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Title: Lyra da Mocidade - Primeiros Versos
Author: Júnior, Faustino Fonseca
Language: Portuguese
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*** Start of this LibraryBlog Digital Book "Lyra da Mocidade - Primeiros Versos" ***


+LYRA DA MOCIDADE+



TYP. ARTISTICA
27--Rua do Visconde de Bruges--29



+Faustino Fonseca J.^or+


+LYRA DA MOCIDADE+

(Primeiros versos)


Angra do Heroismo

1892



A MEU AVÔ

O SNR. ANTONIO RODRIGUES DE FREITAS



+LYRA DA MOCIDADE+


Os versos na mocidade
   Todos fazem, e a razão
   É serem necessidade
   Aos risos do coração.

O futuro côr de roza,
   O mundo cheio de encantos;
   A nossa alma jubilosa
   Não chorou amargos prantos.

Desde o ar que se respira,
   Ao ceo da côr de saphira,
   Tudo ri e diz--Amar!

E contemplando a belleza,
   O sorrir da natureza,
   Sabemos todos cantar.



+ELLA+


O busto esculptural e primoroso,
   O braço torneado, a linda mão,
   O rosto avelludado e tão mimozo
   Que da roza assemelha-se ao botão.

O cabello d'um negro tão lustroso,
   A boquinha vermelha, ó perfeição!
   O olhar d'um fulgôr tão radioso,
   Que belleza e ternura d'expressão!

Ao vêl-a devaneio, fico louco,
   Creio que o meu amôr todo inda é pouco
   Lembrei-me, e se deixasse de a adorar?

Pode deixar d'amar-se os astros lindos,
   Do ceo e terra os dons os bens infindos,
   A luz doce e tão pura do luar?


Angra do Heroismo,
1890



+O MAR+


Gigante irrequieto, immenso mar,
   Inspira-me tão funda nostalgia
   O teu sonoro e doce murmurar!

Quando ao sol posto a areia luzidia
   Tu vens traquillamente rebeijar
   N'alma despertas maga poesia.

O teu esverdeado transparente
   Fala-nos meigamente d'esperança
   A ondular poetico, dolente,

Beijado pelas auras da bonança;
   Parece-me o brincar puro, innocente,
   Inofensivo e meigo da creança!

     *     *     *     *     *

Mas quando agitas o teu seio immenso
   No voltear das vagas alterosas
   Rugindo com fragor enorme, intenso,

Já não tem expressões harmoniosas
   Teu palpitar e n'essa hora eu penso
   Em coisas bem sinistras, pavorosas.

Ó monstro, no teu seio tens sumido
   Victimas aos milhões, causas terror,
   Tens navios, cidades engulido.

Será um côro de vingança e dôr
   Das victimas, ó mar, o teu rugido,
   Ou do remorso o pávido clamor?


Angra do Heroismo
1890



+31 DE JANEIRO DE 1891+

Aos Revolucionarios do Porto


Foi ha um anno já! Leaes, ardentes
   Filhos do nosso querido Portugal,
   Viva, viva a Republica! Valentes,
   Bradaram em hosana triumphal,

Ao som da Portugueza revoltados,
   Hastearam ao sol nosso pendão,
   E pelo Justo Ideal, rudes soldados,
   Luctaram sempre até morder o chão!

Os cerbéros fieis da monarchia
   Afogaram, porém, a rebeldia
   Em ondas de bom sangue, carniceiros!

E os bravos que luctavam com esperança
   Cahiram a bradar: Odio! Vingança!
   . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
   É tempo já! Vingar os Companheiros!


Lisboa, 1982



+O GUERRILHEIR0+

Excerpto


. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Na lucta, sim! Na lucta! Ella ha-de ser perigosa,
   Tem força o estrangeiro e nós desamparados,
   Na lucta, sim, na lucta! Antes a morte honrosa
   E contra o invasor todos somos soldados.
Na lucta, sim, na lucta! A patria tão querida
   Não querem ambições estranhas respeitar;
   Não sabem que pr'a nós ella é santa guarida
   Onde temos familia, a mãe, a esposa, o lar!
A patria! O berço querido aonde nós brincámos,
   As doces illusões, formoso eden de amores,
   O prado onde corremos, onde balbuciámos,
   Onde tudo são risos, onde tudo são flôres.
Imaginar alguem que pode impunemente
   Roubar, acommetter a nossa boa terra!
   Á lucta havemos de ir desassombradamente,
   E por todos os meios lhe faremos a guerra!
Á lucta! Hão-de correr os rudes camponezes,
   Á lucta! Hão-de chegar os destros marinheiros,
   Á lucta! Hão-de accudir todos os portuguezes,
   Á lucta! Havemos de ir contra esses estrangeiros!
Os rios, a montanha, as selvas, o arvoredo,
   As pedras da calçada, os vagalhões do mar,
   O solo, o proprio solo! A voz do fragoedo,
   Tudo isso contra elles se ha-de levantar.
Á lucta! Ha-de echoar n'um gigantesco brado
   Da extensa planicie ao recondito val,
   O povo ha-de accudir. Um homem um soldado,
   Um soldado um heroe pr'a salvar Portugal!


Acto I Scena final



+PORQUE TE AMO+


Amo-te porque és tão linda
   Como é linda a luz do sol,
   Tens o frescor da alvorada,
   Tens a côr afogueada
   Como os tons d'um arrebol.

Amo-te porque és tão bella
   Como é bella a flôr mimosa
   Que viceja n'um jardim,
   A açucena ou o jasmim,
   O lyrio, o cravo, uma roza.

Amo-te porque fascinas
   Com esse olhar fulgurante
   Que asseteia os corações,
   D'esses olhos dois carvões,
   A graça do teu semblante.

Amo-te porque és bonita
   Com esse preto cabello,
   Em anneis fulvos, sedosos,
   Cobrindo os hombros formosos
   Fulgurante, crespo, bello.

Amo-te emfim porque és meiga
   Qual pomba que arrulha mansa,
   Porque és boa e carinhosa,
   E esta alma angustiosa
   Precisa d'amor, creança.

Precisa d'amor! Não sabes
   Que é luctar o viver?
   O homem soffre amarguras
   Por isso busca ternuras
   No seio d'uma mulher.


Angra do Heroismo
1892



+A SAUDADE+


Era de tarde ao pôr do sol, a brisa
   Vinha fagueira a remecher as flôres,
   Iam velozes sobre a fronte liza
   Do Tejo d'ouro de ideaes amores,

Ligeiros barcos, avesinhas mansas.
   Desferidos em harpas geniaes,
   Por virgens d'olhar meigo e loiras tranças,
   Vinham threnos sublimes, ideaes.

O mundo todo pleno d'harmonia.
   Eu, só, fitava a solidão do mar
   Dominado d'ideal melancolia.

E que buscava então na immensidade?
   É que me vinha fundo cruciar
   O acerado espinho da saudade!


Algés, 1890



+ESPERANÇA+


Fitei o teu retrato tristemente
   Cansado do trabalho, sem alento,
   O espirito meu n'esse momento
   Soffria acerbamente, amargamente.

Comtemplei-o e dei-lhe um beijo ardente
   Para desafogar o sofrimento,
   Pareceu-me que sorrias, pensamento
   Que me passou no cerebro latente.

E fui abandonado pl'a tristeza,
   Recobrei para a lucta mais vigor
   Trabalharei tenaz e com firmeza.

Vou-me tornar estoico contra a dor.
   Eu vi n'esse sorrir de tal belleza
   A firme espr'ança d'um eterno amor!


Lisboa, 1891



+Á MEMORIA

DE

ALFREDO LOPES+


Viver! O que é viver! Arrastar a existencia
   No vasto labyrintho onde só reina a dor;
   N'um pouco de materia é guia a consciencia
   Quasi a perder-se a força, a faltar o valor.

Morrer! Passar além! Da lucta repousar,
   Deixar por uma vez do mundo as agonias;
   Descer á terra mãe, os lyrios fecundar,
   Servir de refeição aos vermes nas orgias.

Mas coisa alguma nasce e coisa alguma morre.
   Transforma-se a materia em mil combinações:
   Seiva, no vegetal as hastes lhe percorre;
   Sangue, faz palpitar os nossos corações.

Tu então não morreste; apenas d'esta lida
   Immensa, em que mostraste o fulgido talento,
   Descanças. No teu corpo ha ainda essa vida
   Que palpita da terra ao proprio firmamento.

A vida da materia. Então bellas, formozas,
   Por cima d'essa campa onde agora repouzas,
   Hão-de brotar de ti as lindas flores viçosas
   Na vaga poesia harmonica das cousas.

Rosas a recordar teu risonho futuro,
   A tua juventude os cravos em botão,
   O martyrio o finar na dôr tão prematuro,
   O cypreste a lembrar teu grande coração!


Angra do Heroismo,
9-9-88



+A REVOLUÇÃO+


Campeia a tyrania, esmaga, oprime,
   E da vontade o despota faz lei,
   Do povo a justa voz cala, reprime,
   Ou dictador, ou presidente, ou rei.

Calca aos pés os direitos mais sagrados
   E trucida os que querem reagir,
   Apoiam-n'o as bayonetas dos soldados
   Não teme pois da plebe o rebramir.

Mas de repente os odios comprimidos
   Estalam sanguinosos, em rugidos,
   Irrompem como a lava do vulcão,

Fazem voar o throno em estilhaços,
   A liberdade impõe com rudes braços,
   É a tua grande obra--Revolução--


Lisboa 1891



+ASPIRAÇÕES+


Oh! Quem me dera beijar-te
   A tua face rosada,
   Esses labios de carmim.
   Oh! Quem podesse abraçar-te
   E gozar, ó gentil fada,
   Caricias ternas, sem fim.

Quem podesse contra o seio
   Estreitar-te e essa boquinha
   Sorvel-a n'um beijo quente,
   E sentir-te em devaneio
   Palpitar, gosar, louquinha,
   Caricias de amor ardente.

Desprezando os preconceitos
   Sellemos com esse amor
   Potente da nossa edade,
   Estreitando os nossos peitos,
   Em plena vida d'amor,
   Mil juras de felicidade!

Que dizes, linda, pois córas?
   Antegosas as delicias?
   Suspiras rubra de pejo?
   Ou na tua mente infloras
   Esses milhões de caricias
   O amoroso d'um beijo?

Pois bem, gozemos, meu anjo,
   E sejamos sempre queridos
   Um do outro, minha flôr,
   E das delicias o archanjo
   Venha achar nos sempre unidos
   Gozando do nosso amor!


Angra do Heroismo,
1892



+OS CREPES DE CAMÕES+


Portugal jáz por terra! Esta patria querida
   Dos fortes, dos heroes, dos rudes marinheiros,
   Esta nação valente, homerica, aguerrida
   Que soube rechaçar outr'ora os estrangeiros,

Jáz por terra abatida! A bandeira de gloria
   Que fulgurou ovante ao sol de cem combates
   E sempre ha-de brilhar, aqui, em toda a historia
   Que foi desde o Brazil ás regiões do Gates.

Hoje roja-se no pó! De tudo o que tivemos
   De brio, heroicidade, altivez e coragem
   Nada nos resta já! Parece que viemos
   Perdendo tudo, tudo, em funebre viagem!

A propria honra se foi! Um insulto cruel
   Fez agitar um dia o lodaçal enorme,
   Houve gritos de raiva, amarguras de fel
   Mas já tudo passou! E o povo dorme... dorme!

O derradeiro arranco! Ao pobre muribundo
   Não resta d'esperança um lampejo fugaz,
   Hoje existe sómente a mostrar-nos ao mundo
   Um sepulcro marmoreo, um funebre _aqui jaz_.

Synthetizou outr'ora um esperançoso ideal
   Em honra do cantor das nossas tradicções,
   Hoje existe de pé por sobre o tremedal
   Um symbolo de morte:
                              O lucto de Camões!


Lisboa, 11-1-91



+A BORDO+


Vamos no alto mar, a noite lentamente
   Encobre pouco a pouco a abobada celeste;
   Ha pallidos clarões das bandas do occidente
   E sopra uma rajada aguda de Nordeste.

Corre a todo o vapor, com impeto potente
   O navio rasgando a superficie agreste
   Do gigantesco oceano. As ondas febrilmente
   Tem o tom verde-negro e triste do cypreste.

Só vemos ceo e mar, o horizonte enorme,
   Cercados pelo gigante immenso que não dorme
   No monotono circo é plena a solidão.

N'essa tremenda lucta o pensamento humano
   Mostra pujantemente, ao dominar o oceano,
   Um cerebro o que vale! o que é um coração!


A bordo do _Funchal_,
1891



+ROZA EM BOTÃO+

A. E. S.


Que lindo botão de rosa,
   Oh! como é bella esta flôr,
   E tens inda mais valor
   Por seres offerta amoroza.

Gentil, risonha e mimoza
   Elvira imitas na côr;
   Ella é pura como a flôr
   E tu como ella és formoza.

Mas, apesar da parecença,
   Sempre existe uma differença
   Em que te distingues d'ella;

É que a roza tem espinhos,
   Elvira ternos carinhos,
   Que a tornam inda mais bella.


Angra do Heroismo,
1892



+TEMPESTADE E BONANÇA+


Soprava rijamente o vento Norte
   E caía um terrivel aguaceiro;
   Enorme escuridão, lembrava a morte...
   Mas não descria o rude marinheiro!

Rugia o mar e ao soffrer o corte
   Da prôa revoltava-se altaneiro,
   Varria o tombadilho. Sempre forte
   Ia o vapor correndo audaz, ligeiro.

Echoava o trovão. Mas de repente
   Ao vendaval succede-se a bonança,
   O nevoeiro esvae-se lentamente,

A chuva pára, o oceano amansa;
   O sol mostra seu disco reluzente,
   Nos rostos pairam os sorrires d'esp'rança.


Lisboa 1891.



+AS ESTRELLAS+


Da minha alegre janella
   Vejo uma nesga do ceo;
   É noite serena, bella,
   Espaireço o olhar meu,

A contemplar as estrellas
   Que scintillam diamantinas,
   Recorda-me sempre ao vel-as
   Tuas graças peregrinas.

Que queres, pois se te não vejo,
   Como outr'ora, na varanda
   Trocando phrazes amantes?

Por isso mando-te um beijo
   Na briza suave, branda,
   Fitando os astros brilhantes.


Lisboa, 1891



+CEMITERIO+


No cemiterio alvejam mausoléos
   De pedras rendilhadas e custosas;
   Elegantes, guindados corucheos;
   Epithaphios, legendas caprichosas.

Ali jazem os ricos. Nas pompozas
   Inscripções se vae ler os nomes seus.
   Em outras campas só se vêem rozas,
   Goivos, martyrios, contemplando os ceos.

A jazida dos pobres. Trabalhando
   Morreram e ali estão alimentando
   A terra onde essas flôres se vão nutrir.

Em quanto os outros distraidos, futeis,
   Viveram ociosos, sempre inuteis,
   E nem sequer d'estrume vão servir!


Lisboa, 1891



+A PROSTITUTA+


A rua é miseravel, suja, estreita,
   Como um terrivel antro criminoso,
   E d'uma porta a prostituta espreita
   O transeunte lubrico, cioso.

É repellente, quanto mais enfeita
   O cabello postiço e unctuoso.
   Teve illusões, quem sabe, hoje desfeita,
   A graça d'esse rosto alvar oleoso,

Veio cahir n'aquelle lodaçal
   Onde se espoja torpe, embriagada,
   Até ir decompor-se no hospital

Se o amante que tem a desgraçada
   Não lhe der caridoso, bestial,
   O descanço pr'a sempre á navalhada.


Lisboa, 1891



+AMOROSO+


Eu amo-te, amo-te tanto
   Talvez não saibas o quanto
   Meu coração fazes pulsar;
   Talvez não saibas, ó linda,
   Como a tua graça infinda
   Me faz viver para amar.

Amo-te a face formoza,
   Amo-te a boca de roza,
   Amo-te o negro cabello,
   Amo-te o gesto mavioso,
   O sorrir casto e bondoso,
   O olhar gracioso e bello.

Adoro-te a singelleza
   Que é engaste da belleza,
   Amo-te o lindo rubor
   Com que te purpurizaste,
   Quando tremula escutaste
   As juras do nosso amôr.

Encontrei-te, o meu coração
   Satisfez a aspiração
   E tenho um novo viver.
   Acho mais bellos os prados,
   Os tons do sol mais dourados,
   Em tudo o amor julgo vêr.

Oh! se o teu amôr assim
   Fôr tão ardente por mim,
   Não haverá nada igual
   Á pura felicidade
   Dos dias da mocidade,
   Ao meu risonho ideal.


Angra do Heroismo,
1890



+A CARIDADE+


I

Caridade, quem és! Quem te inventou?
   Para que serves, quaes os meios teus,
   A tua agencia, assim, quem t'a arranjou,
   Para que vens fallar-nos sempre em Deus!

Em Deus! Quando o universo elle creou
   Legou a alguem riquezas ou tropheos!
   Quaes foram os brazões, que bens doou?
   Venderia indulgencias lá dos ceos?

Mentes, que nunca fez separações,
   Nem fez a fome nem as privações,
   O mundo concedeu á húmanidade.

Mas como é que ha então ricos e pobres?
   Como é que existem os plebeus e os nobres?
   Que significas pois, ó caridade?


II

Rebanhos a pastarem nas campinas,
   As aves a cruzarem-se no ar,
   O serpear das aguas argentinas,
   Os fructos a dourarem no pomar;

A pureza das auras matutinas,
   Os dias que o bom sol nos vem dourar,
   As flores assetinadas, purpurinas,
   As poeticas noites de luar;

Os campos no sorrir da primavera,
   A selva, as fragas onde vive a fera,
   O universo em toda a immensidade,

Nunca foi concedido por herança.
   Era pr'a humanidade a esperança
   De um dia conquistar a felicidade.


III

Os maus, porém, poderam com presteza
   Empolgar o que a todos pertencia.
   O sangue era direito a uns--Nobreza--
   E aos d'hoje o dinheiro--A burguezia--

E foi assim que os bens da natureza,
   Que o creador a todos concedia,
   Se viram disputados com fereza,
   Se viram empolgar com ousadia.

E appareceu a fome. Então aos pobres
   Os ricos atirando com uns cobres
   Inventaram um Deus de caridade.

Mas haverem luctar, embora custe,
   Depor de todo a Caridade-embuste.
   Hastear a bandeira da Egualdade!


Lisboa, 1892



+AS REVOLUÇÕES+

Excerpto


. . . . . . . . . . . . . . . Um de nós que cahir
   Das entranhas da terra ha-de fazer surgir
   Milhares de vingadores promptos a combater.
   Pela causa da patria a quem custa morrer?
   O sangue vae regar a arvore bemdita
   Da santa liberdade! O fogo que crepita
   Aldeias a queimar, cidades e castellos,
   A forca gemebunda, os gumes dos cutellos,
   As algemas de ferro, as fortes legiões,
   A chuva da metralha, a boca dos canhões,
   Sacrificios crueis, o jugo do tyranno,
   Esmagando o direito, o pensamento humano,
   Isso tudo o que vale! Conseguirá deter
   O carro do Progresso?. . . . . . . . . . . . .
   . . . . . . . . . . . . . Tu lembras-te de ver
   O mar quando revolto agita o dorso hiruto,
   N'um palpitar gigante, ameaçador e brusto
   O que faz ao navio, o mais forte que seja?
   Sabes a vaga enorme que elle altivo dardeja,
   Como destroe as naus mais ricas e possantes,
   As frotas que sepulta numerosas, gigantes,
   Como galga furioso anteparos muralhas.
   Elle joga os rochedos como se fossem palhas,
   E vae cavando sempre e sempre transformado
   A miseria, a ruina, o lodo sepultando?
   Detenham-no vão por-lhe um dique, uma corrente
   Para que não avance, obstaculo potente,
   Elle deve temer os fortes paredões.
   Galga tudo porém!. . . . . . . . . . . . . . .
   . . . . . . . . . . . . . Assim as revolucções
   Por sobre a sociedade avançam triumphaes
   Entre os hymnos de amor e furias de chacaes,
   Entre rios de sangue e tremedaes de lama
   Hasteando por fim libertadora flamma
   Os povos redimindo!. . . . . . . . . . . . . .


Guerrilheiro--Acto IV--Scena II



+EM VIAGEM+


Noite de lua cheia, pura brisa
   Agita caprichosamente o mar
   Onde o navio rapido desliza,

Dentro da superficie circular
   Formada pelas aguas buliçosas
   Que a abobada celeste vem ta upar.

As nuvens, em manadas caprichosas,
   O vapor desafiam na carreira,
   Passando em turbilhões vertiginosas.

Deffendendo o navio, precavida,
   As aguas vae tingir de rubra côr,
   A lanterna vermelha, suspendida,

E faz correr do flanco do vapor
   Um jacto côr de sangue, qual baleia,
   Ferida pela mão do trancador.

A proa corta a vaga que volteia.
   Ha um arfar giganteo, convulsivo,
   D'um immenso coração que bate e anceia.

E d'aquelle organismo, forte, vivo,
   Saem soluços de estridor medonho,
   Saem rugidos d'um toar altivo.

Esse gigante que se ri do oceano
   É creação, quasi milagre, sonho,
   D'outro gigante, o pensamento humano!


A bordo do _Funchal_,
1891



+LYRISMO+


Quizera possuir a lyra harmoniosa
   Dos vates geniaes, dos reis da poesia
   De Camões ou do Tasso, o Dante ou Cimaros
   A bella inspiração a doce melodia.

Para te descrever em rima caprichosa
   O meu amor sem fim, ir com a moda queria,
   Dedicar-te um poema e chamar-te formoza
   Tratar-te por _Marilia_ em vez do teu _Maria_.

Mas os versos por mais que faça vão errados,
   Não soam nunca bem e fogem á medida,
   E por isso não quero estar com mais cuidados.

Gosto muito de ti, bem o sabes querida.
   Mas não posso imitar os outros namorados
   Piegas que em idilio arrastam toda a vida.


Lisboa, 1890



+MINIATURA+


O ceo puro e sereno,
   O mar auri-fulgente,
   O ar tepido, ameno,
   O campo sorridente,

A rama do arvoredo,
   A frança dos salgueiros,
   A voz do fragoedo,
   Que limpidos ribeiros!

Ao fundo entre a folhagem
   Beijada pela aragem
   Risonha reclinada

Estavas tu, Elvira.
   Eu empunhando a lyra
   Cantei a minha amada.


Angra do Heroismo,
1982



+DESCRENÇA+


Trabalho. E cada dia que decorre
   Vem trazer-me maior desilusão.
   É mais uma esperança que me morre,
   É mais um fundo golpe ao coração.

E acreditava, louco, no direito!
   E cria, visionario, na honradez!
   Inda abrigava puras no meu peito
   Illusões que este pantano desfez!

A ganancia, a ambição, a intriga vil,
   Como sapos e rãs n'um lodaçal,
   Asquerosos, vão tudo macular.

Vence o ladrão, o nescio, o imbecil
   Oh! Quem tivesse o rir de Juvenal,
   Um raio pr'a orgia fulminar!


Lisboa, 1892



+LUAR+


Como é linda esta noite de luar!
   Nos raios de fulgor phosphorecente
   Vejo recordações do teu olhar!

Fico então a scismar. Mas de repente
   Uma nuvem pesada, vagarosa,
   Lembra-me de que estás saudosamente

Tanto longe de mim! E pesarosa
   Fica minha alma a contemplar o ceo
   Ennamorada, crente e desditoza.

E contudo d'iviso um sorrir teu
   No puro azul d'estrellas scintillante
   Onde vagueia o pensamento meu!

Tudo consola um coração amante.
   A crença de que estás tambem fitando
   O lindo ceo de mundos fulgurante,

O nosso puro amor idealisando,
   Isso me basta ao coração amante,
   E me vae a saudade mitigando!


Lisboa, 1891



INDICE


Lyra da mocidade
Ella
O Mar
31 de Janeiro de 1891
O Guerrilheiro
Porque te amo
A saudade
Esperança
Á memoria de Alfredo Lopes
A Revolução
Aspirações
Os Crepes de Camões
A Bordo
Roza em Botão
Tempestade e Bonança
As Estrellas
Cemiterio
A Prostituta
Amoroso
A Caridade
As Revoluções
Em viagem
Lyrismo
Miniatura
Descrença
Luar





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