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Title: A penalidade na India segundo o Código de Manu Author: Figueiredo, António Cândido de, 1846-1925 Language: Portuguese As this book started as an ASCII text book there are no pictures available. Copyright Status: Not copyrighted in the United States. If you live elsewhere check the laws of your country before downloading this ebook. See comments about copyright issues at end of book. *** Start of this Doctrine Publishing Corporation Digital Book "A penalidade na India segundo o Código de Manu" *** images generously made available by the Bibliothèque nationale de France (BnF/Gallica) at http://gallica.bnf.fr) *A PENALIDADE NA INDIA SEGUNDO O CÓDIGO DE MANU* * * * * * Sociedade de Geographia de Lisboa A PENALIDADE NA INDIA SEGUNDO O CÓDIGO DE MANU Memoria apresentada á 10.ª sessão do congresso internacional dos orientalistas por CANDIDO DE FIGUEIREDO S. S. G. L. LISBOA IMPRENSA NACIONAL 1892 * * * * * *A PENALIDADE NA INDIA SEGUNDO O CÓDIGO DE MANU* *I* Historiar a penalidade indiana sería tão vantajoso como diffícil. Vantajoso, porque, de todos os historiadôres do direito penal, nenhum, de que saibamos, se occupou seriamente da penalidade entre os povos hindus: uns guardam sôbre ella absoluto silencio; outros, contra todas as leis ethnográficas e filológicas, agrupam, de relance, os indios com os chinas e japonêses, e segregam-n'os injustamente da legislação comparada; e outros ainda, os que viveram antes dêste século, não podiam occupar-se largamente da antiguidade indiana, porque ainda não estavam explorados os riquissimos filões, de onde os mineiros da sciencia extraíram os assombrosos monumentos da velha literatura indiana. E sería diffícil, dissemos, historiar a penalidade na India, pela escassez de commentadôres e guias em tão árido caminho. Abeirando-nos apenas do importantissimo assunto, que daria volumes, o que procuraremos sinthetizar em poucas páginas, aventurâmo-nos, sem mestres nem guias, a devassar a enredada legislação de Manu, procurando e separando o que é puro direito penal, d'aquillo que é religioso, civil ou político, visto que a regulamentação das várias esferas da actividade humana se acha ali amalgamada, como succede nos códigos primitivos de todas as sociedades. *II* O código de Manu é, para muitos orientalistas, o mais antigo monumento legislativo que se conhece na história da humanidade. Ponderando que este código reflecte toda a simplicidade antiga dos dogmas religiosos; que ali ainda se fala de um Deus único, _Brahmá_, e não se faz referencia a _Vichnu_ nem a _Sívá_, que com _Brahmá_ constituem a trindade indiana, a _Trimurti_; ponderando que no código não se fez menção das incarnações de Vichnu, e que das personagens históricas, ali alludidas, nenhuma é posteriôr ao século X antes da nossa era; e ponderando, ainda, que o legisladôr desconhecia a grande revolução religiosa de Budhá, revolução que, como se sabe, precedeu déz séculos a era christan, concluem os modernos intérpretes do código que elle já vigorava na India no século XIII antes de Christo. O código de Manu (_Manava-Dharma-Sastra_, no original sanscrito), abrange dôze livros; e as disposições penais deparam-se-nos especialmente no VIII, IX e ainda no XI, se bem que este se occupe sobretudo de penitencias e expiações religiosas. *III* Quem não é de todo estranho á sciencia do direito penal, sabe que a penalidade póde encarar-se, pelo menos, por quatro faces: incriminações, penas, competencia e processo. Sôbre incriminações e penas, podemos colhêr no código de Manu disposições abundantes e claras; mas, sobre competencia e processo, o código é excessivamente resumido, ou, antes, excessivamente vago. Na organização judicial indiana, o rei é o principal julgadôr, e até executôr em alguns casos, se attendermos unicamente á letra da lei. Lê-se no código de Manu: «Depois de tomar em toda a consideração o logar e o tempo, os meios de punir e os preceitos da lei, é que _o rei inflige a punição_ com justiça áquelles que se entregam á iniquidade[1].» [1] Livro VII, çloka 16. E mais adiante: «O ladrão, quer elle morra logo com os tratos que _o rei lhe dê_, quer, tendo sido deixado por morto, haja escapado, fica lavado do crime; mas, se _o rei_ não castiga, o crime do ladrão recái sôbre elle[2].» [2] VIII, 316. Talvez dêstes textos se possa deduzir que o rei, além de juíz, tinha attribuições de executôr da justiça. Não achâmos todavia no código logares parallelos, que nos confirmem o conceito. O que sabemos é que o rei occupava o primeiro logar na jerarquia judicial. Acompanhado de bráhmanes e de seus conselheiros, e trajando modestamente, apparecia no tribunal; e, sentado ou de pé, com a mão direita levantada[3], examinava os negócios judiciários; consultava as leis e o direito consuetudinário da nação, das classes e das familias[4], e decidia as causas que o código agrupa sob dezoito titulos: [3] VIII, 1 e 2. [4] VIII, 3. Causas sobre dívidas; Depósitos; Venda de objecto alheio; Emprêsas de associações commerciais; Subtracção de coisa dada; Pagamento de salários; Execução de contratos; Annullações de compra e venda; Questões entre amo e criado; Extremas de propriedades; Maus tratos e insultos; Roubos; Salteadôres e violencias; Adultérios; Devêres entre marido e mulher; Partilhas de heranças; Jogo e combates dó animais[5]. [5] VIII, 4 e 7. «As contestações dos homens,--são expressões do código,--referêm-se em geral a estes artigos[6]». [6] VIII, 8. * * * * * Embora o rei fôsse o principal julgadôr, vemos consignados no código os tribunais collectivos, embora a civilizações menos antigas se haja attribuído esta importantissima instituição. Com effeito, abrindo o código, no livro VIII, çloka 9 a 11, vemos que o rei, quando não póde por si examinar as causas judiciárias, encarrega um bráhmane instruído de desempenhar essas funcções. Este bráhmane entra no tribunal, acompanhado de três accessôres, e examina as causas sujeitas á decisão do rei. A autoridade, que se liga a esta assembleia do juízes, é enorme, porque é divina; e o código consagra-lhe expressões tais, que, ao lê-las a primeira vez, naturalmente nos occorrem aquellas palavras amoráveis do nosso Christo: _Ubi sunt duo vel tres congregati in nomine meo, ibi sum in medio eorum._ O código de Manu tinha dito, muitos séculos antes de Christo: «Onde quer que estejam três bráhmanes, versados nos _Vedas_, e presididos por um bráhmane sapientissimo escolhido pelo rei, esta assembleia é chamada pelos sábios o tribunal de Brahmá quatrifronte[7].» [7] VIII, 11. O rei póde escolhêr juízes entre a classe dos bráhmanes, e até entre as dos kchatriás e a do vaysiás, mas nunca entre os _çudras_. Se bem que estas palavras _çudras_, _vaysiás_, _kchatriás_, _bráhmanes_, não encerrem mistérios para quem tenha alguma notícia do sistema das castas indianas, afigura-se-nos que não virá fóra de ponto uma ligeira explanação do assunto, visto como os vicios capitais da penalidade indiana estão subordinados ao sistema das castas. *IV* Como é sabido, a velha civilização indiana tinha por bases o sistema das castas e o dogma da transmigração das almas. Pondo de lado este dogma, que é hoje alheio ao nosso intúito, não omittiremos uma explanação summária do sistema das castas. O livro I do código refere que _Brahmá_, o deus supremo, o primeiro de todos os sêres, para povoar a terra produziu da sua bôca o _bráhmane_, do seu braço o _kchatriá_, da sua côxa o _vaysiá_ e de seus pés o _çudra_. Os _çudras_ constituem a última classe, a servil; os _vaysiás_ a terceira, a dos artistas e agricultores; os _kchatriás_ a segunda, a dos militares e dos reis; e os _bráhmanes_ a primeira, a sacerdotal. Comquanto dos _kchatriás_ sáiam os reis, o govêrno do país pertence de facto á casta sacerdotal, e a preponderancia brahmânica faz-se resentir em todos os monumentos que nos restam da civilização indiana, e até nos monumentos da antiguidade teocrática europeia. Um dos resultados da organização sacerdotal do govêrno indiano, organização trazida para a Europa pelos celtas-arianos, e reproduzida pelo druidismo, é que os monumentos mais assombrosos da India antiga e da Europa medieval são os templos, os conventos o os cemitérios[8]. [8] Ch. Steur, _Ethnogr._ vol. II, pag. 300. A desigualdade perante a lei, na criminalidade indiana, está, como vamos vêr, subordinada aos privilégios das castas e ás linhas que as separam. Mas, antes de falar de incriminações e penas, assuntos em que mais resalta aquelle vicio, cumpre falar das _provas_ judiciais admittidas pelo código de Manu, e, em geral, da ordem do processo. *V* A acção não se intentava sem que os parentes das partes litigantes procurassem conciliá-las; costume seguido também pelos celtas e germanos, e até por outros povos europeus até ao século passado[9]. [9] Steur, cit., pag. 303. Se os parentes não podiam conciliair as partes, recorria-se para uma assembleia, formada de homens da mesma casta; da decisão dêstes podia apellar-se para os habitantes de toda a communa; dêstes apellava-se para os _juízes reais_, e dêstes emfim para a decisão do rei numa assembleia composta de bráhmanes. * * * * * A _prova_ principal no processo indiano é o depoimento das testemunhas, que nunca podem sêr menos de três[10]. [10] Cod. de Manu, VIII, 60. Para testemunhas, hão de escolhêr-se pessoas dignas e desambiciosas, e não as pessoas interesseiras, nem os amigos, nem os inimigos, nem os fraudulentos, nem os inválidos, nem os criminosos[11]. [11] VIII, 63 e 64. O theólogo hábil, o estudante, o o asceta, não devem chamar-se para testemunhas, porque são despendidos de relações mundanas. O proprio rei, um artista de baixa categoria, como um cozinheiro, o velho, a criança, um homem só, o ébrio, o dôido, o esfomeado e o sedento, o apaixonado, o colérico, o ladrão, não podem sêr chamados a depôr em cáusas judiciárias[12]. [12] VIII, 65-67. Mulheres só podem depôr a favôr de mulheres. E, diga-se de passagem, não deveremos estranhar muito esta disposição da lei indiana, visto como em pleno século XIX, o código civil português não permitte que as mulheres sejam testemunhas em testamentos[13]. [13] _Cod. civ. port._, art. 1966, n.º 2. Os _çudras_ podem depôr a favôr dos _çudras_; mas, quando se trata do um facto succedido em logar occulto, como num bosque, ou quando se trata de um assassínio, póde depôr quem quer que presenceie o facto. Nêstes casos, á míngua de melhores testemunhas, póde acceitar-se até o depoimento de uma mulher, de uma criança, de um velho, de um discipulo, de um parente, de um escravo ou de um serviçal[14]. [14] VIII, 68-70. Quando as testemunhas estão reunidas na sala da audiencia, em presença do demandante e do defendente, ordena o código que o juíz as inquira, exortando-as brandamente, desta fórma: «Declarai francamente tudo quanto sabêis sôbre esta matéria, porque se pretende aqui o vosso testemunho[15].» [15] VIII, 79 e 80. O legisladôr disserta largamente sôbre a obrigação moral, que ás testemunhas cabe, de dizerem a verdade, e sôbre a responsabilidade e os castigos que importa comsigo um falso testemunho. *VI* Outro meio de prova judicial é o juramento, que o juíz defere ás partes litigantes, quando não há testemunhas, que possam depôr sôbre o facto controvertido[16]. [16] VIII, 109. O juíz fará jurar o _bráhmane_ pela sua veracidade; o _kchatriá_ pelos seus cavallos, pelos seus elefantes e pelas suas armas; o _vaysiá_ pelos seus rebanhos, pelas suas searas e pelo seu oiro; os _çudras_ por todos os crimes[17]. [17] VIII, 113. *VII* Falaremos agora de outra prova judicial, muito conhecida e muito usada na Europa da idade média, e que innegavelmente foi trazida para o occidente pela corrente das emigrações arianas. Alludimos aos chamados _juízos de Deus_. Algumas espécies destas provas absurdas e talvez ímpias, deixaram vestígios no Japão, na Africa occidental, na Escandinávia, na Grécia e na Irlanda. Prova-o Michelet, fundado em testemunhos irrefragáveis[18]. [18] _Origines du droit_, chap. VII. Os _juízos de Deus_ acham-se consignados nas leis dos bárbaros, foram sanccionados e regulados pela legislação dos concilios visigóticos, e podemos talvez dizêr que eram ainda invocados, quando já alvorecia a nacionalidade portuguêsa. Em França puseram-n'os em vigôr as _Capitulares_ de Carlos Magno, e foram ao depois confirmados na legislação do tempo de Carlos o Calvo[19]. [19] Desmaze, _Supplices, prisons et grace en France_, chap. II, III. A ignorancia que na idade média fez da instrucção um privilégio da classe sacerdotal, deixou que os _juízos de Deus_ maculassem mais uma página da história da humanidade. Intendendo-se que o homem, creatura frágil, podia faltar á verdade, intendeu-se que a naturêza, que no panteismo oriental so consubstancía com a divindade, essa não podia mentir. E assim, quando o juíz pretendia uma prova decisiva, consultava-se a naturêza e tentava-se a Deus, pedindo-lhe uma revelação: sujeitava-se o réu á prova do _fôgo_, da _água fervente_, do _ferro em brasa_, do _veneno_, da _cruz_; e, se elle não saísse illeso destas provas bárbaras, é porque estava realmente criminoso. Se elle estivesse innocente, Deus havia de inverter as leis da naturêza, e fazêr que o fôgo ou os demais supplicios não arrancassem um gemido, nem deixassem um vestigio na carne da pobre víctima. Para todas essas provas, havia formulários em latim, que podem ver-se minuciosamente na collecção de Baluze, tom. II, col. 642 e seg. Por agora, reproduziremos apenas uma dessas fórmulas, em linguagem nossa: «O culpado tomará na presença do todos o ferro em brasa, e o conduzirá pelo espaço de nove pés; liguem-se-lhe as mãos ao ferro em brasa, durante três noites, e, se ao depois apparecer illeso, dêm-se graças a Deus; mas, se o ferro em brasa tiver escaldado, e se apparecer rubôr e inflammação nos vestigios do ferro, seja julgado criminoso e immundo[20].» [20] Baluze, tom. II, col. 644. * * * * * Pois bem. Este símbolo, que nos é tão conhecido pela história da penalidade medieval, encadeia-se com quási todos os símbolos jurídicos através dos tempos e dos povos, e vai entroncar nas instituições da India. E só da India é que podiam derivar os _juízos de Deus_. Lá, no berço das sociedades, a humanidade, ainda criança, sente-se subjugada pelo império da naturêza. O homem, desprendendo-se do nada, ergue os olhos e dobra os joelhos, adorando a natureza-mãi. Se os arreboes purpureiam os horisontes, adora _Mitrá_; se o astro do dia se levanta, adora _Suryá_; se os ventos agitam a floresta, adora os _Maruts_; se a tempestade estrondeia nos céus, adora _Indrá_; se os riachos lhe serpenteiam aos pés, adora _Varuná_; se a terra floresce e frutifica, adora _Prithivi_; se o fôgo lhe aquece os membros, adora _Agni_, e o poeta dos Vedas consagra-lhe cânticos de reconhecimento[21]. [21] _Rig-Veda_, II, 6. Os indios tributam ao _fôgo_ uma adoração especial; e por isso a prova do _fôgo_ sobresái entre os ordálios da legislação indiana. Além da prova do _fôgo_, a India exibe mais oito espécies destas provas: a _balança_, a _água_, o _veneno_, o _arrôz_, a _água em que se lavou um ídolo_, o _azeite a fervêr_, o _ferro em brasa_, e a _imagem de ferro e prata_[22]. [22] Hastings, _Asiatic researches_, I, (Michelet, loc. cit.) Se percorrermos todo o _Digest of hindu law_, poderemos acrescentar áquella enumeração de Hastings o _chumbo derretido_. Não sendo porém propósito nosso percorrêr toda a legislação indiana, e soccorrendo-nos apenas ao código de Manu, especializaremos a prova do _fôgo_. No famoso poema épico, o _Ramayana_, muito anteriôr ao código de Manu; naquêlle grande e dulcíssimo poema que Michelet chamou um _mar de leite_[23], já se nos depara a prova do _fôgo_. Na última parte do poema, o herói, havendo libertado sua esposa _Sitá_, duvída de que ella lhe guardasse fidelidade, emquanto estêve nas mãos do roubadôr. _Sitá_, desfeita em lágrimas, faz acendêr uma pira, invoca a protecção do _fôgo_ contra as accusações de seu esposo, e precipita-se nas chammas; mas o _fôgo_, o _testemunho incorruptível do mundo_ como lhe chama o Homero indiano, comprovou a sua innocencia, porque não molestou sequer a esposa de _Ramá_. [23] _Bible de l'humanité_, pag. 3 O código de Manu reconhece esta prova judicial; e sôbre ella, e sôbre a da água, preceitua o seguinte: «O juíz, segundo a gravidade do caso, mandará áquêlle, cuja veracidade quer conhecêr, que tome lume nas mãos; ou mandá-lo-á mergulhar na água... «Aquêlle, a quem o fôgo não queima, a quem a água não afoga, e a quem não succede logo sinistro, deve sêr reconhecido como verídico em seu juramento. «... O fôgo é a prova da culpabilidade e da innocencia de todos os homens[24].» [24] VIII, 114-116. *VIII* Falemos agora dos delictos e das penas, consignados no código de Manu. Segundo o código, os crimes mais graves e assim declarados pelos legisladôres, são: Matar um bráhmane; Roubar o dinheiro de um brâhmane; Bebêr licores fermentados; Commettêr adultêrio com a mulher de seu pai natural ou espiritual; E ainda quaesquer relações com o homem, que tais crimes praticou[25]. [25] XI, 54. Alem dêstes crimes, são punidos pelo código: Qualquer assassinio; O roubo; A injúria e a calúnia: O falso juramento; O estupro; A negação de dívida ou de objecto depositado; Dar asilo e alimento a ladrões; A demolição de tanques, edificios e pontes; Falsificação de cereais; E outros delitos secundários. * * * * * Entre as penas, applicadas aos differentes delitos, devemos especializar: A pena de morte; O confisco; A amputação dos membros; A multa pecuniária; A prisão; O exilio; A escalvação; O azeito a fervêr, etc. A _pena capital_ applica-se, por exemplo, áquêlle quo roubou a pessoas de boa familia, principalmente se o roubo é de mulheres ou jóias de grande prêço[26]. [26] VIII, 323. O _confisco_ applica-se, entre outros casos, aos ministros que, encarregados dos negócios públicos, danificam os interesses, cuja manutenção lhes é confiada[27]. [27] IX, 231. O _exílio_ aos que juram falso[28], o aos adúlteros[29]. [28] VIII, 123, 219. [29] VIII, 352. A _multa pecuniária_ ao insulto em geral, e aos factos de somenos importância[30]. [30] VIII, 267-271, 332, etc. A _mutilação de membros_ ao ladrão que dêlles se serviu para fazêr mal[31]; e a outros criminosos[32]. [31] VIII, 334. [32] VIII 325, etc. O _azeite a fervêr_ lança-se nos ouvidos e na bôca do que ousou admoestar um brâhmane sobre o cumprimento dos seus deveres[33]. [33] VIII, 272. *IX* Conforme já indicámos, observa-se que, na penalidade indiana, as penas não são tão graduadas pelos delitos, como pela classe dos delinquentes e daquêlles que são lesados. Assim: Na petição de juros, o credôr poderá exigir de um bráhmane _dois_ por cento ao mês, de um kchatriá _três_ por cento, de um vaysiá _quatro_, e de um çudra cinco[34]. [34] VIII, 142. Um kchatriá, se injuriou um bráhmane, pagará a multa de 100 panás[35]; um vaysiá a multa de 150 ou 200 panás; e um çudra terá pena corporal. [35] _Paná_, moeda de cobre. A maior multa eleva-se a 1:000 panás. (VIII, 138). Um bráhmane terá apenas a multa de 50 panás, por ultrajar um homem da classe militar; se o ultraje fôr contra um homem da classe commerciante, pagará 25; e 12, se fôr contra um çudra[36]. [36] VIII, 267 e 268. Se um çudra injuriar gravemente um dwidja[37], ser-lhe-á cortada a língua, ou introduzido na bôca um ferro em brasa, porque é a mais desprezível criatura humana[38]. [37] _Dwidja_ é qualquer homem das três primeiras classes, que foi investido do _cordão sagrado_. [38] VIII, 270 e 271. Se entre um bráhmane e um kchatriá houve insultos recíprocos, o brâhmane será condenado á pena ínfima, e o kchatriá á pena média[39]. [39] VIII, 276. Para comprovar ainda o facto de desigualdade legal na applicação das penas, citaremos finalmente o texto seguinte: «Um bráhmane adúltero é comdenado a uma tosquia ou escalvação ignominiosa, nos mesmos casos em que um homem das outras classes é punido com a morte[40]. [40] VIII, 379. *X* Não obstante a desigualdade perante a lei, vício capital na penalidade indiana, entrevê-se, de espaço a espaço, no código de Manu, um clarão do justiça, que não illuminou por certo todos os códigos menos antigos. E, com effeito, o legisladôr indiano ordena que o rei não deixe de punir seu proprio pai, seu mestre, seu amigo, sua mãi, sua esposa, seu filho, se elles não cumprirem seus devêres[41]. [41] VII, 17,18, 30. Ácerca da naturêza da pena, há no código de Manu ideias que ressumbram uns longes de alta filosofia e de profunda moralidade: «A punição é a justiça,--diz admiravelmente o código;--a punição é um rei cheio de energia, e um sábio admnistradôr da lei. «A punição governa e protege o gênero humano; a punição véla, emquanto todos dormem. «A punição não póde sêr infligida convenientemente por um rei que não tem bons conselheiros, que é imbecil, ambicioso, cuja intelligencia se não aperfeiçoou no estudo das leis, e que é dado aos prazêres dos sentidos[42]. [42] _Esprit des lois_, chap. XIII. *XI* Consignada perfunctoriamente a lêtra e o espírito do _Manava Dharma Sastra_, com referência á penalidade, desta ligeira exposição resalta a virtude, o defeito e a importancia daquêlle sistema penal; e ainda a convicção de que a penalidade indiana é, nalguns pontos, mais plausível que a penalidade dos povos europeus, em épocas que nos são mais próximas. Nota-se na penalidade indiana a desigualdade, e talvez a arbitrariedade; mas, até os fins do século passado, qual foi na Europa a sociedade, em que as leis se libertaram daquêlle vício? Por outro lado: as penas não eram só applicadas com mais barbaridade, do que ao depois o foram, na vigência do código visigótico, das ordenanças da dinastia carolina, em França, e da justiça ecclesiástica em todo o sul da Europa. Mais ainda: não se vê consignada no código de Manu a ideia de vingança; em todos os códigos da Europa, até o seculo XVIII, sabemos que a pena procedia da ideia de vingança. O termo _vindicta_ consubstanciou-se com a legislação penal da Europa; e, quando os legisladôres viram que era tempo de afastar da penalidade a ideia de vingança particular, fizeram que a pena derivasse da _vindicta_ pública... Nos proprios tribunais ecclesiásticos, o _ministério público_ era exercido por um agente especial, que se chamava _vindex religionis_ (vingadôr da religião). Para que desapparecesse esta falsa ideia sôbre a origem das penas, foi mister que a sciencia e a consciencia erguessem a vóz da justiça; que Montesquieu protestasse contra a barbaridade das penas[43]; que da Italia se levantasse o grito eterno de César Beccária; e que por fim os Estados Gerais de 1789 escrevessem na primeira folha da grande revolução: «A lei é a mesma para todos, premiando ou punindo. «Ninguem é prêso, senão nos casos fixados na lei. «A lei só estabelece penas estricta e evidentemente necessárias; e ninguém é punido, senão em virtude da lei estabelecida e promulgada anteriormente[44].» [43] O marquez de Beccária publicou em Monaco (1764) o seu _Tratado das penas_, que em dois annos teve seis edições. [44] _Déclaration des droits de l'homme_, art. 6.º, 7.º e 8.º * * * * * O direito penal é uma sciência progressiva. Lentamente embora, o direito penal moderno vai accusando salutares progressos; e, se não é permittido aspirar á realização das utopias de Girardin[45], é licito confiar em que o progresso arrastará comsigo a sciência penal; e em que os princípios da justiça social e as noções superiôres do direito hão de ir allumiando as páginas de todos os códigos, radicando-se cada vêz mais na consciencia universal. [45] _Le droit de punir_. _Lisboa, 1892, maio._ CANDIDO DE FIGUEIREDO. *** End of this Doctrine Publishing Corporation Digital Book "A penalidade na India segundo o Código de Manu" *** Doctrine Publishing Corporation provides digitized public domain materials. Public domain books belong to the public and we are merely their custodians. This effort is time consuming and expensive, so in order to keep providing this resource, we have taken steps to prevent abuse by commercial parties, including placing technical restrictions on automated querying. 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