que envergonham
os Filozofos da-Escola: os quais, empregados toda a sua vida nela,
explicam-se muito mal. Na lingua Franceza, á infinitos tomos de cartas,
em todas as materias; e alguns famozos. Deixo a Ingleza, e Olandeza,
nas quais sei que se-tem seguido, este estilo. Onde, nam avendo coiza
mais uzual, que estes escritores; mostra-se o tal coletor, mui pouco
informado do-mundo.

O terceiro reparo que faso é, sobre a Ortografia, que nada me-agrada.
Nelas acho mui praticado aquele estilo, que se-deve desterrar,
da-lingua Portugueza; e vem aser, a duplicasam escuzada, de muitas
consoantes; e mil outras, que na minha primeira carta mostrei a V. P.
que nam deviam seguir, os omens doutos. Onde persuado-me, que neste
particular, tam longe está de ser omem insigne, que eu o-nam-porei
por-exemplar, a um principiante.

Ora eisaqui tem V. P. que as mesmas cartas do-Vieira, que eu julgo
serem a sua melhor obra; aindaque tenham muita coiza boa, sejam facis,
e as palavras nam sejam más; contudo, nam merecem aqueles cegos, e
encarecidos louvores, que lhe-dam estes apaixonados: os quais ou estam
preocupados, polas mesmas opinioens; ou julgam por-cabesa alheia;
e nunca tiveram a paciencia, de examinar bem a materia. Defeito
mui antigo nestes censores: que aprovam os livros comumente, sem
os-lerem: e nam se-contentam de aproválos, mas os-elogiam, e tam
encarecidamente, que perdem toda a fé. Deixo aos omens de melhor juizo,
fazer a analize das-tais obras, com mais tempo, que eu nam tenho.

Mas eu ja vejo, que me-tenho aberto muito com V.P. o que fiz, confiado
na nosa amizade. Certamente nam disera tanto com outro: pois sei
certamente, que quem nam tiver examinado isto, me-terá quazi por-louco.
Eu sempre fugi, desta sorte de conversasoens, com pesoas que sabem
pouco: porque me-ensina a experiencia, que se-perde o tempo, e o
conceito. Mate-me Deus com gente, que me-intenda: e que me-nam condene,
sem perceber as minhas razoens, e responder a elas. Porque aquilo de
reprovar um escritor, somente porque impugna os defeitos, de que eu
gosto; sem ter o sofrimento de examinar, as dificuldades que propoem;
aindaque seja uzo mui comum, nam sei porem se é concludente. Emfim com
V.P. nam á este perigo: porque eu sei muito bem, que ao seu talento,
nada se-encobre: e que mais para exercitar o seu juizo, doque para
aprender alguma coiza nova, é que tem a bondade, de me-consultar.

Mas sempre devo declarar-lhe, que o juizo que formo das-obras,
do-P.Antonio Vieira; deve ser intendido, com todo o respeito devido,
à sua memoria. Eu estimo muito este Religiozo, polas suas virtudes,
e capacidade. Vejo nas suas cartas retratado, um animo grande: um
dezinterese nobre: uma viva paixam polos aumentos do-seu Reino: e
ardente dezejo de se-sacrificar por-ele: e, para nam ocultar coiza
alguma, vejo a suma ingratidam dos-seus nacionais, que conrespondèram
a tantas finezas, com asoens indignas: e nam só nam souberam estimar,
tam grande omem, mas pozitivamente o-opremîram, e a sua familia. Estas
circunstancias todas mo-pintam, mais estimavel: e se eu vivèse no seu
tempo, serîa o seu maior amigo. Deve tambem o que digo intender-se, sem
a minima ofeza da-Religiam da-Companhia: a qual tem produzido, tantos
omens grandes neste genero; que sem dor alguma pode ouvir declarar,
que um dos-seus Religiozos, nam iguala, nem chega, à gloria de muitos
outros: o que provèm menos do-talento, que do-infeliz estilo daquele
tempo, que nam conhecia, outro gosto de Eloquencia. Damesma sorte que
Plinio Cecilio, aindaque tivese talento, e indole insigne; nam pode
menos que participar, do-estilo do-seu seculo; que degenerava muito,
da-magestade da-primeira Eloquencia. Unicamente devo advertir isto
a V. P., para justificar o meu proceder, contra aquela acuzasam, que
me-podiam fazer aqueles, que, ouvindo-me falar d’eloquencia Portugueza,
visem que nam citava, o P. Vieira.

O conceito que formo, dos-sermoens e orasoens do-Vieira, com mais razam
se-deve aplicar, a todos os outros sermonarios; que V. P. conhece,
estarem muitos furos abaixo do-Vieira. Digo pois, que o Orador, que
quer avultar no-mundo literario, deve deixar todos os sermonarios
Portuguezes, ou Espanhoes; e seguir a estrada que asima lhe-abrimos:
que parece ser, a verdadeira estrada da-Eloquencia: e isto parece-me
que basta, para regular o metodo da-Oratoria. Deve a isto ajuntar, o
continuo exercicio de compor: e exercitar-se juntamente em particular,
para poder falar em publico: sendo certo que o exercicio de compor,
e falar conduz muito, para beber os principios, e sabèlos uzar a seu
tempo, com dezembaraso. Perdoe-me V. P. a extensam desta, que desde
o principio eu prevî, que serîa comprida: e conserve-me muito na sua
memoria. Deus guarde etc.

                             [Illustração]


NOTAS DE RODAPÉ:

[41] _Sic igitur dicet, ut proponat quid dicturus fit: ut cum
transegerit jam aliquid, definiat: ut se ipse revocet: ut quod dixit
iteret: ut argumentum ratione concludat: ut interrogando urgeat: ut
rursus quasi ad interrogata sibi ipse respondeat: ut contra, ac dicat,
accipi & sentiri velit: ut addubitet quid potius aut quomodo dicat: ut
dividat in partes: ut aliquid relinquat ac negligat: ut ante præmuniat:
ut in eo ipso, in quo reprehendatur, culpam in adversarium conferat.
Ut sæpe cum his, qui audiunt, nonnunquam etiam cum adversario quasi
deliberet: ut hominum sermones moresque describat: ut muta quædam
loquentia inducat: ut ab eo quod agitur avertat animos: ut sæpe in
hilaritatem risumve convertat: ut ante occupet quod videat opponi: ut
comparet similitudines: ut utatur exemplis: ut aliud alii tribuens
dispertiat: ut interpellatorem coerceat: ut aliquid reticere se dicat:
ut denuntiet, quid caveant: ut liberius quid audeat: ut irascatur
etiam: ut objurget aliquando: ut deprecetur, ut supplicet: ut medeatur,
ut a proposito declinet aliquantulum, ut optet, ut execretur: ut fiat
iis, apud quos dicet, familiaris. Atque alias etiam dicendi quasi
virtutes sequatur: brevitatem si res petet: sæpe etiam res dicendo
subjiciet oculis: sæpe supra feret, quam fieri possit: significatio
sæpe erit maior, quam oratio: sæpe hilaritas, sæpe vitæ, naturarumque
imitatio_ =. Cicero. Orat. n. 40.

[42] _Nec umquam is, qui audiret, incenderetur, nisi ardens ad eum
perveniret oratio._ Cicer. Orat. n. 38.

[43] _Sic igitur dicet ille, quem expetimus, ut verset sæpe multis
modis eandem, & unam rem: & hæreat in eadem, commoreturque sententia
&c._ Cicero.Orator.n.40.

[44] _Hoc (genus dicendi) vehemens, incensum, incitatum, quo caussæ
eripiuntur: quod cum rapide fertur, sustineri nullo pacto potest._
Idem, ibid.n.37.

[45] _Is ergo erit eloquens, qui ad id, quodcumque decebit; poterit
accomodare orationem. Quod cum statuerit, tum, ut quidque erit
dicendum, ita dicet; ut nec satura jejune, nec grandia minute, nec item
contra: sed erit rebus ipsis par & æqualis oratio._Cicer.Orat.n.36.

[46] _Quam enim indecorum est de stillicidiis cum apud unum judicem
dicas, amplissimis verbis,-& locis uti communibus: de maiestate populi
Romani summisse, & subtiliter?_ Cicer. Orat. num. 21.

[47] _Omnino duo sunt quæ condiant orationem: verborum numerorumque
jucunditas. In verbis inest quasi materia quædam, in numero autem
expolitio._ Cicer. Orat. num. 55.

[48] _Sed quia rerum verborumque judicium prudentiæ est: vocum autem, &
numerorum aures sunt judices: & quod illa ad intelligentiam referuntur,
hæc ad voluptatem: in illis ratio invenit, in his sensus artem._ =
Ibidem num. 49.

[49] _Nam circuitus ille, quem sæpe jam diximus, incitatior numero ipso
fertur & labitur, quoad perveniat ad finem, & insistat. Perspicuum est
igitur, numeris astrictam orationem esse debere, carere versibus....
Inculcamus autem per imprudentiam sæpe etiam minus usitatos, sed tamen
versus: vitiosum genus, & longa animi provisione fugiendum._ = Ibid. n.
56.

[50] _In historia & narratur ornate, & regio sæpe aut pugna
describitur: interponuntur etiam conciones & hortationes. sed in his
trata quædam & fluens expetitur, non hæc contorta & acris oratio._
Cicer. Orator. num. 20.

[51] _Mollis est enim oratio Philosophorum & umbratilis nec
sententiis, nec verbis instructa popularibus, nec juncta numeris,
sed soluta liberius. Nihil iratum habet, nihil invidum, nihil atrox,
nihil miserabile, nihil astutum. Casta, verecunda, virgo incorrupta
quodammodo._ Cicer. Orator. n. 19.

[52] _Pag. 27._

[53] _Pag. 46._

[54] _Pag. 55._

[55] _Pag. 57._

[56] _Pag. 66._

[57] _Pag. 53._

[58] _Pag._ 49.

[59] _Pag._ 47. 48. 49. 50. 51.

[60] _Ego hanc vim intelligo esse in præceptis omnibus, non ut ea
secuti oratores, eloquentiæ laudem sint adepti: sed quæ sua sponte
homines eloquentes facerent, ea quosdam observasse, atque id egisse.
Sic esse non eloquentiam ex artificio, sed artificium ex eloquentia
natum._ Cicer. l. I. de Orat. num.32.

[61] _Scripsit artem Rhetoricam Cleantes, sed sic, ut siquis
obmuttescere concupierit, nihil aliud legere debeat._ Cicer. lib. I. de
Orat. num. 7.

[62] _Judicium igitur adhibebit: nec inveniet solum quid dicat, sed
etiam expendet. Nihil enim est feracius ingeniis iis præsertim,
quæ disciplinis exculta sunt. Sed ut segetes fœcundæ & uberes, non
solum fruges, verum herbas etiam effundunt inimicissimas frugibus:
sic interdum ex his locis aut levia quædam, aut caussis aliena, aut
non utilia gignuntur: quorum ab oratoris judicio delectus magnus
adhibebitur alioqui._ Cicer. Orator. num. 15.

[63] _Volo enim prius habeat orator rem, de qua dicat, dignam auribus
eruditis; quam cogitet, quibus verbis quidque dicat, aut quomodo._
Idem. ibid. num. 34.

[64] _Esse igitur perfecte eloquentis puto, non eam solum facultatem
habere, quæ sit ejus propria, fuse lateque dicendi; sed etiam vicinam
ejus atque finitimam, dialecticorum scientiam assumere._ Cicer. Orat.
n. 32.

Et infra = _Nec vero dialecticis modo sit instructus, sed habeat
omnis philosophiæ notos & tractatos locos .... nihil, inquam, sine ea
scientia, quam dixi, graviter, ample, copiose dici & explicari potest._

[65] _Fra Gianangelo Serra, Capucinho de Faenza, na sua Retorica &c._

[66] _Conficitur autem genus hoc dictionis narrandis exponendisque
factis, sine ullis argumentationibus; ad animi motus leniter tractandos
magis, quam ad fidem faciendam, aut confirmandam accommodate. Non enim
dubia firmantur: sed quæ certa, aut pro certis posita sunt, augentur._
Cicero de Partit.Orat.n.21

[67] _Deinde est ad facta, veniendum: quorum collocatio est triplex:
aut enim temporum servandus est ordo: aut inprimis recentissimum
quodque dicendum: aut multa & varia facta in propria virtutum genera
sunt dirigenda._ Cicero ibidem n.23.

[68] _De Doctr. Christ. lib._2. _n._60.

[69] _Orat._ 3.

[70] _Cicer. de Orat. n._ 37.

[71] _L._ I. _Antidot. in Pog._

[72] Imprimio-se este autor, _Grace & Latine, cum notis Tanaquilli
Fabri, Salmurii anno 1663. in 8._

[73] _Istoria do-Futuro Cap. III. num._ 27.

[74] _Ibidem, num._ 32.

[75] Sermam da-_Palavra de Deus desempenhada_. §. VIII.==Sermam
da-_Palavra do-Pregador empenhada, e defendida._ §. II.

[76] _Istoria do-Futuro. C. VIII. nu._122.

[77] _Palavra de Deus empenhada. §.VIII. num._4.ᵒ = _Sermam da-Palavra
de Deus dezempenhada. §. II._

[78] _Palavra do-Pregador empenhada, e defendida. §. III._

[79] _Hæc vitia unus aliquis inducit, sub quo eloquentia est: ceteri
imitantur, & alter alteri tradunt._ Seneca Epist. 115.

[80] _Quintiliano._

[81] _Aprovasam do-primeiro tomo das-Cartas do-Vieira, por Alexandre
Ferreira._



                             [Illustração]



                             CARTA SETIMA.

                               SUMARIO.

 _Fala-se da-Poezia. Os Portugueses sam meros versejadores. Prejuizos
 dos-mestres, de nam poetarem em Vulgar. Que coiza seja ingenho
 bom, e mao. Especies de obras de mao ingenho, em que caîram alguns
 Antigos, mas principalmente os Modernos. Necesidade do-Criterio, e
 Retorica, em toda a sorte de Poezia. Primeiro defeito de Poezia, a
 inverosimilidade: exemplos. Segundo defeito, os argumentos ridiculos.
 Reflexoens particulares, sobre as compozisoens pequenas Portuguesas;
 que nam podem dar nome, a um omem: defeitos da-Nasam, provados com
 exemplos. Reflexoens sobre o Epigrama Latino, Elogios, inferisoens
 Lapidares, Eglogas, Odes, Satiras, poemas Epicos. Que os Portugueses
 nam conhecèram as leis, do-poema Epico: prova-se com Camoens, Chagas,
 Botelho de Morais. Aponta-se o metodo, com que se-devem regular os
 rapazes, no-estudo da-Poezia. Nova ideia de uma Arte Poetica, util
 para a Mocidade._


A carta que V. P. me-mandou nesta semana, deu-me particular consolasam;
porque vi nela a imagem, da-sua soberana prudencia, do-seu criterio
exatisimo, e da-sua inimitável ingenuidade. Mas isto é pouco: vi
nela executado, tudo o que este genero pode permetir, em materia de
Retorica. V. P. quiz dar-me _dois contra_: e mostrar-me, que as minhas
reflexoens eram superfluas: pois avia um omem neste mundo, que sabia
executar primorozamente, tudo aquilo. Mas diso mesmo me-rezulta, grande
gloria. Ou V. P. o-fez, porque eu lho-avizei; e neste cazo, que gloria
nam será a minha, de ter um dicipulo desta qualidade? ou o-fez porque
asim o intendia, sem que lhe-avizáse; e fico igualmente gloriozo,
vendo que as minhas reflexoens se-conformam, com as de uma pesoa, que
eu estimo tanto. Ponho de parte os outros comprimentos, que me-faz:
porque nam quero uzurpar, o que nam mereso. O que eu escrevi, nam é
meu, mas o que ensináram os omens mais insignes, nesta faculdade: de
cuja lisam eu o-tirei. a estes é, que V. P. o-deve agradecer: e a mim,
só a boa vontade que tenho, de o-servir.

No-fim da-sua carta, repete V. P. uma circunstancia, que ja me-pedio em
outra sua: vem aser, que diga alguma coiza, da-Poezia. Eu me-lembro mui
bem, da-sua petisam: a qual nam deixei por-esquecimento, mas com suma
advertencia: vistoque só despois da-Retorica, se-deve tratar da-Poezia:
a qual nada mais é, que uma Eloquencia mais ornada. Só me-resta uma
dificuldade, quero dizer, se poderei eu dezempenhar, o que V. P.
me-encomenda. Eu tenho pouca noticia de Poetas Portuguezes: ou nam
tenho toda, a que é necesaria, para formar juizo exato deles. Desde que
li alguns, os-desprezei quazi todos, porque me-nam-agradáram. Contudo
lembrando-me, que a medida do-verso Portuguez, é a mesma do-Italiano;
e que as regras em todo o mundo culto, sam as mesmas; direi alguma
coiza que me-ocorre: se errar, deverá desculpar-me; lembrando-se que só
o-faso, para lhe-obedecer.

Digo pois, que o estilo dos-Poetas deste seu Reino, e desta sua lingua,
pouquisimo me agrada: porque é totalmente contrario, ao que fizeram
os melhores modelos da-Antiguidade, e ao que ensina a boa razam. A
razam disto é, porque os que se-metem a compor, nam sabem que coiza é
compor: onde, quando muito sam Versificadores, mas nam Poetas. E disto
nam queira V. P. melhor prova que ver, que nenhum até aqui se-rezolveo
a escrever, uma boa arte Poetica Portugueza: todos se-remedeiam com
esta Espanhola, que é muito má fazenda. Certo meu conhecido me-mostrou
á tempos, uma manuscrita: mas nada mais era, que um compendio
da-dita Espanhola; em que somente se-trata, das-medidas dos-versos,
e combinasoens de consoantes: o que está mui longe de se-chamar,
arte Poetica. Onde concluo, que ainda nam vi livro Portuguez, que
ensináse um omem, a inventar, e julgar bem; e formar um poema como
deve ser. De que nace, que os que querem poetar, o-fazem segundo a
forsa da-sua imaginasam: e nam produzem coiza, digna de se-ver. Com
efeito verá V. P. muitos, que quando escrevem dez versos, lhe-chamam
_Decima_: e quando unem quatorze, chamam-lhe _Soneto_: e asim das-mais
compozisoens. Desorteque compoem antes de saberem o que devem dizer, e
como o-devem dizer: e quando tem formado uma caraminhola, em trajes de
Poezia, ficam mui satisfeitos; e comesam a dizer mal, de tudo o que nam
intendem. Destes se acham, nam duzias, mas centos.

De nam terem profundado a materia, nacem todos os defeitos da-Poezia:
de que se-acham infinitos na Espanha, e tambem em Portugal. Geralmente
intendem, que o-compor bem consiste, em dizer bem sutilezas; e inventar
coizas, que a ninguem ocorresem: e com esta ideia produzem partos,
verdadeiramente monstruozos; e que eles mesmos, quando os-examinam
sem calor, dezaprovam. Os mestres de Retorica, em cujas escolas é que
se-faz algum poema, e que deviam ensinar estas coizas; sam os primeiros
que se-calam, e deixam fazer, o que cadaum quer. Envergonham-se, de
poetar em Portuguez: e tem por-pecado mortal, ou coiza pouco decoroza,
fazelo na dita lingua. Imaginasoens, e prejuizos ridiculos! A Poezia
nam é pecadora: a aplicasam é a que a-pode fazer condenavel, se nam
é reta: e como iso pode suceder tanto na proza, como no-verso; daî
vem, que estes que julgam asim, nunca deviam escrever em Portuguez. Em
todos os tempos os omens de virtude, se aplicáram a este exercicio. Os
Santos Padres mais doutos, compuzeram muita coisa em verso. S. Bazilio,
S. Gregorio Nazianzeno foram grandes Poetas. O primeiro, compoz
expresamente um tratado, no-qual ensinava o modo, de ler os Poetas com
utilidade. O segundo, vendo que Juliano Apostata Imperador Romano,
proibîra aos Cristaons, ler os Poetas Etnicos; compoz algumas poezias,
imitando Omero, Pindaro, Euripides, Menandro &c. para instrusam
da-mocidade Cristan. E isto nam o-fizeram em Persiano, ou Arabio; mas
na sua lingua materna, que era a Grega. O mesmo fez Apolinario Bispo
de Laodicea, e alguns outros. S. Inacio de Loyola, e outros modernos
tambem fizeram, versos vulgares. Se damos um paso atraz, acharemos,
que muitos escritores Sagrados, escrevèram em verso. O que é tam
claro, que ninguém pode menos que rir-se de ver, que um Portuguez
se-envergonhe de poetar na-sua lingua, fazendo-o em Latim. Como se na
lingua Latina, nam se-pudesem dizer todas as loucuras, que se-dizem na
Portugueza! De que vem, que, segundo o estilo das-escolas, um Portuguez
é obrigado a nam saber, que coiza é Poezia. Alem disto, aquilo que
lhe-ensinam de Latim, nada mais é, que a medida de quatro versos; e
fazer alguma breve compozisam. Desorteque em nenhuma lingua se-fazem,
as reflexoens necesarias, para ser bom Poeta. Antes praticando-se na
Latina, uma sorte de versos feitos à moderna, com muitas sutilezas, e
conceitozinhos; este estilo se-difunde, nas compozisoens Portuguezas,
com geral dano da-Poezia.

Duas sam as partes, que compoem o Poeta, _Ingenho_, e _Juizo_. Ingenho
para saber inventar, e unir ideias semelhantes, e agradaveis: Juizo
para as-saber aplicar, onde deve. E nestas duas partes pecam, nam
só os modernos, e mediocres Poetas; mas pecáram ainda os antigos, e
grandes omens; nos-quais nem tudo é igual: como mostram, aqueles, que
criticáram com juizo, os Antigos. Achamos omens com muito ingenho,
e com pouco juizo: porque estas duas coizas, podem-se unir muito
bem: e para nam parecer falsa, a minha propozisam, permita-me V. P.
que me-explique melhor. O Ingenho consiste, em saber unir ideias
semelhantes, com promtidam, e grasa; para formar pinturas que agradem,
e elevem a imaginasam: desorteque nam basta que sejam semelhantes; é
necesario que divirtam, e arrebatem. v. g. Quando o Poeta diz, que a
garganta da-sua amada, é branca como a neve: nisto nam aparece ingenho:
se porem acrecenta, que é igualmente fria; nisto está o ingenho. Polo
contrario o Juizo, é aquela faculdade da-alma, que peza exatamente
todas as ideias: sepára umas das-outras: nam se-deixa inganar
da-semelhansa: e atribûe a cada uma, o que é seu. Isto, pede uma exata
meditasam, e prudencia fundada: aquilo, só pede uma memoria cheia de
muitas, e diferentes ideias. E daqui vem, que vemos frequentemente,
omens de imaginasam fecunda, e ingenho vivo; sem um escrupulo de juizo:
antes comumente tem menos juizo, os que tem mais ingenho: motivo
polo qual produzem obras, que merecem rizo. Os que nam distinguem
isto, confundem _Ingenho_, e _Juizo_: e chamam omens de juizo, aos
que dizem mil ridicularias, e produzem infinitas monstruozidades, e
despropozitadas imaginasoens.

O verdadeiro ingenho pois, é uma semelhansa de ideias, que diverte,
e eleva. Polo contrario o falso ingenho consiste, na semelhansa de
algumas letras, como os _Anagramas_, _Cronogramas_ &c. às vezes na
semelhansa de algumas silabas, como os _Ecos_, e alguns consoantes
insulsos: outras vezes na semelhanzas de algumas palavras, como os
_Equivocos_ &c. finalmente consiste tambem, em compozisoens inteiras,
que aparecem com diferentes figuras ou pinturas, como abaixo diremos.

Destas duas especies de ingenho bom, e mao, se-compoem uma terceira,
que participa de ambas, a que alguns doutos chamáram _Ingenho mixto_:
que consiste, parte na semelhansa das-ideias, e parte das-palavras.
v. g. Imagina o Poeta, que o Amor tem, semelhansas de fogo: e une
estas duas ideias, na sua imaginasam. Serve-se das-palavras de
_fogo_, e _chama_; para explicar esta paixam do-animo: e como elas
tem significasam incerta, rezulta daqui um todo, que tem parte de
ingenho, e parte de aparencia: o qual é mais ou menos estimado, segundo
que domina mais ou menos, um que outro: quero dizer, segundo que a
semelhansa caie mais, sobre as ideias, que sobre as palavras. Na idade
de oiro da-Latinidade, apenas se-acha vestigio diso, tirando em Ovidio,
que tem alguma coiza: na idade de prata, Marcial cuido que foi o
inventor: e nestes ultimos seculos, nam se-ve outra coiza.

Mas a verdade é, que um conceito que nam é justo, nem fundado sobre
a natureza das-coizas, nam pode ser belo: porque o fundamento de
todo o conceito ingenhozo, é a verdade: nem se-deve estimar algum,
quando nam se-reconhesa nele, vestigio de bom juizo. E como os Antigos
observáram muito isto, por-iso neles se-observa, certa maneira
natural de escrever, e certa simplicidade nobre, que tanto os-faz
admiraveis. Polo contrario, os que nam tem ingenho para fazerem:, que
um conceito brilhe, com a sua propria luz, sem a-pedir emprestada;
vem-se obrigados, procurar toda a sorte de ornamentos, e apegar-se
a quaisquer agudezas boas, ou más; para com elas fazerem figura, e
parecerem ingenhozos. Nas obras dos-Antigos nam distinguem o bom, nem o
mao: abrasam os mesmos erros, como se fosem maravilhas: sem advertirem,
que aindaque fosem nosos mestres, nam os-devemos seguir, com os olhos
fechados; mas abrasar neles, o que nam repugna à boa razam.

Deste principio naceram, aquelas ridiculas compozisoens, que tanto
reináram, no-seculo da-ignorancia, digo no-fim do-seculo XVI. de
Cristo, e metade do-XVII. e desterradas dos-paîzes mais cultos, ainda
oje se-conservam em Portugal, e nas mais Espanhas. Os omens daqueles
seculos ignorantes, nam observáram nos-Antigos o bom, mas o mao.
Vîram, que neles se-achavam vestigios, de um mao ingenho; e ese foi o
que abrasáram: de-sorteque ainda oje tem os doutos grande trabalho, em
desterrar isto, da-mente dos-omens. Alguns Poetas Gregos ridiculos,
autorizáram este uzo. Atribue-se a _Theocrito_, mas falsamente,
uma especie destes poemas, a que nós podemos chamar _pintados, ou
figurados_. Reprezenta um, o Ovo; outro, uma Machadinha; outro, um
Altar &c. Isto é uma puerilidade, indigna de um Poeta tam grande, como
_Theocrito_. Certamente para fazer semelhantes versos, deve o Poeta
andar detraz, nam do-bom conceito, mas da-palavra longa, ou curta:
vistoque os versos nam sam, de igual medida e grandeza. Este pesimo
gosto se-restableceo, no-seculo pasado, nam só no-verso, mas tambem na
Proza. Eu vi um _Ecce Homo_, feito de letrinhas miudas, que continham
o testamento Novo. vi um retrato do-Imperador Jozé, cuja cabeleira, e
vestido era feito de versos. finalmente acha-se muito disto, nos-Poetas
tolos do-seculo XVI. e XVII.

O que me admira neste particular é, que o Padre Bluteau, que nacèra
em um Reino, no-qual se-sabe, que coiza é Eloquencia, e bom gosto;
quizese introduzir tambem isto, em Portugal. Li averá anos um papel
avulso, que ele compuzera nas exequias, da-Rainha D. Maria de Saboia,
molher d’El-Rei D. Pedro II. e o-intitulou _Protheus doloris_; em
que se-continha bastante disto. Avia um _epitafio piramidal_, cujo
artificio consistia, em ter algumas regras mais compridas que outras.
Avia tambem variedade de disticos, em que se-aludia às letras todas
do-A. B. C.: e muita desta ridicula fazenda. Tinha tambem uma enfiada
daqueles titulos, que ele costuma pór nos-seus prologos, e que
embrulham o estomago, aos leitores de perfeito juizo. Com efeito eu ja
dise a V.P. que este era o estilo, do-tal Religiozo: metodo, criterio,
bom gosto, nam sabia de que cor era. é o mais cansado escritor, que eu
tenho visto. Na verdade era infatigavel, em algumas coizas: mas nam era
autor para se-imitar: porque bebèra desorte, este estilo de Portugal;
que até em Pariz quiz defender a um Cardial, que o estilo de pregar
dos-Portuguezes, era excelente: o que cuido ter lido, em uma das-suas
obras predicaveis. Emfim tudo isto é efeito, de mao gosto, e nenhum
criterio.

Daqui tambem nacèram, as outras compozisoens mais ridiculas. Conta
a Istoria, de um certo _Tryphiodoro_; que compoz uma Ode, sobre os
trabalhos de Ulizes; e dividio este poema em 24. livros, a que deo
o nome das-24. letras do-Alfabeto, pola razam contraria: vistoque
no-primeiro livro, faltava o _A._ no-segundo, o _B._ &c. e em nenhum
se-achava a palavra, que tivese a dita letra do-titulo. Eu vi uma
compozisam moderna, que seguia o mesmo metodo. Certamente nam á coiza
mais ridicula, que estes _Lipogramas_. Serîa um belo divertimento,
observar este Poeta, empenhado a revolver todos os Dicionarios; só para
deitar fóra, a letra escomungada. Serîa necesario, desprezar a voz
mais propria, e mais elegante; somente por-ter a desgrasa, de se-achar
nela, a dita letra. Mas que coiza serîa a tal compozisam! que palavras
ridiculas! que fraze inaudita! que conceitos improprios! Foi fortuna,
que o tal autor teve poucos sequazes, na Antiguidade.

Dos-Enigmas de palavras, entre os Povos do-Oriente achamos muito. Era
entre eles, uma principal parte da-sabedoria; saber propor, e decifrar
os Enigmas. Os mesmos Reis se-divertiam, em propor uns a outros, estas
advinhasoens: e às vezes nos-convites, este era o ultimo prato. Mas
destes omens nam falamos, porque ignoráram, o que era bom gosto. Mas
ainda entre os Gregos ouve algum, que fez algum enigma: mas foram
raros, como mostra o noso Lilio Gregorio Gyraldi, nos-seus Opusculos.
Os Romanos mais advertidos, fugîram disto. Sobre a outra sorte de
Enigmas pintados &c. algum vestigio vemos, nos-Antigos: mas eles tinham
outro diferente motivo. Em Roma era proibido, que um particular puzese
a sua efigie, que era o mesmo que a sua arma, no-dinheiro corrente.
Caio Cezar, que era o Provedor da-Caza da-moeda, mandou esculpir nelas,
a figura de um Elefante: porque a palavra _Cezar_ em lingua Punica,
significa Elefante. Tambem entre os Gregos, principalmente Ateniezes,
era proibido severamente, que os estatuarios, e artifices puzesem o
seu nome, nas estatuas &c. Mas dois Architetos, tendo feito um grande
palacio, esculpiram em varias partes, uma _Lagartixa_, e uma _Ran_,
que eram os seus nomes. Observei eu tambem muitas vezes, na famoza
estatua equestre de bronze, do-Imperador Marco Aurelio, que se-acha em
Roma na prasa do-Capitolio; que as crins do-cavalo entre as orelhas,
reprezentavam uma coruja: que sem duvida era o nome do-autor: que
verosimelmente era Ateniez, vistoque em Atenas avia grande abundancia
delas. Mas isto que os Antigos fizeram, por-necesidade, alguns
Modernos o-fazem, por-eleisam: e se-cansam em inventar um enigma,
como em fazer alguma obra eloquente. Nam poso deixar de escrever
aqui um epitafio, que cita um autor de bom juizo, que se-poz na
lapide sepulcral. O morto chamava-se: _Nicolao Antonio Simeoni_: e
querendo-lhe fazer um epitafio ingenhozo, escrevèram isto: _Hic jacet
Barium, Patavium, de Nunc dimittis._ _Barium_ aludia a S.Nicolao
Arcebispo de Bari: _Patavium_ a S.Antonio de Padua: _e Nunc dimittis_
ao canto do-velho Simeam. Veja V.P. que tal era o enigma, e que tal
serîa o autor! Disto ainda oje se-acha muito, entre os ignorantes: e
eu tenho visto bastante, em Portugal. Intrei uma vez na caza, de certo
cavalheiro Portuguez, que estava lendo um livro de Epigramas Latinos,
in 4.ᵒ proguntei-lhe, que coiza lia: e respondeo-me, Que lia o melhor
Epigramatista, e o melhor Enigmatico. Que o autor era um Portuguez
moderno, o qual em cada Epigrama ocultára um enigma, com tanto estudo;
que toda aquela menhan procurára decifrar um, sem o-conseguir. Que ja
tinha alcansado, o segredo de outros: e que reconhecia, que neles avia
muito ingenho. Ofereceo-se para me-emprestar o livro, e decifrar algum.
Eu agradeci a atensam: e respondi-lhe, que tinha mais que fazer: e que
nam queria priválo do-gosto, de se-ocupar em coizas tam ingenhozas. E a
isto chama-se ingenho! e á quem publique tais livros, neste seculo!

Ponho na mesma clase os _Ecos_, _Equivocos_, _Anagramas_, _Acrosticos_,
_Cronogramas_, _Consoantes forsados_, _Laberintos_ &c. Tudo
isto aindaque tivese seus vestigios, em alguns menos advertidos
da-Antiguidade; resucitou, ou se-inventou, nos-seculos da-ignorancia.
Eu sei que Ovidio, em uma parte das-suas Metamorfozes, quando fala
da-Ninfa _Eco_, antes de ser mudada em puro eco, introduz algum.
Mas alem de que o-pedia, a necesidade da-materia; visto ser ela
o argumento, da-sua descrisam; os omens de juizo rim-se, da-sua
puerilidade: sendo certo que Ovidio, caio em muitos defeitos, e
escreveo com mais facilidade, que reflexam. Mas nam se-pode sofrer, que
omens modernos, e que mostráram doutrina em muitas coizas, caisem nesta
rapaziada, condenavel ainda em um rapaz: e que fizesem compozisoens,
expresamente para mostrar, que sabiam fazer eco. Eu vi ecos, que
respondiam em Latim, e outras linguas: e tive compaixam do-Poeta, que
se-cansára com aquilo. Os _Equivocos_ nam os acho na Antiguidade,
separados dos-Enigmas, tirando rarisimo, que em outra parte direi:
sam invensam moderna. V. P. sabe muito bem, que só reináram, no-tempo
da-ignorancia; e que os Espanhoes, e Portuguezes mais advertidos, fogem
oje deles. Com efeito nam á coiza mais ridicula, que chamar conceito, a
um ingano: e procurar aquilo, que se-devia evitar. Quando eu li algumas
das-Jornadas, de _Jeronimo Baîa_, tive compaixam do-dito Religiozo: e
asentei, que a jornada que devia fazer, era de sua caza para o Ospital.
Esta sorte de Poetas sam doidos, aindaque nam furiozos. Mas nam cuide
V.P. que isto está totalmente reprovado: eu ainda conheso, quem
o-pratica: e quando se-lhe-oferece ocaziam, de dizer um equivocozinho,
banham-se em agua de Cordova. Nam falo dos-idiotas, porque estes nam
cuidam niso: mas destes chamados doutos, Frades, Seculares, Sacerdotes,
Estudantes &c. entre estes acha-se muito disto: porque nam se-incontra
uma alma cristan, que dezinganadamente lhe diga, que aquilo é uma
parvoice.

Mas o pior é, que ja o Equivoco pasou do-Portuguez, para o Latim: e
muitos que deviam saber, que coiza era Latim, nam fazem escrupulo, de
introduzirem nele equivocos; compondo um Latim novo, cheio de todas
estas arengas. Um autor de credito, a quem eu estimei muito, pola
sua doutrina, e piedade, tambem tropesou nesta materia; compondo uma
descrisam do-Ceo, por-equivocos. Esta obra, que fora prometida anos
antes, com diferente titulo; teve muita gente em grande esperansa; e
eu fui um deles: mas despois que a-li, confirmei-me no-conceito em que
estava, de que nam é obra para este seculo; mas cento cincoenta anos
antes, serîa um prodigio. Todo o artificio consiste, em ter buscado
nomes de Santos, que signifiquem varios oficios da-Republica, de que
se-acham carros nos-martirologios &c. e descrever uma Cidade ideial,
introduzindo em seus lugares, os ditos nomes. Contudoiso esta obra teve
mil adoradores, e apologistas; que mostram abrasar, a mesma opiniam.
Eu porem que dezejo cooperar, para o credito deste omem, quizera que
se-nam-tivese publicado: porque me-parece, que nam é digna de estar
ao pè, de outras obras do-mesmo autor: e que defender o contrario, é
mostrar mais paixam, que dicernimento: e deste meu parecer foram, os
Estrangeiros de juizo, a quem a-mostrei. Mas o que este fez em uma só
materia, fazem outros em toda a ocaziam: e desculpam-se com um ou
dois Estrangeiros, que sam os gavadinhos. Como se os Estrangeiros,
nam fizesem tambem parvoices! ou como se naquelas Nasoens nam ouvese,
quem abomináse tal metodo! Com efeito o _Tezauro_, mas principalmente
o _Juglar_, de quem se-servem neste genero de equivocos, e agudezas; é
insoportavel: e tem sido o que arruinou muita gente, que nam peza bem o
que abrasa. Ele compoz uma certa coiza, a que chama _Elogios_: feitos
em um Latim, que nam se-sabe de que seculo é; porque é todo cheio
de sutilezas, e equivocos; e cada palavra se-deve tomar, em sentido
diferente doque soa. O primeiro Elogio feito ao Verbo Eterno, comesa
asim:

      _Amicus silentii Deus est.
    Semel in tota æternitate locutus Deus,
      Uno omnia dixit in Verbo.
    Prima sui fecunditate facundus,
      Ipsa sui conceptione fit parens_;

Veja V. P. o que aqui vai! A palavra _silentium_ é aqui tam impropria,
que nam pode ser mais: porque _silentium_ é um termo relativo, que
significa estar calado, ou quieto; quem primeiro falou, ou fez rumor:
e isto nam se-pode aplicar ao P. Eterno, o qual sempre fala a mesma
palavra, que entam falou. Onde nam á coiza mais contraria ao silencio,
que o falar do-Eterno Pai: e, seguindo a sutileza do-_Juglar_, deve-se
dizer, que nam á quem seja, mais amigo de falar, porque nunca se-cala.
A palavra _semel_ tambem é impropria. Ela nam significa uma coiza,
que sempre se-faz: mas que se-faz uma vez só: e no-noso cazo, que já
é pasada: e isto nem menos se-pode aplicar, ao Padre. Tambem o nome
_locutus_, rigorozamente falando, nam significa, quem pronuncîa uma
palavra, como ele supoem; mas quem faz um discurso. _Uno omnia dixit
in Verbo_, nam é fraze Latina, no-sentido em que ele a-toma: porque
_uno verbo_, ou _verbo dicere_, de que uzam os Latinos; nam significa,
pronunciar uma voz, como supoem o elogio; mas dizer poucas palavras, e
explicar muito em pouco: a palavra _Verbum_, aqui é rigorozo equivoco.
_Prima sui fecunditate_, nam sei o que quer dizer: porque eu nam acho,
que o Padre Eterno geráse mais, que um filho: e a palavra _prima_ é
relativa. Alem diso a palavra _fecunditas_, nam significa, gerar uma
só vez; mas muitas, e ser fertil: e nem menos isto se-aplica, ao P.
Eterno. O mesmo digo da-palavra _facundus_, que nam significa, quem
pronuncia uma só palavra; mas quem é eloquente, e sabe fazer muitos
e bons discursos: e tudo isto está longe do-sentido, em que o-toma
_Juglar_. A palavra _conceptio_, é outro equivoco. Ela nam significa,
conhecer e intender alguma coiza; mas compreender, como um vazo
compreende o licor, que lhe-deitam: e neste sentido se-transfere,
para explicar o modo, com que o utero das-molheres, recebe a semente;
de que rezulta a gerasam. Significa tambem, excogitar: e em nenhum
destes sentidos se-pode aplicar, ao P. Eterno: pois nem o Pai excogita
o Filho; nem se-concebe a si, mas ao Filho. Asimque toda esta arenga
se-reduz, a um trocadilho e jogo de palavras: como V. P. poderá
reconhecer, se quizer ler o dito autor.

E que diriam os nosos antigos Romanos, se visem abuzar da-magestade
dos-Elogios: destruir a naturalidade, e simplicidade da-lingua Latina:
perverter a propriedade das-suas expresoens: somente para dizer quatro
sutilezas, que nam concluem nada? Contudo iso este autor, bandido
de outros Reinos, achou muitos imitadores, e idolatras neste: aos
quais será mais facil persuadir, que os antigos Romanos nam souberam,
escrever com elegancia; doque que o _P. Juglar_ nam seja, um milagre de
doutrina, e facundia. Mas permita-me V. P. repetir o versinho, _quisque
suos patimur manes_: o certo é, que este estilo, com mais razam se-deve
evitar no-Latim, que no-Portuguez.

Os _Anagramas_ sam invensam nova, e tambem agradam muito, nestes
paizes. Que divertimento nam é, ver um perfeito anagramatista,
dezentranhar daquela palavra, mil coizas diferentes! Eles convertem
o branco em negro; o dia em noite; o omem em besta. Se o tempo que
aplicam, a esta rapaziada, o-aplicasem a coiza seria; podiam fazer um
poema Epico bem grande. Acham-se alem disto mestres, que fomentam isto;
dando premios aos rapazes, que nas escolas, ouvindo alguma palavra,
descobrem nela um anagrama puro. Serîa isto nada, se se-contivese
dentro das-escolas: mas o mao é, que saie para fóra, e se-introduz
nos-discursos graves. Asisti uma vez a um sermam da-Conceisam,
pregado polo P. * * * o qual fora muitos anos mestre, e tinha fama de
grande Teologo; que provou o que dise, com anagramas, tirados do-nome
da-Senhora, e de algumas palavras do-Evangelho. Creio que é necesaria
mui pouca reflexam, para conhecer o ridiculo, deste estilo. Os
_Acrosticos_ sam primoscomirmaons dos-Anagramas, e nacèram no-mesmo
seculo. Acham-se ingenhos mariolas tam infatigaveis, que no-mesmo
Soneto poem trez vezes, o mesmo nome: duas nas extremidades, e uma
no-meio. Para fazer isto ja V. P. sabe, quantas palavras é necesario
voltar, e revoltar. E como as palavras se-buscam, polo comprimento, &c.
segue-se que se-ám-de desprezar as melhores; só para achar aquela, em
que esteja aquela letra inicial, e aquele numero de silabas. E daqui
fica claro, que coiza pode ser, a dita compozisam. Os Ebreos despois
do-Talmud, sam os que se-aplicáram a estas ridicularias, de _Anagramas_
&c. mas fomente para achar misterios, nas Escrituras. Porem estes
modernos, procuram somente o divertimento.

Dos-_Cronogramas_ vi algum em Portugal, mas raro. Os Tudescos sam
insoportaveis nesta materia, e tambem os Ebreos modernos. Consiste pois
o _Cronograma_, em pòr no-principio, ou fim de um livro, ou em alguma
inscrisam, certas palavras; parte das-quais letras sejam maiusculas:
as quais juntas declarem a era, em que foi feito o livro. Omens á, que
perdem mezes, para buscar as ditas palavras. Onde, quando V. P. vir
algumas destas inscrisoens, em medalhas, ou livros; nas quais entre
letras miudas se-achem majusculas; nam se-canse em buscar o conceito,
que nam á: busque o ano, do-milezimo corrente.

Mais vulgar é em Portugal, outra sorte de ingenho falso, a que
chamam _Consoantes forsados_. Quando querem experimentar um omem, se
tem ingenho; dam-lhe consoantes estramboticos, paraque complete os
versos: e como isto seja o mesmo, que obrigar um omem, a que diga
despropozitos; ja se-sabe que saiem compozisoens, indignas de se-verem.
Se um omem quando quer fazer um Soneto, polos consoantes de outro,
ao mesmo asumto, e sem se-incontrar no-mesmo conceito; lhe-custa: se
despois que um Poeta faz, uma boa quadra de um Soneto; nam acha às
vezes os consoantes proprios, para a segunda; e para explicar o que
tem ideiado: considere V. P. que coiza poderá fazer, quando o-obrigam,
a dizer despropozitos? O mesmo digo, quando dam os motes com finais
dezuzados, e que nam tem outras vozes consoantes. Sempre me-pareceo
ridiculo este estilo: e nunca pude sofrer, que vindo quatro amigos,
elogiar outro em um oiteiro; lhe-ajam de dar motes, para os-tormentar.
isto é recompensar uma fineza com uma injuria; e querer uma satira, em
lugar de louvor. Deviam dar ao Poeta, somente o asumto; e deixar-lhe
a liberdade, de fazer a Decima como quizese: porque o entuziasmo
deve ter, liberdade na expresam: sem a qual nam é posivel, deixar de
dizer parvoises. Ou, em cazo de lhe-darem o mote, devia ser com algum
final, que tivese muitas vozes consoantes da-lingua: paraque pudese
contrafazer-se menos, e produzir coizas dignas. Porem sempre direi, que
é efeito de um ingenho mui mao, dar consoantes estramboticos: e que
todo o omem de juizo deve fugir, desta rapaziada.

Em outros Reinos, sempre se-deixa a liberdade, a quem gloza: e na minha
Italia, onde sabem que coiza é Poetar; a estes glozadores, a que la
chamam _Improvizadores_, nunca dam motes, mas só o asumto. E por-iso á
alguns, e vi tambem molheres, que discorriam prodigiozamente: e cujas
obras escritas, mereceriam grande louvor. Especialmente incontrei um
omem, de mente tam fecunda, que polo espacio de trez oras despois
de jantar, fez continuamente versos; variando eu sempre os asumtos.
Versejava em oitava rima, conforme o costume dos-versejadores de
Italia: e com tanta promtidam; que cheguei a suspeitar, que as-trazia
estudadas: desorteque me-vi obrigado, a variar infinitamente os
argumentos: mas o omem sempre era o mesmo: e o profluvio de palavras
nam tinha limite. Notei especialmente duas coizas singulares: nunca
errou verso, ou na quantidade, ou no-consoante: e nam uzava de palavras
sem significado, de que frequentemente uzam os Poetas; mas dizia coizas
bem ditas, e de sustancia. Mas este grande omem, querendo-lhe eu dar
um mote, nam se-quiz sugeitar a glozálo. Nele fiz algumas reflexoens,
das-que a V. P. aponto.

Vemos ainda outra coiza pior, que é, introduzir os consoantes, ou
rimas, no-verso Latino. Nos-seculos da-ignorancia, ouve um Poeta
destes, que reduzio a metade da-Eneida, em verso Latino rimado.
Acham-se ainda alguns Imnos ecleziasticos, feitos no-undecimo,
duodecimo, e seguinte seculo, com consoantes e toantes. vi alguns
Portuguezes, que gostavam disto. Mas tudo é efeito de suma ignorancia;
e é nam conhecer, qual é a beleza, e armonia da-lingua Latina. Ingenhos
ordinarios, que nam podem chegar à galantaria, dos-antigos e bons
Poetas; querem-se singularizar, com tal estilo: e por-iso se-devem
desprezar.

Tambem os _Laberintos de letras_, sam mui mimozos em Portugal: e Poeta
conhece V.P., que estimou mais um laberinto que fez, doque se fizera
alguma famoza compozisam. Outros tem por-coiza grande, fazer laberintos
de quartetos, dispostos em certa figura, de-sorteque se-lem por-todas
as partes; e sempre conservam, a mesma consonancia. Outros fazem
versos, que se-lem para diante, e paratraz: de uma parte, fazem um
sentido: da-outra, outro contrario: empregam nisto tempo consideravel,
nam só em fazèlo, mas em decifrálo: e chamam a isto, emprego de sublime
ingenho. Que omens! O simplez nome de laberinto basta, para desprezar
esta sorte de compozisoens: olhar para eles, deve confirmar este
propozito. Decifrado um laberinto de letras, comumente acha-se o nome
de uma pesoa, e nada mais: e onde está aqui o ingenho? Custa às vezes
ao Poeta, fazer um laberinto de um quarteto, um mez; e como nam pode
chegar a encobrir a compozisam, de modo que outro em um abrir de olhos,
a-nam-decifre; todo o ingenho do-Poeta, que lhe-custou um mez, excede
outro, com um abrir de olhos. Os outros laberintos de quartetos &c.
nenhum tem conceito: porque nam podem unir-se duas coizas, poetar bem,
e poetar em laberinto. E asim com muito trabalho consegue o Poeta, que
os outros conhesam; que ele nam sabe fazer, versos bons.

Igualmente é estimada neste paiz, uma especie de Sonetos, em que
se-repete a mesma palavra, em todos os versos: que é o mesmo que
a galantaria, dos-consoantes forsados. Porque obrigado o Poeta, a
introduzir a dita palavra em cada verso, nam pode ideiar livremente;
nem unir um verso com outro; nem sair com alguma compozisam, que seja
digna. Podia citar mil exemplos: mas nam queira V. P. nenhum melhor;
que o Soneto que se-atribue ao _Chagas_, e comesa:

    _O tempo ja de si me-pede conta._

Em todos os versos entra, a palavra _tempo_: que é uma embrulhada
terrivel: e o conceito do-fim consiste nisto:

    _E que se-chega o tempo de dar conta._

que é em carne o mesmo primeiro verso. E onde acha V. P. a galantaria?
o mesmo digo dos-outros. E tudo isto provèm, de que tais Poetas
intendem, que o-fazer um Soneto segundo as leis comuas, é coiza
ridicula: e asim querem, esquipasam particular.

Se os omens considerarem, que coiza era a Poezia: se tivesem bem
intendido, os principios dela: se quizesem decifrar, em que consiste
a beleza e armonia, que nos-eleva, quando ouvimos um bom poema: nam
podiam menos, que desprezar todas estas compozisoens; que sam indignas,
até dos-proprios rapazes. Só os que nam sabem, que coiza é ingenho,
se-aplicam a estas ridicularias. Dezesperando de chegar, à magestade
dos-antigos compozitores; nam acháram outro meio de serem atendidos,
que fazendo ridicularias. Sucedeo-lhe o mesmo, que aos Godos, com
a Architetura: nam tendo sido instruidos nas boas artes, como foram
os Gregos, e Romanos; e nam podendo chegar, à nobre simplicidade
da-antiga Architetura: ornáram as suas fabricas, de tudo o que
lhe-ofereceo, a sua mal regulada imaginasam. Desorteque os omens, que
no-seculo prezente observam, os monumentos que nos-ficáram, destes
barbaros; nam cesam de admirar, a pouca proporsam que se-descobre, em
todas as suas fabricas: e o mao gosto que aparece, em todos os seus
ornamentos. Muitos deles viviam em Roma: tinham debaixo dos-olhos,
as famozas fabricas dos-Romanos: e desprezando tudo isto, produziam
monstruozidades. Asim sam os autores destas Poezias: tem os bons
livros: podiam neles observar, o que devem: e desprezam tudo isto, para
seguirem fantasticas imaginasoens. Onde dise com galantaria, um autor
moderno; que se a gloria de belo ingenho, se-conseguîra somente, com o
trabalho que empregam, naquelas ridicularias; ele nam queria ser belo
ingenho: pois era melhor, ser forsado da-galè, que conseguilo com tanto
custo. E eu acrecento, que se estivese na minha mam, condenaria estes
tais Poetas, a pasarem a sua vida fazendo _Acrosticos_, _Anagramas_,
_Laberintos_; retirados do-comercio dos-omens; e felicitar-se com os
seus inventos.

Tenho ainda outra coiza que advertir, que tambem é efeito, de mao
ingenho; e sam aqueles ditos, que chamam _agudos_, e jogos de palavras;
que se-acham frequentemente nos-Prozadores, e frequentisimamente
nos-Poetas. Verá V. P. pesoas, que cuidam dizer grasas, e coizas
ingenhozas; e dizem insipidas ridicularias. Outros, servem-se de
uma palavra com um _c_, que posta com um _l_, significa coiza
diferente: e daqui formam uma caraminhola, a que chamam ingenho; e
ficam mui satisfeitos, da-sua agudeza. O pior está, em que á omens
que escrevèram, sobre a agudeza; e quizeram ensinar isto, aos
leitores. Li á anos um livrinho pequeno, de um Espanhol, que cuido
era Gracian; e se-intitulava _Tratado de la Agudeςa_: lembro-me que
o autor no-prologo, dezejava ao livro a boa fortuna, de cair em
maons, de quem o-intendèse. Polos meus pecados eu fui um, dos-que
nam se-cansáram em intendèlo: porque logo intendi, que o livro nam
merecia que se-lese. Querer ensinar a dizer grasas, e agudezas; é o
mesmo que querer ensinar, a mudar a natureza: quem nam é proprio para
estas coizas, nam as-pode aprender. As grasas, pola maior parte, tem
beleza respetiva: em boca de uns, tem grasa; na dos-outros, nam: a
agudeza quando nam é pura, é o mesmo. Pola maior parte, as que pasam
com este nome, nam meresem este titulo: sam meros jogos de palavras,
que agradam infinitamente aos ignorantes. Neste particular a verdadeira
regra é esta: Se o conceito traduzido em outra lingua, conserva a
mesma forsa; pode-se chamar pensamento ou agudo, ou ingenhozo, segundo
as circunstancias: se a-perde, pronuncie V. P. livremente, que é uma
ridicularia: e que só pode ter lugar, entre gente que gosta daquilo.

Acham-se, é verdade, nos-Antigos muitas, e mui insulsas. Aristoteles
na sua Retorica aponta algumas, a que chama _Paragramas_. Cicero
no livro 2.ᵒ _de Oratore_, tratando das-facecias do-Orador, indica
outras muitas: e ele mesmo em varias partes das-suas obras, serve-se
delas: porque este era o seu defeito, ser mui faceto: e com as suas
facecias aquistava, perigozos inimigos. Mas devo dizer, em obzequio
da-verdade, que as que ele aponta, quazi todas sam frioleiras, e
ridicularias; que nam merecem nome, de pensamento ingenhozo: e se V. P.
me-nam-cre, leia o dito livro, e achará que lhe-digo a verdade. Estas
venialidades em que caîram estes grandes omens, sam recompensadas com
infinitas boas qualidades, que neles vemos: e sam tambem desculpaveis,
por-outro principio; que é a falta de Critica, que tiveram os Antigos.
Aqueles ingenhos elevados dos-primeiros autores, nam faziam todas as
reflexoens necesarias, para procederem com exasam: polo contrario, os
que os-seguîram, aindaque inferiores na grandeza de ingenho, excedem
no-metodo, e na critica: e souberam evitar, os defeitos dos-primeiros.

Omero é grande, é natural, tem pensamentos elevadisimos, e excede nisto
a Virgilio: contudo este, que escreveo despois, aindaque tenha menos
natureza, mostra mais arte que Omero: pois soube evitar um defeito,
que frequentemente se-acha em Omero, que é, amontoar superfluos
epitetos, e às vezes insulsos: como tambem as digresoens, e coloquios
insipidos, sem necesidade alguma. Cicero no-seu livro de _Claris
Oratoribus_, em que censura, tudo o que ouve de bom na Antiguidade;
traz belisimas reflexoens, sobre os defeitos de alguns Oradores: e bem
procurou nas suas obras, fugir dos-tais defeitos. Contudo Quintiliano,
que floreceo um seculo e meio despois, aindaque muitos furos abaixo,
do-merecimento de Cicero; advertio coizas, que a Cicero tinham fugido.
A verdade é, que os escritores que escrevèram, despois dos-primeiros;
refletindo sobre as primeiras obras, examináram melhor, que coiza era
bom ingenho; e deram regras, que os primeiros ignoravam. Quintiliano
é um destes: mas sobre todos Dionizio Longino, que floreceo no-meio
do-3.ᵒ seculo cristam. Este omem, que alem de Filozofo, e Retorico,
era um perfeitisimo Critico; ensinou no-tratado, que nos-deixou _de
Sublimi stilo_, como se-devia julgar nestas materias: e que coiza
se-devia chamar _Ingenho_: e todo o mundo douto, concordou com ele. A
ignorancia, que pouco despois se-introduzio no-Imperio; fez com que
se-esquecesem, deste metodo de julgar: o qual se restableceo nos-fins
do-seculo XVI. mas principalmente no-pasado, e no-prezente; em que as
coizas se-estimam, nam polo que parecem, mas polo que sam. Mas como nem
todos tem juizo, para intenderem as coizas; daqui nace, que neste mesmo
seculo XVII. e ainda prezente, se-acham pesoas, que confundem as ditas
coizas: e que, se acazo chegam a ler os Antigos, nam sabem advertir, o
que neles se-deve imitar, ou desprezar: e por-iso chamam pensamentos
ingenhozos a coizas, que estam mui longe diso: o que frequentisimamente
se-incontra, neste Reino.

Um destes Poetas, observando as desprezantes maneiras de olhar, da-sua
Dama; e convencido no-mesmo tempo, da-eficacia que os seus olhos
tinham, para inspirar-lhe amor; os-considera como espelhos ustorios,
feitos de caramelo: mas podendo ele viver, nos-maiores ardores que
o-abrazavam; conclue, que a zona torrida é abitavel. Quando a sua
Dama tem lido a carta, que lhe-escreveo, com sumo de limam, posta ao
calor do-fogo; lhe-pede, que a-torne a ler, à luz das-chamas de amor.
Quando ela chora, dezeja que um suave calor, excitado polo amor, fasa
destilar aquelas lagrimas, pasadas polo alambique do-seu corasam.
Quando ela está auzente, acha-se alem do-oitentezimo grao de latitude;
quero dizer, quarenta graos mais vizinho do-Polo, doque quando se-acha
com ela. O seu amor ambiciozo é um fogo, que sobe naturalmente para
sima: o seu amor afortunado, parece-se com os raios do-Sol: e o
seu amor dezafortunado, asemelha-se às chamas do-inferno. Quando o
amor lhe-tira o sono, é uma chama, de que nam saie fumo: e quando a
prudencia o combate, é um fogo asoprado polo vento. O seu corasam é um
Etna, que em vez da-oficina de _Vulcano_, oculta aquela de _Cupido_.
Às vezes, o corasam do-Poeta acha-se nevado, no-peito de todas as
belas: outras vezes asado, na vizinhansa dos-seus olhos. Umas vezes,
afoga-se dentro das-lagrimas; e no-mesmo tempo arde, entre os brasos
de amor: semelhante a estes foguetes de nova invensam, que ardem, e
estoiram debaixo da-agua. Em todo este discurso vé V. P. que o Poeta
supoem, que o amor é verdadeiro fogo de cozinha; e que une estas duas
ideias, _fogo_, e _amor_; para delas deduzir, todos os seus conceitos;
a que ele chama sutis, e ingenhozos. Isto agrada ao comum dos-omens,
namobstanteque seja uma fantazia impropria, e estravagante. Porem ja
eu lhe-perdoára este ingenho mixto; se uzasem dele com moderasam: o
que nam poso sofrer é, que sem prudencia o-introduzam por-tudo: e
nos-queiram persuadir, que é grande ingenho, chamar a uma coiza com
diverso nome: e que a dita coiza é tal, como a-pintam.

Acho tambem mui radicado nestes paizes, (aindaque tambem em alguns
estrangeiros) aquilo de servir-se sem reflexam, das-divindades
dos-Pagaons, em toda a sorte de poemas, Sagrados, e Profanos: e cuidam
muitos, que fazendo ao principio a solita protesta, de que os-nomeiam
no-estilo poetico; tem feito a sua obrigasam. Pode-ser que a-tenham com
a religiam: mas certamente nam a-tem, com os bons Poetas. Com grasa
dise um omem douto, que toda a ciencia de muitos modernos Poetas,
nam pasava, das-Metamorfozes de Ovidio. A verdade é, que os Poetas
modernos, sam prodigos desta mitologia. Se louvam uma molher formoza,
ocupam-se mais em descrever Elena, ou Venus; Leda, ou Europa; doque
a dita beleza. Se elogiam um eroe, entra logo Mavorte, e Alcides; e
pola maior parte nam saiem daquî. Mas isto é sem duvida ridicularia.
Em um poema burlesco, tem grasa a dita mitologia, porque só se-trata
de divertir, com a aplicasam: mas em um poema serio, é fantazia
condenavel. Que o-fizesem os Etnicos, tinham desculpa na sua cegueira:
mas que o-fasa um Catolico, em cuja religiam nada significam, tais
nomes: que introduza _D. Joam de Castro_, como grande amigo de Marte;
e establesa boa conrespondencia, entre Belona, e _Diniz de Melo_; é
um erro que nam se-pode perdoar a um Poeta, que pasa de 15. anos. Os
que nam sabem engrandecer, as verdadeiras virtudes; é que recorrem às
fabulas, para ornamento do-seu poema.

Nunca pude sofrer um Poeta, no-principio de um poema moderno, invocar
as Muzas, e Apolo; para lhe-inspirarem os pensamentos: mandar Mercurio,
com algum despacho de importancia: obrigar Minerva, a que tome a
figura, de algum conselheiro: chamar do-Inferno Plutam, para excitar
discordias, entre algumas pesoas: nam permetir tempestades, semque
Venus vá pedir a Eolo, que fasa das-suas: nam consentir perda de
batalha, semque o Destino atire alguma, das-suas solitas pedradas. Isto
é uma afetasam, digna de compaixam. Nós temos na nosa religiam coizas,
que podem suprir, a todas as ideias dos-Antigos. Temos Deus, temos
Anjos, temos Santos, que nos-podem inspirar o bem: e temos Diabos,
para inspirar o mal. O Poeta mostraria mais ingenho, se ele fizese os
seus versos; doque pedindo a Apolo, que lhos-inspire. Um furiozo vento
excitado polo Diabo, pode fazer o mesmo espalhafato, em uma armada;
que Eolo, com todas as suas Furias. Para dar razam de uma batalha
perdida, é mais natural e verdadeiro, recorrer à polvora, balas, e
prudencia do-General; doque ao Destino, ou Fado, que sam palavras
sem significado. O Diabo nam é menos prejudicial, à paz e quietasam
dos-Omens, que pode ser Plutam, com Cloto, e as suas companheiras. Quem
dece ao Inferno, para tirar de lá Lachesis, e outras destas Furias;
nam lhe-era mais barato, tirar um diabrete, para concluir tudo aquilo?
Os Gregos nam se-servîram das-divindades dos-Ebreos, ou Sirios, para
explicarem as suas coizas; mas daquelas que estavam establecidas,
no-seu paîz: E porque avemos nós servir-nos das-Gregas, tendo outras
melhores? O que suposto, merecem rizo os Poetas, que se-ocupam com
estas ridicularias: porque ou querem significar com aqueles nomes,
alguma coiza; e isto é sacrificar o seu catechismo, à mitologia
dos-Antigos: ou nam significam coiza alguma; e novamente merecem rizo,
por-falarem em coizas, que nam pode aver: e é perder a verosimilidade
do-poema, servindo-se de coizas, e vozes, que ninguem pode intender.
Que o Poeta em uma metafora, em uma semelhansa, ou em alguma breve
aluzam, tocáse algum destes pontos; poderseîa alguma vez perdoar: mas
introduzilos em todo o corpo do-poema, como faz o _Camoens_ na Luziada,
que introduz Venus, e Baco por-toda a parte, sem descrisam alguma; ou
tambem o _Chagas_, e o comum deste Reino; isto é mostrar; que nam tem
juizo ou dicernimento, na aplicasam dos-ornamentos poeticos. E é muito
de admirar, que os que sabem tambem descrever Venus, e Baco; nam saibam
descrever, um omem seu contemporaneo, sem recorrer à Antiguidade.
Pode-se porem sofrer, que o Poeta fale com as coizas inanimadas, como
com pesoas: v. g. com os Ceos, Terra, Elementos, Morte &c. e fasa
outras destas figuras de Retorica: isto nam ofende nem a religiam, nem
a boa razam: aquilo, ofende ambas as coizas.

Estes defeitos nos-Poetas sucedem, porque lhe-faltam os dois principais
requizitos, Criterio, e Retorica. Chamo Criterio, a uma boa Logica
natural, exercitada na lisam de bons autores: Retorica ja se-sabe, que
é a arte de persuadir, sem a qual nam se-pode ser bom Poeta: a qual
supoem Juizo, e Criterio. A simplez propozisam destes dois requizitos
basta, para atarantar estes Poetas ordinarios: os quais se-rim de todo
o corasam, quando ouvem dizer, que sem ter singular Retorica, nam
se-pode ser bom Poeta; ou ao menos intender, o artificio da-Poezia.
Estes ingenhos das-duzias, páram na superficie das-coizas. Julgam
que Retorica, é falar em proza; Poezia, falar em verso. Mas os omens
que intendem a arte, rim-se ainda mais, da-sua ignorancia. Cuido
que facilmente persuadirei a V.P. o que digo, se lhe-puzer diante
dos-olhos, que coiza é Poezia; e isto a que chamamos, arte Poetica.

A Poezia é uma viva descrisam das-coizas, que nela se-tratam: outros
lhe-chamam pintura que fala, e imita o mesmo que faria a natureza, e
com que agrada aos omens. O artificio da-Poezia tem por-fim, agradar: e
por-iso só se-emprega em dar regras, com que posa ocupar gostozamente
um ingenho. A isto consagram os Poetas, todo o seu ingenho, e juizo.
Se buscam argumento elevado, é para agradar, com a ideia de grandeza:
se procuram imitar a verdade, é para agradar, com a galantaria
da-imitasam: se nam dizem coizas contrarias às nosas inclinasoens,
isto mesmo é para agradar: se propoem movimentos apaixonados, com
que pintam ao vivo, diferentes afetos da-alma; tambem iso é para
agradar: desorteque este é o idolo, do-artificio poetico. E como isto
nam se-pode conseguir, sem saber procurar pensamentos, ou argumentos
proprios, para mover as nosas paixoens: saber servir-se de palavras
proprias, para pintar aquela coiza que se-quer; o que encerra as
Figuras da-voz, e do-animo: Fica bem claro, que para fazer tudo, o
que pede a arte, se-requer boa Retorica. Mas esta razam se-intenderá
melhor, se-observarmos as diferentes especies, de Poezia.

Todo o Poema se-divide em Dramatico, e Narrativo. Compreende o
Dramatico, a Comedia, Tragedia, e tudo o mais em que os que entram
no-poema; reprezentam com a viva asám, tudo o que se-diz: o Narrativo
compreende, todas as mais especies de poemas, em que se-faz discurso,
sem asám viva. Estas sam infinitas; mas ainda se-reduzem, a duas
principais especies: uma, compreende as poezias, que se-cantam:
outra, aquelas que se-lem. Na primeira, entram as Odes, Imnos, e
todas as especies de cantigas: na segunda, entram todas as outras
compozisoens: que ainda se-dividem em trez, Doutrinais, Istoricas, e
Oratorias. Nestes trez generos se-tem composto, famozisimos poemas.
v.g. O poema de Lucrecio, é um tratado em que expoem, a Fizica de
Epicuro: os Fenomenos de Arato, que Cicero traduzio em Latim, sam um
tratado de Astronomia; o mesmo digo do-Poeta Manilio: as Georgicas de
Virgilio, sam um tratado de _Re rustica_: os Fastos de Ovidio, sam a
istoria das-antiguidades Romanas: e o poema de Lucano, é uma istoria
das-guerras civis. O que suposto, quem pode negar, que um tratado de
Doutrina, ou de Istoria, pede uma exata noticia de Retorica? E com
efeito para escrever semelhantes tratados em verso, nam dezejam os
mestres outra erudisam; senam a que é necesaria, para escrever em
proza; tirando alguma expresam metrica.

Pasando ao 3.^o genero, tudo o que os Oradores fazem, no-genero
demonstrativo; que compreende os louvores, e vituperios, de uma
determinada pesoa, ou asám; fazem tambem os Poetas. Os Epitalamios sam
louvores, que se-dam a uma pesoa, no-dia do-matrimonio: os Epicedios
sam louvores, despois de morto: as Apoteoses sam quando se-louvam
desorte, que se-finge colocárem-se, entre os Deuzes: e tudo isto é em
carne, um panegirico. As Satiras sam repreensam do-vicio; e tambem
pertencem ao genero demonstrativo. as mesmas cartas se-escrevèram
antigamente, em verso: de que nos-deixou bons exemplos, Ovidio &c.
Nam ignora V. P. que a estes trez generos se-reduzem, todas as
compozisoens, nam só Latinas, mas Vulgares. Fazem-se Sonetos, Silvas,
Quintilhas, Elegias &c. em louvor, e vituperio: escrevem-se Cartas em
Silvas, Decimas, Tercetos, Quartetos, Romances &c. finalmente todos os
discursos de proza, se-podem reduzir em verso. E asim a mesma Retorica
que é necesaria, para regular os nosos discursos, na proza; o-é tambem,
no-poema. Onde vem, que a Poezia, é uma Retorica mais florida: e a
quem falta esta, nam pode ser bom Poeta. Como é posivel, que o Poeta
exprima na Elegia, a sua paixam, desorteque mova; se ele nam sabe, a
arte de mover? como pode nos-dialogos expremir, o que cadaum quer, e
deve dizer; se ele nam sabe o que deve, e como o-deve dizer? Torno às
Comedias, e Tragedias, e delas progunto o mesmo: Como pode o Poeta
fazer, que cadaum dos-reprezentantes exprima, a paixam de que está
posuido; se ele nam sabe, que coiza é paixam, nem como se-move? nam
pode ser que um omem, que ignore isto, fasa uma Comedia boa. Tambem a
Tragedia nam consiste somente, em inventar um argumento nobre: em saber
embrulhar uma quantidade de sucesos, que cauzem maravilha, quando se
dezintrigam: mas sobre tudo é necesaria a propriedade, e carater, em
cada parte; para mover o animo: o que pede, particular Retorica.

Quanto ao poema Epico, é certo que compreende, todas as outras especies
de poemas narrativos: e nele se-pode empregar, tudo o que á de fino
na Retorica. O principal asumto dele é, um panegirico. Nele se-acham
arengas famozas: algumas sam deliberativas, outras judiciais. acham-se
acuzasoens &c. acha-se a istoria do-eroe. acham-se muitos conceitos de
doutrina, e outra erudisam. entram nele cartas, epigramas, dialogos:
e finalmente tudo o que á melhor, na Poezia. Motivo porque se-dise,
que era a coiza mais dificultoza, da-arte Poetica. Onde, compreendendo
todas as outras especies de Poezia, se cada uma delas pede Retorica,
que fará o poema Épico?

Daqui fica claro, que conceito se-deve formar, destes vulgares Poetas,
que V. P. incontrará todos os dias. Eles nam sabem, que coiza é
Retorica, e bom gosto em materia nenhuma; como lhe-mostrei na minha
ultima carta: e asim que coiza boa podem fazer, na Poezia? Se fazem
alguma coiza menos má, é porque cazualmente sucedeo; ou asim o-lèram em
em algum livro, d’ onde o-roubáram: mas ignoram a razam, porque asim
se-faz. E isto nam é ser Poeta, nem para la vai. E nam cuide V. P. que
falo por-conjetura: mas com experiencias mui certas: e ja me-sucedeo
pedir a um mestre, que explicava um paso de Virgilio a um dicipulo;
que me-explicáse a mim, porque se servîra o Poeta daquelas expresoens:
e nam só nam mo-explicou, mas nem menos me-intendeo. Desorteque
incontrando-se todos os dias, tantos Poetas; nam á coiza mais rara, que
um Poeta.

E com efeito o segredo particular da-Poezia, principalmente Eroica,
nam o-pode conhecer, senam quem é bom Retorico. Consiste ele, segundo
dizem os mestres da-arte, em saber propor desorte, o argumento que
se-escolheo; que só aparesa, o que tem de extraordinario, e nenhum
defeito: e em saber inspirar ao leitor, curiozidade de ler todo o
poema: nam declarando tudo logo, mas confuzamente: fazendo nacer
uma dificuldade da-outra, paraque se-esporeie o dezejo: dilatando
a leitura, e enchendo a istoria, por-meio dos-Epizodios; paraque o
leitor nam perca de mira, o seu principal argumento: e finalmente nam
dezatando o nó da-dificuldade, senam quando tem conduzido o leitor, ao
fim do-poema. Tudo isto pode V. P. observar, na _Eneida_ de Virgilio,
ou na _Jeruzalem_ do-Tasso. Eles propoem ao principio em breve, o
argumento da-sua obra; e prometem coizas grandes. Nam comesam polo
principio da-vida do-eroe; mas por-uma asám famoza, que empreendeo
no-meio da-sua vida: da-qual com artificio particular, fazem recuar o
leitor, até os primeiros trabalhos do-seu eroe. Uma dificuldade excita
outra: demaneiraque o leitor nunca se-cansa, na leitura. E que outra
coiza fazem os Retoricos, quando querem excitar, a atensam dos-seus
ouvintes? Ja eu dise a V. P. que ese era o principal artificio,
das-Orasoens de Cicero, e ainda de muitos Oradores da-Antiguidade.
donde concluo, que só um bom Retorico o-pode fazer. Alem diso os
Retoricos encomendam muito, que o Orador nam diga, senam coizas
verosimeis: porque com falsidades manifestas, ninguem se-eleva. E
isto mesmo dizem, todos os bons Poetas: antes nada mais cuidam, que
representar verosimel, tudo o que propoem. Desorteque quanto mais se
examina a Poezia, tanto mais claramente se-reconhece, a Retorica.

E esta é a razam; porque vemos todos os dias, que muitos, querendo ser
Poetas, sam uns ridiculos: porque lhe-falta o principal fundamento;
que é, saber pezar as coizas, e dar a cada uma o seu preso. observando
aquilo, a que os Latinos chamam, _decorum_: que consiste no-introduzir
cada um, a falar segundo o seu carater. Todos os defeitos apontados,
sam esenciais, e frequentes: mas este ultimo da-inverosimilidade, é
mais geral, doque se-nam-intende. Acham-se poucos Poetas, que nam
pequem contra isto: pecam no-Drama, e pecam no-Epico: aindaque neste
menos; porque sam rarisimos os que compoem, poemas Epicos. Mas em toda
a outra sorte de poema Narrativo, sam mui frequentes em Portugal. Nas
Comedias pouco caiem os Portuguezes, porque nam se-aplicam a elas:
raras vi, fóra das-de Camoens: mas os Espanhoes caiem muito nisto. Verá
V. P. um pastor, que fala com mais filozofia e prudencia, que um Cipiam
Nasica, ou Catam Uticense. Acham-se relasoens, com encarecimentos
tam despropozitados, que nam merecem outro nome, que uma enfiada de
manifestas mentiras. Algumas vezes, um omem vulgar faz uma Decima, ou
Oitava derepente: outras vezes, dá melhores conselhos, que um consumado
Jurisconsulto. Finalmente em tudo se-ve pintada, a inverosimilidade.
Nam digo eu só _Calderon_, mas o mesmo _D. Antonio de Solis_; que em
outras coizas mostrou mais juizo, que _Calderon_; nesta o-perde. E
finalmente todos os Espanhoes sam o mesmo: porque tropesam a cada paso
na sutileza, que é impropria na boca, de semelhantes pesoas: e tambem
impropria da-Comedia: que nada mais é, que uma imagem da-vida, proposta
aos olhos dos-omens, para repreender as asoens ridiculas dos-mesmos.

Dos-Espanhoes o-aprendèram os Portuguezes: e comumente se-persuadem,
que quem sutiliza melhor, e diz coizas menos verosimeis, é melhor
Poeta. Metaforas mui fóra de propozito, encarecimentos inauditos, sam
os seus mimozos. Ouvi gavar muito um Soneto do-_Chagas_, feito a um
cavalo do-Conde de Sabugal, pola metafora da-Muzica, e comesa asim:

    _Galhardo bruto, teu acorde alento
      Muzica é nova, com que aos olhos cantas:
      Pois na armonia de cadencias tantas,
      É clave o freio; é solfa o movimento._

Mas eu considerando o tal Epigrama acho, que é uma completa parvoise,
desde-a primeira palavra, até a ultima. Nam acho nele, conceito algum:
as palavras sam improprias: e muitas nam tem significasam certa: e nam
conclue com pensamento que eleve, que é a obrigasam do-Epigrama. Nam
sei como o dito Poeta nam fez outro, a um burro de Valada, ou macho
de Almagro; pola metafora da-Logica, ou Geometria. Podia descobrir na
seriedade destes animais, semelhansas de um omem que filozófa: no-seu
paso grave, o fundado do-juizo: tambem nas suas orelhas, semelhansas
de uma sesam conica: no-corpo, vestigios de um paralelogramo:
no-movimento, a ideia de varias linhas: e nas unhas, uma porsam de
circulo: com outras ridicularias destas. As metaforas podem ter lugar;
mas nam devem ser estas, que sam arrastadisimas. Isto nam intendem os
que o-louvam: mas isto deviam intender, os que prezumem ser Poetas.

O outro ponto dos-encarecimentos, é frequentisimo nestes paîzes. Nam
á coiza mais comua, entre estes chamados Poetas, doque encarecimentos
incriveis; e servir-se de palavras, que nam significam nada. E sem saîr
do-_Chagas_, que parece a muitos, que é bom Poeta; considere V. P., o
que ele diz neste Soneto, feito a um pé pequeno de uma Dama.

    _Instante de jazmin, concepto breve,
      Atomo de azuzena presumido;
      Pues os juzgam las ancias del sentido,
      Sospecha de cristal, susto de nieve.
    Nó pie, mentira sois: pues como aleve,
      Ni verdad en un punto aveis cumplido.
      Antes creo que escrupulo aveis sido:
      Pues de ser, o nó ser, la duda os mueve.
    Como, si idea sois de ojos tan claros,
      Hazeis los ojos fé para creeros,
      Y hazeis la vista fé para miraros?
    Yo me resuelvo en fin que he de perderos.
      Pues si el veros es solo imaginaros;
      Siendo imaginacion, como he de veros?_

Este Soneto tem tido mil aplauzos: e ja achei quem me-disese, que era
onde podia chegar, o ingenho umano. Contudo iso eu defendo, que os que
o-louvam, proguntados polas palavras do-Soneto; ám-de confesar, que
o-nam-intendem. Primeiramente estas palavras, _instante de jazmin_,
_concepto breve_, _atomo presumido_, _sospecha de cristal_, _susto de
nieve_, _ancias del sentido_: sam frazes que nada significam: e nam
só em Portuguez, mas em nenhuma lingua. Dezafio todos estes poetas
Portuguezes, paraque me-digam, se ouvisem um omem falar em proza
daquela sorte, se o-intenderiam: pois é bem claro, que o que nada
significa em proza, muito menos significa no-verso. E temos, que o
primeiro quarteto nada significa: porque querendo ele significar, um
pé pequeno; serve-se de termos, que nam significam iso. Na segunda
quadra sobe de ponto o encarecimento: e nam se-contentando de dizer,
que é pequeno, e é um ponto; acrecenta, que nam á tal pé no-mundo; pois
somente fica a duvida, se o-ouve, ou nam ouve. Nos-tercetos desfaz,
quanto tinha dito. Primeiro asenta, que o pé se-ve: despois diz, que
nam é asim, e que somente se-pode saber por-tradisam, que á tal pé:
e conclue, que nam existe senam na imaginasam, e nam é posivel que
se-veja. Esta é a analize do-dito Soneto. Ora diga-me V.P. polo amor de
Deus, se intende o que quer dizer, este Poeta. Primeiramente, ele nam
conseguio o seu fim, que era mostrar, que o pé da-sua Dama era pequeno:
provou mais doque queria; e mostrou, que nam avia tal pé. Alem diso nam
adverte, a inverosimilidade do-conceito. Nam consiste a beleza de uma
figura, em ter um ponto por-pé; antes isto é deformidade: consiste, em
ter um pé proporcionado: e nas-molheres, a sua proporsam é, que o pé
seja mais pequeno. E eu intendo, que a Dama ficaria mais contente, de
ter um pé grande; doque de nam ter pés, e necesitar de moletas.

Dirmeá V. P. que o Poeta deve fingir, e inventar alguma coiza, para
louvar: concedo: mas nam devem ser semelhantes parvoices, que em vez
de agradar, fazem nauzea. Podem-se dizer muitas coizas daquele pé:
mostrar, que para o complemento da-beleza, nam á proporsam melhor, que
um pé pequeno: que nisto excede ela muito, todas as mais senhoras: que
a sua brancura, e delicadeza é inimitavel: que tem toda a grasa que
se-pode imaginar, em semelhante parte do-corpo. Isto, quanto ao serio.
Pasando ao burlesco, podem-se dizer mil outras coizas: e pode o Poeta
inventar, alguma coiza galante; com que adorne estes conceitos. Asim
torno a dizer, que os que louvam o Soneto, sem considerarem isto, nam
o-intendem.

Se V.P. examina o motivo, de todos estes encarecimentos; achará que
provèm, do-que no-principio apontamos. Todo o ponto destes Poetas
está, em singularizar-se, seja como for: e asim buscam argumentos
esquipaticos, os quais obrigam a procurar, conceitos despropozitados.
E unido a isto, que eles sabem pouco, o que quer dizer _elogiar_;
daqui vem, que amontoam conceitos inverosimeis; e servem-se de
expresoens, que nada significam: as quais ou por-forsa do-consoante,
ou da-novidade, agradam aos ignorantes. Que o Poeta disèse maos
conceitos; aindaque fose um grande defeito, era mais toleravel:
mas que, por-querer dizer coizas peregrinas, diga parvoices, e
contrariedades; e fale em uma lingua, que ninguem intende; isto sim
que se-chama, grande defeito de Poezia. Conheso, que os sinonimos sam
às vezes necesarios: que os epitetos dam muita galantaria, nos-poemas:
mas com algumas condisoens. 1.^o ám-de ser coizas, que signifiquem.
2.^o distribuidos com moderasam. Mas estas duas coizas sam, as que
pola maior parte ignoram, estes Poetas: e com tantoque consigam o
consoante, nam reparam, em tudo o mais. Mas sobre todos, este tal _Frei
Antonio das-Chagas_, caio nisto: quazi todas as suas obras, consistem
em palavras, sem conceito, e sem significado. Os Romances sam menos
maos: tambem o Saco da-Jeruzalem Celeste, aindaque cheio de aluzoens
mui destemperadas, pode pasar: os Sonetos quazi todos sam peste: e o
mesmo digo da-Filis, que muitos louvam, porque a-nam-intendem. Sei que
se V. P. ler isto ao P. * * * me-terá por-um Cafre, que nam intende,
que coiza é Poezia: mas eu nam falo sem prova: e quando ele me-souber
responder, entam lhe-darei razam.

Basta que V. P. leia os titulos, de muitos Sonetos; para conhecer o
que digo. Quando eu leio estas inscrisoens:==_Achando na beleza de
Filis, razam para deixála_==_aos olhos de Filis com nevoas_==_fineza
de nam amar a Filis_==_fazendo merito da-ouzadia_==_duvidas de
declarar-se_==_fazendo razam do-atrevimento_==_confuzam do-seu
amor_==_saindo Filis de noite ao campo_==: e outros asumtos
semelhantes; ja sei, que as compozisoens sam parvoises: e com efeito
compare V. P. os do-_Chagas_, com estes titulos; e veja se concordam,
e se os-intende. O mesmo lhe-digo do-_Pina_, e outros semelhantes.
Persuada-se V. P. que um asumto mao, á-de produzir más obras: porque
se um argumento fecundo, tratado por-um omem que sabe, às vezes nam
saie bem; que fará um infecundo, principalmente tratado, por-quem
nam sabe elogiar? É necesario ter muito ingenho, e juizo, para saber
tratar bem, semelhantes argumentos. E porque muitos nam tem, estas duas
circunstancias; por-iso nacem estas compozisoens, de que nós nos-rimos.

Mas pasemos dos-Sonetos, ao poema Epico, à famoza Filis do-dito
_Chagas_; e verá V. P. que nada mais é, que uma enfiada de antitezes,
que nada significam: e que só agradam a estes, que se divertem com
consoantes Gregos, sem intenderem o que lhe-agrada. Tudo isto se-ve,
no-principio do-poema: ousa V.P. a primeira Oitava.

    _Yo que en la flor de mis primeros años
      Cantè de Amor, las dulces tiranias;
      Y en los echizos de agradables daños
      Menti las horas, y engañè los dias:
    Aora en numerosos desengaños,
      Si llanto son las consonancias mias;
      De la beldad que fue de Grecia espanto,
      Lloro el amor, y la tragedia canto._

Nesta oitava acham-se mil coizas galantes: _dulces
tiranias_==_agradables daños_==_menti las horas_== e outras coizas
destas, que jogam os murros. Especialmente considero, a estrutura
da-Oitava. Na primeira quadra diz isto: _Que ele, que no-principio
da-sua idade, fizera versos amatorios, e asim pasára os dias_: Esta
parte pedia outra segunda, em que disèse: _Que agora, dezinganado
daquelas puerilidades, se-ocupava em fazer, um poema Epico, e serio._
Asim comesa _Virgilio_ a sua Eneide, e outros Poetas: mas isto é o
que nam diz o noso _Chagas_. Parece-me, que na palavra _numerosos_,
queira significar _metricos_: e iso cuido que nam significa, mas
que só significa _muitos_: porem isto nam é nada. A parentezis==_Si
llanto son las consonancias mias_== nam tem conexam, com o que asima
dise: as consonancias, ou os versos podem ser _choro_, e _canto_;
quero dizer, _alegria_. Mas nem menos concorda com o que abaixo diz,
o que asima dise: porque nam é boa opozisam esta: _Tendo até aqui
feito versos amatorios; agora com muitos dezinganos, (se é que os
meus versos sam choros) chóro o amor, e canto a tragedia._ A palavra
_canto_ na primeira quadra deve significar, nam quem canta cantigas,
mas quem faz poemas: e neste sentido a-tomam todos os Poetas, e o
_Chagas_ tambem: pois o que quer dizer é isto: Que tendo feito muitos
versos, na sua mocidade; agora se empregava em outros asumtos. O que
suposto, opondo-lhe na segunda quadra, o _choro_; diz uma parvoice:
pois o contrario a poezias amatorias, é cantar coizas graves. Onde
contrapondo-lhe o choro; vem a tomar a palavra _canto_, como equivoca;
que é coiza indigna de um poema Epico. Tambem aquela antiteze
ultima==_lloro el amor, y la tragedia canto_== é uma puerilidade.
Bem se-mostra que o Poeta, novamente quer introduzir por-equivoca, a
palavra _canto_. Alem diso, se o argumento da-sua obra, é uma tragedia
amatoria; separando o amor da-tragedia, diz outra parvoice. Pasemos à
segunda Oitava.

    _Musa que cultamente amaneciste
      Candida en las auroras de mi oriente;
      Y al alma tantas vezes me infundiste
      Tu divino furor, tu afecto ardiente:
    Si dignos son de tu concepto triste,
      Numeros tiernos de una voz doliente;
      Mi afecto inflama, harè que en dulce rima
      Cante el dolor, la consonancia gima._

Tem V. P. nesta Oitava, quazi as mesmas incoerencias. _Musa candida_,
eu nam sei o que quer dizer. _Amaneciste en las auroras de mi oriente_,
sam trez sinonimos viciozos: _amanhecer na aurora_, é uma parvoice:
_aurora do-oriente_, é ainda maior parvoice. Aquela repetisam==_Tu
afecto ardiente_== nam tinha lugar despois de _furor_: porque a Muza
comunica o seu furor, ou veia; quero dizer, dirige o Poeta no-canto:
mas nam comunica o seu afeto. _Concepto triste_, impropriamente
se-aplica à Muza: a qual nam é triste: e muito menos, quando inspira
Epopeia. Finge-se que a Muza seja uma Deuza, toda ocupada em alegrias;
a quem o Poeta invoca, paraque lhe-conceda um espirito, digno
do-Parnazo. _Una voz doliente_, supoem, que o Poeta está aflito: e
isto é improprio em um Poeta, que nam escreve os seus tormentos, mas
os alheios. Que outra coiza avia dizer Demofonte, se compuzese a sua
istoria? O ultimo verso é uma antiteze ridicula, e verdadeiramente
coiza de rapaz: novamente opoem aqui o Poeta o _choro_, ao _canto_;
sendo coizas, que no noso cazo nam sam opostas: porque _canto_ aqui
nam significa cantar. O que diz o Poeta, se-reduz a isto: _Que a dor
á-de cantar, e a consonancia, ou o verso á-de gemer_: e quem pode ler
isto sem rizo?

Finalmente eu paro aqui: porque se quizese examinar todas as Oitavas,
comporia um volume. Basta que V. P. o-leia, e examine, e achará que
todo o livro se-compoem disto; e de palavras que nam se-intendem; e
epitetos que nam significam nada. Confeso, que ainda nam vi Poeta, que
escrevendo tanto, disèse tam pouco, como o _Chagas_. Estas reflexoens
que faso a V. P. sobre o _Chagas_, poso fazer em outras obras; nam só
de autores das-duzias, mas ainda daqueles que se-acham joeirados, na
_Fenix Renacida_; e em outras colesoens de poemas. Mas escolhi este
autor, porque é mui conhecido, e louvado, e procurado de muitos: e asim
quiz apontar um, para exemplo. O que porem digo dele, deve-se aplicar
a todos os outros, que seguem o mesmo estilo. O ponto está ter bem
na cabesa, as regras da-Poezia; e examinar sem paixam, as obras; que
facilmente se-descobrirám, os defeitos.

Se V. P. com estes principios, toma o trabalho de examinar, muitos
dos-seus Poetas, ou a maior parte deles; achará, que tropesam no-mesmo
defeito do-_Chagas_; com a unica diferensa de mais, ou menos: e ainda
muitos dos-que tem bom ingenho; porque lhe-falta o juizo, para saberem
examinar as materias. A regra que eu observo neste particular, é esta:
quando vejo um Poeta destes, que se-serve de expresoens, que nada
significam; ou que compoem de sorte, que o-nam-intendem; asento que nam
quiz ser intendido; e em tal cazo, procuro fazer-lhe a vontade, e nam
o-leio. Com esta sorte de omens faso o mesmo, que com os laberintos,
e enigmas &c. os quais nunca me-cansei em decifrar. eles que o-fazem,
que se-divirtam com iso. Se todos asentasem neste principio, veria V.
P. como se-mudava a Poezia nestes paîzes: porque seriam obrigados os
Poetas, a lerem somente as suas obras: e asim, ou se-dezinganariam
eles mesmos com o tempo; ou, nam inganariam os outros: e poderseîam
achar Poetas, de algum merecimento: principalmente se chegasem a
conhecer, quais sam os requizitos necesarios, para a Poezia. A razam
destes inconvenientes é, porque se-persuadem comumente, que para
ser Poeta, basta saber a medida de quatro versos: e saber ingenhar
conceitos exquizitos. Quem se-funda nisto, nam pode saber nada: sam
necesarias muitas outras noticias. É necesario doutrina, e intender
bem as materias que se-tratam. é necesaria a Filozofia, e saber
conhecer bem, as asoens dos-Omens, as suas paixoens, o seu carater:
para as-saber imitar, excitar, e adormecer. Aqui entra novamente a
Retorica, que supoem todas aquelas coizas: entra uma pouca de istoria,
para nam dizer parvoices: entra a istoria da-Fabula &c. Tudo isto
se-mostra manifestamente, nos-melhores poemas que temos da-Antiguidade.
_Virgilio_, e _Oracio_ &c. eram omens que intendiam perfeitamente, o
que tratavam: e sabiam muita coiza, que introduziam proprisimamente,
nos-seus poemas; de que se-compoem, o ornamento deles. O mesmo digo,
de outros Poetas modernos, e insignes. Onde, quem nam tem estes
fundamentos, é versejador, mas nam Poeta: e necesariamente á-de dizer,
muita parvoice.

Seguia-se despois destas reflexoens gerais, falar especialmente,
nos-defeitos das-particulares: mas nem eu tenho tempo para isto, nem
o-permite, a brevidade de uma carta. Onde, somente direi alguma coiza
mais geral, que compreenda as compozisoens pequenas; e tambem alguma
coiza do-poema Epico; vistoque o Dramatico nam tem uzo, em Portugal.
Digo pois, que nestes paîzes vejo, mui radicada certa opiniam,
de chamar Poeta, a quem o-nam-é: e dar estimasam a poezias, que
a-nam-merecem. Uma vez que um omem faz um Soneto, com algum conceito;
ou Decimas, com alguma naturalidade; acham-se logo mil admiradores,
que dizem, ser famozo Poeta. V. P. terá ouvido frequentisimamente, que
quando em um Oitero se-gloza um mote, com facilidade; estam promtos
mil aplauzos, para o Poeta: eu o-prezenciei muitas vezes: e esta é a
comua opiniam. Mas na verdade é um ingano comum, porque aquilo nam é
ser Poeta, nem para lá vai. Semelhantes sortes de compozisoens, nam
dam credito a ninguem: isto persuade a boa razam, e a experiencia:
Quanto à experiencia, progunte V. P. (o que eu ja fiz) a um destes
Glozadores, qual é o artificio da-Poezia; e verá que nam sabe de que
cor é: e nam digo só destes das-duzias, mas ainda dos-que glozam
felizmente: e conseguentemente nam é Poeta. A razam confirma o mesmo:
porque o artificio destas obras nam é nenhum: a sua contextura é
tam facil, que por-mao que seja o Poeta, sempre acerta com elas. A
Decima, a Quintilha, o Madrigal, as Liras, a Silva, o Romance lirico,
Quartetos puros, e de pé quebrado, Tercetos &c. nada mais pedem, que
a naturalidade-do-conceito, e expresam: quando muito, algum bocadinho
daquele _ingenho mixto_; que consiste, em ter no-fim algum pensamento
meigo; explicado com alguma fraze agradavel, e delicada, ou coiza
semelhante. Isto nam pede talento, mas somente alguma imaginasam: a
qual nam se-acha omem tam desgrasado, que a-nam-tenha. Onde, posto isto
em trages de Poezia, saie uma Decima, ou coiza semelhante.

Nam digo, que um bom Poeta, nam posa fazer estas coizas tam bem; que
agradem aos omens, de melhor penetrasam: sendo certo, que quem tem
juizo o-mostra, ainda nas coizas pequenas; como fizeram os Antigos: o
que digo é, que explicando um pensamento, polo modo que aponto, pode
qualquer fazer Decimas &c. que agradem. Antes é muito de advertir,
que quando estes poemas pequenos se-estudam muito, e neles querem
mostrar muito estudo; cheiram a Filozofia, e perdem toda a grasa.
Este defeito tenho observado, em muitos Espanhoes, e Portuguezes; que
se-preparam para fazer uma Decima, a uns olhos azuis; ou a uma Dama
que deixou cair, uma luva em terra; ou a um sinal que se-despegou
do-rosto; e outros semelhantes asumtos; como se ouvesem de cantar a
guerra dos-Romanos, com Mitridates, ou com Cartago. Isto é um defeito
esencial: e é nam saber aplicar o poema, ao asumto: sendo certo, que
semelhantes compozisoens só se-inventáram, para asumtos ou burlescos,
ou amatorios; ou de coizas domesticas, que nam permitem estudo
particular: e asim todo o merecimento de semelhantes obras consiste,
n’um conceito delicado, e natural. O Poeta perde a naturalidade, todas
as vezes que procura, com grande estudo, mostrar ingenho: e nunca
dezagrada mais, que quando procura agradar muito: porque o conceito
a-de aprezentar-se, e nam procurar-se.

Por-este motivo sam dignos de rizo certos Poetas, e Poetezas, que fazem
Romances, e coizas semelhantes; com tal estudo, que nam se-intendem sem
comentario. A _Madre Joana de Mexico_, é uma delas: tambem _Gongora_
nos-seus Romances: e dos-modernos _Eugenio Gerardo Lobo_: que tem
alguns, que, ainda despois de muito estudo, nam se-percebem. Finalmente
isto é defeito geral dos-Espanhoes: e dos-que eu li, nam achei algum,
que nam pecase nisto. Dos-Espanhoes o-recebèram os Portuguezes, e
poucos sam os que se-excetûam. O _Chagas_ nos-seus Romances, tirando
em certas partes, é dos-mais naturais: tambem o _Camoens_ no-lirico.
Vi tambem neste genero alguma coiza do-_Conde de Tarouca_, morto
no-Imperio; que me-agradou pola naturalidade, e imaginasam: e algum
outro, mas raro. Dos-oscuros nam cito exemplos, porque nam á coiza mais
comua que isto: e neles poderá V. P. reconhecer, este defeito. O pior
é, que se um omem faz uma Decima, ou coiza semelhante, como deve ser;
nam agrada a esta sorte de Poetas, e chamam-lhe coiza trivial: querem
ideia mais superlativa: e sempre o oscuro, inverosimel, arrastado,
lhe-parece que encerra, melhor doutrina. Mas o sal do-negocio consiste,
em mandar isto à sua Dama, ou a um amigo, que o-nam-intende: e
ficarem lambendo os beisos, dos-aplauzos. Isto vale o mesmo, que se
lhe-mandasem uma Ode de Pindaro, ou Anacreonte; porque umas e outras
foram Gregas. Nam é crivel, quanta gente padece esta infermidade: que
para mostrarem ou doutrina, ou ingenho; procuram nam serem intendidos,
nam só nas compozisoens, mas ainda nos-discursos familiares. Achei-me
em uma Prosisam de Freira, onde vi certo *** que sendo dezafiado
por-uma Freira, despois de falar muito, lhe-falou nas _precizoens
objetivas_ dos-Logicos, e repetio muito verso Latino. Mas a Freira nam
cedeo: porque se ele falava Latim, ela falava uma lingua, que ninguem
intendia. Despois de falar muito tempo, com um profluvio de palavras
incrivel; juro a V. P. que nam pude perceber, o que ela queria dizer:
pois aindaque as palavras eram Portuguezas, a fraze porem era tal, que
nam se-podia decifrar. Esta Freira tem muitos parentes neste mundo.
Conclûo pois, que esta sorte de poemas, que pedem somente naturalidade,
e alguma imaginasam; a ninguem podem dar nome, de Poeta.

O Soneto tambem pertence a esta regra: mas é certo, que pola qualidade
do-verso, admite mais elevasam de expresoens, que os outros poemas
nomiados. Contudo iso defendo, que o conceito deve ser natural: deve
ter verdadeiro ingenho: e só na maneira de explicar-se, é que está a
galantaria do-Soneto. Consiste pois a obrigasam do-Soneto, em propor
na 1.ᵃ quadra o asumto: na 2.ᵃ explicálo com algum conceito: de que
se-tire o argumento, para os tercetos. Os Poetas, que tem mais cabedal,
expoem o asumto nos-primeiros dois versos: nos-dois segundos comesam a
discorrer. Tal é o Soneto feito à morte de uma Senhora, cuido que polo
Bacelar, e diz asim:

    _Venceo a Morte, o Fabio, a Formozura.
      Amarilis a bela é cinza fria.
      Procura Amor fazer, que o-nam-sabia,
      E esconde o cazo, nesta pedra dura &c._

Outras vezes o Poeta expoem na primeira palavra, o asumto: e desta
sorte é o Soneto, que citei a V. P. em outra carta, feito a uma cara
mui feia. Mas nem todos os asumtos, se-podem propor asim; e podendo,
nem todos os Poetas sam capazes, de o-fazerem. Porem é grande beleza
do-Soneto, que na primeira quadra diga algum conceito; que dè materia
a todo o discurso da-segunda; e encadeie naturalmente com os tercetos.
E sem sair do-tal Soneto, o-repitirei novamente; porque me-parece que
prova, o que digo:

    _Es feia: mas desorte, que orroroza
      À tua vista é bela a feialdade:
      Mas tens fortuna tal, que a enormidade
      Te-consegue, os tributos de formoza.
    Cara tam feia, coisa tam pasmoza
      Todos observam, e move a raridade.
      Nam desperta o comum a curzidade:
      Ser rara, é que te-adûla vaidoza.
    Ama-se o Belo, e cega o mesmo afeto.
      O Feio, pois nam liga o pensamento,
      Deixa miudamente ver o objeto.
    Isto faz que se observe ese portento.
      Quanto estás obrigada, a ese aspeto;
      Se no-enorme te-dá merecimento!_

Neste Soneto, que em tudo é natural, o conceito dos-dois ultimos versos
da-primeira quadra, prova-se na segunda, e se-confirma nos-tercetos:
dando materia ao conceito do-fecho, que é nobre e natural, e diz mais
doque soa. Mas nem todos seguem este parecer: e verá V. P. infinitos
Sonetos, ainda de omens que prezumem ser Poetas, que pecam contra
tudo isto. Eles tem dois extremos: ou dizem conceitos inverosimeis,
e encarecimentos tam fóra do-escolio, que ninguem os-pode sofrer; ou
dizem frioleiras; ou finalmente servem-se de conceitos, que nam é
fácil intender: e o melhor da-galhofa está, em que ornam tudo isto com
frazes, que nam se-percebem. De tudo achará V. P. exemplos, sem sair
do-_Chagas_: o qual tem Sonetos em que se-acham, estas trez coizas:
inverosimilidades, oscuridades, e frialdades.

Quanto às inverosimilidades, nam queira V. P. melhor prova, que o
Soneto Espanhol, feito ao pè pequeno d’aquela Senhora &c. mas ainda á
outros. Faz ele alguns Sonetos, a que chama _Eroicos_, e entre eles
algum _ao Conde da-Torre_, que matou de um golpe um toiro. Asumto
mui mimozo dos-Portuguezes, ao qual tenho lido infinitos Sonetos, de
diferentes autores. Intende V. P. que este titulo _Eroico_, promete
um pensamento nobre e admiravel? asim devia ser; mas nada menos é: e
nestes eroicos entram igualmente as sutilezas, e impropriedades. Se
me-nam-dá credito, ousa o primeiro, que diz asim:

    _Tam grande golpe, o Conde ilustre, dèstes
      Nese amante de Europa que matastes;
      Que só o estrago, que ao ferir cauzastes,
      Todos os Signos atroou celestes.
    Tam veloz, tam bizarro acometestes;
      Que, no-impulso menor com que voastes;
      Ao golpe orrendo a morte anticipastes:
      E por-demais a execusam fizestes.
    Faltou emprego à espada, ao braso forte
      Lugar: onde aparece a desmedida
      Forsa, que enveja Alcides, e Mavorte.
    E intendo que ambiciozo da-ferida,
      Por-ser o bruto o credito da-morte,
      Cauza vos-deu, para tirar-lhe a vida._

Este Soneto que V. P. aqui vè, é mui gavado: mas examinado ele bem, é
parente chegado dos-outros amatorios. Na primeira quaderna se-observa
a puerilidade, de chamar ao toiro, _Amante de Europa_; somente para
dizer, que se-espantáram os mais signos celestes. Tomára que me-disèse,
se se-espantou tambem o signo de _Libra_ &c. Na 2.^a quadra desfaz,
o que dise na primeira: e afirma, que o Conde nam matou o toiro;
mas fez somente a eroica asám, de dar em um corpo morto: e o mesmo
consuma, no-primeiro terceto. O que contem o ultimo terceto, nam
se-pode intender: porque que queira dizer _Credito da-Morte_, eu nam
sei: o que sei é, que para fazer uma antiteze ridicula, de _morte_, e
_vida_: compoem dois versos, que nada significam. Parece que queria
dizer o Poeta, que o bruto, que era inimigo da-morte, fora com
gosto oferecer-se a ela. Mas isto, alemdeque desmente o que primeiro
disera, que ele nam matára o boi; nam se-pode explicar, com o ultimo
verso: porque _dar cauza_ pode alguem, sem se-oferecer à morte. Em uma
palavra, isto é um conceito Grego. E disto achará V. P. frequentemente,
no-mesmo autor. Os seus conceitos eroicos, sam tam superlativos, que eu
os-nam-intendo. Em outro Soneto a _D. Joam de Castro_, sobre o mesmo
asumto, conclue asim:

    _Do-valor sorte foi: mas de tal sorte,
      Que a sorte foi valor, Castro bizarro:
      Sem ser azar do-bruto o dar-lhe a morte.
    Antes se-ve, que com feliz desgarro
      Lá no carro da-Fama está mais forte,
      Que este que foi de Europa amante escravo._

O consoante ultimo parece devia ser _escarro_, e nam _escravo_: mas o
conceito obriga a dizer, o contrario. Porem isto é nada: o que eu digo
a V. P. é, que o que querem dizer estes dois tercetos, confeso a minha
ignorancia, eu nam sei: nem até aqui achei, quem mo-explicáse. V. P.
terá o trabalho de o-consultar, com aquele seu amigo, que louva tanto
este autor: e notar de caminho, se, escrevendo em Tartaro, podia ser
menos inteligivel. Quando estes Poetas, querem fugir da-oscuridade,
declinam para outro extremo; que é, dizer coizas, que nam tem grasa
alguma, a que se-chama frioleiras. E tal é o fecho de outro Soneto,
ao mesmo asumto, e polo mesmo autor: que eu repetirei todo, porque se
no-fim é mais claro, nam é menos galante no-principio.

    _Foi, o Conde bizarro, de tal sorte
      A vida dese bruto prezumida;
      Que o Roxo mar da-mais cruel ferida
      Julgava escrito seu alento forte.
    Mas só vós, raio ilustre de Mavorte,
      Fizereis, com puxansa nunca ouvida,
      Que por-onde sair nam pode a vida,
      Soberba intrase arrebatada a morte.
    Emfim caio o bruto: e parecia,
      Que o tom do-golpe, que nos-vales dura,
      Em todo o ar exequias lhe-fazia.
    Pois foi tal desa espada a forsa dura,
      Que ainda a terra parece que lhe-abria,
      Com os sobejos do-golpe, a sepultura._

Este Soneto é parente do-antecedente. Esta fraze _vida prezumida_,
nam sei o que significa: muito menos intendo, os dois ultimos versos
da-primeira quadra: é tam sublime o conceito, que creio, que nem menos
o seu amigo * * se-atreverá a explicálo, em boa proza. Tambem aquilo de
chamar _Mar roxo_, ao _Mar vermelho_; nam se-pode perdoar a um omem,
que fez, ou intentou fazer um poema Epico. A antiteze que se-acha na
2.^a quadra, de _Sair vida, e intrar morte_, é outra inglezia. O que
eu acho é, que se o toiro morreo de uma cutilada, pola mesma parte
por-onde introu a morte, saio a vida no-sangue: e isto nam é _puxansa
nova_; mas é coiza bem uzual. O ultimo terceto, tem um conceito bem
ordinario, e em tudo semelhante, ao de outro famozo Soneto ao mesmo
asumto, que comesa:

    _Foi para o raio de aso curta esfera_,

e conclue asim:

    _Que emprego sofrerá forsa tam dura?
      Abra o boi: rasgue a terra: e desta sorte
      Saia em sobras da-morte, a sepultura._

Mas eu devo dizer o que intendo: acho que em ambas as partes o Poetas
diseram, o que diria qualquer omem de ganhar. despois de terem
engrandecido tanto o golpe, sam mui frios na concluzam. Para acompanhar
com o Soneto, parece-me que tinham dois conceitos, mais exquizitos. Um
era dizer, que com a forsa da-caida furára o bruto, o globo terraqueo;
e fora parar, no-emisferio dos-Antipodas. O outro era concluir, que
ao toque da-espada, se-_anihilára_ o bruto: tomando esta palavra,
no-sentido filozofico, que supoem uma forsa mais que umana. Cuido
que isto era mais conveniente, ao estilo de Portugal. V. P. diga ao
seu amigo, que fasa nota destes dois conceitos; para se-servir, nas
ocazioens de toiros.

Em outra parte faz o mesmo _Chagas_ dois Sonetos, que acabam com duas
frioleiras insoportaveis. Um é feito, à morte da-Infanta D. Joana, e
conclue asim:

    _Transposta quando menos admirada,
      Anoiteceo na aurora de uma vida,
      E se-eclisou de um Sol na madrugada.
    Mas sendo as luzes tantas, quem duvîda,
      Se era o viver de muito dezejada,
      Que o morrer foi de pouco merecida._

O outro é feito, a outro cavalo do-_Conde de Sabugal_, que campiava
bem. Este autor era tentado com tais asumtos: e creio que na cavalarisa
do-dito Conde, nam deixou animal sem Soneto: finalmente fez um, que
concluîa asim:

    _Nó pues de Febo el tiro luminoso,
      Nó de Alexandro el Zefiro animado
      Rapido se compita, o generoso.
    Pues preferiendo a todo lo animado,
      Los puso desayrados en lo ayroso,
      Corridos los dexò con lo parado._

Estes dois fechos sam as majores frialdades, que eu ainda vi: nam
se-podem ler sem compaixam: e isto alem de terem antitezes, e versos,
que nam se-intendem.

E nam cuide V. P. que isto sucede somente no-_Chagas_, e outros Poetas;
acha-se nos-melhores: e _Camoens_ é um deles. Este omem, que no-Lirico
tinha muita naturalidade; querendo introduzila nos Sonetos, fez a maior
parte deles sem grasa alguma. Ponho neste numero os dois gavadinhos,
que se-tem glozado cem-mil vezes: comesa um:

    _Sete anos de pastor Jacob servia:_

e conclue asim:

    _Comesa de servir outros sete anos
      Dizendo, Mais servîra, se nam fora
      Para tam longo amor, tam curta a vida._

outro comesa:

    _Alma minha gentil que te-partiste:_

e acaba:

    _Roga a Deus, que teus anos encurtou,
      Que tam cedo de cá me-leve a ver-te,
      Quam cedo de meus olhos te-levou._

Considere V. P. sem paixam, estes dois Sonetos; e observe se acha
neles, o carater do-Epigrama. Eu digo que nam: porque o Epigrama deve
concluir, com algum conceito que agrade, e arrebate com a novidade;
e deixe intender mais, doque nam diz: e iso é o que eu nam acho, em
nenhum deles. O primeiro contem uma istoria, sem artificio algum
poetico: e conclue com um comprimento bem uzual. Um amante logrado,
que menos podia dizer que isto: _Mais servîra, se nam fora pouco todo
o tempo, para empregar no-seu serviso?_ Contudo iso, nam obstante ser
uma coiza fria, eu observo outro defeito maior, que é a impropriedade.
Para fazer uma antiteze, de _amor longo_, _vida curta_; serve-se de
uma fraze impropria: pois _amor longo_, é parvoice; porque refere-se
_a tempo_: e aqui deve-de referir a grandeza; e dizer, _amor grande_:
no-qual cazo vai por-terra, o conceito. Do-outro Soneto digo o mesmo:
todo ele se-reduz a isto = _Tu que estás la no-Ceo, pede a Deus, que
me-leve a ver-te depresa_: e que menos se-pode dizer, a um morto amado?
Este é outro fecho semelhante ao do-_Borges_, que fazendo um Soneto, à
morte da-_Infanta D. Francisca_, falando com a Morte, conclûe asim:

    _Se nam podes ja ter igual projeto,
    Pendura a fouce, e deixa de ser Morte._

Se o-disèse ao principio, e dele deduzise alguma coiza boa; serîa menos
mao: mas rezerválo para o fim, é nam intender este oficio. Esta especie
de conceitos, nam é necesario dizelos: estam ditos por-si, e todos
os-diriam. Neste mesmo fecho do-_Camoens_, noto outra impropriedade.
A palavra _cedo_ no-primeiro verso, refere-se a tempo; e quer dizer,
_depresa e logo_, sem reparar em idade, ou coiza semelhante. O que
posto, compara muito mal o _Camoens_ um _cedo_, com outro cedo,
sendo coizas diferentes; e vale o mesmo que dizer: _Asim como tu
partistes na flor da-idade deste mundo, asim eu parta logo_ &c. a qual
propozisam manifestamente se-ve, ser uma parvoise. Toda a grasa pois
do-dito conceito, se-reduz à palavra _cedo_: que aqui é um rigorozo
equivoco: coizas indignas de um Soneto. Onde conclûo, que no-_Camoens_
nam vejo, o espirito do-Epigrama; porque a sua naturalidade talvez
afetada, o-faz languido: e o Epigrama, aindaque natural, deve ter outra
elevasam. E asim os que querem fazer bem Sonetos, devem evitar nam só a
inverosimilidade, e oscuridade; mas tambem a frialdade.

Muitas coizas reduzidas a Decima, ou outra tal compozisam, parecem
bem; que em Soneto parecem muito mal. No-estado em que está oje a
Poezia; pode intrar no-Soneto, alguma coiza de _ingenho mixto_: porque
estes costumam agradar mais. Creio porem que é melhor, fazer poucos
e bem, que muitos dos-comuns. Esta sorte de poemas imperfeitos valem
pouco, e nam sam capazes de darem nome, a um Poeta. Onde quando nam
sam superlativos, nam se-podem sofrer. Este porem é o defeito, de
muitos Portuguezes; que, fazendo Sonetos mal, ainda asim nam cesam de
fazèlos: faram dez e doze a uma roza, e asumtos semelhantes: outros
em um Oiteiro fazem bastantes glozas, a um só mote: e se os primeiros
sam maos, os ultimos sam peste. Mas, tornando ao ingenho, concluo,
que em toda a sorte de poemas pequenos, deve o Poeta ter sempre
diante dos-olhos; que o esencial deles é, a naturalidade, unida a um
pensamento galante, exposto com delicadeza. Esta pode consistir, em
um sentido oculto, que diz muito, quando parece que nam diz nada: em
alguma pancada picante, coberta com um veo modesto: em uma grasa,
exposta ironicamente com maneira seria: em um pensamento fino, coberto
com uma palavra groseira. No-Soneto porem deve praticar-se isto, com
menos meiguise, e mais elevasam. No-que reprovo o estilo de muitos, que
se-servem dos-Sonetos, ou Romanses Eroicos, para coizas amatorias; nas
quais nam entram bem: porque o verso endecasilabo, pede emprego mais
sezudo: o Lirico é proprio para estas coizas.

O que digo do-Epigrama Portuguez, digo tambem do-Latino, porque as
regras sam as mesmas: e com mais razam se-devem nele evitar, os
equivocos &c. porque a lingua Latina nam sofre, semelhante estilo.
Os Epigramas dos-Gregos eram naturais, aindaque com grasa: este
estilo seguio _Catûlo_. Porem _Marcial_ no-tempo dos-Vespazianos,
principalmente de Domiciano; que era a declinasam da-eloquencia Latina;
e quazi o principio da-idade de bronze, segundo os que intendem melhor;
foi o que comesou a introduzir, ou rafinar as agudezas, e equivocos,
nos-Epigramas: o que agradou entam, porque se-comesava na-Corte
a perder, o bom gosto da-Eloquencia. Com efeito alguns dos-seus
Epigramas podem pasar, em obzequio daquele tempo; e tambem do-nosso,
que ainda está alguma coiza ocupado, com sutilezas: mas sam rarisimos,
e apostarei que nam chegam a quinze, os bons. A maior parte porem
sam frialdades, e parvoises, que os omens de juizo tem desprezado; e
reconhecem estar muito abaixo, da-nobreza de _Catûlo_. Mureto, que
imitou tambem _Catûlo_, que parece o mesmo autor, chama a _Marcial_,
_Bobo de Comedia_: e o noso Lilio Gregorio Giraldo, a quem todos os
doutos reconhecem, por-omem de juizo exatisimo nestas materias; diz
deles com galantaria, que só podem agradar, aos asnos. Temos mais
alguns antigos Epigr. que podem pasar. Dos-modernos acham-se alguns
bonitos: mas incontrei tambem, colesoens de Epigramas modernos,
indignisimos; e a maior parte sam asim: e asim é necesario lelos,
com muita advertencia. O ingenho mixto reina, nestas compozisoens;
principalmente desde o fim do seculo XVI. a esta parte. Chamo
felicidade fazer um Epigrama, que seja bom. Onde diz com grasa o douto
P. Rapin, que o Epigrama se nam é excelentisimo, nada vale: e que tam
dificultozo é, fazer um bom, que se-pode contentar, quem chega a fazer
um, em toda a sua vida.

Esta materia dos-Epigramas, que sam rigorozas inscrisoens funebres
na sua origem; aindaque ao despois se-aplicasem, a outras materias;
me-conduz a falar, nos-Elogios lapidares: que sam um _quid medium_,
entre a proza e o verso; e o _Juglar_ lhe-chama, _libera Poësis_. Nesta
materia tenho pouco que advertir a V. P. porque o-reduzirei a duas
palavras. Nenhum omem de juizo, deve seguir o estilo, do-_Tezauro_,
_Juglar_, _Masenio_, _Labbé_ &c. se é uma rapaziada condenavel,
introduzir na lingua vulgar equivocos, e sutilezas; e que nenhum omem
douto faz; que será introduzilos na Latina, em que nós nam temos
jurisdisam? Alem diso, a lingua Latina nam permite isto. os que estimam
a bela Latinidade, devem escrever, como os da-idade de oiro; ou quando
muito de prata; e nadamais se-deve imitar. Nos-fins da-idade de prata,
é que se-comesáram a introduzir tais agudezas, por-culpa de _Seneca_
Filozofo, e seu sobrinho _Lucano_: mas principalmente de _Marcial_, que
floreceo pouco despois. Motivo porque muitos bons criticos querem, que
a idade de prata acabe com Nero, no-ano 67. de Cristo: vendo quanto
dali para diante, descaio a Eloquencia. Mas ainda nos-fins da-idade de
prata, nam estava o cazo tam arruinado: o que alcanso, das-inscrisoens
dese tempo. Do-tempo dos-Antoninos para diante, quero dizer, desde os
principios do-segundo seculo de Cristo, é que totalmente se-comesou a
arruinar, e intráram as sutilezas: mas pior que tudo, desde a metade
do-dito seculo para baixo. Finalmente arruinou-se a lingua Latina,
com o imperio Romano, no-quinto seculo: daî para diante reinou a
ignorancia, até o meio do-decimoquinto seculo. Contudo atrevo-me a
dizer, que nam só nos-fins do-Imperio, mas nem ainda nos-seculos
da-ignorancia, se-acha muita sutileza, e equivocos; se os-comparamos
com os nosos. Somente nos-fins do-decimosexto seculo, comesáram a
aparecer: mas totalmente se-rafináram, nos-principios do-decimosetimo:
e duráram quazi até os fins do-dito: até que aparecèram omens, que
reprováram este estilo, e seguiram a Antiguidade. Isto basta para
mostrar, que se-deve desprezar esta novidade; que é incompativel, com
a beleza das-expresoens, e magestade da-antiga Eloquencia. Os ingenhos
pobres, é que vam detraz destas ridicularias, para serem estimados;
visto nam o-poderem conseguir, por-outro estilo. No-tempo de Augusto,
em que cozinheiros, pasteleiros, e mosos dos-moinhos, sabiam mais de
Eloquencia, e bom gosto; doque a maior parte destes modernos doutores;
nam se-escrevia asim: as inscrisoens eram naturais, claras, e em poucas
palavras. Abra V. P. o. _Grutero_, _Reinecio_ &c. e verá provado o que
digo. Ainda na idade de prata, e bronze, a maior parte das-inscrisoens
sam naturalisimas: o que eu observei muitas vezes, examinando os
antigos monumentos, que existem em Roma; esculpidos no-quarto, e
quinto seculo: como tambem uma infinidade de sepulturas particulares,
dos-seculos inferiores, escritas com toda a naturalidade, e grasa. E
isto deve fazer, quem quer mereser louvor: e nam seguir os pasos destes
ignorantes, que fazem Latins novos.

Quanto às divizoens de regras em grandes, e pequenas; é certo,
que algumas se-acham na Antiguidade; mas raras: e regularmente
por-necesidade, de comesar outro capitulo &c. Comumente escreviam
sem divizoens, e muito menos divizoens afetadas; como quem escreve
carta. O que eu observei muitas vezes: e nam só nas antiquisimas;
mas ainda nos-monumentos escritos, atè a ruina do-Imperio, e
inferiormente. No-fim do-XVI. seculo, é que comesáram a introduzir,
esta ridicularia. Comesou polos titulos dos-livros: pasou aos arcos
triunfais &c. De entam para cá _estilo lapidar_ significa, um Latim
escrito em diferentes regras maiores, e menores, segundo a eleisam de
quem escreve. Eu certamente nos-principios de livros, &c. deixaria
as coizas como estam: mas nas inscrisoens lapidares, nam me serveria
destas divizoens de regras à moderna: porque se aquilo nam é verso,
que necesidade á, de dispolo daquela sorte? Alem diso, as inscrisoens
lapidares devem ser brevisimas, e clarisimas: e asim nam é necesario
divizam, porque nam á motivo, para se-confundir a gente. Isto é o
que eu nam poso sofrer, nestes modernos pouco advertidos; que fazem
inscrisoens eternas. Mas isto é contra o bom gosto: a Antiguidade
explicava-se em duas palavras: a simplicidade, e brevidade, era toda a
galantaria das-inscrisoens. Li muitas vezes, e sempre com particular
gosto, as inscrisoens que ainda oje vemos, nos-antigos monumentos, que
existem em Roma. No-portico do-Pantheon ainda oje lemos: _M. Agrippa L.
F. Cos. Tertium Fecit_: que quer dizer, _Marco Agripa, filho de Lucio,
terceira vez consul, fundou este portico_. Esta é do-seculo de Augusto.
Mas ainda as inferiores sam asim. Vencèra Tito Vespaziano os Judeos:
demolîra Jeruzalem: concluîra uma das-mais obstinadas guerras, que
tiveram os Romanos: o Senado, levantando-lhe um arco Triumfal perpetuo,
nam dise uma arenga sempiterna; contentou-se de escrever estas
palavras: _Senatus Populusque Romanus Divo Tito, Divi Vespasiani F.
Vespasiano Augusto_. No-frontispicio do-templo consagrado polo Senado,
ao Imperador Antonino, e sua molher; lem-se estas palavras: _Divo
Antonino, & D. Faustinae. S. C._ No-pedestal da-coluna Antonina, le-se:
_M. Aurelius Imp. Armenis, Parthis, Germanisque bello maximo devictis,
triumphalem hanc columnam rebus gestis insignem Imp. Antonino Pio patri
suo dedicavit._ E na coluna Trajana triumfal lemos ainda: _Senatus P.
R. Imp. Cæsari Divi Nervæ F. Nervæ Trajano Aug. Germ. Dacico Pontif.
Max. Trib. Potest. XVII. Imp. VI. Cos. VI. P. P. ad declarandum
quantæ altitudinis mons, & locus tantis operibus fit egestus._ Deixo
de citar outras, porque é coiza bem vulgar. Nestas inscrisoens ve V.
P. a naturalidade, simplicidade, brevidade: sem divizoens, mas com
fraze continuada. Se porem algumas vezes, eram as inscrisoens mais
compridas, provinham dos-titulos dos-Imperadores, que se-costumavam
escrever: ou porque nela se-nomiavam varias pesoas, cadauma com o seu
titulo; que é o mesmo que diferentes inscrisoens: mas isto é raras
vezes: o comum era polo contrario. Nam asim nos-modernos, que fazem
inscrisoens eternas, sem nobreza, ou grasa alguma; e com divizoens
importunas e afetadas. Mas quando quizesem seguir estas divizoens,
pouco importaria; contantoque fugisem, dos-vicios apontados. Uma coiza
porem nam poso sofrer, e vem aser, escreverem livros em estilo lapidar,
com as divizoens ditas. Se eles intendem, que este estilo é tam proprio
das-lapides, que nam pode aver lapide, por-outro estilo; quizera que
me-disesem, porque compoem livros asim: ou é lapide, ou é livro. Nam
á coiza mais ridicula que esta. Mas o que merece mais rizo é ver,
que quando algum compoem um destes livros, saiem logo os censores,
canonizando o dito estilo; e dizendo mal, dos que desprezam estas
rapaziadas. * * * Um bocadinho de melhor gosto na lingua Latina, e um
bocadinho mais de reflexam, pouparia estas criticas injustas.

Pasando agora às compozisoens modernas, pouco me-fica que dizer. As
mais consideraveis entre as pequenas sam, a Egloga, Elegia, Ode. A
Egloga nam tem uzo em Portugal: em que nam se-aplicam a descrever, a
imagem da-vida pastoril, cujo carater é a simplicidade, e moderasam:
nem tambem esta compozisam, pede muito ingenho: basta ser acertado.
_Camoens_ nas suas Eglogas, introduz tanta variedade de versos, que
nam se-pode ler com gosto; porque faz perder, a ideia da-Egloga.
Alguma delas consta de Oitavas, Cansam, Tercetos &c. mas isto nam
se-deve imitar. Pode alguma vez variar-se, a uniam das-rimas: mas
na mudansa de versos, deve-se proceder com cuidado; porque é muito
impropria. As outras duas compozisoens, sim se-uzam em Portugal:
mas comumente debaixo de outros nomes. A Elegia, tem por-emprego,
descrever sentimentos ou amores; ou expremir qualquer paixam amoroza.
Donde vem, que o seu carater deve ser, o enternecido, explicado por-um
modo animado; mas quanto mais pode ser natural: que é o que faz quem
chora, ou ama: e aqui tem lugar, as Figuras proprias desta paixam.
Cuido que para isto é mais proprio, o Romance Lirico, e a Silva;
porque sam compozisoens naturais, e que se-podem animar, como cadaum
quer: o Endecasilabo nam me-parece tam proprio para isto; porque as
de _Camoens_ em Tercetos, nam soam bem. Neste particular acho um
notavel defeito, em alguns Poetas, que querem fazer do-Soneto Elegia:
e afetando um só conceito final, mostram tanto estudo; que destruem
a ideia da-Elegia. Uma paixam nam se-dezafoga, em 14. versos: pede
compozisam mais comprida, e livre de afetasoens: acrecentando a-isto,
que nem menos o verso os-ajuda. Mas ainda o Lirico, se se-compoem
de discursos separados, como sam as Decimas; nam permite liberdade
da-expresam, para dezafogar a paixam. Tambem nam aprovo os quartetos
Liricos, porque mostram afetasam. Com efeito muitas que eu vi, nestes
dois generos, cuido que mais moviam as Damas a rizo, que a compaixam.

A Ode é aquela compozisam, com que se-louvam as asoens dos-Deuzes,
ou omens ilustres. Esta explicasam basta para mostrar, que pede um
grande ingenho, imaginasam elevada, expresam nobre e correta; e toda
a galantaria e vivacidade, que se-acha na arte de persuadir. Quer-se
juizo, para tecer uma Ode com magestade, e sem defeitos. A Antiguidade
nos-propoem _Oracio_, como o melhor exemplo nesta materia: porque
soube unir duas coizas bem dificultozas, a elevasam, com a delicadeza
e dosura. Para isto na lingua Portugueza parece proprio, o Romance
Eroico, a Cansam, Tercetos Eroicos, quero dizer, endecasilabos: mas o
Lirico nam creio que posa satisfazer, toda a grandeza do-argumento.
Sobre tudo reprovo muito, elogiar as asoens de um omem, em um Soneto:
este só pode servir, para uma asám. O verso endecasilabo é sezudo,
grave, e parece proprio, para estes argumentos: mas deve a compozisam
ter, o comprimento necesario, de outra sorte sofóca-se: motivo porque
nunca pude perdoar a _Camoens_; principalmente fazer compozisoens
amatorias, com o titulo de Ode. Estas trez compozisoens, que aqui
nomiamos, reduzem-se ao poema Narrativo Epico, de que sam partes, ou
dependencias.

A Satira é parte da-Comedia, para a qual se-reduz: contudo muitos que
nam fazem Comedias, divertem-se em fazer Satiras. Mas é necesario muita
advertencia, nesta materia. A Satira nam deve repreender, senam o que
verdadeiramente é viciozo; para instruir os Omens, do-que devem fugir:
e para conseguir isto, quer-se muita delicadeza. Quem repreende o Vicio
abertamente com invetivas, conclûe pouco: por-este motivo nam agrada
_Juvenal_, que é um declamador. O melhor é, pintar com galantaria,
o ridiculo do-Vicio, quazi como quem o-nam-quer mostrar. Este foi
o metodo de _Oracio_; que por-iso agradou muito: mas nam foi ele o
inventor; foi o Filozofo _Socrates_, que tinha uma arte particular,
de descobrir as ignorancias dos-Omens, mostrando de o-nam-querer
fazer. Os modernos que seguîram este metodo, conseguîram melhor que
outros, o seu intento. A istoria de D.Quixote, é neste genero famoza,
e galante: gostei muito de a-ler. Polo contrario, os que fazem Satiras
oscurisimas, como _Persio_, e dos-modernos _Gracian_ no-seu Criticon,
e _Barclai_ no-seu Euformiam &c. nam se-podem sofrer: e eu creio,
que eles mesmos em varias partes, nam intendem o que dizem. Os nosos
Italianos tem um gosto particular, para as Satiras; porque em duas
palavras dizem muito, e com galantaria; deixando intender mais, doque
nam explicam. Tenho visto algumas Latinas belisimas, e bem modernas:
como tambem Comedias, no-seu genero famozas.

Isto digo da-Satira em comum: nam aconselho a ninguem, que fasa Satiras
a pesoas particulares, aindaque sejam viciozas; porque é contra
a caridade. Em Portugal ainda nam li uma Satira bem feita, ainda
das-particulares: as que vi eram afrontas e injurias, nam Satiras.
Conclúo dizendo, que o verdadeiro modo, que os omens inteligentes
tem achado, para compor estes pequenos poemas; é, despois destas
gerais reflexoens, aprezentar-lhe os melhores exemplos na materia:
e mostrar-lhe com o dedo, o artificio, e toda a galantaria. Só asim
se-observa, que coiza é ingenho, e agudeza; como, e quando se-pode uzar
dela.

Finalmente tendo pasado brevemente, polas compozisoens pequenas; direi
alguma palavra da-Epopeia, ou poema Epico. Se ouvèse de falar nisto
como devo, faria um tratado: e asim nam saindo do-meu estilo, farei
somente algumas reflexoens. Este poema, como ja dise a V. P., é a coiza
mais dificultoza, da-Poezia: quer tal ingenho, tal erudisam, tal juizo,
que quem o-considera bem, nam se-atreve a fazèlo: muito mais se observa
os defeitos, em que caîram muitos, dos-que o-tem emprendido. Asima dise
a V. P. qual é o artificio deste poema, que compreende em si, todas as
especies do-Narrativo: e que por-iso pede, grandisimo fundamento de
Retorica, para o-poder tratar bem. Nam é esta a fruta dos-Sonetos, e
Decimas, que nacem a cada canto; é coiza mais dificultoza: as regras
sam tantas, e tam dificultozas, que sam poucos os que se-atrevam,
e rarisimos os que nam pequem, contra algumas. Este é o motivo,
porque nam produzirei muitos testemunhos, principalmente sendo o meu
argumento, conter-me nos-limites de Portugal. Certamente neste Reino,
é rarisimo o poema Epico. O Condestavel de _Francisco Rodriguez Lobo_,
o Macabeo de _Miguel da-Silveira_, a Ulisea de _Gabriel Pereira de
Castro_, por-confisam dos-mesmos Portuguezes de melhor doutrina,
nam merecem este nome: algum outro que posa aver manuscrito, e que
agora nam me-ocorre, pertence à mesma clase. Asim parece, que com
razam se-dise; que a unica Epopeia que apareceo em Portugal, foi a de
_Camoens_. Mas isto mesmo confirma o que digo, da-dificuldade do-poema
Epico.

Se V. P. consulta os seus nacionais, os-achará tam preocupados polo
_Camoens_; que mais facilmente ouvirám dizer mal, da-religiam, doque
do-poema Epico de _Camoens_. Os que deviam fazer a critica do-dito
autor, fazem o elogio. Um destes é _Manoel de Faria e Sousa_, que de
comentador, se-converteo em panegirista: e em vez de explicar, o que
o Poeta quiz dizer, nos-diz o que lhe-parece: vendendo-nos as suas
imaginasoens, polas ideias do-Poeta: e querendo desculpálo ainda nas
coizas, em que é mais condenavel. Com efeito este comentador, mostra
intender pouco, a materia que trata: ao mesmo tempo em que diz mal,
de todos os melhores Poetas Estrangeiros, que certamente ele nam leo,
ou nam chegou a intender; nam obstante que muitos o-louvem, como um
oraculo. _Inacio Garcez Ferreira_, que fez as notas ao _Camoens_,
intendeo melhor a materia. Dos-livros que ele cita, se-conhece logo,
que á-de ajuizar melhor; porque se-servio dos-melhores na Poetica,
tanto Francezes, como Italianos. Alem diso, escreveo em Italia,
onde teve tempo de consultar, os omens mais inteligentes; sobre as
dificuldades, que lhe-ocorresem. E com efeito ajuiza melhor: mas nam
tam bem, que em algumas partes nam se-ingane: como serîa facil mostrar,
se tivese tempo. Contudo este Portuguez sinceramente reconhece, algumas
faltas sustanciais no-_Camoens_. O que basta para me-livrar da-calunia,
dos-que me-quizesem condenar, por-meter colherada, nesta materia.
Mas como eu intendo bem, a lingua Portugueza; parece-me que nam sou
improprio, para julgar.

Avemos de confesar, que _Camoens_ teve muito ingenho, imaginasam
fecunda e grande: e que se-tivese estudado ou tratado, com quem
ensináse bem, as coizas que devia; poderia dezempenhar o argumento
da-Epopeia. Com efeito o que fez de bom, tomou dos-nosos: pois nas suas
obras reconheso eu, que intendia o Italiano, e que se-aproveitou bem
do-_Petrarca_, _Boccaccio_, e outros. Teve finalmente muitas qualidades
de Poeta: e para aquele tempo, em que nam avia, os conhecimentos que
oje á, é maravilha, que escrevèse tam bem. Mas querèlo comparar com
_Omero_, como fazem muitos: ou querèlo colocar, sobre os das-outras
Nasoens todas; com a razam, de que o seu poema o-traduzio um Francez
na sua lingua; e o _Paggi_ na nosa Italiana; iso nam deixa de ser
temeridade, fundada em uma prova fóra do-cazo. Tambem um curiozo
se-divertio, em traduzir o _Vieira_ em Italiano; e contudo ninguem
faz cazo de tal tradusam, e autor: e o mesmo sucede ao _Camoens_; que
a maior parte dos-nosos bons Poetas, nam sabem que o-ouve no-mundo.
Alem diso, serîa necesario provar primeiro, que estes tradutores eram
Poetas, e nam Versejadores: que intendiam bem a materia; e nam se
alucináram na tradusam. As versoens Espanholas nem menos concluem:
porque foram feitas, debaixo do-mesmo clima: Os outros Estrangeiros que
o-louvam, fundam-se no-que dizem os Espanhoes, ou Portuguezes, como V.
P. pode observar: e alguns que chegáram a lelo, nam dizem bem dele.

Na verdade o _Camoens_, entre muito boas qualidades, tem muitos
defeitos, nacidos de dois pontos: o primeiro, falta de erudisam:
o segundo, de juizo e dicernimento. Primeiramente, errou o titulo
da-obra. Os mestres da-arte tomam o titulo, ou da-pesoa, como
_Odyssea_, _Eneide_: ou do-lugar da-asám, como _Iliade_, que é tomado
da-Cidade de _Ilio_ primaria da-Troade. O _Camoens_ em vez de tomar o
dito titulo, de _Vasco da-Gama_ &c. toma-o de todos os Portuguezes:
buscando para isto um termo Latino, que tanto calsa aos Portuguezes
navegantes, como aos que ficáram no-Reino: e o pior é, que o-toma
no-plural, que nam tem exemplo, na boa Antiguidade. Errou a propozisam
do-Poema: pois devendo esta conter, uma só asám principal; ele porem
em vez de propor, a navegasam do-_Gama_, que era a sua _asám_; propoem
todos os varoens illustres, de que se-compoem a inteira istoria de
Portugal; com expresa divizam das-coizas da-Europa, Africa, e Azia:
e deles expresamente promete a El-Rei D. Sebastiam, cantar as asoens
eroicas: o que diz desde a Estancia ou Oitava 12.ᵃ do-primeiro Canto,
para diante. Com efeito executa literalmente, o que promete: porque
no-principio do-Canto III. descreve a Europa: e desde a Estancia 21.
dese Canto, até o fim do-Canto IV. expoem as coizas da-Europa, e Africa
até El-Rei D. Manoel. No-fim do-Canto IV. entra com o descobrimento
da-India; e continua no-V. até o X. em que fala nos-Governadores
da-India: e de-pasagem toca na America. Desorteque este Poeta na
propozisam, inclue todas as partes da-fabula do-poema: que é um erro
masicho. Isto verá V.P. nas-duas primeiras Estancias.


I.

    _As armas, e os varoens asinalados,
      Que da-Ocidental praia Lusitana;
      Por-mares nunca de antes navegados
      Pasáram ainda alem da-Taprobana:
    Que em perigos e guerras esforsados,
      Mais doque pode a natureza umana;
      Entre gente remota edificáram
      Novo Reino, que tanto sublimáram:_


II.

    _E tambem as memorias gloriozas
      Daqueles Reis, que foram dilatando
      A Fé, e o Imperio: e as terras viciozas
      D’Africa, e d’Azia andáram devastando:
    E aqueles que por-obras valorozas
      Se-vam da-lei da-Morte libertando;
      Cantando espalharei, por-toda a parte;
      Se a tanto me-ajudar o ingenho, e arte._

Tudo o que se-compreende nestas duas Estancias, é propozisam: e tudo
isto ele promete cantar. Mas aindaque na propozisam de um poema
se-posam acrecentar, alem da-asám, algumas coizas; estas devem ficar
fóra da-fabula, e nam deve o Poeta cantálas; e somente nos-epizodios
do-dito poema, é que se-toca alguma delas. v. g. _O novo Reino que
se-fundou entre gente remota_ &c. é acrecentamento, que rezulta
da-asám; e somente se-canta por-epizodio. O _Camoens_ porem inclue
tudo na propozisam, e asim o-executa: desorteque considerando
os que inculca, na segunda Estancia; bem se-ve que entram, nam
por-acrecentamento, mas direitamente. Contudo os Reis de Portugal, de
que trata no-Canto III., e IV., nada tem que fazer, com a principal
asám, e entram por-epizodio. _Os que por-obras valorozas se-vam da-lei
da-morte libertando_, que sam todos os outros Portuguezes ilustres,
tanto antigos, como modernos; tambem estam fóra da-principal asám,
que é a navegasam do-Gama. Com efeito o Camoens lá os-introduz
por-epizodio, no-principio do-Canto VIII. mas nam obstante iso, na
propozisam do-poema mete-os direitamente, com os outros. Os que foram
governar a India, tambem entram por-epizodio, no-principio do-Canto X.
mas sem reparar niso, ele os-propoem com os outros, no-5. e 6. verso
da-2. Estancia. Asim na primeira Oitava confunde, os que foram com o
Gama conquistar a India, com os que ao despois foram governála: e de
uns e outros diz, que edificáram novo Reino. Este defeito é de toda a
considerasam, nesta materia. _Garcez_ os-reconhece em _Camoens_: mas
querendo desculpar nele, o ter proposto _muitos varoens_, com o exemplo
de _Caio Valerio Flaco_; é mostrar que ignora, o pouco conceito que os
eruditos tem, das-obras de _Flaco_; nas-quais acham mil defeitos contra
a arte; e nenhuma grasa, ou beleza: desorteque os seus erros, nam podem
servir de desculpa, aos de _Camoens_.

Errou alem diso o _Camoens_, em nam sustentar sempre o carater, e
grandeza do-seu eroe: que abaixa sensivelmente no-Canto VIII. do-meio
para diante. Errou, nas enfadonhas digresoens que introduz, por-toda
a parte. Errou, em acabar quazi todos os Cantos, com esclamasoens
mui fóra de propozito, e muito contra o estilo da-Epopeia. Tambem
errou consideravelmente, introduzindo no-seu poema, as Divindades
dos-Etnicos: nam alegorizando a coizas santas, como puerilmente
pertende o _Faria_: nam aos Planetas personalizados, como benignamente
interpreta o _Garcez_; o qual fingio uma nova constelasam para Baco,
que nam se-intende o que é: mas em sentido proprio, damesma sorte que
faláram os-idolatras Romanos; pois mete Venus, e Baco imprudentemente
por-toda a parte. Isto é tam claro no-seu poema, que me-admiro muito,
que aja quem o-queira desculpar, nesta materia. Se nam quizer-mos
dizer, que se-servio de palavras sem significado; que serîa outro erro.

Mas deixando muitos outros erros, em materia do-Epico, que se-podiam
apontar; tem outros nam menos censuraveis, em todo o genero de Poezia.
Muitos versos errados, por-exceso de silabas: outros por-falsidade
das-rimas, que nam sam consoantes &c. muitas palavras Latinas sem
necesidade alguma; vistoque em Portugal á bastantes igualmente boas.
Tem alem diso outros defeitos, comuns neste Reino: entre eles a
prezunsam, de dizer sempre sentensas: o que nam nega o _Garcez_, nega
porem, que _Camoens_ seja oscuro; e afirma, que os seus versos sam
canoros. E eu confeso a V. P. que acho estes dois defeitos expresamente
no-_Camoens_: e que reconheso, que um douto Francez, que o-censura
nisto, tem muita razam. Os versos de _Camoens_ sam languidos, e pola
maior parte sem grasa. Escreve comumente muitas vogais seguidas: e
como os Portuguezes costumam na pronuncia, comer as ditas vogais, umas
com outras; é necesario, para nam errar o verso, tomar frequentes
respirasoens, e fazer muitas pauzas no-meio do-verso: o que faz
perder a armonia. A prova disto é ler o _Camoens_: pois a cada paso
se-incontram os exemplos: que se eu quizese citar, serîa necesario
fazer um livro. Mas deixando outros muitos, observe V. P. estes,
no-principio do-primeiro Canto.

    _O quarto, e quinto Afonso, e o terceiro.
      Em vós os olhos tem o Mouro frio.
    Dai-me agora um som alto, e sublimado.
    E costumai-vos ja a ser invocado.
    Com uma coroa e cetro rutilante.
    Guerra Roma tanto se-afamáram.
    Onde o dia é comprido, e onde é breve.
    Da-antiga tam amada sua Romana.
    E outro polas onras que pertende.
    Deitando paratraz medonho, e irado.
    Estrangeiros na terra, lei, e Nasam.
    A Natura sem lei, e sem rasam._

Quem diser que estes versos, e outros que podia apontar, sam
armoniozos, e enchem bem a orelha; é necesario que tenha orelhas mui
compridas. Sam poucos os versos de _Camoens_, que nam tenham algum
defeito de disonancia. A oscuridade ninguem lha-pode negar, quando
queira examinar, as suas compozisoens. Nace em primeiro lugar, de uzar
de palavras Latinas aportuguezadas, sem necesidade alguma: e isto nam
uma ou outra vez, o que se-podia perdoar, e podia enriquecer a lingua,
multiplicando os sinonimos da-mesma palavra: mas frequentisimamente,
com afetasam manifesta. Nace em segundo lugar, de introduzir palavras,
e frazes, que nada significam; o que é mais frequente na Luziada:
porque no-Lirico explica-se naturalmente. v.g. Estas palavras: _som
sublimado_: _furia grande, e sonoroza_: _esperar jugo, e vituperio_:
_tenro gesto_: _Mouro frio_: _suprema eternidade_: e outras que
se-acham na-invocasam que faz, a El-Rei D. Sebastiam; sam palavras que
nada significam, e cauzam confuzam em quem le. Nace tambem, de certas
aluzoens forsadas, e trazidas de longe, que frequentemente uza. A 6.^a
e 7.^a Estancia, em que comesa o comprimento ao dito Rei, é tam oscura,
que nam se-pode intender sem comentario: e o mesmo podia dizer, de
quazi toda a invocasam. Isto acha-se frequentemente, em todo o poema:
o que unido com a negligencia do-verso, faz, como dise um omem douto,
que cada Estancia seja um misterio: o que é um consideravel defeito,
em um poema Epico: cuja disam deve ser, aindaque nobre, natural,
clara, inteligivel. Onde quando o _Garcez_ quer defender, a clareza de
_Camoens_; mostra que nam está despido, de toda a paixam: e vem a cair
no-mesmo defeito, que ele condena no-_Faria_. Estes defeitos sam mui
consideraveis, neste Poeta; e mostram o pouco dicernimento que tinha,
das-coizas: e quem os-nam-distingue, nam intende que-coiza é Poezia.
Contudo, tirando estes defeitos, nam deixa de ser um, dos-melhores
Poetas Portuguezes.

Quanto ao poema de Filis, e Demofonte, obra do-_Chagas_, de que
asima falei; é ele tal, que eu nam sei como lhe-chame. Pola figura,
parece Epopeia: mas examinado dentro, nam é mais que uma istoria de
amor, mui afetada. Reconheso, que o autor o-deixou imperfeito: como
se-ve do-Canto VIII. que nam tem mais que 5. Estancias; e do-X. que
tem 15. mas o corpo da-obra mostra mui bem, o que o Poeta queria. O
titulo é este: _Filis, ou Poema Tragico de Filis, e Demofonte_. e
nisto se-descobre, que o Chagas nam sabia, que coiza era poema Epico,
nem como dele se-faziam os titulos. A asám do-poema é, a navegasam
de Demofonte, que se-retirava do-sitio de Troia: e o Poeta perde
logo de vista este ponto, e ocupa o poema com amores. No-primeiro e
segundo Canto, em que descreve a guerra de Troia, e o seu naufragio;
imita servilmente _Virgilio_, quazi palavra por-palavra. Somente
o-nam-imita, nas comparasoens: pois sam tam frequentes e enfadonhas,
as que introduz; que nam se-podem ler sem fastio. O III. Canto é uma
disputa escolastica, sobre o amor; com mil conceitos improprios, e de
rapaz. No-IV. em uma casada ajusta-se o cazamento: e copeia fielmente
_Virgilio_, na cova onde se-retiráram os amantes &c. O V. Canto
consiste na descrisam do-lago Averno, caza de Plutam, e outras arengas
mais; em que entra um sacrificio, que nam se-sabe o que quer dizer: e
finalmente Demofonte mata Ardenio. As duas descrisoens do-Palacio de
Plutam, e da-jornada que este fez; sam as coizas mais ridiculas, que eu
ainda vi. O Canto VI. é uma istoria tragica, dos-amores de uma pastora;
que nada tem que fazer, com a asám do-poema. Mas a melhor istoria está
no-Canto VII. em que o Poeta reprezenta o seu eroe mui descansado,
polo espaso de dez mezes; sem que posamos saber, o que fez nese tempo.
Despois, quando ele ja nam cuidava mais em Atenas, o-chama seu pai.
custa-lhe a persuadir a Filis, que o deixe partir: mas finalmente
parte. O VIII. Canto nam diz nada. O IX. é uma embrulhada terrível.
Comesa com as saudades de Filis: esta vai consultar a Sibila Delfica,
sobre os sucesos de Demofonte. Descreve a Sibila e a sua caza mui mal.
Poem na boca da-Sibila um epizodio, da-Geografia de toda a terra; em
que mistura umas coizas, com outras, e comete alguns erros. Mostra-lhe
a Sibila o seu Demofonte, adorando a Florisbe. Filis raivoza rompe o
espelho magico; e sucede um espalhafato orrendo. Filis fica esa noite
no-campo, (nam se-falando mais no-que sucedeo à Delfia) exclamando
contra as ingratidoens de Demofonte: e mata-se com a sua propria mam. E
aqui descreve puerilmente, os efeitos da-sua morte. No-Canto X. torna
Demofonte para Tracia, e sabendo a morte de Filis, que se-convertèra em
arvore, quer abrasála: e sucede milagre, que no-mesmo instante produzio
a dita, folhas, frutos, e aromas: os ramos tangèram, e balháram as
flores.

Esta em duas palavras é a serie, e analize do-poema: na qual verá V. P.
que este Poeta nem menos sabia, o que significava _poema Epico_. Esta
sua compozisam, nam tem unidade de asám: porque toda a asám se-acaba
em poucos dias, com o cazamento: a viagem ultima, foi um divertimento.
Nam tem fabula: porque se-ve claramente, que é uma istoria, sem
enredo, nem solusam. A descrisam da-Terra que faz a Delfia, nam tem
parentesco algum, com a asám. isto é uma embrulhada, que eu nam vi
tal. A transformasam de Filis em arvore, e o milagre das-flores; é
outra parvoice, que ali nam tinha lugar. Só faltou ao Poeta dizer, que
Demofonte se-enforcára na dita arvore: e acabava a tragedia. Tambem
lhe-falta a unidade de tempo &c. Quanto ao modo de dizer; em quazi
todas as partes se-serve de palavras, que nada significam: as frazes
sam afetadas: os conceitos sam pueris: e quando diz alguma coiza mais
estudada, ve-se uma afetasam condenavel em tudo. Ignora totalmente o
_decoro_, e carater dos-sugeitos: o que se-ve, quando introduz no-Canto
III. um guerreiro como Demofonte, disputando uma questam amatoria; como
faria um academico, a quem encarregasem este asumto: ou tambem quando
deixa uma Rainha como Filis, uma noite inteira, no-meio de um bosque
medonho, sem companhia; o que mostra, a suma inverosimilidade: alem de
muitas coizas, que podia notar. Onde torno a concluir, que de poema
Epico, o _Chagas_ nam sabia nada: e que pode V. P. aconselhar ao noso
* * * que nam tenha dificuldade, de emprestar o tal poema; porque se
o-perder, perde pouco.

Outro Portuguez chamado _Francisco Botelho de Morais, e Vasconcelos_,
publicou dois poemas: um intitulado _El Nuevo Mundo_: cujo argumento
é, o triumfo de Osiris, na corte de Atlantide: e este nam pude ver. O
que porem vi averá anos, foi o outro poema intitulado, _El Alfonso_:
em que com XII. Cantos descreve, a primeira conquista de Portugal,
por-Afonso I. Polo que agora me-lembro, cuido que nam se-pode chamar
Epopeia: mas uma simplez îstoria da-dita guerra, alterada com algumas
fabulas: desorteque nam tem artificio algum, de Epopeia. Este Poeta
quiz imitar em tudo, _Lucano_: e nam o-podendo imitar naquilo, que tem
melhor; somente o-imitou, nas enfadonhas digresoens, e exclamasoens,
que às vezes introduz: sendo uma destas tam grande, que ocupa um
inteiro Canto. Tambem o-quiz imitar na afetasam, de mostrar-se
Astronomo, e Fizico: pois nos-ultimos cantos, faz sem necesidade
vários discursos escolasticos, nesta materia: a qual, polo que
mostra, intendia mui pouco. As fabulas sam afetadas, e com bastantes
inverosimilidades: entre estas ponho a da-Deuza que vinha polo ar,
acavalo em um grande leam &c. os versos sam duros: e em todo o poema
reina, uma oscuridade insofrivel: o que creio provèm tambem, de
escrever em Espanhol. Nunca pude intender, por-que razam um Portuguez
deixa a sua lingua, para escrever na Espanhola, que pola maior parte
nam alcansa bem. Mas esta afetasam é mui vulgar, em muitos destes seus
nacionais, que querem parecer eruditos. Isto é o que agora me-ocorre,
sobre este Poema: o que digo, porque nam sei se V.P. tem noticia dele,
por-ser impreso fóra de Portugal. Dos-outros Poetas nam digo nada:
porque sendo uzuais, do-que tenho dito, pode V.P. formar conceito,
das-suas obras.

Os Romances, a que os Portuguezes chamam Novelas, sam verdadeiras
Epopeias em proza; e devem ser feitos damesma sorte. Contudo acham-se
poucos, que meresam este titulo: pois os Portuguezes, e Espanhoes que
se-acham, nada mais sam, que istorias de amor mui inverosimeis. O
Telemaco de _Monsieur de Salignac_ é uma Epopeia das-mais bem feitas, e
escritas, que tem aparecido.

Do-poema Dramatico direi pouca coiza, vistoque os Portuguezes, nam
se-aplicam a ele; por-se-persuadirem que o Drama, nam tem tanta grasa
em Portuguez, como em Espanhol. Mas este prejuizo comum, nam tem sombra
de verosimilidade. Reconheso, que toda a Poezia soa melhor, na lingua
Italiana, que noutra alguma: o que confesam os eruditos das-outras
Nasoens, que chegáram a posuir bem, a lingua Italiana: e ainda alguns
Francezes doutos: nam obstanteque outros queiram, que a Franceza seja
propria, para a Poezia. (no-que, com sua licensa, intendo que dizem
muito mal: porque nam á coiza mais insulsa, que o verso duodecasilabo,
de que uzam comumente os Francezes, e o modo de rimar deles. no-Lirico,
e algumas cantigas, sam mais toleraveis. Mas geralmente falando, a
lingua Franceza é pouco propria, para a Poezia: porque nam tem nervo,
nem armonia) Mas o certo é que, despois da-Italiana, as duas melhores
linguas sam, a Portugueza, e Espanhola. E eu acrecento mais, que a
Portugueza parece-me mais propria, para alguns generos de Poezia, doque
a Espanhola: porque é sezuda e grave, e nam tem aquele falso brilhante,
que muitos loucamente admiram, na Espanhola. Se tiramos as terminasoens
em _aõ_, _ou am_; e _aons_, e _oens_ &c. nam sei que melhoria tenha a
Espanhola, sobre a Portugueza; para dizerem, que aquela é propria para
o Drama, e esta nam. Muito mais grave que a Espanhola, é a Latina;
e contudo ninguem lhe-nega, o poder servir no-Drama. Onde, os que
por-este principio deixam de compor Dramas, em Portuguez; vivem mui
preocupados, e nunca consideráram bem a materia. Mas a razam ultima é,
porque a estes modernos nam agrada, o modo de compor, a Comedia antiga:
e só se deleitam, com esta moderna: (de que parece ter sido inventor,
_Lope de Vega_) e como esta é composta de mil sutilezas, e coizas
semelhantes; por-iso gostam das-Espanholas, que abundam disto. Mas como
este estilo é muito mao, e se-deve praticar outra coiza diferente;
daqui vem, que devem reconhecer, que a lingua Portugueza é tam capaz
para o Drama, como a Espanhola.

O Drama, ou seja Tragedia, ou Comedia, nam é mais que uma instrusam,
que se-dá ao Povo, em alguma materia. A Tragedia trata, de algum cazo
extraordinario, sucedido a pesoa grande. Com isto se-modéra, a grande
ambisam dos-Omens, ensinando-lhe a conhecer, que as condisoens desta
vida estam sugeitas, a todas as infelicidades. Alguns defeitos se-tem
introduzido, na-Tragedia moderna: pois devendo ela conter somente,
coizas eroicas; introduzîram muitos, imitando aos Espanhoes, eroes
amantes. E ainda os nosos Italianos, para agradarem ao Povo, que tem
secreta inclinasam, para ouvir estes enredos amantes; o-praticam:
aindaque os omens inteligentes desprezem este estilo, que só é proprio
da-Comedia. Nam é crivel, que arte particular se-requer na Tragedia,
para ser boa. Nela se-á-de ver, um enredo bem ideiado: um argumento
digno e nobre: uma elevasam de pensamentos grande: uma particular arte
de excitar as paixoens, com pinturas exatas, e discursos proprios
das-pesoas que falam: finalmente tudo á-de ser animado, grande,
singular, sem ser afetado: O que na verdade é mui dificultozo: e ainda
muitos omens grandes, em algumas destas qualidades; nam conseguîram,
unilas todas.

A Comedia é uma pintura, do-que sucede na vida civil e domestica. Ela
ensina mil coizas aos ouvintes, mostrando de nam-querer ensinar, mas
somente divertir: porem nese mesmo divertimento, está o ensino: porque
ela pinta desorte, os defeitos dos-Omens; que quem os-ve, ou ouve, nam
pode menos, que envergonhar-se deles, e condenálos. Este é o segredo
da-Comedia, saber imitar bem a natureza; porem em modo que o-vejamos,
sem advertir-mos o artificio. Convem pois com a Tragedia, em tudo: só
diversifica no-argumento. E asimcomo na Tragedia nam basta, enredar
bem um suceso; mas é necesario observar, a verosimilidade; desfazer
naturalmente, o nó do-argumento, observando escrupulozamente, os
carateres das-pesoas; asim tambem a Comedia: na qual deve reinar em
tudo a naturalidade, mas judiciozamente disposta: porque daqui rezulta,
aquela particular galantaria e sal, que os omens de juizo acham, nas
boas Comedias. quando entra nelas afetasam, acabou-se a grasa.

Por-este principio digo a V. P. que nunca achei Comedia Espanhola,
que se-pudese sofrer. Raras vezes o Espanhol imita a natureza:
reina a afetasam, e as sutilezas em tudo. O mesmo bobo, que deveria
reprezentar, a figura de um louco; fala com tanta descrisam, como o
omem mais eloquente, e judiciozo: as molheres todas sam doutoras: todos
dizem grasas, e agudezas: e asim nam se-observa, a verosimilidade
dos-carateres. Querendo afetar tanta grasa, sam os omens mais insulsos,
que ainda vi. Porque a grasa deixa de o-ser, todas as vezes que aparece
o artificio, e nam nace das-entranhas da-materia. A nosa Comedia
Italiana é mais natural: e aindaque alguns tenham introduzido, outro
estilo florido, os omens mais doutos o-tem desprezado. A nosa lingua
é propria para galantaria, e dosura da-Comedia. O ingenho do-Poeta
prepára a materia, para fazer rir: e a galantaria da-expresam, ajuda
esa mesma materia, para agradar mais: o que se-acha frequentemente,
na nosa lingua. Na verdade é dom da-natureza, saber inventar materias
agradaveis, e expolas em modo que agradem: mas alem deste ingenho
requer-se juizo, para saber distribuir as galantarias, onde devem
intrar. Parece facil, o argumento da-Comedia: contudo é dificultoza a
execusam: e sendo tantos os que compoem, sam poucos os que o-fazem com
felicidade. A maior parte daquelas Comedias, que em Cidades inteiras
tem tido, grandes aplauzos; examinadas de perto, merecem compaixam. Os
Poetas ajuntáram muitas ideias ridiculas, com que pudesem divertir os
ignorantes, e adular as suas inclinasoens: e como estes sam os mais,
daqui nace, que se-dam aplauzos a coizas, que os-nam-merecem. O omem
de juizo vai à Comedia, com outros olhos, que nam o ignorante, e rude.
Este pára na superficie do-que ouve: aquele penetra com a considerasam,
a intensam do-Poeta: e quando nam acha o que deve, em vez de rir,
vem-lhe vontade de chorar.

Alem do-que asima disemos, acha-se outro defeito, no-material das-obras
de teatro, quero dizer, na sua reprezentasam: vem aser, quererem unir
em tudo a reprezentasam, com o original. Alguns, para inspirarem
orror, reprezentam nas Tragedias, a morte de um omem, e outras coizas
improprias. Era melhor, que o-matasem detraz dos-bastidores, para
poupar esta descortezia aos ouvintes: bastando que expuzesem, o
corpo morto. Vi algumas vezes nas Comedias, intrar omens acavalo em
verdadeiros cavalos: vi carros triunfais tirados por-quatro cavalos
brancos; com perigo de darem quatro coices, e deitarem abaixo os
bastidores; ou fazerem alguma porcaria no-teatro: vi arrebentarem
bombas, e foguetes: vi dar fogo a uma Cidade, e uma Armada: e muitas
coizas semelhantes. Mas isto é uma impropriedade, indigna de omens
prudentes. A Comedia é imitasam do-natural, e todos sabem isto: e
asim nam se-devem introduzir coizas, que desmintam o que é Comedia.
Muitas vezes ve-se voar um omem, na Comedia: outras vezes um diabrete
vivo dece do-teto, prezo por-uma corda: parecem-me os bonifrates
do-Prezepio, que tem um arame na cabesa. Tambem aquilo de introduzir um
Rei, e Rainha em uma camera, rodiados de soldados armados; ou aquilo
de dar uma batalha sobre o teatro, nada tem de verosimel: Porque nem
o Rei, quando está falando com a Rainha, tem as guardas de corpus na
mesma sala: nem uma batalha se-pode dar, em quatro palmos de terra. Um
bom Poeta dará melhor ideia de uma Armada, ou batalha, com uma famoza
descrisam; e poderá com ela inspirar, sentimentos mais grandes, e
nobres; doque com aqueles acidentes exteriores, e improprios daquele
lugar. Mas o Povo vai à Comedia, para a-ver, e nam para ouvir: e só
fica satisfeito, com estas coizas. Nam asim os omens que podem julgar,
do-merecimento das-obras: estes nam podem deixar, de condenar isto; e
sugerir ao Poeta, que disponha melhor as suas figuras. Isto é o que
agora me-ocorre. Acrecento somente, que as Comedias de _Camoens_ nam
me-agradam; aindaque uma delas parece mais sofrivel. Outras que vi
modernas em Portuguez, tinham mais artificio: e na verdade eram menos
más.

Tendo pois apontado a V. P. os defeitos mais comuns dos-seus Poetas;
segue-se examinar, se estas reflexoens podem ser utis, e como o-podem
ser aos rapazes. E quanto à utilidade, é sem duvida, que a noticia
das-regras é necesaria, para intender os autores: e a dos-versos, para
intender a diferente armonia das-suas obras: especialmente na lingua
Latina, porque a beleza dos-versos consiste, na sua cadencia. Alem
diso, a leitura dos-bons Poetas, eleva o intendimento para perceber,
e ajuizar nobremente; e ajuda muito a Eloquencia: e como nam se-posam
intender os Poetas, sem saber as regras; é necesario ter, alguma
noticia delas.

Quanto ao modo, ja dise em outra carta a V. P. que é loucura obrigar
os rapazes, a fazerem versos: e misturar os versos, com as outras
compozisoens; como se fose coiza necesaria, para intender o Latim:
os que fazem isto, nam intendem a materia: parece-me que o modo mais
natural é este. A Poezia deve-se ensinar, em uma escola separada, em
que nam se-trate outra coiza. Examinando primeiro o rapaz, se tinha
ou nam genio para a Poezia; lhe-proguntaria expresamente, se a-queria
seguir: e quando ele me-disèse, que sim; e eu com a experiencia vise,
que tinha propensam para iso; lhe-daria uma arte Poetica Portugueza,
feita por-este modo. Na primeira parte devem-se conter, as regras
gerais da-Poezia, e a diversa noticia de poemas: vistoque as regras
sam as mesmas, em todas as linguas: e isto istoricamente, porem
ornado com algum exemplo. Na segunda parte, deve-se primeiro tratar,
das-diferentes compozisoens Portuguezas, e algumas particulares
do-Reino: e aqui explicar, como se-fórma a Decima, Soneto &c.
apontando um exemplo, em cada coiza: notando especialmente, a cadencia
dos-versos, e estilo da-fraze poetica. Isto nam parece coiza de
momento, aos que nam sam da-profisam: mas é de infinito preso, aos
que entram em semelhante estudo, e o-profundam. Acham-se mil Poetas,
que tem veia; mas porque lhe-falta a doutrina, pecam contra as leis
da-arte, e nam brilham.

Neste tempo deve-se propor-lhe uma Decima, ou Soneto escrito &c.
que ele nunca vise; e obrigálo a que em escrito, fasa a analize
da-dita obra, se é boa, ou má; que defeitos, ou belezas encerra. Este
estilo de mandar pór a lisam por-escrito, serve infinitamente, para
a inteligencia das-coizas que estudam; e para a memoria: e repetido
varias vezes, quando ja tem noticia das-regras, poupa infinitas
explicasoens, e faz-se com toda a felicidade: e tem o rapaz tempo de
considerar, e emendar.

Desta primeira parte, deve pasar à segunda, tambem em Portuguez; em que
se-trate, das-particulares compozisoens Latinas, e sua versificasam.
Aqui deve-se repetir o mesmo, que disemos da-lingua Portugueza. Notará
especialmente, as diferentes fórmas de versos, de que se-formam as
diferentes compozisoens Latinas, como a Elegia, Epigrama, Ode, Idilio
&c. Despois a cadencia do-verso, tanto a simplez, que é comua a todo
o poema, como as particulares: as suspensoens, elizoens &c. e as
que sam proprias, de varias paixoens do-animo. Despois o estilo e
fraze poetica; que é aquele particular idiotismo, de que se-servem
os Poetas: que se-compoem de expresoens elevadas, com que se-vareia
muito o discurso; expondo as coizas grandes, com muita nobreza; e as
pequenas, com muita galantaria. Finalmente aqueles epitetos proprios,
tam belos no-verso, como afetados na proza: e mil outras coizas, que
sam particulares do-estilo poetico, e que constituem a sua beleza.
Estas coizas a um rapaz, que lè um poema, somente para intender a
Latinidade; nam sam necesarias: mas a um que quer compor, sam sumamente
importantes: e sem elas fará versos, mas nam-será Poeta.

A Compozisam serîa a ultima coiza, que eu mandáse fazer aos rapazes:
porque pede uma memoria, cheia de muitas especies: o que nam pode
ter um rapaz. Deve-se comesar, polas compozisoens Portuguezas: dando
asumtos facis, e nam mandando compor, senam obras breves; para terem
ocaziam, de as-emendar. E nesta ocaziam pode o mestre explicar-lhe
melhor, quais sam as expresoens proprias, para expremir o que quer:
e dar-lhe por-este meio, uma boa noticia da-sua lingua. Com o tempo,
e observando a capacidade do-estudante, pode ir aumentando, o numero
das-compozisoens: sendo sempre melhor, mandar compor uma obra boa,
a um certo asumto, doque muitas más, a diferentes. Feito isto, nam
é crivel, quanto se-facilita a compozisam no-Latim. Será pois esta
a ultima parte da-compozisam: tendo a mesma advertencia, de comesar
por-Disticos, Epigramas &c. asumtos brevisimos: pois nam enfastiam os
rapazes; antes com eles se-dezembarasam muito, para as outras obras. E
aqui, quando o mestre lhe-ensina, a compozisam Latina; lhe-deve ensinar
tambem, o modo de pronunciar o Latim. Certo é, que a Lingua Latina,
despois da-Grega, excedeo muito as modernas todas, na armonia das-suas
expresoens: a qual coiza como nós nam sabemos, por-iso nam achamos
nela a beleza, que achavam os Antigos. Contudo devemos procurar de
imitar, a boa pronuncia: o que principalmente é necesario, no-verso.
Quanto aos exemplos, devem eles ser poucos, e bons: e deve o mestre
fugir de _Regia Parnasi_, e outros livros destes, que estragam o bom
gosto da-Eloquencia, e Poezia: porque na leitura dos-melhores autores,
aprende-se melhor. Asimque, nam achando isto feito, pode o mestre
nos-mesmos autores mostrar os lugares, que sam necesarios: e encomendar
muito aos rapazes, que os-leiam, e decorem: pois só asim se-faz algum
progreso, na Poezia. Desta sorte pode ser, que ouvesem mais Poetas
bons, doque nam á; entre tantos mil versejadores, que V.P. está ouvindo
todos os dias.

A Poezia nam é coiza necesaria, na Republica: é faculdade arbitraria,
e de divertimento. E asim nam avendo necesidade de fazer versos,
ou fazèlos bem, ou nam fazèlos: por-nam se-expor às rizadas,
dos-inteligentes. Se eu vise que o estudante, nam tinha inclinasam à
compozisam, explicaria brevemente, as leis poeticas; que é uma erudisam
separada da-compozisam, e que todos podem aprender; ao menos para
intenderem as obras: e o-deixaria empregar, no-que lhe-parecèse. Desta
sorte, livres os estudantes daquele cativeiro, podiam empregar-se em
coizas utis, e dar outro lustre à Republica. Sei, que nem todos os
mestres sam capazes, de escreverem semelhante arte: mas se alguem
a-fizese, e se-imprimise; podia ajudar muito a todos. Certo amigo meu,
omem mui douto, me-dise um dia destes, que um seu conhecido, avia pouco
tempo tinha acabado um manuscrito, polo estilo que dizemos. Eu ainda
o-nam-vi: mas formo tal conceito de quem mo-dise, que julgo nam será
mao: se o-puder conseguir, nam deixarei de avizar a V. P.

Finalmente com isto acabo esta carta, que ja me-parece longa: aindaque
se olho para o que devia dizer, é curta. Tenho dito nela a V.P. o que
me-ocorreo sobre uma materia, que averá bastantes anos que deixei: e
conseguentemente nam sei se terei satisfeito, a sua expetasam, sobre
a Poezia Portugueza: da-qual, como ja protestei, tenho pouca noticia.
Mas V.P. que me-obriga a falar, em todas as materias; deve estar
preparado, para ouvir coizas boas, mediocres, e algumas mal ditas. E
asim agradesa-me somente a boa vontade, e promtidam com que obedeso, ao
que me-manda. Deus Guarde &c.

                             [Illustração]



                             [Illustração]



                             CARTA OITAVA.

                               SUMARIO.

 _Trata-se da-Filozofia. Mao metodo com que se-ensina, em Portugal.
 Advertencia das-outras Nasoens, em procurar a Ciencia. Necesidade
 da-istoria Filozofica, para se-livrar de prejuizos. Ideia da-serie
 Filozofica. Danos, e impropriedades da-Logica vulgar. Da-se uma ideia,
 da-boa Logica._


Meu amigo e senhor, Dirá V. P. que eu sou mui preguisozo em responder,
e conservar a conrespondencia, com os amigos: mas se-soubèse como eu
tenho estado, reconheceria, que nam falto, senam com justificada cauza.
Eu sou filho da-obediencia; e esta me-ocupou bastantes dias: a isto
se-seguio, a minha costumada indispozisam da-cabesa, que me-impedio
ler coiza alguma. Tambem me-lembrou, que tinha remetido a V. P. um
proporcionado livro, com o titulo de carta; e que nam lhe-faltava que
ler. Agora livre de algum modo, de um e outro impedimento; pego na pena
para continuar, o noso comercio literario.

Nas duas ultimas me-pede V. P. com instancia, que me-dilate bem sobre a
Logica, e que nam me-poupe, a nenhuma outra parte da-Filozofia. Eu nam
sei, se poderei dignamente satisfazer, a curiozidade que V. P. mostra,
nestas materias: porque finalmente á muito que dizer nelas; e muitas
coizas, que nam am-de agradar: mas finalmente direi. Lembro-me, que na
nosa ultima conversasam me-dise V. P. que as escolas de Filozofia deste
Reino, necesitavam ainda maior reforma, que as outras: porque o mao
metodo das-escolas baixas, alguma coiza se-pode emendar com o tempo:
porem uma vez que o estudante comesou a provar, o _ergo_, e _atqui_, e
a brincar com eles, e excogitar sofismas, e metafizicas oscuras; de tal
sorte se-ocupa, com aquele negocio, que nam é posivel por-lhe remedio:
de que nace, a confuzam na Medicina, Teologia, e mais Ciencias.
Como V.P. reconhece de antemam esta verdade, me-animo a dizer-lhe
sinceramente, o meu parecer.

Eu verdadeiramente nam sei, se as escolas de Filozofia deste Reino, tem
pior metodo, que as escolas baixas: sobre iso avia muito que dizer:
o que sei porem é, que nestes paîzes nam se-sabe, de que cor seja
isto, a que chamam boa Filozofia. Este vocabulo, ou por-ele intendamos
_ciencia_, ou com rigor gramatico, _amor da-ciencia_; é vocabulo bem
Grego nestes paizes. Verá V. P. que se-dá este nome, a coizas bem
galantes: Universais, Sinais, Proemiais, e outras coizas destas. Os
pobres rapazes pasam os seus trez e quatro anos, lendo arengas mui
compridas: e saiem dali, sem saberem o que lèram, nem o com que se
divertîram. Falo do-estilo das-Universidades: porque o das-outras
escolas é o mesmo, quanto à materia; e ainda pouco diferente, quanto à
dispozisam.

No-primeiro ano se-pasa com dois tratados, a que chamam _Universiais,
e Sinais_; cadaum dos-quais terá quando pouco, os seus 20. cadernos,
de duas folhas: e ja vi mestre, que ditou 40. cadernos, somente de
_Universais_. No-segundo ano acabam-se os _Sinais_: e parte do-ano
fala-se muito, em _Materia Primeira_, e _Cauzas_; ao que chamam Fizica.
No-terceiro ano estudam-se _Intelesoens_, _Noticias_, _Topicos_,
e algumas questoens de _Metafizica_, digo do-Ente em comum: e com
estas quatro, e as duas do-primeiro ano, se-faz o Bacharel. No-quarto
explica-se um tratado, a que chamam _Gerasam e Corrusam_: e avendo
tempo, outro a que chamam de _Anima in communi_. Despois fazem
concluzoens, nas ditas materias, ou semelhantes: que é um ato em
que muitas vezes sucede, que o defendente nam tem, argumento algum.
Segue-se o Licenciado, que é um exame sobre as 6. materias do-Bacharel,
com mais outras que apontamos: e temos o omem graduado, Filozofo.

Se isto pode ser bom metodo; se tais materias podem formar, um bom
Filozofo; eu o-deixo considerar, aos pios leitores. Progunte-lhe V.
P. aqueles Universais, e Sinais, de que coiza servem, quando se acaba
a Filozofia. Diga-lhe que lhe-apontem, em que parte da-Teologia sam
necesarios: que dogma se-explica com tal doutrina: fasa-lhe outras
proguntas destas, e verá que limpamente lhe-confesam, que tudo aquilo
morre com a escola. Se repetir a progunta em outras materias,
concluirá o mesmo. E eisaqui tem V.P. o que significa Filozofia, nestes
paîzes.

Mas isto serîa nada: o melhor da-festa está, na satisfasam com que
ficam, de terem estudado tudo aquilo. Se alguem lhe-contradiz um ponto;
se alguem quer tomar o trabalho de lhe-mostrar, que nada daquilo
vale um figo; ou que Aristoteles nam falou naquele sentido; ou que a
Filozofia se-deve tratar de outra maneira; e que asim a-tratam naqueles
paîzes, que dam leis ao mundo, em materia de erudisam; e ainda em
Roma, nas barbas do-Papa &c. acabou-se tudo, e vem o mundo abaixo com
gritarias. A tal propozisam é uma erezia, contraria diametralmente
à Escritura, e às definisoens dos-Concilios, e Padres; e ao costume
da-Igreja Catolica; que canonizou as obras de Aristoteles, e tambem
a doutrina dos-Arabes. Galilei, Descartes, Gazendo, Newton, e outros
destes que a-nam-seguîram, cheiram a Ateistas; ou polo menos estam um
palmo distantes, do-erro. Estas Filozofias só reinam, em paîzes de
Erejes. Os estrangeiros que defendem isto, sam quatro bebados, que
impugnam o que nam intendem, e nam intendem o que proferem. Isto, e
outras coizas semelhantes, tenho eu ouvido algumas vezes.

Proguntava eu em certa ocaziam a um mestre, que me-parecia bom omem;
e cujo defeito cuido que era, nam malicia, mas ignorancia: Tem V.P.
lido nos-originais, a doutrina de Descartes, Galilei, Gazendo, Newton
tem examinado fundamentalmente, os que explicáram melhor, a doutrina
do-primeiro; como o P. Malebranche, o Baile, o Regis, o Le Grand: ou
os que expuzeram a de Gazendo, como o Saguens, Maignan &c.? diz, Nam
senhor. Observou, continuei, polo menos as objesoens, que o P. Genari
Dominicano propoz ao Saguens, e Monsieur Arnaldo ao P. de Malebranche
em outro sentido; com as respostas destes ultimos? diz, Nem menos.
Muito bem: pois diga-me, intende V.P. na sua conciencia, que pode ser
juiz nesta materia, sem ter examinado, as razoens de ambas as partes: e
muito mais formar uma censura tam rigoroza, como é condenar a religiam,
dos-que seguem esta Filozofia? Respondeo o omem: Na verdade eu nam sou
informado, da-materia: mas tenho ouvido dizer muito mal dela, a outros
mestres, de quem eu formo conceito. Maravilhozamente: mas diga-me,
continuava eu, tem V.P. certeza, que eses tais examinasem o que digo;
ou, aindaque o-examinasem, que julgasem sem paixam, e fosem capazes de
decidir o ponto: porque sem isto deve-me conceder, que nada provam?
Diz, Eles alegavam certas palavras, de que eu inferi, que os-tinham
visto. Mas, proseguia o dialogo, poderá V. P. mostrar-me, que dogma
se-destrue, com esta nova doutrina? Os acidentes Eucaristicos, e todo o
sistema da-Grasa. Muito bem: vistoiso temos, que as _fórmas acidentais_
no-sentido de Aristoteles, sam de fè? diz, sem duvida. Vistoiso, ou
na Escritura, ou por-tradisam nam interrompida, digo, polo consenso
de todos os Padres, definisoens de Concilios, ou Igreja Romana,
estará determinado isto: porque eu nam reconheso outros principios,
para fundar propozisam de fé. Mas atreverseá V. P. a mostrar-me, esa
declarasam? Declaro, que eu tambem sou catolico Romano, e creio que na
Eucaristia está Cristo, debaixo dos-acidentes de pam, e vinho: o que
digo é, que os tais acidentes nam sam fórmas, no-sentido peripatetico:
e disto é que peso, esa declarasam de fé. Concluio ele dizendo: Iso
nam poso eu fazer, porque nam tenho visto a materia. Bem, respondi eu,
pois pesa V. P. a um dos-seus amigos, que lhe-descubra esta revelasam,
ou decreto; e entam falaremos sobre o particular: porque agora tem
pozitivo impedimento.

Este dialogo podia-se repetir, com mais alguns acrecimos; e executar-se
com algumas pesoas, que ouso falar nestas materias, com tanta
satisfasam; como se soubesem o que dizem, e intendesem a materia,
de que falam. Eu tive alguns ratos de divertimento, conversando com
alguns destes mestres. Eles confundem, todos os autores modernos; e
sem mais exame os-acuzam, dos-mesmos erros: e com estranha dialetica
os-condenam, de ignorancia. Como se um omem doutisimo, nam pudese uma
vez, dizer um despropozito! Os que tem erudisam exquizita, sabem que
no-mundo ouve um Descartes: e algum deles, mais raro que mosca branca,
leo alguma coiza, dos-_Principios_, ou _Meditasoens Metafizicas_. E
aqui é ela: sobe à cadeira, e vomita mais decizoens, contra o pobre
Descartes; doque ele nam dise palavras: E sem examinar, se ele é
seguido em tudo, intende que tudo o que Descartes dise, foi, e é
recebido, com a mesma venerasam; e sam todos obrigados, a seguilo. Em
certa jornada que eu fiz, incontrei em uma estalagem um Religiozo *
* que tivera a felicidade, de ler Descartes: o qual, conhecendo que
eu era Estrangeiro, introu logo na materia: e todo o tempo que durou
á ceia, empregou ele em provar, que, segundo os principios do-tal
Filozofo, a Eucaristia estava somente, nos nosos olhos. Veja V. P. como
este intendia bem, a doutrina dos-Cartezianos! Mas eu que vinha cansado
do-caminho, e com fome; para abreviar a disputa concedi tudo, e meti-me
na cama. Nam acho melhor modo de responder, a esta sorte de gente.

Eu certamente nam sou Carteziano, porque me-persuado, que o tal sistema
em muitas coizas, é mais ingenhozo, que verdadeiro: mas confeso a V.
P. que nam poso falar no-tal Filozofo, sem grandisima venerasam. Este
grande omem, na Matematica foi insigne, e inventou algumas coizas,
até ali ignoradas; e promoveo outras com felicidade. Em materia de
Filozofia, acho que foi inventor, de um sistema novo. Isto nam parece
nada, aos ignorantes: mas aos omens que intendem, qual é a dificuldade
de inventar, e inventar com tanta propriedade; que ainda despois de
descubertas as machinas, grande parte das-experiencias esteja da-sua
parte; é sinal de um ingenho elevadisimo, e de grande criterio. Alem
diso ele foi o primeiro, que abrio a porta, à reforma dos-estudos:
pois aindaque Bacon de Verulamio, e Galileo Galilei, tivesem indicado
o metodo, de fazer progresos na Fizica; e alguns outros os-fosem
imitando; é certo porem, que Descartes foi o primeiro, que fez um
sistema, ou inventou ipoteze; para explicar todos os fenomenos
naturais: e por-este principio, abrio a porta aos outros, para a
reforma das-Ciencias. E aindaque em tudo nam acertáse; é tambem certo,
que se ele nam fose o primeiro, os outros nam teriam cuidado, de
emendar os seus erros, e de adiantar os estudos, como estam oje.

Onde com todos estes principios, nam poso sofrer, que omens totalmente
ignorantes da-materia; e que nam sabem de Descartes mais, que o nome;
e aindaque o-leiam, nam tem olhos para o-intender: ainda asim tam
indignamente o-tratem; e injuriem um omem, de quem eles nam seriam
capazes, de serem amanuenses. Se estes censores tivesem lido, a istoria
das-Ciencias, e do-restablecimento delas, desde o Concilio de Trento a
esta parte; formariam diverso conceito destas coizas: e nam vomitariam
tantos improperios, contra os modernos Filozofos: como eu vejo todos
os dias, em varios autores, que podendo mostrar, o seu merecimento;
o-perdem todo, quando entram a falar nestas materias, com tanta
seguransa, como os que as-tem bem estudado. Dizem mil falsidades, que
nunca sucedèram: fingem definisoens, que nunca se-sonháram: confundem
a doutrina revelada, com as opinioens da-Escola: e querem que os
SS. PP. aprovasem profeticamente, a Escolastica; que se-inventou
alguns seculos, despois d’eles mortos. Esta é a celebre cantilena
destes mestres, principalmente deste Reino: A qual provèm, da-grande
ignorancia em que se-vive, da-Istoria antiga, e moderna, e dos-estilos
dos-outros paîzes: do-pouco conhecimento que tem, de livros: e
finalmente de quererem ser mestres, em uma materia, em que ainda nam
foram dicipulos.

Sei, que a maior parte dos-Omens, vive mui satisfeita, dos-estilos,
e singularidades do-seu paîz: mas nam sei, se á quem requinte este
prejuizo com tanto exceso, como os Espanhoes, e Portuguezes. Observo,
que os Francezes, Inglezes, Olandezes, que nam sam dos-que tem pior
opiniam, e com razam, de si; aproveitam-se com todo o cuidado,
dos-excesos que lhe-levam, as outras Nasoens. Os Francezes, mandam
muita gente a Roma, para se-aperfeisoarem na Architetura, Escultura,
Pintura; e em tudo o que pertence, às antiguidades Romanas. Sabem
que estas artes, se-conserváram sempre em Roma, com distinsam:
reconhecem, que os Romanos posuem o melhor, que neste genero
nos-deixou a Antiguidade; e pode fugir à barbaridade, dos-incendios
de Roma: e asim mandam lá os omens mosos e inteligentes, para beberem
o bom gosto, da-Antiguidade. Muitos Senhores Inglezes, Olandezes,
Francezes, Alemaens, que correm o mundo, para formarem os costumes;
demoram-se tempo bastante em Roma, e nas principais Cidades de Italia;
para observarem escrupulozamente, todas as antiguidades Romanas: e
verem com os seus olhos aquilo, de que estam cheios os livros. Eu
acompanhei alguns deles, que faziam estas observasoens; e os-achei
sumamente instruidos, nas antiguidades Gregas, e Romanas: e com dezejo
exorbitante, de verem com os seus olhos, e aprenderem o que nam
sabiam: e faziam gloria de estudar, o que ignoravam. Polo contrario
vejo, que os nosos Italianos se-aproveitam bem, das-belas edisoens de
livros, e outra erudisam exquizita, que se-acha nos-livros, destas
nasoens Ultramontanas: e que ainda em materias de Ciencias, se-regûlam
polo metodo, das-Universidades de Sorbona &c. das-Academias Regias
de Londres, Pariz, S. Pietroburgo, &c. por-conhecerem, que ali
se-exercitam melhor; e dali saiem as melhores obras.

Isto é verdadeiramente conhecer, o merecimento de cada coiza. Mas
observo tambem, que este metodo é ignorado nas Espanhas, e mui
principalmente em Portugal: onde vejo desprezar, todos os estudos
Estrangeiros, e com tal empenho; como se fosem maos costumes, ou coizas
muito nocivas. Lembro-me a este intento, da-istoria do-Espanhol de
Amsterdam. Nela viviam em uma estalagem, um Espanhol, e um Cavalheiro
Florentino. Retirando-se este um dia a caza, proguntou ao Espanhol, que
lhe-parecia Amsterdam: a belisima dispozisam da-Cidade no-material,
e formal: a liberdade do-trato, contida dentro dos-limites do-justo:
emfim ia-lhe repetindo uma por-uma, todas as singularidades de
Amsterdam; e sobre cada uma lhe-proguntava, o que lhe-parecia. Mas
o Espanhol, abanando a cabesa, nam respondia palavra. Até que o
Florentino enfadado lhe-dise: Valha-me Deus, só vosé a-de ser singular
neste mundo, nos-seus gostos; e só a um Espanhol nam á-de agradar,
uma Cidade como Amsterdam, em que todos tem tanto que admirar? A isto
respondeo o Espanhol mui laconico: _Vaya, para pintada_. Esta mesma
resposta, com pouca diferensa, me-tem dado alguns, em outras materias.
Quando se-vem obrigados com exemplos a reconhecer, que os Estrangeiros
lhe-levam, consideravel exceso; respondem rindo, que asim é: mas que
somente é, em coizas inutilisimas.

Isto suposto acho, que o melhor modo de dezinganar esta gente, e
mostrar-lhe os seus prejuizos; é, por-lhe diante dos-olhos, uma breve
istoria, da-materia que tratam: e persuado-me, que este é o mais
necesario prolegomeno, em todas as Ciencias. Creia V. P. que com
esta noticia, poupa-se muito trabalho, e muito estudo: adianta-se
um omem muito, na inteligencia da-materia: e só asim fica capaz, de
ouvir o que deve, e dezinganar-se por-simesmo. Asimque intendo, que
por-esta istoria se-deve comesar. Nam digo, que o estudante deva
saber, as opinioens de todas as setas de Filozofia; mas ao menos
quando comesáram: quais foram as mais famozas: em que coiza comumente
se-distinguiam: e como se-continuáram.

A Filozofia é o conhecimento das-coizas, que á neste mundo; e
das-nosas mesmas asoens, e modo de as-regular, para conseguir o seu
fim. Em todos os Povos do-mundo, e em todos os tempos achamos omens,
que mais ou menos se-aplicáram, a estas coizas. Mas o noso estudante
nam é necesario, que suba tam alto: basta que conhesa, os Filozofos
da-Grecia. Toda a Filozofia Grega se-dividio ao principio, em duas
setas; de que nacéram. todas as outras: estas duas sam a _Jonica_,
e _Italica_. A Jonica fundou Thales Milesio, um dos-sete Sabios
da-Grecia; o qual, como diz Diogenes Laercio, naceo 640. anos antes
de Cristo. Foi grande Astronomo, Geometra, Filozofo, e escreveo muito
de Fizica. Teve varios dicipulos, que se-ensináram sucesivamente:
Anaximandro, Anaximenes, Anaxagoras, Archelao, e Socrates. Este
Socrates foi aquele grande omem, que encheo de admirasam a Antiguidade:
e alguns dos-nosos SS. PP. se-empregáram, na sua defeza. Socrates teve
muitos dicipulos, que fundáram escolas separadas. Aristipo fundou a
escola _Cirenaica_, Phedo a _Eliaca_, Euclides a _Megarica_, Antistenes
a _Cinica_: da-qual naceo a _Estoica_, que foi famoza: porque Menedemo
ultimo profesor da-Cinica, foi mestre de Zenam, que fundou a Estoica.
Damesma escola de Socrates tendo saido Platam, fundou a _Academica_.
Cadauma destas escolas se-diversificava nas opinioens: o que é
necesario, que o estudante advirta.

Platam foi o mais insigne discipulo, de Socrates: naceo 428. anos
antes de Cristo: e foi o primeiro que compreendeo, as trez partes
da-Filozofia. Na Fizica seguia os sentimentos, de Eraclito, que
se-reputava o melhor Fizico: na Metafizica seguia em tudo, a Pitagoras:
e no-Moral, e Politico seguia a doutrina, de Socrates; poisque
somente ao Moral, este se-aplicára. A escola de Platam se-dividio em
duas, _Academica_, e _Peripatetica_. A primeira continuou os dogmas
de Platam: donde vem, que Platonicos, e Academicos significam a
mesma coiza. Nela sucedeo a Platam, seu sobrinho Speusippo; a este
Xenocrates, Polemon, Crantor, e Crates. A Crates sucedeo Archesilao
dicipulo de Crantor, e tambem de outro Filozofo chamado Pyrrho: do-qual
Pyrrho aprendeo, um novo metodo de filozofar; com o qual fundou a
_Academia Media_, que durou até Carneades. Este ultimo, fazendo nela
alguma reforma, instituio a _Academia Nova_; que durou até Antioco:
que foi o ultimo dos-Academicos, e foi mestre de Marco Tullio Cicero.
A _Peripatetica_ fundou Aristoteles, dicipulo de Platam. Diz
Cicero, que somente se-diversificava da-Platonica, nas vozes; mas
nam nos-sentimentos e opinioens. Dava Aristoteles as suas lisoens,
no-Liceo: e continuou a escola nos-seus sucesores, até Diodoro; que
se-conta por-ultimo Peripatetico: desorteque ja nos tempos de Cicero,
esta escola se-achava mui descaida.

A outra seta de Filozofia, a que chamam _Italica_, foi fundada
por-Pitagoras, naquela parte de Italia, a que chamáram _Magna Grecia_.
Este Pitagoras florecia 564. anos antes de Cristo: e despois de
longuisimas perigrinasoens, para aprender; se-estableceo em Crotona
Cidade de-Calabria: e ensinou com grande aplauzo, a Filozofia. Esta
seta foi famozisima, pola frequencia dos-ouvintes, e pola sua durasam.
Dela nacèram varias: a _Eleatica_, que uns atribuem a Xenocrates,
outros a Democrito. Anaxarcho ultimo dos-Filozofos Eleaticos, foi
mestre de Pyrrho, que fundou a seta _Pyrrhonica_, ou _Sceptica_.
Tambem da-_Eleatica_ saio a _Epicureia_, uma das-mais celebres setas
da-Antiguidade; e talvez a que durou mais: pois no-segundo seculo
da-Igreja, ainda estava em flor. Estes sam os diversos ramos, da-seta
_Italica_. Tambem um seculo despois de Cristo comesou outra, a que
chamáram _Ecletica_, a qual teve bastantes dicipulos. O seu principal
instituto era, nam jurar nos-dogmas de nenhuma seta: mas tirar de
todas, o que parecia melhor. De alguns destes ainda temos as obras: o
ultimo foi Damascio. Esta seta agradou muito aos Padres, dos-primeiros
seculos da-Igreja; porque parecia a mais racionavel.

Estas sam as diferentes setas, da-antiga Filozofia. Destas a Academica,
Estoica, Pyrrhonica, Epicureia, e Peripatetica, duráram na Grecia com
pouca diferensa, até o tempo de Augusto, quero dizer, até Cristo.
Nos-ultimos dois seculos da-Republica Romana achamos, que os Romanos
comesáram a estudar, a Filozofia. Nam que eles fundasem setas, como os
Gregos; mas iam estudar à Grecia: ou serviam-se em Roma dos-Gregos,
que vinham à Italia: e seguiam quem uma, quem outra seta de Filozofia
Grega. Pola maior parte eram Academicos, e Estoicos: alguns foram
Epicureos: rarisimo Peripatetico. Os livros de Aristoteles, que
ele deixára a Theophrasto seu discipulo, este os-deixou a Neleo:
os erdeiros do-qual, para os-roubar à curiozidade d’El-Rei de
Pergamo, de quem eram suditos; o qual procurava livros, para a sua
Biblioteca; os-enterráram: d’onde foram cazualmente tirados, polos seus
decendentes; que os-vendèram a Apellico Ateniez, quazi todos comidos
da-umidade. Onde, para se-copiarem, foi necesario encher, todos os
vazios da-corrusam: com o que sensivelmente se-alteráram, as opinioens.
Despois da-morte de Apellico, Silla Ditador Romano os-transportou
de Atenas, para Roma; e se-entregáram a Tirañio, para os-emendar,
e dispor em melhor ordem. E tendo-se feito muitas copias, sem as
conferir com os originais; foi pior o suceso em Roma, que nam tinha
sido em Atenas. Comesou entam a ser conhecido melhor, este Filozofo:
e os Romanos comesáram a fazer uzo, principalmente das-suas doutrinas
politicas. Entre os Filozofos Romanos singularizou-se Cicero; ouveram
tambem alguns outros, de que ainda temos as obras. Até que finalmente,
com a ruina do-Imperio no-Ocidente, se-arruinou tambem, a noticia
das-Ciencias.

Nos-principios do-VIII. seculo de Cristo, os Principes Arabes dicipulos
de Mahomet, os quais uzurpáram grande parte da-Africa, Azia, Grecia,
Espanha, e Sizilia; nas invazoens que fizeram, nas Cidades da-Grecia,
entre os roubos com que se-recolhèram, foram alguns dos-livros dos-seus
autores. E agradando-se destes estudos, fizeram em modo, que Almanon
Califfo ou Imperador Saraceno, no-ano 820. mandou pedir ao Imperador de
Constantinopoli, aonde as Ciencias ainda se-conservavam; os melhores
livros Gregos; os quais se-mandáram traduzir em Arabio. Nam sendo o
genio dos-Arabes inclinado a Poetas, Istoricos, e Oradores; somente
se-aplicáram aos Filozofos, e Matematicos: e entre eles escolhèram
trez, que foram, Aristoteles, Ipocrates, e Galeno. Aplicáram-se a
estas Ciencias; e principalmente à Chimica, Magia, Geometria, Algebra,
e Fizica. Fundáram Universidades em Tuniz, Tripoli, Fez, Marrocos,
e algumas partes da-Espanha: d’onde saîram alguns omens insignes,
para aquele tempo: Entre os quais se-singularizou Averroes; o qual na
Universidade de Cordova, fez o seu grande comento, sobre Aristoteles,
no-meio do-seculo duodecimo.

Neste meio tempo a fama de Aristoteles, que estava tam bem establecida,
entre os Arabes; comesou a divulgar-se, entre os Cristaons. A
comunicasam que os Napolitanos tinham, com os Sizilianos, lhe-deu
noticia dos-estudos, establecidos entre os Arabes da-Sizilia. Tambem
a vizinhansa da-Fransa com a Espanha, abrio a comunicasam aos
estudos: e se-cre, que por-este meio pasáram a Fransa, os livros de
Aristoteles; e intráram na Universidade de Pariz. Ja lá sabiam, que
avia Dialetica, e a-estudavam: mas da-Fizica Aristotelica, nada sabiam.
Finalmente ou para poderem disputar com os Judeos, e Maometanos, como
fundadamente suspeita Monsieur de Fleury; ou por-outra razam que nam
se-sabe; os Teologos recebèram benignamente Aristoteles, e pouco a
pouco o-introduzîram, na Teologia. Os primeiros foram introduzindo as
Dialeticas, como Abellardo, Roberto Pullo, Pedro Poitiers, e alguns
outros no-duodecimo seculo. Daqui pasáram a introduzir, as doutrinas
Fizicas: o que sucedeo, no-seculo decimoterceiro. Os primeiros foram
Alberto Magno, Alexandre de Ales: despois Tomaz de Aquino, e alguns
mais. Despois de S. Tomaz veio Escoto, que fundou escola separada: e
despois deste, seu dicipulo Okam tambem Franciscano, fundador da-seta
dos-Nominais. Demodoque despois do-seculo XIV. a Filozofia se-dividia
em trez setas, Tomistas, Escotistas, e Okamistas: as quais com alguns
mudansas duráram, atè o Concilio de Trento, celebrado no-meio do-seculo
XVI.

Nam falo no-metodo de Raimundo Lullo de Maiorca, porque pola sua
oscuridade, nam teve sequazes: excetuando alguns Maiorquinos, mais
loucos que ele. No-ano 1565. Bernardo Telesio de Cosenza em Italia,
publicou a sua Filozofia, que teve alguns sequazes. Pouco despois
Jordano Bruno Dominicano, publicou muitos livros, em que, entre algumas
coizas boas, dise muita estravagancia; sobre o Universo infinito, e
diversos mundos. Despois deste, Tomaz Campanela, tambem Dominicano
Calabrez, publicou algumas obras de Filozofia, quazi segundo os
principios do-Telesio.

Neste mesmo seculo XVI. do-meio para diante, quero dizer, polos
tempos do-Concilio de Trento, comesou a establecer-se o sistema
Fizico-celeste, de Nicolao Copernico: que resucitando a opiniam de
Filolao, e Eraclides Pontico, sobre o movimento da-terra arredor
do-Sol; teve muitos sequazes, que asentáram, ser um sistema preferivel
aos outros. No-fim do-seculo XVI. saio à luz o sistema de Tico Brahe,
que tambem teve sequazes. Mas ninguem mais deo tanta luz à Fizica,
quanta Francisco Bacon de Verulamio Chanceler mór de Inglaterra: o qual
no-fim do-mesmo seculo, e principio do-seguinte, apontou o verdadeiro
metodo de adiantar a Fizica, em belisimas obras que a este intento
nos-deixou; principalmente de _Augmentis Scientiarum_, e de _Novo
Organo_. Eu considero as especulasoens deste grande omem, como a mais
famoza epoca, da-verdadeira Filozofia: porque observo de entam para
diante, uma total mudansa, e adiantamento sempre para o melhor. morreo
polos anos 1636. de anos 66.

No-mesmo tempo de Bacon, no fim do-XVI. e principios do-XVII. floreceo
o insigne Galileo Galilei Florentino; que seguindo os ditames de Bacon,
uzou da-Matematica, para explicar a Fizica: e aumentou sensivelmente
a _Mecanica_: a qual desde Archimedes até o seu tempo, quazi nada
se-tinha adiantado. Ele descobrio muitas leis, do-movimento dos-corpos,
tanto solidos, como fluidos; e tambem da-Gravidade, e da-Luz, e do-Som
&c. desorteque pode-se dizer, que ele foi o que comesou a servir-se,
da-boa Fizica. morreo em 1642. de anos 78. Comesado o seculo XVII.
florecèram Descartes, e Gazendo: que dando um paso mais adiante,
descobriram mais terra, e comesáram a abrir os olhos ao mundo. Ja
se-sabe as disputas, que os Peripateticos tiveram, com estes novos
Filozofos; e as injurias, que contra eles vomitáram. Desde o fim
do-Concilio de Trento, em que os melhores Teologos tinham aberto os
olhos, sobre a Teologia; e comesado a intender, que nam se-devia
misturar com ela, a Peripatetica; tinha esta descaido muito: mas nam
tanto, que muitos Regulares nam intendesem, que devia ser a mimoza
entre as mais. De que nacia, que com todo o empenho a-defendiam:
porque, a falar verdade, nam intendiam mais, nem tinham outras
noticias. Mas despois que se-viram atacados, por-estes modernos
Filozofos; os quais nos-principios deste seculo conspiráram todos, para
abrir os olhos, ao mundo Literario; nam querendo os velhos, perder as
suas conquistas, fizeram um espalhafato orrendo: e o menos que diseram
foi, que se-tinha levantado uma nova perseguisam, na Igreja Catolica;
com a publicasam destas Filozofias. Mas como isto eram balas de lan, e
palavras sem fundamento, nem verosimilidade; nam faziam brecha. Polo
contrario os Modernos despediam, constantes experiencias, que eram
balas eficazes. Em modo tal que a dita Filozofia foi-se continuando, e
com forsa: e só os Regulares, e nem todos, seguiam a Peripatetica.

A introdusam das-Academias Experimentais, deu novo esforso, a esta
Filozofia. Despois da-morte de Cartezio no-ano 1640., e a de Gazendo
no-de 1655.; tinham comesado as ditas Filozofias, a aquistar credito:
mas ainda com algum medo; pois nam tinham toda a necesaria protesám,
que tiveram pouco despois. Nam foi senam despois que se-abrio, a
Academia de Londres no-ano 1662. ou 63. e a de Pariz no-1666., que
as Ciencias naturais se-continuáram, com empenho: asistindo-lhe os
Reis, com o dinheiro e protesám. Dilatou-se aindamais este costume,
porque o Imperador Leopoldo no-ano 1670. movido do-bom suceso das-duas
Academias; fundou tambem, ou, melhor direi, protegeo uma Academia ja
comesada, com o nome de _Academia dos-Curiozos da-Natureza_. El-Rei de
Prusia em 1700. fundou tambem a sua Academia experimental. Os nosos
Italianos fizeram o mesmo. O Conde de Marsilli em 1712. instituio uma
em Bolonha, que tambem é famoza: em Padua e outras partes abrîram-se
outras. Em 1725. a Imperatriz Catarina abrio em S.Petroburgo em
Moscovia, outra famoza: deixando por-agora outras muitas, que
se-abriram em diferentes partes da-Europa.

Esta dilatasam de estudos naturais chamou a si, todos os melhores
Filozofos, principalmente os Seculares. Tambem alguns Regulares,
nos-fins do-pasado seculo, comesáram a deixar, as sutilezas de
Aristoteles. Porem neste XVIII. seculo infinitos se-tem declarado,
contra o antigo estilo; e ensinam publicamente, a Filozofia moderna.
Em Italia, e ainda em Roma, por-toda a Fransa, Alemanha &c. se-tem
divulgado este metodo: e os mesmos Regulares, que ao principio o-tinham
proibido, nam tem oje dificuldade alguma, em defendèlo. Verdade é,
que algumas Religioens anda o-nam-aprováram: mas tambem é certo, que
muitos leitores delas sam declaradamente, Filozofos modernos. Os
doutisimos Dominicanos, e Jezuitas, que pareciam os mais empenhados,
polo antigo metodo; comesáram a admetir, a nova Filozofia: nam só em
Fransa, mas ainda em Italia. E eu sei de certo, que em algumas partes
de Italia os Jezuitas, vendo que nas suas escolas e colegios, faltavam
consideravelmente os estudantes, que concorriam a outros estudos
publicos; se-vîram obrigados, a reformar o antigo metodo, e introduzir
os estudos novos. Tam persuadidos estam todos oje, que o antigo metodo
nam serve, para coiza alguma.

Esta, em poucas palavras, é a serie da-Filozofia: na qual se-compreende
mui bem, com quam pouca razam estes mestres de Portugal, condenem uma
coiza; que está tam bem introduzida: e nam entre Erejes, como eles
dizem, mas entre Catolicos mui pios, e doutos. E tambem se-conhece,
com quam pouca razam queiram persuadir-nos, que os SS. PP. aprováram,
a doutrina de Aristoteles: pois nam sendo ela, ou polo menos esta que
pasa, com o nome de Aristoteles; conhecida antes do-seculo XIII. é bem
claro, que os PP. nam podiam aprovar uma coiza, que nam conheciam,
nem intendiam, que naceria no-mundo. Seguro a V. P. que se estes
mestres, que oje exaltam tanto Aristoteles, conhecesem os PP. nam polo
sobrescrito, mas por-dentro; e tivesem bem examinado as suas obras;
ficariam envergonhados, da-sua grande ignorancia, e talvez temeridade:
pois veriam nos-escritos dos-Padres, que nada mais encomendam,
que deitar fóra das-escolas Aristoteles: evitar todos os sofismas
da-Dialetica: e propor as suas razoens, com a maior clareza posivel.
Aprovavam na verdade, a boa Dialetica; mas despida totalmente de
arengas. E nesta paz se-continuou, até o undecimo seculo: no qual, como
asima digo, introduzîram nas escolas, estas embrulhadas. Desorteque
a examinar bem o negocio, Aristoteles é mui moderno, nas escolas
Catolicas: e ainda nesas nam durou, senam até o Concilio de Trento:
pois de entam para cá pouco a pouco se-abrîram os olhos ao mundo: e oje
todos os-tem mui bem abertos.

Intendido isto muito bem, com o que se-poupam mil respostas, e
embarasos a cada momento; deve o estudante pasar, para a Filozofia.
Mas é necesario, que primeiro intenda, que coiza ela é; para nam
se-embrulhar, com as costumadas confuzoens da-Escola. Eu suponho
que a Filozofia é, _Conhecer as coisas polas suas cauzas_: ou
conhecer, a verdadeira cauza das-coizas. Esta definisam recebem os
mesmos Peripateticos, aindaque eles a-explicam, com palavras mais
oscuras: mas chamem-lhe como quizerem, vem a significar o mesmo. v.
g. Saber qual é a verdadeira cauza, que faz subir a agua na siringa,
é Filozofia: conhecer a verdadeira cauza, porque a polvora aceza em
uma mina, despedasa um grande penhasco, é Filozofia: outras coizas a
esta semelhantes, em que pode intrar, a verdadeira noticia das-cauzas
das-coizas, sam Filozofia.

Mas como no-conhecer as cauzas das-coizas, principalmente naturais,
pode aver ingano; e muitas vezes nos-inganemos, tomando uma coiza
por-outra: alem diso como nos-mesmos discursos, com que nos-querem
persuadir alguma coiza, suceda frequentemente ingano, cuberto com
aparencia de verosimilidade; ao que chamam _Sofisma_, ou _Paralogismo_:
daqui vem, que cuidáram os omens, em fugir estes inganos, e descobrir
o vicio do-discurso, paraque nam caisemos nele. Isto primeiro comesou,
sem arte alguma: mas cazualmente um omem descobrio um erro, outro
descobrio outro, e asim os mais. Alguns dos-quais, fazendo uma colesam
destas observasoens, fizeram tratados, em que se-pudese aprender, o
modo de nam se-inganar. A isto chamáram Logica ou Dialectica: que é
muito mais antiga que Aristoteles: mas ele foi o que a-compilou com
melhor metodo, a respeito do-seu tempo: aindaque muito imperfeita,
se olhamos para o noso. Quem fose o autor desta colesam, notará o
estudante, quando ler a istoria da-Filozofia. Os Antigos dizem, que
foi Zenam Eleates, que a-ensinou a Socrates: este a Platam: do-qual a
recebeo Aristoteles. Mas esta Logica Socratica, era por-outro estilo, e
convencia com proguntas. Platam era um pouco mais dogmatico. Comumente
se-cre, que Speusippo, e Aristoteles, ambos dicipulos de Platam,
guiados polos discursos dele, fizesem no-mesmo tempo, e cada um parasi,
esta nova colesam, e acrecentasem muita coiza sua: os Estoicos com
o tempo, acrecentáram muitas mais. Seja como for, o cazo é, que os
Antigos reconhecèram, que para conhecer, e discorrer sem ingano, sobre
as cauzas de todas as-coizas; é necesario observar algumas regras,
a que quizeram chamar, _Logica_. Desorteque esta chamada _Logica_,
nenhuma outra coiza é mais, que um metodo e regra, que nos-ensina
a julgar bem, e discorrer acertadamente. Asimque establecido este
importante ponto, fica claro, que se-deve abrasar aquela Logica, que
conduz a este fim: e fugir qualquer outra, que nos-desvia dele.

Tendo percebido este ponto, nam pode aver duvida, sobre o cazo que
devemos fazer, desta chamada Logica dos-Escolasticos: basta examinar,
se o que se-ensina com este nome, é util, ou prejudicial, para julgar,
e discorrer bem. Porque se achamos, que nam conduz; saie por-legitima
consequencia, que se-deve deixar, e estudar outra coiza mais util. Ora
eu creio, que sem grande trabalho se-conhece, que esta Logica vulgar,
nam dá nenhuma utilidade, antes cauza suma confuzam. Os Proemiais
sam a coiza mais inutil do-mundo. Com a simplez explicasam, do-que é
Logica; sabe um estudante quanto basta, para intrar nela, e ser um
grande Logico: toda a outra noticia util se-pode aprender, em uma
advertencia, a que chamam _notando_. Que a Logica tenha por-objeto, os
atos do-intendimento, ou as coizas, ou os modos de saber; nada serve
para discorrer bem: o que importa é, ter boas regras, e sabèlas uzar
bem.

Aqueles Universais, e Sinais sam coizas indignas de se-lerem: o menos
que neles acho, é a inutilidade: o pior é o metodo: parecem a mesma
confuzam: e de talsorte embrulham a mente, de um pobre principiante,
que nam é facil ao despois, intender bem coiza alguma. Em lugar de
facilitarem a um rapaz, a inteligencia das-coizas; o-confundem com uma
quantidade de sofismas, e sutilezas, tam fóra de propozito; que eu nam
sei, como os mestres nam fazem escrupulo, de perderem tam inutilmente
o tempo. Acrecento a isto, a inutilidade: pois para nenhuma parte
das-Ciencias serve aquilo. O mais que se-tira dos-Sinais é saber, que
as vozes servem, para declarar as ideias da-mente, e os afetos da-alma:
e que mediante as vozes comunicamos aos outros, o que intendemos, e
queremos. Que as vozes nam excitam nos-que ouvem, as ideias de quem
as-profere, por-virtude alguma natural, que tenham para iso: mas porque
asim o-determináram, os omens de uma Nasam. Sendo certo que as vozes,
que em Portugal significam uma coiza, em outro Reino significam coiza
diferente, ou nada significam. Esta é toda a noticia util, que se-tira
dos-Sinais: e isto é coiza que se-aprende, em um quarto de ora: tudo
o mais que dizem dos-Sinais, sam arengas ridiculas, que espremidas na
mam, nam deitam uma gota de doutrina. V.P. que perdeo bastante tempo,
com estas arengas; fasa-me a merce de me-mostrar, alguma questam util,
entre tantas que no-tal tratado se-incluem: estou certo que, uzando
da-sua costumada ingenuidade, me-dirá, que nam acha alguma. De que
fica bem claro, que o tal tratado, é somente divertimento de omens
ociozos. Nem me-faz forsa que o P. * * * me-disèse um dia, que os
Sinais eram o _Apex Philosophiæ_: e o seu P. Colegial * * * me-disèse
mui sezudamente, que os Sinais tinham seu uzo na Teologia: poisque na
_Trindade_ se-falava, em _priori signo_ &c. nem um, nem outro sabia o
que dizia, como as suas respostas mostram: e, aindaque fosem leitores
de Filozofia, tinham necesidade, de a-estudar outra vez.

Quanto aos Universais da-Escola, comque se-gasta tanto tempo, nam
sam melhores que os Sinais: todos sam talhados, pola mesma medida.
Pase V.P. ligeiramente com os olhos, por-aqueles tratados; e me-dirá,
o que acha em tantos cadernos. Ali disputa-se mui largamente, se
se-dá _Universal a parte rei_, como eles lhe-chamam: se a Unidade de
precizam, e Aptidam sejam da-esencia do-Universal: e outras coizas
destas, que quando eu as-considero, fico persuadido; que os que falam
nisto, nam intendem iso mesmo que proferem. Que bulha nam se-faz,
sobre a divizam em cinco especies! que arengas, sobre cada especie
em particular! que confuzoens, sobre as precizoens! Ora eu tomára
que me-disesem, o que se-tira de todo aquele negocio; e que noticia
util para discorrer se-colhe, de todas aquelas confuzoens? Achei
muitos, que, despois de alguns anos de Filozofia, e despois de terem
defendido concluzoens publicas, e com grande aceitasam; nam sabiam,
por-qual razam se-introduzîram os Universais, na Logica. O que digo
dos-Universais, deve-se aplicar aos Predicamentos; que uns introduzem
na Logica, outros na Metafizica: e sobre os quais se-disputa, com igual
fervor.

Os omens mais advertidos entre os Peripateticos, reconhecem a
verdade do-que digo, e sinceramente confesam, que se-deviam cortar,
estas longuisimas disputas, que para nada servem. Peripatetico, e
bem Peripatetico, era o Suares Granatense, o Barreto Portuguez &c.
contudo sam do-meu parecer: e o tal Barreto acrecenta[82], que o
aumento que se-deo aos Sinais, é vicio dos-Portuguezes. Mas tornando
aos Universais, de que falavamos, a unica razam que eles alegam,
para introduzirem esta longa arenga de Universais, e Predicamentos;
é, porque as propozisoens de que se-fazem os silogismos, constam de
predicados universais. Digo pois, se aquilo nam tem mais serventia, que
mostrar, que um nome pode ser _universal_, ou _particular_ &c. de que
serve aquela arenga sempiterna, que nam conduz para iso? Certamente
que, seguindo os seus mesmos principios, tudo aquilo se podia reduzir,
a meia folha de papel.

Nem cuide V. P. que eu reprovo, toda a sorte de exame, das-propozisoens
universais, e particulares: conheso, que iso pode ter seu uzo, e tem
utilidade: mas tambem conheso, que se-deve tratar de outra maneira,
como em seu lugar direi. Somente condeno muito, o que dizem os
Peripateticos; porque nem serve para o intento, que eles propoem; nem
para outro algum: confunde as especies, e intendimento dos-rapazes: e
é o mesmo a que nos chamamos, perder tempo sem interese algum, e sem
saber por-qual razam. Mas prosigamos o curso, da-Logica Peripatetica.

Aos Predicamentos, e Sinais, segue-se o enfadonho tratado de
_Enunciatione_, ou Propozisam. Aqui fazem eles infinitas disputas, tam
fóra de propozito; que eu fico pasmado. Confundem a propozisam _vocal_
com a _mental_, ou ato do-intendimento: ora disputam de uma, ora de
outra: desorteque nam se-pode saber, o que eles querem explicar. Sendo
aquele um tratado, que se-deve explicar mui claramente, para intender
os seguintes; eles o-fazem com tal negligencia, e confuzam, como quem
nam cuidáse neste fim. O melhor que eu acho é, que em vez de proporem
as coizas, em que todos convem; disputam tudo o que propoem: e a cada
propozisam acrecentam, uma longa cadeia de argumentos; e às vezes tam
embrulhados, que um omem adiantado teria trabalho, em lhe-responder.
E como á-de o principiante, formar conceito das-coizas, e executar
os ditames que le; se ele nada acha, em que todos convenham: mas
em cada propozisam acha, quem o-contradiga? Isto è o mesmo, que se
um carpinteiro tomáse um aprendiz, e em lugar de lhe-ensinar, como
se-á-de servir dos-instrumentos; fizese longuisimos discursos, sobre a
diversidade de instrumentos de Carpinteiro: contando-lhe miudamente,
que a alguns nam agradam, aqueles instrumentos: que outros escrevem,
que se-deviam fabricar de outra maneira: e todo o tempo pasáse com isto.

Este é o grande defeito que eu acho, nestas Logicas: nam buscarem
aquelas coizas, em que todos convem, para as-explicar aos estudantes.
nam acharem um metodo de ensinar Logica, comesando por-documentos
claros, que todos intendam: fugindo todo o genero de disputas, que
nam servem para principiantes. Pois este devia ser, todo o seu
cuidado: e quem nam pratica este metodo, nam quer ensinar Logica. Isto
conhecerá V. P. melhor, olhando para as longas disputas, que eles
aqui introduzem, sobre os atos verdadeiros e falsos. Nam é crivel, a
confuzam com que aquilo se-trata. nam é menos admiravel, a quantidade
de coizas falsas, que ali se-supoem, como se fosem demonstrasoens
matematicas. Disputa-se com fervor, se o mesmo ato do-intendimento,
posa pasar de verdadeiro, para falso: e outras coizas destas. Isto
supoem manifestamente, que o dito ato dura algum tempo, na alma;
porque se nam duráse, a questam serîa de nada. Mas isto que eles
supoem, é manifestamente falso. Basta olhar, para as muitas distrasoens
involuntarias, que um omem tem; para conhecer, que a nosa alma está
em continuo movimento de conhecimentos: e que devemos dizer, que ela
nam pára em algum juizo, ou ato. Ainda quando nos-parece, que sempre
cuidamos na mesma coiza, creio eu que nam perziste, o mesmo ato: mas
que a alma muitas, e muitas vezes considera, a mesma coiza: que é o
mesmo que dizer, com atos diferentes. A razam disto nam me-parece
oscura: pois vejo a violencia, que é necesario fazer ao intendimento,
para o-fixar no-mesmo objeto: pois um minuto que nos-descuidamos, ja
estamos em outro objeto. E ainda quando nos-parece, que consideramos
um só, v. g. um painel; é certo que fazemos muitos atos: pois nam
vemos só um ponto, mas diferentes pontos, e partes do-mesmo todo: o
que se-faz, com diversos atos. Nam é crivel, com quanta velocidade
a alma conhece, e pasa de um objeto para outro. Fazemos todos os
instantes mil asoens, que nam advertimos: e contudo é certo, que
a alma as-conhece todas: mas falas com tal velocidade, que parece
as-nam-conhece. Deste genero é o continuo movimento de pestanas, que
nós fazemos; e a alma, por-obediencia da-qual se-faz, o-conhece: e
contudo nenhum de nós adverte tal coiza. O que mostra bem, quam veloz é
a nosa alma, em pasar de um conhecimento para outro. E sendo isto tam
claro, os-Peripateticos, sem fazerem cazo disto, introduzem as suas
longas disertasoens, fundadas sobre um suposto falso. Demos-lhe, que
seja materia duvidoza; sempre é coiza ridicula, propor como coiza certa
um fundamento, que tem tantas aparencias de falsidade: e ocupar o tempo
com isto, devendo ensinar outras coizas.

Mas, para abreviar este exame, pase V. P. comigo, ao tratado de
_Priori resolutione_. Na primeira parte se-disputa eternamente, sobre
os termos, e diversos modos, com que significam as coizas. Isto
explicado bem com clareza, e brevidade, podia servir ao estudante de
alguma coiza: mas iso é o que eles nam fazem: e todo o tempo pasam
em disputar, se o verbo _Est_ pode ser termo; e outras galantarias
destas. O que dizem das-Propozisoens, da-sua Conversam, das-Modais,
é tam embrulhado, e tam inutil; que nam sei, que pior coiza se-posa
dizer. Seguro a V. P. que ja achei Peripateticos, que ingenuamente
me-confesáram, que a maior parte daquelas coizas eram inutis.

Mas sem grande trabalho, cuido que mostrarei a V. P. que tudo aquilo,
que nestas escolas se-disputa, se-deve totalmente pór de parte.
apontarei uma unica razam, que compreende o _Priori, e Posteriori_,
da-Logica vulgar. Examine V. P. com toda a atensam, quanto se-disputa
naquelas duas partes da-Logica, e fasa-me a merce de notar mui
distintamente, algumas coizas. 1.^a Se o que ali se-disputa, é materia
inteligivel. Cuido, que a resposta será clara, se olhar-mos para o que
sucede nos-estudantes: pois é certo, que despois de muitas, e muitas
explicasoens, comumente nam intendem, o que ali se-diz. Apelo, para o
que cadaum experimenta em si, e para o que os mestres experimentam,
nos-dicipulos. Sei polo contrario, que os meninos intendem muito bem
as coizas, se lhas-explicam bem: e sabem dar razam do-seu dito. v.g.
se diserem a um rapaz: _Aquele ramo que ves naquela porta, é sinal
que ali se-vende vinho: porque em todas as partes em que se-vende
vinho, se-costuma pòr aquele sinal; porque asim determináram, os nosos
antigos_: estou certo, que á-de intender facilmente, o que lhe-dizem.
Ora fale-lhe V. P. por-estas palavras: _Aquele ramo é sinal ex
instituto do-vinho: que se-constitue na razam de sinal, por-um respeito
de dependencia do-ato da-vontade, que o-deputou para significar vinho:
polo que se-distingue do-sinal natural, que se-constitue, por-um
respeito de independencia_: Despois de toda esta arenga filozofia, o
tal rapaz intenderá muito menos, o que lhe-dizem, doque se lhe-falasem
em Caldeo. De que vem, que ainda as coizas que se-deviam dizer,
se-dizem de um modo tal, que nam se-intendem. Isto é quanto ao modo de
se-explicar: pasemos à materia.

A 2.^a coiza que V. P. deve notar é, a serventia que tem aquelas
regras, para discorrer sem ingano, em toda a materia. Traga V. P. à
memoria, tudo o que tem estudado de _Priori, e Posteriori_, e tenha
o sofrimento de considerar; se lhe-servem, ou nam, para intender, e
discorrer bem em qualquer materia: ou para provar alguma coiza, que
lhe-seja necesaria; nam só nos-atos publicos quando argumenta, ou
defende; mas ainda no-seu bofete, quando compoem em alguma materia:
ou ainda no-discurso familiar. Tenho tantas provas, da-sua candura
de animo, que nam tenho receio que diga, ter experimentado utilidade.
Mas eu nam quero por-agora, um juiz tam alumiado como V.P. contento-me
que me-respondam os mesmos, que perdem os anos com estas arengas. Eu
os-faso juizes nesta disputa: e lhe-deixo considerar, se, quando eles
provam o que lhe-negam, ou discorrem familiarmente; o-fazem porque
se-lembram das-regras; ou se o-fazem, porque asim se-costuma discorrer
no-mundo: e a lisam que tem tido, lhe-suministra os argumentos e meios
termos: e a natural penetrasam que cadaum tem, lhe-mostra, com a maior
promtidam, a conexam das-partes? O que eu poso dizer neste particular
é, que muitos Escolasticos, como ja apontei, me-diseram, que era
inutil toda aquela machina de regras: e li alguns, damesma opiniam. O
P. Arriaga no-prologo da-sua Filozofia diz claramente, que nam ditou
muitas questoens da-fórma Silogistica, porque lhe-parecèram escuzadas:
e que avendo vinte anos que era mestre; nunca vîra, que pesoa alguma
se-servise da-ponte dos-Asnos, para argumentar, ou responder. E quanto
a esta parte da-_Ponte dos-asnos_, achará V. P. muitos, que dizem ser
inutil.

Mas eu paso adiante com o discurso, e creio, que nem menos me-mostrarám
omem, que se-sirva das-Figuras, ou de alguma das-outras regras; quando
quer provar alguma coiza seria. Conheso, que os que argumentam nesta
materia, para mostrarem que a-tem estudado; ou os que nam querem
argumentar com razoens, mas com palavrinhas, àmaneira dos-sofistas;
poderám fazer algum uzo delas: o que digo é, que quando um omem quer
provar, o que lhe-negam, nunca se-serve, de tais arengas. Se ele tem
ingenho, e doutrina, mais de presa se-lhe-oferece o meio termo, e
modo de o-dizer; doque a regra, que o-ensina. Se nam tem ingenho,
estou certo que nem regras, nem figuras, nem modos, nem coiza alguma
lhe-ocorrerá; com que posa discorrer fundadamente. Nunca me-sucedeo
que, discorrendo comigo, me-viese à imaginasam, servir-me do-silogismo.
nunca vi tratar negocio algum grave, com o meio da-Dialetica: ainda
sendo as partes, pesoas de toda a penetrasam; e tendo perdido muito
tempo, com a Dialetica. Isto da-Logica é o mesmo, que a Retorica: os
ignorantes das-regras, se tem ingenho e alguma lisam, oram e provam
melhor o que dizem, doque os Logicos e Oradores da-Escola. O omem
ignorante das-regras, nam perde tempo com palavrinhas, mas vai direito
à razam, e busca aquelas que conduzem, ao seu intento. Ora é sem
duvida, que as razoens, e nam as palavras, sam as que persuadem, e
provam o que se-quer. Poderám as palavras, e modo com que se-diz, dar
mais luz às razoens: mas palavras sem razoens nada provam. E esta é
a razam, porque os Logicos finos discorrem pior, que os que nam sam
Logicos. E esta mesma razam me-dá fundamento para dizer, que é melhor
que nam se-fale, em tais regras.

Acho ainda outra razam, e cuido ser mais forte, para nam seguir este
metodo do-silogismo; vem aser, que o silogismo nam serve em modo
algum, de ajudar a razam, para que aumente os seus conhecimentos,
e neles discorra bem. Quando se-á-de persuadir, e discorrer bem, o
primeiro e principal ponto está, em descobrir as provas: o segundo, em
dispolas com tal ordem, que se-conhesa clara e facilmente, a conexam
e forsa delas: o terceiro, em conhecer claramente, a conexam de cada
parte da-dedusam: o quarto, em tirar uma boa concluzam do-todo. Estes
diferentes graos se-conhecem muito bem, em qualquer demonstrasam
matematica. Uma coiza é, perceber a conexam de cada parte, ao mesmo
tempo que um mestre vai explicando a demonstrasam: outra coiza
diferente, conhecer a dependencia, que a concluzam tem, de todas as
partes da-demonstrasam: terceira coiza muito diferente, conhecer
por-simesmo clara e distintamente, uma demonstrasam: e finalmente uma
quarta coiza, totalmente diferente das-trez, ter achado as provas,
de que se-compoem a demonstrasam. O que suposto, o silogismo nam
faz mais, que mostrar a conexam das-partes, sem ensinar a buscar as
provas: onde fica claro, que nam é de grande socorro à razam. Muito
mais, porque a alma pode conhecer, e conhece, muito mais facilmente
por-simesmo, a conexam das-partes; doque por-nenhum silogismo. Quantos
omens nam vemos todos os dias, que intendem mui bem, toda a forsa de
uma razam; a falacia, e eficacia de um discurso comprido; e discorrem
mui acertadamente; sem terem ouvido falar em silogismos? E nam digo
somente, entre os omens de boa educasam; mas quem quizer considerar,
a maior parte da Africa, e America; achará omens que discorrem tam
sutilmente, como os nosos Europeos; sem saberem reduzir um argumento à
fórma. Achei negros vindos de la, tam maliciozos, e fingidos; que nam
se-pode dizer mais. Ja eu dise a V. P. em outra parte, que me-tem feito
muitas vezes mais forsa, as razoens de muitos rusticos, doque de alguns
Logicos, e Oradores de profisam.

Ainda daqueles mesmos que estudam Logica, rarisimos sam que cheguem a
conhecer, por-que razam trez propozisoens, combinadas de um certo modo,
produzam uma conduzam justa: e que saibam com toda a individuasam,
por-que razam de mais de 60. combinasoens diferentes, só umas 14. sejam
boas. A maior parte destes estudantes contentam-se, com uma Dialetica
tradicional: e nada mais fazem doque crer, o que lhe-dise seu mestre,
que certos Modos reduzidos a certas Figuras, sam bons; outros, sam
maos: sem chegarem a certificar-se, que na verdade asim é. Ora daqui
saie por-legitima consequencia, que, se é verdade o que eles dizem, que
o silogismo é o verdadeiro e unico instrumento da-razam, com o qual é
que se-pode chegar, ao conhecimento das-coizas; antes de Aristoteles,
ninguem raciocinou bem, nem teve conhecimento certo; e despois dele,
entre vintemil omens nam se-achará um, que goze esa fortuna.

Mas eu creio que serîa louco, quem tiráse tal consequencia:
observando-se claramente, que os Omens intendem as coizas bem, sem o
dito socorro. Tomára que me-disesem, com que outra Dialetica conheceo
Aristoteles, que muitos daqueles Modos eram certos, e outros falazes;
senam com a penetrasam da-sua mente, que reconheceo a conveniencia que
se-dava, entre umas ideias, e disconveniencia entre outras? A nosa
mente tem de sua natureza a facilidade, de conhecer a conexam destas
ideias, a polas em boa ordem, e tirar delas concluzoens justas; sem que
para isto a-preparem, com artificio algum. Dizei a uma molher rustica,
convalecente de uma grande infermidade, que asopra um nordeste agudo,
e que o Ceo ameasa grande chuva: ela facilmente perceberá, que nam é
tempo para sair de caza. O seu juizo une com toda a facilidade, estas
diferentes ideias; _Nordeste_, _Nuvens_, _Chuva_, _Umidade_, _Frio_,
_Recaida_, _Perigo de morte_: e isto em um abrir de olhos; sem ter
necesidade daquela fórma artificial, e embarasada de quinze ou vinte
silogismos. Ora é certo, que o silogismo nam suministra esta faculdade
de perceber, e ordenar as ideias; nem suministra as ideias para iso: e
como destas duas coizas dependa tudo; fica bem claro, que nam serve
para discorrer bem.

Se V. P. observa o que dizem os doidos, achará, que eles nam se-inganam
nas consequencias, mas nos-principios: e por-iso discorrem mal.
Unîram-se por-alguma cauza, no-intendimento de um doido, duas ideias;
v. g. a que tem de si, e a que tem de um Rei: postas as quais, discorre
o omem mui bem: quer Magestade: quer gentilomens, e treno de soberano
&c. Estas consequencias decem mui bem, daquele principio: todo o mal
está, nas ideias que ele abrasou, e unio mal. Damesma sorte os que nam
sam doidos: nam consiste o ingano nas consequencias, porque a alma com
toda a facilidade as-infere, e percebe a conexam delas com os meios:
todo o ponto está, nos-principios, e pòr as ideias em boa ordem. Isto
nam suministra a Silogistica, e asim nam me-parece que pode servir,
para o que se-pertende.

A nosa mente naturalmente inclina, para admetir uma propozisam
por-verdadeira, em virtude de outra admetida por-tal; ao que chamam
inferir: e acha com facilidade, uma terceira ideia, que tenha conexam,
com ambas as duas. Progunto agora: ou a mente buscando a ideia
terceira, se-certificou da-conexam dela, com as primeiras, ou nam? Se
a-procurou asim, fez um conhecimento certo: se a nam-procurou, fez
um erro: mas em ambos os cazos fez tudo, sem silogismo. Se o omem
nam tivese conhecido, a conveniencia da-terceira ideia, com as duas
extremas; nunca pudera afirmar, a consequencia. Ora é certo, que o
silogismo em nada contribue a mostrar, e fortificar, a conexam do-meio
com os extremos: ele mostra somente, a uniam dos-extremos entre si, em
virtude da-conexam com o meio, que ja está conhecida. Em uma palavra,
aindaque eu conhesa, a quantidade, e qualidade de duas propozisoens,
nam sei se sam verdadeiras: e a Silogistica somente ensina, a inferir;
nam a conhecer as premisas: se uma delas for falsa, será falsa a
concluzam. Asimque nam é o silogismo o que ensina, a discorrer bem:
antes tudo o contrario; conhece mais facilmente o juizo, a conexam de
muitas ideias, todas as vezes que estam postas em ordem natural; doque
reduzindo-se às embrulhadas do-silogismo: como a experiencia todos os
dias ensina.

Acrecento a isto, que sem a boa ordem das-ideias, nam se-pode dar
boa ordem, aos silogismos. Ponha V. P. um juizo embrulhado, com
mil ideias incoerentes, e verá se pode fazer algum silogismo. Polo
contrario, ponha em boa ordem, as ideias de um silogismo; e verá com
que facilidade se-intendem sem silogismo, que sempre é mais embarasado.
Mais facilmente se-intende a conexam de _omem_, e _vivente_, pondo as
ideias nesta ordem, natural; _omem_, _animal_, _vivente_: doque nesta;
_animal_, _vivente_, _omem_, _animal_: que é a forma do-silogismo.

Quanto aos que dizem, que o silogismo serve, para descobrir os inganos
dos-sofismas, e discursos retoricos; é certo que se-inganam muito. O
motivo por-que nos-inganamos nos-tais discursos é, porque ocupados
da-beleza daquela metafora, ou pensamento delicado, nam examinamos
a conexam das-ideias, de que se-compoem. Explique V. P. o que diz o
sofista, separe umas ideias das-outras; e verá que se-acaba o sofisma,
sem necesidade de silogismo: porque postas elas na sua ordem natural,
intendem-se maravilhozamente, se sam, ou nam coerentes. E que outra
coiza fazem os Dialeticos vulgares, quando respondem a algum sofisma?
V. P. oporá um sofisma; e respondem-lhe logo: _Distinguo minorem, v.g.
materialiter, concedo: formaliter, nego._ pede V. P. a explicasam
dos-tais termos; e eles lha-dam com um discurso longo, ou curto, mas
sem genero algum de silogismo. Onde parece-me que sem injuria podemos
dizer, que os que defendem a necesidade do-silogismo, como de uma
famoza arma contra os sofismas; ou zombam, ou nam intendem o que dizem.

Desorteque examinando bem o silogismo, ele nam dá ideias; que sam os
principios dos-nosos conhecimentos: nam dá a boa ordem das-ideias, e
da-percesám, porque iso faz a alma por-si só. Serve fomente de pór
em certa ordem, as poucas ideias que nós temos: e o maior uzo que
tem é, nas disputas dos-Escolasticos; aonde às vezes dá a vitoria. O
mais informado nesta arte, confunde com eles, e convence o que nam é
tanto: e ainda em tal cazo nam o-reduz ao seu partido: porque nunca
se-vio, que os silogismos produzisem ese bom efeito; que aquele que
fica convencido, pasáse para a opiniam do-contrario. Conhecerá que nam
sabe responder: mas nam receberá tanta luz, que aja pasar para a parte
do-seu adversario. Esta é a natureza do-silogismo.

Mas aindaque esta razam seja mui forte, cuido que dos-mesmos principios
dos-Escolasticos, se-tira nova razam, para se-excluirem, e vem aser;
que as tais regras do-silogismo só servem, para estes silogismos
simplezes, feitos de propozisoens que constam de dois termos, e Verbo:
v. g. _Todo o omem é animal_ = _Pedro é omem_ = _Logo Pedro é animal_.
Quando porem intramos nos-silogismos, compostos de varias propozisoens,
e com mil termos obliquos; é loucura persuadir-se, que neles valham
tais regras, tomadas no-rigor da-Logica. Incontram-se mil discursos de
evidencia tal, que nenhum omem de juizo, pode duvidar da-sua verdade:
vemos cada momento discursos, a que os Logicos chamam _Sorites_,
compostos de dez, e doze propozisoens; tam claros e manifestos; que
todos os-devem admetir, ainda aqueles que nunca lèram Logica: que é a
maior prova da-verdade, e evidencia: e contudo nam pertencem, a Figura
alguma das-ditas. Sei, que alguns destes Logicos antigos se-amofinam,
para lhe-descobrir a Figura, e Modo; mas superfluamente: pois aindaque
dizem muitas coizas, e apontam outras propozisoens, que expoem as
ditas; e nas quais exponentes querem mostrar de alguma maneira, as
regras; nam provam o que dizem, nem respondem ao que se-lhe-progunta:
ficando sempre em pé a dificuldade, que o dito silogismo, do-modo que
se-propoem, nam pertence a Figura alguma: e contudo é verdadeiro, e
todos o-intendem com facilidade. E como nos-discursos familiares,
nos-discursos oratorios, e quando se-impugnam propozisoens ou
concluzoens; somente se-uze destes discursos compostos; fica claro, que
em nenhuma destas partes podem ter lugar, as tais Figuras: e que nam só
sam inutis, mas imposiveis.

Seguro a V. P. que tendo lido muito, visto, e ouvido muito, e asistido
a disputas de toda a considerasam; nam vi ninguem, que se-servise
da-dita Fórma. Nunca vi converter Ereje algum com fórma Silogistica,
nem Ebreo, ou Ateista. E contudo tenho-me achado em algumas partes, com
estas trez sortes de pesoas, e conversado com eles larguisimamente.
Eles me-respondèram sempre com razoens ou boas, ou más; mas nunca
com fórma Silogistica: e quando alguma vez sucedia, que o discurso
caîa em questam de nome; logo me-advertiam, que deixase a Dialetica,
e argumentáse com razoens. Nem menos falei com algum, que me-disese,
ter-lhe sucedido o contrario: nem acho dogma algum, que necesite
da-fórma Silogistica, para se-poder intender, ou explicar. Nam leio
que Cristo, ou os Apostolos se-servisem do-silogismo, para persuadir
as verdades, que defendiam; e propunham: nem acho que a Igreja Romana,
ou os Concilios uzasem desta fórma, para declarar alguma materia
controversa: antes tudo o contrario. Vejo que os SS. PP. encomendam
muito, que os Dogmas se-próvem com razoens solidas, fugindo de todas as
sutilezas da-Dialetica: e que eses mesmos Padres praticam muito bem, o
que encomendam. O que mostra bem, a nenhuma necesidade, ou utilidade
destes termos da-Escola, na Teologia.

Alem disto acho outra nova razam, para desprezar totalmente estas
doutrinas: vem aser, o enfadonho metodo que introduzem, em todo o
genero de discursos. Nam á coiza mais dezagradavel e confuza, que um
longo discurso Dialetico: e nam á discurso, que, reduzido ao metodo
da-Escola, nam seja longuisimo. Um paragrafo de discurso familiar
mui breve e claro, reduzido a silogismos, enche boa meia folha de
papel. Ouvem-se cem vezes os mesmos termos: porque cada silogismo
deve repetir, uma das-propozisoens do-antecedente. E tudo aquilo
se-pode dizer, em breves palavras, e com muita clareza, sem nem menos
introduzir um silogismo. Polo contrario, quando entra o silogismo, é
necesario recorrer, a propozisoens gerais, que nam toam bem, nem provam
muito: e tem mais aparencia de declamasam, que de prova filozofica, e
discurso sensato.

Esta simplez propozisam: _Quero-vos bem, pois vos-tenho obedecido, e
nam podeis duvidar, da-sinceridade comque vos-sirvo: porque tendes
experiencia constante, deque a nenhum outro o-faso_: pode dar de si
bastantes silogismos, se ouver quem a-dilate. v. g. _Quem faz a outro,
tudo o que lhe-pede; dá sinal certo, de lhe-querer bem. Eu tenho-vos
feito, quanto me-tendes pedido: logo tenho-vos dado um sinal certo,
deque vos-quero bem. O sinal certo do-querer bem, nam pode separar-se,
do-mesmo querer bem: logo se eu vos-dou um sinal certo, deque vos-quero
bem, obedecendo ao que me-ordenais; é certo, que vos-quero bem. Provo
a maior. Quem faz a outro, tudo o que lhe-pede, e o outro nam pode
duvidar, da-sinceridade com que lhe-obedece; dá-lhe um sinal certo,
de lhe-querer bem. Eu tenho-vos feito quanto me-pedistes, e alem diso
vós nam podeis duvidar, da-sinceridade do-afeto, com que vos-sirvo:
logo fazendo-vos o que me-pedis, dou-vos um sinal certo, de vos-querer
bem. Provo esta maior. Quem tendo uma experiencia constante, deque um
sugeito que conhece, a ninguem costuma servir; nam obstante iso tem
outra experiencia constante, deque este mesmo sugeito o-serve a ele;
recebe um sinal certo, da-sinceridade com que lhe-obedece. Vós tendo
constante experiencia, deque eu nam sirvo a ninguem; nam obstante
iso tendes outra experiencia constante, que eu sempre vos-sirvo, e
obedeso: Logo tendo vós estas duas experiencias, recebeis um sinal
certo, da-sinceridade com que vos-obedeso._ Nam quero continuar mais,
os silogismos da-_maior_: e nem menos quero continuar, as provas
da-primeira _menor subsumpta_: o que dise basta para provar, que
qualquer pequena propozisam composta, pode produzir mil silogismos.
Ora é certo, que a primeira propozisam é clara, e todos a-intendem: e
aquela longa enfiada de silogismos é oscura, e só a-intendem, os que
sabem a fórma Silogistica: e contudo iso nam diz mais, doque dizia
a primeira propozisam. Do-que se-conclue, que o dito metodo se-deve
desprezar, quando nam fose por-outra razam mais, que por-ser enfadonho,
e cauzar molestia sem utilidade.

Dirmeá V. P. que este meu discurso tem por-fim, condenar todo o
silogismo: e desterrar do-mundo todos os livros, que se-explicam
por-silogismos: e mostrar, que nam só sam inutis, mas prejudiciais:
como ja me-respondeo um Dialetico. Mas a isto respondo, que nam é esa
a minha intensam. Confeso, que todos os nosos discursos, se-podem
reduzir em silogismos: um sermam, um discurso familiar, uma escritura
que persuade, um inteiro livro, pode-se chamar, silogismo composto
de infinitos termos obliquos: nas mesmas demonstrasoens matematicas,
se-podem descobrir silogismos. Ainda digo mais, nam á discurso que
persuada, que nam seja em vigor de um silogismo, ou claro, ou oculto.
Contudo iso defendo, que de pouca ou nenhuma utilidade é o silogismo,
para quem á-de discorrer bem. Nam é o mesmo intervir o silogismo em
tudo, que ser a unica arma, com que se-discorre bem; desorteque quem
nam tem esa noticia, seja obrigado a discorrer mal. Quando Aristoteles
escreveo, as suas reflexoens sobre o silogismo; nam nos-quiz ensinar,
a fazer silogismos; porque iso fazemos nós sem reflexam, nem estudo
algum: quiz somente mostrar-nos, em que se-fundava, a verdade dos-nosos
conhecimentos discursivos: e como procedia o intendimento, quando
consentia em algum objeto. Porem nam devemos daqui inferir, que sem
praticar advertidamente, tudo o que ele propoem, nam posamos discorrer
bem: nam senhor: a dita noticia é mais especulativa, que pratica.
Abráse V. P. bons principios, e evidentes; e verá que perfeitos
raciocinios fórma, sem noticia alguma da-Silogistica: explicarmeei com
um exemplo. Para comer alguma coiza, e com iso sustentar-se um omem,
é necesario mover uma grande quantidade de musculos, que se-movem
matematicamente. Quer-se uma particular dispozisam da-lingua, para
empurrar o comer para os-dentes, e despois para a goela: quer-se
a saliva, para ajudar a triturasam, e o fermento no-estomago: e
finalmente mil outras coizas, que agora me-nam-ocorrem. Tudo isto é
tam necesario, e estas coizas estam tam unidas, que faltando uma, nam
sucederia o cazo. Seria porem louco quem, ouvindo isto, nam quizese
comer, sem saber primeiro tudo, quanto tem dito os Matematicos, sobre
as leis do-movimento, e sobre a Mecanica: como tambem tudo o que tem
dito os Anatomicos; sobre os ditos musculos, umores, fermentasoens &c.
Este omem morreria de fome, no-mesmo tempo que outro, rindo-se da-sua
loucura, comeria mui descansado, e com muito gosto. A razam disto
é: porque sem tanta erudisam, a machina do-noso corpo está disposta
em modo, que metendo o comer na boca, e querendo mastigar, (fóra
dos-impedimentos) tudo aquilo se-faz, sem estudo ou reflexam alguma.
Damesma sorte a machina espiritual da-nosa alma, (se me-é licito,
servir-me desta expresam) recebeo tal faculdade de Deus, que conhece
todas as coizas evidentes, e especialmente a conexam de umas ideias
com outras, sem estudo ou artificio algum: aindaque nese mesmo ato de
conhecer, pratique aquilo, que superfluamente aprenderia de outro.

Daqui fica claro, que servindo-nos do-silogismo para persuadir, nem
por-iso somos obrigados, a saber estas coizas. Contudo aprovo que
se aprenda, alguma noticia mais geral: o que se-pode fazer em duas
palavras. Pode alem diso o silogismo ter seu uzo entre aqueles, que
desde rapazes estam acostumados a ele. Quizera porem que a gente
reconhecèse, que o silogismo vale dez, e nam cem, nem mil: e que nam
nos-quebrasem a cabesa com o silogismo, como uma invensam singular,
para conhecer a verdade, e aumentar os conhecimentos, nas Ciencias.
Explico isto com outro exemplo, de que ja se-servio um grande omem,
do-seculo pasado. Vemos omens de vista tam curta, que nam podem
ver distintamente os objetos, em alguma distancia, sem uns oculos
sumamente concavos de uma, ou de ambas as partes. Mas porque eles nam
vem sem eles, nem por-iso devem julgar o mesmo, dos-outros: porque á
muitos, que vem maravilhozamente, sem tal socorro. Damesma sorte a
alma dos-Escolasticos, nam ve sem os oculos do-silogismo: que lhe-fasa
muito bom proveito, e se-sirvam deles quanto quizerem: a alma porem
dos-outros omens, exercitando-se em discorrer com advertencia, pode
ver a conexam das-ideias, sem aquele socorro. Sirva-se cadaum do-que
quizer, e mais lhe-convier: o que importa é, que os Peripateticos nam
julguem todos, pola mesma medida: e da-falta de oculos nos-outros, nam
infiram, que todo o mais mundo anda às cegas.

Conheso, que algumas vezes se-pode uzar do-dito metodo, com utilidade;
quando se-quer introduzir um dialogo, para evitar os discursos
compridos, e oratorios. Mas em tal cazo sam necesarias varias cautelas,
para ser util o dito metodo: porque se deixamos provar a cadaum o que
quer; caimos no-defeito, que queria-mos evitar. Deve pois evitar-se
toda a superfluidade, e tocar unicamente o ponto da-questam. Mas
neste cazo, nam é tanto estimado o tal metodo, por-ser Escolastico,
mas por-ser metodo de dialogo: no-qual se-propoem a dificuldade,
por-uma parte, e da-outra se-lhe-dá a resposta. Temos um belo exemplo,
no-Concilio geral Florentino, congregado por-Eugenio IV. Como nele
se-avia tratar, da-uniam da-Igreja Grega, com a Latina; sobre alguns
pontos em que diversificavam; escolhèram-se seis omens de cada parte,
para examinarem a questam, e dizerem o que se-avia propor, por-uma e
outra parte: e lhe-ordenáram, que, deixados os discursos compridos,
seguisem um metodo breve, e dialetico. Mas quem examina nos atos do-tal
Concilio, que coiza era este metodo dialetico, acha, que nada mais era,
senam um dialogo sem rodeios, nem prolixidades: no-qual de uma parte,
um punha a dificuldade: e da-outra, o seu opozitor respondia sim, ou
nam: ou brevemente dava a razam, porque duvidava &c. Esta foi toda
a Dialetica, que se-praticou na dita disputa: o que bem mostra, que
muitas vezes se-chamou dialetico, o estilo de falar concizo e breve;
sem aquelas Figuras que constituem, o estilo retorico: e isto é o mesmo
que eu digo, ser muito util. Mas nam achará V.P. que se-fizese cazo,
das-ridicularias da-Logica vulgar: ou que, fazendo-se, rezultáse daî
utilidade alguma: que era o que eu asima dizia.

Nem cuido que V. P. me-mostrará, que às Ciencias rezultase utilidade
alguma, do-uzo do-silogismo. A falar verdade, nenhum omem douto cuidou
nunca nestas ridicularias: os sofistas sim. Os seculos do-silogismo
foram os mais barbaros, e ignorantes. Ele comesou cá no-Ocidente
no-IX. seculo: aumentou-se com muito mais exceso no-XI. e durou até o
meio do-XVI. E que coiza boa acha V.P. neses tempos? Polo contrario,
desde o principio do-XVII. em que o silogismo se-comesou a deixar, e
se-procurou outro metodo; o aumento é tam sensivel, que serîa loucura
mostrálo: muito mais neste ultimo seculo, em que os olhos estam mais
abertos. Asimque, com estes exemplos à vista, nam parecerá maravilha
que eu diga, que o silogismo vale pouco, e tem servido de muito pouco:
e que avendo outra ideia melhor, é loucura, demorar-se com ele. De tudo
isto concluo, que a Logica que pode servir no-mundo, é mui diversa,
desta chamada Logica das-escolas: a qual por-muitos principios nem
menos se-deve ler. Creio que V.P. me-perdoará esta digresam, com que
interrompi, o que lhe-queria dizer da-Logica; se-quizer refletir, que
nam é alheia do-meu argumento: antes justifica o que abaixo lhe-direi,
e me-poupa algumas repetisoens. Torno à ideia, que lhe-queria dar
da-Logica.

Digo pois, que o metodo de filozofar nam se-deve seguir, porque o
diz este, ou aquele autor: mas porque a razam e experiencia mostram,
que se-deve abrasar. Isto é o que eu nam poso meter em cabesa, a
muita gente: porque a maior parte do-mundo, nam examina os principios
das-coizas; mas vam uns detraz dos-outros como carneiros; sem mais
eleisam, que o costume: e antes querem errar, por-cabesa alheia, que
acertar pola propria. Persuadem-se, que os velhos nam podem ensinar,
coiza alguma má: e recebem os tais ditames, com a posivel venerasam.
Nenhum toma o trabalho de examinar, se a opiniam é boa, ou má: uma vez
que a-diseram os antigos mestres, é o que basta. De que nace, que omens
de ingenho mui perspicaz, seguem doutrinas contrarias a toda a boa
razam; e que eles mesmos dezaprovam, quando lhas-explicam bem. Entre
tantos Peripateticos, que V.P. conhece, nam achará algum que duvidáse
uma só vez, se Aristoteles na sua Logica dise bem, ou mal: como conste
que o-dise Aristoteles, é o que basta: nam faltará modo de explicar,
a dita doutrina, ou texto. E deste principio nacem, aqueles grandes
comentarios, com que amofinam a paciencia ao mundo; e fazem perder o
tempo, nas escolas.

Bem claro é que um omem, que escrupulozamente comenta um autor,
supoem ser verdade, quanto ele diz: pois de outra sorte, devia fazer
um rigorozo exame, na materia que comenta. E eisaqui tem V.P. que
estes tais, querendo ensinar aos outros a discorrer bem, eles sam os
primeiros, que discorrem muito mal. Falava eu em certa ocaziam, com um
mestre Peripatetico, e caindo o discurso sobre uma destas materias,
me-produzio ele um texto do-Filozofo, em uma questam bem controversa.
Respondi eu, que nam me importava, o que dizia o Filozofo, mas o que
ele na dita conversasam me-provava. Aqui admirado o omem clama logo,
V.P. nam pode negar o texto: deve explicálo. ao que eu pontualmente
respondi: Quem lhe-dise a V.P. que eu nam poso negar o texto? dise-lho
algum concilio Ecumenico, ou algum texto da-Escritura? Se V.P.
me-citáse, alguma propozisam de Euclides; em tal cazo lha-admetiria;
nam porque Euclides o-dise, mas porque a evidencia mostra, que dise
bem; e todos reconhecem a verdade, das-ditas propozisoens: fóra daqui
nam admito senam aquilo, que me-provam com clareza, e verdade. Onde
é necesario que V.P. primeiro que tudo, me-prove trez coizas. 1. Que
Aristoteles nam podia dizer uma parvoice, advertidamente. 2. que nam
podia inganar-se. 3. que o que nós oje achamos nos-seus escritos,
seja verdadeiramente o que ele dise: postas estas circunstancias
considerarei entam, o que ei-de responder ao texto. Até aqui o
discurso, que eu tive com o dito Padre. Agora acrecento, que o dito
mestre, ouvindo estas minhas razoens, nam se-aquietou: mas continuou
de admirar-se damesma sorte, que se nam lhe-tivesem respondido coiza
alguma.

Concluo pois, que é necesario seja bem louco, quem nam conhece, quam
grande impedimento seja, para discorrer bem, seguir as pizadas de um
autor só, ou seja Aristoteles, ou algum moderno. A Verdade, e a Razam
é uma só. Todos podemos discorrer, e intender o que nos-dizem: e quem
fala em maneira que melhor o-intendam, e prova melhor o que diz,
ese é que se-deve seguir, com preferencia aos outros. Se acazo nam
prova o que diz, antes o que diz nam parece bem, ou á razoens para
se-intender, que é mao; nam se-deve fazer cazo, de tais discursos. Esta
é a pedra de toque, nam só da-Logica, mas de qualquer outra Faculdade:
tomar por-principios coizas tais, que as-intendam todos, os que dam
alguma atensam às ditas regras: mas principalmente é necesario, na
Logica. Certamente que a Logica nam foi feita, para Clerigos, ou
Frades, ou pesoas de uma exquizita erudisam: deve servir a todos os que
falam, e raciocinam: e nam só em discursos estudados; mas em qualquer
sorte de discurso, publico ou particular; serio ou agradavel. Se ela
serve, para ensinar a discorrer bem, deve dar ditames, que posam servir
em toda a parte, em que se-discorre, e se-deve discorrer bem. Importa
pouco, o que dise este ou aquele, da-Logica: o que importa é, facilitar
os meios, para nam se-inganar: e buscar para isto um metodo, que a boa
razam persuade ser util, e os omens que tem voto na materia, reconhecem
com razam, e experiencia, ser o unico meio, para conseguir aquele fim.
Alem diso propolo de um modo, que qualquer pesoa de juizo, se-capacite
da-dita verdade. Isto suposto, farei a V.P. algumas reflexoens, sobre
o metodo de dirigir o juizo. Mas devo supor, que falo com um omem, sem
nenhuma preocupasam: e que nam tenha lido Logica alguma: ou, se a-tem
lido, que procure esquecer-se de tudo: mas no-mesmo tempo que tenha
juizo claro, para conhecer as coizas. a este omem farei, as seguintes
reflexoens.


_IDEIA DA LOGICA_

Nós temos uma alma capaz de conhecer, todas as coizas deste mundo.
Recebemos do-Criador esta alma, dotada de maior perspicacia, doque
oje nam temos. O pecado de noso primeiro pai, nos-trouxe por-castigo,
sermos sugeitos ao ingano: e por-pena do-mesmo pecado se-nos-limitou,
a esfera da-nosa perspicacia: nam conhecemos tam bem como ele, e somos
mais sugeitos, a conhecer mal. Contudo a alma é a mesma, que era ao
principio: foi criada para conhecer a Verdade, e ficou-lhe sempre a
propensam para ela: em modo que, quando a alma ve uma verdade clara,
nam pode deixar de conhecèla, e abrasála. Nenhum omem de juizo duvîda,
se é omem: nenhum duvîda, se fala, ou está calado; se está em pé, ou
asentado: por-forsa á-de admetir uma destas coizas, porque sam mui
claras; e uma delas á-de ser verdade. Por-iso nós pecamos, e pecando
nos-desviamos da-verdade da-lei divina, que é tam conforme à boa
razam; porque nam damos atensam, à dita verdade: que se a-desemos, sem
duvida ficariamos persuadidos, que se-devia praticar, o que ela diz.
Mas a rebeldia que experimentamos, no-noso corpo, que com dificuldade
se-sugeita, aos ditames d’alma; é a cauza deste mal. Ele nos-inclina
sempre, para a parte contraria, com a isca de coizas agradaveis: e a
alma, divertida com outras considerasoens, dificultozamente volta os
olhos para a verdade: e por-iso a-nam-recebe: e por-iso peca. Esta é a
origem, de todos os nosos inganos, e de todos os nosos danos. Se a alma
nam fose arrastada, polos tumultos da-fantezia, que comumente a-ingana;
conheceria mui bem toda a verdade: nam só aquelas que conduzem,
para posuir um bem eterno; mas tambem, estas verdades indiferentes
das-coizas naturais: e discorreria sem ingano, em toda a materia: mas
as cauzas dos-inganos sam tam frequentes, nesta vida mortal; que nam é
maravilha, se os omens ajuizam tam mal: e ajuizando asim, obrem em tudo
mal.

Isto suposto, a unica medicina que se-tem achado, para ajuizar bem,
é desviar as cauzas, que nos-conduzem ao ingano. Ponho de parte, o
ajuizar bem para conseguir, a bemaventuransa sobrenatural: (aindaque
daqui posa receber muita luz; contudo como necesita de outras coizas, e
nam é ese o meu argumento; por-iso o-deixo) e falo somente do-discorrer
bem, em todas as outras materias. Digo pois, que o verdadeiro segredo
de ajuizar bem, é desviar as cauzas que nos-inganam, e fazem julgar
mal. Para fazer isto, é necesario examinar os modos, com que a alma
conhece; e meios de que se-serve, para se-explicar.

Nós nam trazemos da-barriga da-maen, conhecimento algum: todos
os-adquerimos despois de nacidos. Basta olhar, para o que faz um
menino; para ver a sua ignorancia, e que nace despido de todo o
conhecimento. Ele aprende a sua lingua, como nós aprendemos uma
lingua estrangeira: quero dizer, asimcomo nós, aprendendo uma lingua
estrangeira, só formamos ideia dos-nomes que vamos aprendendo, e nam
daqueles que ainda nam ouvimos: asim tambem um menino, só tem ideia
das-palavras que ouve, e nenhuma das-outras, que nunca ouvio. Mas alem
diso nem menos tem ideia das-coizas, que significam os tais nomes,
senam das-que ve, ou ouve. Um menino nam profere, senam as palavras
que ouve: só intende e fala daquilo, que lhe-tem dito, ou visto. o
que mostra claramente, que nam tem outros conhecimentos, senam os que
entram polos sentidos. Os que defendem ideias inatas, que mostrem
alguma, que nam entre polos sentidos; ou nam se-deduza das-ideias, que
intráram por-eles: estou certo, que nam aparecerá alguma, a que nam
posamos descobrir, esta origem.

Sam pois os sentidos, as principais portas, polas quais entram as
ideias, na alma. Umas destas ideias entram, por-um só sentido: v. g. a
_Solididade_ dos-Corpos, que entra polo tato: outras entram por-dois
sentidos: v. g. a _figura_, que pode intrar polo tato, e juntamente
polos olhos. Algumas ideias originam-se em nós, com a meditasam, ou
reflexam: deste genero é a _vontade_, _percesam_ &c. Outras entram umas
vezes por-_sensasam_; outras, pola _reflexam_: v.g. o _gosto_, _dor_,
_existencia_, _unidade_, _potencia_, _sucesam_. Finalmente muitas
ideias simplezes, se-originam em nós, por-meio das-cauzas privativas;
tais sam as ideias que nós temos, das-qualidades dos-corpos: v.g. a
ideia de _negrura_ &c. O exame dilatado deste negocio, pertence a outro
lugar: basta por-agora que o Logico conhesa, que por-todas estas vias
podemos receber, ideias simplezes.

Admiravel é a virtude que a alma tem, para unir, e combinar estas
diferentes ideias simplezes, que por-este modo recebe. Verdade é, que
alma nace despida, de todo o conhecimento atual: mas fica mui bem
recompensada, com a virtude de-que Deus a-dotou, de poder conseguir
muitas, e novas ideias, com diferentes combinasoens. Unindo as ideias,
que intráram polos sentidos, fórma a alma muitas outras ideias: outras
vezes examinando as proprias ideias, nacem diferentes ideias na alma.
Desta diferente combinasam de ideias, nacem todas as ideias compostas,
que nesta vida experimentamos.

Mas aindaque sejam infinitas as ideias compostas, que a alma fórma,
podem-se reduzir, a trez sortes de ideias: que sam as ideias
dos-_Modos_, das-_Sustancias_, e das-_Relasoens_. As ideias dos _modos_
sam aquelas ideias que nós formamos, de diversas coizas que nam existem
por-si, mas sam dependencias de outras coizas. v.g. a ideia que eu
tenho de um _triangulo_, de uma _coluna_, de um _circulo_ &c. Estas
ainda sam de duas maneiras: ou sam ideias de _modos simplezes_, ou
de _modos mixtos_. Chamo modos simplezes, às ideias dos-modos, que
sam compostas, de duas ideias damesma especie: v.g. a ideia que eu
tenho de _doze_, de _cem_ &c. que é composta das-ideias, de muitas
unidades juntas: a ideia de _imensidade_, que é composta, da-repetisam
de diferentes ideias de distancia, repetidas sem fim: e como cada
distancia se-supoem ser, uma modificasam de espacio; a dita ideia é
uma ideia composta. Chamo _modo mixto_, uma ideia composta, de modos
de diferente especie: v. g. a ideia de _beleza_, que é um composto
de diferentes cores, e proporsoens, que dá gosto vendo-se. tambem
a idea de _amizade_, _mentira_, _obrigasam &c_. Estas ideias une o
intendimento, sem examinar se existem, ou nam: e a estas dá o nome, que
lhe-parece. Os omens porem comumente, recebem estas ideias dos-outros,
que lhe-explicam o significado, de muitos termos. Desorteque ou
por-aplicasam, ou por-experiencia recebemos as ideias, dos-_modos
mixtos_.

A segunda especie de ideias, sam as das-_Sustancias_. Nam podendo nós
intender, como as ideias simplezes existam por-si só, nos-acostumamos
a supor alguma coiza, que as-sustenta: ao que damos o nome, de
_Sustancia_. Digam o que quizerem, os que falam de _Sustancia_, como
de uma coiza, que eles intendem bem o que é; certo é, que nam tem
os omens, mais clara ideia de sustancia. Onde ideia de sustancia,
é ideia de uma certa coiza incognita; a qual, quando nós queremos
explicar, nam sabemos dizer o que é: mas somente dizemos; que é uma
coiza, que nós supomos ser a baze, daquelas ideias que vemos. E esta
ignorancia é aplicavel, a qualquer sorte de ideia de sustancia.
Quanto às ideias das-particulares sustancias, esas formamos nós,
unindo quantas ideias podemos ter de uma coiza. v.g. unindo a ideia
de _cristalino_, _durisimo_ &c. formamos ideia, do-diamante. Mas alem
destas, devemos unir-lhe, a ideia confuza que nós temos, de uma coiza
que as-sustenta: e daquelas ideias, e desta, rezulta a ideia composta,
que nós temos neste mundo, da-sustancia do-diamante. Do-que se-segue,
que tam clara ideia temos nós, da-sustancia do-Corpo, como do-Espirito:
pois nenhuma outra ideia temos mais, que dos-modos ou efeitos, que
se-observam; unidos à dita ideia de uma coiza, que supomos sustantála:
cujos efeitos tam claramente se-conhecem do-Espirito, como do-Corpo.
Alem destas ideias de sustancia, formamos outra ideia composta, ou
complexa de sustancia, unindo diferentes ideias de sustancias. v. g.
unindo diferentes ideias de naos, pesas de artilharia, marinheiros,
almirante &c. fazemos a ideia complexa de _armada_: e damesma sorte de
_exercito_, _mundo_ &c. A estas damos um só nome, porque na verdade é
uma só ideia.

A terceira sorte de ideias, sam as _Relasoens_. Estas fórma a alma,
comparando uma coiza com outra: de que nacem mil denominasoens, que
tem proprios nomes, e nos-conduzem a conhecer, outra coiza: e sem os
tais nomes, nam conhecemos muitas relasoens. Estes nomes só se-podem
dar, quando se-poem o fundamento deles. v. g. Pedro é omem: mas se
ele se-caza, este contrato serve para lhe-dar o nome, de _marido_.
Estas ideias de relasoens, sam muitas vezes mais claras, que as ideias
das-coizas, que estam sugeitas às ditas relasoens; ou das-sustancias.
A ideia de _pai_, e _irmam_ é mais clara, que a ideia de _omem_: e
com muita mais facilidade eu intendo, que coiza é um _irmam_; doque
intendo, que coiza é um _omem_. Conhece-se mais claramente, que coiza
é um _amigo_, doque que coiza é _Deus_. Porque o conhecimento de uma
asám, ou de uma simplez ideia, basta muitas vezes, para me-dar o
conhecimento, de uma relasam. Polo contrario, para conhecer um ser
sustancial, é necesario um exato conhecimento, de uma colesam de
ideias. Devemos porem advertir, que todas estas relasoens se-terminam,
em ideias simplezes: aindaque nos-paresa, tudo o contrario: e os nomes
que conduzem a mente, para conhecer outra coiza, alem do-sugeito
da-denominasam; sempre sam relativos. Que todas as _relasoens_ sejam
compostas, de ideias simplezes, é coiza para mim certa: mas para
o-provar, serîa necesario, fazer um longo discurso, sobre todas as
especies de relasoens: para mostrar, donde vem a ideia de _Cauza_,
_Efeito_, _Lugar_, _Extensam_, _Identidade_, _Diversidade_ &c. como
tambem as relasoens morais: v. g. _Bem_, _Mal_, _Crime_, _Inocencia_
&c. Mas rezervo-me para explicar iso a V. P. em outra ocaziam: e agora
continuo as minhas reflexoens. Esta em breve é a origem, de todas as
nosas ideias.

Daqui fica claro, que das-nosas ideias umas sam simplezes, outras
compostas: umas _adventicias_, que entram polos sentidos, e outras que
a mente faz, a que chamam _faticias_. Destas umas sam claras, outras
confuzas; umas adequadas, e outras inadequadas. Finalmente reais, e
chimericas; singulares, particulares, e universais.

De todas as ideias, as que mais frequentemente faz a alma, sam as
_universais_. Estas fórma a alma, considerando uma coiza, que tem
outras semelhantes: onde considerando todas em uma masa, sem considerar
diferensa alguma particular, formamos ideia universal. v. g. Temos trez
sortes de triangulos: um se-chama _Equilatero_, outro _Isosceles_,
e o terceiro _Escaleno_: cada um dos-quais tem suas particulares
propriedades. Mas considerando os ditos triangulos somente, como uma
figura de trez angulos, sem determinar as propriedades de cadaum,
formamos uma ideia universal, que se-pode aplicar, a cada triangulo
de per-si. Este modo de considerar, se-chama nas escolas _precizam_:
palavra tirada do-verbo _Præscindo_, ou _Præcido_, que é o mesmo que
cortar, separar: porque separamos os triangulos, das-suas propriedades.

Estas ideias universais tem entre os Logicos, diversos nomes. Chamam a
uma, _Genero_: a outra, _Especie_, _Diferensa_, _Proprio_, _Acidente_.
Basta intender brevemente, o significado destas vozes, para poder
servir-se na ocaziam; e intender o que os Logicos, querem dizer com
elas: nam considero outra utilidade, nestes cinco Predicaveis. Polo
contrario, tudo quanto deles dizem os Logicos, comumente é falso: pois
supoem claramente, que nós temos perfeito conhecimento, das-Esencias: o
que é manifesta falsidade.

Sendo pois, que as nosas ideias, só se-podem comunicar aos outros,
por-meio daqueles sinais, a que chamamos vozes; devemos fazer alguma
reflexam, sobre esas mesmas vozes, ou palavras: o que pode conter,
alguma coiza util. As palavras nam significam os pensamentos,
por-virtude natural; mas porque asim o-determináram os Omens. A maior
parte das-palavras sam gerais, quero dizer, significam ideias gerais:
porque serîa imposivel, e inutil, que cada coiza particular, tivese um
nome distinto: o comercio umano farseia insuportavel, e os Omens nam
aumentariam os seus conhecimentos. Acostumando-se os Omens, a fazerem
ideias abstratas, deram-lhe nomes, a que chamam gerais, ou universais.
Á nomes para as ideias simplezes, para os-modos, e relasoens &c.
e todos estes é necesario saber, como se-formam, e que coizas
particulares tem. Sucede às vezes, que se-introduzam imperfeisoens nas
palavras, por-cauza que as ideias que significam, sam mui complexas, e
sam cauza que os nomes fiquem duvidozos. Sucede tambem, que os Omens
abuzem das-palavras, servindo-se de umas, a que nam dam significado
certo, ou lho-dam mui oscuro &c. Devem-se remediar estes defeitos:
tendo prezente a origem deles, e o modo com que se-remedeiam: o que
se-observa nos-autores, que explicam isto. Isto é o que pertence, à
_Percesam_.

Alem da-faculdade que a mente tem, de formar ideias, a cuja damos o
nome de _Percesam_; tem mais outra faculdade, de comparar uma ideia
com outra, e reconhecer a conveniencia, e disconveniencia delas: ao
que chamamos _Consentimento_, ou _Juizo_. Asimque o julgar nada mais
é, que certificar-se a mente, que uma coiza convem a outra, ou nam
convem: e comparando ela uma ideia com outra; reconhece, e se-certifica
da-conveniencia, ou disconveniencia. Se o juizo se-explica, com as
vozes; chama-se _Propozisam_, ou _Enunciasam_: e em tal cazo, tanto
aquilo a que convem uma coiza, como as vozes porque se-explica;
chama-se _sugeito_ da-propozisam: e o que convem, chama-se _predicado_.

Decendo pois à diversidade de juizos, digo, que se a mente
se-certifica, da-conveniencia entre duas propozisoens, chama-se _juizo
afirmativo_; se da-disconveniencia, chama-se _negativo_. Nam digo, que
aja juizos negativos, no-sentido em que o-tomam os Logicos vulgares:
mas chama-se afirmativo, ou negativo, segundo a coiza que afirma. Esta
diversidade de propozisoens, ou juizos, alcansa-se do-sentido, nam
das-palavras: as quais sendo negativas, podem ter sentido afirmativo. O
que muitos nam advertindo, fazem mil disputas, e arengas sobre coizas
bem claras.

Qualquer dos-nosos juizos, (o mesmo digo das-propozisoens, que sempre
correspondem aos juizos) afirmativo, ou negativo, ou explica o nome; ou
explica as nosas ideias; ou explica alguma outra coiza que existe: ao
primeiro chamamos, juizo _Nominal_: ao segundo, _Ideial_: ao terceiro,
_Real_. v.g. Quando eu digo: _O oiro nam é pedra_: este juizo é _real_.
quando digo: _A ideia que eu tenho de pedra, é diferente da-ideia, que
tenho de oiro_: este juizo é _ideial_. quando digo: _Este nome Amor
significa, um afeto da-alma, ou um juizo que formo, da-excelencia de
uma pesoa em algum genero, e utilidade que me-pode rezultar dela_:
este juizo chama-se _nominal_. Do-conhecimento destas trez sortes
de juizos, depende o bom ou mao uzo, que fazem os Omens, das-suas
faculdades, em qualquer materia que se-lhe-propoem. A maior parte
das-disputas nace, de que nam intendemos bem, as definisoens dos-nomes:
e cadaum as-toma, no-seu sentido. O mesmo digo das-definisoens, que
explicam as ideias dos-outros, principalmente dos-mortos. Atribuimos
aos autores que lemos, mil coizas que eles nunca diseram. Servimo-nos
dos-Dicionarios, como de oraculos: sem advertir, que aqueles que
os-compuzeram, podiam sofrer o mesmo ingano, procurando a verdadeira
inteligencia deste nome. O mesmo sucede nas definisoens reais, tanto
nas da-esencia, como de algum acidente ou modo. Persuadimo-nos,
que sempre sam verdadeiras: e deste modo abrasando-as sem exame,
establecemos um principio, que por-forsa nos-á-de conduzir ao ingano.

Sobre isto das-definisoens, é bem vulgar o erro dos-Logicos comuns,
que dizem, que a definisam se-pode fazer por-uma ideia, ou simplez
percesam, a que eles chamam, _Apreensam_. Isto é falso por-muitos
principios: nem se-pode fazer definisam alguma, que nam seja,
reconhecendo a conveniencia dela, com o seu objeto. Quando dizemos,
_Animal racional_: (suponho agora, que esta seja a verdadeira definisam
do-Omem: de que duvido muito, e com razam) ou a mente conhece a
conveniencia daquela ideia, com a ideia de Omem; ou nam. Se a-conhece,
define: mas em tal cazo produz um conhecimento, ou consentimento, a
que chamamos _Juizo_: porque o expremir, ou nam expremir, com a boca o
_Est_, nam faz ao cazo. Se a-nam-conhece, nam define; mas profere duas
ideias separadas. É necesario intender, e advertir tudo isto muito bem,
para nam se-inganar, com o que eles dizem.

Alem destes juizos, fórma a mente infinitos outros, damesma sorte, que
disemos das-ideias. Temos juizos simplezes, compostos, singulares,
e universais. A estas se-reduzem todas as sortes de juizos, ou
propozisoens vocais. Conhece-se a especie a que pertence, pola
qualidade do-sugeito.

Faz tambem a mente juizos verdadeiros, e falsos. E aqui é necesario
o criterio, para nam se-inganar. Consiste o criterio da-verdade, na
evidencia com que se-propoem uma coiza, desorteque nam deixe duvidar,
de ser asim. Nisto se-inganavam manifestamente os Pirronicos; que
chegáram, ou fingîram de duvidar daquilo mesmo, que viam com toda a
evidencia. Sobre isto da-evidencia, á diversos graos: se a propozisam
é evidente sem prova, chama-se axioma: se em vigor das-provas se-faz
evidente, chama-se ilasam, ou concluzam evidente. Tambem estas
concluzoens evidentes, segundo as materias recebem diversos nomes:
umas vezes dizemos, que tem evidencia _metafizica_; outras _fizica_;
e outras _moral_; as quais sem muito trabalho se-intendem. Finalmente
acham-se juizos duvidozos, verosimeis, e inverosimeis: cuja natureza
se-intende, com a simplez explicasam, e um breve exemplo.

Estas sam as duas operasoens diferentes da-mente, Percesam, e Juizo.
nem á alguma outra de diferente especie. Tudo o que a mente faz é,
variar estas duas em diferentes maneiras: fazendo de muitas ideias, uma
composta: e reconhecendo a conveniencia ou disconveniencia, de uma com
outra: e pondo-as em ordem proporcionada, para se-conhecerem. Quando os
Dialeticos dizem, que nestas trez afirmasoens.

    _Todo o omem é animal.
    Pedro é omem.
    Logo Pedro é animal._

a ultima propozisam é de diferente especie, das-primeiras; dizem
uma coiza, que nam poderám nunca provar. O que eu acho é, que tanto
a ultima, como as primeiras, sam juizos, com que o intendimento
reconhece, a conveniencia de duas ideias. Se o estar em ultimo lugar,
ou reconhecer esta, porque ja tenho reconhecido as outras, faz
mudar de especie; serîa necesario admetir, outras muitas operasoens
do-intendimento.

Isto suposto, a principal operasam livre da-mente, é o Raciocinio,
ou Discurso. Consiste ele em que, dadas duas, ou trez, ou dez, ou
vinte ideias, se a primeira convem à segunda; e esta à terceira; e
esta à quarta &c. a primeira á-de convir à ultima. Desta sorte o
intendimento corre da-primeira, para a segunda: desta, para a terceira
&c. E ao juizo com que reconhece, a conveniencia da-primeira com a
ultima; se-dá o nome, de _raciocinasam_, _inferencia_, _concluzam_,
_discurso_, e alguns outros nomes: o que nam faz mudar a especie: pois
na verdade é um juizo, com que eu afirmo esta coiza, porque tenho
afirmado, as antecedentes. Onde pode a consequencia ser boa, e ser
falsa, se uma das-premisas é falsa: e somente será verdadeira, se as
premisas o-forem tambem. O que importa pois é, julgar primeiro bem, e
nam se-inganar nas premisas: porque só asim é, que nam se-inganará na
concluzam. Para fazer isto, é necesario notar, com infinita diligencia,
as cauzas e ocazioens dos-nosos erros, para os-poder evitar.

A primeira ocaziam de ingano, sam as nosas mesmas ideias. Nós
percebemos mal, e contudo queremos discorrer com seguransa: os nosos
sentidos sam falazes, e suministram-nos frequentes ocazioens de ingano,
em materia fizica. O notar estes erros, pedia uma longa disertasam.
Basta notar, que nos-inganamos nas ideias de _gravidade_, _levidade_,
_aspereza_, _gosto_, _cheiro_, _e som_ &c. Cuidamos que estas coizas
existem nos-objetos, quando na verdade nada mais sam, que modificasoens
do-noso corpo, e espirito. As ideias que recebemos polos olhos, tem
mais outra razam, para serem falsas: pois segundo a diversa figura
dos-olhos, de diferentes pesoas, devem reprezentar os objetos ou
majores, ou menores doque sam. E asim nam nos-devemos fiar sempre
delas, para julgar.

A segunda cauza, sam as ideias que formamos: em virtude das-quais
mil vezes nos-inganamos. Chamo aqui ideias, àquelas supozisoens que
fazemos, para explicar os efeitos da-natureza. Uma vez que nos-ocorre,
uma supozisam ou sistema, que nos-parece racionavel, sem demora
alguma o-abrasamos como verdadeiro; sem advertir, que muitos sistemas
diferentes, podem explicar provavelmente, a mesma coiza. Outra especie
de ideias que fazemos, sam as abstrasoens: seguindo as quais, muitos
julgam imprudentemente. Atribuimos a diversos efeitos, diversas cauzas:
sem advertir, que a mesma cauza pode produzir diferentes, e às vezes
incontrados efeitos. Daqui nacem, mil inganos na Fizica, v.g. as
virtudes que atribuimos, a muitos medicamentos, que nunca sonháram
telas.

A terceira cauza de ingano, sam as palavras, de que nos-servimos.
Intendemos, que muitos termos significam o mesmo, quando na verdade
nam sam sinonimos. As vozes servem, para explicar os pensamentos: e
como nem todos intendem o mesmo, nem todos vem a explicar o mesmo.
Das-sustancias inviziveis, nem todos sentîram o mesmo: temos o exemplo
nestas vozes, _Deus_, _Animus_, _Spiritus_, _Angelus_ &c. às quais
alguns antigos unîram certas ideias, e outros unîram diferentes. O
que intende um Deus, de figura umana: o que supoem, um Deus igneo: o
que o-julga, de um corpo sutilisimo: o que o-cre espiritual: todos
se-servem do-mesmo nome: o mesmo digo de outros nomes. Tambem os
Omens se-diversificam, na ideia das-sustancias corporeas: uma ideia
fórma o ignorante, do-_Corpo_: e outra mui diferente, o Filozofo.
Tambem nas definisoens de _Vicio_, _Virtude_, _Piedade_, _Santidade_,
_Justisa_, _Obrigasam_ &c. se-diversificam muito os omens: de que a
Istoria suministra, famozos exemplos. Os mesmos Dicionarios apontam
vozes, a que nós oje damos um sentido; e antigamente tinham outro: v.
g. _Navis_, _Triremis_ &c. Onde quem nam distingue com cuidado isto,
frequentemente se ingana, e discorre mal.

A quarta cauza dos-nosos inganos, sam os afetos do-animo; que produzem
infinitos erros. Eles impedem-nos muitas vezes, examinar bem as
materias, e por-consequencia, julgar bem. E muitas vezes fazem-nos
amar, ou dezejar o duvidozo por-certo. Os que abrasáram de todo o seu
corasam, uma doutrina; nam só nam se-cansam em examinar, as razoens
contrarias; mas nem o-podem fazer, porque as-nam-vem. Acrecento a
isto, que nem menos as-querem ver, aindaque lhas-oferesam: nem ainda
outras obras indiferentes, que saiem damesma pena, _in odium auctoris_.
Este justamente é o cazo que sucedeo neste Reino, a um Teologo meu
conhecido, que tinha abrasado a Ciencia media. Introu em uma livraria,
onde cazualmente abrio um livro, que tratava dos-prolegomenos
da-Escritura: lidos alguns paragrafos, louvou muito a materia, e o
metodo; e proguntou quem era o autor: e quando ouvio dizer, que era um
Dominicano, fechou logo o livro, e nam dise mais palavra. Comque, será
necesario despir-se, de todos os prejuizos; para intender as coizas
bem, e poder discorrer com acerto.

Conhecidos os erros, é necesario evitalos, procurando a verdade. Para
o-fazer, é precizo observar algum metodo. É pois o metodo aquela
operasam do-intendimento, tam necesaria em todo o genero de Ciencias:
e sem a qual nam se-pode discorrer bem. O discurso é aquele progreso,
que o intendimento faz, de um conhecimento para outro: o metodo
é o que prepara a materia, ao discurso. Desorteque a mente com o
metodo dispoem as ideias, em boa ordem: e com o discurso reconhece a
conveniencia delas. De duas sortes é o metodo. Dispomos as vezes os
nosos conhecimentos, de uma tal maneira, que dividimos a coiza que
queremos conhecer, nas suas partes: paraque asim as-posamos conhecer
todas, e consequentemente o todo. Este metodo chama-se rezolutivo,
ou _analitico_, que vale o mesmo. Emprega-se comumente, para
reconhecer a verdade de muitas questoens, e para descobrir, e adquerir
conhecimentos. A outra sorte de metodo é, quando devendo ensinar uma
doutrina aos outros, detal-sorte dispomos, os nosos conhecimentos; que
intendendo cada um deles, venha o dicipulo a conhecer, todo o corpo
da-Ciencia, que se-compoem, daquelas particulares doutrinas. Este
metodo chama-se compozitivo, ou _sintetico_, que sam sinonimos: ou
tambem metodo de _doutrina_, ou _didatico_, ou _didascalico_: que vale
o mesmo. E deste uzam comumente os bons mestres, quando ensinam alguma
materia.

Para nam nos-inganarmos no-metodo, é necesario ter diante dos-olhos,
que nós ignoramos a esencia, de todas as coizas. Onde ignoramos,
a esencia da-_Materia_, do-_Corpo_, das-_Fórmas_, do-_Espirito_,
e das-_nosas mesmas ideias_: é necesario antes de tudo, pór esta
advertencia. Isto suposto, fazem-se questoens indisoluveis, a que nam
podemos responder: que sam as que dependem, do-conhecimento da-esencia
das-coizas: e destas nam falamos. Temos alem diso questoens soluveis,
que se-dividem em trez especies: I. posto um atributo, progunta-se
qual é o sugeito que lhe-compete. II. posto o sugeito, progunta-se
qual atributo determinado lhe-compete. III. dado o atributo e sugeito,
progunta-se se um compete a outro. Trez sam as fontes donde se-tiram,
as solusoens de todas as questoens: Razam, Experiencia, e o Testemunho
dos-autores.

As leis do-metodo Analitico sam estas. Intender os vocabulos:
determinar as questoens: separar as partes delas: fugir de todo o
genero de equivocos: fugir das-oscuridades: establecer termos comuns,
e claros: intender os testemunhos e autoridades, em que se-funda.
Alem diso, saber os requizitos que sam necesarios, para intrar em uma
questam: v.g. para a Istoria, as Antiguidades, Cronologia, Geografia
&c. para a Fizica, a noticia das-melhores experiencias &c. Ler o
contexto, e ver as mais coizas que apontam os outros, para nam errar
no-criterio. Ter prezentes os canones, que comumente se-asinam, para
distinguir as obras supostas, das-verdadeiras.

O metodo Sintetico, ou metodo de mostrar a verdade, tem estas leis.
Nam admetir voz sem a-explicar: nam mudar o significado das-vozes: nam
concluir sem evidencia: nam inferir senam de principios provados. Quem
observa estas regras, pode ter a consolasam, que tem boa Logica.

Tendo visto o modo, com que o estudante se-deve regular, no-metodo
das-Ciencias; fica claro, como se-deve conter nas disputas publicas,
tanto argumentando, como respondendo. Deve pois argumentar com razoens,
e nam com palavras: fugindo de sofismas, como indignos de um Filozofo,
que sinceramente ama a verdade. Se quizer servir-se do-silogismo para
argumentar, pode fazèlo. Digo porem, que muitas vezes sem silogismo,
exporá melhor as suas razoens: servindo-se de um metodo de dialogo
curto, e claro.

No-que toca a responder, se o arguente se-servir de silogismos,
com boas razoens, pode seguir o mesmo metodo: se pois ele comesar
com o sofisma, é melhor reduzilo fóra da-Fórma, para lhe-ensinar a
argumentar. Em todo o cazo nam se-deve deixar pasar propozisam oscura,
que nam se-explique. Se V.P. obriga a explicar-se um sofista, e pòr
em pratos limpos, o que quer dizer nesta, ou naquela propozisam;
acabou-se o sofisma. Esta nam é ideia nova, de que se-devam admirar os
Dialeticos: eles o-praticam todos os dias argumentando, e respondendo.
Se o que distingue uma propozisam, uza de termos incognitos; ou se o
que argumenta, se-serve de semelhantes propozisoens; verá V. P. que
os mais advertidos Peripateticos, sam os primeiros a dizer-lhe, que
explique a propozisam, ou distinsam. Julgo pois, que o mesmo deve
fazer qualquer defendente, que tem a infelicidade, de ter um Dialetico
por-arguente. Ponha-se o estudante neste primeiro principio, de nam
deixar pasar palavras confuzas, como fazem os Geometras; e verá que
se-acabam, todas as disputas: as quais comumente versam, sobre a
diversa inteligencia dos-termos; e nam tem mais forsa, que aquela que
lhe-dá, a dispozisam artificial do-silogismo. Desorteque reduzido a
proza corrente, o que estava armado em silogismo, nam tem forsa alguma.

Tenho dado em breve a V.P. uma ideia da-Logica, que pode ser util
neste mundo, para todos os empregos. Isto necesitava ser provado, com
mais extensam; mas iso excede o metodo de uma carta. Do-que aponto,
compreende V. P. muito bem, como se-deve dispor a Logica, para servir
em todo o genero, de bom discurso. Digno é de admirasam, que aja quem
intenda, que a Logica somente deve servir, para a Teologia: e que
por-iso a-encham, de todos aqueles termos, que se-acham na Escolastica
comua: e fasam uma Logica, que nam serve para coiza alguma. Como se
os omens somente na Fizica, ou Teologia devesem discorrer bem; e nas
outras coizas mal! Persuado-me, que importa igualmente discorrer
bem, em todas as materias da-vida civil, que naquelas duas. A maior
parte dos-Omens, nam seguem aquela profisam, mas outras diferentes,
e nam menos utis à Republica; tanto nos-empregos altos, como baixos;
e asim é necesario, que tenham regras, para se-regular em todos os
seus empregos; quero dizer na politica publica, e privada, a que
chamam vulgarmente Economia. Cuido, que a Logica que apontei a V. P.
suministra meios proprios, para nam se-inganar em ideia alguma, quanto
é posivel ao Omem evitar os inganos, nesta vida mortal: e que por-este
principio se-deve preferir, a todas as outras. Toda a dificuldade oje
consiste em determinar, qual destas modernas, (porque das-Peripateticas
nenhuma se-deve ler) posa suministrar, as ideias que procuramos.
Nisto direi a V. P. o meu parecer, no-qual tenho alguns companheiros:
vem aser, que ainda até aqui nam tem aparecido alguma, que satisfasa
inteiramente, ao que dezejamos. Tenho lido quazi todas as modernas
impresas, algumas bem raras, e tambem algumas manuscritas: e achei que
muitos copiáram-se fielmente. Dos-outros que podemos chamar autores,
todos tem coizas boas, e deles se-pode tirar muito; mas nem tudo neles
é bom: alem diso algum deles é só para omens consumados, e nam para
rapazes: e sam mui difuzos. Onde para os principiantes, asento, que
ainda nam apareceo, a Logica dezejada. E asim será necesario, servirse
de alguma das-melhores, emendando-lhe os defeitos. Chegando eu aqui,
veio vizitar-me o Senhor * * * e proguntando-lhe com confiansa de
amigo, se sabia de alguma boa Logica; me respondeo, que o * * compoz
ultimamente toda a Filozofia, por-um modo excelente, que ele tinha
visto. Proguntei-lhe que me-explicáse, o metodo da-Logica: e despois de
o-ouvir, e considerar, asento que se-uniforma muito, à minha opiniam: e
pode ser que seja ainda mais claro, e mais util para os principiantes,
que este que asima apontei. Comque tem V. P. a Logica que dezejava:
sabe V. P. mui bem, de que pezo é o juizo deste amigo. Dise-me que
vencidas certas dificuldades ** faz conta impremila. Deus o-permita.
Isto é o que me-ocorre por-agora dizer a V. P. pedindo ao Senhor,
o-conserve por-muitos anos.


                         FIM DO PRIMEIRO TOMO.


NOTAS DE RODAPÉ:

[82] _In Logica, de Signis disp._ I. _in Prooemio_.



                                 ERROS


Tendo achado que estes erros sam mais frequentes nesta edisam; por iso
dou uma regra geral, para se-emendarem: os outros notam-se abaixo.

             Achando-se                          Leia-se

engano, dezengano, enganar,             ingano, dezingano, inganar,
 dezenganar.                             dezinganar.

comprimir, imprimir, oprimir,           compremir, impremir, opremir
  admitir, permitir, e outras            &c.
  vozes, que se-formam destes
  Infinitos: tirando algumas, que
  o autor excetua.

diminuir &c.                            deminuir &c.

entrar, encontrar, emportar,            intrar, incontrar, importar,
  enformar, engenhar, engenho; e         informar, ingenhar, ingenho &c.
  outras vozes e nomes que destes
  nacem.

parese, conhese &c.                     parece, conhece &c.

O acento que se-acha nos monosilabos, já, lá, cá, vè, lè; tambem é erro
do corretor: porque o autor só o-poem em dè, dá, dás, más, pòr _verbo_
&c. para os-distinguir das particulas, e vozes semelhantes. Como tambem
em pé, pés, só, e outra rarisima.

       ERROS.                                EMENDEM-SE.
Pagina 2. regra 3.  tal-vez                  talvez
p.  3.    r.  11.   superfla                 superflua
p.  4.    r.   5.   necessario               necesario
p.  5.    r.   6.   lisensa                  licensa
p.  6.    r. ult.   è necessario             é necesario
p.  7.    r.   6.   pola pola                pola
p.  9.    r.   4.   defa lingua              desa lingua
          r.  24.   maniera                  maneira
p. 10.    r.   1.   necessario               necesario
          r.  28.   enfina                   ensina
p. 11.    r.  22.   divido                   devido
p. 12.    r.   4.   propoziçam               prepozisam
          r.  33.   caracter                 carater
p. 13.    r.  11.   á mam                    à mam
          r.  18.   á memoria                à memoria
p. 14.    r. ult.   à Nasam                  á Nasam
p. 15.    r.  10.   discipulos               dicipulos
p. 17.    r.  26.   mais mais                mais
          r.  31.   necessario               necesario
p. 20.    r.  11.   partencentes             pertencentes
p. 24.    r.  28.   _indo_ Gerundio, ou      ou alguma
p. 28.    r.  14.   _Menahaã_                _Menhaã_
          r.  32.   naqual                   na qual
p. 29.    r.  16.   necessario               necesario
          r. ult.   afim                     asim
p. 30.    r.  12.   che                      que
          r.  22.   pronuneiar               pronunciar
p. 31.    r.   5.   esposta                  resposta
          r.  11.   _Ley Hey_                _Ley_, _Hey_
          r.  17.   sufficiente              suficiente
          r.  18.   ditongo,                 ditongo.
p. 34.    r.  13.   discipulos               discipulos
p. 35.    r.  24.   nestes                   nestas
p. 38.    r.   9.   estas                    estar
p. 40.    r.  11.   os seu                   os seus
p. 41.    r. penul. diver-se                 dizer-se
p. 43.    r.  3.    como _e_                 como n
p. 46.    r.  4.    ouro                     oiro
p. 47.    r. 29.    feguidas                 seguidas
p. 48.    r. 31.    algua                    alguma
p. 50.    r. 27.    efcrevem                 escrevem
p. 51.    r. 27.    odiscurso                o discurso
p. 52.    r. 27.    final                    sinal
p. 53.    r.  9.    repouzo                  repoizo
          r. 34.    prepozisoens prepozisam  propozisoens propozisam
p. 55.    r. 28.    mais-linguas             mais linguas
p. 56.    r. 13.    grosa obra               voluminoza obra
          r. ult.   _ergastual_              _ergastula_
p. 57.    r. 28.    plebejas                 plebeias
          r. 29.    Furetier                 Furetiere
p. 59.    r. 24.    de-donde                 donde
p. 60.   r.  26.    escrevo                  escreveo
p. 63.   r.   7.    esperar-fe               esperar-se
p. 64.   r. ult.    tres                     trez
p. 68.   r.  37.    _Coemediam_              _Comoediam_
p. 70.   r.  20.    explicaçam               Explicasam
p. 74.   r.   4.    _Latinidade_             _Latinidade_
p. 76.   r.  27.    omesmo                   o mesmo
p. 79.   r.  31.    Univerfidade             Universidade
p. 83.   r.  25.    determinado-lhe          determinando-lhe
p. 88.   r.  31.    Geograsia                Geografia
p. 95.   r.   4.    melhores                 melhores
         r.  20.    distingia                distinguia
           Nota     _Democrici_              _Democriti_
p. 96.   r.  37.    nam das                  nam dar
p. 98.   r.  35.    se-costumam              se-acostumam
p. 99.   r.   1.    _Valeio_                 _Velleio_
p. 100.  r.  14.    a istoria:               a istoria,
p. 103.  r.   1.    da-fua                   da-sua
         r.   4.    enfinar                  ensinar
p. 104.  r.  38.    de livos                 de livros
p. 115.  r.  19.    os quer                  os que
p. 119.  r.  17.    utilissimo               utilisimo
         r.  31.    o senhor                 o Senhor
         r.  32.    tratradinho              tratadinho
p. 126.  r.   5.    sensisiveis              sensiveis
         r.   7.    Advogago                 Advogado
p. 127.  r.  16.    tosta                    toda
p. 128.  r.  17.    à asam                   à asám
p. 130.  r.   6.    comuna                   comua
p. 133.  r.  30.    misericordía             mizericordia
p. 134.  r.  16.    _Líbano_                 _Libano_
         r.  24.    divedido                 dividido
         r.  25.    oque                     o que
p. 137.  r.  20.    Panigirista              Panegirista
p. 139.  r.  10.    come                     como
p. 140.  r.   7.    primeiio                 primeiro
p. 141.  r.  18.    Agostino                 Agostinho
p. 142.  r.   3.    major                    maior
p. 144.  r.  33.    _arhitratus_             _arbitratus_
p. 145.   r. 23.    na-gloria                na gloria
          r. 32.    Encarnasam               Incarnasam
p. 146.   r. 35.    divedidos                divididos
p. 148.   r.  3.    temou                    tomou
          r. 14.    as-que                   as que
          r. 36.    menham                   menhan
p. 149.   r. 29.    divedir                  dividir
p. 150.   r. 28.    divedir                  dividir
p. 152.   r. 22.    pederia                  pediria
p. 159.   r. 15.    miseravel                mizeravel
p. 168.   r. 25.    de genere                degenere
p. 170.     nota    _Philosopborum_          _Philosophorum_
p. 174.   r. 31.    consuza                  confuza
p. 175.   r.  2.    Manol                    Manoel
p. 180.   r. 32.    Trojananas               Troianas
p. 184.   r. 18.    famozifima               famozisima
          r. 23.    frequentemeete           frequentemente
p. 185.   r.  5.    bastaa                   bastava
p. 189.   r. 30.    deferir                  defirir
p. 190.   r. pen.   _Quantos_                _Quanto_
p. 191.   r. 35.    cohecimento              conhecimento
p. 192.   r.  2.    pouquifimos              pouquisimos
          r. 27.    reprensoens              repreensoens
          r. 29.    dizerm                   dizem
p. 197.   r.  2.    triunfo                  triumfo
p. 199.   r. 24.    salava                   falava
p. 200.   r. ult.   pená                     pena
p. 202.   r. 16.    lhechamar                lhe-chamar
p. 204.   r.  4.    infigne                  insigne
p. 205.   r. 33.    a provar                 aprovar
p. 208.   r.  2.    comunemente              comumente
p. 211.   r.  4.    e tratamento             o tratamento
p. 214.   r.  1.    justicar                 justificar
p. 217.   r. 29.    ofizeram                 o-fizeram
p. 218.   r. ult.   semelhanza               semelhansa
p. 219.   r. 23.    bem                      bom
p. 223.   r. 21.    todos                    todas
p. 226.   r. 35.    o-brigam                 o-obrigam
p. 232.   r.  2.    otantezimo               oitentezimo
p. 237.  r.   7.    em em                    em
p. 239.  r.   9.    Epigramma                Epigrama
p. 252.  r.  36.    algnm                    algum
p. 282.  r.  28.    mostra-lhe               mostrar-lhe
p. 285.  r. ult.    vizinhanza               vizinhansa
p. 286.  r.  23.    de de                    de
         r.  35.    fistema                  sistema

                                  FIM




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