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Title: Garatujas Author: Freitas, Joaquim de Melo, 1852-1923 Language: Portuguese As this book started as an ASCII text book there are no pictures available. *** Start of this LibraryBlog Digital Book "Garatujas" *** disponibilizadas pela Biblioteca Digital da Ria-BibRia) *GARATUJAS* por *Mello Freitas* Bacharel formado em direito, Socio correspondente da Sociedade de Geographia de Lisboa, Socio fundador da Associação dos Jornalistas e Escriptores portugueses e mais nada. Tem versos naturaes, parecem prosa! Bocage (Sonetos). AVEIRO IMPRENSA COMMERCIAL Rua de José Estevam. 1883 * * * * * *Voz no deserto.* João de Deus é incontestavelmente o nosso primeiro lyrico. Homem que acredita em Deus para não ser um João "Ninguem" que, nas vesperas d'uma epedemia, caiou d'alto abaixo a povoação inteira de Messines, e que no remanso d'alma inventou com affecto um methodo racional de leitura para alegria e allivio das creanças, qual outro mais apaixonado, de maior delicadeza e tão mavioso? Atraz d'elle grasnou por largo espaço de tempo um rancho de patos n'uma vozeria medonha imitando-lhe a belleza das rimas, e a estructura da phrase. A "Morte de D. João" de Guerra Junqueiro produziu de subito um cataclysmo como se se rasgassem as entranhas da terra e uma cratera se abrisse vomitando a lava em rolos de fumo. Todos se julgaram n'esse instante com direito a molharem o pincel nas côres iriadas de tão esplendida palheta, esboçaram por isso com as mesmas tintas os perniciosos fructos do lupanar, cantaram o mercurio, a copahiba e a syphilis, esfalfaram as pluraes dos adjectivos, evocaram a desditosa Ophelia, obrigaram Christo a marchar em todas as linhas das suas estrophes, e finalmente prenderam a cotovia entre alexandrinos caudalosos com os epithetos mais extravagantes bebidos na leitura da opulenta prosa de Flaubert, Zola, e Daudet. Na esteira phosphorescente do sublime trecho de Soares Passos--"O firmamento"--muitos outros gonfaloneiros da poesia scientifica tem actualmente interrogado o mysterio e a duvida, hasteando um labaro de perguntas mais causticas do que um emplasto de mostarda, pimenta e cantharidas. O plagiato é o grande affluente, que assopra as vagas empoladas da litteratura. Vou por certo, estuando e redemoinhando, entre os cachões d'aquelles que não inventam, mas imitam, e hoje que os maiores poetas do nosso paiz arfam dentro de encadernações luxuosas, e gemem em papel velino, no bello typo renascença as suas endechas mais subtis e trascendentes, para me affastar d'elles, e lhes não manchar a chlamyde guerreira, se obedecesse aos impulsos do meu merecimento devia gravar o escalracho dos meus sonetos, carregados de lepra, na casca doente dos platanos ou imprimil-os, quando muito, em papel pardo. Esta confidencia é talvez esteril, mas urgente. 31 de dezembro de 1882. *Mello Freitas* *No Passeio Publico* A charanga transuda uma _gavotte_: Dois caturras discutem acirrados, E com bengalas corneas d'estoque Vibram politica em medonhos brados; Um coronel solemne, um D. Quichotte Exige a continencia d'uns soldados, E trauteando a polka da Mascotte Giram damas a passos alquebrados; As _lorettes_ com artes de raposa Perseguem os alferes; conjecturo Que não seja talvez p'ra boa cousa. Finalmente um burguez, nedio, maduro Ri do estado inter'ssante de sua esposa Porque se julga o pae do nascituro. *Forget me not.* (não me esqueças) Não te esqueço, florinha humilde e bella Que tornas a campina um firmamento, Innocente, sublime bagatella, Joia viva, risonho monumento. Não sei que poesia encontro n'ella, Que instilla em roda ethereo, vago alento Tão breve, tão discreta, tão singela, Qual pyrilampo, o nitido portento. N'essa titilação fosforescente, Lagrima-esmalte da urze tão subtil, Abrandas as escarpas da torrente Mensageira do lascivo mez de abril Quem te não ama, o coração não sente Miniatura com petalas d'anil! *Vendetta* Juraste a minha perdição, ingrata, A quem adóro como adóro a vida Casta flôr, flôr de neve estremecida, Que sorris, quando o teu olhar me mata. Gravei no peito aquella rubra data Em que te vi, amor! qual na avenida Se entalha na fiel casca endurcida O nome da huri, que nos maltracta E, apesar de seres tão bella e mansa, Folgas que a desventura me persiga Dilacerado de cruel esp'rança. Seja assim! É atroz minha vingança, Pois que amôr e odio tanto me castiga, Cada vez te amo mais, dôce inimiga. *Desditosa cecem!* Pobre flôr, que se estiola Na vertente da montanha, Ninguem aqui te consola Fria sombra te acompanha. Commoção que te desola! Uma peçonhenta aranha Sobre a nitida corolla A sua rede emmaranha! Quem te lançou no degredo D'este acerbo pavimento Para te olvidar tão cêdo? --A meus paes fugi mesquinha Fugi nas azas do vento Triste sorte foi a minha!... *O Marquez de Pombal* _Le Roi Faineant_ cerrará os olhos E partira entre nuvens para o ceu Surge, depois, na côrte um escarceu Que brame da vingança nos escolhos D'altas vagas de bronze nos refolhos Poz a Intriga um galeão como trofeu A effigie de Pombal tinha em labeu Jaz na poeira, no olvido, e nos abrolhos. Então a Inveja alastra a baba escura Qual serpente, que as roscas ennovela E a empreza do ministro transfigura. Entretanto o Marquez com amargura Diz fitando a grosseira caravella: --_Lá te vaes Portugal agora á véla._-- *Abandonado!* Uma fita prendi côr de saphira No leve, tenue pé d'uma andorinha; Este anno regressou a pobresinha E junto ao ninho seu constante gira. Quando o sol no horisonte se retira Esvoaça em redor de mim sósinha; Tambem esta alma, soffrega, mesquinha Por ti enfeitiçada geme, expira. Ella na espuma branca, qual arminho Foge no mar á raiva dos açores Não perdendo a lembrança do seu ninho Só tu na primavera dos amores, Como vibora occulta em rosmaninho, De mim te olvidas na estação das flôres. *Garibaldi* (Fallecido a 1 de junho de 1882.) É morto o _condottiere_, o paladino Soldado da rasão e da justiça Forasteiro, que o sangue desperdiça Nas refregas do tragico destino. Genio do bem, suave e peregrino Estatua de luz e amor toda massiça A cujo aspecto a multidao submissa Se agrupa em alvoroço repentino, Guerrilheiro da America indomavel Espada de Dijon, e da Marsalla, De Napoles e Roma inconsolavel! O solitario de Caprera é morto, E, quando o heroe no tumulo resvala, Um calafrio gela o mundo absorto. *Imprecação* Para que te amava eu? Corpo d'espuma Cruel enlevo de labios setinosos Onde bailam desejos luminosos Estrella, que de luz o ceu perfuma. Para que te amava eu? Que densa bruma Me offusca de saudade em tons nervosos Desfolhando com gritos lacrimosos As petalas d'amôr uma por uma? Para que te amava eu? oh! praza aos ceus Que em quanto o sol girar pelo universo Naufragues da paixão nos escarceus. E porque soffro na tristeza immerso, Pallido goivo ao pé dos mausoleus, Oxalá que o amôr te seja adverso! *O terremoto* Com fragor açoitando a vaga escura, O temporal irado, espumacento Cavalga um perfido corcel--o vento-- Que solta gargalhadas de bravura. Treme a terra, e com horrida figura, Como Athlante, sacóde o turvo argento; Nos gonzos oscillando o pavimento, Dançam torres no assomo da loucura. Vae o fogo alastrando o aureo manto, As ruinas trucidam fugitivos, Que sangrentos se abraçam convulsivos! --O que fazer?--inquire o rei em pranto, O ministro lhe diz com nobre espanto: --_Sepultar mortos, e cuidar dos vivos._-- *Entre palmeiras* Faiscam os jaezes dos Cavallos, Vibra o som dos clarins pela athmosphera; No dorso de elephantes reverbéra A seda e prata em crebros intervallos. Rodeado de innumeros vassallos Intrepido radjah de côr austera Busca o tigre e leão, onça e panthera Crusando as selvas, e galgando os vallos. No cerrado paul ondula a brenha E um leão de medonha, hirsuta juba Em furioso valor se desentranha. A raiva dos lebreus o estimula, Os dardos o trespassam, mas derruba O radjah, que nas vascas estrangula. *Nostalgia* Nos estuarios alpestres do Brasil, Onde o sol inflammado resplandece, A cabilda dos negros desfallece Sob o látego torpe e mercantil. Nas areias matisa-se febril O ouro virgem, e no spatho permanece O diamante, que arisco se aborrece Entre o cascalho estupido, imbecil. O escravo, quando avista um diamante De dezesete _carats_ quebra fôrro As algemas sorrindo triumphante. Que me valeu porém o descobrir-te Diamante sem rival?--Suspiro e môrro A teus pés almejando possuir-te. *No confissionario* D'um frade libidino e bronzeado Ortego desenhou o rosto bento, Grave ausculta no sexto mandamento Uma joven do seculo passado; Fascinada respira o ar mesclado Das lascivas perguntas de convento, Que se aproveitam do veloz momento Galopando na senda do peccado. A pobre flôr arqueja palpitante Sob esse olhar, que vae como despil-a Mystico, corrompido e triumphante. E na cruz soffredor, agonisante, Mudo Christo de velha e tosca argila Pasma da habilidade do farçante! *Boletim militar* _1814_ Vae rir-se desdenhosa a sombra de _Pombal_! Era doida a rainha. O principe regente Ostentando gentil a bochêcha eloquente Tinha bom appetite e ventre clerical, Mas logo que Junot açaima Portugal Embarca a toda a pressa e deixa a nossa gente, Panda véla o conduz ao Brasil florescente, E rapido imagina um plano theatral. Veloz como no monte a trepida gazella, É certo resguardava a insipida pessoa Adiposa e feliz para cingir a c'rôa, E da nação em prol tão lorpa se revela, Que nomeia coronel do exercito á cautela O Santo Thaumaturgo Antonio de Lisboa. *Taborda* Taborda, altivo heroe da gargalhada, Que dominas no palco com bravura, Quando vier sobre ti a morte escura, Hade sentir-se humilde, deslumbrada. E rindo a vez primeira enthusiasmada, Desfranzindo a medonha catadura, Ao vêr-te e ouvir-te em alegria pura, Despedaça a féra clava ensanguentada. Como subjugas cauto a morte ingrata, Vences tambem risonho a dúctil alma D'esta multidão gélida, pacata. E Satan abysmado diz em calma: --Sim?!... Mais almas do que eu elle arrebata? Já Diabo não sou!... Leva-me a palma.-- *Antonio Pedro* Antonio Pedro, astro fulgurante Que cruzas do tablado a vasta senda Como guerreiro impavido da lenda, Que, em busca de proesas, vaga errante. Eil o cingindo as armas de diamante! Sem que o cansaço, ou vil temor o prenda, Cada vez mais se engolfa na contenda, Em prol da esquiva fama alti-sonante. Quando o veu do futuro descortino No alcáçar da justiça, que rebrilha Sabeis o que descubro, e vaticino? (Isto me pasma! transporta! e maravilha!) Votado a berço humilde p'lo destino Filho do povo,--a _Gloria_--te perfilha! *Mysterioso abysmo* Tepido sonho de luz corpo, que destila aroma sublime e claro axioma espargindo amor a flux! Uma vertigem produz teu olhar, o seio, a côma, voluptuoso symptoma que a phantasia traduz. Debil flôr, que o sol admira beijando com azedume as estrellas de saphira... mas ninguem sequer presume que o meu coração expira na mortalha do ciume. *Na floresta* Conversa nos abetos a bafagem, Nas franças range o vento compassado E á matilha esquivando-se um veado Pasma de vêr no bréjo a sua imagem. Que rumor tão subtil, que doce agrado, Poesia terna e perfida, selvagem, Em que os echos se arrastam na folhagem Entre doceis de musgo avelludado. Irrompem as gazellas nos aceiros E as cobras apparecem na giesta Quando as gralhas alagam os olmeiros. Triste como o silencio da floresta, Oiço dentro de mim uivos d'horror. Combatem dois leões--_Ciume e Amor!_ *O cão de bordo* A cerração é densa. O pobre hiate Sem leme desarvóra na refrega; Penetra na escotilha a onda céga, Alquebra-se o baixel no duro embate. A trovoada estala, a prôa abate; No escaler a maruja ao ceu se apéga, Este a vida infeliz surdo lhe nega, Que as lagrimas não bastam p'ra resgate!... Um cão hirsuto, magro, avermelhado, Com os olhos chorosos, flamejantes, Que brilham como negros diamantes Late com desespero, busca a nado, Mergulha entre os cadaveres boiantes, O dono encontra, e morre extenuado. *No harem* No matiz do tapete auri-felpudo Haydé reclina as fórmas langorosas, Scismam d'inveja purpurina as rosas Admirando-lhe as faces de velludo. Modelo, que convida a obsceno estudo N'um desmaio entre gazes vaporosas P'las cassoulas de prata sumptuosas O ambar, o beijoim arde a miudo. Quando rompe nos ceus a madrugada Sentem-se beijos em lascivo espasmo Que illuminam a alcôva perfumada E um eunucho--decrepito sarcasmo!-- Que a barbacã vigia na esplanada, Crê-se na terra um mero pleonasmo. *Esculptura* Que bella estatua! Collo d'alabastro, Um riso de crystal, faces ardentes, Um adreço de perolas os dentes E os olhos chispam o fulgor d'um astro! De maus intentos o porvir alastro Porque passando desdenhosa sentes, Que intimidas com lividas correntes Quem doido beija o sulco do teu rastro. Paradoxo cruel! treva d'arminho, Idolo deslumbrante, ruim creança Que da ternura forjas sevo espinho! Quando te vejo occorre-me a lembrança, Flôr de gelo, sinistro rosmaninho, D'enforcar-me a sorrir na tua trança. *Cavatina* (Palavras ditas entre bastidores a uma corista) Tenho ideias com-_fusas_ e geladas Sobre a _escala_ do amor onde resplende _Lá_ n'esse vivo _sol_, que mais se accende _Rallentando_ as promessas calculadas. A _gamma_ dos suspiros não attende, É de mau _tom_ possuir lindas manadas D'amantes, que se _afinam_ nas ciladas Das _pausas_, que o desejo não entende. Algumas joias quiz com ar guapo E a _compasso_ dos negros agiotas Outras requer n'um prodigo--_dá capo_. Morre-se--diz o _adagio_--d'alegria Portanto se eu pagasse em boas _notas_ Expiravamos ambos d' ... _harmonia_. *No theatro anatomico* Sobre a meza de marmore luxuosa Descança scintillante formosura D'uma creança esbelta, uma pintura, Que parece dormir silenciosa. As alvas rômas, que a virtude espósa São como alegre ninho de candura; Tão fresca, tão sentida e melindrosa, Causa pena entregal-a á sepultura. Os estudantes em prodiga algarvia Retalhando o cadaver delicado Jogam chufas de sordida alegria. Mais tarde o esqueleto dissecado Assiste ás prelecções d'anatomia Á escuta com ar petrificado. *Epitaphio* Meu coração aqui jaz, erma ruina Onde habita a ironia, o vil phantasma Golphão anachoreta entre o miasma Perseguido p'la brisa crystallina. O lyrio, o trevo ri junto á bonina, Só de raiva a minha alma abdica, pasma Porque a tristeza famulenta traz-m'a Nas duras garras d'ave de rapina. Meu coração aqui, sob esta alfombra Dos pallidos desdens, justos ciumes Adora morto e frio a tua sombra. Até que emfim--oh ceus!--os meus queixumes Te despertam o choro, que me assombra Envolvendo o cadaver em perfumes! *Aquarella* Accorda a sombra tacita do lago, Do rouxinol a candida volata; A lua em chispas tremulas de prata Imprime ao lesto amor um tom presago. O vento raro e brando com afago O tredo esquife languido arrebata E o transporta subtil, como um pirata, Dando azas ao terror ignoto, vago. Suspira na floresta a morna aragem, As 'strellas trocam beijos delirantes, Que mais excitam castellã e pagem, Eis brilha uma coiraça junto á margem E a frecha sibilando alguns instantes Acaba n'um só golpe os dois amantes. *Testamento* Lego uma trança do cabello d'ella Para atar um cavallo á mangedoura E as cartas da flacida impostora Para embrulhar assucar e canella. Ao credulo rival, deixo, leitora, A licença de entrar pela janella; Outrosim deixo as ligas e a fivela Que cingiram a perna encantadora: Os beijos que me deu ficam comigo E a memoria das noites palpitantes Hade caber tambem no meu jazigo. O seu retracto irá ao lupanar P'ra assistir á luxuria das bacchantes Já que a dona não vae em seu logar. *Barcarola* «Corre, vôa, borboleta, vae graciosa Libar ondas de nectar delirante A anémona cingir, o lyrio, a rosa Com a aza fugitiva, coruscante. «Vae soffrega d'amor e sê ditosa. Dá-se no ceu um caso semelhante Quando estrellas em noite vaporosa Se abysmam n'uma queda extravagante. «Vae mariposa, a chamma te fascina Na aresta do ludibrio, como esphinge Em deserto d'areia crystallina.» Callam-se as vozes; picam-se as amarras; A gondola deslisa e o mar attinge Ao som dos bandolins e das guitarras. *Bric-à-brac* O dono miseravel da locanda O _brocanteur_ terrivel, sanguinario Agonisa n'um catre solitario D'uma alcova minuscula, execranda. Affinca as mãos convulso n'um rosario, Ao ceu a vida, supplice, demanda, N'uma imagem de Christo veneranda Crava os olhos de abutre, de corsario. Pois apesar das lagrimas-remorsos Das victimas do seu medonho trama Ruins phantasmas de lividos escorços. Nos paroxismos vende, além da cama, O Christo a um judeu, e em vis esforços A alma entrega a Satan, que lh'a reclama. *Paysagem* O sol adormecera no horisonte; As nuvens em retalhos somnolentos, Parecem nos bisarros tons cinzentos O grupo despenhado de Phaetonte. O riacho deslisa ao pé do monte Em frequentes e turgidos lamentos; A philomela ensina o canto aos ventos No chorão, que murmura junto á fonte. A varzea rescende á larangeira! Da cathedral nas frestas em ogiva Um rancho d'andorinhas s'enfileira; E nas trevas soluça a sombra esquiva Do coveiro, que planta uma roseira Onde jaz a venal filha adoptiva. *Vae victis* (_Struggle for life_) Rasga sacrilego a amplidão celeste Um milhafre com azas pardacentas E a cotovia harmoniosa investe Armando as garras torpes e cruentas. Negro como o lethargo do cypreste, Rosna o vento nas franças macillentas, O sol dardeja n'um pallor agreste Que enthusiasma as nuvens corpolentas. A luz crua p'lo espaço se derrama, Engrossam os trovões em alcateia, Rutila do corisco a alegre flamma. A presa que o milhafre saboreia É o emblema do fraco, o velho drama Que o systhema do mundo patenteia. *Episodio balnear* N'uma _soirée_ heroica, ignea e linda Jurára o fulvo Arthur até á morte Ser da formosa e pudibunda Olinda Chumbando a ella p'ra sempre a sua sorte. Por ella ao inferno iria, o mar ainda Beberia d'um trago! Ella é seu norte, Meiga estrella de lucido transporte, Palpitante de rubra graça infinda. De manhã cêdo a nossa _Julieta_ Desce nas crespas vagas a banhar-se Mascarada n'um fato de baeta E quando grita prestes a affogar-se, Chega _Romeu_, exhibe uma gorgeta, Mas não vae lá, que teme constipar-se. *Reischoffen* _6 de Agosto de 1870._ Desfraldam-se estandartes e trombetas, Ouve-se o crepitar da espingarda; Quando o canhão rouqueja á retaguarda Scintilla a larga messe das baionetas. As coiraças protegem a vanguarda, Dos capacetes poisam nas facetas As crinas marciaes, vermelhas, pretas, Com expressão terrivel e galharda. Bonnemain determina a voz de carga: Os estribos telintam, fulge a espada, Debalde a morte os esquadrões embarga. N'esta lucta cyclopica, gigante, O exercito francez em retirada Teve assomos d'heroismo deslumbrante. *Extra-muros* NOTAS No passeio publico *Le roi fainéant*.--Allude-se a D. José. A contar de Clovis II até Pepino o Baixo, os reis da dynastia merovingia são designados na historia de França como reis _fainéants_, porque estiveram em permanente tutela debaixo da auctoridade e poderio dos _Maires du Palais_. No passeio publico *Lá te vaes Portugal agora á véla.*--Ao amanhecer d'um dos primeiros dias do mez do Abril de 1777, arrancaram do pedestal da estatua equestre o retracto do Marquez de Pombal, e em seu logar collocaram as armas de Lisboa--o navio com os dois corvos proverbiaes na lenda piedosa de S. Vicente. É tradicção que o Marquez disséra então com acerado sarcasmo--Agora é que Portugal vae á véla-- Vide Latino Coelho--Historia Politica e Militar de Portugal no seculo XVIII, pag. 168. O marquez de Pombal *Enterrar os mortos e cuidar dos vivos.*--Alguns attribuem o dito ao illustre general Pedro d'Almeida, marquez de Alorna--(Ferdinand Denis--Histoire du Portugal, pag. 353.) Garibaldi *Nostalgia.*--Veja-se Oliveira Martins==_Brasil E colonias portuguezas_, pag. 86 e 87, sobre os diamantes do Jequitinhonha,==e Leon Gozlan, no seu romance _Histoire d'une diamant_, pag. 53, que diz n'uma bonita phrase encarecendo a difficuldade da pesquisa dos diamantes, que _os seus cofres estão sellados com spatho, jaspe e ferro_; e acerca das minas de Visapur, (Bedjapour) vejam-se as paginas 134 e seguintes. O _carat_ era a unidade de peso usada antes do systema decimal para pesar os diamantes, as perolas e as pedras preciosas, e era avaliada em quatro grãos, cerca de 22 centigrammas. O Terremoto *Boletim militar.*--O Marquez de Pombal contractára generaes estrangeiros para a honrosa defeza do paiz, fortificára a fronteira, arcára com a curia romana, tecera uma bem urdida rede diplomatica, reconstituira o reino, e tinha deixado os cofres do estado repletos. Sob o governo da rainha mentecapta o dinheiro gastou-se e o civismo como que desapparecera no alçapão d'uma magica. Foi então que Santo Antonio, que no tempo de D. Pedro II sentára praça e subira a major (Oliveira Martins--Historia do Portugal, tom. 2.º, pag. 179) ascendeu ao posto de tenente coronel. Ha poucos annos correu na imprensa o celebre diploma, que concedeu tão exotica patente ao thaumaturgo. INDICE Voz no deserto No passeio publico Forget me not Vendetta Desditosa cecem O marquez de Pombal Abandonado Garibaldi Imprecação O terremoto Entre palmeiras Nostalgia No confessionario Boletim militar Taborda Antonio Pedro Mysterioso abysmo Na floresta O cão de bordo No harem Esculptura Cavatina No theatro anatomico Epitaphio Aquarella Testamento Barcarola Bric-à-brac Paysagem Vae victis Episodio balnear Reischoffen Extramuros *** End of this LibraryBlog Digital Book "Garatujas" *** Copyright 2023 LibraryBlog. All rights reserved.