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Title: Livro de Máguas Author: Espanca, Florbela, 1894-1930 Language: Portuguese As this book started as an ASCII text book there are no pictures available. *** Start of this LibraryBlog Digital Book "Livro de Máguas" *** produced from images generously made available by National Library of Portugal (Biblioteca Nacional de Portugal).) FLORBELA ESPANCA Livro de Máguas MCMXIX LIVRO DE MÁGUAS FLORBELA ESPANCA LIVRO DE MÁGUAS MCMXIX _A meu Pai_ Ao meu melhor amigo Á querida Alma irmã da minha, _Ao meu Irmão_ Procuremos sòmente a Beleza, que a vida É um punhado infantil de areia resequida, Um som dágua ou de bronze e uma sombra que passa... Eugénio de Castro. Isolés dans l'amour ainsi qu'en un bois noir, Nos deux coeurs, exalant leur tendresse paisible, Seront deux rossignols qui chantent dans le soir. Verlaine. *Êste livro*... ÊSTE LIVRO... Êste livro é de máguas. Desgraçados Que no mundo passais, chorae ao lê-lo! Sòmente a vossa dor de Torturados Pode, talvez, senti-lo... e compreendê-lo... Este livro é p'ra vós, Abençoados Os que o sentirem, sem sêr bom nem belo! Bíblia de tristes... Ó Desventurados, Que a vossa imensa dôr se acalme ao vê-lo! Livro de Máguas... Dôres... Ansiedades! Livro de Sombras... Névoas... e Saudades! Vai pelo mundo... (Trouxe-o no meu seio...) Irmãos na Dôr, os olhos razos de agua, Chorae comigo a minha imensa mágua, Lendo o meu livro só de máguas cheio!... *Vaidade* VAIDADE Sonho que sou a Poetisa eleita, Aquela que diz tudo e tudo sabe, Que tem a inspiração pura e perfeita, Que reúne num verso a imensidade! Sonho que um verso meu tem claridade Para encher todo o mundo! E que deleita Mesmo aqueles que morrem de saudade! Mesmo os de alma profunda e insatisfeita! Sonho que sou Alguem cá neste mundo... Aquela de saber vasto e profundo, Aos pés de quem a terra anda curvada! E quando mais no ceu eu vou sonhando, E quando mais no alto ando voando, Acordo do meu sonho... E não sou nada!... *Eu*... EU... Eu sou a que no mundo anda perdida, Eu sou a que na vida não tem norte, Sou a irmã do Sonho, e desta sorte Sou a crucificada... a dolorida... Sombra de névoa ténue e esvaecida, E que o destino amargo, triste e forte, Impele brutalmente para a morte! Alma de luto sempre incompreendida!... Sou aquela que passa e ninguem vê... Sou a que chamam triste sem o sêr... Sou a que chora sem saber porquê... Sou talvez a visão que Alguem sonhou, Alguem que veio ao mundo p'ra me vêr, E que nunca na vida me encontrou! *Castelã da Tristêsa* CASTELÃ DA TRISTÊSA Altiva e couraçada de desdem, Vivo sòsinha em meu castelo: a Dôr! Passa por êle a luz de todo o amôr.... E nunca em meu castelo entrou alguem! Castelã da Tristêsa, vês?... A quem?!... --E o meu olhar é interrogadôr-- Perscruto, ao longe, as sombras do sol-pôr... Chora o silêncio... nada... ninguem vem... Castelã da Tristêsa, porque choras Lendo, toda de branco, um livro de oras, Á sombra rendilhada dos vitrais?... Á noite, debruçada p'las ameias, Porque rezas baixinho?... Porque anseias?... Que sonho afagam tuas mãos reais?... *Tortura* TORTURA Tirar dentro do peito a Emoção, A lucida Verdade, o Sentimento! --E ser, depois de vir do coração, Um punhado de cinza esparso ao vento!... Sonhar um verso d'alto pensamento, E puro como um rythmo d'oração! --E ser, depois de vir do coração, O pó, o nada, o sonho dum momento!... São assim ôcos, rudes, os meus versos: Rimas perdidas, vendavaes dispersos, Com que eu iludo os outros, com que minto! Quem me déra encontrar o verso puro, O verso altivo e forte, extranho e duro, Que dissesse, a chorar, isto que sinto!! *Lágrimas ocultas* LÁGRIMAS OCULTAS Se me ponho a scismar em outras éras Em que ri e cantei, em que era qu'rida, Parece-me que foi noutras esféras, Parece-me que foi numa outra vida... E a minha triste bôca dolorida Que dantes tinha o rir das primavéras, Esbate as linhas graves e severas E cae num abandôno de esquecida! E fico, pensativa, olhando o vago... Toma a brandura plácida dum lago O meu rôsto de monja de marfim... E as lágrimas que choro, branca e calma, Ninguem as vê brotar dentro da alma! Ninguem as vê cair dentro de mim! *Torre de névoa* TORRE DE NÉVOA Subi ao alto, á minha Torre esguia, Feita de fumo, névoas e luar, E puz-me, comovida, a conversar Com os poetas mortos, todo o dia. Contei-lhes os meus sonhos, a alegria Dos versos que são meus, do meu sonhar, E todos os poetas, a chorar, Responderam-me então: «Que fantasia, Creança doida e crente! Nós tambêm Tivemos ilusões, como ninguem, E tudo nos fugiu, tudo morreu!...» Calaram-se os poetas, tristemente... E é desde então que eu choro amargamente Na minha Torre esguia junto ao Ceu!... *A minha Dôr* A MINHA DÔR _A Você_ A minha Dôr é um convento ideal Cheio de claustros, sombras, arcarias, Aonde a pedra em convulsões sombrias Tem linhas dum requinte escultural. Os sinos teem dobres d'agonias Ao gemer, comovidos, o seu mal... E todos teem sons de funeral Ao bater horas, no correr dos dias... A minha Dôr é um convento. Ha lírios Dum roxo macerado de martírios, Tão belos como nunca os viu alguem! Nesse triste convento aonde eu móro, Noites e dias reso e grito e chóro! E ninguem ouve... ninguem vê... ninguem... *Dizêres íntimos* DIZÊRES INTIMOS É tão triste morrer na minha idade! E vou ver os meus olhos, penitentes Vestidinhos de rôxo, como crentes Do soturno convento da Saudade! E logo vou olhar (com que ansiedade!...) As minhas mãos esguias, languescentes, De brancos dedos, uns bébés doentes Que hão de morrer em plena mocidade! E ser-se novo é ter-se o Paraiso, É ter-se a estrada larga, ao sol, florida, Aonde tudo é luz e graça e riso! E os meus vinte e tres anos... (Sou tão nova!) Dizem baixinho a rir: «Que linda a vida!...» Responde a minha Dôr: «Que linda a cova!» *As minhas Ilusões* AS MINHAS ILUSÕES Hora sagrada dum entardecer D'Outono, á beira mar, côr de safira. Sôa no ar uma invisivel lira... O sol é um doente a enlanguescer... A vaga estende os braços a suster, Numa dôr de revolta cheia de ira, A doirada cabeça que delira Num último suspiro, a estremecer! O sol morreu... e veste luto o mar... E eu vejo a urna d'oiro, a baloiçar, Á flôr das ondas, num lençol d'espuma! As minhas Ilusões, dôce tesoiro, Tambem as vi levar em urna d'oiro, No Mar da Vida, assim... uma por uma... *Neurastenia* NEURASTENIA Sinto hoje a alma cheia de tristesa! Um sino dobra em mim, Ave Marias! Lá fôra, a chuva, brancas mãos esguias, Faz na vidraça rendas de Venesa... O vento desgrenhado, chora e resa Por alma dos que estão nas agonias! E flocos de neve, aves brancas, frias, Batem as azas pela Natureza... Chuva... tenho tristesa! Mas porquê?! Vento... tenho saudades! Mas de quê?! Ó neve que destino triste o nosso! Ó chuva! Ó vento! Ó neve! Que tortura! Gritem ao mundo inteiro esta amargura, Digam isto que sinto que eu não posso!!... *Pequenina* PEQUENINA _Á Maria Helena Falcão Risques_ És pequenina e ris... A bôca breve É um pequeno idílio côr de rosa... Haste de lírio frágil e mimosa! Cofre de beijos feito sonho e neve! Dôce quimera que a nossa alma deve Ao Ceu que assim te fez tão graciosa! Que nesta vida amarga e tormentosa Te fez nascer como um perfume leve! O ver o teu olhar faz bem á gente... E cheira e sabe, a nossa bôca, a flôres Quando o teu nome diz, suavemente... Pequenina que a Mãe de Deus sonhou, Que ela afaste de ti aquelas dôres Que fizeram de mim isto que sou! *A Maior Tortura* A MAIOR TORTURA _A um grande poeta de Portugal_ Na vida, para mim, não ha deleite. Ando a chorar convulsa noite e dia... E não tenho uma sombra fugidía Onde poise a cabeça, onde me deite! E nem flôr de lilaz tenho que enfeite A minha atroz, imensa nostalgia!... A minha pobre Mãe tão branca e fria Deu-me a beber a Magua no seu leite! Poeta, eu sou um cardo despresado, A urze que se pisa sob os pés. Sou, como tu, um riso desgraçado! Mas a minha tortura inda é maior: Não ser poeta assim como tu és, Para gritar num verso a minha Dôr!... *A Flôr do Sonho* A FLÔR DO SONHO A Flôr do Sonho alvissima, divina Miraculosamente abriu em mim, Como se uma magnolia de setim Fosse florir num muro todo em ruina. Pende em meio seio a haste branda e fina E não posso entender como é que, emfim, Essa tão rara flôr abriu assim!... Milagre... fantasia... ou talvez, sina... Ó Flôr que em mim nascêste sem abrolhos, Que tem que sejam tristes os meus olhos Se eles são tristes pelo amôr de ti?!... Desde que em mim nascêste em noite calma, Voou ao longe a aza da minh'alma E nunca, nunca mais eu me entendi... *Noite de Saudade* NOITE DE SAUDADE A Noite vem poisando devagar Sobre a terra que inunda de amargura... E nem sequer a benção do luar A quiz tornar divinamente pura... Ninguem vem atraz dela a acompanhar A sua dôr que é cheia de tortura... E eu oiço a Noite imensa soluçar! E eu oiço soluçar a Noite escura! Porque és assim tão 'scura, assim tão triste?! É que, talvez, ó Noite, em ti existe Uma Saudade egual á que eu contenho! Saudade que eu nem sei donde me vem... Talvez de ti, ó Noite!... Ou de ninguem!... Que eu nunca sei quem sou, nem o que tenho!! *Angustia* ANGUSTIA Tortura do pensar! Triste lamento! Quem nos déra calar a tua voz! Quem nos déra cá dentro, muito a sós, Estrangular a hidra num momento! E não se quer pensar!... E o pensamento Sempre a morder-nos bem, dentro de nós... Qu'rer apagar no Ceu--Ó sonho atroz!-- O brilho duma estrela, com o vento!... E não se apaga, não... nada se apaga! Vem sempre rastejando como a vaga... Vem sempre perguntando. «O que te resta?...» Ah! não ser mais que o vago, o infinito! Ser pedaço de gelo, ser granito, Ser rugido de tigre na floresta! *Amiga* AMIGA Deixa-me ser a tua amiga, Amôr; A tua amiga só, já que não queres Que pelo teu amôr seja a melhor A mais triste de todas as mulheres. Que só, de ti, me venha mágua e dôr O que me importa a mim?! O que quiséres É sempre um sonho bom! Seja o que fôr Bemdito sejas tu por m'o dizêres! Beija-me as mãos, Amôr, devagarinho... Como se os dois nascessemos irmãos, Aves cantando, ao sol, no mesmo ninho... Beija-mas bem!... Que fantasia louca Guardar assim, fechados, nestas mãos, Os beijos que sonhei p'rá minha bôca!... *Desejos vãos* DESEJOS VÃOS Eu qu'ria ser o Mar d'altivo porte Que ri e canta, a vastidão imensa! Eu qu'ria ser a pedra que não pensa, A Pedra do caminho, rude e forte! Eu qu'ria ser o Sol, a luz intensa, O bem do que é humilde e não tem sorte! Eu qu'ria ser a arvore tôsca e densa Que ri do mundo vão e até da morte! Mas o Mar tambêm chora de tristesa... As Arvores tambêm, como quem resa, Abrem, aos Ceus, os braços, como um crente! E o Sol altivo e forte, ao fim dum dia, Tem lágrimas de sangue na agonia! E as Pedras... essas... pisa-as toda a gente!... *Peor velhice* PEOR VELHICE Sou velha e triste. Nunca o alvorecer Dum riso são andou na minha bôca! Gritando que me acudam, em voz rouca, Eu, naufraga da Vida, ando a morrer! A Vida que ao nascer enfeita e touca D'alvas rosas, a fronte da mulher, Na minha fronte mística de louca Martírios só poisou a emurchecer! E dizem que sou nova... A mocidade Estará só, então, na nossa idade, Ou está em nós e em nosso peito mora?!... Tenho a peor velhice, a que é mais triste, Aquela onde nem sequer existe Lembrança de ter sido nova... outróra... *A um livro* A UM LIVRO No silêncio de cinzas do meu Ser Agita-se uma sombra de cypreste. Sombra roubada ao livro que ando a ler, A esse livro de máguas que me deste. Extranho livro aquele que escreveste Artista da saudade e do sofrer! Extranho livro aquele em que puzéste Tudo o que eu sinto, sem poder dizer! Leio-o e folhêio, assim, toda a minh'alma! O livro que me déste é meu e psalma As orações que choro e rio e canto!... Poeta egual a mim, ai quem me déra Dizer o que tu dizes!... Quem soubéra Velar a minha Dôr desse teu manto!... *Alma perdida* ALMA PERDIDA Toda esta noite o rouxinol chorou, Gemeu, rezou, gritou perdidamente! Alma de rouxinol, alma da gente, Tu és, talvez, alguem que se finou! Tu és, talvez, um sonho que passou, Que se fundiu na Dôr, suavemente... Talvez sejas a alma, alma doente D'alguem que quiz amar e nunca amou! Toda a noite choraste... e eu chorei Talvez porque, ao ouvir-te, adivinhei Que ninguem é mais triste do que nós! Contaste tanta coisa á noite calma, Que eu pensei que tu eras a minh'alma Que chorasse perdida em tua voz!... *De joelhos* DE JOELHOS «Bendita seja a Mãe que te gerou.» Bendito o leite que te fez crescer. Bendito o berço aonde te embalou A tua ama, p'ra te adormecer! Bendita essa canção que acalentou Da tua vida o dôce alvorecer... Bendita seja a lua que inundou De luz, a terra, só para te vêr... Benditos sejam todos que te amarem, As que em volta de ti ajoelharem, Numa grande paixão fervente e louca! E se mais que eu, um dia, te quiser Alguem, bendita seja essa Mulher, Bendito seja o beijo dessa bôca!! *Languidez* LANGUIDEZ Tardes da minha terra, dôce encanto, Tardes duma puresa d'açucenas, Tardes de sonho, as tardes de novenas, Tardes de Portugal, as tardes d'Anto. Como eu vos quero e amo! Tanto! Tanto!... Horas benditas, leves como pênas, Horas de fumo e cinza, horas serênas, Minhas horas de dôr em que eu sou santo! Fecho as palpebras rôxas, quasi pretas, Que poisam sôbre duas violetas, Azas leves cançadas de voar... E a minha bôca tem uns beijos mudos... E as minhas mãos, uns pálidos veludos, Traçam gestos de sonho pelo ar... *Para quê?!* PARA QUÊ?! Tudo é vaidade neste mundo vão... Tudo é tristesa; tudo é pó, é nada! E mal desponta em nós a madrugada, Vem logo a noite encher o coração! Até o amôr nos mente, essa canção Que o nosso peito ri á gargalhada, Flôr que é nascida e logo desfolhada, Pétalas que se pisam pelo chão!... Beijos d'amôr! P'ra quê?!... Tristes vaidades! Sonhos que logo são realidades, Que nos deixam a alma como morta! Só acredita neles quem é louca! Beijos d'amor que vão de bôca em bôca, Como pobres que vão de porta em porta!... *Ao vento* AO VENTO O vento passa a rir, torna a passar, Em gargalhadas asp'ras de demente; E esta minh'alma trágica e doente Não sabe se ha de rir, se ha de chorar! Vento de voz tristonha, voz plangente, Vento que ris de mim, sempre a troçar, Vento que ris do mundo e do amar, A tua voz tortura toda a gente!... Vale-te mais chorar, meu pobre amigo! Desabafa essa dôr a sós comigo, E não rias assim!... Ó vento, chóra! Que eu bem conheço, amigo, êsse fadário Do nosso peito ser como um Calvario, E a gente andar a rir p'la vida fóra!!... *Tédio* TÉDIO Passo pálida e triste. Oiço dizer «Que branca que ela é! Parece morta!» E eu que vou sonhando, vaga, absorta, Não tenho um gesto, ou um olhar sequer... Que diga o mundo e a gente o que quizer! --O que é que isso me faz?... O que me importa?... O frio que trago dentro gela e corta Tudo que é sonho e graça na mulher! O que é que isso me importa?! Essa tristesa É menos dôr intensa que friesa, É um tédio profundo de viver! E é tudo sempre o mesmo, eternamente... O mesmo lago plácido, dormente... E os dias, sempre os mesmos, a correr... *A minha Tragédia* A MINHA TRAGÉDIA Tenho ódio á luz e raiva á claridade Do sol, alegre, quente, na subida. Parece que a minh'alma é perseguida Por um carrasco cheio de maldade! Ó minha vã, inutil mocidade Trazes-me embriagada, entontecida!... Duns beijos que me déste, noutra vida, Trago em meus lábios rôxos, a saudade!... Eu não gosto do sol, eu tenho medo Que me leiam nos olhos o segrêdo De não amar ninguem, de ser assim! Gosto da Noite imensa, triste, preta, Como esta extranha e doida borboleta Que eu sinto sempre a voltejar em mim!... *Sem remédio* SEM REMÉDIO Aqueles que me teem muito amôr Não sabem o que sinto e o que sou... Não sabem que passou, um dia, a Dôr, Á minha porta e, nesse dia, entrou. E é desde então que eu sinto êste pavôr, Este frio que anda em mim, e que gelou O que de bom me deu Nosso Senhor! Se eu nem sei por onde ando e onde vou!! Sinto os passos da Dôr, essa cadência Que é já tortura infinda, que é demência! Que é já vontade doida de gritar! E é sempre a mesma mágua, o mesmo tédio, A mesma angústia funda, sem remédio, Andando atraz de mim, sem me largar!... *Mais triste* MAIS TRISTE É triste, diz a gente, a vastidão Do Mar imenso! E aquela voz fatal Com que êle fala, agita o nosso mal! E a Noite é triste como a Extrema Unção! É triste e dilacera o coração Um poente do nosso Portugal! E não veem que eu sou... eu... afinal, A coisa mais maguada das que o são?!... Poentes d'agonia trago-os eu Dentro de mim e tudo quanto é meu É um triste poente d'amargura! E a vastidão do Mar, toda essa agua Trago-a dentro de mim num Mar de Mágua! E a Noite sou eu própria! A Noite escura!! *Velhinha* VELHINHA Se os que me viram já cheia de graça Olharem bem de frente para mim, Talvez, cheios de dôr, digam assim: «Já ela é velha! Como o tempo passa!...» Não sei rir e cantar por mais que faça! Ó minhas mãos talhadas em marfim, Deixem esse fio d'oiro que esvoaça! Deixem correr a vida até ao fim! Tenho vinte e tres anos! Sou velhinha! Tenho cabelos brancos e sou crente... Já murmuro orações... falo sòsinha... E o bando côr de rosa dos carinhos Que tu me fazes, olho-os indulgente, Como se fosse um bando de nètinhos... *Em busca do Amôr* EM BUSCA DO AMOR O meu Destino disse-me a chorar: «Pela estrada da Vida vae andando; E, aos que vires passar, interrogando Acerca do Amôr que has de êncontrar.» Fui pela estrada a rir e a cantar, As contas do meu sonho desfiando... E noite e dia, á chuva e ao luar, Fuí sempre caminhando e perguntando... Mesmo a um velho eu perguntei: «Velhinho, Viste o Amôr acaso em teu caminho?» E o velho estremeceu... olhou... e riu... Agora pela estrada, já cançados Voltam todos p'ra traz, desanimados... E eu paro a murmurar: Ninguem o viu!...» *Impossivel* IMPOSSIVEL Disseram-me hoje, assim, ao vêr-me triste: «Parece Sexta Feira de Paixão. Sempre a scismar, scismar, d'olhos no chão, Sempre a pensar na dôr que não existe... O que é que tem?! Tão nova e sempre triste! Faça por 'star contente! Pois então?!...» Quando se sofre o que se diz é vão... Meu coração, tudo, calado ouviste... Os meus males ninguem mos adivinha... A minha Dôr não fala, anda sòsinha... Dissesse ela o que sente! Ai quem me déra!... Os males d'Anto toda a gente os sabe! Os meus... ninguem... A minha Dôr não cabe Nos cem milhões de versos que eu fizéra!... ÍNDICE Êste livro Vaidade Eu... Castelã da Tristesa Tortura Lágrimas ocultas Torre de névoa A minha dôr Dizêres íntimos As minhas ilusões Neurastenia Pequenina A maior tortura A flôr do sonho Noite de saudade Angustia Amiga Desejos vãos Peor velhice A um livro Alma perdida De joelhos Languidez Para quê?! Ao vento Tédio A minha tragédia Sem remédio Mais triste Velhinha Em busca do amôr Impossivel ACABOU-SE DE IMPRIMIR ÊSTE LIVRO NO MÊS DE JUNHO DE 1919 NA TIPOGRAFIA MAURICIO, RUA DO SALITRE, 102-A LISBOA *** End of this LibraryBlog Digital Book "Livro de Máguas" *** Copyright 2023 LibraryBlog. All rights reserved.