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Title: Chronica d'el rei D. Diniz (Vol. II) Author: Pina, Rui de, 1440-1521 Language: Portuguese As this book started as an ASCII text book there are no pictures available. *** Start of this LibraryBlog Digital Book "Chronica d'el rei D. Diniz (Vol. II)" *** produced from images generously made available by National Library of Portugal (Biblioteca Nacional de Portugal).) CHRONICA D'EL-REI D. DINIZ 2 vol. 800 réis Bibliotheca de Classicos Portuguezes Proprietario e fundador--Mello d'Azevedo (VOLUME LXXI) CHRONICA D'EL-REI D. DINIZ POR RUY DE PINA 2.^a edição VOL. II _ESCRIPTORIO_ 147--Rua dos Retrozeiros--147 LISBOA 1912 BIBLIOTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES Proprietario e fundador _MELLO D'AZEVEDO_ Bibliotheca de Classicos Portuguezes Proprietario e fundador--Mello d'Azevedo (VOLUME LXXI) CHRONICA D'EL-REI D. DINIZ POR RUY DE PINA 2.^a edição VOL. II _ESCRIPTORIO_ 147--Rua dos Retrozeiros--147 LISBOA 1912 CAPITULO XIII _Como ElRei D. Diniz ordenou em Coimbra ho primeiro Estudo, que ouve em Portugal._ ElRei D. Diniz assi como foi dotado de muitas boondades naturaaes, assi tambem nom lhe faleceram has outras virtudes em todo Reaes, cuja prova, e exemplo, saõ suas excellentes obras, & mui louvadas, ha todos mostrava, que foi Principe mui prudente, e de mui singular concelho, e na fala Portuguez de seu tempo asaaz copioso, e de muita graça, e tratava com grande humanidade ha todos aquelles, que com elle conversavão, e por esso era de todos mui amado especiaalmente, que todos seus cuidados eram honrar, e acrescentar mais sua teerra, e assi procurar que fosse abastada, e provida daquellas couzas porque seus vassallos, e naturaaes fossem mais nobres, e melhor ensinados, sobre ho quaal se diz que hum dia estando com os seus Prelados, e nobres homens em concelho, lembrandose com mostranças de sentimento, que seus Regnos careciam de Escolas, e Estudos de que outras teerras eram mui abastadas, lhes falou nesta maneira. «Aho boom Principe, que da maaõ de Deos aa muitos de reger sobre todo lhe conveem, que trabalhe, e cumpre que elle, e os seus subditos sobre todas as virtutudes abracem ha virtude da Justiça, e amem, e sigam os fruitos della, porque hos merecimentos sam taaes ante Deos, e de tanta estima, que nom soomente daa por elles neste mundo alegre, e pacifica vida em quanto duramos, mas ainda no outro pera alma nom nega ha gloria eterna, e bemaventurança pera sempre, certamente ho Rei em hos Regnos, que por graça de Deos lhe sam encomendados nom pode fazer melhores obras, nem officios de moor valor, que procurar que vivaõ nelles hos homens em fee, e justiça, e façam obras santas, justas, e onestas, e porque esto se nom póde assi beem conseguir, e aver efeito sem aver no Regno varoens em toda doutrina e ciencias divinas, e humanas beem ensinados, e concirando eu que meus Regnos pela Providencia, e boondade de Deos, nom soomente saõ asaaz providos de todolos mantimentos do maar, e teerra, mas abastados de onesta gente darmas, e de boom uzo, e exercicio dellas assi beem dezejo de todo meu coraçam, que tambeem aja avondança de homens leterados, e mui sabedores, e por esso propus em minha vontade por beem comum de meu Regno, e grande proveito de meus vassalos, e naturaaes, fazer nelle huum Estudo geraal, e muito honrado, onde todalas ciencias se leaõ, e que seja feito nesta Cidade de Coimbra, que hee no meio do Regno, e abastada das couzas necessarias, e asaaz temperada dos ares pera saude dos homens, e poreem ante que ho pozesse em obra volo quiz assi notificar pera me dizerdes vosso concelho, e parecer». Aho quaal todos responderam louvando muito sua tençam, pedindolhe por mercee, que obra tam sancta, e tam virtuoza, e de tanto proveito, e de tanto ennobrecimento de seus Regnos logo ha exequtasse. Pera ho quaal ElRei sopricou logo sobresso aho Papa Joaõ XXII que por suas Bullas lhe enviou has graças, e privilegios, que lhe foram pedidos, e fundou ho dicto Estudo cujos fundamentos parecem agora mui pequenos, e pera elle fez vir boons leterados doutras teerras pera que hos Rex dellas por mandado do Papa, e por requerimento delRei deram consentimento, hos quaaes por salairos ordenados leram nelle algum teempo, e elle foi ho primeiro Estudo, que ouve em Portugal, mas depois floreceo mais ho da Cidade de Lixboa, ha que ho de Coimbra se mudou, onde agora se leem todas has sete artes, e ciencias pubricamente, e saõ pagos hos Mestres por salairos dos Rex, que depois Regnaram em Portugal. CAPITULO XIV _Como foi feito em Portugal Mestre de San-Tiago izento da Ordem de Ucres de Castella._ Hos Comendadores Cavalleiros, e Freires da Ordem de San-Tiago, que avia em Portugal atee este tempo delRei D. Diniz, todos eram sugeitos aho Mestre de San-Tiago de Castella, cujo Convento, e cabeça era Ucres, de quem por muitas vias, e maneiras recebiam individamente muitos aggravos, e opressoens, chamando-hos sem tempo, e sem necessidade ha Capitulo, e poendo nelles por leves cazos sentenças descomunhões, ha quaal couza sentio muito ElRei D. Diniz, e como era Principe que sempre dezejou, e procurou acrecentamento, e izençam de seus Regnos, e vassallos, enviou notificar todas estas couzas aho Papa Nicolao IV e supricou ha Sua Sãctidade, que desse licença, e autoridade pera que hos dictos Freires, e Comendadores de seus Regnos, podessem antre si eleger Mestre da sua Ordem, que de todo fosse izento do Mestre de Castella, ha que ho Papa deu poder asoluto, e carta de sentença, e em todo satisfez, e desso vieram ha este Regno suas Bullas inteiras, por virtude das quaaes elegeraõ por primeiro Mestre de San-Tiago de Portugal hum D. Lourenço Annes. Sobre ho quaal ho Mestre com favor delRei de Castella, como descontentes, e agravados de semelhante izençaõ supricaram aho Papa Celestino, que socedeo ha Nicolao IV e delle ouveram Rescrito sorreticio com crauzulas revocatorias daa concessoens passadas, annulando a eleiçam do Mestre de Portugal, e hos Juizes que foram dados por exequtores procediam por excomunhoens, e censuras contra ho Regno de Portugal, e requereram Prelados delle, que has fossem cõprir atee antredicto ahos quaaes procedimentos ElRei D. Diniz, e o dicto Mestre, e Freires de Portugal intrepuzeram suas apelaçoens, e devolveram ho feito aho mesmo Papa Celestino que mandando ha seus Leterados conhecer da cauza achouse ho Rescrito de Castella, nom seer verdadeiramente impetrado, e ho Papa Celestino aprovou ha sentença pela primeira concessaõ feita, dada pelo Papa Nicolao, seu antecessor, e que ho Mestre de San-Tiago de Portugal, e do Algarve nom reconhecesse superioridade salvo aho Papa, e ahos Rex que Regnassem nos Regnos de Portugal, sobre os quaaes letigios se fizeram por ElRei grandes despezas, e deste tempo ateegora, sempre ouve Mestre da Ordem de San-Tiago em Portugal, e no Algarve, cujo primeiro Convento foi logo em Alcacer do Sal, e depois se mudou ha Palmella onde agora estaa. CAPITULO XV _Do fundamento que teve ha Ordem do Templo de Salamaõ em Jerusalem, e como foi desfeita, e se fez ha Ordem de Christo._ No anno de nosso Senhor Jesu Christo de mil cento e oito annos, sendo o Papa na Egreja de Deos Gelazio II, Regnando em Jerusalem Valdovino deste nome ho primeiro, e dos Rex de Jerusalem ho segundo, que socedeu ha seu irmaaõ Gudufre primeiro Rei se acha, que dous homens devotos dos quaes hum ouve nome Ugo de Payaõ, naturaal da cerqua de Troya, e outro ho Ficu Sancto homem Frances, estes com dezejos de servirem ha Deos leixados hos gostos, e doçuras de suas fazendas, e natureza, se foram aa Cidade Santa de Jerusalem pera nella viverem, e por sua defençaõ acabarem suas vidas, ahos quaaes o dicto Rei Valdovino porque conheceu que eram homens de boom esforço, e de singular devaçaõ, mandou dar huma pouzada dentro dos seus Paaços, que eram junto com ho Templo de nosso Senhor, e hos Conegos do dicto Templo lhe deraõ hum Altar, e Capella apartado pera que melhor, e mais quietamente comprissem suas devaçoens. E por suas boondades que por todos foram vistas, e experimentadas ElRei, e ho Patriarca, e assi hos Perlados, e nobre, e devota gente, que era em Jerusalem lhe mandavaõ abastadamente por esmola hos mantimentos, e provisam, & ho primeiro encargo que o Patriarca por pendença, e remissam de seus peccados lhe deu, foi que com ha gente devota, que se ha elles quizesse ajuntar, guardassem hos caminhos por onde hos Romeiros vinham a Jerusalem, porque dos muitos ladrões, e maalfeitores nom recebessem hos roubos, e danos, que muitas vezes recebiam, ho que elles quanto foi possivel fizeraõ, e continuaraõ com grande honra, trabalho, e muito cuidado atee nove annos, nos quaaes foram grandemente ajudados desmolas por ElRei, e por ho Patriarca, e por todalas outras naçoens, que eram em Jerusalem, e nestes annos nom fizeraõ alguma mudança dos Abitos seculares, cõ que primeiro vieraõ, mas aho anno decimo depois de sua chegada lhe foi dada Regra por o Papa Honorio II, ha quaal S. Bernaldo compoz, e lha deu com Abitos brancos por humildade, e nelles por defora huma Cruz vermelha por sinificaçaõ do sangue de Christo, e tomaraõ Religiaõ em que fizeraõ voto de castidade, e obediencia, e renunciaraõ pera sempre ho proprio. Hos quaaes antre todolos outros Cavalleiros, e calidades de Christaãos, que nas partes dultra maar pela Fee, e defensaõ da Teerra Sancta peleijavam estes sobre todos com mais devaçam, e esforço faziam com mais louvada avantagem, que por seus grandes merecimentos, e serviços, e fama eraõ assi celebrados, e estimados em todo ho mundo, que hos Rex, Principes, e Senhores de toda Christandade avendo nelles has ajudas, e esmolas por mui beem empregadas no fervor desta primitiva devaçaõ, e Religiaõ lhe deraõ em seus Regnos, e Senhorios grãdes teerras, Cidades, Villas, e Castellos, com muitas rendas, e possessoens. E nesta Ordem por sua grande devaçaõ fizeraõ muitas gentes profissam, e antre hos Cavalleiros avia outros Religiosos Freires sergentes, que traziaõ has mesmas Cruzes vermelhas, mas nos mantos avia antre elles deferença, e ordenaram antre si pendaõ, e bandeira, que diante elles levava nas batalhas seu Alferes, e era ametade de branquo, e ametade de preto, por senefiquaçam que na Fee sempre fossem limpos, castos, e humildosos, e firmes, e no meio della ha Cruz vermelha. E por serem do principio alojados junto com ho Templo, como atraas dice, por esso foram chamados Templarios, dos quaes ho Papa, e ho Patriarca fizeraõ alguns antre hos outros mais principaes, ha que chamaraõ logo Abbades Bentos, e depois foraõ dictos Mestres, e repartidos pelos Regnos, e Provincias da Christandade, de que soo em Jerusalem avia destar como estava ho Graõ Mestre delles ha que todos aviaõ dobedecer como obedeciaõ. Ha este chamavaõ ho Graõ Mestre do Templo de Salamaõ em Jerusalem, e no principio, e fundamento consta que hos Cavalleiros, e Freires viviaõ, e guardavaõ ha Religiaõ em muita profissaõ, e louvados costumes, por esso foraõ sempre em todos seus feitos muito vitoriosos, e bemaventurados, que por exemplo da verdadeira Fee, muitos delles com grande confiança, e constancia sofreraõ morte, Cruz, e martyrios, incomportaveis cativeiros, sem mostrarem alguma fraqueza dos corações, nem da fee que sustinham, e tam grande foi ha fama, e boom nome da Religiaõ, e disciplina Militar destes Cavalleiros da Ordem do Templo, que hos Rex Despanha, que naquelle tempo Regnavaõ, porque nella ainda avia grandes Regnos, e poderosos Rex Mouros por conquistar mandaram por elles ha ultra maar, e nas conquistas, e batalhas dos infieis por grãde ajuda hos trouxeram consigo, e assi por armas, boondade, e esforço respoderaõ sempre aa confiança que delles era conhecida, e por esso na mesma Espanha por os Rex, e Principes, e Senhores della, e doutras gentes particulares em seus testamentos elles foraõ erdados de muitas Villas, teerras, e grãdes rendas, has quaaes elles assi davaõ ha obras piedozas, e meritorias, e assi has repartiaõ pelos fieis Christaãos que craramente parecia que todo ho que lhe davaõ por esmola quesse era ho proprio, e verdadeiro patrimonio de Christo. Mas depois como nellas creceraõ grandes Senhorios, e grandes riquezas, logo segundo se delles diz, ha que muitos nom daõ verdadeira autoridade, ha cobiça ocupou nelles, e em sua Ordem ho galardam dos virtuosos merecimentos passados, porque has virtudes, e boondades em que eram professos converteraõ logo em todos seus contrairos, em que fizeraõ ho cõtrairo do que ante faziaõ, de maneira, que por autoridade do Papa se izentaraõ da obediencia do Patriarca de Jerusalem, e assi de todolos outros Prelados, ahos quaaes denegavaõ depois hos dizimos, primicias, e rendas com que no principio foraõ delles ajudados, e sustentados, trazendo-os em demandas, e legitios como se diz, que ho fizeraõ no Regno Daragam onde tiveram guerra contra has Egrejas Catredaes, e riquos homens daquelle Regno. CAPITULO XVI _Do principaal fundamento, e verdadeira causa pera esta Ordem dos Templarios seer destroida._ Por morte do Papa Benedicto XI, que faleceu em Italia na Cidade de Perosa, antre hos Cardeaes, que eram prezentes ouve discordia na criaçaõ do futuro Sumo Pontifice porque huus queriaõ, que fosse Italiano, e outros procuravam que Frances fosse, Regnando entam em França El Rei Felippe a que por sobre nome diceraõ Fremozo, mas por suas obras de sobeja cobiça, e grande tirania, foi avido por asaas feio, e disforme, e por estucia, e engenho de Nicolao Cardeal Partenes, que era Varaõ astuto, e mui prudente, foi elegido por Papa, sendo auzente, e nom Cardeal D. Reymaõ, Arcebispo de Bordeos, e foi chamado Clemente V, na quaal criaçaõ hos Italianos consentiraõ porque este Arcebispo era grande imigo deste Rei de França, cuja parcialidade pareceu que seguia, ho quaal Rei por avizo do dicto Cardeal Partenes antes de seer pubricada ha eleiçaõ do dicto Arcebispo em huma Abbadia se foi com elle ha ver, e concertar secretamente, e conveio aho dicto Arcebispo pera seer Papa outorgar, e prometer tudo ho que ElRei de França lhe pedio, porque sem sua concordia, e amizade elle nom avia de seer elegido, e criado em Papa, segundo foi certificado, e ali lhe pedio ElRei seis cousas has quaaes ho Arcebispo cõ juramento sobre ho Sacramento da Ostia que fez, e com ha refens da hum seu irmaão, e dous sobrinhos que lhe deu, lhe prometeu de comprir logo como fosse Papa, das quaaes has cinquo logo declarou, e huma sem ha dizer reservou em si pera depois a asinar, e pedir quando lhe comprisse. E depois da creaçaõ do Papa hos Cardeaes do Conclave ho avisaraõ ha elle em Bordeos, e ali tomou o dicto nome de Clemente V, dõde tambem mandou ahos dictos Cardeaes, que eram em Italia que logo se viessem, como vieraõ ha Leaõ de França, onde avia de seer como foi coroado, e logo ali depois da sua coroaçaõ comprio com ElRei has cinquo cousas, que lhe prometera, e assi ha que nom quiz pedir e declarar ha reservou pera depois no anno de Christo de mil tresentos e sete annos. Ho Papa mudou sua Corte aa Cidade Pitansis, onde ElRei de França lhe pedio exequçaõ da sexta cousa que lhe pedira, e pera si reservara, ha quaal era que tirasse pera sempre do Catalogo, e numero dos Papas, ho Papa Bonifacio VIII seu predecessor, e como de Erege, o tredor lhe mandasse queimar ho corpo e hos ossos. E ha cauza desto era porque este Papa o tinha excommungado, e privado do Regno de França, e como de juro dado aho Emperador Dalemanha, e por vinguãça desso, ElRei de França manhosa, e encobertamente mandou prender o dicto Bonifacio na Cidade de Pavia em Italia, e dali foi levado ha Roma, onde logo faleceu, e por esta cauza ElRei de França, que ficava excommungado ha elle Papa de sua memoria tinha grande odio, e porém ho Papa Clemente com ha dezonestidade, e injustiça deste requerimento pelo juramento que tinha feito, e ha refens que tinha dados que corriaõ risquo de morte, foi muito torvado, e posto em pensamento, e avido sobresso concelho por ganhar tempo de dilaçaõ em que ha vontade delRei, por ventura se amanssaria, dilatou ha dicta exequçam da sexta promessa pera Concilio géral ha que convocou hos Principes, e Prelados pera a Cidade de.... que era fóra da jurdiçam delRei de França, pela quaal cauza, e por logo nom comprir, elle se mostrou do Papa muito aggravado. E durando has pendenças deste injusto, e torpe requerimento delRei, que ho Papa nunqua quiz outorgar, acõteceo que hum Prior de Monte Falcaõ de Toloza, que era desta Ordem, e Religiaõ dos Templarios homem perversso, e maao, que por seus erros, e grandes crimes jazia prezo em Pariz, condenado por sentença ha carcere perpetuo, e com elle outro chamado ..... homem cheio de todalas maldades, e traiçoens, hos quaes ambos por seerem de mui malinos espiritos, por tentarem algum caminho de sua deliberaçaõ notificaram, e certificaram ha certos officiaes delRei de Frãça, ho quaal sabiam seer Rei grande tirano, e sobre todolos homens mais cobiçoso, que ho Mestre, Cõmendadores, e Freires da Ordem do Templo, eram todos Ereges, e culpados em tam abominaveis crimes, que por inquiriçaõ logo se provariam por hos quaaes ha Ordem devia seer desfeita, e ElRei aver pera sua Coroa toda sua fazenda, que em França era muita. Ha quaal couza significada ha ElRei elle movido mais de cobiça, que por guardar verdade, nem fazer justiça requereo aho Papa, e ho inclinou maliciosamente, que desfizesse esta Ordem cheia de muitos erros, e offenssas que lhe apontou, ha que o Papa seguundo se diz, pelo afrouxar da promessa do Papa Bonifacio, com que ho apertava logo satisfez, porque sem fazer muito exame, nem ver has certas provas que se requeriam ácerca do que contra os Templarios se dizia, nem se guardar alguma ordem de direito juizo foram em França todos prezos, e seus beens tomados, e ElRei hos apropriou logo aa sua Coroa, e assi o notificou logo aho Papa, e mandou por suas Bullas que assi fizessem todolos outros Rex, e Principes Christaãos em cujos Regnos, e Senhorios avia a dicta Religião, e foi logo prezo em Paris ho Mestre do Templo, que era hum homem por linhagem, e autoridade de mui principaal devaçaõ, e avia nome Jacobo, e com elle sessenta nobres Cavalleiros da dicta Ordem, contra os quaaes por artigos formados se poz: «Que aho tempo de sua profissaõ que todos faziaõ secreta, cospiaõ em Christo Crucificado, e que indistintamente, e seem escuza, e com especialidades feias, e mui deshonestas, uzavam antre si do abominavel peccado de contra natura, e que juravam que justa, e injustamente sempre assi ajudariaõ, e conservariaõ a dicta Ordem, e que elles Templarios como tredores da Teerra, e Caza Sãcta foram cauza de se perder corrutos de dadivas pelos infieis». E sobre algumas provas de testemunhas falças, que sobresso foram dadas, ElRei mandou meter estes, e outros muitos ha mui asperos tormentos pera que com elles confeçassem hos delictos que dezejava pera logo aver has teerras que cobiçava. E porque alguns destes tudo esto navegaõ foraõ retornados ahos carceres em que longamente foram reteudos, e por se tomar delles ha concruzaõ que ElRei desejava, foram levados fora de Pariz, e postos aa vista de poovo em hum alto cadafalço de madeira nùs das carnes, e atados hos corpos ha senhos paaos, logo ha hum, e depois aho outro, lhe pozeram fogo ahos pees, e assi pouquo a pouquo, por todolos membros acima atee serem de todo queimados, dizendo ha cada hum alto, que se confeçasse seus erros que seriaõ perdoados, e livres com piedade, e mesiricordia, cujos amiguos, e partes movidos de sua compaixam hos conselhavaõ, e amoestavam, que por nom morrerem cõ tantas cruezas confeçassem por nom perecerem. Aho que muitos com medo das atormentadas mortes, que viaõ padecer, confessarão todolos maalles, e erros que lhes eram preguntados, aho que outros em que avia mais esforço nunqua quizeram obedecer, antes com muitas lagrimas, e grandes prantos que fizeraõ se escuzavaõ affirmando, que dos semelhantes crimes elles, e hos da Ordem eram de todo inocentes, e encomendando suas almas a Deos, e aa Virgem Maria sua madre eraõ contentes de acabar como acabavaõ em tormento de suas vidas, e destes fiquaram reservados, que nom foram aho pubrico tormento, ho dicto Jacobo Mestre da dieta Ordem em Frãça, e hum Ruy Dalfino seu parceiro, e Frey Ugo Paradi, e hum outro dos mais principaaes da Ordem, que jaa foraõ officiaaes da Caza delRei de França, hos quaaes foram levados aa Cidade de Liaõ onde ho Papa, e ElRei eraõ prezentes, ante hos quaaes hos sobredictos aconselhados de seus imigos por averem relevamento da prizaõ, e por salvarem has vidas, com mercee, e honra, que lhe foi prometida se diz, que confessaraõ alguns dos crimes, e malleficios que lhes eraõ postos. E porque ha cõfissaõ destes seendo pubrica parecia, que era prova sufficiente pera hos dictos artigos seerem verdadeiros, e beem provados, ho Papa ha requerimento delRei tornou ha enviar ha Pariz hos dictos prezos, onde quiz que pubricamente confeçassem ho que tinhaõ em secreto confessado, e por autoridade de Juizo enviou dous Cardeaes pera depois da dicta confissaõ darem ahos culpados alguma pendença piedosa, e condenarem ha dicta Ordem ha perdiçaõ, e destruiçaõ dos beens que tinha, hos quaaes prezos postos em outro pulpito mui alto aa vista dos Cardeaes e de muitos poovos, que eram juntos, foi perante elles lido, e pubricado em alta voz ho processo, que do dicto cazo era feito, em que era escrita ha confissaõ que os dictos prezos fizeraõ, ho quaal como foi acabado, ho dicto Mestre Jacobo como pessoa mais principaal alevantado em pee, e pedindo com grandes brados lugar de silencio se diz, que perante todos dice. «Que aquelles erros, e crimes porque foram perguntaados Deos sabia que elles nunqua hos cometeraõ, nem hos avia nelles, nem na sua Religiaõ, que sempre fora, e era mui sancta, e hos Freires della de mui honesta vida, e de mui limpa conversaçam, e crentes inteiramente na sancta Fee Catolica de Jesu Christo, mas que nem por esso deixava de confessar que era dino da crua morte, que se lhe aparelhava ha quaal elle com paciencia sofreria pois por temor delRei que era prezente, e com branduras do Papa elle malíciozamente, e com grãde mentira confeçara alguns dos dictos crimes, que nom devera.» E com esto sem ho acabarem beem douvir se deu toda via sentença contra elle, e hos Cardeaes, e hos outros Prelados se partiram, e logo se tornaram aho Papa, pelo quaal ho dicto Mestre, que era cõpadre delRei, com Frei Delfim seu companheiro foraõ levados ante hos Paaços Reaes de Pariz onde ElRei era presente, e ali dãdolhe pouquo ha pouquo ho fogo por maior tormento como deram ahos outros, foraõ de todo queimados, sem nunqua se quererem desdizer, antes no meio das maiores chamas se diz, que elles nunqua deixaraõ de cõfessar, e defender ha pureza de sua Religiaõ, e que na opiniaõ de todos como verdadeiros Martyres morreraõ, e por taaes se diz, que foraõ avidos, e reverenciados, e seus ossos de muitos guardados, mas Frei Ugo, e outro seu parceiro, e assi outros cõ elles com espãto, e temor de taõ cruas mortes confessaraõ hos dictos crimes contra ha dicta Religiaõ, por salvarem has vidas, que da li ha poucos dias por seus peccados vilmente perderaõ, ha quaal sentença de condenaçaõ cõtra ha dicta Ordem do Templo, Freires, e Cavalleiros della, soccedeo no mez de Dezembro do anno de mil trezentos e nove annos. No quaal tempo se compriam cento e quorenta e hum annos, que a dicta Ordem fora principiada do tempo do Papa Gelasio, como atraas fiqua. CAPITULO XVII _Como ho Papa, e ElRei de Frãça noteficaraõ ha ElRei D. Diniz esta condenação dos Templarios, e de sua Ordem._ A qual condenaçaõ, e cauzas della, ho Papa fez saber por sua Bulla ha ElRei D. Diniz, e cõ mostranças de grande sentimento encomendou, que logo fizesse em seus Regnos prender todolos Freires da dicta Ordem, e hos remetece ahos Bispos, e Ordinarios, em cujos Bispados fossem prezos, pera delles tirarem inquirições, e sabeerem de seus delictos ha verdade, e averem justo castigo, e aquelles que confeçassem hos dictos crimes, e deles se arrependessem fossem a piedozo perdam recebidos, e assi tomasse todos seus beens, e teerras que tivessem, e sobre estivesse atee se derterminar no Concilio Geral ho que de todo se fizesse, ha quaal couza ElRei de Frãça noteficou ha ElRei de Castella, e ha ElRei D. Diniz, e lhes enviou ho treslado do processo, e sentença que contra elles foi dada, pedindolhes com razoens, que pareciam teer cor de justiça e onestidade que quizessem em seus Regnos inteiramente cõprir ho que lhe ho Papa encomendava, e elle nos seus tinha jaa feito, e com ha noteficação deste maal tam grande, e tam universaal, ElRei D. Diniz, e todolos de seu Regno foram mui maravilhados. E porque has cauzas, e fundamentos do Papa, e delRei de Frãça, porque inteiramente foi deste cazo informado vinhaõ postas em taal ordem, e assi clarificadas que pareciam mui verdadeiras, crendo ElRei D. Diniz que a dicta Ordem por esso nom escuzaria de seer desfeita, e hos beens della perdidos, e dados ha ontrem, antes de tudo mandou logo tomar toda ha fazenda, e Lugares da dicta ordem, e tudo teve em si, e na pessoa do Mestre, que avia nome Vasquo Fernandes, e nos Cavalleiros, e Freires da dicta Ordem nom se acha que ElRei, nem outrem fizessem alguma exequçam de mortes, prizoens, nem outra pena alguma, antes em muitas partes parece claro que muitos destes foraõ recolhidos aa nova Ordem de Christo, que se depois fez, como aho diante direi, e nella viveram beem, e onestamente como boons Religiosos, porque o dicto Vasquo Fernãdes, Mestre que era, foi recolhido aa Ordem de Christo, e lhe deram ha comenda de Castello novo em que viveo, e acabou. E porque como ha noteficaçaõ deste desfazimento logo geral, se dice que o Papa determinava atrebuir has teerras, e beens desta Ordem do Templo aa Ordem do Esprital de S. Johaõ de Jerusalem, e ha ElRei D. Diniz pareceo que seria grande inconveniente pera ho assecego, e obediencia de seus Regnos ho que assi por iguaal medida tocava ha Castella, enviou logo apõtar especificamente ha ElRei D. Fernando seu genro, que estava no cerquo sobre Algezira, hos pejos que ha elles, e ha estes Regnos nesta concessaõ, se aa Ordem de S. Johaõ se fizesse viria, e ambos por esso se concordaraõ por contrato jurado, com pena de déz mil marquos de prata, que seendo cazo que ho Papa quizesse dar, ou atrebuir estes beens dos Templarios ha quaalquer Ordem sem suas vontaades, e consentimento, que elles contra todos ho defendessem, e nom consentissem, e que hum sem ho outro cõ ho Papa, nem outro quaalqner se nom podesse sobre este cazo concordar, nem fazer avença, e concerto, por quaalquer maneira que fosse soo ha dicta pena, sobre fizeraõ contracto escrito, e aselado com juramentos, e menagens de sempre assi se comprir, e que ElRei Daragam se quizesse, como quiz, fosse nesta cõcordia, e chegouse ho tempo do dicto Concilio, que ho dicto Papa Clemente V atermou ahos Rex, e Principes Cristaãos pera determinaçaõ da Ordem do Templo, e de suas cousas, e assi pera sabeer ho que se determinaria acerqua do Papa Bonifacio VIII que ElRei de França requeria ha pagamento de sua memoria, e que seus ossos fossem queimados, ho quaal se celebrou na Cidade de Viena, na Provincia de Narbona, no mez de Outubro da era de mil trezentos e onze annos, (1311) que foram juntos grandes Rex, e Senhores, e assi Embaixadores, e Procuradores, e nelle primeiramente se determinou que ho requerimento, que ElRei de França fazia acerqua de se declarar por Erege ho dicto Papa Bonifacio, e seus ossos queimados, e sua memoria perdida, era injusto, e taal que por alguma maneira por muitas cauzas se nom devia comprir. Do que El-Rei de França se mostrou muito anojado, e aggravado do Papa, e no dicto Concilio foraõ pubricamente lidos hos dictos processos fulminados cõtra hos Templarios, e sua Ordem, pelo quaal depois de muitas amirações, e nom menos opiniens se confirmou ha sentença contra elles, ha saber que fossem todos prezos, e apresentados ha juizo da Sancta Egreja, e aquelles que se quizessem arrepender daquellas maaldades, e tornar ha devida pendença, nom fossem prezos, mas que lhe dessem algum remedio saudavel pera suas almas, e hos que pelo contrairo, fossem ostinados, fossem prezos, e de justo juizo punidos, e foi posto por Edito geral pera sempre, que dahi em diante alguem nom entrasse mais na dicta Ordem, e Religiam, nem trouxesse Abito della, nem sechamasse Templario e que todos seus beens, assi moveis como de rais, que tinham em toda Christandade fossem, como foram dados, e aplicados aa Ordem do Esprital de S. Johaõ, por seerem hos Cavalleiros della firmes, fieis, e constantes guerreiros pela Fee de Jesu Christo. Mas ha entrega destes beens nom foi inteiramente feita aa dicta Ordem de S. Johaõ; porque em muitas partes os Rex, e Senhores ouveraõ pera si muitas couzas, e dellas derão ha outras pessoas particulares, que sempre depois has tiveraõ, e logo na concessam destes beens, e fazendas foram tirados aquelles, que ha dicta Ordem do Templo tinha nos Regnos de Portugal, de Castella, e Aragão, cuja aplicaçaõ, e concessaõ, que pelos Embaixadores destes Rex foi com muitas cauzas, e razoens empedida em se nom dar, e fazer ha dicta aa Ordem de S. Johaõ. E mandou ho Papa, e Concilio juntamente que estes beens estivessem assi socrestados atee que ho Papa com maior deliberaçaõ, e mais resguardo tornasse aver has dictas couzas, e razoens que hos dictos Rex Despanha tinham alegados, e quizessem por si mais alegar, pera hos dictos beens nom seerem dados aa dicta Ordem de S. Johaõ, porque depois de todo beem visto, e examinado deteerminaria ho que fosse justiça. Hos Embaixadores delRei, D. Diniz, e DelRei de Castella nom partiram da Corte do Papa pera Hespanha, atee ho negocio dos da Ordem do Templo nom aver final concruzaõ. Ahos quaaes pelo Papa foi mandado, que finalmente apontassem hos fundamentos, que faziaõ, e rezoens que davam pera nom seerem com hos outros dados aa dicta Ordem de S. Johaõ, e dos fundamentos principaaes, e de moor sustancia, que foram apontados, ho primeiro foi: «Que quando hos Rex Despanha seus antecessores mandaram chamar hos Templarios pera ha guerra, e conquista dos infieis, que nella avia, tambeem chamaram, e vieram outro si da Ordem do Esprital, e de huns, e outros por uzarem beem de seus officios de Cavallaria, tinham dados em seus Regnos, e Senhorios muitas Villas e teerras, e rendas, com que cada Ordem tinha por si grande poder, has quaes todas juntas aa Ordem de S. Johaõ, ella teria dobrada potencia em cazo, que se dicesse que has da dicta Ordem refariam ha guerra contra hos imigos da fee, e no serviço delRei, e do Regno outra tanta gente quanta era ha dos Templarios quando serviam, esto diceram que seria quando hos da dicta Ordem de S. Johaõ quizessem, cujas vontades por suas grandes forças que teriam, se nom poderiam forçar, nem sojugar de que se seguiria outro tam impossivel, e grande inconveniente que nom convinha pera ho beem, e segurança dos Regnos, que quando estes do Esprital nom quizessem guardar divida lealdade elles segundo hos muitos Castellos, e Fortalezas que tinham nos estremos de seus Regnos teendo taal desposição, e poder poderiam meter na teerra, e alevantar no Regno outro novo, e contrairo Senhorio, com que tudo se lhe despedesse, e destroisse, e denegariam ha obediencia ahos Rex, e Prelados, como, e quando quizessem segundo em Aragam hos dictos Templarios em outros tempos por seu grande poder jaa fizeram.» E alem destas razoens apontaraõ hos dictos Embaixadores outras casi ha estas conformes que aqui são escuzadas. Durando ho quaal debate, e ante de se concruir ho dicto Papa Clemente V faleceu, e depois de sua morte ha dous annos, e tres mezes antre hos Cardeaes ouve discordia antre ha eleição do socessor, e cessando seus debates, e seendo conformes foi em eleição criado Papa seu sucessor, ho Papa Johaõ XXII no quaal tempo da dicta discordia, e vocaçam da Cadeira de S. Pedro, hos Embaixadores, e Procuradores dos Regnos se vieraõ ha Espanha, sem se tomar final assento sobre has couzas dos Templarios, que queriaõ, e no mesmo tempo antes da determinaçaõ ElRei D. Diniz ouve pera si todalas rendas dos beens, e propriedades delles, e hos converteo no que lhe pareceu serviço de Deos, e beem de seus Regnos, aho qual ho dicto Sancto Padre escreveo, que pera determinaçam desta couza, que ficara suspensa enviaasse ha elle seus Procuradores, hos quaaes logo enviou hum Pero Martins Conego de Coimbra, e Johaõ Lourenço de Monçaraas Cavalleiro, que eram pessoas de boom saber, e aacerca delRei de booa auctoridade. E chegaados ante ho Papa diceraõ ha Sua Santidade em sustancia, e ahos Cardeaes que eram presentes has rezoens, e cauzas acima apontadas pera hos beens, e fazendas dos Templarios nom virem aa Ordem de S. Johaõ, ha quaal se nom podia ajuntar, e encorporar seem grande perjuizo delRei, e do Regno de Portugal, e com esto diceraõ mais que pera Sua Santidade, e ho Sagrado Collegio dos Cardeaes mui claramente verem que ElRei D. Diniz nom contrariava taal concessão por alguma cobiça que tivesse daver hos beens, Lugares, e teerras dos dictos Templarios, mas que antes hos queria pera serviço de Deos, e defençaõ, e exalçamento de sua sancta Fee, que soubessem que ho dicto Rei tinha no seu Regno do Algarve hum Castello mui forte, que diziaõ Crasto Marim, que era na frontaria dos Mouros Despanha, e Dafriqua, na quaal Fortaleza se podia fazer novo Convento, e nova Religiaõ, em que entrassem novos Cavalleiros de Jesu Christo lidadores por defençaõ da sua sancta Fee, e por seu acrecentamento. Ho quaal Castello lhe aprazia tirar da Coroa de seu Regno, e dalo de todo por seu isento aa dicta nova Ordem que se fizesse em que averia muitos Cavalleiros de continoa, e forçosa resistencia contra hos imigos da Fee, e que estes beens dos Templarios dividamente se poderiaõ conceder, e apropriar, e porém pediam ha Sua Santidade em nome delRei D. Diniz, que assi ho quizesse outorgar, pelo quaal ho Papa, e Cardeaes vendo ha sancta tenção, e boom dezejo delRei aacerca do serviço de Deos, e de sua Fee, satisfez em todo ha suas onestas petiçoens, e ouve por beem de se fazer ha nova Ordem de Cavallaria de Christo, que agora hee, aa quaal hos dictos beens, e couzas dos dictos Templarios fossem pera sempre atrebuidas, e que hos Freires della fizessem sua profissaõ pela Regra, e Estatutos da Ordem de Calatrava, e que ho Abbade Dalcobaça, que pelo tempo fosse vizitasse esta Ordem; com outras mais crausulas, e folenidades que nas Bulas da nova instituiçaõ saõ conteudas, has quaaes hos dictos Procuradores trouxeram ha ElRei D. Diniz, que era na Villa de Santarem, com que foi mui alegre. E ali foi feita, estabelecida, e decrarada ha dicta nova Ordem de Christo, e foi logo della ho primeiro Mestre D. Frei Gil Martins, que então era Mestre Daviz, e foi esto feito, e celebrado na dicta Villa de Santarem no mez de Maio da era de mil trezentos e vinte annos, (1320) avendo jaa doze annos, que ha dicta Ordem do Templo era jaa destroida por cobiça do dicto Rei Felippe de França, ha cujas culpas Deos que hee em todo justo, nom tardou muito com justiça e pena, porque este Rei Felippe correndo monte ho cavallo em que corria arrastrando como touro ho matou, e delle ficaraõ tres filhos, e huma filha Dona Isabel, ha saber ho maior Felippe, e o segundo Luis, e ho menor Carlos, e ha filha Dona Isabel que cazou com ElRei D. Anrique Dingraterra, hos quaaes todos morreram sem delles ficar erdeiro de França, e ficou desta vez estinta ha geraçaõ dos Rex de França, que vieraõ de Ugo Capet. Nos quaaes annos que ha Ordem de Christo nom foi feita, El-Rei D. Diniz recolheo pera si has rendas da dicta Ordem do Templo como dice, e dellas ouve solene quitaçaõ dada, e outorgada pelo dicto novo Mestre de Christo fundada em razoens que pareciaõ asaas justas, e onestas, e por compensassaõ desso se deu aa dicta Ordem ho Castello de Crasto Marim, onde primeiramente foi ordenado ho Convento della, e depois se mudou aa Villa de Thomar, onde era ho Convento dos do Templo. Ha quaal Ordem de Christo por proprios Mestes, e com nomes de Mestres se governou, e regeo atee ho tempo do Ifante D. Anrique, filho legitimo delRei D. Johaõ deste nome ho primeiro de Portugal, que da dicta Ordem foi ho primeiro, e perpetuo administrador, ho quaal por sua singular devaçaõ, e grandeza de animo por nom seer cazado, nem teer filhos, acrecentou muito na dicta Ordem ha que procurou, que fossem dadas muitas rendas com jurdiçam do Espiritaal das Ilhas de Guinee, que elle primeiramente descobrio, e depois ha dicta Ordem em rendas, e comendas, e jurdiçoens, e em privilegios, e liberdades foi muito mais ennobrecida, e acrecentada em tempo delRei D. Manuel N. Senhor, que della tambem por autoridade Apostolica foi perpetuo Governador ha que creceram reçoens, edeficios, e excellentes Ornamentos, e novas comendas, e ha vintena das grandes riquezas das Indias, Arabia, Persia, que elle como Princepe virtuozo, e de grande animo, novamente mandou descobrir, e achou, como em sua Coronica mais propria, e largamente hee decrarado. CAPITULO XVIII _Da discordia, que ouve antre ElRei D. Dinis, e ho Ifante D. Affonso seu filho erdeiro, e has causas porque._ Atraaz fica escrito has deficuldades, e trabalhos com que ElRei D. Diniz cazou o Ifante D. Affonso seu filho, com ha Ifante Dona Breatiz, filha delRei D. Sancho de Castella, e por lhe teer grande amor, e afeiçaõ como ha rezaõ requeria, lhe deu sua caza em Lixboa, com muitas, e graãdes festas, pera que de seus poovos ouve grandes ajudas, e assi se acha, que aalem de muitas Villas, e teerras, que tinha lhe ordenou mais de seu assentamento, em cada hum anno oitenta mil livras, que estimadas segundo ha valia da prata daquelle teempo, valiam da moeda dagora trinta e dous mil cruzados, ha rezaõ de duas livras, e meia hum cruzado, que hee verdadeira conta, e asaaz aprovada, como outras vezes jaa dice, e assi em todalas couzas, que occurriam se vio que ho honrava, e estimava muito, e tinha cuidado de lhe criar seus filhos, porque jaa atee este teempo elle ouvera ho Ifante D. Affonso, que menino faleceu em Penella, e assi ouve ho Ifante D. Diniz, que seu avoo ElRei D. Diniz com grande amor criava em sua caza, e nella faleceu moço, porque ElRei foi tam anojado, e triste que nom sabia, nem podia com nenhuma couza seer ledo, nem consolado, e em tanto estremo sentio ha morte deste seu neto, que ho Papa lhe escreveo sobresso hum Breve de consolaçam, cheio de muita prudencia, e graãdes confortos. E por estas cauzas aalem das outras obrigações naturaaes, e Reaaes que nelle avia, nom hee de duvidar, que ho Ifante D. Affonso devera sempre de amar, e obedecer sobre todos a ElRei D. Diniz seu padre, e assi lhe acatar por aver abençam de Deos, e ha sua, ho que em principio de sua idade, em seendo Ifante nom se acha seer assi, antes ho contrairo, cuja verdade, e declaraçam em cazo, que por sua graveza nom seja doce, nem gracioza couza pera ouvir, porém ha necessidade de sua Estoria, que escrevo obriga, e constrange ami que ho nom cale, principaalmente por mostrar, que hos lizongeiros, e maaldizentes antre hos padres, e hos filhos nunca ajam lugar, nem sejam ouvidos, que se estes nom foram cridos, nom ouvera tantas cauzas de desavença dantre ElRei, e seu filho, e assi pera que se saiba quam grande erro hee daar pena, e castigo ha algumas pessoas por quaalquer maal, que delles seja dicto posto que traga em si muita cor de verdade, atee elle sem paixaõ nom seer primeiro sabido, e justificado, e tambem porque nos erros, e graveza, que se vir nas desobediencias, e desacatamentos que ho Ifante teve ha ElRei seu padre se vejam, e resprandeçaõ mais craro has boondades, e merecimentos dos filhos, quando acerqua de seus padres usarem ho contrairo. E porque nestas desavenças delRei, e de seu filho ouve, e se passaraõ muitas, e mui largas couzas, que seriaõ mui longas pera escrever, eu dellas soomente apurarei brevemente has principaaes, e has que pera esta Estoria mais necessarias me parecerem. E segundo ho que acho, e pude comprender, tres rezoens ouve, e todas sem cauza, nem rezaõ, porque ho Ifante D. Affonso se moveo ha esta sua desobediencia contra seu padre, das quaaes ha primeira foi em Beja, por sentir que ElRei D. Diniz queria grande beem ha D. Affonso Sãches, e aho Conde D. Joaõ Affonso seus filhos naturaaes, hos quaaes segundo se acha nom serviam, nem catavaõ aho Ifante como elle desejava, e merecia, e deste conto nom era ho Conde D. Pedro tambem seu irmaão bastardo, e de todos hos bastardos ho mais velho, porque sempre seguio ha parte do Ifante, e por esso foi ha requerimento de D. Affonso Sanches desterrado de Portugal pera Castella, e todas suas teerras, e fazenda tomadas, e depois retornado, como aho diante se diraa, e ha segunda cauza foi ha grande cobiça, e desordenado desejo, que sempre teeve de aver, e cobrar pera si has riquezas, e tezouros delRei seu padre, e ha terceira por querer, que em toda maneira ElRei deixasse, e tirasse de si ha Justiça, e Governança do Regno, e livremente ha deixasse ha elle. E porém em algumas destas couzas nom avia cauza, nem rezaõ que pera ho Ifante nom fosse grande erro querellas, e muito mais procurallas, porque ElRei querer beem ha D. Affonso Sanches, e aho Conde D. Joaõ era grande rezaõ, e assi por seerem seus filhos, como por hos achar sempre em todolas couzas mui conformes aa sua vontade, e ha seu serviço mui obedientes, especialmente que ha afeiçaõ, que ElRei lhes mostrava nom empedia, nem mingoava ho do Ifanto seu filho, mas como ho amor, e senhorio sempre querem seer senhores, por esso saõ mui amiude mui cheios de ciumes, e sospeita, pelo quaal ho beem, que ElRei mostrava ahos outros seus filhos cauzava na vontade do Ifante mui duvidosa tençaõ, com que enganandose cuidava, que ElRei ho nom amava tanto, quanto devia, e por esso por todolas as maneiras, que podia trabalhava, e procurava de apartar, e desavir estes filhos delRei seu padre, assi como logo fez aho Conde D. Pedro seu irmaão, que era ho maior dos filhos bastardos, ho quaal por couzas craras, que lhe fez entender, ho tirou da obbediencia, e seu serviço delRei que antes andava, e ho recolheo pera si, porque favorecia sua parte, e dizer, e requerer que ho regimento da Justiça do Regno devia seer todo do Ifante, aho que ElRei contrariava com muitas rezoens asaaz justas, por as quaaes aconselhava ho filho, que o taal requerimento ouvesse por escuzado. E porque ho Ifante vio, que ElRei seu padre em nhuma parte destas lhe nom satisfazia, aconselhado, e induzido falsamente de hum Gomes Lourenço Vogado de Beja, filho de hum Carpinteiro, que depois foi Freire de San-Tiago, teve taaes meios, e inteligencias com a Rainha Dona Maria de Castella sua sogra, que ella enviou pedir ha ElRei D. Diniz, que por quanto desejava ver muito sua filha, e seu genro, e os Ifantes seus netos, que jaa tinha, ouvesse por beem que elles ha fossem ver ha Castella, e porque ElRei por secretos meios que laa trazia soube, e entendeu craramente, que has taaes vistas naõ eram pera algum beem, nem asecego seu, e de seu filho antes pera alguma torvaçaõ, e dano dambos, e do Regno, falou sobresso aho Ifante, e lhe rogou, e encomendou que por sua bençam escuzasse sua ida, ha quaal fosse certo, que ha elles, nem ha Portugal nom trazia proveito, antes era fundada, e requerida pera seu desserviço, e dano da teerra, e que abastava por principaal pera elle deixar de hir ha Castella, em cazo que outro nom ouvesse dezejar elle, e querer que nom fosse, ha que elle por aver sua bençaõ devia mais de obedecer que aa Rainha sua sogra. E com tudo esto, e com mais outras alegaçoens, e inconvenientes que ElRei lhe poz, ho Ifante nom desistio de seu proposito, e sem licença, e contra vontade delRei foi todavia, e levou ha Castella ha Ifante Dona Breatiz sua molher, e depois de consultarem em Cidad Rodrigo has couzas sobre que foram, que todas eraõ contra ho gosto, honra, e serviço delRei, ho Ifante se tornou ha Portugal, e nom se passaram muitos dias, que logo nom veio ha ElRei D. Diniz em nome da Rainha Dona Maria sogra do Ifante, hum Pero Rondel Ouvidor da Justiça em caza delRei D. Fernando de Castella, e da sua parte, aa sua grande instancia lhe requereo, e pedio que por algumas cauzas coradas, que apontou desse ho Regimento da Justiça aho Ifante D. Affonso seu filho. Do quaal requerimento ElRei cõ grandes estranhamentos se escuzou, maravilhandose muito da boondade, e prudencia da Rainha requerer taal couza, e taõ contraira ha toda rezaõ, e onestidade, porque elle quando em cazo de velhice, ou por outro empedimento que tivera, requerera aho Ifante seu filho pera tomar semelhante regimento, ainda elle como filho obediente seendo seu pai vivo, e em booa idade pera reger como era, se devera desso escuzar, quanto mais querer forçar ho que boom filho nunca fizera, e desta reposta delRei ha que ho Ifante era prezente, elle como aggravado, e mui anojado se despedio logo de seu pai, e foi sempre andar apartado delle. CAPITULO XIX _Das couzas que ho Ifante capitulou pera matar Affonso Sãches seu irmaão, ou ho desterrar fóra do Regno._ Porque ha maginaçam, e sospeita que o Ifante tinha do beem, que ElRei queria ha Affonso Sanches seu filho, ho trazia em muita door, e cuidado, para desto seer livre, elle cõtra ho que ha seu Real sangue, e Estado devia, fantaziou em sua memoria hum engano com que falsamente, e com algum achaque ho matasse, ou ElRei ho desterrasse do Regno, e esto fez, que ho Ifante falou secretamente com hum Pedro Guilhelme, e com outro Pero Gonçalves, que viviaõ com elle e em que se muito fiava, ahos quaaes mandou que fossem fóra da teerra, e de lá trouxessem escrituras com sinaaes, e mostranças de seerem pubricas, e mui autenticas, e verdadeiras, porque craramente se mostrasse, que elles de mandado do Ifante foram buscar, e acharaõ homens ha que ho dicto Affonso Sanches peitara porque trouxessem, e dessem peçonha aho Ifante D. Affonso, de que logo morresse. E estes passado algum tempo depois, que manhosamente partiram do Regno, tornaraõ ha elle, e trouxeram aho Ifante, que estava em Coimbra estromentos pubricos escritos em Castelhano, que perante hos Juizes da Cidade, foram logo pubricados, e tomados delles autorizados trelados, cuja sustancia era. «Que ahos trinta e hum dias do mez de Novembro da era de mil trezentos cincoenta e sete annos, ante ha porta de Sancta Maria de Magazella, presente Johaõ Pires, que aquelle anno fora Algoazil, e Diogo Dias, e Vasco Fernandes Alcaides, e Johaõ Preto, Tabaliam do Lugar, nove vaqueiros que vinhaõ por si nomeados, com outros vaqueiros de Ruy Sanches Davilla, trouxeram prezos aho dicto Lugar de Magazela cinco homens do Senhorio de Portugal, antre hos quaaes vinha hum acavallo, que parecia de rezão, e boom entendeer, e que hos dictos vaqueiros disseram, que no Lugar que dizem Aguama termo da Magazela, aquelle homem de cavallo com outros traziam prezo outro homem Portuguez, que tinha feiçaõ Descudeiro, ho quaal bradando dizia, homens do Senhorio de Castella acorreime, que Portuguezes me levam prezo pera em sua teerra me matarem, e que ha estes brados hos dictos vaqueiros acodiraõ, e querendo livrar ho prezo Portuguez daquelles Portuguezes que ho traziam, que o dicto homem de cavallo dicera apressadamente ahos seus de pee: «Matai este tredor porque nom fique com vida.» E que hum delles lhe dera huma lançada por hum braço, e que o de cavallo sobresso lhe arremessara ha lança que trazia, e ho atrevessara por detraaz atee hos peitos, e que os vaqueiros vendolhe fazer taal crime lançaram maão logo de quatro homens seus, e que ho de cavallo querendolhos tirar, e defender, hum dos vaqueiros arrancou hum dardo, e ho ferio, e ho Escudeiro quando vira hos seus homens prezos, dicera ahos vaqueiros, que nom tinham rezaõ de prenderem, nem fazerem maal ha elle, nem ahos seus, pois nom fizeraõ mais maal, que matar seu imigo, e que pera verem que elle demandava rezaõ, que ho deixassem, e que elle era contente de ir ha cavallo perante os Juizes de Maguazela, e que elles depois de ho ouvirem mandariam ho que fosse justiça. E que ante de irem pera ho dicto Lugar, que ho Cavalleiro rogou ahos vaqueiros, que pera certidão do que dizia, chegassem aaquelle lugar onde jazia ho ferido Portuguez, hos quaaes chegando ha elle ho Cavalleiro dicera aho ferido. «Amigo eu saão Pero Gonsalves, Escrivão do Ifante D. Affonso de Portugal, e voos sabeis beem ha maaldade, e treição que tendes feita, com Garcia Dalmuche, que eu fiz matar nas manchas Daragam por ambos buscardes, e ordenardes peçonha pera mataarem ho Ifante meu senhor, e agora lembrevos, que estais em tempo da rependimento, e de dizerdes ha verdade, por nom perderdes ha alma, pois jaa perdestes o corpo.» E que ho ferido respondera, que tudo era verdade, e que por esto elle tinha tratado, e buscado contra ho Ifante aquelles Portuguezes que ho traziaõ prezo, ho quaal logo falecera, e que sobre esto em chegando ahos Alguazis do lugar, ho dicto Pero Gonsalves mostrara huma carta aberta patente do Ifante, porque geraalmente fazia sabeer, que elle enviava ho dicto Pero Gonsalves contra alguns que procuravam de fazer maaos feitos contra elle, e que porem ho encomendava aas Justiças dos Lugares pera que lhe dessem ha ajuda, e favor, que elle requeresse, e aalem desto, que ho dicto Pero Gonsalves requeria mais ahos dictos Juizes, que perguntassem hos vaqueiros aacerqua do que ho Escudeiro morto em morrendo confeçara, hos quaaes diceram todo ho que atraaz hee escrito, e mais que ho dicto ferido em querendo morrer dicera. Eu naci em na maa hora antre todolos homens da teerra, de que saõ naturaal, e assi aquelle por cujo concelho esto fiz, porque certo hee que Garcia Dalmuche, e eu com outros buscamos, e compuzemos peçonha pera matar ho Ifante, mas quiz ha sua booa ventura, que por ella se nom obrou couza, que lhe danasse. E com tudo diceram, que ho Ifante se guardasse, e que perguntado ho ferido pelo nome daquelle do sangue do Infante por cujo concelho, e mandado esta peçonha se ordenava, que elle respondera, que pera que era perguntar ho que todo ho mundo sabia, e que mais nom deria, e com esto pedira confissam, e em lhe tirando ha lança, que tinha atravessada logo morrera, pelo quaal hos dictos Alguoazis, e Alcaide, visto esto mandaram que ho dicto Pero Gonsalves, e hos seus se fossem em booa ora, e livres, e lhe mandaram daar hos estromentos pubricos, com muitas testemunhas, que sobre esto pediram.» E depois que estes estromentos em Coimbra se pubricaraõ, de que todos foraõ hi espantados, ho Ifante mandou mostrar ho treslado delles ha seu padre, por Nuno Martins Barreto, e por Ruy Garcia do Cazal, e pedir-lhe que logo desse ha Affonso Sanches ha emenda, e castigo, que em tam feio cazo merecia. Do que ElRei foi asaaz maravilhado, e posto em mui tristes pensamentos, ainda que logo conheceo, que tudo eram manhozas envençoens, e maal compostas, e ahos messageiros do cazo, respondeu por maneira, que foraõ elles contentes, e sobresto ElRei enviou logo aho Ifante, Fernam Rodrigues Bugalho, e Lopo Esteves Dalvarengua, pessoas de que fiava, pelos quaaes lhe enviou certificar ho nojo, e tristeza que do cazo passado tinha recebido, ho quaal era de calidade, que fazendose contra ho mais pequeno vassallo seu, elle ho estranharia, e puniria mui gravemente, quanto mais contra elle seu filho, que elle amava de coração, e suas couzas assi lhe doiam, e tocavam como se fossem feitas, e ordenadas contra sua Reaal pessoa, e que fosse certo, que quaalquer seu irmaão lidimo, se ho tivera, que contra elle fizesse semelhante treiçam, que seem nhuma piedade lhe mandaria tirar ho coraçaõ pelas espadoas, como aho mais vil homem de sua teerra, e que porem ElRei lhe rogava, que hos proprios originaes de que vira hos treslados lhe quizesse mandar, que logo lhos tornaria, e porque por elles se queria beem informar pera sabeer ha verdade donde tanto maal nacera, e quaaes eraõ hos participantes nelle, pera tudo emmendar, e castigar com penas, e rigores que elle viria. Aho que ho Ifante respondeo, que se maravilhava muito delRei seu padre, hum feito tam craro, e de taal importancia querelo poor em vagarias, nas quaaes elle nom queria poor seu corpo, vida, e honra, porque se ElRei tivesse vontade de ho estranhar, e punir como lhe enviava dizer asaaz provado estava ho erro pera na exequçaõ delle nom procederem interlucutorias nem tantas delongas, e que jaa em cazos, que menos relevavaõ, e comprova que nom era tam abastante, mas por soo prosunçam lhe vira proceder contra muitos, e punillos, e que assi ho devia fazer neste cazo, e que hos originaes por seerem escritos em papel, e por se nom perderem tinha mui beem guardados antre duas tavoas, e que ha ElRei hos mostraria quando fosse necessario, e que porém, que sobresso mais se avia de fazer com mostranças da meaça. CAPITULO XX _Da diligencia que ElRei fez pera saber ha verdade dos estromentos de Maguazella._ Com esta reposta do Ifante em que pareceo que elle se cerrava pera prefeitamente se nom saber ha verdade do cazo, que desejava, ElRei pera tirar de si sospeiçoens, e escrupulos da vontade, antes de tudo ouve por beem denviar, como enviou, por messageiro avizado com sua carta de rogo ahos do Concelho de Maguazella, encomendandolhes, que do cazo que nos estromemos era particularmente apontado, lhe mandassem dizer ha verdade, e que viesse por todos beem autorizada, hos quaaes juntos todos em seu consistorio maravilhados primeiramente de taal novidade, responderamlhe sustancialmente, que todalas couzas conteudas nos dictos estromentos nem soomente huma nom fora, nem era verdade, porque naquella Villa nom avia, nem nunca ouvera taaes homens, que fossem justiças, nem Tabalians, nem taaes vaqueiros, nem memoria de taal feito, como aquelle acontecesse em Maguazella, nem em seu termo, nem em toda aquella Comarqua, sobre que fizeram grandes deligencias de que enviaram ha ElRei D. Diniz suas certidoens asinadas por todos, e aseladas com ho selo do Concelho. E com esta reposta de Maguazella, em ha falcidade foi ho Ifante beem compreendido, e ElRei foi muito maravilhado, e recebeo grande nojo, que lhe pareceram começos, e fundamentos que ho Ifante lançava, e fazia pera descobertamente lhe desobedecer, e ho desservir, e pera alguma temperança, e resguardo desto ElRei fez ajuntar em sua Camara ha D. Johaõ Mendes de Briteiros, e Martim Affonso de Souza, e Gonçalo Anes de Berredo, seus sobrinhos, e D. Pedro Estaço Mestre de San-Tiago, e D. Gil Martins Mestre de Christo, e D. Vasquo Mestre Daviz, e Vasquo Pereira, e Vasquo Martins de Rezende, e outras pessoas nobres de sua Corte, e em Concelho, e perante elles todos fez leer ha carta, e titolo que hos de Maguazella lhe enviaram, e acabada de leer, ElRei perante todos logo dice. «Certo hee, que ha alguns pareceraa esta minha fala escuzada, pois ha faço com paixam, que nom posso dizer has muitas mercees, e grandes beneficios que tenho feitos aho Ifante meu filho, que apoz elles nom diga hos erros, e desobediencias, e desagradecimentos, que contra mi teem cometidos, e cada dia comete, e porém ha door, que tenho em minha alma, e ha sanha que encende ho meu coraçam, são tamanhas, que me forçam meu proprio sizo, pera que has nom possa encobrir, e dellas me fazem que vos diga algumas, aho menos pera saberdes minha fortuna, e minha desculpa, e sobresso procurardes, e dardes ha esto algum remedio, e concelho pois eu jaa nom sei, nem posso. Beem sabeis todos, quam honradamente, e com quanta prosperidade sempre criei ho Ifante, e quanto de coraçam sempre ho amei, e por este grande amor, que lhe tinha nom seendo inda em idade de seis annos, lhe dei caza apartada com muita teerra, e grande contia, e com boons e honrados vassalos, ho que hos Rex de Portugal meus antecessores, ha seus filhos erdeiros de tam pouca idade nunqua costumaram fazer, porque cazados, e em moores idades sempre andavam com seus padres em sua caza, atee que lhe apartavam has suas sem teerem vassalos, nem servidores proprios, e pera prova desto sabeis, que como quer que ElRei D. Affonso meu avoo, filho delRei D. Sancho sendo Ifante, fosse cazado com ha Ifante Dona Orraqua, e tivesse filhos, sempre porém andou em caza delRei seu padre, e se ElRei D. Affonso Conde de Bolonha ho fez ha mi, foi em tempo que eu avia jaa dezoito annos, e avia catorze que elle jazia em cama seem se poder soster e alevantar, de maneira que depois, que me apartou caza, e asinou teerra nom viveo mais que dezanove mezes, e quantos trabalhos, perigos, e despezas, eu com muitos de minha caza, e teerra passei, por se fazer seu cazamento com ha Ifante Dona Breatis sua molher, vós todos ho sabeis pois tambeem ho passastes comigo e ho conhecimento, que elle desto teem, e ho galardam que por esso me daa, sam nojos, e desobediencias que andando em minha caza, e fóra della sempre me fez, e que todas aqui nom diga algumas por minha satisfaçam seraa forçado, que ha aponte. Primeiramente despedindose de mi, e de meu serviço ho Conde D. Martim Gil pela contenda, que antre elle e Martim Sanches meu filho avia sobre partilha derança, por seerem ambos cazados com duas irmãas posto, que eu soubesse que o dicto meu filho fora maltratado, e deserdado contra direito, eu fui favoravel aho dicto Conde, por amor do Ifante meu filho por seer seu, aacusta do muito dinheiro meu que por composiçam, que dei ao dicto Affonso Sanches, hos concordei, e seendo ho Conde meu vassallo, e meu Alferes moor, e Mordomo do Ifante, que eram officios pera me teer muito em mercee, e avia por ello obrigaçam pera me lealmente sempre servir, elle antes, que se de mi espidisse, errando nesso ha lei de nobreza, e fidalguia, que como nobre devera guardar, se foi fazer vassallo delRei de Castella, e lhe fez preito, e menagem contra mi sopena de tredor, que toda sua vida ho servisse contra mi, quando elle mandasse, convocando pera si alguns homens honrados do meu Regno, pera que fossem contra meu serviço. E como quer, que ho Ifante desto fosse beem sabedor, nom estimou o grande dano, desserviço, e deshonra, que se desso podia seguir ha mi, que sam seu pai, e aa Coroa de meu Regno de que hee successor, mas antes por estos erros ho ama, e estima, e fia mais delle do que antes fazia, e ihe escreve cartas de grande favor, e lhe faas mercees como se ha mi, e ha elle has merecesse, ha quaal couza nom sei ha quem nom pareça muito estranha se nom ha elle, que sendo meu filho, e vassallo, e ha quem meus Regnos pertencem de direito ho aa por beem sem teer lembrança destas obrigaçoens polas quaaes de razam naturaal, e divina, devia querer maal, e desamar muito ha quem cõtra miuza de tanta treiçam. Tambem sabeis, que estando Affonso Sanches meu filho, concertado com Dona Isabel sobre escaibo de Medelim por Aguiar, e seendo dia antre elles certo, e asinado pera ho dicto concerto se fazer sopena de dous mil marquos de prata, e indo ha esso ho dicto Affonso Sanches por meu mandado, e consentimento ho Ifante saio ha elle com voos, e tençaõ de ho matar, posto que Ihe eu mandasse dizer por Johaõ Rodrigues de Vasconcellos, que o nom perseguisse, e ho deixasse, que hia por meu mandado, elle ho nom quiz fazer, e me mandou dizer, que ho que começar a havia de acabar, aho que eu por evitar tamanho maal como se aparelhava, aahi fóra em pessoa, e voos comigo, e porém nom se pacificou ho cazo seem ho dano que vistes. E outro si Vasquo Paaes Dazevedo, que em Castella contra mi, e meu serviço dice algumas couzas, que nom devia, querendose dellas alimpar perante mi, poz ha culpa de maao ha Martim Reimondo, e porque Affonso Martins Reimondo seu sobrinho, que era presente lhe dice que lhe poeria de praça has maãos, e ho corpo, por prova que seu tio nunqua taal dicera, e que lhe faria confessar, que nom dizia verdade, ho Ifante tomou a parte de Vasquo Paaes, e falou por elle palavras descompostas, e por Affonso Martins querer alimpar, e escuzar seu tio, hos do Ifante ho quizeraõ logo matar, e perante mi seem acatamento de minha pessoa ho fizeraõ, seem meu filho tornar a esso, como devera, consentindo em tamanha injuria, como ha mi era feita. E sabeis mais, que dous sabrinhos do Bispo de Lixboa confiando, e esforçandose como nom deviam, que pela parte que de mi dava, e booa vontade que tinha ha seu tio, poderiam por favor escapar de quaalquer crime, e maleficio que cometessem, e fizessem, elles sobre segurança mataram pubricamente no meio do dia, e da Cidade hum filho do nobre homem, e boom Cavalleiro Estevam Esteves, e por ha fieldade, e graveza do cazo seer taal hos mandei logo prender, e fazer pubricamente justiça, e de todos aquelles que foram em su ajuda, e por esso ho dicto Bispo com meu desamor, porque eu quiz fazer justiça, se foi ha Roma onde por todalas maneiras que pode procurou ho meu nojo, e desserviço do quaal ho Ifante perdeo toda suspeita, e ho teem por boom, e leaal servidor, e fia delle, e lhe faaz honra, e mercee, e ha todolos seus, sabeendo notoriamente que nisso me desserve, e anoja. E além destas couzas que dice, outras mais desta calidade teem ho Ifante contra mi feitas, que atee qui soportei, esperando que com crecimeto dos dias, e da honra, e estado que tinha se temperasse, e emendasse, porque com ha emenda desso, que em si fizesse refreasse ha mi que nom dicesse maal de pessoa de meu sangue, especiaalmente delle, que depois de minha morte aa esta teerra de soceder em meu lugar: mas porque vejo que elle cada dia, tira ho beem do beem, e acrecenta maal ha maal, ho descubro ha voos outros pera que nesso me deis concelho com remedio». Aho que cada hum dos Senhores, que eram prezentes, responderaõ com ha door, e tristeza que por esso tinha, e pera booa paaz, e concordia antre ElRei e ho Ifante, deram seu voto, e offereceram suas forças, e booa vontaade. Mas ho Ifante veendo que has couzas passadas pera morte, ou desterro de Affonso Sanches seu irmaão, nom tinham socedido aa sua vontade pera esprimentar se com ho poovo do Regno ho podia fazer, ordenou estando elle em Coimbra, e assi em Santarem onde ElRei era, que se dicesse como por muitos dos seus pubricamente se dizia, que ElRei com asinados, e selos seus, e de trinta, e duas Cidades, e Villas principaaes de seus Regnos, enviara cartas de certidaõ aho Papa porque lhe certificava, que ho Ifante D. Affonso por falecimento de sizo naturaal, e por outros grandes defeitos que tinha, nom era auto pera seer Rei, porque como parvo, e desmemoriado andava tirando, e comendo has aranhas das paredes, e que por esso pedia ha Sua Santidade por merecee, que lhe tirasse a socessaõ, e abilitasse ho dicto Affonso Sanches pera depois de sua morte Regnar, porque pera taal socessaõ era mui pertencente, e que elle das rendas do Regno mantivesse ho Ifante seu irmaão em sua vida. Das quaaes couzas sendo ElRei D. Diniz certificado, recebeo por ello grande pezar, e muito sentimento, e enviou logo Lourence Anes Redondo, e Pero Esteves seus vassallos aho Ifante, ha que diceram todo o passado, que os seus diziam, e ho nojo em que por esse ElRei estava, por difamarem seem cauza de sua boondade, e conciencia, e da lealdade, e boom nome das Cidades, e naturaaes de seus Regnos, e ho que desto mais sentia assi era que ho Ifante sabeendo que estas falcidades assi se diziam, nom has extranhar, e castigar com grandes penas, e muita aspereza, como taal cazo requeria, por onde parecia, que ellas naciam de toda sua vontade, e consentimento, mas que pera todos sabeerem craramente desso ha verdade, e que nunqua taal malicia, e treiçaõ por elle, nem pelos seus fora, nem soomente cuidada, que elle daria por esso taaes penas por dezafio, e reto posessem hos corpos, e has vidas, aaquelles que esto diziam, e asacavam, e que por suas bocas lhe fariam confessar que eram mui falsos, e tredores, e que pera mais abastança, e moor comprimento elle escrevera logo aho Papa em quem nom avia paixam dodio, temor, nem afeiçaõ, pera que por suas Bullas, e letras patentes, e com outorgua, e aprovaçam dos Cardeaes, enviassem desto testimunho, e dizer ha verdade. E esto passou na era de mil trezentos e vinte annos. Mas ho Ifante respondeo que taaes couzas nunqua ouvira, nem sabia dellas parte, e porém ElRei notificou tudo aas Cidades, e Villas de seus Regnos, que sobre esto enviaram logo pubricos estromentos de muita lealdade, afirmando cada hum que combateriam em campo ha quaaesquer que contra ElRei, e seu Regno taaes treições, e falcidades asacassem, porque nunqua passaraõ assi, nem elles por sua lealdade has consentiriam. CAPITULO XXI _Dalgumas couzas mais, que ho Ifante fez contra vontade, e serviço DelRei seu padre._ Como ho Ifante andava posto em desobediencia, e com pouquo acatamento delRei, nom olhava has couzas de seu serviço, e da justiça com aquelle resguardo, que devia, pelo quaal ElRei era posto em grande cuidado, e muita pena, porque ho Ifante pera mais danamento de sua boondade soltamente trazia, e acolhia em sua casa muitos maalfeitores obrigados grandemente por seus crimes aa justiça, com que hos do Ifante tomavam grande ouzadia de fazerem ho maal que queriam, porque nom receavam pena, nem castigo dos maales que fizessem, nem ElRei podia delles tomar ha emenda, que mereciam, e antre estes era hum Estevão Gonçalves Leitaõ, vassallo do Ifante, e outro seu irmãao, e com outro em sua companhia, partiram de caza do Ifante seendo elle aallem do Douro, e foram teer oo caminho ha Estevaõ Fernandes Cavalleiro, e vassallo delRei, e ha Gonçalo Fernandes, vassallo de Fernaõ Sanches, e seem cauza ha ambos hos mataram, e acolheraõ-se aa caza do Ifante, que hos nom quiz entregar ha ElRei, que com grande instancia lhos mandou pedir pera delles fazer justiça. Outro si, hum Paio de Meira, e Johaõ Coelho vassallos do Ifante, hum de huma parte, e outro de outra, sem algum temor delRei, e de suas justiças, fizeram de Cavalleiros, e de outras muitas gentes, hum grande ajuntamento, e ambos ouveraõ peleja em que morreram muitos, antre hos quaaes foi Lopo Gomes Dabreu, que era hum dos melhores Cavalleiros, que avia em sua linhagem. Pelo quaal insulto, ElRei por seu meirinho hos mandou desterrar fóra do Regno, e elles foraõse logo pera Castella, mas dahi a pouquos dias se tornaram pera caza do Ifante, em que acharaõ boom acolhemento, e muita mercee. Outro si, hum Xeres Portel vivendo com o Ifante, com outro foi roubar ho Moesteiro do Marmellar de quanto tinha, e elles, e hos seus por força se lançaram aas molheres cazadas, e virgens, que acharam pela teerra, e quizeram matar ho Comendador do dicto Lugar se nom se escondera, e cheios de roubos, e de maleficios se foram pera casa do Ifante que hos emparou, e favoreceo. E assi depois Affonso Novaes, e Mem Martins Barreto, vassallos do Ifante, e seus moradores partiram de sua caza, e com homens de cavallo, e de pee armados, foram sem cauza matar D. Giraldo Bispo Devora, que era do Concelho delRei, e vivia com elle, e tambeem muitos homiziados, e maal feitores, que por seus homizidios, e fugidas de cadeas, e delitos andavam fóra do Regno, vinhaõse soltamente pera caza do Ifante de quem recebiam emparo, e merecee, hos quaaes em grande numero ali asinou, e hos cazos porque eram obrigados aa justiça, cuja mais particular declaraçam nom hee aqui necessaria. E posto que ElRei por muitas vezes, e por muitos com cauzas evidentes enviasse rogar, e mandasse estreitamente aho Ifante, que lançasse de sua casa hos taaes homens maalfeitores, e que dali em diante nom acolhesse outros semelhantes, elle ho nom queria fazer, antes insistia, e faria tudo contra vontade delRei, pela notificaçam, que ElRei fez aho Papa Johaõ XXII das desobediencias, e pouquo acatamento de que ho Ifante aacerqua delle uzava. E assi do que neste Regno falsamente se dizia, que ElRei asaquando defeitos do dicto Ifante lhe suplicara pela legitimaçam do dicto Affonso Sanches pera Regnar, e Sua Santidade em reposta desto enviou ha ElRei D. Diniz pera si, e assi a todolos Estados de seus Regnos, suas Bullas patentes, em que cõ palavras de padre boom, e piedozo se doe, e maravilha da discordia antre o pai, e ho filho, e assi afirma, e daa testemunho da verdade, que aquellas difamaçoens, elle como Vigairo indinho de Christo, que do Ceo decendeo por dar testemunho da verdade, afirmava seerem falsas, e que em seu tempo taaes requerimentos, e suplicaçoens nunqua lhe foram feitos, nem has provizoens de taal couza nom se concedaram, nem passaram em seu tempo, nem dos Papas Clemente V e Benito XI seus Predecessores, cujos registros pera moor justificaçam desto mandara com deligencia buscar, e porèm que ha todos por muitas, e booas cauzas, que apontou, encomendava que por serviço de Deos, e por boom asecego do Regno procurassem antre todos paaz, e amizade, e concordia, como era rezaõ, ha quaal Bulla ElRei por sua limpeza mandou mostrar aho Ifante, e assi publicar em sua caza, e por todolos Lugares principaaes do Regno, ha que hos poovos respondiam conformes aa verdade, de que se tiraram estormentos pera limpeza delRei, e do Regno. CAPITULO XXII _Como o Ifante se partio de Coimbra pera Lixboa, e do que lhe aconteceo com ElRei no caminho._ E estas Bullas autentiquas, que ho Papa enviou por certeza que has sospeitas do Ifante contra ElRei, e contra Affonso Sanches, nom eram verdadeiras, nom asocegaram ha vontade do Ifante pera deixar de ter odio, e desamor aho dicto Affonso Sanches, porque quando ho defamava, e queria matar, e desterrar, beem sabia que has cauzas, que contra elle punha, todas eram fingidas; nem abrandou de sua dureza pera com hos rogos do Papa seer obediente ha ElRei seu padre, como por Prégadores, e grandes homens em pubriquo, e em secreto lhe era dicto, antes continuava no que tinha começado, pelo quaal deixando ha Ifante sua molher em Coimbra, e com ella ho Conde D. Pedro seu irmaão, partio da i, e levando cõsiguo hos maalfeitores, e degradados, e outra gente armada, foi caminho de Leiria com fama de ir ha Lixboa em romaria a S. Vicente, mas ha verdadeira tençam de sua ida, era pera tomar, e teer Lixboa contra ElRei seu padre, e ElRei estando em Santarem, e seendo certifiquado da maneira em que ho Ifante ia, ouve taal atrevimento por grande seu desprezo, ca parecia nom aver algum temor, nem vergonha delle, nem de sua justiça, especiaalmente pelo Ifante vir com tantos omiziados tam junto delle, e como quer que ho seu primeiro movimento foi acodir logo ha esso com mais trigança, e moor aspereza, porém ouve por beem enviar-lhe primeiro dizer por Pero Esteves, e Gomes Anes seus vassallos, que lhe rogava lançasse fóra de sua companhia hos maalfeitores que levava, porque com elles mais parecia ir fazer almogavaria em teerra de imigos, que comprir com devaçaõ sua romaria em sua teerra propria. Aho que ho Ifante nom quiz satisfazer, e neste cazo estes mesageiros levaraõ provizoens porque em nome delRei ouveraõ hos dictos maalfeitores por degradados fóra do Regno, ho que com favor do Ifante nunqua quizeraõ fazer, e ha cazo ElRei por este cazo em muita sanha, moveo logo contra Lixboa, e ha Rainha Dona Isabel sua molher com elle, e indo jaa ho Ifante diante, em chegando ElRei aho Lumiar, que he huma legoa de Lixboa, soube que ho Ifante seendo avizado da ira delRei, com seu medo se partira pera ha Villa de Cintra, e ElRei dice contra hos seus. «Pareceme que ho Ifante meu filho, sabeendo quanto me anojava por elle trazer estes omiziados afastado oito legoas, que agora por me mais desprazer, e menos acatar se foi com elles, e hos tem comsigo nom mais de quatro, e porque são maales, que pera Deos, e pera ho mundo jaa se nom podem sofrer hee beem, que pera mais nom creccerem, vamos logo sobrestes homens, que saõ cauza desto, e trabalhemos polos aver». Pelo quaal ElRei mandou logo fazer prestes sua gente, que muito ante manhaã armados partiram, e foram contra ho lugar onde estava ho Ifante, e dice, que ElRei ordenou esto seer feito mui cedo, e secretamente, porque ha Rainha ho nom soubesse, e da sua ida nom avizasse ho Ifante. Mas ha Rainha maravilhada por sentir no Lugar tanta revolta, e veer tanta trigança, e rumores daparelhos darmas, e cavallos, como soube que era contra ho Ifante seu filho, foi posta em muita angustia por taal, que nom sabia que remedio pozesse, e porém se diz, que tantos homens mandou aho Ifante, e pera tantos Lugares, e com taal pressa que ante delRei chegar ha Cintra elle era jaa avizado de sua ida. E em tanto ha Rainha se socorria ha Deos, ha que em Missas, e orações com muitas lagrimas pedia guardasse ho Ifante da ira delRei seu padre, e por beem de todos hos pozesse em paaz, e amor. E como ElRei chegou ha Cintra onde era ho Ifante, elle como vio seu pendão, e suas gentes, armouse logo, e mandou armar hos seus, e pozeraõse contra ElRei em dous lugares com mostrança daspera peleja, ha quaal nom ouve, porque ho Ifante, e hos seus por quaalquer cauza, que fosse partiraõ dali, e nom esperaraõ ha ElRei. E esta se acha, que foi a primeira vez, que ho Ifante se armou contra ElRei seu padre pera com elle pelejar em cazo, que nom pelejasse. ElRei tomou por satisfaçaõ, partirse ho Ifante, e pera ho seguir nom deu lugar ha grande sanha, que contra elle tinha. ElRei partiose tambem de Cintra, e em chegando aa Aldea de Bemfiqua, soube que ho Ifante estava da i huma legoa em huma Aldea, que dizem Alvogas, de que ElRei foi muito mais anojado, porque lhe pareceo que ha soberba do Ifante, e seu desprezo contra elle, ia cada vez em maior crecimento, pelo quaal ElRei determinou de ir sobre ho Ifante ho quaal porque desta determinação foi logo avizado, tambem com hos seus maalfeitores, e com outras gentes com maao concelho esforçado, asentou logo em sua vontade esperar ElRei, e dar-lhe batalha, como se fora a hum imigo estranho. ElRei como soube ha maneira em que ho Ifante estava lhe mandou dizer: «Que pois ho diabo cujas carreiras elle seguia, ho punha em taal determinaçaõ contra elle, que era seu pai, e seu senhor, que esso nom era salvo pera lhe dar ho castigo, que por seus grandes erros merecia, e que por esso esperasse, e nom fogisse». Pelo quaal ho Ifante vendo, que por forças, e por rezaõ tinha contra ElRei, seu partido mais fraco, nom esperou El-Rei, e se tornou pera Coimbra, e ElRei ha Bemfica, e da i ha Santarem, e nom seem muitas lamentaçoens, e grandes maravilhas por ver seu filho tam seem razaõ contra si, seem nunqua querer amançar. CAPITULO XXIII _Como ho Ifante levou ha molher, e hos filhos ha Castella, e hos Lugares, que tomou ha ElRei seu padre._ Como ho Ifante foi em Coimbra, logo levou sua molher, e filhos a Alcanizes, que hee em Castella, ho quaal tinha hum Fernam Martins Dafoncequa, e ali ha deixou acompanhada dalguns Escudeiros, e se tornou pera Coimbra, onde por suas cartas cheias de piedades, e palavras, promessas, e necessidades, que apontou logo fez chamamento de todos seus vassallos, e servidores dizendo, que o socorressem, porque ElRei queria vir sobrelle, e destroilo, ou matalo, sem causa. E ElRei que estava em Santarem quando soube ha mudança, que seu filho fizera da molher, e dos filhos pera Castella, e percebia seem cauza tantas gentes, era por esso cada vez mais anojado, porque como prudente sabia, que nom podia delle tomar vingança, que pera todos nom fosse mui periguoza, e porém pareceolhe que hos taaes ajuntamentos nom eram se nom pera ho Ifante vir sobre elle incitado de algum espirito diabolico ho tentar pera batalha, maravilhado de ho Ifante jaa nom cançar de seus odios, e perseguiçoens. Ha esto proveo, e atalhou com cartas geraaes, que logo enviou ha todalas Cidades, e Villas do Regno encomendandolhes, que se nom enganassem das palavras coradas, que ho Ifante mandava semear, com que hos enganasse, e desviasse de seu serviço, porque hos afagos, e promessas, que em suas cartas aas gentes fazia nom era pera com elles conquistar, nem guerrear se nom ha elle seu padre, e com esto mandou ElRei geraalmente pubriquar por tredores todos aquelles, que pera taal ajuntamento mais acodisseem aho Ifante, nem com elle andassem, ainda que fossem proprios seus vassallos, contra hos quaaes assi asperamente procederia, como contra aquelles, que cometessem treiçaõ contra ha Reaal pessoa de seu Rei e Senhor, e que da i por diante mandava ha todos seus Alcaides, e justiças, e ha todolos outros seus naturaaes que ha todos estes que desobedecessem seu mandado, matassem sem receo dalguma pena, que por esso ouvessem, e assi mandou, e defendeo que nom acolhessem ho Ifante, nem os seus nas Villas, e Castellos, nem lhes dessem mantimentos, nem outra couza alguma, antes assi ho esquivassem, e fizessem contra elles, como contra imigos delRei, e de seus Regnos, e desto se passaram muitas provizões, e cartas que foraõ enviadas, e pubriquadas por todo ho Regno. Mas ho Ifante nos Lugares onde se achava nom consentia daremse taaes cartas, nem serem feitas suas pubriquaçoens, nem obedecer ha couza que ElRei mandasse. E andando has couzas neste danamento, ElRei apartou de si ha Rainha, e ha mandou Alanquer, com fundamento de fazer seus negocios secretamente seem ho saber ha Rainha sua molher, de quem prezomia, que ho Ifante era logo avizado, e logo foi certifiquado, que hos da Villa de Leiria, deram nella entrada aho Ifante, e que tinha jaa ho Castello, e irado ElRei por este feito moveo, logo contra Leiria com tenção de queimar, e destroir todos aquelles, que foram em consentimento da entrada do Ifante, porque ha pena destes fosse ahos outros exemplo, e quando chegou ha Alcobaça jaa i achou muitos moradores de Leiria, que com medo de sua ira ali se acoutavaõ, como ha Caza sagrada, que lhes podia valer, hos quaaes posposto todo acatamento Daltares, e das sepulturas dos Rex seus avoos, ha que se abraçavam, mandou ElRei logo tirar, e estando pera irozamente delles mandar fazer crua justiça lhe chegou recado, que ho Ifante por força entrara ho alcacer de Santarem, ha que ElRei com grande pressa logo acodio e ho Ifante receozo delRei, e de sua ira, e poder que trazia, deixou ha Santarem, e se foi ha Torres Novas, onde se diz, que foi ho enterramento de Affonso Vaas Pemintel, que era seu Cavalleiro, ha que queria grande beem. E tanto que ElRei chegou ha Santarem, logo mandou ha Lourence Anes Redondo, que jaa estava no alcacer de Leiria, que logo dece passe, e matasse todos aquelles que deraõ entrada da Villa aho Ifante, em comprimento do quaal, decepou, e queimou nove homens dos melhores, e mais principaaes da Villa. ElRei mandou tornar aho Moesteiro Dalcobaça hos prezos, que da i levara pera justiçar, que depois de sua ira seer temperada, ouve por beem que lhes valesse ha Egreja, e mais Alcobaça, em que tinha singular devação. Ho Ifante nom menos perseguido, que desobediente, e contumaas partio de Torres Novas, e chegou ha Thomar, onde pera si, nem pera hos seus, e suas bestas nom achou algum genero de mantimentos, nem forragem, porque atee hos moinhos, e acenhas achou de suas ferramentas, e engenhos, de todo desconcertados, por taal que nom podessem moer mantimentos pera ho Ifante, e com esto elle se foi aho Castello da Villa, e seem ho poder tomar tomou por força todolos mantimentos, que nella achou, e da i se foi pera Coimbra. Da quaal se apoderou, e tomou ho Castello ho derradeiro dia de Dezembro de mil trezentos e vinte hum annos, (1321) e logo da i tomou ho Castello de Monte moor ho Velho, donde mandou dizer aho Conde D. Pedro seu irmaão, que andava em Castella desterrado, que se viesse aa Cidade do Porto, porque elle hia pera laa, e no caminho tomou ho Ifante ho Castello da Feira, que hee em teerra de Sancta Maria, de que era Alcaide por ElRei Gonçalo Rodrigues de Macedo e da i foi tomar ho Castello de Guaia, do quaal e assi do outro de Monte moor que jaa fora tomado, era Alcaide por ElRei Gonçalo Pires Ribeiro, e da i se foi aho Porto, e ho tomou, e ali chegou o Conde D. Pedro, que sempre andou em sua companhia, e da i se foi aa Villa de Guimaraens esforçado de hum Martim Anes de Briteiros, que fez crer aho Ifante que por inteligencias, que tinha dentro na Villa, lhe faria entregar, mas ho Ifante chegou ha ella, achou defensor dentro Mem Rodrigues de Vasconcelos, que era nobre homem, e boom Cavalleiro, e com elle boons Escudeiros, e outra gente da Villa, e com quanto foi pelo Ifante grandemente requerido com dadivas, e mercees, e ameaçado com morte, e outras penas pera que lhe entregassem ha Villa, e ho Castello, elle ho nom quiz fazer, dizendo que em quanto ElRei seu padre fosse vivo, ha quem tinha feito menagem, nom entregaria ha Villa, nem o Castello, se nom ha elle, e que atee sobresso morrer ho defenderia. Ho Ifante mandou combater ha Villa da quaal couza seendo ElRei avizado, ajuntou logo muitas gentes dos Concelhos da Estremadura, e das Ordens, e se veio lançar sobre Coimbra, que estava pelo Ifante, e nom entrou logo na cerqua, porque estava beem guardada, e lha defenderam, mas passou no alcacer, que estava acerqua de Saõ Lourenço. E avendo jaa dez dias que ho Ifante jazia em cerquo sobre Guimaraens, foi avizado, que ElRei tinha cerquada Coimbra, pelo quaal deixou ho cerquo da Villa, e se veio ha Coimbra pera ha socorrer, e com elle ho Conde D. Pedro, e ante que chegasse aa Cidade se preitejou com ElRei, que se alevantasse, como alevantou, e se fosse ha S. Martinho do Bispo, e ho Ifante chegou aa Cidade, e pouzou em Sancta Cruz, e ElRei porque ho Ifante dilatou ha concordia, que prometera, veio-se logo pera S. Francisquo donde se fez muito dano, e grande estrago no arrabalde, e nos olivaes, porque de huma parte, e da outra eram ali juntos hos mais dos Fidalgos, e gentes que avia em Portugal, e antre huns, e outros avia barreiras, e repairos, de que escaramuçavam, e pelejavam, em que de huma parte, e da outra com door de muitos, morria muita gente, porque hos pais seem vontade, e certa sabedoria matavam hos filhos, e hos filhos ahos pais, e huns irmaãos, e amigos ha outros seem alguma piedade, nem misericordia. CAPITULO XXIV _Como ElRei, e ho Ifante foram concordados por meio, e intercessaõ da Rainha Dona Isabel, e da maneira que nesso teve, e das menagens que pera segurança desso se fizeram._ E por esta discordia, que antre ElRei, e ho Ifante avia, ha Rainha Dona Isabel era triste, e anojada, e por aver antre elles booa paaz, e amor como era rezaõ fazia ha Deos, e mandava fazer muitas oraçoens, e devaçoens, e seendo certifiquada destas mortes, e maales tam grandes que desta desaventura se seguiam, ella de sua propria, e virtuoza vontade partio Dalanquer donde estava, e se veio ha Coimbra, e por si falou a todolos Senhores, que eram com ElRei, e com ho Ifante, e assi com ho Conde D. Pedro, e com elles por sua sancta intercessam banhada com piedozas lagrimas, asentou que era beem fazerse logo paaz, e concordia, e ha Rainha com ElRei, e com ho Ifante concordou, que ambos se partissem da li, e se fossem ha outros lugares, dõde por pessoas seem sospeita se veriam has couzas que ho Ifante requeria pera dellas lhe serem outorgadas aquellas que fossem de razam, e onestidade, e ElRei com prazer, e consentimento desto, se foi ha Leiria, e ha Rainha, e ho Ifante e se foram da i ha Pombal, e ali concertaram. Que ElRei desse aho Ifante Coimbra, e Monte moor com seus Castellos, e ha Fortaleza da See do Porto, porque ha Cidade ainda entam nom era cerquada, e por ellas fez ho Ifante menagem ha ElRei, pera de todas fazer guerra, e manter paaz, como elle mandasse, e assi acrecentou aho Ifante pera seu soportamento, mais contia de dinheiro, e panos aalem do que tinha, e ElRei perdoou aho Ifante, e ahos seus todo ho passado, e ho Ifante ahos delRei, e ha rogo do Ifante foi tambem perdoado ho Conde D. Pedro, que foi restituido ha todo ho que tinha, e lhe era tomado, e destas couzas mostrou ho Ifante seer mui ledo, e mui contente, e dice, que nom menos obrigava, e tanta alegria tomava das mercees, e acrecentamentos, que delRei seu padre entam recebia, como de seer seu filho, pera por ellas dahi em diante, beem, e leaalmente ho servir sempre seem algum nojo, nem escandalo. E sobresto lhe fez pobriqua, e solene menagem, e tomou por esso juramento dos Sanctos Evangelhos sobre que poz has maãos e no Altar de S. Martinho do Pombal prezente ha Rainha, e muitos Fidalgos, que sobpena de seer tredor, e de encorrer na maaldiçaõ de Deos, e na sua, dali em diante sempre ho servisse, e lhe fosse obediente assi como deve seer boom filho, e leal vassalo ha seu padre, e ha seu Senhor, e que da i em diante nom acolhesse mais nhuns maalfeitores, antes hos que podesse aver prenderia, e entregaria ha ElRei, e ha suas justiças, e hos que trazia lançaria fóra logo de sua caza, e de seu favor. E pera mais firmeza, e moor segurança rogou, e encomendou aho Conde D. Pedro seu irmaão, e ha Martim Anes de Souza, e ha Gonçale Anes de Briteiros, e Affonso Telles, e ha Gonçale Anes de Berredo, e ha Lopo Fernandes Pacheco, e ha Paio de Meira, todos riquos homens de Portugal, e ha outros nobres seus vassallos, que fizessem, como fizeram outro taal juramento, e menagem, como elle tinha feito, e ho Ifante tambem pedio aa Rainha por mercee, que pera maior, e mais seguro penhor desta concordia, e porque ElRei da i em diante mais descançasse sobre ello, que tambem ella quizesse fazer por elle este juramento, e menagem ha ElRei, e ella tambem assi ho fez, com cada hum dos outros. E outro si ElRei pera satisfaçam do Ifante, e de todos tambem fez no Altar da Capella de S. Simaõ de Leiria, solene juramento de nunqua falecer aho Ifante em alguma destas couzas, que lhe prometera, e outorgara. E foram estes juramentos feitos no mez de Maio, no anno de mil trezentos e vinte tres, (1323) e acabadas estas concordias de que todo Regno pareceo, que recebia muito prazer, e descanço, ElRei, e ha Rainha, e ho Ifante se foraõ ha Santarém, e da i ha Lixboa, onde todos estiveraõ atee Sancta Maria Dagosto, e da i ho Ifante se tornou pera as teerras, que ElRei lhe dera. CAPITULO XXV _De huma carta ao Papa Johaõ XXII aho Ifante D. Affonso filho delRei D. Diniz, sobre has dezavenças com seu pai._ Destas dezavenças, e roturas, que avia antre ElRei, e seu filho, ante de assi seerem concordados, ho Papa por quaalquer maneira que fosse, foi muito inteiramente informado do que lhe muito pezou, porque tinha grande, e particular afeição ha ElRei D. Diniz, que ho avia em todo por Rei excellente, e por ha Sua Santidade parecer, que seus Sanctos conselhos, e booas amoestaçoens podiaõ nisto muito aproveitar, enviou sua carta de Bulla aho Ifante D. Affonso, cujo theor tirado por mi fielmente de Latim em lingoagem hee ho que se segue. JOANNE BISPO Servo dos servos de Deos «Aho amado em Christo filho D. Affonso enviamos este escrito de mais saaõ concelho, com muita torvaçam de nossa alma, mui ameude ouvimos como ho imigo semeador de odio, e enveja, por estorvar ho boom estado, e paaz do Regno, e seu louvado regimento com sua maaldade te poz em coraçaõ de te levantares contra teu pai, e como primeiramente soou em nossas orelhas taal fama de desobediencia, que por toda ha teerra hee jaa mui espargida, fez a noos grande nojo, e encheo de muita amargura nossa paternal afeiçam, e pois noos teemos nesta vida taal lugar, e poder porque aho Rei pacifico no dia do grande Juizo, avemos de dar conta das almas, aprazate, e nom te agraves se ha tua duramente por seu beem reprendermos, e porque ha palavra de Deos nom seja atada na nossa boca, e falemos com espirito de liberdade, por esso nom podemos encobrir tamanho maal como hee perseguir aquelle que te criou, e gerou, e estragares tam seem tento ha teerra (que atee espargeres por ella ho sangue) devias sempre defender, quem hee aquelle que seem grande torvaçaõ do epirito possa ouvir, que hum Rei tam nobre ha juizo do quaal hos Rex isentos doutras teerras com grande vontade se sometem, e obedecem a seu mandado, e concelho, seja por ti com injurias seem razam, e seem seus merecimentos tam anojado, e perseguido, e porem nom sabemos quaal couza agora digamos primeiro, ou quaal recontaremos por derradeiro, nem sabemos se choremos ho beem que perdes, ou se nos doamos do maal que fazes, dize em que te errou teu padre, ou de que ho reprendes, e que te nom fez de graças e beneficios que devesse fazer, cremos por sua confiança, que nhuma couza de erro te fez, mas afirmamos, que avondança de booa vontade, que te sempre mostrou, foi verdadeira cauza de lhe seeres tam desobediente, mas agora prouvesse ha Deos, que ainda melhor soubesses, e entendesses com melhor aviso, e esguardasses no que te compria de fazer, quem he aquelle que seem grande door, e tristeza possa recontar, que hos direitos, e obrigaçõens do parentesco antre aquelles, que sam conjuntos com tanta afinidade de sangue, sejam assi quebrantados, quem consentiraa seem amargozo coraçam, que ho filho ante do tempo, nom soomente queira abreviar hos annos de seu padre, mas ainda que com maliciosos cometimentos se trabalhe de hos acabar mais cedo, ho quaal tu sabe, que jaa mais vive por teu proveito, que pelo seu, porque qualquer couza de beem que faz, e ajunta jaa todo he pera ti, e com muitos trabalhos, e despezas afirmou e acrecentou seu Regno, porque tu depois de sua morte podesses viver nelle, grande, e poderoso, porque te trigas ante tempo por cobrares aquillo, que ha natureza ainda te nom quer dar? Nom sabes, que diz Salamaõ, que nom averraa ha bençam no fim dos dias, ho que aa erdade se atrigar primeiro que deve? Tu juntamente perdes ha alma, e ha fama por averes antes de tempo ho que depois aas de perder, e segues ho contrairo desto nom curando de tua propria saude. Has lex, e direitos de todalas naçoens mandam que hos filhos em quaalquer estado alto, e baxo sempre obedeçam ha seus padres, e hos amem. Pois dize, onde hee aqui ho amor, onde hee ha reverencia do filho aho padre, onde ha lei de natureza, onde finalmente he ho temor de Deos? Ha elle aprouvesse ora que soubesses quam alegre, e quam doce couza hee ho filho obedecer, e honrar ha seu padre, e quam maa, e desventurada hee ha desobediencia, e desprezo, que ho filho contra elle mostra, de maneira, que como se afasta de obedecer, logo nom parece filho. Nom sabes, que Felipo dos Emperadores ho primeiro Christaão, posto que desse ho regimento do Imperio ha seu filho delle em sua vida, lhe nom era menos obediente, que cada hum de seus Cavalleiros, e avia por grande prazer teer vivo seu pai, e lhe obedecer? E ho Emperador Decio, quiz em sua vida Coroar seu filho, e elle ho refuzou, dizendo: Receo tomar Coroa, e ho regimento do Imperio, que me pode esquecer cujo filho sam, pelo quaal mais quero nom seer Emperador, que reger, e seer dicto filho desobediente, Reja ho Imperio meu padre, e ho meu senhorio, de que me mais contento seja em sua vida sempre lhe obedecer. E muitos que ho contrairo desto uzaram perseguindo, e nom obedecendo ha seus padres, huns morreram maa morte, outros cairam em taal cativeiro de que nunqua sairam, porem meu filho muito amado rogote, que ames, e honres a teu padre, e toma aquillo, que a igualdade da natureza em seu tempo te ofrecer, e nom queiras aver por força destroido ho Regno, que teu aa de seer, beem sabemos que ho arroido da tempestade diaboliqua armou ho filho contra ho pai, e armou hum irmaão contra outro, alevantou hos sogeitos contra ho senhor, e porém hos beens, e fazendas em destroiçam, e hos corpos em estrago, e ho que hee mais amargo, que vos poz has almas em desesperaçam de sua saude, teu padre mostra, e chora has injurias, que por ti lhe sam feitas, e noos em especial avemos compaixam delle, quanto ha opiniam do poovo, elle hee por ti injustamente, e contra razaõ aggravado, e perseguido, que couza hee, que alguns maaldizentes que contigo vivem avorrecidos de Deos, busquando palavras prazenteiras, e maliciosas de suas lingoas por mordeduras peçonhentas, e concelhos enganozos sam ouzados de encher tuas orelhas de vento prazenteiro, e agradavel com que ho amor natural, que ha teu padre, e ha teu irmaão devias, hee todo corrompido, quaal he ho entendimento assi boom como rudo, que nom entenda quam maa, e quam nojoza couza hee andares armado contra teu padre, e ajuntares ha ti omiziados, e maalfeitores, com que te rebelas contra elle? Quaal couza hee mais contra ha Lei de Deos, e da natureza, que ho padre movido pela injuria de seu proprio filho, mover tambem armas contra elle? E que por outra couza nom dizistisses do que fazes, por esta ho devias fazer. Sabe, que tu nom combates has Villas, e Fortalezas dos imigos, nem ganhas teerra alhea, mas destrues ho Regno, que por direito te hee devido, ho quaal parece que nom queres, pois nom obedeces aaquelle, que te gerou. Ó obra merecedora de gram doesto! Ó mancebia mui dina de seer chorada! prouvesse ha Deos filho meu muito amado, que com lima de melhor razam tu esquaaldrinhasses todas estas couzas, mas certamente ho teu odoor filial jaa perdeo seu boom cheiro, antes hee jaa convertido em fedoranto, ha presença do padre injuriado, quem poderaa sofrer seem amargura, que hum irmaão por soo odio seem outra injuria se mova contra outro, ha procurarlhe com todas suas forças ha derradeira queda de sua morte, com sua infamia, e desonra tam pubriquada? Ha quem nom avorreceraa muito, que hos sogeitos sejam tam ouzados, que cortados hos noos, e rota ha preitezia de sua leaaldade, se trabalhem de someter, e derribar ha Reaal Alteza de seu senhor, que segundo por fama commum, e mui notoria fomos certifiquados, hos vassalos do mesmo Rei, por teu favor se alevantaram contra elle, querendo querer tam desonesto, que elle nom aja poderio sobre seus Regnos? Pois seendo desto tantas vezes combatido, que queres que nesto façamos, por ventura calarnos-emos e nom te daremos ho saaõ Concelho, que aas mister? Certamente nom. Antes esguardando todas estas couzas com mui afiquado desejo, como ha filho muito amado te rogamos, que ames, e honres teu padre, e lhe obedeças, e por esso teus dias seram longuos sobre ha terra, e esto por teu beem te dizemos, nom te aggraves, porque todo nosso dezejo, e tençam hee que vivas em paaz, e obediencia com elle, pelo quaal com humildozas preces, rogamos aho mui alto Deos, que sobre toda ha teerra senhorea, em cuja maão saão hos poderios dos homens, e hos direitos dos Regnos, que elle prestes, e beninamente queira esguardar sobre ti, e sobre hos moradores desses Regnos de guiza, que de voos aparte toda dezavença, e hos coraçoens de todos firme em booa concordia, e humildade, e noos de nossa parte devotamente pediremos aaquelle Senhor, cuja providencia em sua ordenança hee certa, e nom enganada, que em taal maneira esforce ha Reaal seda desse Regno, que aproveite assi, e ahos seus, e hos Reja de taal maneira, que vam pera saude perduravel com folgança de paaz. E se ho teu Reaal resplandor assi mostrado, nom quizer penssar, e obedecer ha esto que te avemos dicto, obedecendo em tudo ha teu padre, noos por ha que com toda ha afeiçam dezejamos paaz necessaria, e por taal que possamos trazer nosso dezejo ha boom efeito, em ha nossa vontade amoestamos filho logo ha ti sopena de excõmunham, e ha todolos outros de quaalquer estado que sejam assi pessoas Ecclesiasticas, como seculares, que torvam, ou anojaõ esse Rei, e seu Regno como nom devem, ou contra elle pobriqua, ou em secreto te dam ajuda, conselho, ou favor, daqui em diante se cavidem, e ho nom façam, porque em outra maneira ainda, que seja com grande door nossa, see certo que passados oito dias da pubriquaçam desta nossa carta, noos mandamos aho venerado irmaão Bispo Devora, que logo excommungue ha ti, e ha todos aquelles, que se ha ti chegarem, ainda que sejam Bispos, e quaaesquer outras maiores, e superiores pessoas, que torvem ha paaz de teu padre contiguo, seem embargo de quaaesquer privilegios que tenham, que desta nossa carta nom fizerem mençam, paaz, e asecego, venha ha ti e ha esses Regnos como dezejamos, por maneira, que hos perigos das almas sejam escuzados, e ha ti creça titulo de honra acerqua dos homens, e abastança de merecimentos ante Deos». Esta carta, ou Bulla do Papa foi dada aho Bispo Devora, que ha fizesse pubriquar aho Ifante estando ElRei em Lixboa, mas porque ha esse tempo ElRei estava jaa em alguma concordia com seu filho, nom foi pubriquada, mas depois em outras voltas, e desobediencias, que ho Ifante cometeu se pubriquou com que ha final paaz antre elles se comprio, como aho diante direi. CAPITULO XXVI _Como ha Rainha Dona Maria de Castella depois da morte delRei D. Fernando seu filho, teve vistas com ElRei D. Diniz, ha que trouxe ElRei D. Affonso menino neto dambos, e do que concertaram._ ElRei D. Fernando de Castella, genro delRei D. Diniz faleceu de morte supitanea em Jaem emprazado de dous seus vassallos, que segundo se diz mandara injustamente matar, como atraaz brevemente toquei, e por sua morte fiquou seu sucessor, e erdeiro ho Ifante D. Affonso seu filho primogenito em idade de hum anno, e vinte e seis dias, ho quaal fiquou logo em poder da Rainha. Dona Constança sua madre, filha delRei D. Diniz, e tambem em poder da Rainha Dona Maria sua avoo, e porque ha dicta Rainha Dona Constança da i ha pouquos annos logo faleceu, ho dicto Rei D. Affonso fiquou pricipaalmente em poder da dicta Rainha Dona Maria sua avoo, e sobre estas titurias deste Rei, ouve antre hos Ifantes, e grandes Senhores de Castella, grandes competencias, e muitas differenças, e discordias, de que se seguio muito maal, e estrago nos Regnos de Castella, e em fim se tomou por concruzam, que com ha dicta Rainha Dona Maria fossem juntamente tutores, como foram, ho Ifante D. Pedro, filho da dicta Rainha Dona Maria, e ho Ifante D. Johaõ tio delRei, filho que fora delRei D. Affonso Decimo, ho quaal Ifante D. Johaõ, que em outro tempo esteve em Portugal, e se chamava Rei de Liam durando sua titoria, e depois da morte da Rainha Dona Constança, Dona Maria confiando da muita verdade, e grande poder delRei D. Diniz, e assi na razam, que tinha daconcelhar, e ajudar ha ElRei D. Affonso seu neto, concertou em Guinaldo Lugar de Castella vistas com elle, aas quaaes contra vontade dos grandes de Castella trouxe ho dicto Rei D. Affonso seendo mui moço, e ali pratiquaram sobre hos desvairos de Castella, em fim dos quaaes ha Rainha lhe pedio, que se lembrasse delRei seu neto, e de seus Regnos, e que lhos ajudasse ha conservar, e defender polas grandes necessidades, que desso tinham. Aho que ElRei respondeo: «Que lhe agradecia muito taal confiança, e quando suas forças, poder, e sabeer pera esso lhe comprissem, que nunqua com tudo lhe faleceria, como pelas obras poderia ver.» E com esto concordado ha Rainha, e ElRei D. Diniz se tornaram pera Portugal, e sobre esto passado logo da i ha pouquos dias hos dictos Ifantes D. Pedro, e D. Johaõ tutores, e juntamente com grande poder entraraõ na Veiga de Grada, pera fazerem guerra ahos Mouros, onde seendo elles perseguidos ambos dafronta, e desmaio, e seem seer feridos morreram em huma soo hora, ha saber ho Ifante D. Pedro, e logo ho Ifante D. Johaõ, como atraaz brevemente jaa dice, e na Coronica de Castella mais compridamente se contem da quaal morte dos Ifantes como ElRei D. Diniz foi sabedor, mostrou receber por esso sentimento, porque eram boons Princepes, e com elle muito conjuntos em sangue, e logo enviou seus Embaixadores ha ElRei, e aa Rainha de Castella, ha notifiquarlhe, que da morte dos Ifantes, lhe pezava muito porque eram boons Cavalleiros, e aviam com elle tam grande divido, e que pois era chegado ho tempo em que lhe compria sua ajuda, e favor, que lhe tinha ofrecido, lhes pedia que lhe fizessem sabeer ho que delle lhes compria, e que fossem certos, que elle em pessoa, e com ajuda, e poder de seus Regnos, contra todos hos iria ajudar, e ElRei, e ha Rainha lhe responderaõ, que taal lembrança com taal vontade, e ofrecimento lhe gradeciaõ singularmente, que eraõ sinaaes com que ho cazo parecia, que lhes tinha grande amor, e que quando lhes comprisse ho enviariam requerer. E pera mais favor das couzas delRei D. Fernando, ElRei D. Diniz notifiquou aho Papa ho estado perigozo em que has couzas de Castella pela morte dos Ifantes estavam, pedindo ha Sua Santidade, que ho favorecesse certifiquandolhe com esso ha vontade com que estava pera em tudo ho ajudar, e defender, e ho Papa lhe respondeo, dandolhe muitas graças, e louvores por sua boondade, e manificencia por querer com tam boom dezejo encarregarse da defenssaõ, e emparo dos Regnos de seu neto. CAPITULO XXVII _Como ho Ifante D. Affonso se aparelhou pera pelejar com ho Ifante D. Felipe, que contrariava ho asecego de Castella, e como ho Ifante D. Felipe se foi._ Por morte destes Ifantes, e tutores, que dice ElRei D. Affonso, fiquou inda em poder da Rainha Dona Maria sua avoo, pelo quaal D. Johaõ, que diceram o Torto, filho do Ifante D. Johaõ, que morreo na Veiga de Grada, e assi D. Johaõ Manuel, filho do Ifante D. Manuel, e ho Ifante D. Felipe tio delRei, filho da Rainha Dona Maria, todos tres tambem contenderaõ pera seer tutores delRei com ha Rainha, sobre que outro si ouve grandes discordias, debates, e partiçoens de que por seus desvairos, ha que se nom achava rezoado meio, que elles quizessem se seguiram outros muitos maalles, e danos ha Castella, porque cada hum sojugava, e mandava ausolutamente ha parte do Regno, que podia antre hos quaaes era ho Ifante D. Felipe, que seem outorga delRei, e do Regno, e por sua soo vontade, e cobiça procurava sojugar, e mandar sua parte do Regno, assi como fizera aa Cidade de Badalhouse, que tinha cerquada, com que sua teerra estragava de todo. E estando ElRei D. Diniz em Santarem, ElRei D. Affonso seu neto lhe enviou pedir que por quanto elle estava em Valhadolid donde ainda nom podia sahir, nem remediar por si ho maal, e danos, que ho Ifante D. Felipe fazia, que lhe rogava mui afiquadamente, que se lembrasse da ajuda, e defença que muitas vezes lhe prometera, e que em comprimento della mandasse dizer aho Ifante D. Felipe, que ceçasse, e se apartasse daquella teerra, e dos maalles que nella fazia. E quando por respeito delRei D. Diniz ho nom quizesse fazer, que entam ho fizesse por aquella Cidade, e por seus vizinhos, como em similhante cazo elle faria por outros seus naturaaes, que taal padecessem. Aho quaal ElRei D. Diniz respondeo, que mui degrado ho faria como elle por obra logo veria, pelo quaal escreveo com trigança aho Ifante D. Affonso seu filho, ha que quiz dar este cargo por moor autoridade, que elle mandasse, como mandou dizer aho Ifante D. Felipe, que por muitas cauzas, que lhe apontou, nom fizesse dano, nem maal ahos da Cidade de Badalhouse, e se alevantasse de sobre ella, e que se o fizesse, que lho gradecceria muito, e quando nom quizesse que elle em pessoa lho defenderia, e porque ho Ifante D. Felipe respondeo aho Ifante, mais duro que temperado, ElRei D. Diniz, que desta reposta foi avizado ouve della, e do Ifante D. Felipe grande desprazer, e mãdou logo ha todos seus vassalos, que com suas gentes, e armas se fossem pera ho Ifante seu filho, aho quaal se ajuntou grãde poder, cõ ho quaal moveo pera Badalhouse, e ho Ifante D. Felipe sabendo de sua ida, e do poder que levava, alevantouse forçado, e foi pera Sevilha, e ho Ifante D. Affonso chegou ha Elvas onde vio algumas duvidas, que antre hos da Villa, e Badalhouse sobre seus termos, e tomadias avia, e depois de hos concordar, se tornou pera Santarem onde era ElRei, e da i se foi pera Coimbra onde tinha sua molher, e asento de sua caza. CAPITULO XXVIII _Como ho Ifante D. Affonso requereo ha ElRei D. Diniz seu padre, que fizesse Cortes aas quaaes depais nom quiz vir._ Avendo jaa hum anno, e sete mezes, que ha concordia antre ElRei, e ho Ifante era feita por algumas cauzas, e razoens, que alegou da minguoa de Justiça, e outros defeitos, que dizia aver no Regno, lhe pedio, que pera remedio de tudo fizesse, e quizesse fazer Cortes, has quaaes ElRei por nom aver dellas tanta necessidade quizera escuzar, em fim por satisfazer aho Ifante, e assi pera notifiquar ahos fidalgos, e poovos hos aggravos, e nojos, que do Ifante depois de suas avenças recebera, prouve-lhe fazelas em Lixboa pera onde chamou seus poovos, como em taal cazo hee costume, onde tambem foi ho Ifante, e ho dia em que se ouve de fazer ha fala pubriqua, e proposiçaõ costumada, ElRei mãdou dizer aho Ifante, que viesse aas Cortes pera nellas estar como ha elle em taal auto convinha, e ho Ifante se escuzou fazelo, e de tantas delongas, e sem razoens uzou aacerqua desso, que ElRei ouve por beem cometelas seem elle, e porque ElRei vio que ho Ifante em todo se desviava do que lhe tinha jurado, e prometido porque ho Conde D. Pedro seu filho, era pessoa de grãde credito aacerqua do Ifante, e tinha grande caza lhe dice: «Que se lembrasse da menagem, e juramento, que em Pombal fizera, e que hos nom quebrasse, nem fosse por algum respeito contra seu serviço». E esto lhe dise por alguns alevantamentos, que no Ifante jaa sentia. E ho Conde lhe respondeo: «Senhor, eu sei beem ho que sobresso devo fazer, e de mi se dee seguro, que nunqua vos venha nojo, nem desprazer, nem desserviço, porque bem conheço, que nom aa pessoa neste mundo ha que tam obrigado seja como ha voos». E sobresta segurança dice, que com sua licença se queria ir ha Santarem com ho Ifante, e que na jornada ho nom desserveria, e que logo se tornaria pera elle, e assi ho fez. CAPITULO XXIX _Como ho Ifante sobre huma vinda, que contra vontade delRei quisera fazer ha Lixboa, foram perto de pelejar, e porque ho leixaram de fazer._ Passadas estas couzas, e has Cortes acabadas estando ainda ElRei D. Diniz em Lixboa foi certifiquado, que ho Ifante seu filho de Santarem onde estava queria i vir, e porque soube que nom vinha com sam propozito lhe mandou rogar, e encomendar por sua bençam, sobpena de maldiçam de Deos, e da sua, que por aquella vez escuzasse sua ida, e ho nom quizesse nesso anojar, pois sabia que taal ida ha elle nom relevava, e podia cauzar muito maal, e ho Ifante lhe enviou dizer, que nom sabia razaõ porque lhe pezasse sendo seu filho, que viesse ha Lixboa, onde elle estava pera ho ver, e servir, e que por esso nom avia de leixar dir. E desta determinaçam que ho Ifante tomou, pezou muito ha ElRei, e foi por esso contra elle acezo em grande sanha, e sabeendo que ho Ifante toda via proseguia seu caminho, e que era jaa no Lumiar, saio contra elle com suas gentes armadas, e em saindo, lhe mandou dizer, que logo se tornasse por beem, e quando nom que ho faria tornar por maal, e com seu pezar. E ho Ifante ho nom quiz fazer, antes abalou, e se poz junto com ElRei procurando todavia contra sua vontade entrar em Lixboa, e hos delRei concertandose por seu mandado pera lhe defender ha entrada, foram de huma parte, e da outra postas, e ordenadas suas azes pera batalha, e nellas alevantadas humas mesmas bandeiras das Quinas contrairas, e pera esso jaa toquadas trombetas, e anafins, que traziam em se começando alguma rotura antre hos homens baixos, alguns dambalas partes se diz, que morreram de pedras, e dardos, que se arremessavaõ. E com esta triste nova, que aa Rainha chegou, ella por escuzar com sua sancta pessoa outra maior rotura antre ho pai, e o filho, com grande pezar cavalgou em huma mula, e passando por meio das azes seem alguma pessoa ir diante, nem ha levar pela redea, nem tam pouquo esperar pela companhia, que ha ella por sua Reaal pessoa se devia, e seem medo dos muitos perigos ha que se oferecia, chegou logo aho Ifante seu filho, ha que estranhou ho cazo muito de taal vinda pois era contra vontade delRei seu padre, acuzando-o pela quebra da menagem que dera, e dos grandes juramentos que em Pombal ha Deos fizera, rogandolhe que se tornasse, e nom anojasse ha ElRei em tantas couzas, e aho menos ho fizesse por seu amor della que por elle, e por seu rogo tinha feitos hos juramentos, e prometimentos, que sabia, hos quaaes porposta ha conciencia, e honestidade hos via por elle de todo quebrados, e sobresto tornou logo ha ElRei cuja ira poz em taal temperança com que outra vez tratou avença antre elles. Donde se diz, que ho Ifante jaa sobre concordia com soo seis de cavallo veo falar ha ElRei, e pedirlhe perdam, dizendo, que lhe obedeceria em todo, como ha ElRei seu padre, e seu Senhor, e que ElRei lhe respondera, que ha elle nom agradecia sua taal obediencia, mas aaquelles seus boons, e naturaaes vassallos que com elle estavam, dizendolhe que se partisse se quizesse, e seria beem aconcelhado fazello, e que onde quer que fosse se mais lhe dezobedecesse laa ho iria tomar pela garganta. E com esto ho mandou ir ha Santarem, e ElRei se tornou ha Lixboa. CAPITULO XXX _Como has gentes delRei, e do Ifante pelejaram sobresto em Santarem e do que se fez._ Passados alguns dias depois deste alvoroço, ElRei se foi de Lixboa pera Santarem, e entrando no termo da Villa foi avizado no caminho, que hos moradores della por mandado do Ifante que i era, estavam pera ho nom acolher na Villa, mas ElRei com quanto avia entam grandes chuvas nom leixou por esso de continuar seu caminho, e foi pouzar ha humas cazas, que foram de Rodrigo Affonso Redondo, e hos seus se agazalharam em mui estreito lugar que hos do Ifante lhe leixaram, e sobre comer por razoens, que hos do Ifante ouveram com hos del-Rei, se alevantou hum grande, e perigoso aroido ha que ElRei, e ho Ifante acodiram em pessoas cada hum ha seu bando apartado, e porém depois de alguns mortos, e feridos dambalas partes foi procurada, e posta tregoa sobre ha tarde antre ElRei, e ho Ifante, e hos seus, e porque hos Cavalleiros, e nobres homens que se acharaõ nestas roturas, e pelejas, vendo ho grãde dano, que delles seem cauza se seguia, pediram ha ElRei por mercee, que por muitas cauzas, e razões mui urgentes, que lhe alegaram lhes desse licença pera entenderem finalmente em sua concordia com ho Ifante. Aho que ElRei respondeo mui aspero: nom querendo que sobre tantas paazes, e tantas concordias firmadas, e menagens taõ seem cauza quebradas se fizessem mais outras com tanta quebra, e desprezo, mas que queria castigar ho Ifante como merecia, e como faria ha hum seu imigo mortaal. E porém tanto aprofiaram aquelles Senhores com ElRei, e assi terçaram Affonso Sanches, e ho Conde D. Pedro seus filhos, que ElRei aprouve estar ha todo boom remedio, e aseceguo que antre elles se desse, pelo quaal se diz, que hos Cavalleiros, e Escudeiros que ElRei consigo ali tinha, eram por todos quorenta, e hos do Ifante trezentos e vinte, e huns destes se ajuntaraõ aho Moesteiro de S. Domingos das Donas, e hos outros em Sancta Maria de Marvilla, e estes escolheram vinte e coatro pessoas, homens de beem, e de conciencia, e de booa inclinaçam, ha saber, doze por parte delRei, e doze por parte do Ifante, que logo foram nomeados, hos quaaes determinassem, e compuzessem todolos debates, e contendas, que entam avia antre ElRei e ho Ifante, e que sua determinaçam, e composiçaõ fosse inteiramente guardada, e comprida, e fosse por maneira feita, que della nom se seguissem mais desvairos, segundo se logo apontaram, e nomearam outras pessoas, que tudo dentro de sessenta dias tornassem logo ha concordar em toda sua prosperidade, e qualquer dos delRei, e do Ifante que contrairo fosse, que pelo mesmo feito caisse em cazo de treiçam, e nom se de livrar se nom poendo seu corpo ha quatro Cavalleiros, que lho quizessem combater, e nom ho fazendo, que ficasse encartado, e quaalquer do povo ho podesse matar seem pena. E ali pedio ho Ifante ha ElRei, por grande mercee, que tirasse ha Affonso Sanches seu filho, ha teerra, e has quantias dos maravedis, que delle tinha, e assi ho officio de seu Mordomo, e ha Mem Rodrigues de Vasconcellos ho Meirinhado moor. Ha que ElRei respondeo: «Que lhe parecia couza muito contra razaõ, e seem justiça dar ha estes pena sem culpa, e fazerlhes maal tendolhe beem mercee merecida, e que fazendolho nom sabia, que conta daria desso ha Deos, e aho mundo, aho que por sua Reaal dinidade era obriguado», e porém por comprir, e asegurar ha vontade do Ifante seu filho prouvelhe outorgar todo o que quiz, e lhe pedio. E desta vez se partio Affonso Sanches pera Albuquerque cujo era, e fiquou vassallo delRei de Castella. E assi foram de huma parte, e da outra perdoados nesta concordia todos aquelles que serviram, e seguiram quaalquer partido, e assi que se fizesse entrega das couzas, que nas pelejas foram tomadas. E concordaram mais, que se ho Ifante D. Pedro filho do dicto Ifante D. Affonso, que jaa era nacido viesse em taal idade, que sahindo do mandado de seu padre quizesse vir contra ElRei D. Diniz seu avoo, que ho Ifante seu padre sempre fosse contra elle com ElRei seu padre, e seem elle. E assi concordaram, que fosse dado mais certa contia de dinheiro aho dicto Ifante D. Affonso, e que nunqua mais lhe podesse pedir, nem ElRei dar, e que pera segurança de todo se pozessem de cada parte dous Castellos, dos quaaes ho Ifante polla sua poz ho Castello de Gaya, e ho Castello da Feira, e ElRei ho Castello de Celorico da Beira, e ho de Faria. E foram assinados quatro Juizes logo nomeados pera determinaçaõ, seem revogaçaõ de todalas duvidas e debates que antre ElRei, e ho Ifante ouvesse, hos quaaes nom podessem estar, nem estivessem nos Lugares onde taaes Juizes se ouvessem de fazer, e que ha parte desobediente, e danifiquada hos Castellos da outra revel fossem logo entregues, e que ha parte desobediente pagasse mais duzentas livras de pena has quaaes repartissem hos Juizes, e Fidalgos do Regno antre si, e que hos Fidalgos, e nobres do Regno sob pena de treiçaõ hos fizessem pagar inteiramente ha quaalquer, que esta concordia quebrantasse, e com ha dicta pena logo elles se viessem, e servissem ha ElRei, ou aho Ifante quaalquer destes, que aas determinaçoens dos Juizes fosse obediente, e estas concordias, e convenças foram feitas em Santarem ha vinte e sinquo de Fevereiro do anno de mil trezentos e vinte e quatro (1324), hum anno antes da morte delRei, que se tornou ha Lixboa, e ho Ifante ha Coimbra. CAPITULO XXXI _Da morte delRei D. Diniz._ Depois destas concordias acabadas, ElRei D. Diniz se foi ha Lisboa como dice, e da i ha hum anno se partio da dicta Cidade, e se tornou pera Santarem, e indo aacerqua do Lugar, que se diz Villa nova adoeceo de infirmidade, que consigo traaz todalas dores, e accidentes mortaaes de que se sentio mais maal tratado, e ho Ifante seu filho, que era em Leiria avizado desso por ha Rainha D. Isabel sua mãi, que era com ElRei ho veo logo vizitar, e concordaraõ de ho levarem ha Santarem em andas, e em colos de homens, e ha i jouve doente por algum tempo seem algum melhoramento, na quaal ha Rainha sempre foi prezente, e nas couzas de sua cura, e remedios era mais diligente, e humildoza que quaalquer outra simpres molher, que em semilhantes necessidades nom teem quem has escuze, e vendo ella que has afiquadas dores, e paixoens da doença delRei eram continuas, e pareciam mortaaes, duvidando da vida delRei estando em sua Camara, e prezente alguns, que i eram, dice ha todos nesta maneira. «Porque eu tenho grande esperança em Jesu Christo meu Senhor, e nom menos confiança na Glorioza Virgem sua Madre, e assi singular devaçam na Ordem, e Abito de Sancta Clara, assi como sempre ha tiveram aquelles de que descendo, sempre puz em minha vontade, que falecendo primeiro ElRei meu Senhor, e marido, eu acabar ha vida no dicto Abito, e por esso ho tenho feito, e aa muitos dias que comigo ho trago, e em minha arqua, por taal que se por ventura acontecesse delRei meu Senhor, primeiro que eu falecer, ho que Deos nom queira, eu vestisse logo ho dicto Abito por lembrança de minha tristeza, e por sinal de tamanha mudança destado, que eu mais nom devo teer, nem por fazer no dicto Abito profissam, nem obedecer ha alguma Ordem que nom hee minha tençam fazello. Especiaalmente porque eu por minha idade, e grandes infirmidades nom poderia soportar hos grandes encargos, e trabalhos da Relegiam, mas posto que eu esse Abito vista, e traga, por esso nom leixarei minha Caza, nem has Donas, e Donzelas, que comigo vivem, mas prazendo ha Deos, espero trazer estas, e tomar outras como filhas, e irmaãs, e cazallas, e aviallas com ho que eu poder de meus beens, e fazenda, porque como dice, eu proponho nom fazer profissaõ nesta Ordem, nem em outra alguma, nem tenho em alguma feito voto pubriquo solene, nem secreto, e esto digo porque em cazo, que no meu corpo vista ho dicto Abito, que minha alma fique livre pera de minha fazenda seem algum outro cargo, nem obrigaçam de Relegiam poder despoer livremente todo ho que por beem tiver, e assi ho tenho dicto, e decrarado muitas vezes aho Ifante D. Affonso meu filho, e ha Frei Johaõ meu Confessor». E com esto sendo ha doença delRei cada vez mais perigoza, e mortaal, teendo mui craro conhecimento, que hos dias de sua vida se acabavam, elle como Princepe virtuozo, prudente, e mui catolico, proveo seu testamento, que tinha feito com grande devaçam, e muito temor de Deos, e ho confirmou, no quaal mandou, que ho seu corpo se enterrasse no seu Moesteiro de S. Diniz Dodivellas da Ordem de Cistel, on de S. Bernardo, que elle de novo fundou, e dotou, no quaal entam avia oitenta Freiras de Cogula com voto de ençarramento, que nom teem has dos outros Moesteiros desta Ordem, e em que jaa tinha feita sua sepultura, e de sua fazenda, apartou no dicto testamento pera soos descargos de sua alma, trezentas e sinquoenta livras, que taxadas pelo preço dagora ha razam da valia da prata, e ouro, que daquelle tempo tinham ho valor, e preço, que agora teem hos ducados, e cruzados douro, como muitas vezes jaa dice, e esta soma mandou que logo se tirasse da torre do tezouro de Lixboa, que agora hee do Tombo em que tinha grandes tezouros, e se entregassem ha seus testamenteiros, de que ho principaal foi ha Rainha Dona Isabel sua molher, e ha estes mandou, que tivessem este dinheiro de sua maão no tezouro da See da dicta Cidade, de que cada hum tivesse sua chave pera nom aver embargo, nem estorvo quando delle quizessem despender, e comprir hos legados, e couzas, que ordenava, e leixou ha sua Capella toda aho dicto Moesteiro Dodivellas. E toda outra sua fazenda, e baixellas douro, e prata, joias, e colares, pedrarias, e panos aho Ifante D. Affonso seu filho erdeiro, e destes cento e corenta mil cruzados ordenou muitas, e grandes esmolas repartidas por todolos Moesteiros, e Espritaaes, e Cazas piedozas do Regno, e assi certa soma pera cazamentos de moças orfaãs, e pera criaçam de meninos engeitados, e tambem dellas ordenou, que hum Cavalleiro de booa vida, e vergonhosa estivesse em Jerusalem, e servisse por elle na guerra contra hos infieis dous annos, e pera esto ordenou tres mil livras, que eraõ mil e duzentos cruzados, e quando se nom achasse taal Cavalleiro, ou nom ouvesse desposiçam pera ir ha Ultra-maar, que este dinheiro se convertesse em vistir pobres, e envergonhados, e outro si ordenou, que outro boom homem de booa vida, fosse estar em Roma duas quarentenas, e que por elle andasse todalas Estaçoens em que ganham has Idulgencias plenarias, e ha este ordenou mil livras, e depois desto confeçando seus peccados com grande contriçaõ, e arrependimento delles, recebendo ho Corpo de N. Senhor, e todolos outros Sacramentos como Rei mui Catolico, e fiel Christaão acabou vida dando sua alma ha Deos em Santarem, ha sete dias de Janeiro do anno de mil trezentos e vinte sinquo, em idade de sessenta, e quatro annos, dos quaaes Regnou quorenta e seis. E ha Rainha que era prezente se apartou logo em huma Camara, e das maãos de humas Freiras seculares, que consigo trazia recebeo logo, e vestio ho Abito de Sancta Clara, que trazia feito, como jaa dice, e sendo nelle vestida ante de se fazer do corpo delRei alguma mudança, ella prezente muitas que ha ouviam, dice estas palavras: «Pois Deos por seu grande poder, e profundo Juizo ouve por beem, que ha morte delRei meu Senhor, e marido antepassasse ha minha, e seem a sua vida eu fiquo, e sam tanto como morta, e de razam eu jaa morri com elle, e por esso eu quis logo mudar hos vestidos, e trajos que vedes, que sam este Abito pardo cingido com esta corda, e este veeo branquo, que ponho sobre minha cabeça porque ha vida, que seem elle viver seja com doo, e tristeza pera sempre, e esto nom faço por seer Freira, nem teer feito algum voto, e obrigaçam de Religiam como teenho dicto, mas por minha humildade, porque nelle sirva a Deos, nas couzas em que ha sua graça me ajudar». E com esto acabado ho corpo delRei fiquou concertado, como devia, e com muitas tochas acezas, e acompanhado da mesma Rainha, e do Ifante D. Affonso seu filho, e do Conde D. Pedro, e D. Johaõ Affonso, e doutros Prelados, e riquos, e nobres homens do Regno, que ali eram juntos, e assi de muitos Clerigos, e Religiozos que com elle iaõ rezando, e encomendando sua alma ha Deos, foi levado aho dicto seu Moesteiro de S. Diniz Dodivellas, onde nom seem grandes prantos, e lamentaçoens foi metido em sua ordenada sepultura, e depois de seu enterramento, fiquou i ha Rainha por algum tempo comprindo seus legados, e fazendo outras muitas esmolas, devaçoens, e oraçoens, por beneficio, e descargos de sua alma. E da vida que depois esta Rainha, e como acabou, e quantos milagres fez Deos por seus rogos, e merecimentos, e onde jaas, direi na Coronica delRei D. Affonso seu filho, em cujo tempo, e Regnado ella depois faleceo, que foi onze annos depois da morte delRei D. Diniz, como se diraa. CAPITULO XXXII _Das obras, e couzas notaveis, que ElRei D. Diniz fez em sua vida._ Has obras, e feiçoens, e couzas notaveis que este mui excellente Rei D. Diniz fez em toda sua vida aalem das que nesta Coronica tenho escritas, em cazo que por desvairados tempos has fizesse, e mandasse fazer, porque de certidam dos annos, e tempos em que semelhantes obras se fizeram, esta Estoria que delle escrevo, nem hos que ha lerem nom teem alguma final necessidade, e assi juntas se comprendem, e entendem melhor, por tanto has reservei pera este derradeiro capitolo, e has mais principaaes saõ estas, primeiramente elle fez muitas Lex, e Ordenaçoens em seu tempo, e deu boons foraaes ha muitos Lugares de seus Regnos, fez ho Estudo de Coimbra, que foi o primeiro de Portugal, e fez ho primeiro Mestre de San-Tiaguo izento de Castella, e ordenou primeiramente ha Ordem de Christo, e fez nella o primeiro Mestre, como jaa dice. Este Rei em seu tempo fez quasi de novo todalas Villas, e Castellos de riba Dodiana, ha saber: Serpa, Moura, Olivença, Campo maior, Ouguella, cujos alcaceres, e Castellos fez de fundamento com muitas despezas, e assi fez na dicta Comarqua dantre Tejo, e Odiana hos Castellos de Monforte, e Darronches, Portalegre, e Marvam, Alegrete, Castello Davide, Borba, Villa Viçoza, Arraiolos, Evora monte, Veiros, e ho Alandroal, Monçaraas, e Noudar, e acrescentou ho Castello de Jurumenha, e fez ho Redondo, e ho Assumar, e fez ha Torre, e Alcacer de Beja, e na Comarqua da Beira, e riba de Coa, fez de novo estes Castellos, ha saber, Avoo, que agora hee do Bispo de Coimbra, ho Sabugal, Alfaiates, Castel Rodriguo, Villar maior, Castel boom, Almeida, Castel melhor, Castel mendo, Sam Felizes dos Galegos, que tem agora Castella, e nom fez ho Castello de Monforte de riba de Coa, que tambeem lhe foi dado por estar em maa despoziçam da teerra, e sua força pera defençaõ do Regno, nom seer muito necessaria, fez mais Pinhel, e seu Castello, e nas Comarquas dantre Douro, e Minho, e Tralos montes fez estas Villas, e Fortalezas, ha saber, cerquou Guimaraães da cerqua, que agora teem, e Braga, e Miranda de Douro, e seu Castello, e Monçam, e Crasto Laboreiro, e povoou de novo, e fez hos Castellos de Vinhaes, e Villa frol, Alfandega, Mirandella, Freixo Despada Cinta, Villa nova de Cerveira, e fez de novo, e do primeiro fundamento Villa Real, que fazem numero de corenta, e coatro Villas, Castellos, e Fortalezas do Regno, de que algumas fez novamente, e outras reformou, e fez de novo hos Castellos, e assi fez outras muitas povoaçoens, assi como Muja, Salvateerra, Atalaia, Ceiceira, Montargil, e outras semilhantes, e fez ha rua nova de Lixboa, e assi ho Moesteiro de Sam Diniz Dodivellas em que jaas, ho quaal logo ha pouquos annos, que Regnou mandou começar, e em sua vida se acabou em dés annos, e foi logo dado aas molhores Monjas, pera que foi ordenado, porque ho Moesteiro de Sancta Clara de Coimbra fez, e dotou ha Rainha Dona Isabel sua molher, e nelle jaas, como aho diante direi. DEO GRATIAS INDEX DAS COUSAS NOTAVEIS A Affonso III (El Rei D.) de Portugal, em que dia, e anno falleceo. Fez doação das Villas de Portalegre, e Marvão, e dos Castellos da Vide, e Arronches a seu filho o Infante D. Affonso. Affonso (D.) chamado o Casto filho de D. Pedro Undecimo Rei de Aragão, não cazou mas morreo Religiozo Franciscano. Affonso (D.) Rei de Castella, Avô del-Rei D. Diniz de Portugal, fez doação a sua filha a Rainha Dona Beatriz, mãe do dito Rei D. Diniz, das Villas de Niebla, Serpa, Moura e Mourão. Affonso (Principe D.) Filho herdeiro del-Rei D. Diniz em que anno, e lugar naceo. Tendo sete annos, lhe nomeou seu pae officiaes para a sua caza. Em que parte se recebeo com a Infante Dona Beatriz. Discordias, que teve injustas com seu pai. Parte para Castella contra vontade de seu pai. Intenta matar a seu irmão Affonso Sanches, e quanto machinou para este fim. Continua em machinar novas falsidades contra seu irmão. He avizado pelo Papa João XXII, a que dezista do odio contra seu irmão, e não cessa de o perseguir. Intenta batalhar com seu pai, mas deziste deste intento. Toma os Castellos de Coimbra, Montemor e Feira, e a Cidade do Porto. Faz levantar o sitio que tinha posto a Badajoz o Infante D. Felippe. Affonso (Infante D.) Filho del-Rei D. Affonso III de Portugal, cazou com Dona Violante, filha do Infante D. Manoel, filho del-Rei D. Fernando II de Castella, e da Infante Dona Constança. Que filhos teve deste matrimonio. Deu-lhe seu pai as Villas de Portalegre, e Marvão, e os Castellos da Vide e Arronches. Differenças que teve com seu irmão El-Rei D. Diniz. Fez guerra a seu irmão, e mata a D. Lopo Conde, e senhor de Biscaya, e a D. Diogo Lopes de Campos. Cede das contendas, que tinha com seu irmão por intervenção de sua cunhada Santa Izabel. Em que anno falleceo, e onde está enterrado. Affonso (Infante D.) Filho do Infante D. Affonso, e Dona Constança filha de D. Jaymes primeiro Rei de Aragão, e neto del-Rei D. Affonso III de Portugal, foi senhor de Leiria, e falleceu sem filhos. Affonso Pires de Gusmão, acompanhado de muitos Capitaens entra em Portugal onde obra algumas hostilidades, e priziona novecentos homens. Affonso Sanches (D.) Chamado de Albuquerque, foi filho natural del-Rei D. Diniz. Seu filho D. João Affonso de Albuquerque cazou com Dona Izabel, filha de D. Tello, e Dona Maria neta del-Rei D. Affonso III de Portugal. He notavelmente aborrecido por seu irmão o Principe D. Affonso. Arronches. O seu Castello, foi doado por El-Rei D. Affonsso III de Portugal a seu filho o Infante D. Affonso. He cercado por El-Rei D. Diniz. B Beatriz (Dona), mãe del-Rei D. Diniz, foi senhora das Villas de Niebla, Serpa, Moura, e Mourão por doação que dellas lhe fez seu pai D. Affonso Rei de Castella. Benedicto XI. Manda Nuncio para pacificar a El-Rei D. Fernando de Castella com El-Rei D. Jayme de Aragão, e o Infante D. Affonso de Lacerda. Insinua a El-Rei D. Diniz, que seja medianeiro nestas pazes. Branca (Dona). Filha de Pedro Annes de Portel, cazou com D. Pedro filho natural del-Rei D. Diniz. C Carlos, Irmão de S. Luiz Rei de França, recebe a investidura dos Reinos de Secilia, e Napoles do Papa Urbano IV, e vence na batalha de Benavente a Manfreu Rei de ambas as Secilias, na qual morreo. Cerca a Cidade de Messina, e levanta o sitio. Queixa-se ao Papa Martinho IV, da violencia com que o queria despojar de Secilia El-Rei D. Pedro de Aragão. Dezafia a este Rei para Bordeos. Morre em Messina. Celestino V. Confirma o privilegio concedido por seu Antecessor Niculao IV, de que se elegesse Mestre da Ordem de San-Thiago em Portugal independente do de Castella. Clemente V. Como foi eleito, e das promessas, que fez a ElRei Felippe de França chamado o Fermozo. Constança (Rainha Dona), Filha de Manfreu Rei de ambas Secilias, mulher delRei D. Pedro de Aragão, e mãe da Infante Dona Isabel, que cazou com El-Rei D. Diniz de Portugal. Constança (Dona), Filha de D. Jaymes Decimo Rei de Aragão, e a Rainha Dona Violante, cazou com o Infante de Castella D. Manoel, Avô da Infante Dona Constança, mulher que foi delRei D. Pedro I de Portugal. Constança (Dona). Filha delRei D. Diniz de Portugal, e a Rainha Santa Isabel, cazou com D. Fernando III de Castella. Constança (Dona). Filha dos Infantes D. Affonso, e Dona Violante, foi cazada com Nuno Gonsalves de Lara de quem não teve geração. D Diniz (El-Rei D.) Em que tempo foi aclamado Rei e que idade tinha. Virtudes, e acções heroicas, que praticou. Hospedou magnificamente no seu Reino a pessoas muito grandes de Castella. Prendeo a João Nunes de Lara, senhor de Biscáya, e o soltou fazendo-lhe grandes mercês. Caza com a Infante Dona Isabel, filha delRei D. Pedro IV de Aragão, e que idade tinha quando se recebeo. Celebrão-se estes despozorios em Trancozo. Filhos legitimos, e naturaes que teve. Diferenças, que teve com seu irmão o Infante D. Affonso. Avista-se com ElRei D. Sancho de Castella, e ajusta com elle os cazamentos de seus filhos D. Affonso, e D. Constança. Ordena a seu irmão D. Affonso, que se não faça hostilidade alguma contra D. Sancho de Castella, e lhe não obedece. Manda cercar Arronches, Mourão e Portalegre, onde estava seu irmão. Por intervenção de sua espoza Santa Isabel se pacifica com seu irmão, e este lhe entrega as Villas e Castellos, que tinha em seu poder. Manda Embaixadores a ElRei de Castella D. Sancho porque lhe largue os Lugares, que lhe tem uzurpado. Por morte de D. Sancho manda novos Embaixadores a seu filho D. Fernando, e do que lhe disserão os Embaixadores, e de como se concertarão estes Principes. Prepara se com exercito para vingar a inconstancia das promessas delRei de Castella. Recebe por seu vassallo a D. Sancho de Ledesma, filho dos Infantes D. Pedro, e Dona Margarida, e lhe affirma copioza renda. Entra por Castella com exercito, onde faz muitas hostilidades. Toma o Castello de Medicina. He solicitado por El-Rei de Castella a que celebre com elle pazes, e assim o executa. Avista-se em Alcanizes com El Rei de Castella para ajustar as pazes, e os cazamentos mutuos de seus filhos, e de que modo se celebrou este acto. Parte de Alcanizes donde traz em sua companhia a Dona Beatriz, filha delRei D. Fernando de Castella, para molher de seu filho D. Affonso. Das pessoas que nomeou para officiaes da Caza que fez ao Principe seu filho. Escreve-lhe o Papa Benedicto XI para que seja medianeiro entre as discordias delRei de Castella, e o de Aragão. Parte a Castella acompanhado da Rainha Santa Isabel, e muitos Cavalleiros a compor as discordias, que havia entre os Reis de Castella e Aragão. Passa a Granada com Santa Isabel, onde é recebido magnificamente por ElRei D. Jaymes e a Rainha Dona Maria. He arbitro em Tarraçona entre as contendas que havia entre D. Fernando de Castella, e D. Jaymes de Aragão sobre o Reino de Murcia, e como os compoz. Voltando de Tarraçona é recebido por El-Rei de Castella e a Rainha Dona Maria, onde deu preciosas joias a D. Affonso de Lacerda. Firma pazes com os Reis de Castella e Aragão. Não aceita dés mil dobras de ouro a ElRei D. Jaymes de Aragão que lhe tinha emprestado. Dá muitas e preciosas joias á Rainha Dona Branca, mulher delRei de Aragão, e aos Senhores daquella Côrte. A meza de prata em que comia mandou dar a um Fidalgo que por esquecimento não tinha sido premiado como os outros. Que idade tinha, e em que anno fez esta jornada a Castella. Manda Martim Gonsalves de Souza seu Alferes mór com setecentos cavallos a ElRei D. Fernando para ajuda da guerra contra os mouros e lhe empresta dezasseis mil, e seis marcos de prata para o mesmo fim. Funda em Coimbra os primeiros estudos, que houve em Portugal, e como alcançou do Papa João XXII privilegios para elles. Izenta os Cavalleiros de San-Thiago da obediencia do Mestre de Castella, e institue Mestre em Portugal por Bulla de Niculao IV. Ajusta com D. Fernando de Castella os bens dos Templarios dos seus Reinos não fossem dados pelo Papa a outra Ordem. Representa por seus Embaixadores ao Papa João XXII não ser conveniente, que as rendas dos Templarios se dessem aos do Hospital de S. João. Institue a Ordem Militar de Jesus Christo a quem assina as rendas que erão dos Templarios. Assina para gasto de seu filho D. Affonso quando cazou com a Infante Dona Beatriz, alem de muitas Villas que lhe deu, outenta mil livras de prata. Sentimento que teve com a morte de seu neto o Infante D. Diniz. Relatão-se as discordias que teve com o Principe seu filho. Manda o processo que este Princepe tinha machinado para matar seu irmão D. Affonso Sanches, e acha ser falso. Pratica que fez na prezença dos seus vassalos quando descubrio ser falso tudo quanto tinha machinado o Princepe seu filho contra D. Affonso Sanches seu irmão. He buscado por seu filho para lhe dar batalha. Manda a Lourenço Annes Redondo, que mate a todos os que deram entrada em Santarem ao Princepe seu filho, e assim se executa. Por intervenção da Rainha Santa Isabel, se concerta com seu filhe D. Affonso. Avista-se em Guinaldo com a Rainha Dona Maria, e o que aqui passou. Significa aos Reis de Castella o sentimento que teve com a morte dos Infantes D. Pedro e D. João. Pede-lhe seu neto El-Rei D. Affonso de Castella os danos que fazia naquelle Reino seu tio o Infante D. Felippe, e o obriga a levantar o sitio de Badajoz. Celebra Côrtes em Lisboa, onde não assiste o Princepe D. Affonso seu filho. Sem embargo de que não queria que entrasse em Lisboa seu filho, este o executa com gente armada de que se seguirão muitas mortes. Em Santarem depois de uma grande contenda, se compõem com o Princepe. Legados que dispoz, antes de morrer. Em que lugar, dia e anno morreo. Foi levado a enterrar ao Mosteiro de S. Diniz de Odivellas que elle fundara. Das açoens heroicas que obrou, e das Villas, e Cidades que fundou, e reedificou. Diogo Garcia, Chanceller mór do sello da puridade delRei D. Diniz, e Mordomo mór da Rainha Dona Constança sua mulher assiste em Tarraçona com o mesmo Princepe para compor as discordias, que havia entre D. Fernando de Castella, e D. Jaymes de Aragão. F Filippe (El-Rei de França) chamado o Fermozo, como concorreu para ser Pontifice Clemente V a quem pedio que queimasse o corpo de Bonifacio VIII. Á sua instancia, extinguiu o Papa a Ordem dos Templarios. Morre desgraçadamente, e que filhos deixou. Felippe, (Ifante D.) Tio delRei de Castella, cerca a Badajoz, e é obrigado a levantar o sitio pelo Princepe D. Affonso, filho delRei D. Diniz. Fernando, (El-Rei D.) Terceiro de Castella, cazou com Dona Constança filha delRei D. Diniz, e Santa Isabel. Com que circunstancias, e conveniencias foi contratado este casamento. He requerido por El-Rei D. Diniz, que largue os Lugares, que lhe tinha uzurpado, e da pratica que lhe fizerão João Annes Redondo, e Mem Rodrigues Rebotim Embaixadores de Portugal. Recebe-se por palavras de prezente com a Infante Dona Constança, e da pratica que fez aos circunstantes. Sahe a receber a El-Rei D. Diniz com o Infante D. João na Villa de Coelhar. Pede soccorro a D. Diniz para continuar a guerra contra os Mouros, e lhe manda setecentos cavallos, e lhe empresta para a mesma empreza dezasseis mil, e seiscentos marcos de prata. Dá-lhe em caução deste emprestimo as Cidades de Badalhouse, Alconchel, e Brugilhos. Cerca Algezira, e levanta o sitio. Onde morreo, e de que idade. G Gibraltar foi tomado aos Mouros por João Nunes de Lara. Gil Martins, (D. Fr.) He eleito primeiro Mestre da Ordem militar de Jesu Christo, instituida por ElRei D. Diniz. Guimarães, o seu Castello é defendido por Mem Rodrigues de Vasconcellos, contra a invasão do Infante D. Affonso. H Henrique (Infante D.) Filho delRei D. João I de Portugal, foi perpetuo administrador da Ordem de Christo. Honorio II. Deu regra aos Templarios. I Isabel, (Rainha Santa) Filha de D. Pedro Undecimo Rei de Aragão, sendo pretendida de muitos Princepes para espoza, é preferido entre todos ElRei D. Diniz de Portugal. Acompanhada do Bispo de Valença, e outros Cavalleiros, parte para Portugal, e como della se despedio seu pai. Sahe a recebella em Castella seu primo com irmão, o Infante D. Sancho, e das palavras, que lhe disse. Chega a Bragança, onde é cortejado pelo Infante D. Affonso irmão delRei D. Diniz, e outros Cavalleiros. Virtudes que praticou em toda a sua vida, e milagres que fez. Por sua intervenção, e deligencia, se ajustarão as discordias del-Rei D. Diniz com o Princepe seu filho. Segunda vez pacifica ao mesmo Princepe com seu pai. Por morte de seu Espozo se veste no habito de Santa Clara. Edifica o Convento desta Santa em Coimbra, e o dotou da sua fazenda, e nelle está sepultada. Isabel (D.) Filha do Infante D. Affonso de Portugal, e a Infante Dona Violante, foi casada com D. João o Torto, filho do Infante D. João chamado Rei de Lião. Isabel (D.) Filha de D. Jaimes Decimo Rei de Aragão, e da Rainha Dona Violante, cazou com o Princepe D. Felippe filho herdeiro de São Luiz Rei de França. J Jaymes (D.) Decimo Rei de Aragão, e avô paterno da Infante Dona Isabel, mulher de D. Diniz de Portugal como naceo, e a cauza porque lhe puzerão o nome de Jaime. Tomou segunda vez Valença de Aragão aos Mouros. Acabou a vida feito Monge. Cazou com Dona Lianor filha delRei D. Affonso Nono de Castella, e foi separado pela Igreja deste matrimonio. Casa segunda vez com Dona Violante, filha de D. André Rei de Ungria de quem teve muitos filhos. Jaimes, (D.) Rei de Malhorca, e Minorca, foi filho de D. Jaimes Decimo Rei de Aragão, e da Rainha Dona Violante. Jaimes, (D.) Filho de D. Pedro Undecimo Rei de Aragão a quem ficou o Reino de Secilia, foi depois Rei de Aragão. João XXII. Concede privilegios para os Estudos que em Coimbra instituio ElRei D. Diniz. Expede uma Bulla na qual consola a D. Diniz nas discordias que tinha com o Princepe seu filho. Escreve huma carta a este mesmo Princepe sobre as discordias, que tinha com seu pai. João, (D.) Infante de Castella sendo desterrado daquelle Reino, é recebido em Portugal por seu tio ElRei D. Diniz. João Affonso (D.) Foi filho natural delRei D. Diniz. João Nunes de Lara, Senhor de Biscaya, foi preso por ElRei D. Diniz a quem mandou soltar, e lhe fez grandes merces. Tomou Gibraltar aos Mouros. João Velho, com Vasquo Pires, e João Martins são mandados por Embaixadores a Aragão a ajustar o cazamento delRei D. Diniz com a Infante Dona Isabel filha de D. Pedro Rei de Aragão. L Lianor (Rainha Dona) Filha de Affonso Nono de Castella, irmã de Dona Urraqua Rainha de Portugal, casou com D. Jaimes Decimo Rei de Aragão, e é separada de seu marido pela Igreja. Lopo (D.) Conde, e Senhor de Biscaya, é morto em Alfaro pelo Infante D. Affonso irmão delRei D. Diniz. Lourenço Annes (D.) É eleito primeiro Mestre em Portugal dos Cavalleiros de San-Tiago. M Manfreu Rei de ambas Secilias de quem foi filho. Matou com veneno a seu pai, e irmão. É morto em a batalha junto de Benavente em Italia que lhe deu o Princepe Carlos, irmão de São Luiz Rei de França. Manoel (El-Rei D.) Foi perpetuo administrador da Ordem de Christo. Maria (Dona) Filha natural del-Rei D. Diniz, foi casada com D. João de Lacerda. Maria (Dona) Filha natural delRei D. Diniz, foi Freira no Mosteiro de Odivellas. Maria (Dona) Filha dos Infantes D. Affonso, e Dona Violante, foi cazada com D. Tello, Filho do Infante D. Affonso de Molina. Martim Gonçalves de Souza, Alferes mór delRei D. Diniz, é mandado por este Princepe com setecentos cavallos a ajudar a ElRei de Castella na guerra contra os Mouros. Mem Rodrigues de Vasconcellos, sustenta o Castello de Guimarães por D. Diniz contra a invasão do Princepe D. Affonso. Messina, cercada pelo Infante Carlos irmão de São Luis Rei de França, e levanta o sitio obrigado por D. Pedro Rei de Aragão. Mouros, ganhão as Fortalezas de Quesada, e Alcaudete com outros Castellos no arrebalde de Jaen. N Nicoleo IV concede a ElRei D. Diniz, que os Cavalleiros de San-Tiago se eximão da obediencia do Mestre de Castella. Nuno Gonçalves de Lara, filho de João Nunes de Lara, cazou com Dona Constança filha dos Infantes D. Affonso, e Dona Violante. O Ordem Militar de Jesu Christo, quando foi instituida por ElRei D. Diniz, e quem foi o seu primeiro Mestre. Orraqua Vasques, é curada milagrosamente de um achaque pela Rainha Santa Isabel. P Pedro (D.) undecimo Rei de Aragão, foi filho de D. Jaimes, e a Rainha Dona Violante, e pai da Infante Santa Isabel. Com quem cazou. Recebe obediencia do Reino de Secilia. É desafiado para Bordeos pelo Infante D. Carlos irmão de São Luis Rei de França. É excommungado pelo Papa. Morreo violentamente sobre o cerco de Girona. Filhos que teve. Pratica que fez a sua filha quando partio para se receber com ElRei D. Diniz. Pedro, (D.) Filho natural delRei D. Diniz, cazou com Dona Branca filha de Pedro Annes Portel. Pedro, (D.) Conde de Barcellos filho natural delRei D. Diniz, foi o autor das linhagens de Portugal. S Sancho (El-Rei D.) de Castella ajusta com ElRei D. Diniz cazar seus filhos D. Fernando, e Dona Beatriz com os Infantes D. Affonso, e Dona Constança, filhos daquelle Princepe. Falta ás condições prometidas para estes despozorios. Manda uma armada sobre o Algarve com que fez muitas hostilidades. Manda por seu Embaixador o Bispo de Palença a tratar pazes com D. Diniz, e não conclue o que intenta. Em que lugar, e anno morreu. Sancho, (Infante D.) primo com irmão da Infante Dona Isabel, veio recebella a Castella quando vinha desposarse com ElRei D. Diniz de Portugal. Sancho (D.) Arcebispo de Toledo, e filho de D. Jaimes Decimo Rei de Aragão, e da Rainha Dona Violante, foi morto na batalha de Andaluzia contra os Mouros. Sancho de Ledesma, (D.) Filho dos Infantes D. Pedro, e Dona Margarida, descontente delRei de Castella, veio fazerse vassallo delRei D. Diniz, o qual lhe assinou uma grande renda. Volta para Castella. T Tello (D.) filho do Infante D. Affonso de Molina, cazou com Dona Maria, filha dos Infantes D. Affonso, e Dona Violante, e neto de Affonso III de Portugal. Templarios, quem forão os seus instituidores em Jerusalem, e que habitos trazião. Ações heroicas, e virtuozas que obravão. São extinctos violentamente por Clemente V á instancia de Felippe de França chamado o Fermozo. No Concilio celebrado em Vianna da Provincia de Narbona se promulgou a extenção desta Ordem. As rendas desta Ordem são applicadas á do Hospital de S. João. U Urbano IV. Dá a investidura dos Reinos da Secilia, e Napoles ao Princepe Carlos irmão de S. Luiz Rei de França. V Valdovino Rei de Jurusalem manda hospedar dentro do seu Palacio aos primeiros fundadores da Ordem do Templo. Vasco Fernandes, Mestre dos Templarios em Portugal quando se extinguiu esta Ordem. Violante (Dona) Filha de D. André Rei de Ungria, caza com D. Jaimes Decimo Rei de Aragão, de quem teve muitos filhos. Violante (Dona) filha de D. Jaimes Decimo Rei de Aragão, e da Rainha Dona Violante, cazou com D. Affonso Decimo de Castella avô delRei D. Diniz de Portugal. Violante (Dona) Filha de D. Pedro undecimo Rei de Aragão, cazou com ElRei Carlos irmão de São Luis Bispo de Toloza. Violante (Dona) Filha do Infante D. Manoel filho delRei D. Fernando de Castella, e da Infante Dona Constança foi cazada com o Infante D. Affonso filho de Affonso III, de Portugal, e que filhos teve. Fim da Chronica d'ElRei D. Diniz INDICE DOS CAPITULOS I--Como El-Rei D. Diniz sendo Ifante, foi levantado por Rei, e obedecido, e das virtudes que teve II--Como El-Rei D. Diniz cazou com Dona Isabel, filha del-Rei D. Pedro Daraguam, e da Rainha Dona Constança, e de suas grandes virtudes, e santidade III--Do Fundamento, e cousas, que ouve pera El-Rei D. Diniz aver algumas Villas, e Castellos de riba Dodiana, que forão de Castella IV--Dos filhos legitimos, que El Rei D. Diniz ouve da Rainha D. Isabel, e assi doutros bastardos V--Do desacordo, que ouve entre El-Rei D. Diniz, e o Ifante D. Affonso seu irmão VI--Do que succedeu do Casamento do Ifante D. Affonso, filho del-Rei D. Diniz, e do Ifante D. Fernando, filho del-Rei D. Sancho de Castella VII--Como El-Rei D. Diniz entrou em Castella, e da crua guerra, que de uma parte e da outra se fazia VIII--Dos grandes males, e danos que de um Reino a outro se faziam, e dalguns Luguares de Castella, que os Mouros tomaram IX--Da razam porque El-Rei D. Diniz desistio desta guerra, e se tornou a Portugal X--Dos casamentos, e Escaibos que depois da concordia se fizerão antre estes Rex em Alcanizes XI--Como El-Rei D. Fernando cazou com a Ifante Dona Constança, e o Ifante D. Affonso de Portugal com a Ifante Dona Beatriz de Castella, e das Menagens, que sobreesso se fizerão, e da decisão, que fez nas contendas que havia antre os Princepes Despanha, e da grandeza, e prudencia com que nella se ouve, e muitas mercees que fez XII--Das ajudas, que El Rei D. Fernando de Castella, ouve delRei D. Diniz, pera a guerra dos Mouros de Grada XIII--Como El-Rei D. Diniz ordenou em Coimbra o primeiro Estudo, que ouve em Portugal XIV--Como foi feito em Portugal Mestre de San-Tiago izento da Ordem de Ucres de Castella XV--Do fundamento que teve a Ordem do Templo de Salamão em Jerusalem, e como foi desfeita, e se fez a Ordem de Christo XVI--Do principaal fundamento, e verdadeira cauza pera esta Ordem dos Templarios ser destroida XVII--Como o Papa, e El-Rei de França notificarão a El Rei D. Diniz esta condenação dos Templarios, e de sua Ordem XVIII--Da discordia, que ouve antre El-Rei D. Diniz, e o Ifante D. Affonso seu filho herdeiro, e as cauzas porque XIX--Das couzas que o Ifante capitulou pera matar Affonso Sãches seu irmaão, ou o desterrar fóra do Regno XX--Da diligencia que El-Rei fez pera saber a verdade dos estromentos de Maguazella XXI--Dalgumas couzas mais, que o Ifante fez contra vontade, e serviço del-Rei seu padre XXII--Como o Ifante se partio de Coimbra pera Lixboa, e do que lhe aconteceo com El-Rei no Caminho XXIII--Como o Ifante levou a molher, e os filhos a Castella, e os Lugares, que tomou a El-Rei seu padre XXIV--Como El Rei, e o Ifante foram concordados por meio, e intercessão da Rainha Dona Isabel, e da maneira que nesso teve, e das menagens que pera segurança desso se fizerão XXV--De huma carta do Papa João XXII ao Ifante D. Affonso filho del-Rei D. Diniz, sobre as desavenças com seu pai XXVI--Como a Rainha Dona Maria de Castella depois da morte del-Rei D. Fernando seu filho, teve vistas com El-Rei D. Diniz, a que trouxe El-Rei D. Affonso menino neto dambos, e do que concertaram XXVII--Como o Ifante D. Affonso se apparelhou pera pelejar com o Ifante D. Felipe, que contrariava o asecego de Castella, e como o Ifante D. Felipe se foi XXVIII--Como o Ifante D. Affonso requereo a El-Rei D. Diniz seu padre, que fizesse Cortes ás quaes depois nom quiz vir XXIX--Como o Ifante sobre uma vinda, que contra vontade del-Rei quizera fazer a Lixboa, foram perto de pelejar, e porque o leixaram de fazer XXX--Como as gentes del-Rei, e do Ifante pelejaram sobresto em Santarem, e do que se fez XXXI--Da morte del-Rei D. Diniz XXXII--Das obras, e couzas notaveis, que El-Rei D. Diniz fez em sua vida CHRONICA D'EL-REI D. DINIZ 2 vol. 800 réis *** End of this LibraryBlog Digital Book "Chronica d'el rei D. Diniz (Vol. II)" *** Copyright 2023 LibraryBlog. All rights reserved.