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Title: A Traviata - Operetta buffa em 1 acto em verso
Author: Leroy, Nicolau T.
Language: Portuguese
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BIBLIOTHECA DRAMATICA POPULAR

N.º 148

N. T. LEROY

A TRAVIATA

OPERETTA BUFFA EM 1 ACTO

EM VERSO

MUSICA DE G. VERDI

_Representada com grande successo em diversos theatros de Lisboa, Porto,
Ilhas e Brasil_

LIVRARIA POPULAR

DE

FRANCISCO FRANCO

(casa fundada em 1890)

_60, Travessa de S. Domingos, 60_

LISBOA



PERSONAGENS

  TRAVIATA
  GERMANO
  ALFREDO
  FERNANDO
  GASTÃO
  EDUARDO
  ANSELMO
  CREADO
  Varios convidados



ACTO UNICO

_Salão rico. Duas portas ao fundo deixando ver um jardim. Portas lateraes.
Um sophá e cadeiras. Varios rapazes encasacados estão conversando e
bebendo. Um criado de libré distribue vinho sobre uma bandeja._


SCENA I

Anselmo _repimpado no sophá com toda a sem cerimonia_, Eduardo _e_
Gastão

Côro

N.º1

(_Musica_)

  P'ra estar na afinação,}
  é beber; toca a beber  } _bis_
      p'ra correr        }
    melhor a funcção.    }

Eduardo

  (_Fallado_) Pois é verdade, rapaz,
  a noite vae ser excellente!

Gastão

  É tal qual como tu dizes,
  _Menu_, Champagne pr'as bellas,

Eduardo

  Camarões, lagosta, perdizes.

Anselmo

  Antes as iscas com ellas,
  que nunca me sabem mal!

Gastão

  Oh! menino! isso não vale,
  é contra toda a etiqueta,
  fallar aqui em calão!

Eduardo

  É verdade, tens rasão,
  é preciso seriedade!

Anselmo

  Seriedade?! Ora bollas!
  se ha cerimonia, adeusinho,
  eu vim pr'a rir, beber vinho,
  até ir pr'a casa... em maca.

Gastão

  Mas... ouve cá, meu tontinho,
  não é por nós que fallamos,
  repara que estás de casaca,
  luva branca...

Anselmo

                Ah! É verdade,
  é pela dama que esperamos,
  que devemos ter cautella
  com as palavras mal sonantes!

Gastão

  Não tarda ahi o Fernando
  e com certeza vem com a bella,
  vamos-nos pois preparando!

Eduardo

  Eil-o que chega!

Gastão

                  Attenção!
  Façamos á nossa bella
  a devida recepção,
  digna d'um diplomata!


SCENA II

Os mesmos e Fernando

Fernando (_entrando_)

  Não se incommodem, rapazes,
  já não vem a Traviata!

Todos

  Já não vem?

Fernando

             Não tenho a culpa!

Gastão

  Bem me fio agora n'essa!

Fernando

  Acreditem! Não virá!

Anselmo

  Pois has de pagar a multa
  de nos pregar essa peça,
  a partida... é indecente!

Todos

  Venha a bella, venha a bella!

Fernando

  Esta agora não é má!
  Endoudeceu esta gente.
  Hei de obrigar Traviata
  a cumprir o que promette,
  trazendo-a aqui p'la arreata
  ou no bolço do collete?
  Porém nada perderão,
  tudo será compensado!

Todos

  O que é? O que é então?

Fernando

  Pr'a gente rir um bocado
  apresentar-lhes vou já,
  um _caloiro_ que sahiu
  com licença do papá,
  vão ver o que é engraçado,
  typo assim nunca se viu...
  Não imaginam! Que atado!
  É a innocencia em pessoa.
  Se falla faz-se córado,
  se fuma logo se enjôa,
  não bebe vinho... e estou certo
  que não viu mulheres de perto!

Todos (_rindo_)

  Ah! ah! ah! ah!

(_O creado entra e apresenta um bilhete a Fernando._)

Fernando

  Eil-o que chega! Ahi está!
  (_Ao creado_) Mande entrar! (_Creado sáe_).


SCENA III

Os mesmos e Alfredo

Alfredo (_muito acanhado_)

  Boas noites, meus senhores!

Fernando

  Viva lá, meu caro Alfredo,
  permitta-me que o apresente
  aos meus amigos. (_Apresenta-o_)

Alfredo

                  Tenho medo
  que incommode!

Fernando

                Essa é boa!
  (Vendo a atrapalhação de Alfredo).
  Mas o que tem? O que é isso?

Alfredo (_balbuciando_)

  Eu... eu... eu... Não foi nada,
  é que sou muito nervoso
  e quando cheguei á escada,
  foi-me bem difficultoso,
  resolver-me a vir aqui!

Gastão

  Mas que foi? Que aconteceu?

Alfredo

  Não foi nada. Assim gue entrei
  uma mulher, uma sereia,
  de tal fórma me enleia
  com o seu magico olhar,
  que ainda tremendo estou
  sinto tudo a palpitar.

N.º2

(_Musica_)

  Linda como uma rosa,
  bella e vaporosa,
  vestida de setim,
  tim, tim, tim, tim,
  tal qual um seraphim

  Seu olhar de ternura,
  sua gentil figura,
  fez-me tal commoção,
  que ali logo fiquei em adoração.

  E o seu rosto lindo
  me mostrava sorrindo.

  Linda como uma rosa,
  bella e vaporosa,
  vestida de setim,
  tim, tim, tim, tim,
  tal qual um seraphim.

Fernando

  (_Fallado_) Porque ficou a tremer?
  As mulheres não teem peçonha!

Alfredo

  É que eu tive vergonha
  e se o papá viesse a saber!

Todos (_rindo_)

  O papá! Ah! ah! ah! ah!

Alfredo

  Ai, Jesus! Que gritaria!
  (_Tapando os ouvidos_).


SCENA IV

Os mesmos e Traviata

Traviata (_entra espaventosamente, seguida do creado, tira a capa e a
mantilha, ficando decotada, etc., trajo de baile_).

  Cá estou eu!

Todos
              Viva Traviata!

Traviata

  Tardei mas sempre appareci!

Alfredo (_vendo Traviata, á parte_)

  Ella! A tal!

Traviata (_vendo Alfredo, á parte_)

              Não me enganei,
  Apaixonei-me afinal!

Fernando (_a Traviata_)

  Sempre te has de demorar,
  a rasão... não te pergunto!

Traviata

  Tem paciencia. Fui deitar
  umas bixas n'um defuncto.
  Venho tarde, sim, convenho,
  mas bem sabem que não tenho,
  nem tempo pr'a me coçar.

N.º 3

(_Musica_)

  Sempre em pandegas e na orgia
  não descanço um só momento,
  quer de noite quer de dia
  é giro, giro qual catavento.

  São passeios, jantares, caçadas
  _soirées_, theatros e toiradas.

  Sempre em pandigas e na orgia
  quer de noite quer de dia.

  Ah! que pagode!
  ah! que frescata!
  é a vida cá da Traviata!

Côro

  Ah! que pagode!
  ah! que frescata!
  é a vida cá da Traviata!

Alfredo (_áparte_)

  (_Fallado_) É linda! Linda de lei!

Traviata (_referindo-se a Alfredo_)

  Quem é aquelle cavalheiro?
  não me é desconhecido.

Alfredo (_áparte_)

  Oh! meu Deus! Eil-a comigo.

Fernando

  Ah! Traviata. Perdôa,
  esqueceu-me de apresentar
  este nosso bom amigo,
  um rapaz exemplar!
  (_Apresenta Alfredo_).

Traviata

  Meu senhor!

Alfredo (_atrapalhado, gaguejando_)

  Mi... mi... minha senhó-nhó-nho-ra!
  (_Áparte_) Como é bellá! É adorável!

Fernando (_a Alfredo, baixo_)

  Vamos! Seja mais amavel.

Alfredo (_áparte_)

  Oh! meu Deus! Se eu podesse
  sumir-me pelo chão abaixo!

Anselmo (_áparte_)

  Dava um doce a quem dissesse
  se elle é femea ou se é macho!

Gastão

  Tenho a palavra, proponho,
  que á formosa Traviata,
  um brinde aqui já se faça.

Todos

  Bravo, bravo! Apoiado!
  (_Todos tomam os copos_).

Anselmo

  Venha de lá a morraça!

Fernando

  Está dito então. É p'ra já,
  hip! hip! hip!

Todos

  Hurrah!

Traviata

  Tal gentileza reclama
  o dever de agradecer,
  eu porém já tenho fama
  de ser muito caprichosa,
  (_tira uma rosa do peito_) e quero offerecer esta rosa,
  a quem o brinde fizer!

Fernando

  Faço eu!

Gastão

  Ou eu!

Anselmo

  Ou eu!

Traviata

  Peço perdão por esta vez,
  decerto não é cortez,
  nem formal esta exigencia;
  quem o brinde vae fazer
  (_A Alfredo_) espero que seja vocencia!

Todos

  Alfredo!!!

Traviata

  Espero que o meu pedido
  não seja desattendido!

Alfredo (_áparte_)

  Oh! meu rico pae do ceu!

Traviata (_áparte_)

  Então! Peço-lhe eu!

Fernando (_baixo a Alfredo_)

  Não recuse; a deferencia
  no ridiculo não cahe.

Alfredo (_a Traviata_)

  Para agradar a vocencia,
  vae mal, mas emfim... vae!

N.º4

(_Musica_)

  Á bella mais bella das bellas que eu vi,
  com prazer, com prazer eu brindo aqui.
  O jubilo e a minha alegria é tal
  que até julgo estar na mansão celestial.

  Ao sentir tão doce sensação,
  á musa eu peço que, sem demora,
  me dê, sim, me dê a inspiração
  para brindar a esta senhora.

  Bebamos, bebamos pois em louvor
  da rainha da formosura e do amor.

Côro

  Sim, da rainha da formosura e do amor. (_Bis_)

Traviata

  A quem tão gentilmente um brinde me fez,
  responder vou, já responder, pois me cabe agora a ves.
  Na mão tenho a taça, e ao divino licor
  peço agora que seja o meu inspirador.

  Minh'alma se sente enleiada
  de commoção e de alegria.
  Quizera brindar, bem inspirada,
  a quem dedico a minha sympathia.

  Bebamos, bebamos pois em louvor
  de tão amavel e sympathico senhor.

Côro

  De tão amável e sympathico senhor. (_Bis_).

Todos

  (_Fallado_) Bravo, bravo, bravo! (_Applaudem_)

Traviata (_a Alfredo_)

  Agradeço-lhe o improviso,
  e creia que sympathiso
  deveras com o seu talento!
  (_Dá-lhe a rosa e aperta-lhe a mão_).

Alfredo (_áparte_)

  Oh! que aperto de mão,
  senti-o no coração!
  (_Ouve-se uma valsa. Sol e dó_).

Fernando (_ao fundo_)

  Chega n'este momento
  a orchestra ao jardim,
  vamos, amigos, depressa,
  eis a valsa que começa!
  Vem, Traviata?

Traviata

                Vou, sim!
  (_A Alfredo_) Então! Não quer vir dançar?

Alfredo

  Faz-me ter dôres de cabeça,
  eu prefiro antes ficar!

Traviata

  É um pedido que faço,
  ao menos dê-me o seu braço!

Alfredo

  N'esse caso... eu obedeço!

Anselmo (_ao fundo, para Traviata_)

  Mas então que historia é essa?
  Tu estás lá ou és de gesso?
  (_Traviata sáe pelo braço de Alfredo. Sahem todos_).


SCENA V

Germano, só, (_entrando muito atrapalhado_)

  Onde está o meu Alfredo?
  Onde está o meu menino?
  Eu ando com tanto medo
  que elle se perca, coitadinho!
  Pediu-me esta tarde licença
  p'ra sahir a passeio,
  e como é creança não pensa,
  quem sabe lá se no meio
  de tanta rapaziada
  se metteu n'alguma alhada?
  Já me disseram que aqui
  é casa de brincadeira,
  onde vem gente estragada...
  e pelo que me disse a porteira,
  o pequeno entrou pr'a cá!
  Quem m'o affirma? Quem sabe
  se elle se vae aqui perder,
  porque afinal tem a edade
  em que é preciso... prazer!
  Onde elle cahiu! Desgraçado!
  Que tormento! Que impaciencia!
  Hei de tel-o amarrado,
  pr'a que não perca a innocencia!
  Vou por ahi dentro procural-o,
  e olarépes! que hei de achal-o! (_Sáe_).


SCENA VI

Traviata e Alfredo, _depois_ Germano

Traviata (_pelo braço de Alfredo_)

  É verdade, caro Alfredo,
  eu não sei porque motivo
  ao ver-me comsigo aqui,
  já me parece que vivo
  no paraiso, no ceu..

Alfredo

  É tal qual como eu,
  desde o momento em que a vi!

Traviata

  Falle, sinto prazer,
  em ouvir a sua voz!

Alfredo (_áparte_)

  Santo Deus! Isto é atroz,
  eu não sei que hei de dizer!

Traviata

  É um bem consolador,
  tudo acredito, prometto. (_Assôa o_)

Alfredo (_áparte_)

  D'esta feita me derreto,
  nunca senti tal calor!

N.º 5

(_Musica_)

  Então! então!
  por que rasão
  fica a olhar p'ra mim,
  cataplim,
  como um toleirão,
  rataplão?

Alfredo (_áparte_)

  Ai, ai, ai, ai,
  se o pae, se o pae
  vem dar commigo aqui,
  firoli,
  faz-me decerto em pó,
  trolóró!

Traviata

  Sem medo póde responder;
  diga-me, oh! sim, o que quizer.

Alfredo

  Deixe-me confessal-o,
  senão rebento e estallo.
  Sim, é de amor que meu peito palpita.
  Como eu te adoro, oh cara bonita!
  Mysterioso, mysterioso isto é.
  O amor me torna ditoso,
  oh sim, ditoso! Olari, olaré!
  Ah! Traviata! (_3 vezes_)
  Traviata!

(_Alfredo cahe aos pés de Traviata. Germano entra e surprehende-os_).

Germano

  (_Fallado_) Ah! que vejo?! Que desgraça!

Alfredo

  O papá! Oh! que carraça!
  (_Levanta-se e raspa-se_).


SCENA VII

Germano e Traviata

  Germano (_com furia_)
  Peça a Deus, minha senhora,
  que suspenda o meu furor.
  Mulher fatal, peccadora,
  sem coração, nem pudor,
  atrever-se a enfeitiçar
  o meu querido Alfredinho,
  uma joia, um anjinho,
  mais puro que uma donzella...
  (_convicto_) pois tem palmito e capella.

Traviata

  Que atrevimento é esse?
  Quem é o senhor? Diga já!
  Sou mulher, sou caprichosa,
  e deu-me isso na telha;
  e emquanto eu não fôr velha
  e tiver cara com geito,
  julgo que estou no direito
  de seduzir quem me apraz.

Germano

  Descarada como sete!
  É necessario que entenda
  que é um crime que commette.

Traviata

  Alto lá. Pare Suspenda
  esse ar tão arrogante...
  (_Atira-lhe o chapéu ao chão_)
  tire fóra esse penante
  e a ser delicado aprenda.
  Tome cautella em si,
  e tenha o respeito devido,
  mas se quer riscar commigo...
  (_Mãos nas ancas, desafiando á fadista. Dá-lhe pançada_).
  Vamos, salte p'r'aqui.

Germano (_áparte_)

  É uma mulher nunca vista,
  demais a mais é fadista.
  (_Alto, humildemente_)
  Tem razão. Devo pedir
  que me não roube o rapaz...
  elle, coitadinho, é capaz
  de se matar p'ra servir.

N.º 6

(_Musica_)

  Lindo e gentil como uma flôr,
  mais innocente, nada, não ha;
  não conhece outro amor
  que o amor de seu papá.

  Todos os meus ternos carinhos
  sempre sempre lhe consagrei,
  em confeitos e bolinhos
  bons patacos eu gastei.

  Quer de noite quer de dia,
  sempre n'elle estou a pensar,
  e toda a minha mania
  é que m'o querem roubar.

  Se me perde o maganão,
  quanto me fará soffrer...
  Oh céos! Então!
  quero morrer...| _bis_.

Traviata

  (_Fallado_) Suas magoas reconheço,
  e por isso eu obedeço.
  (_Tira do bolso um cartão de visita e um lapis_).
  E por este meu cartão,
  elle saberá bem depressa
  que não será meu amante;
  n'elle lhe peço que me esqueça,
  que afogue essa paixão,
  sem ficar por isso triste,
  que me perdôe esta affronta,
  e que emfim faça de conta
  que esta mulher não existe.

Germano (_contente_)

  Oh! meu Deus! Se tal fizer,
  não é mulher, é um anjinho.

Traviata

  Vou tudo isso aqui escrever:
  Volta-te lá, ó Zézinho.
  (_Vira Germano de costas e escreve apoiando-se nas ditas_).

N.º 6 (_bis_)

(_Musica_)

Alfredo (_dentro_)

  Sim, é de amor que meu peito palpita
  Sim, eu te adoro, oh cara bonita!
  Mysterioso, mysterioso isto é!
  O amor me torna ditoso
  oh! sim, ditoso; olaré! olaré!

Germano

  (_Fallado_) Elle ahi vem. Por quem é,
  retire-se, p'ra que a não veja;
  quero pregar lhe um sermão
  que o vou deixar a zinir,
  e se não me quizer ouvir,
  dou-lhe tamanha cerveja
  que vae de trombas ao chão.

Traviata

  Faça-se o sacrificio.

Germano (_agradecido_)

  São os ossos do officio.
  Que o bom Deus nada lhe negue.
  (_Áparte, com gosto_) P'r'o diabo que a carregue.


SCENA VIII

Germano e Alfredo

Alfredo (_entrando_)

  Traviata! Traviata!
  Onde iria? Onde estará?!
  (_A Germano, sem o reconhecer_)
  Viu por aqui a Traviata?
  (_Reconhecendo-o_)
  Oh! co'a breca! é o papá.

Germano

  Sim, sou eu: é o pae velho,
  que te quer dar um conselho.

Alfredo

  Um conselho? Oh! que massada!

Germano

  Olha! a occasião é azada.
  Se de teu pae és amigo,
  anda p'ra casa commigo...

Alfredo

  Eu p'ra casa? Não vae nada.

Germano

  Anda, meu filho, obedece...

Alfredo

  Já vejo que o papá esquece
  que quando entra a teimar,
  o seu Nini faz chorar... (_Choraminga_).
  Se fosse amigo não teimava.
  Sabe que mais? Vá á fava. (_Sahe_)


SCENA IX

Germano, Traviata, depois Fernando

Traviata (_entrando_)

  Santo Deus! O que é isto?
  Que gestos! que borborinbo!

Germano (_áparte_)

  Ella outra vez! Não resisto:
  vou tratar de me safar,
  p'ra não lhe quebrar o focinho. (_Sahe_)

Fernando

  Então assim nos assusta,
  Traviata? Que faz aqui?
  Todos andam em busca,
  todos perguntam por si.

Traviata

  Como lhes sou obrigada!
  (_Senta-se no sophá_).
  Porém estava fatigada,
  e vim descançar um pouco.

Fernando (_senta-se ao seu lado_)

  Agora, que estamos sós,
  vou dizer-te com franqueza
  o que ha muito te occultava:
  essa tua linda voz
  e deslumbrante belleza,
  sempre, sempre me inspirava
  um amor sincero, crê;
  e p'ra prova d'esse amor
  e que te sou affeiçoado,
  aqui te offereço esta flor,
  (_tira a flor da lapella e colloca-a no cabello de Traviata_)
  que te ponho no toucado:
  e visto que não recusaste
  estas amorosas fallas,
  vamos girar pelas sallas,
  fazer ferro a quem nos vê.

Traviata (_áparte_)

  Oh! quando Alfredo souber
  vae de dor, oh! sim morrer!
  (_Sahe pelo braço de Fernando_).


SCENA X

Alfredo

(_Depois de espreitar_)

  Ainda bem! Já cá não está!
  Nunca vi um pae assim;
  anda sempte atraz de mim;
  mas creio que homem sou já,
  e que não parece mal
  eu andar por aqui sósinho.
  Na verdade, é tão bomzinho
  a gente andar á vontade.
  E Traviata como é linda!
  Que meiguices! que bondade!
  Cada beijo é uma braza
  que ella me põe na bochecha;
  e diz que nunca me deixa
  e quer levar-me p'ra casa.
  (_O creado entra e apresenta-lhe um cartão de visita, e sahe_).
  O que é? É para mim.
  (_Examinando o cartão_)
  É d'ella! É o seu cartão;
  já lhe senti o seu perfume.
  (_Lendo_) Mas que vejo?! uma traição!
  «Não acceito o seu amor;
  julguei que era rico e nobre:
  não insista por favor,
  não sou amante p'ra pobre.»

  (_Colerico_) Alma vil! Mulher ingrata!
  Ah! perfida Traviata!
  A côrte de um rico acceita,
  e o amor d'um pobre engeita.
  Pois bem, toma sentido,
  a teus pés me vou matar
  e salpicar-te o vestido
  com o sangue que espirrar.
  Tenho um rival que é ricaço:
  pois verás o que lhe faço;
  tão depressa eu logre vel-o
  hei de logo ali estendel-o.
  Julga-me talvez um urso;
  pois póde ter a certeza
  que me ha de ouvir um discurso
  que nem do _Rei da Madureza_!
  Ah! como a vingança consola!
  Como é bom desabafar!
  Degredado irei p'r'Angola,
  mas morrer sem me vingar,
  isso... hom'essa pistarola!

N.º 7

(_Musica_)

  Oh! cruel oh! cruel vingança
  eu quero já, sim, eu quero já tirar,
  e sem mais, e sem mais tardança
  no sangue d'ella me quero afogar.

  Estou raivoso, furioso, irado,
  já não vejo senão tudo encarnado!
  Ah!
  Oh! cruel, oh! cruel vingança,
  etc.
  (_Fallado_) P'ra sermões eu já não presto;
  quem quizer que acabe o resto. (_Sahe_).
  (_A orchestra acaba o trecho_).


SCENA XI

Fernando e Traviata

(_Entram de braço dado_).

Traviata

  Por quem é, deixe-me só;
  bem vê que estou fatigada.

Fernando

  Quer tomar alguma cousa?

Traviata

  Não, agora não vae nada.
  Já lhe disse, estou doente:
  não me seja impertinente.
  (_Senta-se com mau humor_).

Fernando

  Pois, minha querida, as amantes
  que para amor nos mostrar,
  teem de se contrafazer,
  não as posso tolerar;
  prestam sempre máu serviço.
  Vou deixal-a só por isso.
  Amiguinhos como d'antes,
  ao seu dispor cá me tem,
  servil-a-hei com prazer,
  em negocios de amor, porém,
  assim não me venhas vêr. (_Sahe_).


SCENA XII

Traviata, só

  (_Sentimental--estende a massa no exaggero_)
  Oh! Diogenes! oh! Platão!
  oh! vós que como a neve
  tinheis frio o coração!
  (_Entra o creado e offerece-lhe uma pucara com agua.--Ao creado, com máu
  modo_)
  Vá p'ro diabo que o leve,
  não me tire a inspiração! (_Creado sahe_).
  (_Sentimental_)
  Oh! amar assim como eu amo,
  ninguem o faz, acredito.
  (_Outro tom_) Mas se assim vou, emphtysico
  e nem trez dias mais duro,
  e se eu a canella estico,
  lá me levam para o guano
  e vou parar ao Valle Escuro.

  (_Ouve-se um «sol-e-dó» que passa:--Sentimental_)
  Esta musica! Que harmonia!
  Que doces recordações,
  que saudades me provoca,
  como minh'alma enleia!
  (_Outro tom_) E se eu fosse p'ra rapioca
  com aquelles grandes ratões,
  não era uma boa ideia?
  (_Sentimental_)
  Mas não! Eu amo o Alfredo,
  e sinto que vou morrer.

N.º 8

(_Musica_)

  Adeus vou dizer ao mundo,
  pois a morte eu sinto que já me suffoca;
  adeus ceias no Dafundo
  e as bellas noites de rapioca.

  Não farei mais a Avenida
  mui repimpada no meu carrinho,
  ao som da guitarra querida
  não cantarei mais o fadinho.
  Não! não! não!

  Oh! meu Deus! que secca!
  que mundo tão vil!
  Lá me leva a breca!
  estico o pernil!
  (_Cahe desfallecida sobre o sophá_).


SCENA XIII

Traviata e Alfredo

Alfredo (_trazendo um embrulho, áparte_)

  (_Fallado_) Lá está ella, a scelerada!
  Quando tão attribulada
  minha pobre alma está,
  vejo-a toda repimpada
  no seu fofinho sophá.

Traviata (_meiga_)

  És tu, Alfredo?

Alfredo (_avança com passos tragicos;--rispido_)

  Socegue, não tenha medo;
  é bem pouco o que lhe quero.
  Ha alguem que foi preferido
  e a quem deu o coração.
  Sou pobre mas nunca fico
  a dever o que utiliso;
  por isso pagar preciso,
  tal qual como paga o rico.
  Elle já lhe deu essa flor
  que no seu, cabello vejo,
  e eu quero, pagar-lhe o beijo
  que me deu com tanto ardor.
  Meus caprichos levo a cabo,
  tenho essa má qualidade.
  Não lhe dou flores, pois me gabo
  de dar prenda delicada
  e de mais utilidade.
  (_Tira do embrulho uma grande cabeça de nabo, e offerece-o a Traviata_)
  Mande-o metter na panella,
  faça-o guizar p'la creada,
  e verá que é cousa bella.
  Póde fazer feijoada
  com o bello chispe de porco.
  Apezar de não ter nada,
  por miserias não me enforco;
  p'ra amarrotar meus rivaes,
  mil sacrificios faço.
  Diga agora quem deu mais,
  se fui eu ou o ricaço..
  Tratou me tal qual um mouro,
  porque amor me não tem.
  No adeus não haja choro.
  Viva! passe muito bem!
  (_Sahe com pano tragico_).


SCENA XIII (_bis_)

Traviata, só

  (_Erguendo-se_)
  Já se foi! Que infeliz sou!
  Oh! que atroz condemnação!
  (_Referindo-se ao nabo_)
  Isto apenas me deixou
  p'ra minha consolação.
  Valham-me as Chagas de Christo!
  mata-me aquelle cachorro:
  a esta dor não resisto,
  d'esta feita é que eu morro!


SCENA XIV

Traviata, Germano e Alfredo

(_Germano vem cobrindo Alfredo com o capote_).

Alfredo

  Ah! papá! Eu amo-a tanto!
  Já não posso mais, bem vê!

Germano

  Pois sim, filho. Entretanto
  vou tirar-te o _cache-nez_.
  (_Descobre-o_).

Alfredo (_tomando a mão de Traviata_)

  Oh! meu Deus! Está inanimada!

Germano

  Não te afflijas, querido filho.
  Desaperta-lhe o espartilho:
  talvez esteja agoniada.

Alfredo

  Oh! não! Está fria de morte!

Germano (_áparte_)

  Vamos lá que estou com sorte.

Alfredo (_tragico, arrepellando-se_)

  Morrrrta! Morrrrta a minha Traviata!

Germano (_imitando-o_)

  Vae torrrrta! Vae torrrrta se elle se mata!

Traviata (_a Alfredo, com voz de moribunda_)

  Alfredo, dá-me a tua mão.
  Fica sendo meu amigo;
  eu mereço o teu perdão.

Germano (_áparte, amollando o caso_)

  Viva e forte como um mastro.
  Não tem fim aquelle canastro!

N.º 9

(_Musica_)

Alfredo

  Traviata, minha querida,
  não chores assim,
  senão em seguida
  dou cabo de mim.

  Vou trincar meio biffe
  de boa vitella,
  deito-me n'um esquife
  e estico a canella.

Alfredo e Germano

  Morte d'uma figa,
  bem te vejo, olá!
  que dôres de barriga
  que eu tenho já!

Germano

  Meu filhinho, ouve cá,
  não queiras morrer,
  senão teu papá
  quanto vae soffrer!
  Se morreres, não é asneira
  para o caminho
  levar trincadeira;
  não te esqueça o vinho!

Alfredo e Germano

  Morte d'uma figa,
  bem te vejo, olá!
  que dôres de barriga
  que eu sinto já!

Traviata (_com voz sumida_)

  (_Fallado_) Olha, escuta o que te digo.
  Já pouco posso fallar,
  mas quero aqui te jurar
  que hei de fazer-me leiga
  na celestial mansão,
  e... (_Expira_).

Alfredo (_a Germano_)

  Não poude continuar.

Germano

  Cá estou eu para acabar:
  Torradinhas com manteiga,
  por cima café limão.

Alfredo

  Morreu! Eu já sinto a morte em mim.
  Chegue-me aquella cadeira:
  vou sentado p'ro outro mundo.

Germano (_dando-lhe a cadeira--Alfredo senta-se--_)

  Oh! que desgosto profundo!
  Não, não morras, tem cautella;
  olha que fico sósinho!

Alfredo (_moribundo_)

  Não, papá; quero ir com ella,
  p'ra me ensinar o caminho.
  Socegue, papá; lá p'r'o anno,
  por um systema moderno,
  para o céo e p'r'o inferno,
  vae haver _americano_.
  Adeus, meu querido papá.

Germano (_abraçando-o_)

  Filho do coração!

Alfredo

  Não se esqueça de ir por lá.
  (_Expira_).

Germano (_simples_)

  Passa p'ra cá meio tostão.
  (_Vendo que Alfredo morreu_)
  O que vejo?! Já morreu!
  Morreu, sim, tenho a certeza.
  Ora vejam que despeza
  vou fazer p'ra ir ao céo.
  Eu não resisto a taes dores;
  não, não as posso soffrer.
  (_Despe o casaco, estende-o no chão, e deita-se sobre elle, dizendo_)
  Boas noutes, meus senhores:
  eu cá tambem vou morrer.
  Vae tudo assim de uma vez.
  É melhor e mais depressa.
  (_Estica a canella_).

Alfredo (_levanta-se e diz_)

  Mas não façam morrer a peça,
  já que morremos os tres.
  (_Torna a morrer sentado_).


SCENA ULTIMA

(_Todos os personagens, vestidos, de gato pingado, apparecem de tochas
na mão_).

Fernando (_entoa_)

  _De profundis_ Traviata!

Todos (_idem_)

  Amen!
  (_Ficam cabisbaixos_).

Alfredo (_resuscita, e toca no hombro de Traviata_)

  Oh! tu que fumas!

Traviata (_resuscita_)

  Que é? Já estamos no céo?

Alfredo (_alegremente_)

  Já. Vamos p'r'o pagode.

(_Todos se erguem e todos dançam_).


FIM





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