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Title: Ley, porque V. Magestade ha por bem restituir aos indios do Grão Pará, e Maranhão a liberdade das suas pessoas, e bens etc.
Author: Anonymous
Language: Portuguese
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*** Start of this LibraryBlog Digital Book "Ley, porque V. Magestade ha por bem restituir aos indios do Grão Pará, e Maranhão a liberdade das suas pessoas, e bens etc." ***


this file were generously made available by Biblioteca
Nacional Digital (hhtp://bnd.bn.pt).



Notas de transcrição:

Pg 1: suprimida indicação na margem direita: "Num. II."
Pg 5: substituído "adminstraçaõ" por "administração"
Pg 5: substituído "pornullas" por "por nullas"
Pg 7: substituído "denossa" por "de nossa"
Pg 9: substituído "olivre" por "o livre"
Pg 10: substituído "comumicaçaõ" por "comunicaçaõ"



Dom Joseph por graça de Deos Rey de Portugal, e dos Algarves dáquem, e
dálem mar em Africa, Senhor de Guiné, e da Conquista, navegaçaõ, e
commercio de Ethiopia, Arabia, Persia, e da India, &c. Faço saber aos
que esta Ley virem, que, mandando examinar pelas pessoas do meu
Concelho, e por outros Ministros doutos, e zelosos do serviço de Deos, e
meu, e do bem commum dos meus Vassallos, que me pareceo consultar, as
verdadeiras causas com que desde o descobrimento do Graõ Pará, e
Maranhaõ até agora naõ só se naõ tem multiplicado, e civilizado os
Indios daquelle Estado; desterrando-se delle a barbaridade, e o
gentilismo, e propagando-se a doutrina Christãa, e o numero dos Fiéis
allumiádos da luz do Evangelho; mas antes pelo contrario todos quantos
Indios se desceraõ dos Sertoens para as Aldeas em lugar de propagarem, e
prosperarem nellas de sorte, que as suas cõmodidades, e fortunas
servissem de estimulo aos que vivem dispersos pelos matos para virem
buscar nas povoaçoens pelo meio das felicidades temporaes o maior fim da
bemaventurança eterna, unindo-se ao gremio da Santa Madre Igreja se tem
visto muito diversamente, que, havendo descido muitos milhoens de
Indios, se foraõ sempre extinguindo de modo, que he muito pequeno o
numero das povoaçoens, e dos moradores dellas; vivendo ainda estes
poucos em taõ grande miseria, que em vez de convidarem, e animarem os
outros Indios barbaros a que os imitem, lhes servem de escandalo para se
internarem nas suas habitaçoens silvestres com lamentavel prejuizo da
salvaçaõ das suas Almas, e grave damno do mesmo Estado, naõ tendo os
habitantes delle quem os sirva, e ajudem para colherem na cultura das
terras os muitos, e preciosos frutos em que ellas abundaõ: Foi assentado
por todos os votos, que a causa, que tem produzido taõ perniciosos
effeitos, consistio, e consiste ainda em se naõ haverem sustentado
efficazmente os ditos Indios na liberdade, que a seu favor foi declarada
pelos Summos Pontifices, e pelos Senhores Reys meus predecessores,
observando-se no seu genuino sentido as Leys por elles promulgadas sobre
esta materia nos annos de mil e quinhentos e setenta, mil e quinhentos
oitenta e sete, mil e quinhentos noventa e cinco, mil seiscentos e nove,
mil e seiscentos e onze, mil seiscentos quarenta e sete, mil e
seiscentos sincoenta e sinco: cavillando-se sempre pela cubiça dos
interesses particulares as disposiçoens destas Leys, até que sobre este
claro conhecimento, e sobre a experiencia do que havia passado a
respeito dellas, estabeleceo ElRey meu Senhor, e Avô, no primeiro de
Abril de mil e seiscentos e oitenta (para de huma vez obviar a taõ
perniciosas fraudes) a Ley, cujo teor he o seguinte.


_Ley do primeiro de Abril de mil seiscentos e oitenta._

«Dom Pedro Principe de Portugal, e dos Algarves como Regente, e
successor destes Reynos &c. Faço saber aos que esta Ley virem, que sendo
informado ElRey meu Senhor, e Pay que Deos tem, dos injustos cativeiros,
a que os moradores do Estado do Maranhaõ por meios illicitos reduziaõ os
Indios delle, e dos graves damnos, excessos, e offensas de Deos, que
para este fim se cõmettiaõ, fez huma Ley nesta Cidade de Lisboa em nove
de Abril de mil seiscentos sincoenta e sinco, em que prohibio os ditos
cativeiros, exceptuando quatro casos, em que de direito eraõ justos, e
licitos; a saber quando fossem tomados em justa guerra, que os
Portuguezes lhe movessem, intrevindo as circumstancias na dita Ley
declaradas; ou quando impedissem a prégaçaõ Evangelica, ou quando
estivessem prezos á corda para serem comidos; ou quando fossem remdidos
por outros Indios, que os houvessem tomado em guerra justa,
examinando-se a justiça della na fórma ordenada na dita Ley. E por naõ
haver sido efficaz este remedio, nem o de outras Leys antecedentes do
anno de mil e quinhentos e setenta, mil quinhentos oitenta e sete, mil
quinhentos noventa e sinco, mil seiscentos sincoenta e dous, mil
seiscentos sincoenta e tres, com que o dito Senhor Rey meu Pay, e outros
Reys seus predecessores procuraraõ atalhar este damno; antes se haver
continuado até o presente com grave escandalo, e excessos contra o
serviço de Deos, e meu; impedindo-se por esta causa a conversaõ daquella
gentilidade, que desejo promover, e adiantar, o que deve ser, e he o meu
primeiro cuidado; tendo mostrado a experiencia que, supposto sejaõ
licitos os cativeiros por justas razoens de Direito nos casos
exceptuados na dita ultima Ley de seiscentos sincoenta e sinco, e nas
anteriores, com tudo que saõ de maior ponderaçaõ as razoens que ha em
contrario para os prohibir em todo o caso, serrando a porta aos
pretextos simulaçoens, e dólos com que a malicia abusando dos casos, em
que os cativeiros saõ justos, introduz os injustos, enlaçando-se as
consciencias, naõ sómente em privar da liberdade aquelles a quem a
communicou a natureza, e que por Direito natural, e positivo saõ
verdadeiramente livres; mas tambem nos meios illicitos de que usaõ para
este fim: Desejando reparar taõ graves damnos, e inconvenientes, e
principalmente facilitar a conversaõ daquelles Gentios, e pelo que
convém ao bom governo, tranquillidade, e conservaçaõ daquelle Estado,
com parecer dos do meu Conselho, ponderada esta materia com a madureza,
que pedia a importancia della; e examinando-se as Leys antigas, e as que
especialmente sobre este particular se estabeleceraõ para o Estado do
Brasil, onde por muitos annos se experimentaraõ os mesmo damnos, e
inconvenientes, que ainda hoje duraõ, e se sentem no do Maranhaõ: Houve
por bem mandar fazer esta Ley, conformando-me com a antiga de trinta de
Julho de seiscentos e nove, e com a Provisaõ que nella se refere de
sinco de Julho de seiscentos e sinco passadas para todo o Estado do
Brasil. E renovando a sua disposiçaõ ordeno, e mando que da qui em
diante se naõ possa cativar Indio algum do dito Estado em nenhum caso,
nem ainda nos exceptuados nas ditas Leys, q̃ Hei por derogadas, como se
dellas, e das suas palavras fizera expressa, e declarada mençaõ, ficando
no mais em seu vigor: e succedendo que algũ a pessoa, de qualquer
condiçaõ, e qualidade que seja, cative, e mande cativar algũ Indio
publica ou secretamente, por qualquer titulo, ou pretexto que seja, o
Ouvidor geral do dito Estado o prenda, e tenha a bom recato, sem neste
caso conceder Homenagem, Alvará de fiança, ou fiéis Carcereiros; e com
os autos, que formar, o remetta a este Reino entregue ao Capitaõ, ou
Mestre do primeiro Navio, que para elle vier, para nesta Cidade o
entregar no Limoeiro della, e me dar conta para o mandar castigar como
me parecer. E tanto que o dito Ouvidor geral lhe constar do dito
cativeiro porá logo em sua liberdade o dito Indio, ou Indios,
mandando-os para qualquer das Aldeas dos Indios Catholicos, e livres,
que elle quizer. E para me ser mais facilmente presente se esta Ley se
observa inteiramente: Mando que o Bispo, e Governador daquelle Estado, e
os Prelados das Religioens delle, e os Parocos das Aldeas dos Indios,
me dem conta pelo Conselho Ultramarino, e Junta das Missoens dos
transgressores, que houver da dita Ley, e de tudo o que nesta materia
tiverem noticia, e for conveniente para a sua observancia. E succedendo
mover-se a guerra defensiva, ou offensiva a alguma Naçaõ dos Indios do
dito Estado nos casos, e termos, em que por minhas Leys, e ordens he
permittido; os Indios, que na tal guerra forem tomados, ficaráõ sómente
prizioneiros como ficaõ as pessoas que se tomaõ nas guerras de Europa, e
sómente o Governador os repartirá como lhe parecer mais conveniente ao
bem, segurança do Estado, pondo-os nas Aldeas dos Indios livres
Catholicos, onde se possaõ reduzir á Fé, e servir o mesmo Estado, e
conservarem-se na sua liberdade, e com o bom tratamento, que por ordens
repetidas está mandado, e de novo mando, e encommendo se lhe dê em tudo,
sendo severamente castigado quem lhes fizer qualquer vexaçaõ, e com
maior rigor os que lhas fizerem no tempo em que delles se servirem por
se lhes darem na repartiçaõ. Pelo que mando aos Governadores, e
Capitaens móres, Officiaes da Camera e mais Ministros do Estado do
Maranhaõ, de qualquer qualidade, e condiçaõ que sejaõ, a todos em geral,
e a cada hum em particular, cumpraõ, e guardem esta Ley, que se
registarà nas Cameras do dito Estado; e por ella Hei por derogadas naõ
sómente as sobreditas Leys, como assima fica referido; mas todas as
mais, e quaesquer Regimentos, e Ordens, que haja em contrario ao
disposto nesta, que sómente quero que valha, tenha força, e vigor, como
nella se contém, sem embargo de naõ ser passada pela Chancellaria, e das
Ordenaçoens, e Regimentos em contrario. Lisboa, o primeiro de Abril de
mil seiscentos e oitenta.»

*PRINCIPE.*

       *       *       *       *       *

E porque o tempo foi cada dia fazendo mais notorias, e mais
demonstrativas as justissimas causas, em que se estabeleceo esta Ley
para restituir aos Indios a sua antiga, e natural liberdade, fechando a
porta ás impiedades, e ás malicias, com que debaixo do pretexto dos
casos, em que antes, e depois della, se permittio o cativeiro se faziaõ
escravos os referidos Indios, sem mais razaõ, que a cubiça, e a força
dos que cativavaõ, e a rusticidade, e fraqueza dos chamados cativos: Sou
servido, com o parecer das mesmas Pessoas, e Ministros, derogar, e
annullar; como por esta derogo, e annullo todas as Leys, Regimentos,
Resoluçoens, e ordens que desde o descobrimento das sobreditas
Capitanías do Graõ Pará, e Maranhaõ até o presente dia permittiraõ,
ainda em certos casos particulares, a escravidaõ dos referidos Indios, e
no mais em que a esta Ley forem contrarias, para nesta parte sómente
ficarem derogadas, e cassadas, como se da substancia de cada huma dellas
fizesse aqui expressa, e especial mençaõ, sem embargo da Ordenaçaõ do
livro segundo, titulo quarenta e quatro em contrario: Renovando, e
excitando a inteira, e inviolavel observancia da sobredita Ley assima
trasladada, e isto com as ampliaçoens, declaraçoens, e restricçoens, que
ao diante se seguem.

Por obviar mais efficazmente as calamidades, que se tem seguido da
escravidaõ; e por cortar de huma vez todas as raizes, e apparencias
della: Ordeno que nos Indios, que ao tempo da publicaçaõ desta se
acharem dados por repartiçaõ, ou ainda por administraçaõ, se observem as
disposiçoens do Alvará de dez de Novembro de mil seiscentos e quarenta e
sete: cujo teor he o seguinte.


_Ley de dez de Novembro de mil seiscentos quarenta e sete,_

«Eu ElRey faço saber aos que este Alvará virem, que, tendo consideraçaõ
ao grande prejuizo, que se segue ao serviço de Deos, e meu, e ao
augmento do Estado do Maranhaõ, de se darem por administraçaõ os
Gentios, e Indios daquelle Estado, por quanto os Portuguezes, a quem se
daõ estas administraçoens, usaõ taõ mal dellas, que os Indios, que estaõ
debaixo das mesmas administraçoens, em breves dias de serviço ou
morrerem á pura fome, e excessivo trabalho, ou fogem pela terra dentro,
onde a poucas jornadas perecem, tendo por esta causa perecido, e acabado
innumeravel gentio no Maranhaõ, Pará, e em outras partes do Estado do
Brasil: Pelo que Hei por bem mandar declarar por Ley (como por esta
faço, e como o declararaõ já os Senhores Reys deste Reino, e os Summos
Pontifices) que os Gentios saõ livres, e que naõ haja administradores,
nem administraçaõ, havendo por nullas, e de nenhum effeito todas as que
estiverem dadas, de modo que naõ haja memoria dellas; e que os Indios
possaõ livremente servir, e trabalhar com quem bem lhes estiver, e
melhor lhes pagar seu trabalho. Pelo que mando ao Governador do dito
Estado do Maranhaõ, e a todos os mais Ministros delle, de Justiça,
Guerra, e Fazenda, à todos em geral, e a cada hum em particular, e aos
Officiaes das Cameras do mesmo Estado, que nesta conformidade cumpraõ, e
guardem este Alvará, fazendo publicar em todas as Capitanias, Villas, e
Cidades, que os Indios saõ livres, naõ consentindo outro fim, que haja
Administradores, nem administraçaõ, havendo por nullas, e de nenhum
effeito todas as que tiverem dadas, na fórma que assima se refere;
porque assim o Hei po bem. E este quero que valha como Carta, sem
embargo da Ordenaçaõ do segundo livro, titulo quarenta em contrario.
Manoel Antunes o fez em Lisboa a dez de Novembro de mil seiscentos
quarenta e sete: e este vai por duas vias.»

*REY.*

       *       *       *       *       *

Declarando-se por Editaes póstos nos lugares publicos das Cidades de
Belem do Graõ Pará, e de S. Luiz do Maranhaõ, que os sobreditos Indios
como livres, e izentos de toda a escravidaõ pódem dispor das suas
pessoas, e bens como melhor lhes parecer, sem outra sujeiçaõ temporal,
que naõ seja a que devem ter ás minhas Leys, para á sombra dellas
viverem na paz, e uniaõ Christãa, e na sociedade Civîl, em que, mediante
a Divina graça, procuro manter os Póvos, que Deos me confiou, nos quaes
ficaraõ incorporados os referidos Indios sem distincçaõ, ou excepçaõ
alguma, para gozarem todas as honras, privilegios, e liberdades, de que
os meus Vassallos gozaõ actualmente conforme as suas respectivas
graduaçoens, e cabedaes.

O que tudo se extenderá tambem aos Indios, que estiverem possuidos como
escravos; observando-se a respeito delles inviolavelmente o Paragrafo
nove da Ley de dez de Setembro de mil e seiscentos e onze, cujo teor he
o seguinte.

«E por quanto sou informado, que em tempo de alguns Governadores
passados daquelle Estado se cativaraõ muitos Gentios contra a fórma das
Leys de ElRey meu Senhor, e Pay, e do Senhor Rey D. Sebastiaõ meu Primo,
que Deos tem, e principalmente nas terras de Jaguaribe: Hei por bem, e
mando que assim os ditos Gentios, como outros quaesquer, que até á
publicaçaõ desta Ley forem cativos, sejaõ todos livres, e póstos em sua
liberdade; e se tirem do poder de quaesquer pessoas, em cujo poder
estiverem, sem replica, nem dilaçaõ, nem serem ouvidos com embargos, nem
acçaõ alguma, de quarquer qualidade, e materia que sejaõ, e sem se lhes
admittir appellaçaõ, nem aggravo, posto que alleguem estarem delles de
posse, e que os compraraõ, e por sentenças lhes foraõ julgados por
cativos: por quanto por esta declaro as ditas vendas, e sentenças por
nullas: ficando resguardada sua justiça aos compradores contra os que
lhos venderaõ: e dos ditos Gentios se faraõ tambem as Aldeas, que forem
necessarias; e assim nellas, como nas mais, que já houver, e estaõ
domesticas, se terá a mesma ordem, e governo, que por esta se ordena
haja nas mais, que de novo se fizerem.»

Desta geral disposiçaõ exceptuo sómente os oriundos de pretas escravas,
os quaes seraõ conservados no dominio dos seus actuaes senhores, em
quanto Eu naõ der outra providencia sobre esta materia.

Porém para que com o pretexto dos sobreditos descendentes de pretas
escravas, se naõ retenhaõ ainda no cativeiro os Indios que saõ livres:
estabeleço que o beneficio dos Editaes assima ordenados se extenda a
todos os que se acharem reputados por Indios, ou que taes parecerem,
para que todos elles sejaõ havidos por livres sem a dependencia de mais
prova, do que a plenissima que a seu favor resulta da presumpçaõ de
Direito Divino, Natural, e Positivo, que está pela liberdade, em quando
por outras provas tambem plenissimas, e taes, que sejaõ bastantes para
illudirem a dita presumpçaõ conforme o Direito, se naõ mostrar que
effectivamente saõ escravos na sobredita fórma: incumbindo sempre o
encargo da prova aos que requerem contra a liberdade, ainda sendo Reos.

Os que nos casos occurrentes se julgará breve, summariamente, e de plano
pela verdade sabida em huma só instancia. Para ella seraõ preparados os
autos pelos Ouvidores geraes nas suas respectivas jurisdicçoens, e os
proporaõ em Junta, a que assistiraõ o Prelado Diecesano, ou o Ministro
que elle deputar no seu lugar para este effeito, o Governador, os quatro
Prelados maiores dos Missoens da Companhia de JESUS, de nossa Senhora do
Monte do Carmo, dos Religiosos Capuchos da Provincia de Santo Antonio, e
de nossa Senhora das Mercês, o dito Ouvidor geral, o Juiz de fóra, e o
Procurador dos Indios: Vencendo-se pela pluralidade de votos cõntra a
liberdade: e bastando a favor della, que sejaõ iguaes os mesmos votos:
os quaes em nenhum caso se poderaõ dar sem que estejaõ presentes os
Vogaes acima referídos, ou as pessoas que seus lugares servirem; a menos
que se naõ escusem, sendo advertidos, para o referido acto, com recado
por escrito; porque escusando-se algum, ou alguns delles, por se acharem
impedidos, se autuará a escusa, e se expedirá sempre a causa com os que
estiverem presentes, com tanto que haja sempre tres votos conformes para
se vencer a decisaõ. E das sentenças, proferidas na sobredita fórma, naõ
poderá haver appellaçaõ suspensiva, que retarde a sua execuça, nem outro
algum recurso, que naõ seja devolutivo, interpondo-se para o Tribunal da
Meza da Consciencia, e Ordens, onde estas causas seraõ sentenceadas na
sobredita fórma; com preferencia a quaesquer outras, como convém para o
serviço de Deos, e meu, em huma materia taõ grave, e delicada, que
involve em si os bens espirituaes, e temporaes daquelle Estado.

E para que os moradores delle possaõ achar quem lhes faça as suas obras,
e lhes cultive as suas terras ainda dentro nellas, sem a dependencia de
mandarem vir obreiros, e trabalhadores de fóra, e os Indios naturaes do
Paiz possaõ tambẽ achar a sua conveniencia em se applicarem ás
referidas obras, e serviços; fazendo assim huns aos outros aquelles
reciprocos interesses, em que consistem o estabelecimento, e o augmento,
a multiplicaçaõ, e a prosperidade de todos os Póvos civilizados, e
polidos, nos quaes sempre cresce o numero dos operarios á proporçaõ das
lavouras, e das manufacturas, que nelles se cultivaõ: Hei por bem, que,
logo que esta se publicar na Cidade de Belem do Graõ Pará, o Governador,
e Capitaõ General daquelle Estado, ou quem seu cargo servir, convocando
a Junta os Ministros Letrados daquella Capital, e ouvindo o Governador,
e os Ministros da Cidade de S. Luis do Maranhaõ, com acordo das duas
respectivas Cameras, estabeleça aos sobreditos Indios os jornaes
competentes para se alimentarem, e vestirem segundo as suas differentes
profissoens; conformando-se com o que a este respeito se pratíca nestes
Reinos, e nos mais da Europa, em quanto os preços cõmuns do mesmo Estado
puderem premitillos; e servindo para este effeito de regras os exemplos
seguintes: Primeiro exemplo, se em Lisboa custa o sustento de hum homem
de trabalho hum tostaõ, e he por isso de dous tostões o jornal de um
trabalhador; a esta imitaçaõ se deve taxar a cada Indio de serviço por
jornal o dobro do que lhe he preciso para o diario sustento regulado
pelos preços da terra: Segundo exemplo, se hum artifice ganha em Lisboa
tres tostoens por dia, e hum trabalhador sómente dous tostoens, a esta
imitaçaõ se taxará aos artifices do referido Estado ametade mais do
jornal, que se houver arbitrado aos trabalhadores.

Todos os referidos jornaes seraõ pagos por ferias nos Sabbados de cada
semana, cobrando-se assim nas quintas em q̃ houverem sido taxados, ou em
panno ou em ferramenta, ou em dinheiro, como melhor lhe parecer aos que
os ganharem; procedendo-se por elles verbal, e executivamente, como já
foi declarado por Alvará de doze de Novembro de mil seiscentos quarenta
e sete; e observando-se as sobreditas taxas sem embargo do dito Alvará;
do Capitulo quarenta e oito do antigo Regimento; dos outros Alvarás, de
vinte nove de Setembro de mil seiscentos quarenta e oito, e doze de
Julho de mil seiscentos sincoenta e seis, e de todas as mais
disposições, e taxas até agora estabelecidas, as quaes todas Hei tambem
nesta parte por derogadas como se dellas fizesse especial mençaõ, naõ
obstãte a Ordenaçaõ do livro segundo titulo quarenta e quatro, e as mais
disposiçoens de Direito a ella similhantes.

Porque naõ bastaria para restabelecer, e adiantar o referido Estado, que
os Indios fossem restituidas á liberdade das suas pessoas na sobredita
fórma, se com ella se lhes naõ restituisse tambem o livre uso dos seus
bens, que até agora se lhes impedio com manifesta violencia: Ordeno que
a este respeito se execute logo a disposiçaõ do paragrafo quarenta do
Alvará do primeiro de Abril de mil seiscentos e oitenta: cujo teor he o
seguinte.

«E para que os ditos Gentios, que assim descerem, e os mais que ha de
presente, melhor se conservem nas Aldeas, Hei por bem, que sejaõ
senhores de suas fazendas, como o saõ no sertaõ, sem lhes poderem ser
tomadas nem sobre ellas se lhes fazer molestia. E o Governador com
parecer dos ditos Religiosos assinará aos que descerem do Sertaõ lugares
convenientes para nelles lavrarem, e cultivarem, e naõ poderáõ ser
mudados dos ditos lugares contra sua vontade; nem seraõ obrigados a
pagar foro, ou tributo algum das ditas terras, ainda que estejaõ dadas
em Sesmarías a pessoas particulares, porque na concessaõ destas se
reserva sempre o prejuizo de terceiro, e muito mais se entende, e quero
se entenda ser reservado o prejuizo, e direito dos Indios, primarios, e
naturaes senhores dellas.»

Em observancia de cuja disposiçaõ, que Hei por bem renovar, e mandar
executar inviolavelmente, sem maior dilaçaõ daquella, q̃ até agora houve
em taõ importãte negocio, o mesmo Governador, e Capitaõ General ou quem
no seu lugar estiver, fazendo erigir em Villas as Aldeas, que tiverem o
competente numero de Indios, e as mais pequenas em lugares, e repartir
pelos mesmo Indios as terras adjacentes ás suas respectivas Aldeas:
praticará nestas fundaçoens, e repartiçoens (em quanto for possivel) a
politica que ordenei para a fundaçaõ da _Villa Nova de S. Joseph do Rio
Negro_: Sustentando se os Indios, a cujo favor se fizerem as ditas
demarcações, no inteiro dominio, e pacifica posse das terras, que se
lhes adjudicarem para gozarem dellas per si, e todos seus herdeiros: E
sendo castigados os que, abusando da sua imbecillidade, os perturbarem
nellas, e na sua cultura, com toda a severidade, que as Leys
permittirem.

E porque sendo o meu principal intento dilatar a prégaçaõ do Santo
Evagelho, procurar trazer ao gremio da Igreja aquelle numeroso
Paganismo; e muitas das Naçoens daquelles Gentios estaõ em partes mui
remotas, vivendo nas trévas da ignorancia, e difficultosamente se
persuadiraõ a descer para as Povoações, que até agora se achaõ
estabelecidas para que ainda no interior dos Sertoens lhes naõ falte o
Pasto espiritual: Hei por bem que nelle sejaõ aldeados na sobredita
fórma; levantando-se Igrejas, e convocando-se Missionarios, que instruaõ
os ditos Indios na Fé, e os concervem nella.

E havendo mostrado a experiencia de tantos annos, que este meu primeiro
fim se naõ conseguirá nunca se naõ for pelo proprio, e efficaz meio de
se civilizarem este Indios; sendo ao mesmo passo exhortados, e animados
a cultivarem as terras; para que, aproveitando-se dos frutos, e drogas,
que ellas produzem, e cõmutando-as com os habitantes dos lugares
maritimos pela facilidade, que para isso lhe daõ os rios, possaõ na
frequencia desta comunicaçaõ deixar seus barbaros costumes; com o que,
além da utilidade espiritual, e temporal dos sobreditos Indios
silvestres, crescerá o commercio da quelle Estado com grande
conveniencia dos moradores delle; tẽ do entre outras as de q̃ por este
modo se serviráõ os ditos moradores dos Indios mais remotos para
consegirem os frutos, e as drogas do Sertaõ, sem o trabalho, e dispezas
das navegaçoens, que até agora faziaõ para transportarem os referidos
generos agrestes, e incultos de partes mui distantes; e de que assim
conservaráõ os outros Indios vizinhos das Aldeas dentro nellas, valendo
se delles para o serviço das suas lavouras, e obras, sem consumirem nas
viagens do Sertaõ, como até agora succedia: Hei outro fim por bem, que o
sobredito Governador, e Capitaõ General, e os que lhe succederem,
appliquem tambẽ hum exacto cuidado na instrucçaõ civil dos referidos
Indios, que forem aldeados nos Sertoens, fazendo-lhes conservar as
libredades das suas pessoas, bens, e cõmercio: e naõ permittindo que
este lhes seja interrompido, ou usurpado debaixo de qualquer titulo, ou
pretexto por mais especioso que seja: e recõmendando aos Missionarios, e
ordenando aos Ministros seculares, que lhes dem conta das violencias que
se fizerem aos ditos respeitos, para se proceder logo contra os que as
houverem feito com o prompto castigo que requer a gravidade da materia.

Pelo que mando aos Capitaens Generaes, Governadores, Ministros, e
Officiaes de Guerra, e das Cameras do Estado do Graõ Pará, e Maranhaõ,
de qualquer qualidade, e condiçaõ que sejaõ, a todos em geral, e a cada
hum em particular, cumpraõ, e guardem esta Ley, que se registará nas
Cameras do dito Estado; e por ella Hei por derogadas naõ sómente as Leys
assima indicadas, e referidas, mas tambem todas as mais, e quaesquer
Regimentos, e Ordens, que haja em contrario ao disposto nesta, que
sómente quero que valha, e tenha força, e vigor como nella se contém,
sem embargo de naõ ser passada pela Chancellaria, e das Ordenaçoens do
livro segundo, titulo trinta e nove, quarenta, quarenta e quatro, e
Regimento em contrario. Lisboa a seis de Junho de mil e setecentos
sincoenta e sinco.

*REY.*

       *       *       *       *       *

_Sebastiaõ Joseph de Carvalho e Mello._



_Ley, porque V. Magestade ha por bem restituir aos Indios do Graõ Pará,
e Maranhaõ a liberdade das suas pessoas, e bens, e commercio: na forma
que nella se declara._

       *       *       *       *       *

Para V. Magestade ver.

       *       *       *       *       *

_Manoel Gomes de Almeida_ a fez.

       *       *       *       *       *

Registada na Secretaria de Estado dos Negocios extrangeiros, e da
Guerra, no livro primeiro da Companhia do Graõ Pará, e Maranhaõ.





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