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Title: Trovas - Canções de Amor
Author: Ferreira, António Florêncio, 1848-1914
Language: Portuguese
As this book started as an ASCII text book there are no pictures available.


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ANTONIO FLORENCIO FERREIRA


+TROVAS+

+(Canções de amor)+


1906

IMPRENSA DE LIBANIO DA SILVA
_29--Rua das Gaveas--31_
LISBOA



+TROVAS+



ANTONIO FLORENCIO FERREIRA


+TROVAS+

+(Canções de amor)+


1906

IMPRENSA DE LIBANIO DA SILVA
_29--Rua das Gaveas--31_
LISBOA



Para satisfazer ao pedido de amigos e corrigir as deformidades que se
encontram nalgumas copias, imprimo agora as modestas quadras que
principiaram a ser conhecidas sob o titulo de _Canções d'Amor_, por me
ser impossivel publioar de momento o livro que conterá, além das
modernas, as principaes composições dos meus volumes de versos, que de
ha muito não apparecem no mercado.


Lisboa, 1906.


A. FLORENCIO FERREIRA.



+Trovas+


I

Vês aquelle enterro humilde,
Sem padre, sem cruz, sem nada?
Vês aquell'outro, pomposo,
Do templo a frente enluctada?

O primeiro é d'um honrado;
Talvez o do outro o não seja...
Mas ambos, de igual doutrina,
São filhos da mesma Egreja.

O que me admira e me assombra
É o affecto d'esta mãe,
Que ao rico dispensa afagos
E ao pobre atira o desdem!


II

Moram aqui uns vizinhos
Que sabem quanto fazemos;
São capazes de informar-nos
Se nos devem, se devemos...

Em vindo qualquer pessoa
Nossas tenções inquirir,
Manda-se lá... inteirada
Por certo que ha de sahir!


III

Dizer que Deus dá _Castigos_
_Eternos_, que não têm fim,
É a maior das blasphemias,
Heresia, quanto a mim...

Se os homens, por maus que sejam,
Tal não podem legislar,
Porque a Morte aos criminosos
Vem da pena libertar,

Querer que Deus os exceda
No rancor e na secura
É de embrenhar nosso espirito
Nuns abysmos de amargura!


IV

Deixemos, Amor, deixemos
Questões de philosophia;
Pode nellas haver sciencia,
Mas não podem ter poesia.


V

Não são vossos meus cantares,
Mulheres que festejei;
Vistes o amor em chimeras?
Nunca illudir-vos pensei!

De que servem esses gabos,
Essa idéa presunçosa?
Esquecestes esta maxima:
«Sê modesta, não vaidosa.»


VI

Peregrina luz da lua,
Como é velho o teu palor!
Mas, como tu, sempre encanta,
Velha embora, a luz do amor!


VII

Oh! consente-me num somno
Dormido ao terno embalar
Da poesia que se evola
Do teu mimoso afagar!

No calor do teu regaço
Que sonhos devêra ter!
Nos braços de huris, de fadas
Mais gôzo não pode haver!


VIII

Meu coração foi sangrado;
Já se não usa a sangria...
Por isso, caso hoje raro,
Elle sangra noite e dia.

Foi operante... quem amo;
A lanceta... o seu olhar;
A ligadura... seus beijos,
Que não tardei a furtar.

E assim elle está gemente,
O meu pobre coração,
Á espera de que mais beijos
O estanquem e ponham são!


IX

Deixa-me num fragil barco
Nas vagas de iroso mar,
Uma vez que nellas ouça,
Mesmo ao longe, o teu cantar!

Lancem-me na horrenda chamma
Da cratera d'um vulcão,
Uma vez que assim o indique
Tua nivea, linda mão!

O morrer por ti é vida;
Que importa viver sem ti?...
Nem sequer um ai sonhaste,
Quando em tantos me exhaurí!


X

Qual viajante nos desertos,
Que nunca a sêde perdeu,
Encontrar em vão procuro
Amor que se iguale ao meu!


XI

Dize que seja ao sol-pôsto
Que me devem enterrar,
Para do sol e das aves
A despedida aceitar.

Quero guardar bem guardados
Esses mimos de ternura,
E dar-t'os quando gelada
Baixares á sepultura.


XII

Em horas tristes minh'alma
Vae ao encontro da tua,
Qual nocturno caminhante
Ancioso da luz da lua.

E fico não sei que tempos
A teu lado, sem saber
Se nessa vida é que existo,
Se na que torno a volver!


XIII

O que fôr da nossa indole
Não se pode anniquilar;
Digam ás rôlas que matem,
Aos lobos que vão rolar...

Consegue-se por semanas
Á inexperiencia mentir,
Mas, ou mais cedo, ou mais tarde,
Bom, ou mau, tem de surgir.


XIV

Tlim, tlim, tlim, tlim, tlim!--Quem bate?
--«O Amor.»--Que pretende?--«Entrar.»
--Vá-se embora!--«Então é gelo
O que a tantos vae queimar?...»


XV

Ai Coimbra, ó minha terra,
Não me encantas! salgueiral,
Estas veias do Mondego,
Tempos idos, nada val'...

Meu coração está longe,
Oh! muito longe d'aqui!
Ella, tão distante, vejo-a!
Ólho, e sempre a vejo a si!


XVI

Meu Amor, estás dormindo,
Não te quero despertar...
Ha de ser devagarinho
Que trovas te vou soltar.

De musgo, lirios e rosas
Uma cama irei fazer;
De jasmins e de saudades
O travesseiro ha de ser.

Quero que vejas nos sonhos,
Lindos, bellos, perfumados,
Os meus olhos, da vigilia,
Tristes, languidos, magoados...


XVII

Como são bellos os campos
Com esta luz verde e ouro!
Que namorados gorgeios!
E de fructos, que thesouro!

O que me trouxe indeciso,
O que me faz vacillar,
É se do sol se douraram,
Se tu que os fôste enfeitar!


XVIII

Sinto por vezes morderem-me
Remorsos...--visão pungente!
Ditoso de quem for justo!
Feliz do que não os sente!

Mas nunca tive nem odios,
Nem invejas, nem rancores!
Remorso é de arrependidos,
Do inferno aquelles horrores!


XIX

Teus beijos são differentes
Dos que costumo trocar:
Falam, suspiram, seduzem,
Querem minh'alma arrancar!

São demorados, contínuos;
Encerram tanta doçura,
Que me parece abrangerem
Dos anjos toda a ternura!


XX

Quando, sahido o meu catre,
Fui contemplar o portal
Da residencia que logras,
Suppuz vêr lá um rival.

Antes das feras as garras,
Condemnado, morto, emfim,
Que imaginar que te roubam,
Que te separam de mim!


XXI

A noite! a noite!... as estrellas!...
Foi o sol que se escondeu,
Ou teu corpo, excepto os olhos,
Que num manto se envolveu?


XXII

Affirmas ser meu amigo;
D'aquelle, que não és tal...
Achas bem o que pratíco,
Do que faz me dizes mal.

Reunidos, todo o bajulas,
Pelas mãos mettes os pés...
Leve o _demo_ taes amigos,
Amigos como tu és!


XXIII

Olha aquella pobresinha;
Coitada! chorosa vem!
Pede esmola... dão-lh'a, alegra-se,
Talvez pensando nalguem!

Se me faltasses, não via
Nenhuma esp'rança luzir!
Tinha inveja da mendiga,
Não mais tornava a sorrir!


XXIV

Leva o amor ao sacrificio,
Mas--firmeza--é de amizade;
Não gostava d'este asserto
No vigor da mocidade...


XXV

Já reparaste que entramos,
Todos, no mundo a chorar?
D'elle tambem não sahimos
Sem um suspiro exhalar!

Choramos o apartamento
Do ventre de nossa mãe...
Suspiramos pelas glorias
Que outra vida em si contém!


XXVI

O amor, quando verdadeiro,
Semelha a lua no ceu,
Que tem phases, mas subsiste;
Creio assim o affecto meu.

Exultante ou desgostoso,
Ou presente, ou invisivel,
Não posso deixar de amar-te,
O olvido não é possivel!


XXVII

Que lindo passeio démos,
Inda ha pouco, á beira-mar!
Tu no meu braço apoiada,
Eu num dolente cantar!

A sós, não sei que saudades
Teu intimo removeram!
Vinha a noite... pelas faces
As lagrimas te correram!

Apertando-me a teu seio,
Num extranho murmurar,
Disseste que com as ondas
Te podia comparar!

--«Ellas vinham, _não voltavam_...»
Poesia? presentimento?
Sorri, chamei-te criança,
Não soubeste o meu tormento!


XXVIII

Divulgar extravagancias
D'um Immortal, o mesmo é
Que levantadas estatuas
Denegrir desde o sopé.


XXIX

Ó corações lacerados!
Aguia que um dardo abateu!
Mães que choraes vossos filhos,
Quem me adorava--morreu!

Tenho a nossa despedida
Tão gravada no meu peito,
Que pode lêr-se inda quando
Em cinzas eu seja feito!

Maldita, maldita a hora
Em que te foste operar!
Partiste, e não mais voltaste,
Vidente da beira-mar!

Espelho a que se mirava
Sem vaidades, quero vêr
Dentro de ti, como outr'ora,
Viva a imagem do seu ser!

Leito que prefiro a joias,
Que hei de sempre conservar,
Segreda-me os seus desvelos
Quando a febre me assaltar!

Decorreu por largos tempos
Nosso convivio risonho,
E julgo durar instantes,
E parece tudo um sonho!

Subiste ao céo! oh! sim, creio!
Indigno de nelle entrar,
Tenho a certeza, ao chamar-te,
De me vires oscular!

Todos baixamos á terra
Para um destino cumprir;
O meu iguala o das aves:
Cantar emquanto existir.

Canto-te como se estejas
Ainda junto de mim!
Que importa faltar o corpo,
Se noss'alma não tem fim?

Meu doce amor, vem ouvir-me,
Vem receber o meu pranto!
Correi, correi, minhas lagrimas,
Vós sois, tambem, mudo canto!

Mal dirias, quando algumas
D'estas quadras te dictei,
Qual seria o meu supplicio
No remate que lhes dei!


FIM





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