Home
  By Author [ A  B  C  D  E  F  G  H  I  J  K  L  M  N  O  P  Q  R  S  T  U  V  W  X  Y  Z |  Other Symbols ]
  By Title [ A  B  C  D  E  F  G  H  I  J  K  L  M  N  O  P  Q  R  S  T  U  V  W  X  Y  Z |  Other Symbols ]
  By Language
all Classics books content using ISYS

Download this book: [ ASCII | HTML | PDF ]

Look for this book on Amazon


We have new books nearly every day.
If you would like a news letter once a week or once a month
fill out this form and we will give you a summary of the books for that week or month by email.

Title: Noções elementares de archeologia
Author: Silva, Joaquim Possidónio Narciso da, 1806-1896
Language: Portuguese
As this book started as an ASCII text book there are no pictures available.


*** Start of this LibraryBlog Digital Book "Noções elementares de archeologia" ***


produced from images generously made available by National
Library of Portugal (Biblioteca Nacional de Portugal).)



NOÇÕES ELEMENTARES

DE

ARCHEOLOGIA

OBRA ILLUSTRADA COM 324 GRAVURAS

E

UMA INTRODUCÇÃO

Do Sr.

I. DE VILHENA BARBOSA

Socio Effectivo da Academia Real das Sciencias

DEDICADA Á MEMORIA DO ILLUSTRE ARCHEOLOGO

MR. A. DE CAUMONT

por

JOAQUIM POSSIDONIO NARCISO DA SILVA

Architecto da Casa Real, Socio correspondente do Instituto de França,
Honorario do Instituto Real dos Architectos Britannicos, da Sociedade
Franceza de Archeologia, da Sociedade Central dos Architectos de Paris,
correspondente da Academia Real de S. Fernando, fundador do Museu de
Archeologia em Lisboa, etc. etc. etc.

MEDALHA DO CONGRESSO ARCHEOLOGICO DE LOCHES
CONFERIDA NA SUA SESSÃO DE JUNHO DE 1869


LISBOA

LALLEMANT FRÈRES

6, Rua do Thesouro Velho, 6

1878



A SUA ALTEZA REAL

O SERENISSIMO PRINCIPE

*D. Carlos Fernando Pedro d'Alcantara*

DUQUE DE BRAGANÇA

*Com a mais respeitosa homenagem*

O. D. C.

*O humilde auctor d'este compendio*

JOAQUIM POSSIDONIO NARCISO DA SILVA.



INTRODUCÇÃO


I


Não conheceram os povos da antiguidade a archeologia, pelo menos como
uma sciencia. Foi ignorada dos proprios gregos e romanos, não obstante a
sua brilhante civilisacão, e apezar dos primeiros lhe terem creado o
nome, composto de dois vocabulos seus: _archaios_, que quer dizer
antigo, e _logos_ discurso. E tanto a desconheciam, confundindo-a com a
historia, que alguns escriptores gregos e israelitas do principio da era
christã, deram o nome de archeologia a obras que tratavam simplesmente
da historia de povos, embora desde tempos remotos, ou que se occupavam
de antiguidades, mas limitando-se a descreverem os monumentos, sem
entrarem nas apreciações e conjecturas, que levam o archeologo ao
conhecimento do viver dos povos da antiguidade.

Os generaes romanos, quando voltavam d'essas emprezas guerreiras que
accrescentavam ao imperio novas provincias, traziam mil objectos
preciosos, variadissimas manifestações da arte e da industria dos
vencidos, curiosos utensilios e ricos ornamentos em marmore, bronze,
prata e oiro, obra de diversos povos, e differentes seculos. Pois os
romanos applaudiam e apreciavam essas preciosidades, que vinham
enriquecer a sua capital, constituindo-a um verdadeiro museu
archeologico, apreciavam-n'as, repito, sómente como despojos arrebatados
aos vencidos pelas suas aguias triumphantes, como tropheus de victorias,
que glorificavam o seu nome, e estendiam o seu poderio.

Nem os vasos sagrados do templo de Jerusalem, preciosos pela materia e
ricos de tradições antiquissimas; nem os obeliscos do Egypto, padrões de
tão remotas eras; nem as famosas estatuas da Grecia, sublimes creacões
do genio humano em uma das quadras mais notaveis da historia geral da
civilisacão; nem estes, nem outros objectos archeologicos e primores
d'arte, que eram transportados a Roma a todo o momento, nos tempos da
sua grandeza, faziam meditar os romanos sobre as extinctas civilisações,
que muitos d'esses objectos recordavam, com o intuito de devassarem os
mysterios da vida d'essas nações, sumidas nos abysmos do passado.

Pausanias, geographo e historiador grego que, nas suas longas viagens,
visitou a maior parte do mundo então conhecido, vindo depois estabelecer
a sua residencia em Roma, no anno 170 do nascimento de Christo, escreveu
a _Descripção da Grecia_, na qual trata com minuciosidade de todos os
seus monumentos. Porém limita-se a descrevel-os como historiographo, sem
os estudar e apreciar como archeologo.

Baqueou o imperio romano ao duro embate dos barbaros do norte; e o mesmo
tufão, que o varreu da face da terra, apagou aquelle facho
resplandecente, que irradiava a luz da civilisacão para todas as regiões
do orbe antigo, onde chegavam as armas da soberba Roma.

Succederam-se, portanto, a tamanho explendor as mais crassas trevas da
ignorancia e da barbaridade, em que a Europa esteve mergulhada durante
seculos, até que emfim raiou a aurora da regeneração social, renascendo
as letras e as artes. Foi então que surgiram os primeiros ensaios da
archeologia. Dante e Petrarca, os illustres iniciadores da litteratura
moderna, foram tambem os creadores da sciencia archeologica, precedendo
a todos os sabios na investigação dos manuscriptos antigos, no
descobrimento e decifração de velhas inscripções, e no estudo das
moedas, em que o segundo se occupou.

Não tardaram a ter imitadores que procurassem desvendar, sob o pó dos
seculos, os mysterios da historia. A descoberta de algumas pinturas
antigas, em excavações casuaes, quando os espiritos já começavam a
raciocinar sobre a theoria da arte, e quando já se principiava a
apreciar os monumentos da antiguidade como annaes do viver das gerações
passadas, foi um novo incentivo para os estudiosos, e um raio de luz nos
escurissimos caminhos da nova sciencia.

Uma coincidencia feliz veio dar maior impulso e mais auctoridade aos
estudos archeologicos.

Miguel Angelo Buounarotti e Raphael Sanzio d'Urbino assombravam Roma e a
Europa culta com os explendores do seu talento na pintura, na esculptura
e na architectura, quando Felix de Fredi descobriu n'aquella cidade, em
1506, entre as ruinas das Thermas de Tito, o famoso grupo de Laocoonte e
seus dois filhos envolvidos pelas serpentes. Enlevados n'este grande
primor da esculptura antiga, aquelles dois eximios artistas procuraram
com desvelada applicacão descobrir o nome do auctor d'esta maravilha da
arte, e a era em que foi executada. Caminhando de investigação em
investigação visitaram e estudaram attentamente as grandes ruinas da
architectura grega e romana, os restos preciosos da sua admiravel
esculptura e as inscripções lapidares.

Estes estudos foram tão applaudidos, e tão reconhecidas as suas
vantagens, que não tardou a fundar-se em Florença, sob o governo dos
Médicis, a primeira escola publica d'antiguidades.

Tal foi o começo da archeologia.


II


O exemplo de Miguel Angelo e de Raphael, teve imitadores pouco depois em
França, Allemanha, e outras nações, onde alguns homens estudiosos, não
cultores das artes, mas apreciadores das suas obras, se occuparam de
investigações archeologicas, posto que em geral restrictas á numismatica
e á epigraphia.

Este segundo periodo da nova sciencia, que é denominado dos
_antiquarios_, abrange os fins do seculo XVI, todo o XVII e a primeira
metade do XVIII.

Portugal não foi indifferente a este progresso. Poderia dizer que n'este
passo, como em muitos outros, se antecipou ás mais nações, pois que no
principio da segunda metade do século XV, D. Affonso, marquez de
Valença, filho primogenito de D. Affonso I, duque de Bragança, indo
acompanhar a Italia e Allemanha a imperatriz D. Leonor, filha d'el-rei
D. Duarte, e esposa do imperador d'Allemanha Frederico III, comprou e
reuniu durante a sua longa viagem muitos objectos d'antiguidade e de
historia natural, com os quaes, na sua volta á patria, organisou um
museu, que seu pae augmentou com varios cippos, lapidas e fragmentos
d'archeologia romana, descobertos no Alemtejo. Foi este o primeiro
museu, que se creou n'este reino, e creio que precedeu a todos os que se
crearam na Europa.

Todavia, apezar d'este estimulo, o estudo d'antiguidades só teve
principio entre nós passado um seculo; e foi de fóra que então nos veio
o incentivo.

Graças ás intimas relações do nosso paiz com as principaes potencias
maritimas da Europa, desde a entrada do seculo XVI, estabelecidas pelos
descobrimentos e conquistas dos portuguezes, que fizeram de Lisboa o
emporio das mercadorias do Oriente, o movimento scientifico, que lavrava
n'aquellas nações, não se demorava muito em se fazer sentir entre nós.
Porém no caso de que trato abreviou esse periodo, sem duvida, a viagem
de um nosso compatriota, que alcançou nas letras nome illustre. André de
Rezende, depois de ter cursado a universidade de Salamanca, e de ter
tomado capello em theologia, levado do desejo de se instruir, percorreu
a França e os Paizes Baixos, demorando-se em Paris e em Bruxellas. O
trato que teve n'estas cidades com alguns sabios, suscitou-lhe o amor
dos estudos archeologicos. Regressando á patria entregou-se com ardor e
perseverança a esses estudos, colligindo alguns cippos e outras lapidas
com inscripções romanas, que collocou no jardim da casa em que habitava
na cidade d'Evora, investigando e decifrando um grande numero de
monumentos epigraphicos do nosso paiz, e compondo por fim varias obras,
em que dava conta d'essas locubrações predilectas. Duas viram a luz da
imprensa, com o titulo de: _Historia das antiguidades d'Evora_,
publicada em 1553; e _Libri quatuor de antiquitatibus Lusitàniæ_,
impressa em 1593, vinte annos depois da sua morte. D'entre as que deixou
manuscriptas sobre o mesmo genero d'assumptos, citarei: _Monumenta,
romanorum in Lusitanis urbibus_.

Assim começaram estes estudos em Portugal; e do mesmo modo continuaram
n'esse seculo e no seguinte, restrictos todavia á época do dominio
romano.

As nações que percorriam as vias do progresso com passo firme e resoluto
mostraram-se empenhadas no desenvolvimento dos estudos archeologicos,
desde o meiado do seculo XVII, fundando academias ou escolas, onde se
ensinava ou discursava sobre antiguidades.

Então os adeptos da nova sciencia, sequiosos de emoções e buscando
alargar a área dos seus estudos, visitam a Grecia, exploram o solo,
desenterram soberbos monumentos, escrevem e publicam em muitos livros os
resultados das suas investigações.

Illustraram-se n'esta cruzada scientifica, principalmente, Jacob Span, e
Bernardo de Montfaucon, francezes, e Wheler, João Augusto Ernesti, João
Jorge Groevinus, Gronovius, allemães. Todavia nos seus vastos
repositorios de memorias e dissertações, posto que tratem mais
particularmente das antiguidades gregas e romanas, já se occupam de
todas as partes da archeologia.


III


Este impulso fez-se sentir em o nosso paiz nos fins do primeiro quartel
do seculo XVIII. Fundando-se em Lisboa no anno de 1720, a academia real
de Historia Portugueza, foi-lhe commettido, juntamente com a tarefa de
escrever a historia de Portugal, o encargo de velar pela conservação dos
monumentos nacionaes, obstando a que se destruissem, ou fossem levados
para fóra do reino, os objectos d'antiguidade, já descobertos, ou que
viessem a descobrir-se. Fundaram-se em Lisboa alguns museus de
antiguidades, sendo um no proprio edificio da academia (o palacio dos
duques de Bragança, na rua do Thesouro Velho), e os outros particulares.
Entre as muitas obras volumosas, escriptas pelos academicos, e impressas
por ordem da academia, contam-se algumas consagradas exclusivamente a
antiguidades nacionaes.

Em geral os espiritos, que se dedicavam a este genero de litteratura,
continuavam a concentrar todas as suas attenções nos monumentos romanos,
de que havia então bastante copia no reino, e que estavam por
conseguinte muito ligados com a nossa historia. Entretanto houve
academicos que, saindo fóra d'esse apertado circulo, encetaram estudos
inteiramente novos no paiz. Martinho de Mendonça e Pina, em 1733, leu em
uma sessão d'aquella academia uma memoria sobre os _rudes altares_ a que
chamam _antas_ em Portugal. Este estudo publicado nas _Memorias da
Academia_, foi o primeiro trabalho litterario, que se fez entre nós
relativamente a monumentos prehistoricos.


IV


Na segunda metade d'esse mesmo seculo teve começo o terceiro periodo da
archeologia, no qual obteve os fóros de verdadeira sciencia. Abriu esse
periodo um dos mais talentosos e perseverantes filhos da Allemanha. João
Joaquim Winckelmann, nascido em 1717, e fallecido em 1768, que se elevou
pelo seu saber, de uma posição social muito humilde, a vice-reitor da
universidade de Halle, e a bibliothecario do Vaticano, foi o fundador da
esthetica moderna, e o creador do estudo philosophico e consciencioso da
arte antiga. Entre muitas obras, que lhe grangearam subida honra,
sobresae a _Historia da Arte_, que immortalisou o seu nome. N'esta obra
magistral, que dividiu em 6 livros, estabeleceu e sellou de um modo
incontroverso a alliança das artes com a archeologia, marcando a esta,
como norma e alvo a que deve mirar, seguir escrupulomente sob todos os
aspectos, pela apreciação do trabalho humano nas artes e na industria, o
desenvolvimento da civilisação nos seculos passados; e estabelecendo ao
mesmo tempo o methodo racional e claro para alcançar esse fim.

Teve grande importancia esta obra, não só por dilatar os horisontes da
nova sciencia, e abrir amplas vias aos seus cultores; mas tambem por
diffundir o gosto dos estudos archeologicos, graças á elegancia do seu
estylo, á lucidez dos seus argumentos, e sobretudo ao enthusiasmo com
que falla dos grandes primores da arte antiga, e dos evplendores da
civilisação grega e romana. D'essa benefica influencia originaram-se
alguns dos mais ricos museus de antiguidades, que hoje existem, e muitas
collecções partiticulares valiosas, que promoveram e facilitaram o
estudo.

Seguindo ousadamente os passos do erudito auctor da _Historia da Arte_,
assignalaram-se após elle outros archeologos por distinctos serviços
prestados á sciencia. O conde de Caylus classifica por ordem
chronologica os monumentos das differentes edades, e penetra o segredo
que produziu a maior parte das artes. O archeologo italiano Morcelli
cria um systema regular para a classificação das inscripções, conforme o
assumpto de que tratam, e para o estudo d'ellas, segundo o seu estylo. O
celebre numismata padre Eckhel, jesuita allemão, coordena methodicamente
a sciencia das medalhas; á qual o douto dinamarquez Rask accrescentou a
ordem alphabetica. O sabio philologo e antiquario padre Passeri,
italiano, que organisou o rico museu do grã-duque de Toscana, explica a
um numeroso auditorio sob o portico de Lanzi, em Florença, com mais
proficiencia do que o fizera Demspter, no seculo antecedente, os idiomas
e os monumentos da Italia, anteriores á fundação de Roma.

O descobrimento das ruinas de Herculanum deixára ajuizar de alguns usos
e costumes dos romanos ainda mal conhecidos. Porém quando em 1755 se
começou a levantar a espessa mortalha, que envolveu Pompeia em seu leito
de morte durante 17 seculos, fazendo surgir do sepulchro uma cidade
romana com as suas praças, ruas e casas guarnecidas e adereçadas
interiormente, como na hora fatal em que as cinzas do Vesuvio a
sepultaram no anno 79 da era christã, revelou-se aos olhos absortos dos
antiquarios a vida publica e privada do povo romano com todos os seus
usos e costumes, pois que só então foi bem conhecida uma infinidade de
coisas e circumstancias, que eram inteiramente ignoradas.

Accentuando-se cada vez mais os progressos da archeologia, o abbade
Barthelemy, francez, reedifica a Grecia de Pericles, e Jorge Zoega,
antiquario dinamarquez, começa a erguer o veu que occultava á sciencia o
antigo Egypto. Napoleão Bonaparte emprehende a conquista d'este paiz, e
as aguias francezas triumphantes abrem ignotos caminhos á archeologia, e
patenteiam-lhe um immenso thesouro de preciosas reliquias da mais remota
antiguidade. Vivant-Denon reproduz com o seu lapis habil e delicado, os
soberbos monumentos do imperio dos Pharaós, e copía com escrupulosa
exactidão, dos muros ennegrecidos pelo embate de tantos seculos, esses
mysteriosos caracteres, que encerram, sob mil fórmas emblematicas, senão
os annaes, a vida intellectual do antigo povo egypcio.

D'entre um grande numero de sabios, que illustram a archeologia com os
seus escriptos, Champolion descobre o alphabeto dos hieroglyphicos, e
assim preenche uma lacuna de seculos, que a historia tinha deixado no
esquecimento. Millin funda em 1792 o jornal _Magasin Encyclopedique_,
por meio do qual derrama e popularisa os estudos archeologicos; publíca
varias obras importantes sobre esta sciencia, e um _Diccionario de
Bellas Artes_. Raoul-Rochette enriquece a litteratura franceza com o seu
excellente _Curso d'Archeologia_, e entre outras publicações não menos
interessantes, que fazem conhecidos e devidamente apreciados alguns
sabios inglezes, italianos e allemães, Mr. A. du Caumont facilita e
popularisa o estudo d'esta sciencia com seu precioso _Abecedario ou
rudimentos da archeologia_.

Os livros d'estes homens, de espirito elevado, dão um grande incitamento
ás investigações archeologicas; e as descobertas dos testemunhos
authenticos da existencia do homem na remotissima época quaternaria,
trouxeram ao campo das discussões scientificas a origem da especie
humana, e o seu viver nos tempos prehistoricos. Colleccionaram-se e
patentearam-se ao publico os utensilios e instrumentos de que usaram os
homens na sua idade primitiva, e que se iam descobrindo em excavacões
casuaes ou feitas expressamente com esse intuito. E não tardou a
reconhecer-se a conveniencia de se reunirem em congresso os homens que
nos differentes paizes se dedicavam a estes estudos, para que da
exposição das suas investigações, e das discussões de uma assembléa tão
competente e auctorisada, se projectasse luz nas trevas d'esse remoto
passado.

Coube a mr. Desor, distincto naturalista, a honra de ser o primeiro a
apresentar a idéa de um congresso internacional de archeologia
prehistorica. Este pensamento enunciado em Paris, foi abraçado com
enthusiasmo; porém antes que podésse ser realisado na terra, onde tivera
origem, antecipou-se a Italia a encetar estas controversias.

No outono de 1865 a sociedade das sciencias naturaes, reunida em
Spezzia, occupou-se dos tempos prehistoricos. No anno seguinte reunem-se
os archeologos de differentes paizes em Neufchatel, na Suissa, celebram
o primeiro congresso internacional de archeologia prehistorica; tratam
largamente do assumpto; ajustam e lançam as bases para a convocação do
segundo congresso, que dá principio ás suas sessões em Paris, no anno de
1867, ao mesmo tempo que se abre n'essa cidade a grande exposição
universal, com uma secção intitulada _Historia do trabalho humano_, onde
figuram productos variadissimos da industria humana de todos os paizes
do globo, e de todas as épocas até ás primitivas da humanidade.

Desde então entrou a archeologia em um periodo de verdadeira actividade
scientifica, protegida pelos governos das nações mais cultas,
reconhecida a sua importancia e justamente apreciada por todas as
pessoas illustradas, qualquer que seja o rumo dos seus conhecimentos.


V


Portugal não tem tomado a parte activa, que lhe cumpria tomar, como paiz
civilisado, e a quem tanto deve a moderna civilisação, n'aquelle
movimento scientifico. Todavia, não se póde dizer que lhe tenha ficado
estranho.

Varias memorias, publicadas pela academia real das sciencias de Lisboa,
provam que esta corporação se occupou, desde a sua instituição, de
assumptos archeologicos, relativos á historia do paiz. Além disso
n'estes últimos annos tem havido entre nós não poucos escriptores que se
tem dedicado aos estudos archeologicos, e d'entre estes, alguns zelosos
investigadores do que diz respeito aos tempos prehistoricos.

Temos sido muito descuidados na formação de museus archeologicos, e é
uma vergonha que não tenhamos um unico estabelecimento d'este genero,
digno de ser exposto aos olhos dos estrangeiros illustrados que visitam
o nosso paiz. E maior vergonha é que não exista, podendo e devendo
existir, independentemente do recurso ás excavacões muito dispendiosas.
Era bastante para constituir um museu de objectos archeologicos e
artisticos, muito rico e variado, os milhares de objectos, producto do
trabalho humano, em diffrentes edades, de remotas eras, em oiro, prata,
bronze, vidro, barro e pedra, descobertos nas provincias do reino,
sobretudo na Estremadura, Alemtejo e Algarve, desde o seculo XV, em
excavacões casuaes, e muitos objectos preciosos e alfaias dos extinctos
conventos.

Por iniciativa, e póde dizer-se por unico esforço do sr. J. Possidonio
Narciso da Silva, fundador e presidente da real associação dos
architectos e archeologos portuguezes, deu começo esta associação no
edificio da egreja gothica e arruinada do extincto convento do Carmo,
onde se acha estabelecida, a um museu archeologico. Carece, porém, de
muitas condições para preencher os fins a que são destinadas similhantes
collecções, sendo uma das principaes, a organisação scientifica e
chronologica, e conveniente collocação dos objectos alli reunidos. Devo
accrescentar, porém, que achando-se alli todos os objectos accumulados e
apertados por falta absoluta d'espaço; aquella organisação e conveniente
collocação estão dependentes de uma obra importante e despendiosa; a
cobertura das naves da egreja.

Guardam-se em differentes estabelecimentos publicos de Lisboa, Porto e
Evora, diversidade de objectos archeologicos e artisticos, que se
estivessem reunidos formariam uma collecção mui curiosa, e de certa
importancia. Tambem são dignas de menção as collecções de fosseis,
instrumentos e utensilios prehistoricos da secção geologica, no edificio
do extincto convento de Jesus.

       *       *       *       *       *

Pois que fui mais prolixo do que desejava no quadro historico, que fica
traçado, procurarei ser conciso nas noções geraes da sciencia
archeologica, noções que mr. Du Caumont julgou desnecessario explicar
n'este livro.

A archeologia é a sciencia que tendo por fim, como o indica o seu nome,
o estudo da antiguidade, nos ensina a conhecer o viver dos povos antigos
por meio do exame e apreciação dos monumentos, que nos deixaram, e de
todos os objectos, que d'elles nos restam como manifestação do seu
engenho e do seu trabalho.

A historia narra os successos, indica-lhes as causas, e aponta-lhes as
consequencias. Julga do caracter e indole dos povos, e dos individuos
que mais se assignalaram; e trata dos monumentos, como provas que
mostram o seu desenvolvimento intellectual e industrial, e tambem como
testemunha d'aquelles successos.

A archeologia examina attentamente todos os productos materiaes, que os
antigos povos nos legaram, e d'esse estudo minucioso, comparativo e
philosophico, faz resaltar o conhecimento das idéas, da religião, dos
usos e costumes, do desenvolvimento industrial e artistico, emfim do
viver dos povos, aos quaes esses productos pertenciam.

Portanto a archeologia faz importantes serviços á historia, não só
esclarecendo-a, com a luz que derrama onde tudo é trevas, mas tambem
completando-a com uma infinidade de noções e de objectos reaes, que nos
apresentam um quadro verdadeiro da vida intima dos povos da antiguidade,
que sem os esforços dos archeologos seriam ignorados ou apenas
conhecidos superficialmente.

A archeologia divide-se em tres partes, que a seu turno se subdividem:
1.^a _litteraria_--2.^a _artistica_--3.^a _usual_. Comprehende a
primeira toda a sorte de monumentos em que ha inscripções, quaesquer que
sejam os seus caracteres e a materia que os contenha. Subdivide-se em
_paleographia_, _diplomatica_ e _epigraphia_. A _paleographia_ ensina a
decifrar as antigas escripturas em pergaminho ou em outra substancia com
caracteres alphabeticos, ou ediographicos, ou signaes emblematicos, como
os hyeroglyphicos dos egypcios, ou outros convencionaes. A _diplomatica_
indica o modo de conhecer, pelos caracteres internos e externos, a
authenticidade dos documentos. A _epigraphia_ trata da interpretação das
inscripções gravadas em pedra, em metal, ou em qualquer outra materia.

A _archeologia artistica_ trata de todos os monumentos da antiguidade,
taes como edificios religiosos, civis e militares, e todos os generos de
obras d'arte.

Subdivide-se em _archeologia monumental_, que diz respeito ás obras
d'architectura, d'esculptura e de pintura; em _iconographia_, que é o
estudo dos bustos e dos retratos dos personagens historicos; em
_numismatica_, ramo consagrado ao exame das moedas e medalhas; em
_glyptographia_, que trata das pedras gravadas, representando quaesquer
figuras; e, finalmente, em _archeologia usual_, que abrange toda a
qualidade de alfaias, utensilios e instrumentos sagrados, domesticos,
militares, funerarios, etc.

São estas as divisões scientificas da archeologia. Porém, considerada
relativamente ás grandes épocas da vida da humanidade, póde dividir-se
em _archeologia prehistorica_, dedicada ao estudo das edades primitivas
do homem, das quaes não restam memorias escriptas, nem gravadas, nem
tradicionaes, existindo por unicos vestigios da sua passagem na terra
alguns rudes monumentos, e utensilios e instrumentos não menos toscos e
grosseiros, encontrados em escavações: em _archeologia dos antigos
imperios orientaes_; em _archeologia classica_, ou _greco-romana_; e em
_archeologia christã_, que comprehende o periodo desde o nascimento de
Christo até á renascença das artes e letras.

Emfim a archeologia é uma sciencia tão lata e complexa, que ainda
precisa, para satisfazer cabalmente a sua importante missão,
soccorrer-se a outras sciencias accessorias como são a _linguistica_, a
_paleontologia_, a _geologia_, a _anthropologia_, e a _ethnologia_.

J. DE VILHENA BARBOSA.



PROLOGO


N'este seculo, em que a civilisação tem caminhado progressivamente nas
principaes nações, não podia esquecer por mais tempo um estudo que
consiste em investigar o modo como começára a existencia da raça humana
desde o berço até o seu simultaneo desenvolvimento, não só dos objectos
necessarios para a defeza exterior, como em relação aos usos domesticos
e habitações: conseguindo-se por este curioso estudo formar juizo seguro
ácerca da existencia interior do viver e dos costumes dos primitivos
habitantes da terra.

Depois do cataclismo que passou o planeta em que existiram, e das lutas
encarniçadas e continuas das differentes raças, as quaes se disputavam
tenazmente a posse do territorio mais fertil e mais ameno, tendo muitas
d'essas raças já desapparecido do mundo por inteiramente destruidas, e
em outros se tenham confundido os elementos das suas respectivas
nacionalidades, pois que nenhum d'elles nos deixou a historia escripta
d'esses tempos remotos; a sua existencia rude e aventurosa não lhes
proporcionavam o poderem cultivar a intelligencia, nem suavisar os
costumes, para se dedicarem ao aperfeiçoamento intellectual: portanto,
só pelos vestigios da sua imperfeita industria, os quaes se acham
encerrados entre as camadas successivas da terra, só por diversos
fragmentos, elles nos poderam revelar a sua vida social, e nos mostraram
o grau de sua nascente civilisação. Assim formulâmos a historia, ainda
que incompleta nos primitivos tempos da terra habitada, e descobrindo os
segredos d'essa existencia, saberemos quaes foram os esforços da
intelligencia humana desde o seu alvorecer.

Quando os romanos se impozeram aos outros povos, e em repetidas
conquistas ampliaram o seu dominio no antigo mundo, invadiram o
territorio d'essas raças indigenas, e depois de renhidas batalhas o
povo-rei subjugou-as, hasteando entre ellas a aguia romana; porém
n'essas épocas já havia historiadores que nos deixaram as narrações de
taes feitos: assim o estudo d'esses acontecimentos, não é tão difficil,
porque não precisâmos de ir inteiramente á crusta terraquea pedir-lhe os
seus segredos.

A invasão dos barbaros do Norte veiu depois desapossar os romanos de
suas conquistas, e a destruição que ella causou foi total, e de tal
modo, que aos actos do elemento da parte mais feroz d'essas hordas se
ficou chamando _vandalismo_. Se um cataclismo terrestre havia, pois,
feito desapparecer antes os vestigios dos povos mais antigos do mundo,
os barbaros do Norte não foram menos prejudiciaes por aniquilarem a
civilisacão que os romanos haviam plantado na Europa.

Todos conhecem a decadencia do Baixo-Imperio: as guerras continuas; o
desprezo e o esquecimento da instrucção; até que appareceu um homem de
animo forte e de intelligencia superior, que, apoderando-se do poder,
formou um novo imperio, e pela sua sabedoria e por suas victorias
alcançou a gloria de haver feito reviver o explendor da civilisação na
Europa.

A idade media foi fecunda em acontecimentos, que prepararam os povos
para aguardarem uma era, em que os seus direitos e a sua civilisação
triumphassem das arbitrariedades e dos vexames que soffriam; depois
surgiu o renascimento das lettras e das artes, que foi o prenuncio da
nova civilisação.

Fica, portanto, reconhecida a necessidade de um estudo especial dos
fragmentos e das ruinas dos antigos para formarmos, como já dissemos,
justa idéa dos usos, costumes e crenças dos primeiros habitantes do
mundo, e principalmente dos que existiram na Europa, muito mais
interessante para nós, por vivermos no territorio occupado por elles.
Poderemos d'este modo dirigir os nossos especiaes estudos para a
Lusitania, e entrar nas mais minuciosas investigações com respeito aos
tumulos, ás fortificações, aos templos, aos ornatos, ás habitações, a
tudo emfim que determina e constitue a sciencia da archeologia, com a
qual supprimos a falta da historia escripta.

Foram os allemães, os inglezes e os francezes os primeiros que trataram
d'essas curiosas investigações; e os sabios que se dedicaram a taes e
tão uteis estudos, principalmente Mr. de Caumont, e outros, que
publicaram obras de grande merito, são dignos da nossa admiração e do
nosso reconhecimento, porque, procurando as origens da industria humana,
nos revelaram interessantes conhecimentos, que não só serviram para
coordenar a historia das épocas mais remotas, mas tambem para estimular
o desejo de conservar as antiguidades que estavam dispersas e
desprezadas, attestando ignorancia e incuria.

Em Portugal nunca se pensara n'este ramo de instrucção, posto que em
alvará de 14 de agosto de 1721 se ordenasse que se fossem colligindo as
informações indispensaveis e se adquirissem objectos antigos, que
facilitassem o estudo da archeologia, porém ficou em letra morta; e
tanto assim que só em 1864 se organisou o primeiro museu archeologico,
por iniciativa da pessoa que escreve estas linhas, fazendo o governo
para esse fim a concessão das ruinas da monumental egreja gothica do
Carmo, de Lisboa, onde tambem depois estabelecemos em annos successivos
um curso ácerca da historia geral da architectura.

Como quer que seja, a sciencia da archeologia não fôra cultivada entre
nós methodicamente, e por isso não deve estranhar-se que não apparecesse
até hoje, em Portugal, alguma obra elementar que auxiliasse o seu
estudo. Para supprir tal falta, ousamos nós mandar imprimir um resumido
trabalho, que comprehende a descripção dos objectos antigos, desde a
edade de pedra até ao seculo XVII, tomando para norma a notavel obra do
sr. de Caumont, o qual, além de distinguir-nos com a sua apreciavel
amisade, nos auctorisou a servirmo-nos dos seus admiraveis trabalhos; e
já que nos é licito honrar-lhe aqui a memoria gloriosa, sejam estas
paginas consagradas ao illustre fundador da sciencia archeologica em
França, como levantado a um dos testemunhos da nossa veneração.

No volume, que vamos publicar, e cujos fundamentos lançámos haverá sete
annos, estão illustrados corn gravuras numerosas, mais de 300 no texto,
as passagens em que se tornava indispensavel esse meio de observação;
seguindo, quanto possivel, a obra do sr. de Caumont, como já indicámos,
procuramos ao mesmo tempo amplial-a com as explicações das antiguidades
encontradas em Portugal, interessando assim ainda mais os nossos
compatriotas.

Suppomos que este livro poderá ser tambem de proveito nas nossas
escolas, onde é tão geralmente reconhecida a necessidade de livros
especiaes, que fallem aos alumnos de assumptos que são hoje do dominio
de uma educação liberal; assim se tornarão adeptos do estudo e da
sciencia archeologica, que lhe fornece as primeiras bases, para que
sejam outros tantos propagandistas da conservação da nossa arte e das
nossas preciosidades archeologicas.

Apezar de ser trabalho complexo e difficil, não só para a nossa limitada
intelligencia, mas tambem pelos escassos recursos de que podemos dispor
para uma publicação d'esta ordem, o nosso vivo desejo de divulgar o
gosto pela archeologia, de satisfazer ao constante empenho em estimular
o estudo d'esta sciencia indispensavel para bem avaliar a historia da
arte em Portugal, sirva comtudo de attenuante ás faltas que houvessemos
de commetter. E tambem, digamol-o, ficam aqui os cimentos de obra mais
perfeita e de maior tomo para os que possam lançar-lhe hombros mais
robustos e intelligencia mais apurada. Os que prezam o trabalho e amem o
estudo relevem a nossa ousadia, e deitem-a á conta da boa vontade e da
sinceridade com que sempre tentámos bem servir a patria.

17 de Maio de 1877.



NOÇÕES ELEMENTARES DE ARCHEOLOGIA

       *       *       *       *       *

CAPITULO I

*Tempos prehistoricos*


Chamaram _prehistoricos_ aos tempos antigos de que não existe historia
escripta.

Desde os tempos mais remotos, apparece um longo periodo sem historia
escripta, nem elementos positivos, durante o qual tentamos encontrar o
progresso e o desenvolvimento da humanidade, unicamente por vestigios
mais ou menos incompletos.

O archeologo tem que tomar a penna do historiador e procurar deduzir
algumas _probabilidades historicas_, com observação escrupulosa dos
factos averiguados. Os antiquarios modernos têem-se dedicado com
entranhado amor a este genero de investigações.

Estabeleceram na historia pertencente á existencia do homem, _anterior
ás épocas conhecidas_, tres grandes phases, ou estancias, a saber:

    Idade de Pedra
    Idade de Bronze
    Idade de Ferro

A fundição, ou reducção dos metaes, é uma operação difficil, que foi de
certo por muito tempo desconhecida: os povos atrazados na civilisação
deviam fabricar os objectos de que tivessem necessidade para a propria
defensa e para a caça, assim como para os usos communs da vida,
empregando pedras rijas, como é o silex (pedreneira), os ossos dos
animaes, ou a madeira.

O extraordinario numero de descobrimentos feitos nos diversos paizes,
principalmente em França, na Suissa, na Inglaterra, e na Dinamarca,
confirmou esta supposição.

As collecções dos museus contém quantidade consideravel de pontas de
frechas, facas, machados, feitas com pedreneira e em rocha rija: grande
numero de instrumentos de osso, ou de pedra, se tem achado em
differentes partes, e esses instrumentos conservam-se quasi intactos
dentro do solo, onde estavam occultos. O periodo secular em que os
metaes não estavam ainda em uso recebeu, pois, a denominação de _idade
de pedra_.

As melhores qualidades de rochas para fabricar os instrumentos
cortantes, eram o silex (pedreneira), _felds-pathicas_, o _petrosilex_
verde, e algumas variedades de _porphyro_; porém o silex tem sido, como
parece, a pedra mais constantemente empregada, e talvez a mais facil de
preparar a forma requerida.

Seguramente, se dermos com certa precaução uma martellada sobre um
fragmento de silex, de forma alongada, esse silex estalará, e a pedra
que se desligue tomará logo a forma conoidal; ficará chata de um dos
lados, mostrando do outro uma aresta viva. Podiam-se fazer por este
modo facas de pederneira, de que em diversas localidades se tem
encontrado centenares de modelos.

[Figura 1]

Fazendo-se estalar esta qualidade de pedra repetidas vezes com certa
habilidade, podem-se fabricar machados, pontas para flechas e outros
instrumentos do genero d'aquelles de que apresentamos os desenhos n'esta
pagina.

Os objectos pertencentes á _idade de pedra_ e á _idade de bronze_ tem
sido encontrados, principalmente nos _tumulos_, nas cidades _lacustres_,
em algumas _cavernas_, antigamente habitadas.

Examinemos os depósitos que indicamos, porque nos offerecerão, segundo
recentes explorações, matéria variada e curiosa para o nosso estudo.


*Tumulos*

Os tumulos ou sepulchros, compõem-se d'um recinto central formado de
pedras de rocha de grande dimensão, no qual se entra geralmente por um
corredor de egual construcção, estando tudo encerrado em immenso montão
de pedras e terra.

Quer fosse porque estivesse com imperfeição o recinto central encerrado
no meio do outeirinho factício; quer, o que parece mais natural, porque
se servissem _da terra_ ou _das pedras dos tumulos_ em época posterior,
muitas vezes foram encontrados os pedregulhos que formam a parte central
sem a terra que os cobria e quasi completamente separados; então n'este
caso chamavam-se Antas (dolmen).[1]

[Figura 2: Vista exterior de um tumulo]

Os defuntos eram depositados com os seus corpos inteiros e em geral
apresentavam-os _sentados_ e encostados nas paredes do recinto central,
tendo junto de si os machados e outras armas de pederneira; algumas
vezes vasos de barro toscamente fabricados, e outros objectos de uso
commum.

Veja-se o desenho n.^o 2, de um tumulo completo; o n.^o 3, um tumulo
aberto com dolmen; o n.^o 4, um dolmen completamente desguarnecido; e o
n.^o 5, a perfeita Anta de Guitamães, em Vianna do Castello.

[Figura 3: Vista interior de um tumulo]

[Figura 4: Dolmen central de um tumulo]

Varios antiquarios tinham tomado os dolmens desguarnecidos de tumulos
por _altares druidicos_, porém ao presente esta ideia está quasi
desprezada, por falta de provas positivas.

O cobre com liga que lhe dá maior rijeza, foi empregado depois da
pederneira, ou conjunctamente com ella, quando os nossos antepassados
aperfeiçoaram esta industria e conheceram o modo de derreter os metaes.

[Figura 5: Anta de Guitamães (Minho)]

Os principaes objectos de bronze, foram os _machados_, as _pontas das
lanças_, as _espadas_, os _punhaes_, as _facas_, os _anzoes_, as
_fouces_, os _alfinetes_, os _anneis_, os _braceletes;_ estes objectos
fundidos, muitas vezes com formas elegantes, apresentavam em todos os
paizes o mesmo feitio, tanto na Dinamarca como em França, e na
Inglaterra; e isso nos convence de que os typos tradicionaes, talvez
imitados do mundo antigo pelas nações civilisadas, e trazidos para a
Europa occidental em época que não se pode fixar, foram reproduzidos sem
alteração, em moldes apropriados.

[Figura 6: Fachada do Dolmen de Bournan]

[Figura 7: Plano do Dolmen de Bournan]

Esta época importante da historia dos progressos da humanidade rasgou
bom horisonte no prolongado periodo prehistorico: d'ahi proveio a
denominação de _idade de bronze_. O difficil era saber-se, por inducção,
quando e como o bronze apparecera nos paizes septentrionaes.

Ha annos, o sr. Worsaæ e os antiquarios dinamarquezes publicaram que
os tumulos da idade de pedra continham compartimentos centraes, conforme
descrevemos; nos quaes se depositavam os cadaveres sentados, com os
joelhos juntos á barba e os braços cruzados no peito; em quanto os
tumulos da idade de bronze não apresentavam esse compartimento
reservado, sendo construidos com grandes pedras e os outeirinhos,
compostos de terra e de pequenas pedras, não encerravam cadaveres, mas
tamsomente as cinzas dos finados, depositadas em vasos de barro; muitas
vezes appareciam acompanhados de objectos de bronze e ás vezes de ouro.
Inferia-se d'estas differenças, que os instrumentos de bronze haviam
sido trazidos por uma raça que invadira, absorvera e talvez aniquillara
a indigena; raça que teria costumes diversos, armas superiores e
civilisação mais adiantada que a subjugada.

Acceitando-se este facto, a idade de bronze seria inaugurada na Europa
occidental por um povo conquistador em época desconhecida.

Os objectos de barro não nos guiam suficientemente n'esta exploração. Os
que foram achados com os instrumentos de bronze são de fabrico
grosseiro, mal cosidos, e por seu feitio, ornatos e as substancias que
os compõem, simelham-se muito com os vasos de barro achados nos
sepulchros que encerravam unicamente objectos de pedra. N'esses diversos
tumulos raramente se viam vasos com azas; á forma dos gargalos parecia
não ser conhecida, nem o seu uso; consistindo apenas a ornamentação em
linhas em direcções diversas; ou ponteado concavo, ou emmoldurado em
xadrez.

Além d'isso, a pederneira era ainda de uso geral na idade de bronze, e
muitas vezes se tem encontrado objectos de pedra e instrumentos de
bronze nos mesmos tumulos; facto que poderia explicar-se admittindo-se
que servira successivamente para sepultura em differentes povos.

Acharem-se cinzas no logar dos cadaveres sentados, pareceu sufficiente
caracteristico da idade de bronze, pois que nos tumulos, que encerravam
objectos de metal, havia poucos exemplos de se fazer enterramento na
posição _sentado_, e essa pratica caracterisa a idade de pedra.

Tem-se, comtudo, encontrado na mesma sepultura esqueletos sentados na
proporção de 20 por cento, talvez como demonstração, segundo o sr.
Lubbock, dos ultimos representantes das gerações passadas que tivessem
apego aos antigos usos.


*Habitações lacustres*

Precisamos de expôr, em primeiro logar, o que se entende por cidades
_lacustres_.

Ha annos notava-se em muitos lagos da Suissa, abaixo do nivel natural
das aguas, estacarias em grupos consideraveis; o dr. Keller, de Zurich,
socio da sociedade de archeologia franceza, estudou com attenção esses
vestigios, que por grandissima diminuição das aguas ficaram visiveis; e
declarou depois, que os primeiros habitantes da Suissa estabeleciam por
vezes as suas casas em cima da agua, como praticavam algumas tribus da
antiguidade, e até como fazem ainda alguns povos modernos. Tal
descobrimento causou sensação entre os antiquarios; muitos observadores
se dedicaram depois com grande solicitude a explorar o fundo dos lagos,
nos logares das cidades lacustres indicadas pela presença da estacaria.
Estas investigações foram proficuas. Poderam-se tirar, servindo-se de
dragas, grande numero de fragmentos de objectos de barro, e outros
utensilios, os quaes, comparados com os que foram encontrados nos
tumulos, reconheceu-se pertencerem tambem a identica civilisação.

Varias outras estancias lacustres foram depois descobertas na Suissa;
contaram-se até 32 no lago de Constance; 46 no de Neufchâtel; além das
que se viram nos de Genebra, de Inkwill, de Pffikon, de Luissel etc.,
etc. Ainda que nem todas pertençam á idade de bronze ou de pedra, e que
muitas pareçam ser do tempo da idade de _ferro_, e do periodo romano,
todavia o maior numero é das idades de pedra e de bronze.

Os museus de Lausanna, de Genebra, de Neufchâtel e outros, tem
collecções completas dos objectos chamados _lacustraes_, por causa de
terem sido conservados por séculos debaixo das aguas.

Os habitantes das cidades lacustraes achavam sem duvida recursos
alimentícios na pesca, mas estabeleceram as suas habitações sobre a agua
para se collocarem ao abrigo dos ataques das feras, ou dos roubos das
tribus visinhas. Era facil separar inteiramente essas povoações fluviaes
levantando para isso as pontes, que lhes serviam para communicarem com
as margens.

Segundo o estudo das ossadas dos animaes recolhidos pela draga, e de
diversos fragmentos, conheceu-se que então já havia seis especies de
animaes domesticados que deviam servir para o alimento dos habitantes; e
entre essas, encontraram-se restos de veados, bois, de duas formas,
porcos, cães, cabras e cavallos, notando-se porém que havia poucos
vestigios do cavallo e da cabra.


*Cavernas*

As excavações dirigidas por varios geologos em diversas localidades,
deram em resultado encontrar-se nas cavernas consideravel numero de
objectos devidos á industria das raças primitivas, incluindo as da época
do diluvio, assim como os machados de pederneira, toscamente fabricados,
e outros instrumentos de silex e osso, e em parte envolvidos com ossadas
de animaes giganteos, que já hoje não se encontram.

Os objectos de silex e osso, pela maior parte, parece pertencerem á
idade de pedra, e provirem das epocas mais remotas da humanidade. Mas
deve notar-se que sempre apparecem misturados com esses utensilios do
homem, restos de animaes, que se não encontram hoje, e que pertencem á
formação do terreno _quaternario_, considerado até então como anterior
ao apparecimento do homem.

O descobrimento de uma queixada humana no saibro do Moulin-Quignon,
proximo de Abbeville, na França, veio estratigraphicamente confirmar
taes conjecturas e indicações. Embora isto seja do dominio da geologia e
da paleontologia, os factos novamente averiguados são de summo
interesse, pois que comprehendem a idéa de indeterminada e espantosa
antiguidade em que o homem vivia no estado quasi selvagem: não é
difficil acreditar que assim acontecesse, quando pensarmos na situação
actual dos povos de Africa central, dos naturaes da America, quando foi
descoberta, e dos habitantes das ilhas da Oceania. O homem que vive
isolado, sem communicação com os povos mais adiantados que elle, poderá
ficar muito tempo no mesmo grau de civilisação; como aconteceu em o
nosso continente antigo, em quanto os romanos levavam o luxo até o
extremo, havia então em o Norte, onde já chegam hoje os caminhos de
ferro, povos semi-selvagens que não tinham participado em cousa alguma
dos progressos do povo rei; e comtudo deviam depois repartir entre si os
seus despojos e gosar da sua civilisação.

Podemos, portanto, admittir que houve por longos annos na Europa, nas
margens dos rios, uma raça de caçadores e pescadores, e que nos bosques
existiam o _mammouth_, _o rhinoceronte_, animaes que podiam resistir á
baixa temperatura que n'essa época era propria em nossa região.
Julga-se, com fundamento, que tal raça de homens vivia como succede hoje
entre alguns esquimaus, e como os laponios viveram seculos antes.
Acrescentaremos que a flora fossil parece mostrar que as modificações
occorridas na forma por effeito das mudanças climatericas, tiveram os
seus equivalentes no mundo vegetal antigo.

Os principaes monumentos dos tempos prehistoricos são, conjuntamente com
os tumulos, dos quaes já tratamos:

Os _peulvans_ ou pedras cravadas na terra;

Os monumentos compostos com pedras similhantes, taes como os
_alinhamentos_;

Os circulos formados de pedras, e os recintos simplesmente de terra.

As pedras oscillantes são pedras de extraordinario peso sobrepostas a
outras e collocadas em equilibrio, mas que ao menor impulso se fazem
mover: existem algumas em França, porém na Inglaterra o maior numero. No
Alemtejo, proximo de Alter do Chão, ha uma d'esta qualidade.


*Pedras erguidas*

[Figura 8: Pedras Erguidas]

As pedras erguidas[2] que se designam egualmente com os nomes de
_Menhirs_, _Peulvans_, _Pedras cravadas_, etc., são pedras toscas de
forma esguia ou conica implantadas verticalmente na terra, como se
collocam os marcos. A sua altura varia desde 2 a 6 metros, ou mais; ás
vezes estão cravadas de maneira que a extremidade menos grossa fica para
baixo, e a mais volumosa para cima, como se estivessem sustentadas n'um
pião. Outras estão simplesmente postas no solo, em logar de serem
cravadas na terra, porém, é preciso não confundir estas pedras com
vários pedregulhos _erraticos_, ou que se encontram em posição vertical
e podem estar assim naturalmente collocados.

[Figura 9: Alinhamentos de pedra era Ardeven]

_Alinhamentos_.--Os alinhamentos são formados de pedras esguias. As
pedras, alinhadas com mais ou menos regularidade, mais ou menos
intervallos entre si, formam algumas vezes uma única fileira. Umas
tambem se encontram postas em duas, tres, quatro ou maior numero,
conservando-se em linhas parallelas. Estas especies de avenidas
pedregosas são delineadas commummente na direcção de Leste a Oeste, ou
do Norte a Sul.

Outras vezes as pedras são substituidas por trincheiras ou fossos de
terra. Tem-se encontrado em algumas partes, posto que raramente,
terrados parallelos na direcção de Leste a Oeste, e do Norte a Sul, que
apresentam, em quanto á disposição, muita analogia com os alinhamentos
de pedras e parece terem tido o mesmo destino.

Os alinhamentos de pedras mais notaveis e mais vastos que se conhecem em
França, são os de _Karnac_, de _Ardeven_, e de _Penmarch_. Compõem-se de
mais de 1:200 pedras toscas em 11 filas parallelas com 763 toezas de
comprimento, e 47 de largura. As mais elevadas tem 18 a 20 pés, e as
mais pequenas 4 a 5. Ha entre ellas algumas de volume tão extraordinario
que lhes avaliam o pezo em 70 a 80 milheiros.

Os alinhamentos de _Ardeven_ estão dispostos regularmente em filas
parallelas, tambem na direcção do Norte para o Sul, e no espaço de 3
kilometros de extensão.


*Circulos*

Outra combinação de pedras erguidas toma a forma de circulos, que têem
sido designados pelo nome de _cromlecks_.[3]

[Figura 10: Circulo de pedras]

Os maiores d'estes circulos existem em Inglaterra; um d'elles, o vasto
circulo de Avebury, em Wiltshire, está totalmente destruido; porém ainda
houve quem o visse quasi completo por 1713; compunha-se de 660 pedras, e
achava-se situado no meio de uma planicie, ficando-lhe o terreno em
declive de todos os lados, como pode vêr-se na gravura junta.

[Figura 11: Restauração do monumento d'Avebury.]

O circulo exterior era formado de 100 pedras de 15 a 16 pés de altura,
collocadas a 27 pés umas das outras; tinha perto de 1:300 pés de
diametro, e via-se cercado de profundo fôsso, contornado exteriormente
por larga trincheira de terra.

Este grande circulo continha dois circulos mais pequenos, compostos cada
um de dois renques concentricos de _peulvans_, do qual um tinha 30
pedras, apresentando um diametro de 466 pés; e o outro 12 pedras, com o
diâmetro de 186 pés.

O monumento de Stone-Henge[4] está situado a 6 milhas de Salisbury, em
uma eminencia, na proximidade da qual se encontram muitos _tumulos_; é
composto de 4 circulos concentricos, dos quaes os dois maiores são
circulares, em quanto os outros dois mostram a forma um tanto elliptica.

[Figura 12: Vista de Stone-Henge, proximo de Salisbury]

O circulo exterior tinha quasi 97 pés de diâmetro; e compunha-se
primitivamente de 30 pedras erguidas com altura de 10 a 12 pés,
collocadas a 1 metro de distancia umas das outras; estas 30 pedras
sustentavam egual numero de impostas ou pedras collocadas
horizontalmente que se ligavam nas extremidades e formavam d'este modo
uma especie de balustrada tosca.

O segundo circulo ficava a 9 pés do precedente, era formado de 29 pedras
esguias sem impostas, e por metade da grandeza das do circulo exterior:
apenas 19 estavam erguidas haverá 38 annos.

O terceiro circulo, a 13 pés do precedente, apresentava uma illipse
tendo o pequeno eixo 52 pés, e o maior quasi 55; formado por
_trilithos_[5] de grande dimensão, o mais elevado, dos quaes tinha 22
pés de altura.

Finalmente, o circulo central tambem um pouco elliptico, compunha-se de
20 _peulvans_ com a altura de quasi 6 pés.

[Figura 13: Disposição dos renques de pedras em Stone-Henge]

Na extremidade oriental do oval, dentro do ultimo circulo, havia uma
pedra medindo 16 pés de comprimento e 4 de largura, posta em plano na
terra, e que se suppõe serviria de altar.

As pedras esguias que compunham estes quatro circulos eram quasi todas
mais largas na base que no vertice; tinham sido cravadas em cavidades
abertas em rocha de natureza graphite, e havia o cuidado de as
consolidarem calcando-as com fragmentos de pederneira em volta das
cavidades.

Um largo fôsso de 30 pés, collocado entre duas trincheiras, formava o
quinto recinto circular á roda das pedras do circulo exterior.

A Dinamarca, a Noruega e a Suecia, conteem certo numero de _cromlecks_,
quasi todos circulares ou ellipticos, apresentando geralmente uma pedra
no centro, que se suppõe ter servido de altar.[6]

Acredita-se que estes monumentos nem sempre foram usados nas ceremonias
religiosas.[7] Na infancia dos povos, os logares consagrados ao culto
deviam servir tambem para tribunal de justiça, assim como para ponto de
reunião dos conselhos patriarchaes ou de notaveis, que tratavam dos
interesses da nação, das eleições, das inaugurações, etc.

Em o Norte, os nobres reuniam-se antigamente dentro de recintos
circulares formados de pedras, para elegerem os seus principes, até a
promulgação da Bulla de Ouro pelo imperador Carlos IV, em 1356. O
circulo de pedras, no qual Eric foi proclamado rei da Suecia, existe
ainda proximo de Upsal; uma grande pedra toma o centro, como em outros
recintos d'aquelle paiz. Outrotanto se praticava na Irlanda e na
Escossia.

Taes são os principaes monumentos de pedra dos tempos prehistoricos.
Accrescentemos que o vulgo lhes attribue origens fabulosas, como obra de
um ente colossal chamado _Gargantua_; que a tradicção os tem indicado
como encerrando preciosos thesouros; abrigos de fadas, de almas do outro
mundo, e dos espiritos que as acompanham!


*Recintos formados com terra*

Estes recintos consistem em um _vallum_ de terra, ás vezes misturada de
seixos, circumdando extensões mais ou menos consideraveis e cujas formas
são mui variadas. Poder-se-hia attribuir essa especie de claustros á
outra época do que a que corresponde aos tempos prehistoricos, se não
houvesse tumulos encerrados no _vallum_, ou levantados proximo d'elles,
o que faz suppôr que serão contemporaneos.


*Architectura dos tempos prehistoricos*

Pouco sabemos acerca de qual seria a architectura anterior ao dominio
dos romanos. Presume-se porém que nas primitivas construcções
empregariam a madeira e o barro.

As habitações eram circulares, construidas com madeiras e vimes
enlaçados.

No interior faziam as divisões com terra; o telhado formavam-n'o de
ripas de carvalho ligadas com massa de argila e palha cortada, conforme
os vestigios encontrados na Gallia, na Bretanha, na Germania, em
Hespanha e Portugal.

De investigações feitas em França e na Inglaterra, conheceu-se que
muitas habitações dos celtas tinham antes a forma oval do que redonda, e
algumas vezes rectangular; mostravam alicerces de pedra secca, e muitas
eram construidas em nivel inferior ao solo que as circumdavam, quer
fosse para se resguardarem dos rigores do clima, ou quer para não darem
ás paredes altura consideravel.

Estas casas estavam em relação com a simplicidade dos costumes; deviam
ter um só andar, e apresentavam uma só abertura, que servia de porta e
janella.

Em todas a forma era egual, mas as dimensões divergiam. O numero e a
grandeza das casas deviam corresponder á cathegoria e opulencia dos
possuidores.

Os gaulezes abastados tinham sempre junto de si séquito para o qual
necessitavam de grandes habitações. Escolhiam portanto o terreno para
ellas nos bosques e perto dos rios, ou em eminencias, afim de servirem
egualmente de fortalezas para a propria defensa.


*Utensilios e instrumentos diversos*

Em época, que não podemos determinar, os nossos antepassados souberam,
que o estanho combinado com o cobre produzia uma liga mais rija e mais
pesada que estes dois metaes separados; as analyses que o celebre
mineralogista Clarke repetidas vezes fez em Inglaterra, e aquellas que
se fizeram em França, demonstraram que sobre 100 partes quasi todos os
bronzes antigos contem 12 de estanho e 88 de cobre; porém que esta
proporção não é constante, e que a quantidade de estanho ou de chumbo
combinada com o cobre, varia ás vezes desde 4 até 15 por 100.

Mr. Clarke verificou que os antigos bronzes descobertos na Grecia, no
Egypto e em algumas partes da Asia,[8] continham a mesma quantidade de
estanho (88 e 12): sendo esta a proporção necessaria para se obter o
_maximum_ de densidade resultante d'estes dois metaes.

Os machados de bronze, que tem sido encontrados em grandissimo numero em
toda a parte e que se vêem em quasi todas as collecções,[9] apresentam
entre si differenças notaveis; os typos que damos são os mais
conhecidos. Estes machados teem um olhal nos lados, e existem de
diversos tamanhos; as faces lateraes são de feitio de uma folha
lanceolada sobre o comprido, na qual se vê o vestigio da juncção das
duas peças do molde em que o instrumento foi vasado.

Em Portugal descobriu-se um muito singular, não só por suas grandes
dimensões, mas por ter _dois olhaes_, o que o torna raro no seu genero.

[Figura 14a]

[Figura 14b]

[Figura 14c]

[Figura 14d]

Estes machados deviam encavar-se de duas maneiras: n'uns, o cabo entrava
de espiga n'uma cavidade central _a_, _b_; n'outros, dar-se-lhe-hia a
forma de palmeta para entrar nos dois lados do instrumento no logar
preparado _c_; algumas vezes as bordas delgadas e salientes que formavam
a parte ôcca ficavam reviradas sobre si, por modo a formar uma especie
de calha _d_, apropriada para conservar a parte encavada.


*Moldes para machados*

Os machados de bronze foram sem duvida fundidos em moldes compostos de
duas peças symetricas, pouco mais ou menos como os que ainda hoje são
empregados na fundição das colheres de estanho.

[Figura 15: Molde aberto]

[Figura 16: Molde fechado]

É provavel que alguns d'estes moldes fossem de terra ou de pedra; porém
o maior numero dos que se conservam nos museus são de bronze, fundidos
egualmente como os machados.

O primeiro molde para machados celticos que chamou a attenção dos sabios
foi descoberto na Inglaterra em 1779. Encontraram-se depois em muitas
partes da França, principalmente na Normandia.

Estes moldes compôem-se de duas peças ôccas, que se podem juntar e unir
sem se desconcertar, por meio de uma parte saliente chamada _macho_ que
está na virola do molde de uma das peças, e se encaixa na fenda
praticada na virola da outra peça.

_Espadas de bronze_.--As espadas de bronze compõem-se de lamina e cabo
(punho). São de folhas direitas, chatas, mas reforçadas no centro da
lamina, e ás vezes ainda com bojo no espaço comprehendido nos dois
terços da folha. Cortam dos dois lados e tem ponta aguda.

A largura de lamina quasi sempre é de pollegada e meia ou duas
pollegadas na parte mais larga, sendo a sua maior grossura de um quarto
de pollegada.

No punho ainda algumas tem os pregos de bronze que haviam servido para
segurar a guarnição.

As espadas eram tambem fundidas, e o metal identico ao empregado nos
machados.

[Figura 17]

_Punhaes de bronze_.--Estas armas parecem-se com as espadas, exceptuando
a lamina que é mais curta. O comprimento de alguns é de 10 a 14
pollegadas, e a largura da folha de 2 a 21/2 pollegadas na base.

_Pontas de lança_.--Juntamente com as armas que descrevemos,
encontram-se de vez em quando pontas de lanças e objectos que foram
considerados como especies de virolas ou ferragens para guarnecer a
parte inferior da hastea.

_Rodeias ou collares (torques)_.--Affirmam alguns historiadores que os
gaulezes traziam collares ou _torques_, como tambem braceletes e argolas
nos braços.

[Figura 18]

O collar era egualmente usado pelos gregos e romanos, e outros povos;
talvez não haja outro ornamento de uso mais antigo, nem mais geral.

Deve-se distinguir entre os _torques_; em primeiro logar, os que são
formados de muitas peças encadeadas e enfiadas em especie de rosarios de
perolas grossas de ambar, de azeviche, de vidro colorido, etc., como se
encontraram dentro de alguns _tumulos_; e depois as cadeias, cujos elos
são de ouro ou bronze. Em segundo logar, os _torques_, compostos de uma
unica peça de metal (ouro, bronze, etc.) arqueada de maneira a formar
circulo do diametro mais ou menos consideravel, e muitas vezes com
lavores. Em muitos _torques_ as duas extremidades da peça metalica não
estão soldadas, porém o metal offerece bastante flexibilidade para
facilitar mettel-as nos punhos, podendo-se unir ou abrir,
independentemente do fecho; outros _torques_ não apresentam nenhuma
d'estas formas.

[Figura 19]

Appareceram tambem chapas de ouro bastante delgadas com feitio de
meias-luas, porém cujas pontas estavam arqueadas de modo a formarem
circulo quasi perfeito. Vêem-se, aos lados e nas extremidades de algumas
d'estas peças, festões e molduras.

[Figura 20]

O pequeno intervallo que separa as duas pontas do crescente não nos faz
suppôr que este enfeite servisse para se trazer em volta do collo;
provavelmente ficava suspenso por uma corrente.

Alguns instrumentos achados por varias vezes nos sepulchros, ou junto
dos dolmens, em França e mais frequentemente na Irlanda, consistiam em
hastea de ouro arqueada tendo nas duas extremidades um disco, em alguns
chato, em outros levemente concavo.

[Figura 21]

Ignora-se absolutamente para que uso seriam destinados.

Finalmente, o objecto seguinte, uma especie de _gargantilha_ formada de
uma folha de ouro mui delgada, foi achado em França em diversas
localidades.

[Figura 22: Collar de ouro descoberto em França]

As _moedas_ chamadas _celticas_ são provavelmente em parte
contemporaneas dos ornamentos ou enfeites que descrevemos acima.


*Objectos de barro*

São tanto mais difficeis de se distinguirem os _objectos de barro
celticos_, com excepção dos que se tem encontrado nos _tumulos_, quanto
em algumas partes estão muitas vezes misturados com outros similhantes
aos do tempo dos romanos; visto que os mesmos sitios foram habitados
antes e depois da conquista de Cezar na Peninsula.

[Figura 23]

Os objectos de barro descobertos nos _tumulos_, são formados de terra
preta, mal preparada e com pequenos seixos, o que produziu massa pouco
solida. Os seus fragmentos são frageis, e não foram cozidos
sufficientemente; a parte quebrada não mostra arestas vivas, mas sempre
cheias de cavidades. As superficies d'essas peças, tanto na parte
interna, como na externa, tem côr quasi egual á do ferro ferrugento;
porém na parte interna é de negro carregado. Expostas á acção do lume
tomam exteriormente a côr avermelhada do tijolo; em quanto no interior
ficam negras, e mais frageis depois d'esta operação.

[Figura 24: Vasos achados nos tumulos de Inglaterra, Hollanda e outros
paizes]

Esses vasos não parece terem sido feitos com auxilio do torno, e não
apresentam nenhum moldado ou borda; foram unicamente alisados na parte
exterior com um objecto qualquer, que lhes deu lustro irregularmente, de
maneira que mostram na superficie altos e baixos, mais ou menos lisos,
conforme vai indicado na gravura junta.

Os que foram encontrados nas cidades _lacustras_, mostram inteira
similhança e caracter no fabrico. A massa não está solidamente ligada,
por ter algumas partes de pederneira; a côr é preta ou cinzento escuro.
Esta massa tem pouca consistencia; quando está secca quebra-se
facilmente, e pode-se desfazer entre os dedos; se a molharmos,
dar-nos-ha a apparencia de bocados de cortiça velha que estivesse por
muito tempo exposta á chuva. As suas formas indicam a infancia da arte,
excepto os fragmentos onde se descobre o uso do torno; os demais
pertenceram a objectos que parece foram vasados em moldes e polidos á
mão, ou lavrados com algum instrumento. Reconhece-se na superficie
exterior de alguns fragmentos o trabalho de uma especie de plaina. Os
ornamentos compôem-se de filetes imperfeitos, e em pequenos riscos junto
á borda do orificio.

[Figura 25: Outros vasos achados nos tumulos]

Entre os objectos de arte que enumeramos, só vemos os instrumentos cuja
materia unicamente podia resistir á acção do tempo; os moveis de madeira
que teriam as habitações gaulezas não conseguiram chegar até os nossos
dias. Os lagos de certo conservaram-nos muitos objectos, e até pedaços
de tecidos que recentemente nos esclareceram alguns pontos relativos á
industria d'esses povos, antes da occupação do territorio da Gallia
pelos romanos, porém são ainda dados incompletos para se formar cabal
idéa do estado da industria.

Terminamos este rapido esboço, apresentando o quadro synoptico das
antiguidades que servem de assumpto ao primeiro capitulo.


        *MAPPA SYNOPTICO DAS ANTIGUIDADES PREHISTORICAS*

+-----------------------------------+---------------------------------------+
|                                   |                                       |
|         *Nomes especificos*       |             *Caracteres*              |
|                                   |                                       |
|                                   |                                       |
|          {conicos                 |Outeirinhos artificiaes de forma, e    |
|_Tumulos_ {                        |de dimensões differentes, compostos de |
|          {ovaes                   |pedra e de terra, com _dolmens_ no     |
|                                   |centro.                                |
|                                   |                                       |
|         {erguidas                 |De forma esguia. Firmadas verticalmente|
|         {                         |na terra como se fossem marcos.        |
|_Pedras_ {                         |                                       |
|         {assentes                 |De forma indeterminada. Simplesmente   |
|         {                         |collocadas sobre o solo sem estarem    |
|                                   |cravadas no chão.                      |
|                                   |                                       |
|_Trilithos_                        |Duas  pedras verticaes sustendo outra  |
|                                   |horisontalmente.                       |
|          {                        |                                       |
|          {simples                 |Uma mesa de pedra collocada sobre      |
|          {                        |pedras postas de cutello, em numero    |
|          {                        |de 3, 4 ou 6.                          |
|_Dolmens_ {                        |                                       |
|          {compostos               |Grande mesa de pedra composta de       |
|          {                        |muitos pedaços, sendo, pelo menos, 6 o |
|          {                        |numero dos pontos de apoio.            |
|                                   |                                       |
|                                   |_Nota_. Os mais collossaes d'estes     |
|                                   |dolmens formam galeria ficando abertos |
|                                   |n'uma das extremidades; costumam ser   |
|                                   |designados de _avenidas cobertas_.     |
|                                   |                                       |
|               {simples            |Um ou dois renques de pedras em linha  |
|               {                   |recta.                                 |
|_Alinhamentos_ {                   |                                       |
|               {compostos          |Quatro, cinco e algumas vezes até onze |
|               {                   |ou doze renques de pedras formando     |
|               {                   |avenidas parallelas.                   |
|                                   |                                       |
|_Pedras postas em grupo_           |Accumulação de pedras, sem ordem,      |
|                                   |mais ou menos consideravel.            |
|                                   |                                       |
|                   {simples        |Composto d'um só renque de pedras      |
|_Circulos formados {               |cravadas ou assentes.                  |
|com pedras_        {compostos      |                                       |
|                   {               |Formados de muitos renques de pedras.  |
|                                   |                                       |
|_Recintos cercados de terra, ou de |De diversas formas.                    |
|pedras_.                           |                                       |
|                                   |                                       |
|    H {                            |                                       |
|    A { Vestigios de casas         |Logar de cabanas redondas, ovaes,      |
|L   B {                            |algumas vezes rectangulares, indicadas |
|O   I {                            |por alicerces de pedra tosca sem       |
|G D T {                            |argamassa ou tão sómente pelo          |
|A E A {                            |abaixamento do solo.                   |
|R   Ç {                            |                                       |
|E   Õ { Subterraneas               |Galerias e casas cortadas na rocha.    |
|S   E {                            |Excavações diversas.                   |
|    S {                            |                                       |
|                                   |                                       |
|      {   { Punhaes e facas        |Um pedaço de silex cortado de maneira  |
|      {   {                        |a apresentar uma folha aguda, com dois |
|      {   {                        |gumes, e armado d'um cabo.             |
|      {   {                        |Folha de silex sem cabo.               |
|      {   {                        |                                       |
|      {   {          { para frechas|Pequenos dardos, dos quaes o           |
|      {   {          {             |comprimento varia desde meia pollegada |
|      { E { _Pontas_ {             |até duas                               |
|      {   {          {             |                                       |
|    I { M {          {para rojões  |Dardos quasi similhantes aos           |
|    N {   {          {             |precedentes, porem mais sobre o        |
|    S {   {          {             |comprido.                              |
|    T {   {                        |                                       |
|    R { P { Martellos              |Peça quer redonda dos dois lados, quer |
|    U { E {                        |d'um lado sómente.                     |
|    M { D {                        |                                       |
|    E { R { Pedras para fundas     |Redondas ou ovoides, de 2 a 3 polegadas|
|    N { A {                        |de diametro.                           |
|    T {   {                        |                                       |
|    O {   { Machados               |Convexos para o centro, cortados em    |
|    S {   {                        |aresta viva nos bordos, acabando de um |
|      {   {                        |lado em ponta romba, e de outro em     |
|      {   {                        |gume, o qual descreve uma porção de    |
|      {   {                        |ellipse.                               |
|    D {                            |                                       |
|    I {   { Machados               |De formas diversas similhando-se mais  |
|    V {   {                        |ou menos a uma cunha.                  |
|    E {   {                        |                                       |
|    R { E { Fôrmas para machados   |São duas peças symetricas, que depois  |
|    S { M {                        |de reunidas a parte ôcca mostra o      |
|    O {   {                        |feitio do machado.                     |
|    S {   {                        |                                       |
|      { B { Espadas                |Folhas direitas, chatas, de dois gumes,|
|      { R {                        |acabando em ponta.                     |
|      { O {                        |                                       |
|      { N { Punhaes                |Quasi similhante ás espadas na forma,  |
|      { Z {                        |porém com menor comprimento.           |
|      { E {                        |                                       |
|      {   { Cabeças de rojões      |De forma lanceolada tendo um           |
|      {   {                        |engrossamento no meio.                 |
|                                   |                                       |
|         { compostas de peças      |Correntes metallicas.--Perolas de pedra|
|         {                         |de côr-alambre, formando rosario.      |
|_Torques_{                         |                                       |
|         { de uma só peça          |Argolas metallicas mais ou menos       |
|         {                         |grossas muitas vezes com               |
|         {                         |lavrados.--Chapas do feitio de meia    |
|         {                         |lua.                                   |
|                                   |                                       |
|Ornamentos diversos                |Em bronze e em ouro, com lavrados.     |
|                                   |                                       |
|Louça de barro                     |Muito fragil, mal cozida, composta de  |
|                                   |terra preta mal preparada e cheia de   |
|                                   |pequeninos seixos.                     |
|                                   |                                       |
|Moedas                             |Em ouro, em prata e em bronze.         |
+-----------------------------------+---------------------------------------+



CAPITULO II

*Era gallo-romana*


Entreapparece-nos um dos mais amplos horisontes da historia dos povos
occidentaes na conquista do imperador romano Cesar. Nos _Commentarios_
d'este grande general temos perfeita idéa do estado da Gallia na época
da conquista; conhecem-se tanto os grandes factos que consumou, quanto
se inferem as consequencias que d'elles advieram á civilisação.

Cesar encontrou a Gallia dividida em tres nações principaes: os Belgas,
os Celtas e os Aquitanios.

O imperador Augusto, que pretendeu organisar o governo regular nos
paizes conquistados, formou tres novas provincias d'essas tres regiões.

Segundo esta divisão, foram desannexados e encorporados na Aquitania 14
povos da Celtica; além de dois que passaram do Norte para a Belgica.
Assim ficou modificado o territorio dos primitivos povos d'esta parte da
Europa.


*Vias de communicação*

Começaremos a nossa revista dos monumentos da grande época romana,
descrevendo as vias publicas ou as grandes estradas; tanto mais que
foram as primeiras obras que o povo rei executou e de que nos deixou
vestigios.

As cidades e as estancias eram accessiveis por meio de estradas solidas,
ou calçadas. Nos intervallos que separavam estes estabelecimentos uns
dos outros, é que principalmente se encontravam vestigios das vias
romanas. Seguiam em geral linhas rectas, excepto quando obstaculos
naturaes, como as montanhas, os barrancos profundos, as lagôas, se
oppunham a isso, e prolongavam-se tanto quanto possivel nas planicies,
afim de evitar os terrenos pantanosos.

Além das estradas principaes, que communicavam uma cidade com outra,
havia os caminhos vicinaes, _viae vicinales_, que conduziam ás aldeias,
e estabeleciam relações entre estas e as cidades. Não eram alinhados
como as primeiras, nem feitos com egual esmero.

Nas estradas mais bem executadas, a primeira camada, ou a mais funda,
compunha-se de pedras collocadas em raso, ás vezes assentes com
argamassa, mas em geral postas simplesmente umas sobre as outras: era o
que chamavam _statumen_. Em algumas vias, as pedras do _statumen_ eram
postas de cutello e com inclinação, como explicaremos quando fallarmos
das paredes construidas em espinha de peixe.

A largura ordinaria das vias romanas era de 15 a 20 pés. As bordas das
partes alteadas não se conservam em muitas localidades; arruinaram-se
por modo que não apresentam hoje sufficiente largura para um carro poder
passar; e em certos pontos aproximam-se mais de um fôsso, que de uma
estrada.

Os caminhos romanos atravessavam os rios sobre pontes, e vaus calçados.
Em grande numero de localidades, encontram-se os alicerces das pontes,
ou dos vaus, debaixo da agua, seguindo a directriz das antigas vias. Em
certos casos o trilho era estabelecido sobre travessas de madeira.

_Columnas itinerarias_.--Os caminhos romanos eram divididos por marcos
situados em espaços regulares, e com inscripções que indicavam o numero
de leguas ou de milhas, comprehendido entre as diversas povoações.

As capitaes serviam de ponto central para marcar as distancias em todo o
territorio.

_Os marcos milliares_ tinham 5 a 6 pés de altura; eram de fórma
cylindrica; chamavam-se milliares, _milliaria_, ou simplesmente
_lapidas_.

D'aqui provem as phrases tão frequentes nos auctores antigos, _ad
primum_, _secundum_, _tertium lapidem_, a primeira, a segunda e a
terceira pedra, ou só _ad primum_, _secundum_, _tertium_, etc. ficando
subentendido _lapidem_ ou _milliarium_.

A segunda camada, chamada _ruderatio_, era formada de pedras britadas de
dimensão menor que as anteriores.

A terceira camada, _nucleus_, compunha-se, ora de cal misturada com
fragmentos de telha pisados, ora de areia misturada com argila.

[Figura 26: Columna milliar que existe em França]

Seixos inteiros, apertados uns contra os outros, ou postos simplesmente
em leito de areia grossa, _glarea_, formavam a quarta e ultima camada,
chamada _summa crusta_.

Era excepcionalmente nas cidades, aldeias ou nos paizes pantanosos, que
formavam a _summa crusta_ com calçada de pedras cubicas ou polygonaes
irregulares.

Em geral, serviam-se para estes trabalhos dos materiaes que encontravam
na localidade, ou a pequena distancia; sómente os mandavam buscar mais
longe quando eram de má qualidade no terreno das obras.

Em muitas partes, as vias antigas foram alteadas do solo, e um _agger_
servia de base á calçada. Estes _caminhos alteados_ conservam ainda o
seu nivel superior em espaços muito extensos, e são faceis de
reconhecer.

As estradas antigas eram tambem cavadas, como se as preparassem para o
leito de um rio. As excavações em algumas partes podiam ser consequencia
do uso prolongado de viandantes e vechiculos; porém, em outras, foi
visivelmente praticado com o fim de tornar mais suaves as subidas muito
ingremes.

[Figura 27: Torre de Pirelonge]

O uso das columnas milliares data do anno 183 antes da era christã. Foi
determinado em lei proposta por C.S. Graccho, e depois ampliada ás
provincias do imperio.

As inscripções collocadas n'estas columnas foram primitivamente
laconicas; indicavam apenas o numero de milhas comprehendidas de uma a
outra localidade. Augusto foi o primeiro que mandou gravar os seus nomes
e qualificações nos marcos levantados por sua ordem, e os successores
seguiram-lhe o exemplo.

_Pyramides_.--As vias romanas não eram sómente guarnecidas pelas
columnas itinerarias; aos seus lados viam-se tambem torres massiças, ou
pyramides, ora circulares, ora quadradas.[10]

Consideravam-se essas pyramides como tumulos; mas a maior parte parecia
terem sido levantadas para ornar os caminhos, ou antes dedicadas a
Mercurio, como deus protector das estradas, das artes, e do commercio.
Em algumas d'ellas abriam especies de nichos que deviam receber a
estatua de Deus.

Formavam-se taes construcções de bases quadradas de alvenaria, que
sustentavam uma serie de grandes pedras de cantaria; o remate
apresentava a configuração conica, tendo a superficie coberta de
entalhos sobrepostos, representando folhas de arvores em camadas. A
torre de Pirelonge, em França, de 74 pés de altura, é um especimen
d'este genero.

_Mansão_.--Encontravam-se nas estradas mansões, ou pousadas, mais
especialmente destinadas para o serviço dos correios, e para os que
viajavam com auctorisação do imperador. Eram administradas por uns
funccionarios chamados _mancipes_, cathegoria pouco mais ou menos egual
á dos nossos directores do correio. Os logares das mudas de menor
importancia e situadas com pequenos intervallos, chamavam-se _mutações_.
Denominavam-se emfim _diversoria_ as casas construidas ao longo das
estradas, quer pertencessem a proprietarios que hospedavam ahi os seus
amigos, quer recebessem viajantes como os nossos hospedeiros.

As principaes estradas romanas tinham a classificação de _publicas_ ou
_militares_, _consulares_ ou _pretorianas_, e os caminhos menos
frequentados designavam-se com os nomes de _particulares_, _agrarios_ ou
_vicinaes_.


*Architectura*

Os romanos imitavam na sua architectura os Etruscos e os Gregos, porém
foram menos cuidadosos na pureza das formas, do que no aspecto
grandioso; e preferiram á formosura monumental o effeito da apparencia e
da utilidade; portanto, procuravam sempre adpotar um systema que lhes
desse logar a utilisar nas obras publicas o trabalho dos soldados, e
dos escravos, dirigidos sómente por limitado numero de architectos ou
engenheiros. Comprehendiam que era poderoso meio de dominação dotar o
paiz vencido com os monumentos que não possuissem, introduzir em toda a
parte a civilisação, transmittindo aos subordinados as vantagens, as
instituições e os estabelecimentos uteis, dos quaes estavam até então
privados.

[Figura 28: Pequeno aparelho, e de espinha como está construido o
monumento romano de Theséo]

Em logar, pois, de empregar, como os Gregos, materiaes de extraordinaria
dimensão, e por consequencia difficies de se ajustarem, preferiam, salvo
em casos excepcionaes, pôr em obra materiaes de pequena dimensão,
alvenaria, tijolos reunidos entre si por abundante argamassa.

Um grande facto architectonico, como foi a adopção da abobada cylindrica
composta de peças em forma de cunhas, fez com que pudessem afastar-se do
systema da edificação grega, no qual dominavam as architraves e os
apoios verticaes. Com a abobada e as arcadas de volta perfeita, de que
os romanos tiravam tão vantajoso resultado, effectuaram-se notaveis
construcções, que não se deveram nunca ao genio dos gregos.

_Pequeno apparelho_.--As paredes de pequeno apparelho, o modo de
construir mais habitualmente empregado, tem as faces formadas de pedras
symetricas, quasi quadradas, e cuja face não tem mais de 3 a 4
pollegadas e raras vezes de 5 a 6. O centro da parede mostra um massiço
de alvenaria irregular feito com pedra miuda imbebido de cimento.

Notam-se em varias construcções, de pequeno apparelho, zonas horisontaes
e continuas de grandes tijolos, destinados a sustentar o nivel das
pedras pequenas do refôrço da alvenaria. Estas zonas compôem-se
geralmente de dois ou tres, e tambem de cinco, seis ou sete fileiras de
tijolos separados por camadas de cimento, cuja espessura é quasi egual á
dos tijolos.

Os romanos dispozeram tambem as pedras com o feitio de folhas de fetos,
ou em espinhas, como se vê na gravura da pagina anterior.

A argamassa era sempre applicada com grande espessura entre as pedras e
nenhuma das quaes estava em contacto immediato, mas de certo modo
imbebidas no cimento.

As dimensões dos tijolos variavam muito para poder indicar-se
absolutamente a mais usual; comtudo era entre 14 a 15 pollegadas de
comprimento por 8 a 10 de largura; mas havia maiores, e até alguns mui
pequenos.

_Apparelho reticular_.--Os architectos romanos empregavam egualmente a
_obra articulada_, ou alvenaria em forma de malhas, differente do
pequeno apparelho ordinario, por que as pedras do revestimento eram
cortadas com esmero, de tamanhos eguaes, e collocadas de modo que as
juntas apresentavam linhas diagonaes, simelhando uma rede. Este genero
de reforço de alvenaria empregavam-no geralmente como ornamento, pois
não se encontra applicado exclusivamente, mas quasi sempre combinado e
intercalado com o pequeno apparelho.

[Figura 29]

As paredes do grande apparelho encontram-se nos mais importantes e
grandiosos edificios, como os templos, os arcos de triumpho, os
theatros, etc.

_Argamassa e cimento_.--As argamassas dos romanos compunham-se de cal
viva e de areia, e frequentemente de tijolo pizado, em proporções
variaveis, e que seria difficil determinar. A presença do tijolo pisado
distingue-se de quasi todas as que depois foram empregadas. Todavia
encontram-se tambem argamassas romanas que não contem nenhuma parcella
de tijolo, assim como não apresenta nenhum caracter particular.

_Ordens_.--chama-se _Ordem_ a combinação de diversas partes salientes
dispostas, com proporções fixas, para compôr um conjuncto regular e
harmonico de ornamentação das fachadas dos edificios importantes.

Divide-se uma ordem de architectura em tres partes, ou membros, que são
pedestal--columna--e um entablamento. Cada membro divide-se em tres
partes d'este modo:

                                 { Base.
    Primeiro membro ou pedestal  { Soco.
                                 { Cornija.

                                 { Base.
    Segundo membro ou columna    { Fuste.
                                 { Capitel.

                                     { Architrave.
    Terceiro membro ou entablamento  { Friso.
                                     { Cornija.

Os romanos empregavam cinco ordens:

    A Toscana.
    A Dorica.
    A Jonica.
    A Corinthia.
    A Composita.

A Dorica, a Jonica e a Corinthia, eram de origem grega.

A Toscana e a Composita nasceram na Italia.

É por isso que se designam algumas vezes as tres primeiras sob a
denominação _ordens gregas_, e as duas outras sob a de _ordem latina_.

Nas ordens Toscana, Dorica, Jonica e Corinthia, a columna tem proporções
differentes; as da Corinthia e Composita são eguaes.

Eis o quadro d'estas proporções conforme o architecto Vignola, que é o
auctor mais seguido pela simplicidade das subdivisões:

    A altura da   { Toscana, de 7 vezes.   } Do diametro
    columna vem a { Dorica, de 8 idem.     } inferior, isto é
    ser para a    { Jonica, de 9 idem.     } a grossura tomada
    ordem:        { Corinthia, de 10 idem. } no fuste junto da
                  { Composita, de 10 idem. } base.

Portanto, as quatro primeiras ordens differem nas proporções; a da
quinta ordem são eguaes ás da quarta. Os pedestaes e os entablamentos
differem tambem nas quatro primeiras ordens.

Em geral, o pedestal tem o _terço_ da altura da columna, e o
entablamento a _quarta_ parte, conforme o auctor citado.

O modulo é medida convencional que serve de escala para desenhar as
ordens; é sempre a metade do diametro inferior do fuste da columna, o
qual se divide em 12 partes para as tres primeiras ordens, e em 18
partes para as duas ultimas.

            { A menos elevada e a mais simples das cinco
    Toscana { ordens.
            { Cornija sem modilhões, nem denticulos.

            { Modilhões, denticulos ou mutulos na cornija,
            { triglyphos no friso, gottas na architrave.
    Dorica  { Capitel da mesma forma que o da Toscana, porém
            { um pouco mais ornado, caneluras ou estrias
            { no fuste.

            { Capitel com volutas, cornija ornada de
    Jonica  { denticulos.
            { Architrave dividida em três platebandas ou faixas.


[Figura 30: Fachada d'um templo Dorico]

[Figura 31: Dorico]

[Figura 32: Jonico]

[Figura 33: Corinthio]

               { Capitel ornado de dois renques de folhas de
               { acantho e dezeseis volutas.--Dois renques de
    Corinthia  { denticulos e um de modilhões na cornija.--Architrave
               { dividida em tres platebandas ou faixas
               { por baguetas ornadas de molduras.

               { Capitel imitando o das Ordens Corinthia e
    Composita  { Jonica.--Cornija com denticulos.--Duas platebandas
               { ou faixas na architrave.

[Figura 34: Portico da Ordem Toscana]

As columnas não são sempre applicadas para decoração dos edificios;
substituem-se ás vezes por pilastras, que, sem ter o aspecto gracioso
das columnas, produzem não obstante um effeito agradavel á vista. As
_pilastras_ tem em geral pouca saliencia, não excedendo a mais da metade
da largura; e não se lhes diminue o diametro da parte superior do fuste,
como acontece ás columnas.

Eis a disposição de um _portico_ da ordem Toscana: quando se collocam
muitas ordens de columnas ou pilastras em um edificio, é preciso que as
Ordens mais delicadas fiquem sobrepostas ás mais solidas: portanto, não
se collocam nunca as columnas Toscanas sobre as columnas Jonicas, e se o
architecto empregar a Jonica, ou a Corinthia, seguirá a regra de
sobrepôr a segunda á primeira.

Não julguemos que a architectura antiga está representada pelas _cinco
ordens_ classificadas e regularisadas pelos insignes architectos
italianos do _Renascimento das artes_. Ficaremos muito surprehendidos
quando, examinando os restos da architectura romana existentes nas
antigas cidades, particularmente na Italia, e n'este paiz em especial
Roma, virmos que não differem, quasi em parte alguma, na _rigorosa
similhança_, as cinco celebres Ordens desenhadas e medidas por Vignola,
Palladio, Serlio, Scamozzi e outros architectos illustres. Pelo
contrario, os typos principaes da architectura antiga apresentam
infinita variedade, que augmenta nos edificios cuja data se aproxima dos
ultimos tempos do imperio, a tal ponto que vem a ser realmente mui
difficil determinar a Ordem a que pertencem taes ou taes entablamentos,
capiteis, bases, columnas, etc.

Os capiteis, principalmente, apresentam diversidade de formas e
ornamentações, que será baldada a classificação rigorosa; mostram
todavia na composição riqueza e delicadeza de cinzel, sobejamente
notaveis; observando-se pelo conhecimento dos effeitos pittorescos,
produzidos no claro-escuro, o esmero do trabalho. As partes em relevo
são conservadas com acerto e habilmente executadas.

Os architectos modernos, creando typos unicos sob a denominação de cada
uma das Ordens; desejando subordinar tudo a esses typos, privaram-se de
produzir combinações graciosas, em quanto os artistas do estylo romano,
engenhosos e fecundos, tiravam partido da liberdade de composição,
enriquecendo a architectura em que reproduziam as formas, não punham
peias á imaginação, e evitavam executar obras monotonas, pobres e sem
attractivos, como succede em muitas presentemente levantadas.

Os edificios publicos e muitas casas particulares eram durante a
dominação romana, revestidas de marmore, ou de cimento e cal; e algumas
tinham mosaicos, e aqueciam-n'as por meio dos hypocaustos.

Os _mosaicos_[11] antigos, dos quaes se tem encontrado repetidamente
fragmentos em localidades hoje inhabitaveis, compõem-se de pequeninas
peças cubicas imbebidas em especie de massa e assentes em cimento
misturado com tijolo moido.

[Figura 35]

Estas pequenas peças de diversas cores eram combinadas de maneira que
formavam differentes desenhos. Alguns mosaicos representavam combates de
animaes e outras scenas.

A mais importante descoberta feita em Portugal foi a que fizemos perto
de Leiria, em 1874, de um mosaico de cinco côres e com difficeis
combinações de linhas geometricas, pertencente a uma _villa rustica
romana_.

_Hypocaustos_.--Os hypocaustos, estabelecidos no pavimento terreo das
habitações romanas, eram empregados como os caloriferos modernos.

Para formarmos idéa exacta do hypocausto, é preciso figurarmos um
sobrado levantado quasi a 2 pés acima do solo, e sustentado sobre
pequenos pilares A de egual altura, distantes uns dos outros 1 pé, por
meio dos quaes o calor circulava e aquecia por egual o piso que cobria
esta especie de subterraneo. Os pilares dos hypocaustos eram geralmente
quadrados, compostos de tijolos de 7, e 8 ou 10 pollegadas de
comprimento, uns sobre os outros, com o intervallo de uma camada de
argamassa.

[Figura 36]

Os pilares do hypocausto recebiam grandes tijolos de 18 a 20 pollegadas
em quadrado B, formando a base do pavimento das habitações.

Em muitas localidades, os tijolos eram sobrepostos de modo que
apresentavam o cimo menos largo que a base.

O calorico não ficava concentrado no subterraneo onde estava o
hypocausto: circulava nos pontos mais elevados, e entrava egualmente em
todas as partes da atmosphera das salas, passando dor tubos quadrados de
barro cozido 4 e 5, introduzidos na grossura da parede, 3 e 3, gravura
de pag. 46 [fig. 37], um dos quaes, em posição vertical, penetrava no
hypocausto, emquanto outros, collocados horisontalmente, circumdavam os
aposentos.

O lume que aquecia o hypocausto era acêso n'um forno posto em pequenos
pateos ou vestibulos proximos do hypocausto.

_Embutidos e ornamentos_.--O marmore foi frequentemente empregado para a
decoração das paredes.

Em geral, os architectos romanos souberam tirar grande partido dos
materiaes que fornecia o paiz em que se faziam as obras.

Não era raro vêr entrar em combinação os materiaes indigenas com os
exoticos mais preciosos, taes como o porphyro, os marmores cipolino, os
ophitos, etc., etc.

O uso de pintar as paredes era tão geral que as simples construcções em
taipa e os tectos revestidos de barro tambem recebiam essa ornamentação.
A pintura era applicada sobre delgado guarnecimento de cal.

Os methodos usados pelos romanos para a pintura das paredes são-nos
imperfeitamente conhecidos. Comtudo, um d'elles consistia em applicar
com a broxa cera colorida e derretida, estendendo-se ainda quente nas
paredes.

[Figura 37: Tubos verticaes (4 e 5) para circular o calor, mettidos nas
paredes]

A cêra não era empregada só, mas misturavam-n'a com azeite para a tornar
mais liquida: todavia, a maior parte d'essas pinturas parece ter sido
assente a frio, e a sua adherencia seria produzida, talvez, por uma
especie de colla que lhe ajuntavam.

As paredes e os tectos eram tambem em algumas habitações revestidos de
mosaicos de vidro preto, azul, branco, verde escuro, etc., decorações
que se encontravam em muitas salas de banhos.

Plinio diz-nos que empregavam o vidro nos mosaicos das abobadas e das
paredes, advertindo que este uso era recente, comparativamente com o dos
mosaicos de pedra ou barro cozido. Achâmos na _villa rustica romana_,
descoberta por nós em Leiria, duas casas com mosaicos d'este ultimo
modo, e outra de argila cozida.

_Telhas e telhados_.--Os telhados das casas romanas eram formados de
telhas chatas de grande dimensão, mais compridas que largas com um
resalto sobre os dois lados: assim como havia telhas curvas similhantes
ás dos telhados modernos.[12] As primeiras adaptavam-se umas ás outras
pelas extremidades que não tinham resalto; as segundas ligavam-se entre
si no sentido da inclinação do telhado, ficando em fiadas parallelas as
telhas chatas e para cobrir as juntas e evitar a infiltração das aguas
da chuva.

Os fragmentos das telhas com resalto tem resistido quatorze seculos á
acção destruidora dos elementos, e das pancadas do arado; encontram-se
espalhados e enterrados em grande quantidade em quasi todos os logares
onde existiram construcções romanas.

Em fim, estes restos são o melhor indicio para o reconhecimento das
regiões antigamente occupadas pelos romanos.


*Pontes*

As pontes, obra de tamanha utilidade, tornam-se mui notaveis pelas suas
ousadas dimensões. Existem presentemente poucos vestigios d'ellas: o
maior numero ficou destruido, pela força das correntes, ou reconstruido
em diversas épocas e alterado na primitiva construcção. Podemos apenas
citar poucas das compostas na época romana.

Nas pontes, como em outros monumentos gallo-romanos e luso-romanos,
empregou-se o grande apparelho, e muitas vezes de alvenaria com
argamassa (_empleton_) revestido de pequenas pedras symetricas (_opus
incertum_).

[Figura 38: A ponte de S. Chamas, e as suas duas portas monumentaes]

Quando usavam os materiaes de grande dimensão, as pedras ficavam prezas
umas ás outras com os cancros de ferro ou de bronze, e algumas vezes com
malhetes de madeira de oliveira, previamente secca no forno.

Nas pontes construidas com pequeno apparelho a boa qualidade da
argamassa dava-lhes tal solidez, que os pegões que sustentavam os arcos
não soffreram depois nenhuma alteração.

Os pegões apresentavam algumas vezes, do lado da corrente, uma parte
saliente triangular, para cortar assim a força da agua; e se o rio tinha
demasiada extensão, acontecia então dividil-o em muitos braços, afim de
construir a ponte em secções. D'este modo corrigia-se a rapidez dos rios
pela divisão das aguas, e tornava-se menos difficil a construcção das
pontes. Na idade media foram imitadas.

As pontes construidas com mais esmero e regularidade eram ás vezes
verdadeiros monumentos, que serviam tambem para aformoseamento. Algumas
tinham portas monumentaes ou arcos de triumpho.

_Pontes de madeira_.--Tratámos das pontes de pedra, porque só estas
poderiam subsistir até os nossos dias; mas, durante o dominio dos
romanos, tinham elles egualmente grande numero de pontes construidas de
madeira.

Passava-se tambem os rios servindo-se de barcos de passagem, com
jangadas sustentadas em odres ou tonneis vazios, como é usado ainda hoje
em casos urgentes. Havia tambem pontes firmadas em barcos, como se vê
figurado na columna de Trajano em Roma.

_Muralhas e caes_.--Os caes ou as grandes muralhas de supporte,
construidas nas margens dos rios, vinham ligar-se ás pontes, quando
estas existiam nas cidades.


*Aqueductos*

Os aqueductos, pela sua consideravel extensão e a importancia das ruinas
que se conhecem em differentes pontos, offerecem interesse especial.

Os romanos, como todas as nações civilisadas, gastavam grande
quantidade de agua para os usos domesticos; sendo muito escrupulosos na
boa qualidade da agua, embora a fossem buscar a grandes distancias para
os centros da povoação, empregando para esse fim canaes ou aqueductos.

[Figura 39: Restauração de um aqueduto em siphão]

Os aqueductos antigos que ainda existem, como os que possue a Italia, e
os vêmos em outras partes, apresentam os canos de alvenaria feitos com
mais ou menos solidez, e mais ou menos cuidadosamente betumados.
Serviam-se geralmente das pedras de pequenas dimensões, embebidas na
argamassa. Os canos, sendo proporcionados ao volume de agua que deviam
levar, eram formados com abobada em volta perfeita, se ás vezes cobertos
com grandes lageas assentes e sobrepostas sem cimento.

Para se obter o nivel das encostas que se encontravam na juncção dos
encanamentos, faziam-n'os passar então sobre arcos mais ou menos
elevados, que reuniam os dois lados do valle; outras vezes
sobrepunham-se dois ou tres renques de arcos, com receio de que a
demasiada altura dos pilares lhes diminuisse a solidez.

Quando o valle era muito profundo, para por este meio poder firmar-se o
encanamento do aqueducto em nivel conveniente, conduziam a agua em tubos
de chumbo que subiam até o cume da collina opposta, onde a agua pudesse
seguir a sua corrente natural, conforme Vitruvio descreve mui claramente
no seu 8.^o livro de architectura.

[Figura 40: Canal subterraneo do aqueducto]

[Figura 41: Canal de aqueducto sustentado sobre arcadas]

[Figura 42: Vista geral da ponte do Gard]

Para evitar trabalhos sempre difficies e dispendiosos, faziam seguir aos
encanamentos subterrâneos, rodeios, ou sinuosidades, e por esta maneira
as aguas podiam transpôr grandes espaços sem encontrarem encostas, e sem
ficarem impedidas pelos obstáculos das montanhas.

Os aqueductos eram todavia mais communs soterrados, e só apparentes nos
valles, onde necessariamente os canos passavam sobre paredões ou
arcarias.

Os encanamentos que distribuiam as aguas nas fontes para os banhos e
para outros estabelecimentos publicos e particulares das cidades
gallo-romanas, eram feitos de chumbo ou barro. Saiam de um reservatório
commum, ou castello de agua, _castellum_, como se vê um em Évora, do
tempo de Sertorio.

A primeira gravura da pag. 51 [fig. 40], mostra o encanamento do
aqueducto de Fréjo, um dos mais extensos que subsistem, tal qual se
apresenta á vista quando se mantém subterraneo, ou collocado nas
encostas das collinas, fig. 41. Este exemplo explica todo o systema
empregado pelos engenheiros romanos.

Os aqueductos seguem a construcção egual das obras de arte executadas
nos caminhos de ferro, transpôem como ellas os valles sobre viaductos, e
atravessam as montanhas por meio de vallas ou tUneis.

Pontes e aqueductos serviam para transpôr os valles, e alguns tinham 90
arcos. A ponte do Gard, em França, era formada de três renques de
arcadas sobrepostas, servia para o transito e o ultimo conduzia a agua á
cidade, correndo na extensão de 41:000 metros. Indica a gravura da
pagina anterior a sua construcção.

O numero dos aqueductos era extraordinario; não só se encontravam nas
proximidades das grandes povoações, mas tambem das pequenas, e até junto
das casas de campo de limitada apparencia.


*Cloacas*

As _cloacas_ constituiam outra especie de aqueductos subterraneos para
receber as aguas inuteis, ou para as aguas da chuva e immundicies.

Em Roma, estendiam-n'as por toda a cidade, e subdividiam-n'as em muitos
ramaes que vinham desaguar no Tibre. O principal cano de despejo, com o
qual os outros communicavam era chamado _cloaca maxima_. Tinha abobadas
elevadas construidas com grande solidez, por debaixo das quaes se
passava em barcos[13].


*Praças publicas*

_O forum_ era geralmente uma praça onde se reuniam as assembléas do
povo, onde se administrava a justiça e onde se tratavam os negocios
publicos. Estava em certas partes rodeado de _porticos_, edificios e
lojas.

Nas cidades de importancia secundaria, onde os porticos não eram
repetidos como em Roma, achavam-se principalmente perto dos monumentos
publicos, taes como os theatros, as thermas, os palacios, os templos,
etc. etc.; collocavam muitas vezes os porticos do _forum_, por detraz da
scena dos theatros, afim de que, conforme diz Vitruvio, quando
inopinadamente chovesse durante o espectaculo, o povo pudesse abrigar-se
ali.

A forma das praças, ou _fora_, era a do quadrilongo. Vitruvio affirma
que devia ter um terço em comprimento, a mais de um lado que de outro.


*Basilicas*

A palavra _basilica_, significa _casa real_: designava em Roma um
edificio sumptuoso dentro do qual os magistrados faziam justiça, por
isso a distinguiam do _forum_, onde as sessões eram celebradas ao ar
livre. As basilicas tinham tambem a fórma de um quadrilongo.

Parte dos porticos, interiormente decorados, ficava occupada pelos
commerciantes: portanto, estes edificios eram ao mesmo tempo destinados
aos negocios forenses, e uma especie de praça de commercio.

Em quanto á disposição das basilicas as primitivas egrejas christãs
transmittiram-nos a imitação, e conservaram o nome. As basilicas
consistiam pois em vasto recinto, tres vezes mais comprido que largo,
dividido em renques de columnas formando muitas naves. Não ha a certeza
de que as basilicas fossem rodeadas de paredes por todos os lados;
julga-se que algumas eram abertas, pelo menos de um lado, para dar mais
facil accesso ao povo, e para que as galerias communicassem melhor com a
praça publica.

Não se pode duvidar de que não tivessem existido basilicas nas cidades
gallo-romanas; porém seria difficil indicar o sitio que occupariam,
porque desappareceram completamente os vestigios.


*Arcos de triumpho e portas monumentaes*

Os _arcos de triumpho_, porticos levantados á entrada das cidades, no
logar da passagem publica, perto dos _forums_, diante dos templos, e na
cabeça das pontes, etc. etc.; afim de indicar a memoria de uma victoria,
de um grande serviço prestado ao imperio, e algumas vezes sem outro
intuito mais que o de aformosear as cidades onde se erigiam.

[Figura 43: Arco de triumpho]

Dá-se tambem esta denominação ás portas das cidades antigas, que
apresentavam uma disposição quasi similhante á dos arcos de triumpho.
Estes, porém, eram monumentos isolados, formando um só corpo, e não se
ligavam ás construções das trincheiras ou muralhas.

Era o contrario do que succedia nas _portas da cidade_, as quaes não
obstante patentearem por vezes nas fachadas grande magnificencia,
todavia as extremidades lateraes ficavam encravadas nas muralhas dos
recintos fortificados, formando-lhes assim o accessorio ou a
ornamentação.

[Figura 44: Portas de Santo André em Autun]

Entre as portas, a disposição mais seguida era a que a gravura
apresenta, copiada da de Santo André de _Autun_, em França.


*Templos*

Duas formas eram consagradas para estes edificios religiosos, a
quadrilonga e a circular. Seguiam mais geralmente a primeira. Os
_templos_ receberam differentes denominações, conforme a disposição das
columnas que os decoravam; distinguindo-se pela seguinte maneira:

Os templos com pilastras--Os _prostylos_, fig. 45.--Os _amphiprostylos_,
fig. 46.--Os_ peripteros_, fig. 47.--O _monoptero_, fig. 48.--Os
_pseudo-peripterios_, fig. 49.--Os _hypetheros_, fig. 50.--Os
_monopteros_.

[Figura 47: Periptero quadrado]

[Figura 48: Periptero redondo]

[Figura 45: Prostylos]

[Figura 49: Pseudo-Periptero]

[Figura 50: Hypethreos]

[Figura 46: Amphiprostylos]

Os primeiros não tinham senão pilastras nos cunhaes da frente, e só uma
columna de cada lado da porta.

Os templos _prostylos_ apresentavam quatro columnas na face exterior, e
não tinham nenhuma aos lados, nem na parte posterior.

Nos templos _peripteros_, as columnas rodeavam completamente o edificio;
sendo em o numero de seis nas fachadas anterior e posterior.

Nos templos _pseudo-peripteros_ differençavam-se dos antecedentes em que
as columnas estavam embebidas nas paredes lateraes e na parede do fundo,
em logar de ficarem separadas.

Duplo renque de columnas rodeava os templos dipteros, oito das quaes
ornavam a fachada.

Finalmente, o templo _monoptero_ apresentava simplesmente a cupula
sustentada sobre columnas dispostas em circumferencia; e o santuario não
era fechado.

Resulta pois, do que fica exposto, que em todos os templos, excepto nos
monopteros, havia uma parte fechada que era o santuario; em muitos
templos, corriam em roda d'esse santuario galerias abertas, como especie
de porticos para a ornamentação externa do edificio. A parte encerrada
era designada sob o nome de _cella_ ou _nau_. Ahi collocavam a estatua
da divindade, em honra da qual o templo fôra erigido.

Na frente da _cella_, e por detraz das columnas da fachada, estava o
_pronaus_ ou vestibulo, no qual abriam a porta da entrada; á extremidade
opposta do templo dava-se-lhe o nome de _posticum_. Algumas vezes
reservavam, na parte posterior da _cella_, um quarto A destinado a
guardar o thesouro do templo, e que se designava sob o nome de
_opisthodomos_.

As columnas eram sempre em numero par nas fachadas dos templos; e
conforme que se contava quatro, seis, oito ou dez, os templos tomavam a
denominação de _tetrastylos_ (4 columnas), _hexastylos_ (6 columnas),
_octostylos_ (8 columnas), ou _decastylos_ (10 columnas).

Finalmente, certos templos eram rodeados de uma cerca _peribobos_ ou
antecedidos de pateo fechado, e ornados com portico, á roda do qual
estavam os aposentos dos sacerdotes.

A estatua da divindade, feita de bronze, marmore, ou pedra, collocava-se
no fundo da _cella_, em pedestal um pouco mais elevado que o altar, e
fazia face á porta da entrada. Em geral, os templos ficavam voltados
para o oriente.

[Figura 51: Fachada da Casa Quadrada de Nimes]

Não se deve julgar que os templos fossem muito vastos; alguns d'elles
tinham até pequenissimas dimensões, e isso explica-se facilmente pelo
conhecimento dos usos religiosos antigos, porque o exercicio do culto
era individual; cada um tinha dias proprios para o sacrificio, em
quanto, no christianismo, o exercicio do culto é collectivo.

O templo _pseudo-periptero_ hexastylo ha em Nimes (França), da ordem
corinthia, o qual serve actualmente para museu de archeologia. A gravura
mostra as suas bellas proporções e belleza.

As dimensões e a disposição do _templo de Diana_, em Evora,
apresenta-nos outro exemplo d'esta ordem de edificios do antigo
paganismo, que felizmente se conserva em Portugal nas suas magestosas
ruinas, como se vê na presente gravura.

[Figura 52: Templo de Diana, em Evora]

Os templos rectangulares ficavam dispostos como indica a gravura da pag.
60 [fig. 53], rodeados de porticos; no meio d'elles havia o logar da
cella e dentro o pedestal para a divindade.

Os templos circulares dividiam-se em duas classes: a primeira chamada
_monoptero_, compunha-se sómente de recinto formado por columnas
collocadas em pedestal commum, _stylobato_; o segundo _periptero_,
apresentava uma _cella_ á roda da qual havia columnas, pousada
egualmente sobre um _stylobato_, com degraus para ganhar a altura do
pedestal, e dar entrada para o templo.

Fragmentos achados dos templos antigos, fizeram vêr que as suas
esculpturas tinham sido pintadas de branco e amarello com traços
encarnados, para dar mais relevo aos contornos.

Não só havia templos nas cidades, mas tambem nos campos. Alguns d'estes
eram de grande veneração, pois que serviam de deposito aos mais ricos
thesouros, principalmente os dedicados a Mercurio.

[Figura 53: Plano do templo rectangular de Izernore (França)]

_Altares_.--Já dissemos em que parte do templo se collocavam as estatuas
das divindades; agora nos occuparemos da forma dos _altares_.

Havia entre elles differença de forma e de materia, proporções e usos.

A maior parte dos que se conservaram até hoje mostra a construcção de
marmore ou cantaria simples; havia-os tambem de madeira; mas em menor
numero. Os altares de metal apresentavam o feitio de tripode; os altares
de marmore ou madeira eram quadrados, redondos, e ás vezes triangulares.

Os ornatos mais usados nos altares antigos eram os que representavam as
cabeças das victimas, taças, e outros vasos e instrumentos para os
sacrifícios, entrelaçados de grinaldas de flores e folhas[14]. Liam-se
em alguns altares inscripções indicando a data da consagração, o nome do
fundador, e as razões da devoção. Os mais bellos e custosos tinham
ornamentações em baixo-relevo representando a divindade que se queria
venerar e os seus attributos.

[Figura 54]

Costumavam fazer em cima dos altares e no meio d'elles, uma cavidade
para receber as _libações_ ou o sangue das victimas.

Alguns altares eram fundados nas encruzilhadas, junto das estradas mais
frequentadas, onde depois se ergueram cruzeiros, nos tempos modernos,
para memoria.


*Edificios destinados aos jogos publicos*

Tinham os povos antigos tres especies de edificios destinados aos jogos
publicos: o _circo_, o _theatro_, e o _amphitheatro_. Muitas vezes teem
confundido os três sob a mesma denominação, de _circos_; porém a forma,
as dimensões, e o destino estabelecem entre elles diferenças notaveis.

Os _circos_ eram mais bem considerados que os amphitheatros e os
theatros; a forma d'aquelles edificios era de um parallelogrammo
prolongado, circular em um dos topos, e quadrado ou levemente convexo do
lado opposto. Os dois lados maiores apresentavam exteriormente duas
ordens de architectura sobrepostas, limitadas por uma attica e cobertas
com terraço. _Lojas_ e _passagens cobertas_ conduziam ao interior do
circo, e occupavam o primeiro renque das arcadas. _Seis torres
quadradas_, quatro d'estas nos pontos de juncção dos grandes e pequenos
lados do circo, e duas nas extremidades, sobresaiam aos terraços; as
quaes torres eram ornadas de quadrigos, ou grupos de andarilhos.

[Figura 55: Circo Maximo de Roma]

A entrada para os carros destinados ás corridas era pela extremidade
convexa do circo; doze arcadas, não comprehendida a que se achava
debaixo da torre, fechadas por grades de ferro, serviam de cocheiras,
_carceres_, onde os cavallos eram guardados antes do começo das
corridas.

É fácil comprehender a disposição dos assentos postos no interior de um
circo: sobre os dois grandes lados e no hemiscyclo opposto aos
_carceres_, levantavam-se os palanques, tendo acima a galeria ornada de
columnas correspondentes ás paredes que separavam as arcadas exteriores
da _segunda ordem_, e por meio das quaes podiam circular os
espectadores.

Havia tambem, por cima dos carceres, outros palanques, e era ahi,
superior á entrada principal na torre collocada ao centro das cocheiras,
que estava a tribuna reservada para o imperador ou para o magistrado que
presidia aos jogos.

[Figura 56: Tribuna de um circo]

Entre os assentos dos espectadores e o espaço destinado para os jogos
(_area_), havia, em alguns circos, um canal, de largura de 10 pés, cheio
de agua (_euripus_), resguardado por engradamento do lado da _area_.
Porém os circos não eram rodeados de tal fosso: ainda não se encontrou
nenhum vestigio no de Caracalla em Roma, embora fosse um dos principaes,
assim como em outros explorados depois.

O _euripus_ não se abria nunca do lado dos _carceres_, para não
interromper a entrada para o circo.

No centro da _area_ dos circos levantavam uma parede de 4 pés de altura
e 12 de largura, prolongando-se em quasi todo o comprimento do recinto.
A esta construcção, que dividia o circo longitudinalmente, davam o nome
de _spina_. O imperador Augusto foi o primeiro que fez levantar sobre a
_spina_ um obelisco dedicado ao Sol.

Havia também sobre a _spina_ dos circos pequenos templos, altares,
estatuas e sete bolas, _ova_, sustentadas em eixos, que serviam para
indicar o numero de voltas executadas pelos carros, _ova ad metas
curriculis numerandis_, e sete delphins postos em pedestaes, ou em
architrave sustentada por columnas. Os delphins tinham sido escolhidos
em veneração de Neptuno, porque se suppunha serem estes os animaes mais
ageis do mar. Nas duas extremidades, e na parte exterior da _spina_,
havia sempre tres pyramides firmadas na mesma base, e servindo de ponto
de limite. Era junto d'estes marcos (_metoe_) que os carros deviam
voltar para as extremidades do circo, evitando tocar no marco. O ponto
de partida era collocado de modo que os concorrentes tinham sempre á
esquerda a _spina_ e os marcos.

Os conductores de carros (_aurigæ_) traziam um vestuario como especie
de librés de côres differentes e formavam partidos ou facções.
Primeiramente houve quatro librés: a branca, _alba_; a encarnada,
_russea_; a azul, _veneta_, e a verde, _prasina_. O imperador Domiciano
juntou a estas mais duas: a purpura, _purpurala_; e dourada, _aurata_.

Quando os espectadores se enthusiasmavam faziam apostas para que
alcançasse triumpho outra facção, ou côr. Tempos depois, as côres usadas
nos circos deram logar a formarem-se verdadeiras facções politicas, a
que pertenciam milhares de cidadãos.[15]

_Naumachia_.--Suppõem-se que os _circos_ serviam ás vezes de
_naumachia_. A _naumachia_ era para a simulação de combates navaes, que
se davam em grandes caldeiras cheias de agua, rodeadas de construcções
análogas ás dos circos; todavia, concebe-se difficilmente como um circo
podia estar apropriado para este genero de divertimentos sem grandes
inconvenientes e sem obras preparatorias. A transformação da _area_ dos
circos em lagos devia acontecer raras vezes, porque em algumas cidades
mandavam abrir lagos apropriados para os combates navaes.


*Theatros*

Quasi todas as cidades importantes da Gallia possuiam theatros
edificados no reinado de Adriano e Antonio, o _Piedoso;_ esses
monumentos eram encostados ás collinas sobre o declive das quaes se
dispunham os assentos de cantaria em semi-circulo. Na parte inferior
d'estas bancadas estava a orchestra, que correspondia ao que chamâmos
platéa nos actuaes theatros, e que ficava sobre um terreno plano, assim
como a scena.

[Figura 57: Plano de um theatro antigo]

Esta ultima disposição do theatro dividia-se em tres partes, a saber: o
_proscenium_, ou _pulpitum_, o palco em que representavam os dramas; a
_scena_, grande fachada muitas vezes ornada com as diversas ordens de
architectura, e o _post cenium_, onde os actores se preparavam para
entrar em scena.

_A scena_ apresentava tres portas no fundo: a do centro, mais alta e
ornada que as outras, chamava-se _porta real_; entrava por ali o
personagem principal da peça, que representasse o dono do palacio; as
figuras secundarias entravam pelas outras portas que se designavam
_hospitalia_, porque de certo representavam os hospedes ou familiares do
dono do palacio.

A parede do fundo da scena formava dois lados ou alas (_versuræ_,)
onde havia outras duas portas, uma á direita e outra á esquerda, as
quaes faziam suppôr darem saida para o campo e para a praça publica. A
configuração de um theatro apresentava pois de um lado a forma
semi-circular, do outro a de quadrado. Para chegar ao logar dos
espectadores havia muitas escadas partindo do circuito e dirigindo-se da
circumferencia para o centro, afim de estabelecer muitas divisões que,
pela rasão de sua forma de cunha, eram designadas com o nome de _cunei_.

Havia, além d'isso, na elevação do amphitheatro (_cavea_) que cercava a
orchestra, duas ou tres divisões principaes, indicadas por separações
chamadas _præcinctions_ e ficavam parallelas ás filas dos
assentos.[16] Estas divisões tinham o nome de _cavea prima_, _cavea
media_, _cavea maxima_ ou ultima, conforme estivessem mais ou menos
proximas da orchestra.[17]

Havia tambem, em muitos theatros, aberturas quadradas, correspondentes a
corredores abobadados dispostos sob os degraus do theatro, e por onde
cada qual podia passar para occupar o seu logar, sem ser obrigado a
subir da orchestra ou a descer da summa, _summa cavea_. Estas aberturas
chamavam-se vomitorios (_vomitoria_,) porque parecia que lançavam fóra
os espectadores, quando estes entravam em multidão para os seus logares.

Tinham os antigos tres especies de scenas, a scena tragica, a scena
comica e a scena satyrica.

As vistas do theatro eram diversas, conforme o genero das peças que se
representavam.

As mudanças da decoração praticavam-se por varios systemas. Chamava-se
aos bastidores _ductiles_, quando giravam em corrediças; _versatiles_,
quando se viravam sobre pião.

Muitas machinas fraccionavam na scena e coadjuvavam os papeis dos
actores.

Como os theatros não eram cobertos, estendia-se acima das paredes um
grande toldo para dar sombra aos espectadores. Este _velarium_[18]
estava fixo ou suspenso em mastros cravados no alto das paredes.
Vitruvio recommenda que não exponham os theatros do lado do sul, para
evitar que os raios do sol aqueçam demasiadamente o ar.

[Figura 58: Plano do theatro de Champlieu]

O theatro de Orange, em França, é uma ruina digna de ser contemplada, e
poucas ainda ha que se lhe possam comparar. As suas columnas tinham 18
pés de altura e 2 pés e 4 pollegadas de diametro; a altura das paredes
era de 108 pés com tres ordens de columnas. A fachada exterior era
decorada por duas fileiras de arcadas sobre as quaes havia um attico. O
theatro fôra construido com cantaria de extraordinarias dimensões;
notando-se n'estas pedras vestigios de incendio violento.

[Figura 59: Exterior da scena do theatro de Orange]


*Amphitheatros*

De todos os monumentos romanos existentes são os _amphitheatros_ os que
offerecem ainda as ruinas mais collossaes e magestosas. Eram, como
indica a etymologia da palavra _amphitheatro_, dous theatros collocados
em frente um do outro, e separados por um espaço livre de forma oval
destinado para os combates dos gladiadores e animaes ferozes.

A este espaço davam o nome de arena _arena_, por causa da areia que
espalhavam pelo chão, afim de fazer desapparecer o sangue dos homens e
dos animaes derramado durante a luta.

[Figura 60: Plano de um amphitheatro]

Os palanques eram dispostos á roda da _arena_, de maneira que de todos
os lados os espectadores podessem gosar o espectaculo. Nos
amphitheatros, como nos theatros, esses logares eram divididos
horisontalmente por cintas curvas ou _baltei_; e verticalmente pelas
escadas em subdivisões cuneiformes, como explicamos acima. Os degraus
apoiavam-se nas abobadas, que iam estreitando para o lado da _arena_,
alargando-se e elevando-se á medida que se aproximavam do portico ou
galeria, contornando o edificio. Estas abobadas, inclinadas para o
centro e alargando para o exterior, eram sobrepostas umas ás outras, e
formavam muitas ordens, onde havia muitas cintas curvas.

[Figura 61]

A vista do corte de um grande amphitheatro mostra claramente esta
disposição, com as cintas e o effeito produzido no meio dos palanques
pelos _vomitorios da cavea_. Outro corte apresenta parte do amphitheatro
de Aries, mostrando como as grandes escadas, partindo das galerias,
conduziam ao interior da _cavea_.

[Figura 62: Corte do amphitheatro de Aries]

Na _arena_ havia combates de gladiadores,[19] de homens e animaes, e só
de animaes.

Nos dias de combate eram os gladiadores conduzidos processionalmente em
volta da _arena_; depois punham-n'os aos pares, juntando os de força
egual. O signal do combate era dado por uma banda de trombetas.

[Figura 63: Fachada exterior do amphitheatro de Arles (França)]

Havia diversas classes de gladiadores, conforme as armas que empregavam
no ataque e na defeza.

O amphitheatro de Arles, ruina das mais pittorescas que existem n'este
genero em França, tinha de comprimento do grande eixo 420 pés de Norte
ao Sul; e do pequeno eixo 309 de Leste a Oeste. A arena tinha no grande
diametro 209 pés, e no pequeno diametro 119: gravura da pag. 71 [fig.
63].

[Figura 64: Uma das principaes entradas do amphitheatro de Bordeos]

Uma cousa particular, que não existe nos outros amphitheatros, é que as
galerias subterraneas giravam por baixo e á roda do _podium_.

O _podium_ estava a 14 pés acima do solo da arena. A parede do sucalco
que o levantava a esta altura, era furada na parte inferior, com oito
passagens, conduzindo das galerias subterraneas para a arena, passagens
que saiam da galeria exterior.

[Figura 65: Plano do amphitheatro de Chenevières (Loiret)]

O amphitheatro era construido com boa cantaria de grande apparelho,
posta sem cimento algum, e era tal a grandeza das pedras que, apesar de
tantos seculos decorridos, ainda se conservam solidas nos seus leitos.

O plano da gravura da pag. 73 [fig. 64] mostra a disposição de outro
amphitheatro, que pelo seu genero custava muito menos a construir, que
outros compostos de dois lados, porque sendo marcada a inclinação para a
encosta, bastava edificar o _podium_ do lado aberto. Podia-se também
facilmente transformar os amphitheatros em theatros com outras
disposições para o scenario e então constituíam monumentos mixtos, que
foram numerosos durante a dominação romana.


*Banhos publicos*

Os romanos tinham muitas especies d'estes estabelecimentos, que se
conheciam com os nomes de _thermæ_, _lavacra_ e _balnea_.

As _thermas_[20] eram vastos edificios que continham não só os banhos,
mas tambem porticos e passeios arborisados, salas onde os philosophos e
os rhetoricos davam lições publicas e liam as suas obras; onde se
exercitavam na luta: chamavam-lhes _gymnasios_.

Citavam, entre as mais sumptuosas de Roma, as de Agrippa, Nero, Tito,
Caracalla,[21] Antonino e Diocleciano, das quaes existiam ainda
consideraveis vestigios.

Não se deve suppôr comtudo que haveria similhantes estabelecimentos em
todas as cidades onde os romanos dominaram. O mais geral era construir
_lavacra_ ou _balnea_, de limitada dimensão, á qual estavam ás vezes
reunidas algumas dependencias dos _gymnasios_.

Taes edificios eram mais ou menos espaçosos conforme deviam ser francos
ao publico de uma cidade bastante povoada, ou simplesmente destinados
ao uso de pequena localidade, ou de uma unica familia.

O _apodyterium_ era a sala de vestir, ou em que ficavam depositados os
fatos antes do banho.

O _aquarium_ continha os reservatorios, nos quaes a agua era recebida e
podia clarificar-se antes de distribuida no edificio.

O _vasarium_, tirava este nome de tres grandes vasos, ou depositos
cheios de agua quente, de agua tepida e de agua fria.

O _laconicum_, estufa aquecida por um _hypocausto_, tinha ás vezes uma
das extremidades em semicirculo, onde havia um _disco de bronze_, pelo
movimento do qual, abaixando-se ou levantando-se, podia augmentar-se a
intensidade do calor, ou diminuir a temperatura.

O _tepidarium_ era, segundo Vitruvio, a estufa menos quente que a
antecedente, e em contacto com ella.

Havia outra casa destinada para o banho de agua quente, que se tomava
n'uma especie de tina, _labra_.

O pequeno pateo ou vestibulo que precedia o forno do hypocausto
chamava-se o _propnigeum_ ou o _proefurnium_.

A parte destinada ao banho frio era o _frigidarium_, ou sala não
aquecida, onde os banhistas descançavam alguns instantes antes de sairem
para a rua, afim de evitarem o perigo da mudança rapida da temperatura.

A _piscina natatilis_ ou _frigida lavatio_, reservatorio de agua fria em
que as pessoas robustas podiam banhar-se depois do banho quente, e de
que se fazia uso principalmente no verão.

O _eleothesium_, onde os banhistas podiam esfregar o corpo com oleo ou
perfumes[22].

Uma curiosa pintura a fresco, copiada das thermas de Tito, em Roma, e
que representava o interior de uma casa de banhos, faz comprehender
muito bem a disposição geral de taes estabelecimentos, como se vê na
gravura da pag. 76 [fig. 66].

Distinguem-se, no primeiro plano, duas salas sob as quaes arde o fogo do
hypocausto.

[Figura 66: Vista de uma pintura a fresco tirada dos banhos de Tito.]

Uma d'estas salas devia ser a _concamerata sudatio_, ou a estufa
abobadada para fazer transpiração.

Ha n'esta sala um pequeno forno, cuja abobada fecha em escudo de bronze
que se movia por meio de corrente, afim de deixar sair mais ou menos o
vapor da agua quente.

Junto do _laconicum_ está a sala do banho, separada por um corredor.
Vêem-se muitas pessoas n'uma grande tina _labrum_, em volta da qual
estão assentos encostados á parede.

Mais afastado apparece representado o _vasarium_, com os tres grandes
vasos collocados em diversos niveis: o primeiro menos elevado contem
agua a ferver; o segundo agua tepida, e o terceiro agua fria.

No segundo plano, e por detraz da estufa para suar, vê-se a sala chamada
_tepidarium_.

Passado o _tepidarium_, distingue-se a sala fria, _frigidarium_, que em
alguns banhos servia tambem ao _apoditerium_. Em ultimo plano está o
_eleothesium_, ou sala dos perfumes.

Para se formar idéa exacta d'estes monumentos, convem examinar e
comparar entre elles que se têem descoberto em differentes partes; para
o que apresentamos as gravuras dos banhos de Verdes e de Landunum.


*Explicações crestas casas de banhos*

Entrava-se por dois pateos sobre o comprido ou corredores G, K, nos
banhos de Verdes, para os salões P, S, os quaes tem ainda no chão
mosaicos. D'estes dois salões passava-se para o vestibulo B, e d'ahi
para a sala D, cujo piso estava sobre hypocausto.

A sala imediata C, devia ser de temperatura mais elevada á antecedente;
pois o forno collocado em F, no pequeno pateo proximo, recebia d'elle o
calor que circulava primeiro debaixo do piso da referida sala C.

Havia outras casas que não eram aquecidas pelo hypocausto, especie de
saletas pelas quaes se entrava e saía P, A, B, S.

[Figura 67: Banhos de Verdes (França), vistos de alto.]

[Figura 68: Plano dos banhos de Landunum (França).]

Duas bandeiras muito notáveis que serviriam para banhos frios ML,
tinham communicação por uma passagem com a sala D; cada uma d'ellas
tinha em S e em R um reservatorio para agua.

Os pateos H e I serviam de deposito para o combustivel.

Em cada uma das salas O e P havia um nicho para uma estatua.

Nos banhos de Laudunum (pag. 79 [fig. 68]), no vestibulo D, o chão tinha
mosaicos. D'aqui passava-se á bella sala (n.^o 8), tambem com mosaico.
Seguiam-se outras casas com o solo suspenso e aquecido pelo hypocausto;
em uma (n.^o 7) de um lado tem um nicho circular, e do outro, quadrado
_d c_, que serviam para as banheiras.

A sala n.^o 6 seria a reservada para conservar maior gráo de calor,
porque o forno do hypocausto tinha a boca d'elle no centro d'esta casa.

O forno tinha serventia pelo pequeno pateo n.^o 4. Antes de atravessar a
sala n.^o 6 aquecia tres reservatorios revestidos de cimento _f. f._

As salas E, e os n.^{os} 9, 10, 11 eram casas para depositos do
estabelecimento.


*Palacios*

Quasi todas as cidades de pequena importancia tinham palacio destinado
para os aposentos dos imperadores, quando as visitavam; porem antes
serviam para os seus representantes, os intendentes ou funccionarios
encarregados da administração do paiz.

Os palacios que deviam offerecer as disposições analogas ás das casas
nobres dos particulares, differençavam-se principalmente pela extensão,
pelos peristylos, pateos e diversas dependencias. Os de maiores
dimensões, como o de Trajano, eram ligados ao _forum_, junto do qual
havia basilica, onde se julgavam os criminosos, e tambem _thermas_.

Tal era a grandesa do palacio de Diocleciano, em Spalatro (na Dalmacia),
cujas columnas e paredes estão ainda de pé, comprehendendo grandes
divisões: templo, basilica, pretorio, independentemente dos aposentos
imperiaes.


*Casas particulares*

Daremos algumas explicações a respeito das construcções particulares.

Chamavam _prothyrum_, nas casas das cidades, á passagem por onde se
entrava no interior d'ellas.

Era n'esta passagem o quarto do porteiro _cella ostiarii_, e ás vezes a
parte que servia de vestibulo, com habitação de mediana extensão.

O _atrium_ era a galeria quadrada (3)[23] tendo ao centro um pateo
descoberto (_impluvium_), no meio do qual havia um tanque á superficie
do chão (_compluvium_) para receber as aguas da chuva (D).

O _atrium_ era ornado com os retratos da familia; o dono da casa recebia
n'elle os seus clientes. Havia muitas especies de _atrium_.

O _atrium_ toscano, que se encontrou em Pompeia em grande numero de
casas e usado unicamente nos primitivos tempos, tinha o telhado
sustentado por madeiros cruzados em angulos rectos: o telhado tinha
escoantes para todos os lados e para o centro do pateo.

Existia a mesma disposição no _atrium tetrastylo_; apenas quatro pilares
ou columnas, collocadas nos angulos do _impluvium_, sustentavam as vigas
do tecto nos pontos de juncção.

No _atrium_ corinthio, as columnas para ponto de apoio eram mais
numerosas, e o _impluvium_ era também mais espaçôso. Construiram o
_atrium_ só para as grandes habitações.

O _atrium displuviatum_ tinha os telhados inclinados em sentido inverso
dos precedentes, de modo que lançavam as aguas da chuva para fora da
casa, em logar de as conduzir para o _impluvium_.

Finalmente, no _atrium testudinatum_, o pateo central era coberto de
telhado um tanto mais elevado, que os das galerias.

[Figura 69: Plano de uma casa nobre na cidade romana.]

Nos predios importantes, como é representado no plano junto, havia em
roda da galeria do _atrium_ aposentos destinados a diversos usos, com
saidas para a galeria, e alguns dos quaes serviam de _tribuna_ ou sala
de festim (C, C, C).

Na extremidade do _atrium_, e em frente do _prothyrum_, estavam o
_tablinum_ (4) e duas casas mais pequenas, chamadas _azas_, communicando
com elle (5-6).

O _tablinum_ e as azas encerravam a imagem dos parentes fallecidos, os
livros, archivos e papeis pertencentes aos negocios do proprietario,
assim como os documentos relativos ao emprego que exercia.

O _peristylo_ apresentava, além do _tablinum_, uma galeria ornada de
columnas, como a do _atrium_ corinthio (17-17), cuja extensão porém era
mais consideravel.

Os aposentos eram distribuidos á roda d'estas galerias (18-19); um
espaço quadrado, inteiramente descoberto e plantado de flôres e arbustos
no centro, devia parecer a imitação da parte central de alguns
claustros.

Os _oeci_ correspondiam aos nossos salões.

A _exedra_ era outra grande sala para conversação, tendo n'um dos lados
a parede curvilinea, como se fosse construida para nicho.

Encontravam-se tambem, ás vezes, nas habitações das pessoas abastadas,
jogos de péla, _sphæristerium_, e salas destinadas para outros jogos.

O _banho_ era composto em geral de _apodyterium_, _frigidarium_,
_tepidarium_, _sudatorium_ e _eleothesium_:

A _basilica_;

A _pinacothéca_ ou galeria para quadros;

As _cosinhas_ e as officinas dependentes para o fabrico do pão;

As cavalhariças, cocheiras e armazens;

Finalmente, havia um numero mais ou menos consideravel de quartos para
dormir e para acommodar os creados.[24]

Eis agora o plano de outra casa de muito menor importancia que a
anterior, na qual não encontrâmos nem as commodidades nem a regularidade
das grandes habitações particulares; mas veremos que as residencias se
modificam conforme a necessidade da familia e as suas posses
pecuniarias. Examinemos a disposição de uma das casas descobertas nas
minas de Pompeia.

A entrada ou _prothyrum_ n.^o l, conduz ao _atrium_ n.^o 2, chamado
_displuviatum_, isto é que servia para o despejo das aguas da chuva para
fora da habitação. Tinha na grossura da parede o _impluvium_ n.^{os} 3 e
4, e os alegretes para as flôres.

[Figura 70]

Uma escada de madeira n.^o 5, conduzia ao aposento que occupava o dono
da casa e a sua familia. Posto que a escada estivesse inteiramente
destruida, era facil observar o feitio do corrimão, porque o artista a
riscara na parede que lhe servia de caixa.

Os quartos 6 e 7 eram destinados para receber os estrangeiros e os
amigos. O escravo que guardava a porta da rua devia dormir no quarto
n.^o 8, onde se conservava tambem de dia. Era pequena a cosinha n.^o 9
collocada ao lado do corredor.


*Casa de campo (villæ)*

Suppõe-se que as mais bellas casas de campo romanas tinham só um andar;
tambem não se differençavam essencialmente das da cidade, e continham
pouco mais ou menos as mesmas divisões, mais arbitrarias, conforme
exigia o terreno, a belleza do sitio, a importancia da exploração rural
e outras circumstancias da edificação.

_Columella_,[25] distingue tres partes em uma casa de campo occupando-se
de trabalhos ruraes, e o maior numero das _villæ_ gallo-romanas e
luso-romanas estavam n'este caso. As tres partes eram:

A _villa urbana_, ou habitação do proprietario;

A _agraria_, ou habitação dos lavradores, e dos animaes necessarios para
a lavoura;

A _villa fructuaria_, onde se recolhiam as colheitas e os outros fructos
das terras.

As casas anuesas ao segundo pateo, chamadas _agrariæ_, ou
_fructuariæ_, apresentavam menos interesse com relação á arte, que a
_villa urbana_. Eram pertenças do casal ou dos trabalhos ruraes, _villa
agraria_.

No centro do pateo da villa via-se, como se pratica ainda hoje, um
tanque ou lagôa _compluvium_, para se banhar o gado. Á roda do pateo
estavam dispostos, a cosinha, o abrigo para os escravos, a abegoaria
(_bubilia_), o curral das ovelhas (_ovilia_), as cavallariças
(_equilia_). Achava-se tambem ali o gallinheiro (_gallinaria_) e o
chiqueiro para os porcos (_haræ_).

Pode-se citar como pertenças da _villa fructuaria_, que estava ora
separada ora junta da _agraria_, a adega (_cellæ_) o palheiro
(_horrea_), a casa da fructa (_apothecæ_), etc.

Tem-se encontrado numerosos vestigios das _villæ_ ou casas de campo
fabricadas durante a dominação romana. Em 1874 descobrimos em Portugal
uma proximo de Leiria, no logar de Martim Gil, na profundidade de 1^m,
59; havia ali differentes casas com mosaicos, e na principal achámol-o
de cinco côres. Fizemol-o transportar para o museu da archeologia, que
fundáramos em Lisboa em 1866. Não tem acontecido outrotanto com essas
casas antigas edificadas nas cidades, pois foi arrasado o solo que ellas
occupavam, e isso deu logar a aproveitarem-se os alicerces que ficaram
enterrados.

Para darmos idéa mais completa, descreveremos a _villa_ de Bignor em
Sussex (Inglaterra), por ser a mais bem conservada que existe.[26]

Compõe-se de dois pateos: um (A) mais vasto que o outro, rodeado de
muros bastante grossos, não formava angulo recto com os do segundo
pateo. O muro de leste tinha 277 pés de comprimento, o do norte 385 pés,
e o do sul 322.

Este pateo, que representava a _villa rustica_, comprehendia muitas e
amplas construcções, mas nenhuma tinha vestigios de pintura nem de
pavimentos de mosaicos.

O outro pateo (B), que formava propriamente a _villa urbana_, estava
cercado de casas ricamente ornadas e quasi todas tinham mosaicos.

Um corredor ou _crypto-portico_ (1, 2, 3, 4), que era construido á roda
do quadrado do pateo servia para communicar com os aposentos; o
comprimento do corredor era de 160 pés, de leste a oeste.

[Figura 71: Villa de Bignor em Sussex.]

Uma grande parte d'estes corredores tinha mosaicos.

Ao longo do _crypto-portico_ septentrional estavam dispostos os
aposentos (n.^{os} 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13).

No n.^o 14 via-se um mosaico de 8 pés de quadrado dividido em formas de
rhomboides e triangulos.

O n.^o 15, era uma das melhores casas da _villa_, tinha 19 pés por 30,
com uma grande camara de 12 pés, o que lhe dava 32 pés por todo o
comprimento do norte ao sul; o pavimento era formado de mosaico muito
notavel, porque um dos desenhos representava o rapto de Ganymedes.

No meio do aposento, e ao centro da maior composição circular de
mosaico, via-se uma cisterna de pedra branca e de 4 pés de diametro, no
fundo da qual existia um orificio com tubo de chumbo.

Esla sala e o aposento immediato eram aquecidos por um hypocausto, cujo
forno se abria pela parte exterior da casa na base da parede.

O n.^o 19 era um _atriolum_, ou pequeno pateo ornado de columnas. Os
aposentos do pateo do norte e do sul (21, 22, 23, 24, 25), eram em geral
ornados de pinturas, e com o chão de mosaicos.

No n.^o 22 encontrou-se um fogão de 31 pollegadas de boca, e 17
pollegadas de fundo; tijolos ligados com ferro ao fogão formavam-lhe as
paredes lateraes. Outro fogão similhante foi achado no quarto n.^o 23.

Os aposentos menos importantes occupavam o lado sul até o n.^o 35.
Aquelles que se lhe seguiam haviam feito parte de um banho.

Depois da sala das estufas, vinha a que era destinada para o banho frio
(n.^o 40), que tinha 35 pés por 30. O chão estava menos mal conservado e
compunha-se de pedras brancas e pretas de 6 pollegadas em todos os
sentidos, dispostas em xadrez.

O sitio do banho achava-se pouco mais ou menos no meio do aposento. Era
um reservatorio com aproximadamente 18 pés de leste ao oeste, de 3 pés e
2 pollegadas de profundidade. Descia-se por tres degraus do lado de
leste, do oeste e do norte.

A bella sala (n.^o 41), situada a leste da precedente, apresentava um
quadrado de 35 pés, porém era um tanto irregular por causa da direcção
diagonal da parede de leste. Admirava-se um mosaico mais bem conservado
que os restantes.

A maior parte destas _villæ_ teria sido construida nos tres primeiros
seculos da era christã, julgando-se assim pelas medalhas encontradas nas
suas ruinas, e que algumas datam do seculo IV.


*Monumentos funereos*

Depois de descrevermos os edificios, onde os antigos passavam a vida de
confortos da civilisação romana, a ordem natural nos conduz aos
monumentos que encerravam os despojos mortaes.

Ainda que algumas familias mandassem enterrar os corpos, todavia o uso
de queimal-os foi quasi geral em Roma antes da conquista da Gallia, e
n'este ultimo paiz, nos dois primeiros seculos da era christã.[27]

A fogueira funebre (_rogus_ ou _pyra_) era formada de lenha de facil
combustão e faziam-n'a mais ou menos alta conforme a cathegoria das
pessoas finadas. O corpo era posto sobre uma especie de leito de ferro
ou maca, e os parentes do defuncto, depois de lhe terem dirigido o
ultimo adeus, voltavam o rosto e acendiam a fogueira com uma acha.

Quando a fogueira estava extincta, lançavam vinho nas cinzas do
defuncto, e então estas eram cuidadosamente encerradas em uma urna que
mettiam em seguida na terra com certo numero de vasos de differentes
formas e tamanhos, que se collocavam em roda, os quaes estavam cheios de
liquidos ou algum manjar offerecido aos _deuses manes_.

As urnas de barro descobertas em grande numero de cemiterios são em
geral do feitio simples, e muitas apresentam côr cinzenta; comtudo,
notam-se por suas formas perfeitas e graciosas. As mais ornadas tem
filetes, entre os quaes se traçaram riscos parallelos. Algumas tem
estrias ao alto, outras molduras entrelaçadas, em zig-zags, etc. etc.
As formas mais geraes são as das gravuras seguintes _a_, _b_, que se
encontram nos antigos cemiterios.

[Figura 72: Urnas de vidro, do museu de Tours.]

As urnas de vidro, muito mais raras que as de barro, eram reservadas
para os finados de familias abastadas. Tem um tanto o feitio das urnas
de barro, porém o mais é apresentarem a configuração de um grande frasco
com gargallo redondo com uma ou duas azas, sendo o corpo ora cylindrico,
ora quadrado.

As urnas mais notaveis são de cobre batido e lavrado, e tambem estas
difficilmente se encontram.

Em Alcacer do Sal fez-se em 1874 o descobrimento de um necropole romano,
no qual se acharam quatro urnas cinerarias com pinturas, imitando o
genero etrusco, obra executada por artista grego. Eram de differentes
tamanhos, tendo a maior 0,59 de altura, 0,34 de largura; esta rara
descoberta feita em Portugal causou bastante admiração entre os
archeologos estrangeiros.

[Figura 73]

O orificio das urnas era tapado, ou com um prato voltado, ou com um
pedaço de tijolo, ou ardozia, e até com um bocado de lagea.

Encontram-se geralmente junto d'estas urnas, taças de differentes
generos e pequenos vidros com gargallo estreito e sobre o comprido,
especie de galheta com feitios variados; mas o maior numero é de barro
encarnado, e suppõe-se terem servido para conservar o vinho, o leite,
ou algum licor offertado aos _manes_ do finado.

[Figura 74]

A maior parte das urnas, foram mettidas dentro da terra sem caixas de
resguardo; porém muitas tiveram esses cofres para a conservação. Se a
madeira que serviu para isso apodreceu a primitiva existencia parece
provada pelos pregos que ligavam as taboas, que se encontram ás vezes em
roda das urnas. É possivel que as urnas de vidro ou crystal, que
pertenciam a defunctos de cathegoria, fossem mettidas nos cofres de
madeira ou de pedra. Alguns d'estes ultimos, encontrados em varios
cemiterios, eram compostos de duas peças e bastante espaçosas para
conterem a urna _cineraria_, e os vasos accessorios de que já fallámos.
Finalmente, construiam ás vezes, no proprio local, e no momento do
enterro, o cofre ou resguardo que devia conservar a urna _cineraria_.

Em quanto ás cinzas do finado de humilde condição e pobre eram mettidas
em vasos de formas simples, e accumuladas nos cemiterios sem cousa
alguma que as indicasse; as que pertenciam á classe media da sociedade
tinham por cima da urna um _cippo_, e os mais opulentos apresentavam um
monumento ainda mais importante.[28]

Em geral, os monumentos mais sumptuosos estavam postos em fileira nas
_vias_ que davam entrada nas cidades.

As pedras sepulchraes, ou _estélas_,[29] tomavam differentes feitios e
algumas apresentavam inscripções e a effigie do finado. [fig. 75]

[Figura 75: Estéla.]

Não se deve cessar de recommendar as explorações dos cemiterios romanos.
Quando se procede a obras publicas, ou particulares, descobre-se a sua
existencia no meio dos campos, principalmente nos terrenos incultos,
onde as urnas tem sido conservadas por faltas de convenientes
excavações.

Algumas sepulturas, destinados á classe inferior, são tambem monumentos
importantes como se vê na presente gravura.

[Figura 76: Monumento de S. Ramiro.]

O monumento pyramidal de S. Ramiro, é um edificio composto de tres
ordens de andares sobrepostos, com aproximadamente 50 pés de altura. O
primeiro andar é quadrado, e serve de pedestal, com baixos relevos nas
quatro faces; pilastras sem pedestaes ornam-lhe os angulos.

O segundo andar é egualmente quadrado com quatro arcos de archivolta que
assentam em pilastras; nos angulos tem quatro columnas corinthias com
estrias; o friso é ornado de arabescos em que se distinguem cavallos
marinhos alados, sereias, etc.

O terceiro de fórma circular, mostra uma cobertura conica sustentada por
columnas corinthias, semelhando d'este modo o lanternim do pequeno
templo circular _monoptero_: debaixo d'esta especie de cupula estão
collocadas duas estatuas em pé, uma de homem, outra de mulher.

Não pode haver duvida de que esta pyramide seja monumento sepulchral;
pois sobre o friso do segundo andar, ficando orientado ao Nordeste,
vê-se a seguinte inscripcão:

    SEX L M IVLIEI C F PARENTIBVS SVEIS

que se tem lido d'este modo:

_Sextus Lucius Marcus Julii curaverunt fieri parentibus suis_. As duas
estatuas representariam pois o pae e a mãe de _Julius_, os quaes
erigiram a pyramide.

[Figura 77: Sarcophago do museu de Ruão.]

_Enterramentos_.--Os corpos que não eram queimados, enterravam-n'os em
sarcophago de pedra ou em caixões de chumbo, resguardados em outro cofre
de madeira, ou de pedra, como se vê na gravura da pag. 93 [fig. 77].

[Figura 78: Sarcophago com inscripção e a ascia, (_está collocada por
cima do M_).]

Em numerosos sarcophagos dos pagãos está representada a _ascia_,[30] e o
nivel, em esculptura. Alguns tem uma inscripção na tampa, porém esta
vê-se mais geralmente no meio do cofre, como indicamos na gravura da
pag. 94 [fig. 79].

As inscripções eram mui interessantes por quanto expressavam o maior
sentimento das familias. Os antigos nada tinham que invejar aos povos
modernos a este respeito: e é facil comproval-o. Eis um epitaphio que
patenteia o profundo affecto de uma infeliz mãe chorando a perda da
filha querida:

     _Ó dôr! quão amargas tem sido as lagrimas derramadas n'esta
     sepultura em que jaz Lucinia... Lucinia, suave alegria de tua mãe.
     Sim! aqui está sob este gelido marmore. Prouvesse aos Deuses que o
     espirito de novo se animasse porque ella conheceria quão dolorosa é
     a minha afflicão. Viveu 27 annos, 10 mezes e 25 dias. Parthenoca,
     mãe infeliz, lhe mandou erigir este monumento_.

Os Aliscamps deixaram-nos outros que se distinguem por sua philosophia,
e a cujo sentido se dá muitas vezes a interpretação da philosophia
christã. Taes são as duas inscripções seguintes:

     *D. M. FVI, NON SVM; ESTIS, NON ERITIS; NEMO IMMORTALIS*

     _Fui, não sou; sois, não sereis; ninguem é immortal_.

Por outra vemos que entre os romanos, _como entre nós_, os herdeiros
eram mais solicitos em apoderarem-se dos bens dos paes, que dispostos a
levantarem-lhes jazigos; de modo que os homens avisados mandavam
construir os tumulos em vida, para terem a certeza de que não se lhes
perdia a memoria.

     *D. M. LVCIVS GRATIVS EVTICHES DOMVM AETERNAM VIVVS SIBI CVRAVIT NE
     HAEREDEM ROGARET TAVTA*

     _Lucio Grado Eutichis erigiu, ainda vivo, esta morada eterna, para
     não pedir ao seu herdeiro que lhe prestasse este serviço_.

Ao findar a dominação romana, quando o christianismo estava solidamente
estabelecido na Gallia, _a incineração dos mortos já não se
praticava_.[31]

Os sarcophagos christãos em marmores são faceis de distinguir dos
sarcophagos pagãos por causa das esculpturas symbolicas, ou das scenas
biblicas que os ornam.


*Objectos de barro*

Os objectos de barro são, na maior parte, fragmentos que se encontram
nas localidades habitadas no tempo da dominação romana.

As peças mais notaveis pela fórma delicada e pela conservação, são de
barro vermelho envernisadas com bastante brilho, e ornadas com figuras
em relevo. Encontram-se em grande quantidade nos logares que tiveram
importancia sob o dominio romano. É raro, sem duvida, acharem-se vasos
inteiros; mas pode julgar-se pelos fragmentos encontrados quaes seriam a
forma e as dimensões dos objectos a que pertenciam.

Os vasos de barro encarnado apresentavam quasi o mesmo feitio, vasos
bojudos, tijelas ou gamellas de differentes tamanhos [fig. 79], taças
com pé, compoteiras, pequenas taças, travessas redondas de diferentes
tamanhos com borda saliente [fig. 80], pratos, pires, etc, etc.

Pode suppôr-se que a boa louça encarnada servia principalmente para o
serviço da mesa, e para o de toucador.

[Figura 79]

[Figura 80]

A forma dos vasos era geralmente perfeita: os que tinham figuras eram
fabricados com moldes, e isto explica a apparencia gasta de alguns; o
interior era liso, notando-se apenas alguns circulos concentricos
formados pelo torno. Por baixo do fundo do vaso achava-se, quasi sempre,
o nome do operario ou do fabricante, gravado com uma especie de
estampilha ou sinete.

Estes nomes estão umas vezes no genitivo, outras antecididos ou seguidos
das lettras _o_ ou _of_, para designar _officina_, assim: _of Severi_;
_Bassi_; _of o_, _Croci_, _Crassi o_; o que quer dizer que os vasos
sairam da officina ou da fabrica de Severo, de Basso, de Croco, de
Crasso, etc, etc.

[Figura 81]

A palavra _manu_, escripta com todas as lettras ou em abreviatura, como
nas inscripções de: _Priscilli manu_, _Silvani m_, significa da mão de
Priscillio, de Silvanos, etc.

Alguns d'estes vasos eram inteiriços, não podendo sair do molde senão
depois do barro ter seccado para que o relevo se tirasse sem damno do
concavo do molde.

A maior parte porém era tirada de duas ou mais peças, porque seria
impossivel formar um molde de uma só peça para os vasos bojudos.

Se os fabricantes de louça de barro imprimiam os seus nomes no fundo
d'esses vasos, os artistas que fariam as formas e compunham os assumptos
que deviam apparecer nos relevos exteriores, inscreviam tambem os seus
nomes nos moldes, entre as figuras.

_Barro preto_.--As peças de barro preto são mais raras que as
encarnadas, embora se encontrem misturadas com estas.

Tem-se encontrado cobertas com bom verniz côr de ébano, e mostrando
argila, menos compacta que a dos vasos encarnados; ora cinzenta, ora
esbranquiçada, ou avermelhada.

_Objectos de barro bronzeado_.--Apparecem tambem em muitas localidades
pequenos vasos muito leves, de barro encarnado ou amarellento, misturado
de quartzo cobertos de verniz de furta-côres, suavemente applicado.

[Figura 82]

_Barros avermelhados, cinzentos escuros, ou esbranquiçados_, etc.--São
mais ou menos apurados; a massa ou argila de differentes côres foi
empregada para fabricar travessas, pratos, vasos de diversos feitios
destinados para varios usos, botijas, etc.

[Figura 83]

Nos vasos destinados para os liquidos, como são as nossas garrafas,
encontram-se, quer de barro vermelhado, quer cinzento ou esbranquiçado,
formas mui elegantes, das quaes se conservaram algumas até o presente.

Os vasos, como os que se vêem em seguida, ora de barro encarnado, ora
cinzento, apreciam-se um tanto com as saladeiras, ou tijelas grandes, de
que ainda se faz uso.

[Figura 84]

Encontram-se, egualmente, em terrenos cultivados, onde se acham também
telhas e vestigios de habitações romanas.


*Figurinhas de barro*

As estatuetas de barro cozido de côr alvacenta acompanham, muitas vezes,
os fragmentos que assignalam o logar occupado pelas construcções
gallo-romanas, e ainda constituem objectos pertencentes á arte de
oleiro.

Encontra-se sobre tudo, frequentemente entre ellas, a figura de _Venus_
Anadyomena,[32] e taes estatuetas são tão similhantes, que parece terem
saido do mesmo molde; estão completamente nuas, com a cabeça coberta de
abundantes cabellos, a mão direita apanhando-os, e a esquerda tomando a
roupagem.

As outras figurinhas que se encontram mais vezes junto das Venus,
representam uma mulher amamentando uma ou duas creanças, sentada n'uma
cadeira de braços feita de vime encanastrado. Alguns archeologos
suppôem ser esta a imagem de Latona,[33] outros a de Lucina:[34] porém,
julga-se que estas figuras serviam para _ex-voto_, tanto das mulheres
que desejavam obter feliz parto, como d'aquellas que mostravam a sua
gratidão pelo terem alcançado, ou em fim das mães que creavam os filhos,
e que o offereciam á deusa invocada por ellas n'esta circumstancia.

[Figura 85]

A imagem de Mercurio encontra-se em grande numero entre as estatuetas de
barro cozido.

Mas nem todas as figurinhas antigas que se encontram eram destinadas
para reproduzir a imagem das divindades. Eram vazadas nas formas como se
faz presentemente um grande numero de objectos profanos, caricaturas,
brinquedos para creanças, etc.

[Figura 86]

Entre estes ultimos, podem citar-se as figuras de aves, animaes
diversos, carneiro, javali, etc., e também chocalhos como os achados em
tantas localidades diversas, e que se compôem d'um pequeno globo de
barro cozido tendo dentro seixosinhos que produzem o effeito de um
cascavel.


*Objectos em metal, joias e utensilios*

Havia egualmente reproduzido em cobre grande parte dos vasos que se
faziam de barro, principalmente as travessas, bacias, garrafas e baldes
para sacrificios.

Fizeram-se até magnificos de prata, com figuras em relevo batido: a
prova d'isto são os utensilios de todas as formas, em bronze, que
existem em tantas collecções publicas e particulares: broches, fivelas,
e joias tão variadas como as que ahi se vêem, mostram a que ponto os
romanos tinham alcançado a perfeição no trabalho dos metaes, nas pedras
preciosas, no marfim, etc., etc. A descripção de todas estas riquezas
artisticas, não pode figurar n'este resumido compendio.

Os objectos de metal, e os restos mais preciosos pertencentes á
antiguidade, foram descriptos por Caylus, Winckelmann, Chabonillet,
etc., sabios antiquarios que deram a mais completa explicação a este
respeito.

Pela mesma razão, não nos devemos occupar das medalhas romanas, não
obstante o estudo ser util e importante, porém necessitaria augmentar
demasiadamente este livro, e o nosso intuito foi unicamente apresentar
resumida apreciação da architectura pertencente á época gallo-romana, e
descrever os vestigios dessiminados no solo habitado pelo povo-rei.


*Muralhas de defeza ou forticações*

Sem discutir aqui sobre qual seria a época a que pertencem as muralhas
que defendiam as cidades gallo-romanas, devemos comtudo fazer menção
d'ellas, porque constituem ainda provas muito importantes d'essa grande
época.

Quasi sempre estas muralhas foram construidas com pedra miuda, mostrando
na face exterior o pequeno apparelho, separado por cadeias de tijolos, e
cuja base formada por pedras de grande apparelho deviam já ter servido
nos monumentos da architectura, que provavelmente foi preciso sacrificar
para lhe aproveitar o material afim de se fortificarem em momento de
apuro.

O sabio Mr. de Caumont já tinha ha muitos annos insistido sobre um
grande facto, que nenhum historiador indicára, e que ainda ignoram quasi
todos, e é a existencia em differentes localidades d'um _castrum_, cujas
muralhas estão em grande parte formadas de cantaria mostrando obra de
esculptura dos seculos II e III, taes como os fustes de columnas,
frisos, capiteis, tumulos, pedras com inscripções; e por isso o illustre
archeologo julgou poder determinal-o como obra dos fins do seculo IV,
sendo a execução d'essas fortificações em todos os logares apropriados
para tal fim.

Seja como fôr, tendo-se as cidades concentrado cada vez mais, era
preciso restringir o perimetro do recinto á parte mais facil para ser
defendido, e na possivel extensão com os materiaes disponiveis, cercado
de muralhas. Podiamos citar diversos recintos fortificados com 3 a 10
hectares sómente, em quanto essas cidades onde os havia, occupavam antes
100 e até 200, durante o tempo que disfructavam a paz.

No fim de tres seculos de espantosa prosperidade, a Gallia viu, no
seculo IV, a desorganisação e o enfraquecimento gradual das instituições
romanas. Custa a comprehender a que grande aviltamento chegaram no
seculo V.

Um esboço rapido sobre os acontecimentos politicos da Gallia, no quarto
quartel do seculo III explicará claramente a marcha progressiva da
decadencia das artes do seculo IV. Depois das invasões, a miseria
publica augmentou, os abusos mutiplicaram-se, a energia moral diminuiu,
as grandes obras da architectura cessaram, e o gosto foi-se alterando
cada vez mais.

As artes, para prosperarem, tem necessidade de paz e liberdade: estas
condições essenciaes faltaram-lhe no seculo IV; vê-se portanto declinar
tanto mais rapidamente quanto os lapsos da paz eram mais curtos e raros.

Todavia, assim como as instituições romanas não desappareceram com a
quéda do governo romano, assim tambem as artes trazidas para a Gallia
pelo grande povo sobreviveram ao imperio.

«Tal era a robustez da organisação romana, diz Michelet, que, quando a
existencia parecia desemparal-a, quando até os barbaros estavam prestes
a distruil-a, sujeitaram-se a ella sem o quererem. Foram obrigados, de
boa ou má vontade, a habitar sob as abobadas invenciveis que não podiam
abalar; a curvar a cabeça e receber ainda por cima, embora vencedores, a
lei de Roma vencida.»

O que expressa Michelet com relação ás instituições romanas, poderemos
applical-o ás artes, com que o povo-rei dotou a Gallia. Os monumentos em
ruinas serviram em breve de modelos aos barbaros que apparecem armados
com o facho de incendio. Os barbaros começaram a trabalhar tambem, a
edificarem templos, palacios, mosteiros, etc, etc; foram procurar nas
tradicções dos antepassados os conhecimentos para repararem as proprias
devastações. A architectura gallo-romana, mais ou menos alterada nos
seculos V e VI, seguiram seu caminho, até que uma grande revolução, no
fim do XII seculo, substituiu por principios inteiramente novos as
antigas tradições. É o que nós propomos demonstrar nos capitulos que vão
seguir-se.

[Figura 87]


       *       *       *       *       *


*ADDITAMENTO*

*Inscripções Latinas*


Como o estylo lapidar tem certas formulas, abreviaturas especiaes e
signaes particulares, sem adquirir algumas explicações a este respeito,
a interpretação ficaria baldada para quem não as possuisse; embora seja
tambem preciso não ignorar os acontecimentos historicos, todavia
julgamos conveniente ajuntar a este compendio alguns esclarecimentos
epigraphicos afim de facilitar aos principiantes a leitura das lapidas:
portanto, acrescentamos a esta publicação um quadro succinto das
principaes abreviaturas que se encontram nas inscripções luso-romana,
por serem estas as de mais difficil interpretação.

Ainda que a mesma lettra inicial corresponda a diversas palavras, o
sentido geral da inscripção indicará a que fôr mais apropriada á sua
significação. É pois facil distinguir, com alguma sagacidade, os nomes
proprios dos nomes substantivos.

A palavra _tribu_, á qual as familias romanas pertenciam, fica sempre
subentendida, e só se menciona o nome.

As datas, em geral, sabem-se pela indicação do anno do reinado do
imperador, ao tempo do qual o monumento foi erigido. Finalmente, deu-se
o epitheto de _Divus_, a cada um dos imperadores, depois da sua morte.

    A.--ager; augustales: augustatis.--A. A.--apud agrum.

    AB. AC. SEN.--ab actis senatus.

    [AE]. CVR.--ædilis curulis. A. FRVM.--a frumento.

    A. H. D. M.--amico hoc dedit monumentum.

    A. K.--ante kalendas.--A. O. F. C.--amico optimo faciendum curavit.

    A. P.--ædilitia potestate; amico posuit.

    A. S. L.--animo solvit libens; a signis legionis.

    A. T. V.--aram testamento vovit.

    A. XX. H. EST.--annorum viginti hic est.

    B. A.--bixit (pro vixit) annis.

    B. DE. SE. M.--bene de se meritæ, _vel_ merito.

    B. M. D. S.--bene merenti, _vel_ bene merito de se.

    B. P. D.--bono publico datum.

    B. Q.--bene quiescat.--B. V.--bene vale.

    BX. ANOS. VII. ME. V. DI. XVII.--vixit annos septem, menses, sex,
    dies decem septem.

    7.--centuria; centurio.--C.--centurio.

    C. B. M.--conjugi bene merenti; et F.--conjugi bene merenti fecit.

    CENS. PERP. P. P., _vel_ CENS. PERP. p. r., _vel_ CENS. P. P.
    P.--censor perpetuus; pater patriæ

    COH. I. AFR. C. R.--cohors prima africanorum civium romanorum.--FL.
    BF.---flavia beneficiariorium.

    C. I. O. N. B. M. F.--civium illius omnium nomine bene merenti
    fecit.

    C. K. L. C. S. L. F. C.--conjugi carissimo loco concesso sibi
    libenter fieri curavit.

    C. P. T.--curavit poni titulum.

    C. R.--civis romanus; civium romanorum; curaverunt refici.

    C. S. H. S. T. T. L.--communi sumptu hæredum, sit tibi terra
    levis.

    D.--Decimus; decuria; decurio; dedicavit; dedit; devotus; dies;
    diis; divus; dominus; domo; domus; quinquaginta.

    D. C. D. P.--decuriones coloniæ dederunt publice.

    D. D.--dedit, dedicavit.

    D. D. D. S.--decreto decurionum datum sibi; dono dedit de suo.

    D. K. OCT.--dedicatum kalendis octobris.

    D. M. ET. M.--diis manibus et memoriæ.

    D. N. M. E.--devotus numini majestati ejus.

    D. O. S.--deo optimo sacrum; diis omnibus sacrum.

    D. P. P. D. D.--de propria pecunia dedicaverunt; de pecunia publica
    dono dedit.

    D. S. F. C. H. S. E.--de suo faciundum curavit, hic situs est.

    D. T. S. P.--dedit tumulum sumptu proprio.

    E. CVR.--erigi curavit.--EDV. P. D.--edulium populo dedit.

    E. E.--ex edicto; ejus ætas.

    E. H. T. N. N. S.--exterum hæredem titulus nostre non sequitur.

    E. I. M. C. V.--ex jure manium consertum voco.

    E. S. ET. LIB. M. E.--et sibi et libertis monumentum erexit.

    E. T. F. I. S.--ex testamento fieri jussit sibi.

    E. V. L. S.--ei votum libens solvit.

    FAC. C.--faciendum curavit.

    F. C.--facere curavit; faciendum curavit; fevit conditorium; felix
    constans; fidei commissum: fieri curavit.

    F. H. F.--fieri hæres fecit: fieri hæredes fecerunt.

    F. I. D. P. S.--fieri jussit de pecunia sua.

    F. M. D. D. D.--fecit monumentum datum decreto decurionum.

    F. P. D. D. L. M.--fecit publice decreto decurionum locum monumenti.

    F. Q.--flamen quirinalis.

    F. T. C.--fieri testamento curavit.

    F. V. F.--fieri vivens fecit.

    G. L.--genio loci.--G. M.--genio maio.

    G. P. R.--genio _seu_ gloria, populi romani.

    G. R. D.--gratis datus, _vel_ dedit.

    G. S.--genio sacrum; genio senatus.

    G. V. S.--genio urbis sacrum; gratis votum solvit.

    H.--habet; hac hastatus; hæres; hic; homo; honesta; honor; hora;
    horis; hostis.

    H. B. M. F.--hæres bene merenti fecit.--F. C.--faciendum curavit.

    H. C. CV.--hic condi curavit; hoc cinerarium constituit.

    H. D. D.--hæredes dono dedere; honori domns divinæ.

    HE. M. F. S. P.--hæres monumentum fecit sua pecunia.

    HIC. LOC. HER. N. S.--_vel_ HIC. LOC. HER. NON. SEQ.--hic locus
    hæredum non sequitur.

    H. L. H. N. T.--hunc locum hæres non teneat.

    H. M. AD. H. N. T.--_vel_ H. M. AD. H. N. TRAN.--hoc monumentum ad
    hæredes non transit.

    H. N. S. N. L. S.--hæres non sequitur nostrum locum sepulturæ,
    _vel_ hæredem ... locus, etc.

    HOC. M. H. N. F. P.--hoc monumentum hæredes nostri fecerunt
    ponere.

    H. P. C.--hæres ponendum curavit; hic ponendum curavit;--L. D. D.
    D.--hæres ponendum curavit loco, dato decreto decurionum.

    H. S. C. P. S.--hic curavit poni sepulcrum; hoc sepulcrum condidit
    pecunia sua; hoc sibi condidit proprio sumptu.

    H. T. V. P.--hæres titulum vivus posuit, hunc titulum vivus
    posuit.

    I. AG.--in agro.---I. C.---judex cognitionum.

    I. D. M.--inferis diis maledictis: Jovi deo magno.

    I. F. P. LAT.--in fronte pedes latum.

    II. V. DD.--duumviris dedicantibus.

    II. VIR. AVG.--duumvir Augustalis.

    II. VIR. COL.--duumvir coloniæ.

    II. VIR. L. D.--duumvir juri dicundo.

    II. VIR. QQ. Q. R. P. O. PEC. ALMENT.--duumviro quinquennali
    qætori reipublicæ operum pecuniæ alimentariæ.

    III. VIR. AED. CER.--triumvir ædilis cerealis.

    IIII. V.--quatuorviratus.

    IIII. V. A. P. F.--quatuorviri argento publico feriundo, _vel_ auro.

    IIII. VIREI. IOVR. DEIC.--quatuorviri juri dicundo.

    IIIIII. VIR. QQ. L. D.--sexvir quinquennalis juri dicundo.

    IN. AG. P. XV. IN. F. P. XXV.--in agro pedes quindecim in fronte
    pedes viginti quinque.

    I. O. M. D. D. SAC.--Jov. optimo maximo, diis deabus sacrum.

    I. P.--indulgentissimo patrono; innocentissimo puero; in pace;
    jussit poni.

    I. S. V. P.--impensa sua vivus posuit, _vel_ vivi posuere.

    K. B. M.--carissimæ bene merenti, _vel_ carissimo.

    K. CON. D.--carissimæ conjugi defunctæ.

    K. D.--kalendis decembris; capite diminutus.

    L.--liberta; lucia.--L. B. M. D.--libens bene merito dicavit; locuno
    bene merenti dedit, _vel_ libertæ, _seu_ liberto.

    L. F. C.--libens fieri curavit; libertis faciendum curavit; libertis
    fieri curavit, _vel_ locum _aut_ lugens.

    LIB. ANIM. VOT.--libero animo votum.

    L. L. FA. Q. L.--liberlis libertabus familiisque libertorum.

    L. M. T. J.--locum monumenti testamento fieri jussit.

    LOC. D. EX. D. D.--locus datus ex decreto decurionum.

    L. P. C. D. D.--locus publice concessus, datus decreto decurionum.

    L. Q. ET. LIB.--libertisque et libertabus.

    L. XX. N. P.--sestertiis vigenti nummum pendit.

    MAN. IRAT. H.--manes iratos habeat.

    M. B.--memoriæ bonæ; merenti bene; mulier bona.

    M. D. M. SACR.--magnæ deum matri sacrum.

    MIL. K. PR.--milites cohortis prætoriæ.

    M. P. V.--millia passuum quinque; monumentum posuit vivens, _vel_
    memoriam.

    NAT. ALEX.--natione Alexandrinus.

    NB. G.--nobili genere.--N. D. F. E.--ne de familia exeat.

    N. H. V. N. AVG--nuncupavit hoc votum numini augusto.

    N. N. AVGG. IMPP.--nostri Augusti imperatores.

    NON. TRAS. H. L.--non transilias hunc locum.

    N. T. M.--numini tutelari mumicipii.

    N. V. N. D. N. P. O.--neque vendetur, neque donabitur, neque pignori
    obligabitur.

    OB. HON. AVGVR.--ob honorem auguratus; ... H. VIR.--duumviratus

    O. C.--ordo clarissimus.

    O. E. B. Q. C.--ossa ejus bene quiescant condita.

    O. H. IN. R. S. F.--omnibus honoribus in republica sua functus.

    O. LIB. LIB.--omnibus libertis libertabus.

    O. O.--ordo optimus.--OP. DOL.--opus doliare, _seu_ doliatum

    P. B. M.--patri bene merenti, _vel_ patrono, _seu_ posuit.

    P. C. ET. S. AS. D.--ponendum curavit et sub ascia dedicavit.

    PED. Q. BIN.--pedes quadrati bini.

    P. GAL.--præfectus Galliarum, _vel_ præses.

    PIA. M. H. S. E. S. T. T. L.--pia mater hic sita est: sit tibi terra
    levis.

    P. M.--passus mille; patronus mnnicipii; pedes mille: plus minus;
    pontifex maximus; post mortem; posuit merenti; posuit mærens;
    posuit monumentum.

    P. P.--pater patriæ; pater patratus; pater patrum; patrono
    posuit; pecunia publica; perpetuus populus: posuit præfectus;
    prætorio præpositus; propria pecunia; pro portione;
    proprætor; provincia Pannoniæ; publice posuit; publice
    propositum; publii _duo_.

    P. Q. E, _vel_ P. Q. EOR.--posterisque corum.

    P. S. D. N.--pro salute domini nostri.

    P. V. S. T. L. M.--posuit, voto suscepto, titulum libens merito.

    Q. K.--quæstor candidatus.

    Q. PR. _vel_ Q. PROV.--quæstor provinciæ.

    Q. R. _vel_ Q. RP.--quæstor reipublicæ.

    Q. V. A. I.--qui vixit annum unum, _vel_ quæ. A. III. M.
    II.--annos tres, menses duos.

    A. L. M. IIII. D. V.--onnos quinquagnita, menses quatuor, dies
    quinque. A. P. M.--qui vixit... annos plus minus.

    R. C.--romana civitas; romani cives.

    R. N. L. ONG. P. X.--retro non longe pedes decem.

    ROM. ET. AVG. COM. ASI.--Romæ et Augusto communitates Asiæ.

    R. P. C.--reipublicæ causa; reipublicæ conservator;
    reipublicæ constituendæ, retro pedes centum.

    R. R. PROX. CIPP. P. CLXXIIII.--rejectis ruderbusi proxime cippum
    pedes centum septuaginta quatuor.

    R. S. P.--requictorium sibi posuit.

    S.--sacellum; sacrum; scriptus; semis; senatus; sepulcrum; sequitur;
    serva; sibi: singuli; situs: solvit; stipendium.

    S.--uncia.--S.--centuria.

    S.--semuncia.--SB.--sibi; sub.

    S. D. D.--simul dederunt, _vel_ dedicaverunt.

    S. ET. L. L. P. E.--sibi et libertis libertabus posteris ejus.

    S. F. S.--sine fraude sua.--SGN. signum.

    S. M. P. I.--sibi monumentum poni jussit.

    SOLO. PVB. S. P. D. D. D.--solo publico posuit, dato decreto
    decurionum

    S. P. C.--sua pecunia constitut; sumptu proprio caravit.

    S. T. T. L.--sit tibi terra levis.

    S. V. L. D.--sibi vivens locum dedit.

    TABVL. P. H. C.--tabularius provinciae Hispaniae citerioris.

    T. C.--testamento constituit, _vel_ curavit.

    T. T. F. V.--titulum testamentum fieri voluit.

    V. C. P. V.--vir clclarissimus praefectus urbi.

    V. D. P. S.--vivens dedit proprio sumptu; vivens de pecunia sua.

    V. E. D. N. M. Q. E.--vir egregius devotus numini majestatique ejus.

    VI. ID. SEP.--sexto idus septembris.

    VII. VIR. EPVL.--septemvir epulonum.

    V. L. A. S.--votum libens animo solvit.

    VO. DE.--vota decennalia.

    V. S. A. L. P.--voto suscepto animo libens posuit.

    V. S. L. M.--votum solvit libens merito.

    V. V. C. C.--viri clarissimi.

    VX. B. M. F. H. S. E. S. T. L.--uxor bene merenti fecit, hic situs
    est. sit bibi terra levis.

    X.--mille.--X. ANNALIB.--decennalibus.

    X. IIII. K. F.--decimo quarto kalendas februarii.

    X. VIR. AGR. DAND. ADTR. IUD.--decemvir agris dandis attribuendis
    judicandis.

    XV. VIR. SAC. FAC.--quindecemvir sacris faciendis.

    XXX. P. IN. F.--triginta pedes in fronte.

    XXX. S. S.--trigesimo stipendio sepultus.

[Figura 88]



CAPITULO III

*IDADE MEDIA*

ERA ROMANICA


Chama-se idade-media o periodo comprehendido desde a quéda do imperio
romano (V seculo), até o principio do seculo XVI.

A architectura dos primeiros seculos da idade-meia apresenta os
caracteres da architectura romana degenerada, e a designam com o nome de
_architectura Roman_: o typo roman persistiu até ao seculo XII.
Examinaremos este longo periodo da historia da arte, subdividindo em
duas epocas; o _roman primitivo_, que comprehende do V seculo ao XI; e o
_roman secundario_, que pertence aos seculos XI e XII.


PERIODO ROMAN PRIMITIVO


Depois das invasões dos barbaros, as artes e as lettras acharam amparo
nas cidades, e depois nos mosteiros. Os architectos apropriaram ás
necessidades da epoca parte dos edificios gallo-romanos; e exploraram a
outra parte como se o fizessem em uma pedreira; acharam nas columnas,
nos entablamentos, nas esculpturas diversas, e nos outros materiaes que
cobriam o solo, mina que por muito tempo lhes forneceu pedras já
lavradas: não tendo outro trabalho, o maior numero de vezes, senão
ajustal-os ao logar para que os destinavam: portanto a duração do _roman
primitivo_, pois, propriamente fallando, é a continuação do periodo
artistico antecedente, apenas com a alteração nas formas, pela
inhabilidade progressiva dos operarios e architectos.

Os elementos de decoração ficaram como estavam; as esculpturas, os
mosaicos, as pinturas, foram empregadas como no seculo IV; as
composições foram copiadas ou reproduzidas com insignificantes
variantes.

Infelizmente, possuimos bem poucos d'esses restos authenticos dos
edificios do _primeiro periodo roman_; é preciso recorrer aos ultimos
tempos do imperio, reunir mentalmente os mosaicos, as molduras das
decorações, as pinturas decorativas, então usadas, para completar a
escala da ornamentação durante os seculos V, VI, VII e VIII.

[Figura 89: Tumulo de marmore dos primeiros seculos christãos]

Ao passo que se aproveitaram os fragmentos preexistentes nos edificios,
que resistiram ás devastações dos barbaros, fazia-se um trabalho de
assimilação que devemos ter em conta: além de construir bastantes
edificios novos que lhes deviam ser indispensaveis, precisavam tambem de
supprir as faltas de outros, reparar as paredes e as esculpturas,
construir e ornar as igrejas novas. O elemento christão, com o seu
symbolismo novo, seus especiaes assumptos, fez nascer _uma nova escola_
de esculptura e de pintura, posto que se inspirassem dos modelos
romanos. Basta citar para prova d'isto os tumulos dos primeiros seculos
da idade media com as suas scenas biblicas, e as figuras cujos typos
existiam nas pinturas das catacumbas.

As primeiras igrejas christãs foram copiadas das basilicas romanas. As
basilicas eram como edificios para os tribunaes, centros commerciaes
(bolsas) ou bazares. Dois renques parallelos de columnas dividiam o
edificio em tres partes, no sentido da largura. A grande nave central
era mais larga e mais elevada que as outras duas. Na extremidade das
tres galerias, e na central havia um espaço pouco profundo, e de fórma
circular, onde se assentava o presidente ou o primeiro juiz, tendo aos
lados todos os juizes accessores; o bispo ahi collocava a sua cadeira, e
as ceremonias religiosas eram apropriadas á disposição do local.

[Figura 90]

Ha em Abrantes uma igreja que é perfeito especimen d'esta disposição; é
a unica que suppômos haver em Portugal com este typo.

As abbadias, ou communidades religiosas, foram egualmente imitadas das
grandes habitações romanas, tanto da cidade como do campo, de que
apresentâmos um specimen na pagina 82 [fig. 69]; o antigo _atrium_, o
perystilo, tem sido representado na disposição dos claustros.

O _tablium_, ou grande sala, foi representada na casa do capitulo.

No mais foi tudo imitado das outras partes das habitações romanas com as
modificações que necessitava a vida commum dos religiosos. A igreja veio
sómente trazer novo elemento á composição da parte central dos
conventos; porém o pateo externo, com os seus celeiros, curraes,
lagares, etc., apresentava a similhança de uma _villa rustica_ dos
romanos reunida á habitação do proprietario.

[Figura 91: Fragmento de um tabernaculo, ornado de pedras peciosas, de
pombas, palmeiras carregadas de fructas, symbolisando as graças
espirituaes. Esculptura mérovingia do museu d'Arles]

Os palacios tiveram disposição identica á das grandes casas romanas; os
seus pateos ornados de columnas ou de arcadas como os claustros, eram,
como estes, a reproducção exacta do _atrium_ e do _perystilo_. (Veja-se
a pag. 82. [fig. 69])

[Figura 92: O interior da crypta de Saint-Avit, em Orleans (IX seculo)]

[Figura 93: Columnas e pilastras da crypta com os capiteis]

As habitações ruraes dos proprietarios abastados reproduziam tambem as
disposições principaes das _villæ_ gallo-romanas.

[Figura 94: A igreja de Vieux-Pont-en-Auge (Calvados), construida com
pequeno apparelho]

Passemos rapidamente sobre esta primeira parte do periodo roman, do qual
existe mui pouco para citar, e vamos já occupar-nos do segundo periodo,
que nos apresenta grande numero de monumentos notaveis, dando porém
alguns fragmentos de architectura e esculptura pertencentes ao periodo
roman primitivo, n'esta pagina e nas seguintes para se formar melhor
idéa, posto que succinta, do estado da arte nos seculos IX e X.

[Figura 95: Capitel da igreja de Jouarre (VII seculo)]

[Figura 96: Frontão do baptisterio de Poitiers]

[Figura 97: Pavões e animaes symbolicos]


PERIODO ROMAN SECUNDARIO


O seculo IX, de tão crueis provações, vira desapparecer grande numero de
edificios pertencentes aos seculos anteriores. Estes edificios não
teriam grande solidez, porque os normandos facilmente os destruiram e
incendiaram, na occasião dos seus saques e vandalismos, e os que não
ficaram expostos a esta barbaria apresentam já o aspecto vetusto.

Quando quizeram reparar similhantes damnos, reconstruiram o que já
estava destruido, e não encontraram, como succedera no V e nos seguintes
seculos, senão fustes de columnas, capiteis, esculpturas provenientes
dos monumentos em ruinas dos gallo-romanos: foi preciso, no seculo X,
cortar nova cantaria, extrahir outros materiaes, executar esculpturas,
ainda que grosseiramente, para os ornamentos com que desejavam dar
realce ás igrejas, aos palacios, e outros edificios publicos, ou
particulares: portanto, nova ordem de cousas devia resultar das novas
exigencias e necessidades. Viu-se, pois, no ultimo quartel do seculo X,
e principalmente no XI, a architectura em via de transformação, depois
caminhar gradualmente para o estado de esplendor a que attingiu no
seculo XII.

As esculpturas provenientes dos monumentos romanos, ou muito bem
imitados, deram certo brilho ao interior das grandes construcções dos
seculos intermediarios: os mosaicos, as pinturas e estuques, occultavam
a pobreza dos materiaes empregados.

No seculo XI dispensaram os ornamentos no interior das habitações, porém
exigiram mais solidez e mais segurança contra os incendios; construiram
mais frequentemente com pedra, pensaram em substituir com abobadas os
tectos de madeira, que haviam sido até então quasi exclusivamente
empregados.

Os frades architectos, e os demais artistas, em plena liberdade para
innovar, construiram as igrejas e os edificios, onde havia necessidade
de taes obras, combinando novos planos e disposições inteiramente
desconhecidas.

As proporções antigas exigidas na architeclura não continuaram a ser
observadas quanto ao _modulo_ das columnas, e suas subdivisões. O
_colorete_ fez então sempre parte do capitel, de certo contrario ás
regras da architectura romana, porque o colorete andava ligado com o
corpo da columna.

As esculpturas mais rudimentares apresentavam series de figuras
repetidas, que se agrupavam, seguindo, conforme as escolas, systemas
differentes.

Estes factos, que o seculo XI apresenta ao observador prespicaz, fazem
de certo modo, d'esta época, que vamos tratar, o ponto de partida dos
desenvolvimentos da architectura tal como se nos apresenta hoje á vista,
examinado o extraordinario numero dos edificios antigos que existem na
Europa.

Passamos portanto a apresentar, seculo por seculo, comparativamente, os
typos dos edificios religiosos, civis, e as fortificações, e indicaremos
successivamente os seus caracteres principaes, por modo que possa
demonstrar-se claramente a marcha e o desenvolvimento da architectura e
das artes accessorias durante o periodo indicado.


*ARCHITECTURA RELIGIOSA*


Descrevendo os caracteres principaes da architectura religiosa do
periodo _roman secundario_, comprehenderemos ao mesmo tempo os seculos
XI e XII.

Os ornatos do seculo XI teem mui pouco relevo, e estão executados com
bastante rudeza; mas os do seculo XII já apresentam os contornos mais
correctos, com ornamentação mais variada, e de acabamento infinitamente
mais superior; pode affirmar-se que a architectura roman chegára á
maxima perfeição.


*Forma das igrejas*

Como já dissemos, as igrejas foram imitadas primitivamente das basilicas
romanas, porém algumas, logo desde os primeiros tempos, tiveram no risco
a fórma da cruz, pelo augmento da parte a que chamamos cruzeiro.

A fórma geral das igrejas um pouco vastas no seculo XI, e nos seguintes,
era a da cruz, cujos braços se estendiam de Norte ao Sul, e cuja cabeça
estava figurada pelo côro voltado para Leste. A entrada principal era do
lado occidental; ás vezes nas paredes lateraes da nave havia frestas. O
comprimento da nave comparado com o do côro e capella mór, o maior ou
menor desenvolvimento dos cruzeiros, estabeleceu nas fórmas geraes das
igrejas mudanças importantissimas. O côro, menos compridó que a nave,
apresentava quasi sempre a terça ou quarta parte do comprimento total do
edificio.

[Figura 98]

Umas vezes as naves lateraes terminavam onde principiava a curva da
abside, como se vê na figura 101, pag. 124; outras vezes prolongavam-se
em volta do côro como na figura 100. Havia tambem igrejas rectangulares,
ou com o fundo do côro recto.

[Figura 99]

Nos paizes do Norte, as igrejas acabavam a Leste e a Oeste, por absides
semicirculares, figura B, como egualmente existem em algumas igrejas
antigas, principalmente em S. Lourenço de Grenoble, como indica a planta
junta; assim como outras muito mais antigas eram compostas sempre d'uma
nave terminando em fórma circular, fig. 98; ou com os lados polygonaes,
cercada por naves lateraes ou galerias; havendo a Leste, um altar
collocado n'um appendice encostado sobre as paredes circulares. Esta
fórma foi imitada pelo imperador Carlos Magno, na celebre igreja de
Aix-la-Chapelle, a qual tambem depois imitaram na igreja d'Ottmarsheim,
na Allemanha.

[Figura 100: Naves lateraes contornando a abside]

[Figura 101: Igreja com duas absides]

[Figura 102: Córte da igreja de Ottmarsheim (Alto Rheno)]

Dava-se em algumas igrejas a fórma redonda ou octogona, para imitar a do
Santo Sepulchro de Jerusalem.

Por baixo do côro de muitas igrejas existiam cryptas ou capellas
subterraneas; quando tinham maiores dimensões, as suas abobadas eram
sustentadas por dois renques de columnas.

[Figura 103: Plano da igreja de Ottmarsheim]

Algumas cryptas prolongam-se por baixo do cruzeiro; desce-se para as
cryptas por escadas que saem das naves, ou da nave principal junto da
entrada[35] para o côro, ou dos cruzeiros.


*Apparelhos das construcções*

Encontram-se nos seculos XI e XII os principaes apparelhos em uso na
architectura _roman primitiva_. O pequeno apparelho e o medio vê-se
frequentemente applicado.

Quando se serviram de cantaria liza para cobrirem as faces das paredes,
assentavam-n'a de lado, com inclinação alternada para a direita e
esquerda (_opus spiscatum_). Os romanos usavam tambem pôr as pedras
d'este modo.

[Figura 104]

No seculo XI, os apparelhos tinham larga facha de cimento nos
intersticios, ao passo que no seculo seguinte, as juntas mostravam menos
espessura.

Em alguns apparelhos medios vêem-se diversas figuras profundamente
gravadas, parecendo signaes dos canteiros, que teriam por este meio
reconhecido as pedras que tivessem preparado para se lhes pagar os
salarios.[36]

[Figura 105]


*Contrafortes*

Os contrafortes tiveram no seculo XI muito pouca saliencia,
comparativamente com a que depois se lhes deu. No seculo XII, apparecem
muitas vezes os pilares ornados de columnas mettidas nos angulos com os
esbarros revestidos de curvas com imbricados [fig. 106].

[Figura 106]

[Figura 107]

[Figura 108]

Na Italia, na Allemanha e em outras nações, os contrafortes são mui
pouco salientes, e só permittem os de ressaltos separados por distancias
eguaes uns dos outros [fig. 107 e 108].


*Ornamentações*

Para abreviarmos as explicações sobre este ponto, daremos os desenhos de
algumas molduras ornamentadas, que eram mais vulgares nas construcções
religiosas dos seculos XI e XII.

[Figura 109: Zigue-zagues oppostos]

[Figura 110: Filêtes desencontrados]

[Figura 111: Zigue-zagues alternados]

Mr. de Caumont emprehendeu repetidas viagens por differentes paizes, com
o louvavel intuito de indagar quaes seriam as modificações que o genio
dos architectos introduzira em tal ou tal provincia; assim como para
examinar se haveria synchronismo entre os edificios, apresentando a
grandes distancias uns dos outros identidade de typos architectonicos.

[Figura 112: Escamas]

[Figura 113: Carrâncas]

[Figura 114: Pontas de diamante]

[Figura 115: Estrellas]

[Figura 116: Torçal]

[Figura 117: Zigue-zagues dentados]

[Figura 118: Folhagem com serpes]

[Figura 119: Entrelaçados]

[Figura 120: Ornamento dentado]

[Figura 121: Molduras entrançadas e carrancas/Molduras com rhombos]

[Figura 122: Florões ornados de perolas]

[Figura 123: Faixas e molduras com perolas]

[Figura 124: Entrançados com perolas]

[Figura 125: Discos e molduras com lavor]

[Figura 126: Palmas e quadrupedes]

Este trabalho scientifico de summo interesse para a historia da arte,
era mais um importante serviço prestado aos estudos archeologicos por
pessoa já afeita por seu saber e dedicação.


*Arcadas fingidas*

[Figura 127: Do seculo XII]

As grandes superficies foram muitas vezes guarnecidas arcadas fingidas,
assentes em pilastras ou em columnas embebidas na parede, e dava-se-lhes
o nome de _arcaturas_: faz-se idéa do effeito que produziriam vendo o
_especimen_ que apresentamos.

[Figura 128: Archivoltas dos seculos XI e XII.]


*Portas*

De todas as partes dos edificios, são sem duvida as portas que tem sido
mais ornadas de molduras no seculo XII, e até em alguns edificios com
aspecto simples. Porém no seculo XI conservam ainda, no maior numero,
grande simplicidade nas fórmas. Foi no seculo XII que mais se
multiplicaram as archivoltas, e o que obrigou depois a proporcionar o
numero das columnas que serviam de apoio á queda d'essas curvas, e dar
maior grossura aos pés direitos interiores: algumas portas não
apresentam nem columnas nem pilastras, apenas tem ornatos desde o cimo á
base, com aformoseamentos de mais ou menos profusão.

[Figura 129: Porta da igreja de Mortain]

Os tympanos (é assim que se chama o espaço semicircular comprehendido
entre a abertura e as archivoltas bem como o espaço triangular entre as
mulduras do frontão e as do entablamento do perystilo), são compostos de
peças symetricas com molduras ou sem ellas; ha outros que estão cheios
de baixos-relevos; como se vê n'este tympano da igreja de S. Miguel,
proximo d'Angoulème (França), no qual o archanjo representa vencer o
inimigo do genero humano, prostrado aos pés sob a fórma de gigante
dragão. É nos tympanos das portas que se encontra principalmente a
representação de Christo entre os symbolos dos quatro evangelistas, o
boi,[37] a aguia, o leão e o anjo.

[Figura 130]

Muitas portas tiveram primitivamente alpendre coberto com telhas; d'este
modo poderam ornal-as com baixos-relevos e molduras, posto que fossem de
cantaria, pois sem o que ficariam expostas á intemperie das estações, e
perder-se-hia o trabalho. Nas igrejas e nas cathedraes existem
egualmente grandes alpendres, que figuram vestibulos diante das portas,
como em Santarem, na igreja de S. Francisco.

[Figura 131: Jesus Christo n'uma aureola, no meio dos symbolos dos
quatro evangelistas]

[Figura 132: Portico-vestibulo em Moissac]


*Fachadas*

[Figura 133]

A disposição das fachadas varia conforme a grandeza das igrejas. Na
representada pela gravura junta de uma igreja rural, a porta tem duas
archivoltas guarnecida de rhômbos e de zigue-zágues, tendo no cimo um
renque de arcadas fingidas; uma unica abertura occupa o centro do
frontão com uma janella de volta perfeita. A outra figura representa uma
igreja, mostrando os lados indicados conforme a posição das naves
lateraes, tendo já maior fachada que a precedente. Por cima da porta
veêm-se tres archivoltas sustentadas por columnas e ornadas de diversas
molduras; mais acima a janella de volta com archivolta e columnasinhas;
e a sua parte superior cornija com modilhões e frontão triangular. Esta
combinação é frequente nas igrejas do seculo XII.

[Figura 134: Fachada da igreja de Jort (Calvados).]


*Janellas*

As janellas de maiores dimensões são estreitas e sem columnas. No seculo
XII, principalmente, são maiores e ornadas de archivoltas sustentadas
por columnasinhas, e por vezes acompanhadas de arcadas fingidas.

[Figura 135]

[Figura 136: Janella guarnecida de duas _arcaturas_]

As aberturas são circulares, e usam chamar-lhes _espelhos_ ou _oculos_;
principiaram a ser empregadas no seculo XII, divididas em raios do
centro para a circumferencia. Apresentavam tal ou qual similhança com as
rodas das carruagens. O logar dos espelhos era escolhido nas
extremidades da nave principal, ficando por cima da porta occidental, e
ás vezes tambem no centro da abside ou do côro.

[Figura 137]

Temos ainda felizmente, em Portugal, um edificio religioso que conserva
o typo completo da architectura do seculo XII, e é o que pertence á
profanada igreja de S. João de Alporão, em Santarem. Todas as formas e
detalhes, que caracterisam a architectura roman, se conservam ainda na
dita construcção. Os seus dois portaes com o feitio de volta
semicircular; as columnas sem lavor, sustentando archivoltas; o tympano
liso por cima da verga do portal; os butareos singelos; a cimalha
composta de carrancas; o espelho aberto na extremidade da nave e
radiado; a fachada principal voltada para o lado do poente, conforme a
orientação adoptada no culto christão; apparelho pequeno applicado á
construcção, conservando muita largura nas juntas da cantaria; tudo
emfim nos offerece o completo modelo das primitivas igrejas d'aquella
época, que o fundador da monarchia portugueza mandou construir no reino.
E além de apresentar a mais evidente prova do estylo da architectura do
seculo XII, tambem nos confirma ter pertencido esta fabrica ao reinado
de D. Affonso Henriques, mostrarem igualmente as pedras da edificação
_as siglas com que na idade media os canteiros marcavam o trabalho
executado_,[38] signaes necessarios para reconhecer a qual dos operarios
pertencia, e saber-se tambem quanto se deveria pagar a cada um: pois que
esses signaes são similhantes aos demais gravados na cantaria dos
monumentos coevos do paiz, notando-se esta particularidade não só nas
ruinas dos castellos, mas tambem nos edificios religiosos. A nossa
satisfação aqui sobe de ponto por sermos o primeiro que apresentâmos tal
gravura e tão precioso e completo especimen da archeologia patria da
referida epoca.

[Figura 138: Igreja de S. João d'Alporão (Santarem)]


*Arcadas*

As arcadas, dispostas para communicar a nave principal com os lados da
igreja, eram construidas pela mesma forma como as portas; suas
archivoltas poucas vezes tinham molduras, e por isso ficavam quasi
sempre ligadas.


*Entablamentos*

[Figura 139]

O entablamento que corôa as paredes dos edificios é geralmente posto
sobre modilhões figurando cabeças grotescas, carrancas, ou outras
figuras de feitios variados; como se nota nas fachadas posteriores da sé
velha de Coimbra, do convento de Santa Clara de Santarem, da igreja de
Cedofeita, e capella-mór de Odivellas.

[Figura 140]

Á proporção que nos aproximâmos do fim do seculo XII, as cornijas
mostram-se-nos mais leves, e no seculo XIII apresentam-nos guarnição
imitando dentes de serra.


*Columnas*

Os pontos de apoio que tinham sido muitas vezes _monocylindricos_ no
principio do seculo XII, até quando eram compostos de pilastras, foram
depois, quasi meado este seculo, formados por um conjuncto de columnas
enfeixadas, innovação que devia depois produzir as columnas inteiriças
desde o solo até ao nascimento da abobada, concorrendo assim para a
creação do estylo ogival.

[Figura 141]


*Capiteis e diversas bases das columnas nos seculos XI e XII*

Chama-se capitel historiado ao que é formado por composições relativas a
assumptos religiosos ou historicos, executados em baixo-relevo.[39]


*Abobadas*

Durante o seculo XI, as abobadas de cantaria eram raras, e
principalmente applicadas ás grandes naves; em geral não se viam as
abobadas senão nas naves lateraes e nas absides, ficando visiveis os
madeiramentos, ou então cobertos com taboado.

Foi no seculo XII que os mais ousados architectos lançaram as primeiras
abobadas de cantaria sobre as grandes naves; mas para esta construcção
foi preciso modificar a antiga disposição afim de receber os pontos de
apoio dos arcos encruzados em diagonal, que contribuem tanto para
consolidar essas abobadas.

Nas igrejas do estylo roman, notam-se facilmente estas estructuras, e as
mudanças que isso motivou nas suas construcções.

[Figura 142: Vista interior da igreja de Souillac]

Existe certo numero de igrejas com a abobada construida em cupula.
Representa uma cupula a metade de uma esphera. Para se poderem firmar as
cupulas nas paredes, cujas divisões apresentavam a fórma quadrada, era
necessario collocar entre os seus arcos _abobadas pendentes_
(pendantifs), de maneira a formar com elles (na parte superior) o
circulo horisontal, sobre o qual caia o peso da cupula: este modo de
construir a cupula tirava a sua origem da architectura Bysantina.

Ha tambem outras abobadas ogivaes _cupuliformes_, que se firmam não nas
paredes lateraes, mas egualmenle na archivolta dos arcos de cada vão, na
direcção longitudinal. De sorte que, se suppozermos uma cupula ou
espheroide, que se transforme com as suas abobadas pendentes,
formar-se-ha a idéa primitiva que produziu o systema que expozemos, e ao
qual o distinctissimo architecto Mr. Viollet-le-Duc deu a seguinte
significação: _É uma cupula hemispherica furada com quatro arcos em
ponto subido traçados por tres pontos_. Fortificavam-se estas abobadas
esphericas achatadas com as nervuras ou arcos cruzados, descançando-as
nos angulos do quadrado, e com outros que se cruzavam no intervallo dos
primeiros, e rematavam no cimo de cada arco maior.

As abobadas esphericas com duplo cruzamento de nervura foram muito
applicadas nos seculos XII e XIII.

Porém, para voltarmos á descripção das abobadas dos seculos XI e XII em
geral, basta dizer que ha muitas que foram construidas da fórma de
semi-cylindros continuos, descançando nas paredes ou pilares, e que se
reforçaram com arcos duplos de cantaria parallelos á dita abobada como
apresentâmos na gravura da pagina seguinte; porém, o peso d'estas
abobadas era muito grande, e causava ruinas frequentes. Então, para
remediar este inconveniente, cruzavam-se os arcos duplos, afim de
dividir a pressão e dirigil-a nos pilares regularmente separados. As
paredes lateraes ficaram por este modo consideravelmente alliviadas do
grande peso que d'antes tinham sobre si, o que se verá perfeitamente na
gravura seguinte. Este systema originou o enfeixarem-se as columnas
conforme as combinações que serão facilmente comprehendidas, e que
tinham por fim sustentar os arcos duplos.

[Figura 143: Abobadas do seculo XII, com arcos duplos cruzados]


*Torres isoladas*

Presume-se que as torres para sinos não foram construidas antes do
seculo VIII, e por muito tempo seriam apenas um simples campanario,
ficando superior ao telhado da igreja e proximo do sanctuario, para
facilitar os toques durante a missa, sem que o acolyto se afastasse do
altar. Depois apparece a torre da igreja entre o côro e a nave
principal. Nas grandes igrejas collocaram uma torre sobre o centro do
cruzeiro, e passado tempo levantaram outras nas extremidades occidentaes
das naves. Esta nova disposição das torres era já usada no seculo XII e
antes dos fins do XI, mas applicada sómente para as igrejas dos
conventos.

[Figura 144: Torre do seculo XII]

As torres romans eram, além da fórma quadrada, limitadas por uma
pyramide de grandes faces, quer fosse construida de pedra, quer de
madeira: esta pyramide terminava muitas vezes com a extremidade de fórma
romba; tal assim foi construida a torre quadrada e isolada da igreja de
N. Senhora das Dôres, em Dornes, na provincia da Extremadura.

O grande numero de pyramides que ornam as torres antigas romans foi obra
executada depois nos seculos XIII e XIV. Ha tambem algumas torres de
fórma octogona e terminando por um telhado que obedece á mesma fórma.


*Iconographia[40] christã*

Ainda que este assumpto nos conduziria muito longe, todavia para não
ficar incompleto, em parte, tão importante estudo da arte n'este
periodo, tambem resumidamente daremos succintas explicações.


*Pinturas decorativas*

As pinturas decorativas foram muito usadas no seculo XII. As ocres
encarnadas e amarellas, o azul, o verde e o branco, formam a escala mais
commum das côres. As figuras eram imitadas das que se executavam na
esculptura da mesma época.

[Figura 145: Pinturas do seculo XII]


*Pavimentos*

Os sanctuarios mais elegantes tinham o piso executado em mosaico, ou
marchetados de côres. Principiaram no século XII a usar nos pavimentos
das igrejas os tijolos;[41]porém os revestidos com cimento, ou lageados,
eram usuaes em as naves.


*Altares*

Os altares e pias baptismaes pertencentes ao seculo XII são raros hoje;
eram de estylo inteiramente analogo ao das igrejas d'esse tempo,
conforme se vê nos especimens que damos.

[Figura 146: Altar roman, em Saint-Germer]


*Tumulos*

Posto que a interessante obra que nos serve de poderoso guia não traga
explicações sobre os tumulos do periodo, de que tratâmos, pareceu-nos
conveniente dizer alguma cousa, para não omittirmos as essenciaes noções
ácerca dos diversos trabalhos.

[Figura 147: Pias de baptismo roman de Chéreng (França)]

Foi no seculo IX, que consentiram em que os cadaveres tivessem
sepulturas no interior das igrejas, mas d'esta prerogativa só podiam
gosar os reis, os bispos e os abbades, que por suas virtudes estiressem
no caso de receber canonisação; por quanto os cemiterios christãos, nos
primitivos tempos, eram situados fora das cidades; e no concilio
celebrado em 660 se permittiram os enterros unicamente nos adros das
igrejas.

Os christãos costumavam amortalhar os defuntos com os fatos usuaes e as
insignias do cargo ou profissão; os parentes mais proximos transportavam
os despojos mortaes, que eram depois encerrados em caixão de pedra,
marmore, ou de madeira e chumbo, ficando o cadaver com o rosto voltado
para o céo e os pés para o Oriente. Manteve-se este uso até o seculo
XIII.

Os sarcophagos eram collocados sobre o solo em renques parallelos, na
direcção do norte para o sul. Tinham a fórma de parallelipedo, sendo
mais estreitos aos pés que do lado da cabeça; e alguns tomavam na
cabeceira a fórma curvilinea.

Fazendo investigações archeologicas ainda este anno (1876), em
Alvaizerere, no antigo cemiterio e sitio chamado da _Igreja-Velha_, da
qual já não existem nenhuns vestigios, descobrimos sepulturas d'esse
feitio pertencentes ao seculo XI; o que nos fez conhecer a época da
fundação da remota igreja, de que só se conservou o nome.

N'essa época tambem costumavam collocar dentro do caixão dois vasos de
barro, um com agua benta, e outro com brazas e incenso.

Havia em muitos cemiterios, no seculo XII, além de uma cruz de pedra,
uma columna ôca, ou pilar quadrado, no qual punham de noite uma lanterna
em signal de veneração para o logar sagrado, e como indicação para que
os transeuntes pudessem rezar pelo eterno descanço dos finados.

Os tumulos em vulto ficavam collocados nas cryptas, ou nos porticos ou
em capellas das igrejas, separados das paredes ou mettidos dentro de
arcadas no grosso da construcção; e estas arcadas eram ornadas com
diversas molduras proprias do estylo ao qual pertencia a época do
tumulo:[42] porém, no seculo XIV, acompanhadas dos dois lados por
contrafortes e pinaculos. Emquanto ao feitio do cofre sepulchral,
imitaram a fórma quadrangular da decadencia romana. Os que eram
construidos em marmore estavam decorados por arcadas ou baixos-relevos.
A campa era composta de uma grande lagea horisontal, ou duas inclinadas,
formando um angulo agudo, e ornada de arabescos. No final do seculo XII,
começaram de empregar a fórma das campas com lados inclinados.

Nos tres seculos seguintes, apresentavam a estatua do defunto deitada de
costas sobre a tampa do sarcophago. Viam-se ás vezes o marido e a mulher
ao lado um do outro, no mesmo tumulo.

No museu de archeologia do Carmo, em Lisboa, ha um singular exemplo da
estatua de uma pessoa real _deitada de ilharga_, que podemos considerar
raro, porque ha só outro exemplo no jazigo real de S. Diniz, em França.

Os reis e os fidalgos eram representados com os seus uniformes, os
bispos e os abbades com as suas vestimentas sacerdotaes, com as mãos
juntas, ou os braços cruzados no peito.[43]

Os tumulos mais modestos da idade media, são os rasos, collocados nas
igrejas e nos claustros. Os mais antigos datam do seculo XII. N'essas
campas acham-se gravados em traços concavos, a effigie e o corpo inteiro
do finado, com inscripção em latim; o mais notavel exemplo d'este genero
existe em um claustro de Alcobaça, tendo a campa assente entre a porta
da casa do capitulo e a galeria do claustro.[44]

As pedras tumulares eram tambem ornadas de incrustações de cobre, e
d'este género apparecera no anno de 1875 em Portugal metade de uma campa
pertencente a um tumulo, o qual estava entaipado na parede da igreja de
S. Domingos em Santarem: representava apenas as pernas de duas figuras
de homem e outra de mulher, e uma pequena parte da inscripção já com
falta de algumas letras.[45]

Nas igrejas da Belgica ha grande numero de campas d'este genero com
embutidos de metal.

É de grande auxilio para a historia o estudo de taes tumulos,
principalmente para se conhecer certos brazões e usos do vestuario na
idade-media.


*ARCHITECTURA CIVIL*


As construcções destinadas aos conventos, aos hospitaes, palacios,
mercados, pontes, ás casas particulares, constituem emfim a architectura
civil. As construcções civis dos seculos XI e XII mostram no apparelho,
na fórma das aberturas, molduras e ornamentações, que eram identicas das
construcções religiosas.

[Figura 148: Janellas de diversas construcções civis]

As vergas das janellas de volta perfeita, e ás vezes de fórma recta,
eram subdivididas em duas aberturas, como as usadas nas igrejas.

Aos respiradouros das chaminés davam-lhes a fórma cylindrica na parte
superior, ficando mais ou menos elevados.

[Figura 149]

A frente dos fogões no interior dos aposentos era sustentada com
columnas e pilastras, ou arcos abatidos.


*Edificios monasticos*

As construcções civis mais importantes pertenciam ás casas religiosas. A
sua architectura era simples e severa no seculo XI; porém no XII, o sem
numero de legados destinados aos mosteiros facilitaram o emprego de
quantias avultadas para a construcção de claustros e de casas de
habitação. Existem ainda em Portugal, não obstante a destruição e
abandono que se dá ha cincoenta annos n'esses edificios religiosos, como
em Alcobaça, Santarem e Coimbra, bellos especimens da architectura
monastica do seculo XII. Já dissemos [na pag. 116] que as abbadias
haviam copiado as principaes distribuições das casas de campo, e das
cidades usadas pelos romanos.

[Figura 150: Plano d'uma abbadia do seculo XII (parte central)

1, igreja. 3, sala capitular. 2, 4, 5, salas abobadadas, com os
dormitorios em volta. 9, refeitorio. 11, salas de recepção. 12, pateo
rodeado pela galeria do claustro.]

O claustro representava o peristylo que os romanos tinham nas casas das
cidades, sendo esta a parte reservada para a vida privada; tambem
imitavam as officinas que cercavam a _villa urbana_, ou pateo principal
d'essas _villas:_ o plano que apresentamos mostra as principaes
disposições das casas que guarneciam o claustro.

_Dormitorios_.--O dormitorio ficava quasi sempre contiguo ao claustro e
em frente da igreja: esta sala não acontecia ficar parallela á galeria
do claustro, mas estendia-se do norte ao sul ou do sul ao norte,
conforme a posição do pateo do convento, relativamente ao logar occupado
pela igreja.

_Cosinhas_.--No seculo XII as cosinhas apresentavam em muitas abbadias a
fórma redonda, octogona ou quadrada, formando uma casa em separado,
posto que ficando sempre na proximidade do refeitorio. Estas cosinhas,
de que ha bom exemplo em Alcobaça,[46] tinham em roda muitas fornalhas
com chaminés, e cada uma d'ellas com uma columna ôca de pedra, que saía
do telhado conico do edificio, no cimo do qual havia respiradouros em
fórma de laternins, para darem saída ao fumo e estabelecer a ventilação.

[Figura 151: Cosinha de Saint-Père (Chartres)]

Será comprehendida esta construcção pela gravura acima, que representa
as antigas cosinhas de Saint-Père de Chartres (França), de que já não ha
vestigios.

_Albergarias_.--As casas para hospedes, pois quasi todas as congregações
religiosas exerciam franca hospitalidade, recebendo os viajantes de
diversas procedencias, occupam em muitos mosteiros a parte occidental
das casas claustraes. Na parte de fóra do claustro, encontrava-se a
_area interior_, ou pateo interno, reservado para os leigos ou criados;
a _area communis_, grande pateo onde as carretas circulavam para
descarregarem os productos dos dizimos. Á roda d'este grande pateo
estavam os celeiros, armazens e curraes. A _area communis_ comprehendia
ainda a grande porta da entrada, _porta maior_, o pretorio onde se
julgavam os delictos, a prisão, finalmente o pombal, o forno para cozer
o pão, e n'alguns tambem o moinho.

_Celleiros_.--Os celleiros, annexos á _area communis_, eram verdadeiros
edificios monumentaes. Os carros entravam carregados com os cereaes por
uma extremidade e saíam descarregados pela extremidade opposta.

Os armazens e adegas eram tambem edificios bem construidos e vastos.


*Mercados*

Os mercados assimilhavam-se no seculo XI aos celleiros que eram formados
de galerias em roda do recinto murado.


*Hospicios*

Os hospicios tinham bastante importancia em certas cidades. A principal
parte do edificio continha o salão destinado aos viajantes, e as
enfermarias para os doentes eram geralmente divididas em tres naves,
ficando a nave central devolúta e as lateraes para as camas. Havia
tambem hospicios com claustros, pouco mais ou menos como os dos
conventos, emquanto ás disposições geraes.


*Casas particulares*

As casas particulares do seculo XII apresentavam, na frente principal,
empenas, isto é, para o lado da rua mostravam a forma do telhado com
duas aguas; as vergas das janellas eram geralmente de volta perfeita nas
casas construidas de cantaria, e quadradas nas casas construidas de
madeira, que eram mais usadas.

[Figura 152: Plano do celleiro de Perrières]

[Figura 153: Perfil longitudinal do celleiro de Perrières]


*ARCHITECTURA MILITAR*


As cidades que tinham sido antigamente fortificadas haviam conservado,
pela maior parte, as muralhas e torres do recinto; porém a creação do
novo systema da defensa feudal, deu origem a se construirem em muito
maior numero os novos castellos, que fizeram mudar o aspecto guerreiro
dos paizes desde o fim do seculo X até o XI.

[Figura 154: Casa do seculo XII, em Chartres]

No seculo XI os castellos compunham-se de duas partes: d'um pateo
inferior e d'um segundo recinto, dentro do qual havia a torre ou o
torreão, como fôra edificado o castello de Leiria.

A extensão do pateo inferior, ou primeiro recinto, ficava proporcionado
á importancia da praça fortificada.

Muitos castellos do seculo XI não tinham senão trincheiras, defendidas
por estacadas e fosso mais ou menos profundo.

N'uma das extremidades do pateo, ás vezes até o centro, faziam uma
construcção muito elevada e circular, ora artificial, ora aproveitando a
altura natural, e sobre a qual estava firmado o torreão.

[Figura 155]

A gravura fará comprehender melhor a disposiçao d'um d'estes castellos,
em mouchão, com estacaria. A torre quadrada, ou torreão firmava-se n'um
mouchão B: o fosso _c c_ formava um circulo na base da eminencia e a
separava do pateo C, ao centro do qual estava collocada. N'este pateo
encontravam-se as construcções E E, que serviam de deposito de guerra, e
cavallariças, ou habitações para o pessoal ao serviço do nobre
proprietario do castello. As estacarias enterradas e muito unidas F F,
formavam um cerrado solido defendido pelo fosso exterior G.

Pode comparar-se este torreão, e na eminencia que lhe servia de base, á
imitação mais ou menos alterada do _pretorio_ dos romanos.

Os castellos, cuja construcção interior era de pedra, offerecem mais
interesse que os antecedentes, quando conservam ainda alguns lanços de
muralha no meio dos recintos. Os torreões de cantaria tinham quasi todos
typos uniformes. O mais commum apresentava torre quadrada separada das
outras edificações da praça, na qual ninguem entraria senão pela porta
alta da muralha, correspondendo ao nivel do primeiro andar, e para esse
fim era mister servir-se da ponte-levadiça, ou escada movel.

[Figura 156: Plano do castello de Grimbosq]

Algumas vezes o torreão ligava-se ás fortificações que cercavam o
recinto fazendo de certo modo corpo com elle: então servia de torre de
observação, e era mais alta que as outras construcções; não ficava por
isso sem communicação, como podiamos demonstrar na construcção dos
torreões de Leiria, Beja e Thomar.

Todavia, no seculo XII, pelas modificações que se operaram tanto na
architectura militar, como na religiosa, adoptaram para o torreão a
fórma cylindrica ou polygonal, de preferencia á fórma quadrada; d'esta
maneira é o torreão de Gisors. Em Portugal não existe nenhum com esta
configuração.

[Figura 157: Torreões do seculo XII]

Esta parte antiga do castello de Gisors, ainda ao presente muito bem
conservada, avulta no cimo de uma eminencia artificial, a sua muralha
com contrafortes cinge a plata-forma disposta n'essa elevação. Ha uma
torre polygonal mui alta que está em contacto com a muralha do recinto,
fazendo frente para a parte da entrada do pequeno pateo, que talvez
podesse ficar rodeado de aposentos, e no qual se notam ainda as ruinas
de uma capella.

[Figura 158: Muralha e torreão de Gisors, vistos de dois lados]

[Figura 159: Torreão de Houdan]

O torreão de Houdan apresenta quatro torres cylindricas ligadas ao corpo
principal.

[Figura 160: Plano do torreão d'Étampes]

O torreão d'Étampes mostra-nos um typo _quadrilobular_ na maxima
perfeição, isto é, quatro _lobulos_ eguaes com divisões symetricas.

Estas diversas experiencias vieram a dar afinal na construcção da torre
cylindrica que no fim dos seculos XII e XIII preferiram nos paizes do
norte. Continuando comtudo a servirem-se, nos do sul, da fórma quadrada
durante o seculo XIII, e no seguinte, como foi construido o castello de
Leiria em Portugal.

[Figura 161: Ruinas do torreão cylindrico de Néaufle (França)]

Damos em primeiro logar o desenho do torreão cylindrico do estylo roman,
pertencente ao castello de Laval, porque conserva ainda o remate do
parapeito de madeira, como era então uso, ficando saliente na muralha, o
que dava logar á guarnição poder percorrel-a sem perigo, e lançar os
projectis sobre os sitiadores pelos intervallos do vigamento. Mui
raramente poderá encontrar-se hoje uma torre d'este feitio, e talvez
seja o unico exemplo que exista de época tão remota.

[Figura 162: Torreão de Laval, rematado por uma cupula do madeira
fazendo saliencia sobre a torre (As duas janellas são de construcção do
seculo XVI)]



CAPITULO IV

*ERA OGIVAL*


Grande revolução artistica se effectuou no fim do XII seculo, tanto pela
applicação do arco descripto de tres centros, e o abandono da volta
perfeita; como pelo novo systema de construcção e decoração, isto é,
pela introducção do estylo ogival.

Todavia, o estylo ogival não substituiu repentinamente o estylo roman; o
emprego da ogiva só veio a ser commum no decurso do seculo XII, e depois
de ter sido applicado conjunctamente á volta perfeita, que lhe era
preferido. Esta época de transformação chama-se tambem de _transição_;
teve por limite o seculo XIII: então o arco com tres centros foi
geralmente empregado, e o estylo ogival completamente formado.

[Figura 163: Duas ogivas encaixilhadas em um arco]

Ainda edificaram igrejas no estylo roman em certas localidades, quando a
architectura ogival dominava em outras. Comtudo, em algumas provincias
do meio-dia, conservaram o estylo de transição durante o seculo XIII. As
causas que determinaram a creação do estylo ogival são complexas. O arco
de tres centros teve a sua origem em a necessidade de tornar mais
solidas as novas fórmas de construcção.

Já vimos como as abobadas se aperfeiçoaram pelo uso do encruzamento dos
arcos. Encontraram logo em seguida ao emprego do arco descripto por dois
centros, novo meio de diminuir o esforço das abobadas, e fazer convergir
todo o peso d'ellas sobre os pontos em que havia os contrafortes. D'esta
innovação derivou um sem numero de outras innovações, que produziram o
estylo ogival tal como se observa nas construcções do XIII seculo.


*ARCHITECTURA RELIGIOSA*


*Forma das igrejas*

Fizeram-se algumas modificações no plano das igrejas edificadas no XIII
seculo; taes como o _côro_, _mais comprido_ que fôra antes; as naves
lateraes, que se prolongavam em roda do santuario (capella-mór), ficaram
depois aformoseadas com outras capellas, excepto quando as igrejas
terminavam na curva da abside; e n'esse caso as naves limitavam-se aos
dois lados do santuario.

Em algumas das cathedraes de maior grandeza, as naves lateraes corriam
em fórma de galeria, em logar de uma em roda do côro, como teve a Sé de
Lisboa. Muitas vezes davam á capella central atrás do côro, maior
extensão que ás outras que circundavam a nave, e a qual era consagrada a
Nossa Senhora; todavia foi no seculo XIV que mais se generalisou esta
disposição.

Não se collocavam ainda no seculo XIII capellas nas naves lateraes, e se
algumas cathedraes d'essa época apparecem com esta disposição, foram
construidas nos seculos seguintes (XIV e XV).

[Figura 164: Plano do côro da cathedral de Reims]

As pequenas igrejas do seculo XIII apresentavam sempre um côro de fórma
recta no fundo da nave.

[Figura 165]

Em algumas igrejas adoptaram na edificação, raras vezes, a fórma
circular.

Quando faziam radiar as capellas em roda da abside, não as collocavam
então em as naves lateraes; pois as que existem d'este modo nas igrejas
do seculo XIII, provieram d'uma addicção mui facil de se reconhecer.

Em muitas partes do sul da França, nas igrejas de transição e do seculo
XIII, e até nas maiores não apresentam naves lateraes, mostrando,
emquanto ao plano, uma traça particular, da qual trataremos mais
adiante. Este plano com uma só nave provém do estylo bysantino; pois a
maior parte d'essas igrejas _com cupula_ não tinham naves lateraes e
sómente a principal.

[Figura 166: Arcos da cathedral de Bayeux]


*Apparelhos*

Desapparecendo as construcções com as pedras dispostas em escamas, e com
o pequeno apparelho assim chamado, as pedras foram escolhidas com
maiores dimensões e fórmas mais regulares.


*Contrafortes*

Os _contrafortes_ apparecem com maior sacada. Um rasgo ousado do novo
estylo foi collocar _arcos-bolantes_, fig. 166 (A), sobre os
contrafortes. Estes coroavam-se de _agulhas_ (C), e como os arcos iam
neutralisar a esforço das abobadas no cimo das paredes; tambem se
serviam d'elles para aqueductos dando o escoante ás aguas das chuvas,
provenientes do telhado principal da igreja. As aguas eram encaminhadas
por um canal cavado no extradoz do arco-bolante, depois lançadas fóra
por canos salientes (B), que se chamam _gargulhas_.


*Ornamentos*

Já se não faziam folhas de fórma carnuda, adornadas de perolas e galões,
nem ornamentos com feitios geometricos; como eram os arcos dentados nas
ameias, os zig-zags, os rhombos. Principiaram então a imitar, no seculo
XIII, os vegetaes indigenas, como mostram os seguintes especimens.

[Figura 167: Florões]

[Figura 168: Ornamentação vegetal do portal da igreja de Nossa Senhora
de Trier]

[Figura 169: Grinalda de rosas]

[Figura 170: Ramos de rosas sobre um capitel]

[Figura 171: Folhas de hera]


*Columnas*

As columnas mui delgadas e _enfeixadas_ formam um dos caracteres mais
distinctos da architectura do seculo XIII. Esses fustes, esculpidos
inteiriços na mesma pedra, apresentavam, não obstante, muitas vezes,
faixas ou engrossamentos que os dividiam por partes eguaes. Em muitas
igrejas, a primeira ordem era composta de grossas columnas cylindricas.
As columnas enfeixadas occupavam os corpos superiores.

[Figura 172: Grupo de columnas do seculo XIII]


*Janellas*

As janellas eram _estreitas_ e _esguias_: o seu extremo similhava ponta
de lança; os inglezes deram-lhes o nome de _lancetas_;[47] viam-se
muitas com bastante altura, e outras de acanhadas porporções, nos
monumentos da mesma época.

No meado seculo XIII já as janellas se alargaram e se subdividiram em
muitas aberturas; o cimo da ogiva da empena pôde então ser ornado com um
espelho ou _rosaceo_, R.

As janellas circulares tambem com espelho, no seculo XIII, tiveram
maiores dimensões, que no seculo precedente, e foram muito mais
frequentemente empregadas, até nas igrejas ruraes.

[Figura 173: Janellas com feitio de lancetas]

[Figura 174: Janellas compostas de duas aberturas, tendo no cimo um
espelho]

No interior dos edificios que apresentam tres andares sobrepostos, a
parte média é constantemente occupada pelas tribunas, formando um andar
com a mesma largura que a arcaria inferior das naves lateraes, ou
formando simples galeria. Estas galerias compunham-se unicamente de uma
continuação de arcadas sustentadas por columnasinhas; os antiquarios
inglezes chamam-lhes _triforium_; e designam, pelo contrario, com a
denominação de _clerestory_, a correnteza das janellas que está superior
ao _triforium_, e que effectivamente dão luz á nave principal; gravura
da pag. 175 [fig. 176].

[Figura 175]


*Portas*

As portas das egrejas, com as suas aberturas curvas, são ornadas de
molduras com o feitio de tóros, e ás vezes tem representados diversos
personagens em esculptura; nos lados ordinariamente vêem-se
columnasinhas e estatuetas.

[Figura 176]

No tympano representavam o dia de Juizo; ou Christo, sem que o rodeassem
os symbolos dos Evangelistas, segundo o costume do seculo XII; está o
Christo com as mãos levantadas, tendo aos lados anjos, além de Nossa
Senhora e S. João ajoelhados, como se lhe implorassem clemencia. Os
anjos seguram a cruz, a corôa de espinhos, os cravos e a lança,
instrumentos da Paixão.

[Figura 177: Representação do Juizo Final sobre um tympano do seculo
XIII]

A resurreição dos mortos e a separação dos bons e dos maus, apparece
representada por baixo do Tribunal Celeste.

Nas igrejas dedicadas a Nossa Senhora, a imagem do Christo é reconhecida
pela aureola sobre a cruz, e algumas vezes a corôa na cabeça da Mãe de
Deus, como na igreja de Nossa Senhora de Trèves.

Em alguns portaes estão passos da vida de Jesus Christo, de Nossa
Senhora, sua morte, e enterro pelos Apostolos, e a sua Assumpção;
differentes assumptos do Antigo Testamento, etc. Algumas vezes nos
tympanos representavam Jesus Christo e sua Santissima Mãe, sentados em
duas cadeiras quasi iguaes, o que nunca se vê quando o Salvador preside
ao dia de Juizo.

[Figura 178: Tympano pertencente á igreja de Nossa Senhora de Trèves]


*Torres*

Foi no seculo XIII, principalmente, que os architectos conseguiram
levantar até a grandissima altura essas pyramides esguias, que dão tanta
variedade na architectura ogival.

[Figura 179: Uma das torres da cathedral de Coutances (Sinos collocados
em bastante altura)]

Vêem-se aberturas elevadas e estreitas, e muitas vezes por cima as
agulhas da torre; sobre a base da pyramide octogona estão quatro
campanariosinhos, e as quatro faces do octogono que corresponde aos
quatro lanços da torre, sustentam trapeiras com columnas e pyramides por
adorno.

Quando as torres das igrejas ruraes mostram telhados de duas aguas,
construidos com madeiramento ou de abobada, indicara isso que o telhado
não é o primitivo, mas que o substituiram á agulha, quer de madeira,
quer de cantaria.

[Figura 180: Egreja do seculo XIII]

Geralmente as torres edificadas nos paizes meridionaes no seculo XIII
tem apparencia pesada e acaçapada com o telhado de fórma obtusa. As
agulhas de pedra encontram-se em grande numero em certos paizes.


*Altares, pias baptismaes, tumulos*

Eis alguns typos para servirem de exemplos dos _altares_, _pias
baptismaes_ e _tumulos_ pertencentes ao seculo XII, de igrejas nacionaes
e estrangeiras.

[Figura 181: Altar do seculo XII em Norrey (Calvados)]

[Figura 182: Pia baptismal octogona, ornada com arcos ogivaes]

[Figura 183: Pia baptismal sobre pés formados por columnas]

Os altares não tinham então tabernaculo; as santas particulas estavam
reservadas em armarios fechados com portas chapeadas, collocados nos
lados do santuario, e as arcadas d'esses armarios eram abertas no grosso
das paredes da capella-mór, e geralmente as designavam com o nome de
credencias.[48]

[Figura 184]

Os _tumulos_, mettidos nas paredes, como se vê na gravura junta,
chamavam-se _tumulos arqueados_. A estatua do finado estava representada
debaixo d'estas arcadas.[49]

As _campas_ são grandes lageas, as quaes serviam de piso nas igrejas, e
apresentavam a effigie do finado aberta a traço; eram estes os tumulos
mais communs. Tem-se destruido constantemente um sem numero, para lhe
substituirem lageas lisas sem significação nem caracter funereo. Deviam,
pelo contrario, conserval-as cuidadosamente, porque pelos seus
epitaphios ou inscripções, as campas fornecem documentos mui
interessantes para a historia local, e as effigies esculpidas n'ellas
servem para o estudo dos trajos da época.

[Figura 185: Campa pertencente ao ultimo quartel do seculo XIII]

Em alguns cemiterios existem ainda _fanaes_ formados por columnas ôcas,
no cimo das quaes se accendia um _farol_ para alumiar de noite os
enterros, e tambem para fazer lembrar aos transeuntes que as pessoas
enterradas precisavam das suas orações. Estas columnas tinham na base um
altar, no qual se dizia a missa nas occasiões dos enterramentos. Ficavam
collocados no centro dos cemiterios, nos mais importantes dos seculos
XII e XIII.


*ARCHITECTURA CIVIL*


O arco composto de tres pontos applicado ás abobadas, ás aberturas de
portas e janellas e a todos os detalhes da ornamentação, favorecia o
engrandecimento de diversas construcções civis e monasticas, publicas e
particulares. Os conventos tinham-se então enriquecido com os legados de
numerosos fieis, e pelos lucros obtidos com o aperfeiçoamento que tinham
dado á agricultura. A immunidade dos municipios veio a ser para as
cidades, e para as suas industrias, uma causa de engrandecimento, que
muito contribuiu egualmente para o seu progresso. O seculo XIII foi pois
para a architectura civil como para a architectura religiosa, _uma
grande época_.


*Architectura monastica*

Os claustros com arcadas formando galerias, sustentadas por
columnasinhas de uma extraordinaria finura, com capiteis compostos de
folhas, como se vê na gravura do claustro de Santa Trophina d'Aries
(França), nos conventos de Santa Clara em Santarem, em Thomar[50] e o da
Esperança em Lisboa.

As casas de capitulo, os refeitorios, as casas para os hospedes e os
outros edifícios, dispostos em roda do claustro, geralmente abobadas,
recebendo a claridade por aberturas com o feitio de ponto subido; ainda
se vêem, comtudo, algumas de volta perfeita; porém são de tão
extraordinaria delicadeza, que não pódem ser attribuidas ás construidas
no seculo XII. A vista geral da construcção monastica de _Bonport_ [fig.
187], mostra a disposição geral d'estes edificios religiosos.

[Figura 186: Vista longitudinal do refeitorio de Bonport]

[Figura 187: Vista dos edificios de Bonport, tirada das margens do Sena]

[Figura 188: Vista da empena do lado sul do edificio de Vauclair]

Porém, para exemplo de construcções civis e monasticas, não se póde
apresentar outra mais importante, que a que pertence á abbadia de
_Vauclair_, proximo de Laon; é uma das empenas, e uma das fachadas. Esta
fachada não tem menos de 70 metros de comprimento; o edificio é dividido
em numerosas e bellas salas, e compõe-se de dois andares abobadados,
ficando por cima grandiosos celleiros, cujos madeiramentos são muito bem
combinados.

[Figura 189: Vista do grande edifício de Vauclair]

[Figura 190: Córte longitudinal d'esse edificio]

_Granjas_.--As granjas que estavam annexas ao grande pateo exterior das
abbadias tomavam grandes dimensões, principalmente n'aquellas cujas
rendas mais importantes consistiam em trigos; como se vê no edificio em
_Ardennes_, perto de Caen. Esta granja podia conter 100:000 feixes de
trigo: as naves estavam divididas longitudinalmente por nove arcadas.

[Figura 191: Uma das empenas da granja das Àrdennes]

Algumas abbadias possuiam estabelecimentos industriaes. A de _Citèau_
pertenciam-lhe grandes fabricas de cortume, estabelecidas na margem de
um rio que ali corre proximo.

Como especimen de uma entrada de abbadia, quasi sempre composta de duas
portas, uma para os carros, a outra para as pessoas, apresentamos a que
pertencia ao priorado de _S. Vigor_, próximo de _Bayeux_. As portas
tinham geralmente um aposento construido por cima d'ellas.

A _pretoria_, onde se julgavam as causas e as prisões (pois os abbades
tinham muitas vezes a alçada judicial), ficavam quasi sempre junto da
porta da entrada, e o _pretorio_ occupava algumas vezes o primeiro
pavimento.


*Dioceses*

As dioceses foram dispostas no seculo XIII como tinham sido no seculo
precedente, havendo-se aproveitado os progressos architecturaes.
Daremos, para exemplo d'isso, a soberba empena da diocese de _Auxerre_,
edificada em 1250 a 1260; os restos que ainda subsistem do palacio do
bispo de _Laon_, e sobretudo a grande sala construida em 1242; o pateo
d'este palacio era quasi quadrado.

[Figura 192: Entrada da abbadia de Saint-Vigor]

[Figura 193: Empena da diocese de Auxerre (1250 a 1260)]


*Mercados*

As casas para os mercados do seculo XIII, apresentavam a mesma
disposição que as do seculo XII. Damos para exemplo a empena do grande
mercado de _S. Pedro-sobre-Dive_, que se assemelha a uma grandiosa
granja. Pode-se attribuir unicamente ao seculo XIII a parte que mostra a
gravura, pois que se fizeram obras nas outras partes e em diversas
épocas.

[Figura 194: Entrada do mercado de Saint-Pierre-sur-Dive]


*Hospicios*

A disposição dos _hospicios_ era a mesma que no seculo precedente, porém
multiplicavam-se e desenvolviam-se bastante n'este seculo. Certos
hospicios estavam edificados junto das cathedraes, e quasi em contacto
com ellas; outros ficavam sempre collocados proximo de um rio, embora
fosse da parte de fóra das fortificações, ou no interior d'ellas e junto
das portas, sendo mais particularmente destinados para os viajantes.

A grande sala do hospicio de Bayeux, reconstruida pelo bispo Roberto de
Ableges, ficou infelizmente destruida em 1823; mas ainda se lembram que
eram as abobadas de fórma ogival, e que tinha columnas monocylindricas
para as sustentar, dividindo longitudinalmente a grande sala. A linda
capella do seminario actual, um dos mais bellos executados no seculo
XIII, formava uma dependencia do hospicio que devia ter tambem claustro.

A sala do hospital da misericordia de _Chartres_, estava dividida por
columnas, e na extremidade oriental tinha um altar onde se dizia a missa
para os doentes: nos outros hospicios mais importantes tambem existia um
altar para o mesmo piedoso fim. Pederiamos citar outros hospicios dos
ultimos annos do seculo XIII com receio de que desappareçam todos d'aqui
a alguns annos, pois é certo que se os municipios continuarem a destruir
tudo o que fôr antigo, para levantar edificios com grandes quantias,
obtidas por meio de emprestimos, unicamente pela pretensão de ser cousa
determinada pelas autoridades da actual geração, nada teremos que seja
digno de considerar-se pelo lado da arte, nem pela veneração dos
monumentos; porque não só não respeitaram as condições architectonicas,
o que é facil de demonstrar tambem nas restaurações dos edificios
monumentaes em Portugal, assim como nas construcções modernas, taes como
a do hospital no Algarve, e o lazareto; mas sobretudo motivado pelo
desprezo e falta de inspecção das antiguidades nacionaes.


*Campanarios e casas da camara*

Quando no fim do XIII seculo a organisação dos municipios veio a ser
geral, então as cidades tiveram um brazão e uma torre ou campanario,
cujo sino servia para chamar o povo a assistir ás deliberações
municipaes.

As casas das camaras foram geralmente collocadas junto das portas das
cidades no seculo XIII. O sino era montado em torre construida por cima
das abobadas do portal, ou nas proprias torres que flanqueavam essa
entrada.

Pelos fins do seculo XIII as casas das Camaras comprehendiam egualmente
mercados cobertos, os quaes vieram depois a ser edificios consideraveis
nas cidades commerciaes, como está representado na gravura do edificio
de _Ypres_, pag. 193 [fig. 195], posto que fosse concluida sómente em
1304, começando a construcção em 1200. É na verdade magnifico palacio.


*Pontes*

Existem ainda muitas pontes do seculo XIII. Ha outras de que se não
sabem as datas, mas que talvez sejam da mesma época, como a da gravura
da pag. 194 [fig. 196] parece indicar.

A soberba ponte de _Cahors_, defendida pelas suas tres torres, é uma das
mais bellas do XIII seculo, e ainda se conserva a sua solida
construcção.


*Casas particulares*

Nas construcções particulares empregavam madeira ou cantaria. As casas
de madeira, muito mais vulgares que as outras, eram construidas com
madeira apparente: ornavam os paus de prumo, os transversaes, todas as
peças de samblagens; depois enchiam com argamassa os intervallos,
deixando visivel toda a construcção executada em madeira. A base era
quasi sempre feita de cantaria para evitar que a humidade apodrecesse a
madeira.

[Figura 195: Casa da camara e campanario da cidade de Ypres]

[Figura 196: Ponte do seculo XIII]

[Figura 197: Vista geral da ponte de Cahors]

Vêem-se ainda algumas casas de cantaria do seculo XIII nas cidades pouco
povoadas, onde não chegou, felizmente, a mania da destruição ignara.

Damos a vista de uma d'essas construcções para mostrar como eram
executadas as galerias cobertas com alpendres, que cercavam as praças, e
tambem as ruas mais frequentadas.

[Figura 198: Casa do seculo XIII em Arras]


*ARCHITECTURA MILITAR*


Se o genio da architectura contribuira com as suas mais bellas e mais
perfeitas inspirações, na composição d'essas admiraveis cathedraes que
têem justamente appellidado a _grande epopeia de pedra_, o poder feudal
fecundará egualmente o talento dos architectos do seculo XIII.

Se as magestosas cathedraes excitam a admiração e enchem a alma de
commoções religiosas; os castellos de Coucy em França, e os de Leiria e
Palmella em Portugal, com as suas torres colossaes, não deixam menos em
nós esse sentimento, sem duvida contemplando o formidavel aspecto de
taes edificações.


*Forma geral*

A fórma ou disposição geral dos castellos do seculo XIII foi, como
aconteceu antes, subordinado á do terreno conforme se firmasse sobre o
cimo de um rochedo, ou sobre uma planicie cercada de valles e barrancos.
Nos paizes formados por planicies, preferia-se a fórma quadrilonga;
encontrando-se em roda dos dois recintos, os mesmos trabalhos de defeza
que costumavam ter as fortalezas do seculo XII.

[Figura 199: Vista do torreão de Coucy]


*Torre ou torreão*

Se appareceram ainda no seculo XIII torreões quadrados, eram elles mais
restrictos que os construidos nos seculos XI e XII; porém, mais
geralmente, tinham a fórma cylindrica nos que se construiram no centro
da França. Fosse qual fosse o logar escolhido para a torre principal,
ficava sempre isolada e rodeada de um fosso, sendo unicamente accessivel
por meio de uma ponte levadiça.

A contar do XIII seculo, não as erguiam sobre as eminencias das terras
ou pelo menos não as dispunham ali senão raras vezes, e só nos logares
onde a falta de bons materiaes obrigava a recorrer a este meio para
augmentar a altura dos edificios: talvez que os torreões do seculo XIII,
assentes em eminencias, estejam por este modo collocados, pelo menos o
maior numero, porque substituiram as torres mais antigas construidas nos
mesmos terrenos.


*Aposentos*

[Figura 200]

As casas que ficavam proximas do torreão, tomaram nova extensão. O luxo
havia sensivelmente augmentado: foi preciso portanto fazer aposentos
mais espaçosos, vastas salas de recepção, do que se póde fazer idéa pela
gravura da vista geral do antigo castello de Coucy, a pag. 198 [fig.
200]. Algumas d'estas salas eram magnificas, tinham janellas de fórma de
_lanceta_, com vidraças pintadas representando brasões ou espelhos, com
divisões de differentes côres; o chão formado com tijolos vidrados.


*Torres nas muralhas das cidades*

A fórma cylindrica prevaleceu para as torres das muralhas da cidade,
como para os torreões; os architectos do seculo XIII mostraram-se mui
habeis na regularidade e na solidez d'essas bellas pyramides que se
elevaram como fortes columnas para consolidar as muralhas e garantil-as
contra os ataques dos estranhos e inimigos. As torres eram divididas em
dois ou tres andares por sôlhos postos sobre vigamentos, algumas vezes
abobadados de cantaria (mas nunca com tijolos), e terminadas por
galerias com seteiras.

As torres cylindricas deviam resistir melhor aos ataques das machinas do
que as torres quadradas; as suas superficies convexas apresentavam em
todos os pontos a mesma solidez; a introducção das abobadas de ponto
subido em ogiva devia além d'isso fazer abandonar esses extensos
torreões com sobrados planos: acharam mais simples abobadar as torres e
consolidar as abobadas servindo-se de arcos apoiados em columnasinhas,
ou em caxorros postos em egual distancia uns dos outros, e formando nos
aposentos uma decoração analoga áquellas das egrejas. Finalmente, os
telhados conicos dos torreões cylindricos apresentavam menos superficie
e menos perigo, em tempo de sitio, que os telhados a quatro aguas dos
grandes torreões quadrados, que eram tambem ás vezes incendiados pelos
fachos lançados da parte de fóra.

A grande transformação que se operára na architectura em geral, pelo
descobrimento do estylo ogival, devia reagir sobre a architectura
militar: foi preciso pois dar maior elevação aos andares, pôr as torres
em harmonia com as outras construcções. Esta mudança, além d'isto,
estava tão intimamente ligada com a introducção do estylo ogival que se
vê a fórma quadrada presistir nas regiões da França e de Portugal, que
conservaram o estylo _roman de transição_, e ao mesmo tempo com o estylo
ogival; foi principalmente no reino de França, onde a architectura
ogival appareceu tão bella no seculo XIII, que os torreões cylindricos
apresentavam as suas agradaveis fórmas e proporções.


*Apparelhos*

O apparelho que se distingue pela denominação de _mediano_ encontra-se
nas torres e nas muralhas do seculo XIII: porém, as pedras variam de
dimensões conforme a natureza dos materiaes empregados. Em _Coucy_, onde
estas pedras são de sufficiente grandeza e perfeitamente apparelhadas,
eram consolidadas as paredes com vigas encastradas na alvenaria, como
fôra uso nos seculos precedentes. Algumas torres, cujos revestimentos
são em pedra tosca, tem todavia fiadas de cantaria em differentes
alturas, como se fossem faixas de tijolos, e mostrando por este modo
especies d'aros na elevação das torres. A gravura junta mostra esta
disposição.

[Figura 201]


*Janellas*

No exterior dos edificios, as _janellas_ mostram muitas vezes o feitio
de simples frestas chamadas _seteiras_, porque se podiam lançar por
ellas frechas sem receiar as que viessem de fóra. Algumas d'estas
janellas, demasiadamente rasgadas na parte interna, são ornadas de
columnas de cada lado, e de molduras com _tóros_ ou _nervuras_, como se
fazia nas das igrejas. Nos logares menos expostos aos ataques, no
interior dos pateos, encontram-se janellas bipartidas, encaixilhadas em
_lancetas_; as grandes salas dos castellos recebiam do mesmo modo
claridade. Ahi a extremidade da ogiva era tapada com cantaria: de
maneira que as aberturas ficavam de fórma quadrada.


*Portas*

As grandes portas flanqueadas de duas torres, na entrada das praças
fortes, tomaram tambem nas arcadas a fórma ogival; estando algumas vezes
munidas de duas pontes levadiças; uma manobrando por detraz da ponte
levadiça A, e a outra collocada na extremidade opposta da passagem de
abobada, para o interior do recinto C. Habitualmente, não se podia
communicar da porta com as duas torres lateraes: a entrada para ellas
estava situada dentro do _baylum_, isto é, no primeiro recinto.

[Figura 202]

As portas das torres e das casas situadas no interior dos castellos,
mais pequenos que os precedentes, eram ornadas de molduras e de
columnas, mas nunca apresentavam as repetidas archivoltas como as das
portas de entrada das igrejas de igual época, e não se via n'ellas
nenhuma ornamentação.


*Molduras*

As molduras, que se usavam nos castellos do seculo XIII, eram do mesmo
feitio que aquellas empregadas na architectura civil d'aquella epoca.

A pintura sobre as paredes veio auxiliar a esculptura para a decoração
dos castellos, e as grandes salas tinham muitas vezes cobertas as suas
paredes.


*Recintos urbanos*

Sabe-se que grande numero de cidades e grandes povoações foram elevadas
a municipios nos seculos XII e XIII. Esta instituição, uma das mais
importantes revoluções sociaes da edade média, produziu mudanças
extraordinarias na importancia relativa e no estado material das
cidades.

Pouco depois o espirito da industria se reanimou, o commercio veio a ser
objecto de séria attenção, e principiou a prosperar; a população
augmentou sensivelmente, e a riqueza appareceu nos logares que estiveram
por muito tempo servindo de asylo da pobreza.

Então as cidades se engrandeceram e aformosearam.

A maior parte ficou rodeada de muralhas, e aquellas que as tinham já
alargaram o seu antigo recinto.

El-rei D. Fernando I cingiu Lisboa com uma nova cintura de muralhas de
que existem ainda alguns vestigios. Em Coimbra tambem foram reedificadas
por ordem do mesmo monarcha.

As torres, quasi sempre cylindricas nos outros paizes, foram dispostas
ao correr das muralhas das cidades, seguindo a fórma da construcção
adoptada para esse fim.

Quando estas eram postas em estado de defensa, então viam-se coroadas
por essas galerias salientes feitas de madeira, de que a torre de Laval
[fig. 162] apresenta um bello exemplo. Por meio d'estas sacadas de
madeira chamada _hurdicium_, podia-se dominar o pé das fortificações, e
lançar pedras e outros projectis sobre os sitiantes, pelos intervallos
abertos dispostos entre as vigotas que sustentavam o parapeito em falso.

Esses remates de madeira podiam ser incendiados, e os engenheiros do
século XIII procuraram o modo de substituir a pedra á madeira. Portanto,
a grande torre de Coucy tinha caxorros formados de cantaria em que
apoiava a galeria que seria naturalmente de madeira, ficando
correspondente ás aberturas do ultimo andar; podiam citar-se outros
exemplos de tentativas feitas para substituir a pedra á madeira. Foi
sómente no seculo XIV que este melhoramento veio a ser geral.

O recinto d'_Aigues-Mortes_ apresenta a fórma de um parallelogrammo
rectangular; o maior numero das torres era semi-circular no exterior da
muralha, e quadrada no interior, de maneira que apresentava pouca sacada
sobre o baluarte interior e formava linha com elle, levantando-se a
certa altura acima do parapeito. As portas principaes abriam-se entre as
duas torres; o intervallo que existia entre estas ultimas era occupado
pela sala onde se içavam as pontes levadiças; em cada ponte havia duas:
uma para a porta exterior, e outra para a porta interior.

[Figura 203: Uma das portas d'Aigues-Mortes]

Tinham boas escadas, cujos degraus descançando nas abobadas com a volta
de quarto de circulo, deixavam subir á trincheira de cada lado das
grandes pontes.

[Figura 204: Muralhas e torres d'Aigues-Mortes--Vista do interior da
praça]

As abobadas das torres eram guarnecidas de arcos encruzados. Algumas
chaminés existem ainda nas salas que ficam por cima das pontes de
entrada: o cano por onde saía o fumo tem a configuração octogona.

Sabe-se que estas bellas fortificações foram levantadas por Philippe o
_Ousado_ (1270-1285); pertencem pois ao fim do seculo XIII.

As pontes levadiças moviam-se por meio de vigas servindo de alavancas,
ás quaes o taboleiro estava suspenso. Não se encontraram vestigios das
caixas nas quaes entravam as vigas ou alavancas para ficarem os madeiros
recolhidos: este systema julga-se fôra geral, sómente nos seculos XIV e
XV.

[Figura 205: Uma das portas do recinto da muralha de Laon]

A ponte levadiça, que se abaixava detraz das portas correndo por uma
calha aberta na cantaria, tinha por fim multiplicar os obstaculos;
fazendo-a mover do aposento que ficava por cima d'esta porta, e aquelles
que se deixavam apanhar entre as pontes levadiças podiam ser esmagados
da parte superior, ou trespassados de frechas atravez das grades de
resguardo.

Quando os rios passavam pela parte de fóra das muralhas, e que se tinham
aproveitado para servirem tambem como meio de defensa, as pontes tinham
nas extremidades dois fortes; um para defender a entrada da ponte, o
outro para deter a tropa que a quizesse transpôr; estas obras de
fortificação, chamadas _cabeças de ponte_, compunham-se, ás vezes, de
muitas torres e formavam um pequeno quadrado defendido de todos os
lados. Acontecia tambem, quando a ponte tinha certo numero de arcos, o
ultimo de cada extremidade não era abobadado, havendo uma ponte de
madeira que descançava sobre os seus pilares.

[Figura 206: Porta guarnecida de grades]

Havia em determinadas localidades torres collocadas sobre a ponte, como
se vê na gravura da ponte de _Cahors_.

[Figura 207: Vista de uma cabeça de ponte]



CAPITULO V

ERA OGIVAL SECUNDARIA

*ARCHITECTURA RELIGIOSA*


*Forma das igrejas*

Notavel mudança se introduziu no seculo XIV no plano das igrejas pelo
accrescimo de um renque de capellas ao longo de cada um dos lados das
naves. As capellas, que formam de certo modo o complemento dos templos
da idade média foram, n'essa época, construidas depois das obras
completas da edificação dos templos, grande numero de igrejas e muitas
cathedraes do século XIII; a contar do seculo XIV, deu-se muitas vezes á
capella terminal, consagrada á Virgem, maiores dimensões que d'antes.

Contrariamente ao que se fazia em o norte, no sul e no sudoeste de
França, muitas igrejas do século XIV não tinham naves lateraes, mas só a
nave principal; o côro não tinha, como annos depois, a separação da
galeria no arco triumphal, e as cadeiras do côro que a dividiam do resto
da igreja.

Em logar de naves lateraes, formaram capellas rectangulares entre os
pilares dos contrafortes que recebem os arcos das abobadas. Fez-se
então, por cima d'essas capellas, tribunas correspondendo exactamente a
estas, recebendo luz de compridas janellas com duas ou tres aberturas e
no cimo ornadas de triflorios moldurados; porém, no maior numero de
casos, não tinham ornato algum. Comprehender-se-ha melhor esta
disposição pela gravura da pag. 211 [fig. 210] dos dois vãos da
cathedral de _S. Bertrando de Comminges_ (França).

[Figura 208: Plano da cathedral de Bayeux _a_. Capellas annexas do lado
do norte.--_b_. Capellas annexas do lado do sul.]

[Figura 209: Plano de uma igreja do sul da França sem naves lateraes]

[Figura 210: Dois vãos com arcadas da cathedral de
Saint-Bertrand-de-Comminges]

Portanto, no seculo XIV, as igrejas do meio-dia raras vezes tinham o
_triforium_ e o _clerestory_, que occupavam os dois terços da altura das
paredes lateraes. A mesma disposição foi seguida nos seculos XV e XVI.


*Contrafortes*

A largura consideravel que deram no XIV seculo ás janellas do
_clerestorium_, e a pouca resistência que as paredes com aberturas
arrendilhadas apresentavam então ao encontro das abobadas, obrigou a
fortificar as paredes situadas entre as janellas, empregando maior
esmero no trabalho dos arcos-botantes. O contraforte servia tambem nos
edificios do norte de apoio para dois arcos-botantes, sobrepostos, como
se vê na cathedral de Amiens em França, na Batalha em Portugal, etc.

As torrinhas não tinham sómente por fim formar o remate do contraforte;
serviam tambem pelo _seu peso_ para consolidar ainda mais o esforço das
abobadas e os outros produzidos pelos proprios arcos-botantes.

Nos paizes meridionaes, a falta das naves lateraes, como já mencionámos,
ao correr da nave principal, evitou construirem-se arcos-botantes;
porque os contrafortes elevavam-se verticalmente até ao cimo das
paredes, apresentando muitas vezes grande saliencia. A curiosa igreja
dos jacobinos de _Toulouse_, de que damos a vista lateral, pag. 213
[fig. 211], é um exemplo que faz vêr esta disposição habitual do emprego
dos contrafortes executados no meio-dia em França. Esta igreja,
construida inteiramente de tijolos, é uma das mais ousadas construcções
que se conhecem.

O emprego do tijolo concorreu para se fazerem modificações nas fórmas
das aberturas e n'aquellas dos ornamentos; e, n'este caso,
principalmente pela influencia dos materiaes, por tal modo, que o
investigador estranho ao paiz ficaria realmente muito perplexo quando
lhe fosse preciso determinar uma data para indicar a época d'estas
construcções, cujas ogivas são tão semelhantes durante muitos seculos.

[Figura 211: Igreja dos Jacobinos de Toulouse, inteiramente construida
de tijolos]


*Ornamentos*

A maior parte dos ornamentos do seculo XII, vê-se que passaram sem
alteração para o seculo subsequente.

As folhagens, de que já apresentámos typos, quando tratámos da flora
mural, e que ornam muitas vezes os monumentos do ultimo meado XIII
seculo, caracterisam de igual maneira as decorações do principio do XIV.

Pondo de parte essas analogias, as molduras apresentam na execução certa
differença no seculo XIV, principalmente na ultima metade. Se por
ventura se nota, em geral, maior perfeição na _pratica_ das esculpturas,
encontra-se tambem alteração nas fórmas: os tóros não tem já a mesma
rotundidade, nem a sacada que os distinguia no XIII seculo; em uma
palavra, já não é a obra feita sob a antiga direcção. Estas differenças
são mais faceis de descobrir com a vista do que em minuciosa descripção.

Eis aqui desenhados alguns capiteis do seculo XIV com a sua ornamentação
vegetal.

[Figura 212: Capiteis do seculo XIV ornados de folhagens]

[Figura 213: Amores-perfeitos e myosotis]

[Figura 214: Folhas de rainunculos]


*Arqueaduras na ornamentação*

Os arcos continuos servem de remate aos frontões triangulares; e ás
vezes são ornados com enfeites de fórma de _colchetes_.

[Figura 215]

Vêem-se tambem as paredes ornadas com estas _arqueaduras fingidas_
collocadas em ponto muito elevado, subdivididas por delicados pinasios
de pedra, tendo o cimo com rendilhados como se executavam nas janellas.
Este genero de decoração foi muitas vezes empregado sobre grandes
superficies lisas, principalmente no fim do XIV seculo e no seculo
seguinte.

Os _colchetes_ eram collocados mais profusamente sobre os logares que já
designámos, ficando menos separados uns dos outros, como se praticava no
seculo XIII. Alguns se transformavam em folhas largas arqueadas.


*Triforium*

No seculo XIV uma alteração muito notavel se manifestou na galeria do
_triforium_: em logar de ficar tapado como era d'antes, veio a ter
claridade por meio de janellas que correspondiam aos arcos da galeria
inferior.

[Figura 216: Triforium transparente]

O especimen acima mostra um _triforium_ tendo luz por baixo de uma
grande janella de _clerestory_: então as paredes ficavam verdadeiramente
rendilhadas, como se vê na cathedral de Strasbourg, no convento da
Batalha em Portugal, ele. Alguns _triforiuns_ com claridade são
attribuidos ao segundo meado do seculo XIII; porém a maior parte
pertence ao XIV e XV.


*Columnas*

A disposição das columnas é a mesma no seculo XIV que no XIII; aquellas
que estão enfeixadas principiam a tornar-se de aspecto mesquinho, e não
se destacam sufficientemente como as precedentes dos pilares quando se
faziam em grupos. Ao principio do seculo XIV não era raro encontrar
ainda capiteis, que faria suppôr pertencerem ao XIII; porém depressa o
açafate se desformou, e as folhagens mudaram de natureza. Não se vêem no
meado do século XIV, esses colchetes que se arqueavam em volutas e que
formavam de certo modo o ornamento obrigado dos capiteis do XIII.

No seculo XIV, as folhagens eram dispostas nos capiteis de modo a formar
dois ramalhetes sobrepostos, e a dividir assim o açafate em duas partes
quasi iguaes. Esta combinação era tambem muito caracteristica do seculo
XV. Succedia, ao mesmo tempo, na forma das bases, um trabalho de
transformação d'onde devia sair um typo novo.

Essas bases não apresentam mais os escapulados tão profundos como no
século XIII; até desapparecerem inteiramente, e os dois toros ficam mui
separados um do outro.

Os socos tem a importancia nova nos pilares do seculo XIV. Muitas vezes
mostram tantos socos repelidos quantas são as columnasinhas, e são de
fórma octogonaes ou prismaticas. Quando o soco tem muitos _resaltos_,
esses resaltos ficam separados por molduras reentrantes; algumas vezes,
emfim, a parte inferior do pilar é formado por um massiço no qual os
socos parece que são embutidos.


*Janellas*

No seculo XIV, muitas columnas servindo de pinasios verticaes dividiam
essas aberturas no sentido da largura, e o centro da arcada apresentava
muitos compartimentos em feitio de flôr de trêvo, folhas de quatro
pontas ou em florões.

[Figura 217: Janellas do seculo XIV]

A combinação mais usual era aquella que se vê na figura A: duas ogivas
gemeas encimadas por um oculo polylobado, enche todo o vão da janella.
Cada uma das duas ogivas se decompõe em duas outras partes ou em duas
novas aberturas, tendo por cima um florão; de maneira que o todo da
janella apresenta em ponto grande a imagem das duas ogivas gemeas que
emmolduram, e que representara portanto o mesmo feitio das janellas do
seculo XIII. Nos edificios de ordem interior, a janella B é muito
frequente a sua applicacão no seculo XIV. A gravura seguinte mostra uma
janella muito grande, pertencente ao seculo XIV; tal como se vê algumas
vezes na extremidade dos cruzeiros das igrejas, ou na sua fachada
occidental, as mais importantes.

[Figura 218: Janella do cruzeiro usada no século XVI]


*Portaes*

As portas do seculo XIV differem pouco das do seculo XIII: as voltas e
os tympanos são igualmente cheios de pequenas figuras em baixo-relevo;
os frontões triangulares que lhe servem de remate tem rendilhados, em
logar de ficarem lisos ou cheios como no seculo XIII; são tambem
ordinariamente mais elevados e ornados de _crochets_. Sobre os tympanos
de algumas portas, a flor de trêvo, as folhas de quatro pontas, ou
florões, substituem as figuras em alto relevo.


*Arcadas*

Não se encontram as molduras tão excessivamente pronunciadas e
executadas alternativamente, ora redondas, ora concavas, que ornavam no
seculo XIII as archivoltas das grandes arcadas; os toros são muito menos
boliados e por vezes tem feitio ellyptico, não produzindo o contraste da
luz e sombra que dava tão notavel distincção aos arcos repelidos do
primeiro estylo ogival.


*Torres*

As torres eram rematadas por uma agulha em pedra, e tinham passeio com
parapeito e corrimão, como se vê quasi sempre entre a torre e a base da
pyramide, que lhe fica superior, conforme se construia desde o seculo
XIV. Até lá nos telhados pyramidaes das torres tinham posto poucos
ornamentos: esculpiam-lhes unicamente modilhões curvilineos, ou telhas
recortadas; mas no XIV, abriram-lhes buracos contornados como as flôres
de trêvo, em florões, etc., cobriram-lhes os angulos de ornatos de forma
de _crochets_. A reunião d'estes differentes caracteres podem servir
para se distinguirem as grandes torres do seculo XIV das do XIII.


*Ladrilhos*

Os pavimentos de tijolos vidrados foram empregados nas capellas e nas
igrejas, compondo magnificos florões.


*Pinturas muraes*

A pintura empregada nos seculos antecedentes, e que no seculo XIII
cobria os portaes, as curvaturas e partes mais notaveis dos edificios,
foram igualmente prodigalisadas no XIV. Existe d'essa época grande
numero de decorações _polycromaticas_, infelizmente apagadas e
muitissimo deterioradas.


*Pinturas sobre vidro*

Se se considera o effeito geral, a harmonia das tintas e o brilhantismo
das côres, a bella época das vidraças coloridas, foi a do seculo XIII. Á
medida que nos afastamos d'essa época, tão auspiciosa tambem para a
architectura, as producções das pinturas sobre o vidro perdem do seu
brilho, porém as figuras são de maior estatura e desenhadas com mais
esmero.

Considerando, que no sul da França e nas margens do Rheno, os
architectos estavam ainda no seculo XIII dominados pelos principios da
escola do seculo XII, poder-se-hia suppôr que no seculo XIV deveriam ter
adoptado o estylo ogival primitivo; porém não aconteceu assim: quando
elles se decidiram a adoptar o estylo ogival, foram tomal-o no estado em
que se achava. Assim vemol-o, no seculo XIV, na Allemanha e na Bélgica,
com os caracteres quasi similhantes áquelles que dominavam em França.


*Altares*

Os _altares_ do seculo XIV não differem dos do XIII, senão pela natureza
dos detalhes de architectura que fizeram entrar na sua decoração, e que
oferecem os mesmos caracteres que os dos monumentos da época.

Os _armarios_, ou tabernaculos, mettidos nas paredes, proximo do altar,
imitavam, pouco mais ou menos, as mesmas disposições que no seculo XIII.

As _credencias_, por vezes _gemeas_, como se faziam no seculo anterior,
não tinham todavia, no meado seculo XIV, senão uma arcada única e com
uma só piscina.


*Pias baptismaes*

A mesma observação ha que fazer para as pias baptismaes como para os
altares. As formas usadas no seculo XIII encontram-se no XIV; sómente
com a differença de que as pias pedicelladas, com columnas auxiliares,
eram mui raras, e as columnasinhas são applicadas como decorações sobre
um apoio central e fazem corpo com elle, em logar de ficarem destacadas
como antes se praticava.

[Figura 219]

Encontram-se muitas vezes pias oitavadas, como a que está representada
na pag. seguinte [fig. 220], tendo cada um dos lados ornatos e
compartimentos com o feitio de uma janella do estylo radiante: além das
pias d'este typo, vêem-se tambem columnasinhas moldurando essas janellas
e separando as faces umas das outras.

[Figura 220: Pia baptismal octogona do seculo XIV]


*Sepulturas e tumulos*

Os tumulos do seculo XIV distinguem-se dos do XIII unicamente pelo modo
como os ornamentos são executados. Os caracteres que indicamos para a
architectura do seculo XIV dão facilmente a conhecer os tumulos formados
de arcadas collocadas ao correr das paredes.


*Campas*

As pedras tumulares, no seculo XIV, tiveram aprimorada execução; pois
que todos os detalhes dos vestuarios estão reproduzidos com grande
fidelidade, e as composições architecturaes destinadas a formar a parte
ornamental, que encerrava a representação dos personagens, tomam o
feitio das capellas ou das naves de igrejas. Tinham os seus typos
correspondentes nas decorações do mesmo genero no seculo XIII, e nas
vidraças pintadas com representações dos santos, que a igreja expunha á
veneração dos fieis.

No norte, nos Paizes Baixos, e em outras nações, as lageas escolhidas
eram de marmore de côr cinzenta ou preta; em grande parte da França,
foram as campas feitas principalmente de pedra calcaria branca, como
usavam em Portugal; tambem usavam as lageas amarellas ou jaspeadas,
pertencendo ás formações secundarias e terciarias; finalmente, nas
regiões graniticas e schistosas, serviam-se de lageas fornecidas d'estas
rochas[51], porém eram menos empregadas, por causa da difficuldade com
que n'ellas executavam os ornamentos.


*ARCHITECTURA CIVIL*


A architectura monastica conservou no seculo XIV as disposições geraes
adoptadas precedentemente; modificaram apenas a ornamentação: portanto
nos claustros apparecem as arcadas com muitos vãos, tendo como remate
oculos ou espelhos, como se praticava nas construcções das janellas; e
assim o mostra a gravura da pag. 226. [fig. 222]

Pode-se dizer outro tanto dos paços archiepiscopaes, e outros grandes
edificios civis; notando-se, todavia, que foi no seculo XIV que
principiaram a apparecer as grandes janellas com cruzetas de pedra, fig.
B, pag. 225 [fig. 221], que vieram a ser depois tão communs nos seculos
seguintes.

As chaminés conservaram a sua forma elegante, e quando não ficavam
cobertas por um abrigo pyramidal, então assimilhavam-se a uma colunma
cylindrica ou octogona; ás vezes eram ornadas no cimo por folhas de
quatro pontas ou outras molduras.

[Figura 221: Janellas do seculo XIV]


*Hospicios*

Os _hospicios_, os _mercados cobertos_, as _casas da camara_, e os
outros edificios de utilidade publica, não se differençavam dos que eram
construidos no seculo XIII, tanto pela fórma das aberturas, como pela
qualidade das molduras.

Os _hospicios_ compunham-se sempre de um ou muitos salões para os
doentes, dependendo da casa conventual, ou da igreja. Estes edificios
eram dispostos á roda de um pateo principal, mas havia alguns com
segundo pateo para o serviço do estabelecimento.

[Figura 222: Arcos de claustro do seculo XIV]

[Figura 223: Chaminé do seculo XIV]

O hospicio de Nuremberg apresenta corpos de habitações parallelos com
alguns pateos centraes debaixo dos quaes passava um braço de rio, que
era desviado da corrente principal. A architectura das salas d'este
hospicio parecia pertencer além do seculo XIV.

Não fallaremos das _gafarias_, as quaes tinham chegado ao numero de
19:000, depois das guerras das cruzadas, porque eram antes uma reunião
de casinhas ou cellas, no meio das quaes havia um pateo e uma capellinha
consagrada a S. Lazaro, que se não deve considerar hospital publico. Das
numerosas gafarias dos seculos XIII e XIV só existem actualmente as
capellinhas sem que apresentem interesse algum architectonico.[52]

[Figura 224: Hospital de Nuremberg]


*Casas da camara*

Algumas casas dos municipios do seculo XIV, como a de Brunswich, mostra
qual a importancia adquirida por estes monumentos desde o seculo XIII
(vêde a pag. 193 [fig. 195], a casa da camara de Ypres), como se
conservou até no seculo XIV, sendo então decorada com coruchéos,
balaustradas e estatuas, e com as molduras mais elegantes d'aquella
época.


*Mercados, açougues e armazens*

_Mercado coberto de Bruges_. O mercado de Bruges, que pode ser
considerado como monumento mixto, pois que é ornado do campanario
communal, fórma um quadrilatero de 84 metros por 43. As casas mais
visinhas do campanario estavam d'antes isoladas; acrescentaram-lhe as
azas desde 1325 até 1364.

O mercado de _Evron_, em França, construido de madeira, data do seculo
XIV, como igualmente o côro da igreja abbacial: compunha-se de duas
naves formadas por tres filas de prumos.

[Figura 225: Prumos que sustentam o grande madeiramento dos mercados em
Évron]

Apresentemos o traçado das peças de madeira de uma asna d'este grande
madeiramento, e que se apoiam sobre o renque dos prumos de vigas, que
separam as duas naves. Este madeiramento merece estudo particular, e
será apreciado pelos constructores, visto que estes grandes edificios
construidos por esta fórma acabaram de todo, e ainda não foram
sufficientemente estudados.

_Mercado de Dives_. O antigo mercado de Dives, em madeira, tem
igualmente certa importancia. A parte menos antiga, que está do lado
leste, pertence ao seculo XIV; os dez vãos mais bem construidos que
compõem o mercado primitivo, datam certamente da idade media; tem 32
metros de comprimento e 11 metros de largura, decompondo-se da maneira
seguinte: a nave central, 7 metros; as lateraes 4^m,32. A gravura mostra
o córte transversal do madeiramento.

[Figura 226: Córte transversal do mercado de Dives]

Em certas cidades bastante povoadas, onde a corporação dos carniceiros
era poderosa, como em Gand (Belgica) e na Inglaterra, o mercado coberto
formava um monumento.

[Figura 227: Vista d'uma parte do açougue de Gand]

_Açougue de Gand_. Este grande edificio, do qual os viajantes vulgares
não fazem caso, e que os itinerarios não se dão ao incommodo de
descrever, é comtudo digno de ser citado. É dividido no interior em duas
naves por bem combinadas divisões de madeira. As duas portas das
fachadas correspondem ás duas naves. Datando a sua construcção do fim do
seculo XIV, o açougue de Gand foi consideravelmente augmentado depois, e
reconstruido em grande parte no reinado de Carlos V, em 1542.

[Figura 228: Grande armazem de deposito na cidade de Constance]

O armazem de deposito de Constance, pag. 232 [fig. 228], pode dar-nos
idéa dos grandes armazens do seculo XIV; compõe-se de muitos andares,
cujos pavimentos de madeira são sustentados por grossas vigas a prumo.


*Casas particulares*

[Figura 229: Casa antiga construida em Cordes]

As casas particulares do seculo XIV eram, como as do seculo XIII,
construidas de cantaria ou madeira; quando havia na proximidade bons
materiaes, que facilmente se extrahiam e transportavam, davam-lhe a
preferencia; porém, achar-se em similhantes condições era raro, e por
isso preferiam a madeira; veio d'ahi certa combinação no systema
particular das construcções, de que se encarregavam especialmente os
entalhadores para ornamentar as madeiras apparentes; além de facilitarem
as suas edificações.

Escolhemos como especimen das casas construidas de cantaria, uma das
mais notaveis que existem em _Cordes_, como se vê na gravura da pag. 233
[fig. 229].


*ARCHITECTURA MILITAR*


*Formas geraes*

[Figura 230: Galeria saliente de cantaria]

A começar do seculo XIV, as partes habitadas dos castellos tomam formas
mais regulares, encaminhando-a a se aproximar do estylo moderno. No
pateo principal, que é ordinariamente quadrado, apresentam grandes e
vastas habitações que se ligam intimamente com as muralhas de recinto.
Por esta forma, as obras de defensa estão alternadas com os aposentos,
ficando _as construcções civis augmentadas em prejuizo das
fortificações_. Muitos castellos do seculo XIII se completam no XIV com
grandes addicionamentos.

As torres dos angulos encerravam geralmente as escadas para se subir aos
differentes andares. Collocavam tambem uma escada principal na torre
levantada ao centro da fachada nobre do edificio.

Os cachorros de madeira que coroavam as paredes das fortificações
apresentavam, como já dissemos, bastantes inconvenientes, aos quaes
procuravam dar remedio. No seculo XIV as galerias salientes de cantaria
com bésteiras, gravura da pag. 234 [fig. 230], substituiram pouco a
pouco os cachorros nas praças fortes. As muralhas d'_Avignon_, e as de
_Cahors_, reconstruidas no seculo XIV, offerecem bellos exemplos.

[Figura 231: Interior de uma porta com ponte levadiça]

As bésteiras não existiam antes dos seculos XIV e XV; á falta de outro
typo, pela sua construcção pode-se confirmar a antiguidade das muralhas,
quando ellas lhe servem de remate sem nenhuma interrupção. As portas dos
recintos são constantemente defendidas por duas torres, e tendo na parte
superior, como no seculo XIII, uma sala onde faziam mover a ponte
levadiça. Foi no seculo XIV, que principiaram, como já referimos, a ser
munidas de pontes levadiças,[53] movidas por contrapesos. A pequena
porta destinada aos pedestres tinha ponte levadiça particular, como se
vê na gravura da pag. 235 [fig. 231].

Citaremos entre os castellos mais completos do seculo XIV o de
_Pierrefont_, que fomos vêr em 1867 quando a sua restauração era
dirigida pelo eminente architecto e archeologo, o nosso confrade mr.
Viollet-le-Duc.

A formidavel Bastilha de Paris, destruida em 1789, cujo _fac-simile_ se
encontra em grande numero de bibliothecas publicas, fôra começada em
1369 por ordem do rei Carlos V. Esta fortaleza compunha-se de habitações
em grande altura, dispostas regularmente em roda de um pateo
quadrilongo; tinha quatro torres semiesphericas nos angulos do quadrado
e mais duas no centro dos dois maiores lados.

[Figura 232: Vista exterior da Bastilha]

Diversas janellas quadradas se abriam para o interior dos pateos, e
algumas nas muralhas exteriores.

_Vincennes_ é antes uma praça forte do que um castello propriamente
dito; a forma regular do recinto, o torreão, as torres, os parapeitos,
este todo offerece um bello exemplo do grande monumento militar do
seculo XIV,[54] e sempre que se pudesse, dever-se-hia adoptar um plano
symetrico, quando o terreno fosse aproprido para similhante construcção.

Esta fortaleza conserva ainda algumas construcções muito antigas.

O rei Filippe Augusto foi o primeiro soberano que mandou edificar n'este
logar uma casa de campo para suas caçadas.

A maior parte das fortificações foram demolidas em 1337, para se
construirem as que existem; assim como o bello torreão do castello, que
veio a ser prisão do Estado no reinado de Luiz XI. Este torreão é um dos
melhores, no seu genero, que possue a França.

É notavel a elegancia da galeria dos antigos aposentos reaes, bem como a
architectura da capella, construcções pertencentes aos reinados de
Francisco I e da rainha Maria de Medicis.



CAPITULO VI

ERA OGIVAL DO SECULO XV E PRINCIPIO DO XVI

*ARCHITECTURA RELIGIOSA*


Posto que a fórma usual das igrejas tivesse ficado a mesma no seculo XV
e no principio do XVI, os architectos tiveram certa tendência para se
afastarem da regularidade symetrica da época anterior; fizeram nas
igrejas existentes augmentos que vieram a destruir a harmonia,
juntando-lhes, por exemplo, outras capellas fóra das proporções das que
já existiam.


*Ornamentos*

As formas prismaticas ou angulares dominam no feitio das molduras do
seculo XV, tanto nos toros e nas nervuras, como nos pinasios, e até nos
mais insignificantes detalhes; isto dava aos ornamentos _aspero_
aspecto, por causa de _magreza_ no cinzelado, que nunca apresentaram os
executados nos seculos XIII e XIV.

As folhagens mostram, a começar do seculo XV, fórmas inteiramente
differentes das que notámos nos seculos XIII e XIV, são folhas de couve
encrespadas, de cardo e outras plantas. As folhas de vinha foram tambem
empregadas com as outras folhas recortadas: estas formam, nas hombreiras
das portas, das janellas, cornijas e festões executados com tanta
habilidade, que parece se despegam da pedra, e são apenas adherentes na
sua superficie: estas grinaldas eram ás vezes entrelaçadas com fitas. Os
esculptores divertiam-se tambem em representar diversos animaes entre as
folhagens.

[Figura 233: Grinaldas de folhas recortadas]

Os _crochets_, em parte differentes dos executados no seculo XIV,
mostram em geral mudança de fórma análoga a dos ornamentos, representam
folhas de couve ou cardo encrespadas, arredondadas, reviradas,
parecendo-se com cabeças de golphinhos.


*Contrafortes*

O fragmento representado na pag. seguinte [fig. 234], mostra o effeito
dos apainelados, dos pinaculos na sua applicação descançando sobre
animaes--caryatides; finalmente os dos frontões triangulares, por cima
das janellas ornados de folhas encrespadas, rematavam com balaustradas e
divisões do estylo flamejante de _labaredas_.

[Figura 234: Pinaculos descançando sobre animaes--caryátides]


*Columnas e pilastras*

Já não se vêem columnasinhas enfeixadas, porque foram substituidas por
simples nervuras prismzticas. Os capiteis, mais geraes, eram ornadas de
folhagens encrespadas, dispostas em dois ramos sobrepostos um ao outro.
No final do seculo XV e no XVI, não é raro encontrar as columnas
completamente sem capiteis; então as nervuras dos pilares prolongam-se
sem interrupção até ao cimo do edificio e formam um todo com os arcos
ramificados de abobada. Sobre algumas pilastras, encontram-se pinaculos,
molduras com grandes relevos mais ou menos complicados, e misulas para
servirem de peanhas ás estatuas.

[Figura 235]


*Portas*

As portas de arcos abatidas, ou de volta de sarapanel, que se chamam
arcos _Tudor_, porque foram mui usadas em Inglaterra no reinado de
Henrique VII e Henrique VIII, vêem-se principalmente no final do seculo
XV ou no principio do XVI, e eram enfeitadas como as outras portas, com
bellas folhas retorcidas e coroadas de um penacho pediculado, como está
representado na seguinte gravura.

[Figura 236]


*Janellas e oculos (espelhos)*

Os compartimentos, que dividem as janellas e aberturas circulares
chamadas _oculos_ ou _espelhos_, apresentam mais geralmente feitios
retorcidos, assimilhando-se a labaredas, corações esguios, etc. etc.,
que differem das flores de trevo, folhas de quatro pontas, e outras
figuras radiantes. Foi em razão d'estas formas retorcidas, tantas vezes
reproduzidas nos compartimentos das janellas, nos espelhos, nas
balaustradas e nos ornamentos representados na cantaria, que se tem
designado o estylo ogival do seculo XV sob o nome de gothico
_flamejante_.


*Abobadas*

Os arcos das abobadas vieram a ser mais salientes e prismaticos: as suas
peças curvas principiaram tambem a ramificar-se na segunda metade do
seculo XV e no XVI, e os pontos de juncção mostram por vezes
_penduraes_.

[Figura 237: Rosa flammejante em compartimentos triangulares]


*Torres*

As torres do seculo XV apresentam uma grande variedade de formas: ha
algumas, cujas agulhas são muito elegantes (Belgica, Bordelez,
Normandia, ele.); outras são quadradas, flanqueadas de contrafortes
salientes, e que não tem a leveza dos primeiros.

No seculo XV, em logar de flanquear com duas torres as fachadas das
grandes igrejas, tinham muitas vezes levantado uma unica torre quadrada
ao meio do frontão occidental, como _S. Bavon de Gand_, a cathedral de
Berne, e a cathedral de Ulm, etc.

Muitas torres d'esta época apresentam, grav. pag. 245 [fig. 239] sobre
os angulos do corpo quadrado que sustenta a pyramide, _obeliscos_ ou
_torresinhos_ que se ligam ao corpo da torre por arcos botantes de uma
leveza extrema, cujo _intradoz_ é ornado de festões arrendilhados.

Haveria um estudo interessante a fazer-se sobre as torres do seculo XV,
as que existem na cidade de _Ruão_, pois são todas de notavel elegancia,
embora não tenham como remate nem frechas, nem agulhas.


*Altares*

O altar, representado na gravura seguinte, tem 2^m,40 de comprido por
0^m,90 de fundo e 1^m,80 de altura. Sustentam-no tres pequenas columnas.
A decoração na frente compõe-se de quatro curvaturas, alternadamente
separadas por uma columna e por um pendural.

[Figura 238: Um dos altares da igreja do Flogoat (Finisterra)]


*Tabernaculos*

Encontram-se no seculo XV tabernaculos ou _ciboriums_ de pedra que podem
egualmente ser considerados como accessorio dos altares; ainda que
estejam a maior parte das vezes separados e encaixados nas paredes
proximas, como tambem estão as credencias. O especimen seguinte mostra a
configuração dos que existem em muitas igrejas já d'esta epoca.

[Figura 239]

Algumas credencias, do fim do seculo XV, são tambem mui notaveis pelo
numero e acabamento de suas molduras, como se vê na gravura seguinte.

[Figura 240: Credencia dos ultimos annos do seculo XV, na capella de
Jucoville]


*Pias baptismaes*

A forma mais usada no seculo XIV para as pias baptismaes foram
egualmente imitadas no XV, porém as pias d'este ultimo seculo e do
principio do XVI mostram, enquanto ás esculpturas, que foram executadas
primorosamente com molduras prismaticas, similhantes ás que ornam os
nichos, os doceis e os pinaculos da architectura ogival da epoca
terciaria.

[Figura 241: Pia baptismal na igreja de S. Sebaldo]

[Figura 242]

As pias _monopediculadas_ com reservatorio e pé octogono não são raras
no seculo XV: algumas imitam o feitio d'um calix e apresentam da parte
externa a forma hemispherica ou ovoide.

A pia baptismal da cathedral de Bale é pediculada; o calix tem oito
faces com a data de 1465. Estão representados sobre os oito lados d'este
calix: Jesus Christo baptisado no Jordão; S. Lourenço, S. Thiago, S.
Paulo, S. Pedro e S. Martinho. O pé tem egualmente a fórma octogona.

As pias de bronze da igreja de _S. Sebaldo_, em Nuremberg, apresentam a
forma cylindra ornada com circulos em relevo. Os contornos são
graciosos, e está dividida em duas partes e com arcadas collocadas a
par. Os quatro evangelistas se destacam no socco, e parece que sustentam
a parte superior da mesma pia.


*Tribunas--Separações formadas de cantaria*

Era do uso fazer-se um ambito gradado, especie de barreira ou separação
muito enfeitada, posta entre a nave principal e o côro, sustentando
geralmente uma tribuna e a estante onde se lia o Evangelho, como
praticavam antes servindo-se do pulpito. As mais primorosas datam do fim
do seculo XV, ás barreiras em cantaria que separavam o côro das naves, e
que, desde o seculo XIII, já existiam em algumas igrejas; ellas vieram a
ser nos seculos XV e XVI de grande riqueza de trabalho e de merecida
admiração.


*Tumulos e campas*

No final do seculo XV e no XVI empregava-se quasi constantemente, para
os tumulos arqueados, arcos postos a par, similhante a este exemplo que
damos: collocavam um certo numero de tumulos d'este genero ao correr das
paredes nas grandes igrejas.

[Figura 243: Arco duplo de um tumulo]

No seculo XV, encontram-se as pedras das campas cobertas por uma grande
quantidade de detalhes d'architectura, como se executavam nos tumulos em
vulto. O finado era representado occupando o centro de um historiado
portal, composto de nichos, dentro dos quaes ornam pequenas figuras de
santos em differentes alturas, ou então postas em nicho coberto por um
docel; gravura de pag. 248 [fig. 242].


*Cruz dos cemiterios*

No seculo XV, tinha-se lavrado muitas cruzes em pedra para se porem no
meio dos cemiterios, e o estylo das molduras caracterisa
sufficientemente a época da execução. Em algumas cruzes da Bretanha,
distinguem-se grupos de personagens bastante complicados, e de trabalho
muito mais apurado por serem em pedra muito rija.

[Figura 244: Cruz de Scaeb (Finisterra)]


*ARCHITECTURA CIVIL*


O caracter da architectura civil do seculo XV, emquanto ás molduras com
ornatos, é egual ao empregado na architectura religiosa.


*Architectura monastica*

A architectura civil monastica segue o gosto do tempo e adoptou-se nas
arcadas dos claustros, nas janellas ogivaes, com contornos curvilineos,
como já expuzemos quando fallámos da architectura religiosa.

[Figura 245: Fragmento d'um claustro do seculo XV]

Para comprovar, será sufficiente apresentarmos o desenho de um claustro
do fim do seculo XV, com os seus arcos a compartimentos em labaredas,
ficando como esmagados pelos frontões de ramalhetes, uns a par e esguios
[fig. 245B], os outros separados de varios segmentos, cujas curvaturas
são mui desagradaveis (fig. 245A, estampa da pag. 251).

As folhagens golpeadas com as quaes ornavam as curvaturas dos portaes,
são ás vezes vasadas com exaggeração, mas de aprimorada execução.

As janellas quadradas com pinasios de pedra multiplicam-se nos andares
superiores das construcções civis. Nota-se do mesmo modo tendencia a
pôr-se de parte o arco traçado por tres pontos, adoptando-se as
aberturas rectangulares, que vieram a ser quasi exclusivamente
empregadas um seculo depois.

O portal de entrada das abbadias e priorados ficava sempre collocado em
um pavilhão que tinha superiormente aposentos; emquanto á disposição
geral, era a mesma do seculo anterior.


*Paços de concelho*

Na segunda metade do seculo XV constituiu-se grande numero de novas
municipalidades, afim de enfraquecer cada vez mais o poder feudal e
todas as cidades rivalisaram entre si na edificação dos seus _paços de
concelho_, muito dos quaes subsistem ainda e apresentam uma serie de
edificios extremamente interessantes para se examinarem.

O campanario que lhe pertencia, veio a ser então uma torre elegante e de
extrema delicadeza, ornada de variados contornos, como as que se
executavam nas igrejas. Muitas das cidades applicavam quantias avultadas
para construir e ornar seu campanario, afim de que o vissem a grande
distancia, e tambem para dar maior importancia á sua representação.

A casa da camara de _Douai_, é da segunda metade do seculo XV, sendo
mais notavel pelo seu campanario que pela extensão ou elevação do
edificio municipal. A fachada municipal apresenta no plano terreo tres
portaes ornados de folhagens encrespadas, sendo a do centro maior que as
das duas outras.

[Figura 246: Casa da camara e campanario de Douai]

No segundo andar tem nove janellas em ogiva, ornadas de folhagens eguaes
ás que decoravam os portaes.

A attica, que está por cima do entablamento, é mais moderna, porque
pertence ao seculo XVII.

O campanario parece-se com uma torre de igreja, sendo rematada com uma
agulha elegantissima feita de madeira e coberta de chumbo, apresentando
varias ordens sobrepostas com frontões floreteados, e o maior numero
acabando em grimpas; quatro torrinhas circulares e em sacada occupam os
quatro angulos da torre na base d'essa agulha; e o telhado, de forma
conica, mostra quatro pequenas trapeiras egualmente coroadas por
cataventos.

A parle superior do campanario d'_Evreux_ compõe-se de uma torre com
faces arrendadas e de maior leveza, coroada por uma pyramide de madeira
coberta de chumbo.

[Figura 247: Campanario d'Évreux]

A parte inferior d'este campanario é mais antiga, pois que a elegante
pyramide arrendada que corôa o edificio, não pode ser obra além da
segunda metade do seculo XV; talvez trabalho dos artistas que fizeram a
pyramide central da cathedral, que é egualmente arrendada e de madeira
revestida de chumbo.

É util observar como são os feitios das sinetas que ha nos campanarios,
sendo algumas mui antigas; aquella d'_Arras_, é muito curiosa pela sua
bocca ter grande abertura. Tem a inscripção seguinte, que attesta ter
sido fundida em 1434:

    LAN: M: CCCC: E: IIII JE: FULS FAIS.

Em muitos municipios não havia nem casa de camara, nem campanarios:
serviam-se do sino das torres da igreja, e era tambem na parochia que se
reuniam as assembléas municipaes.


*Hospicios*

Nas salas dos hospicios encontram-se no seculo XV e no XVI a disposição
que já indicámos na grande sala do hospicio de _Tonnerre_, e em outros;
esta disposição é tambem a mesma nos hospitaes d'esta epoca, em
Flandres. Porém limitemo-nos a citar um dos mais bellos monumentos
conhecidos d'este genero, o hospicio da cidade de _Beaune_, fundado em
1442.

A aza do meio-dia e a de leste eram divididas até a altura do telhado
por uma galeria com dois andares: o primeiro andar d'esta galeria, que
faz lembrar os claustros das abbadias, corresponde ás aberturas do plano
terreo; o segundo dava serventia aos quartos superiores, formando uma
especie de varanda, como era uso construirem-se em um sem numero de
casas de madeira dos seculos XV e XVI.

O telhado que cobre esta especie de attica, fica interrompido por
grandes trapeiras symetricamente collocadas em duas ordens differentes,
cuja disposição dá a esta parte do edificio a apparencia da decoração
oriental. As empenas formadas de tres resaltos com duas, tres e até
quatro aberturas, são compostas de madeiros reunidos de maneira
engenhosa; d'estas especies de frontões recortados se levantam outros
tantos grimpos formados por hasteas de ferro cobertas dos mais delicados
ornamentos de chumbo. Sobre a fileira veste um delicado arrendado do
mesmo metal.

[Figura 248: Especimen da aza meridional do hospicio de Beaune]

Na aza do norte, que tem frente para a rua, está situado o salão para os
doentes. Imagine-se uma espaçosa e magnifica nave com o seu santuario,
os quadros transparentes das suas vidraças de côres, a abobada
aquilhada, as vigas servindo de linhas do madeiramento e guarnições
pintadas com decoração simples, mas accusadas com franqueza; a grande
ogiva da abside, campas tumulares, tres altares do uso oriental,
tribuna, cadeiras do côro em forma de cubiculos com rendilhados, além de
duas filas de camas com docel: eis o quadro magestoso que offerecia á
vista, na origem, esta soberba sala.

Segundo o plano, que dâmos, comprehender-se-ha a disposição e a reunião
d'estas salas. No pateo havia um poço com armação de ferro, tendo uma
graciosa corôa sustentada por tres hastes de ferro, e rampas com ornatos
arrendilhados, as quaes reunidas ao centro formam um telhado conico.

[Figura 249: Plano do hospicio de Beaune]

O portal do hospicio do lado da rua (P), tinha como remate um lindo
alpendre, especie de baldaquino, em cima do qual, sobre pediculos,
estavam as estatuetas de Nossa Senhora, de S. João Baptista e de Santo
Antonio.


*Armazens--Depositos*

Os armazens e depositos continuam no seculo XV a apresentar construcções
extraordinarias e com grande elevação. Citaremos para exemplo o de
Nuremberg. A porta principal d'este vasto armazem é muito elegante; o
tympano tem um escudo de armas e a data da construcção, 1498. O primeiro
corpo d'este edificio, para o qual o portal dá saida para a rua, é o
mais elevado; sendo dividido até ao telhado, em tres andares, e em
quatro se comprehendermos os famosos subterraneos abobadados; depois
apresenta seis andares ou galerias sobrepostas umas ás outras.

[Figura 250: Vista exterior d'uma parte do armazem de depositos, em
Noremberg]


*Chafarizes*

Os chafarizes com feitio de urna não eram raros no seculo XV. O pedestal
d'onde saia a agua caia em tanques e apresentava fórmas bastante
variadas; construiam-nos algumas vezes em metal.

[Figura 251: Vista do chafariz de Cully (Calvados)]

Entre as fontes sómente com tanque, podemos citar a de _Cully_, cuja
nascente, corre por duas aberturas circulares, nas quaes se vê um
pequeno nicho com arcada de feitio trifolio.


*Palacios, casas e residencias campestres*

Muitos palacios nas cidades, e as grandes residencias campestres, que
encerravam todo o necessario para um estabelecimento agricola,
offereciam uma importancia tamanha como a dos edificios publicos.

O palacio de Jacques-Coeur, em _Bourges_, era um dos monumentos civis
mais sumptuosos da segunda metade do seculo XV. Citaremos ainda como
exemplo aquelle de _Cluny_, e grande numero de grandes palacios dos
seculos XV e XVI. Damos na pagina seguinte a vista geral de uma casa de
campo, onde a habitação senhorial está junta á propriedade rural.

N'estas residencias campestres onde se occupavam de agricultura, as
diversas casas para esse serviço cercavam o pateo, ora quadrado, ora de
forma irregular; e ahi estabeleciam as cocheiras, as cavallariças, os
celleiros e os curraes, além da habitação do proprietario.

Nos palacios e nas residencias do campo construidas de cantaria, a
escada ficava collocada mui frequentemente em uma torrinha saliente
sobre a fachada do edificio, grav. pag. 262 [fig. 253]. Esta torrinha de
arestas chanfradas era coberta com telhado em duas aguas, e para se
construir esse telhado davam á parte superior da torrinha a forma
quadrada, para o que era necessario fazerem-lhe duas abobadas pendentes,
afim de ligar os lados cortados com o quadrado de telhado.

As inclinações d'estes telhados eram guarnecidas de _crochets_ em
relevo.

Não obstante, havia outras torres que conservavam a mesma forma que
tinham na base até ao telhado.

As casas do seculo XV e do principio do XVI, são ainda hoje muito
numerosas nas cidades das provincias, as quaes não soffreram, como na
capital, transformação completa; apresentam inteiramente os mesmos
detalhes na ornamentação, como havia nos outros edificios da mesma
época. As esculpturas dos cardos postos nas linhas inclinadas, as folhas
de repolho encrespadas, e outras molduras similhantes, ornavam os
portaes em ogivas, e algumas vezes tambem as cornijas. As paredes
divididas em almofadas guarneciam parte d'ellas.

[Figura 252: Grande solar com casas de exploração rural em Cully
(Calvados)]

As janellas, quasi todas quadradas e subdivididas por uma cruzeta de
pedra, tinham em roda muitos renques de nervuras prismaticas; um cordão
descançando sobre caryatides lhe servia de remate.

As janellas abertas no madeiramento, ou trapeiras, eram coroadas por
frontões pyramidaes extremamente delicados e por vezes acompanhados de
contrafortes ou arcos butantes com recortes e pinaculos cheios de
_crochets_ e lavores. Este systema de ornamentação existiu durante a
primeira metade do seculo XVI. Encontramos um bello especimen no palacio
de justiça em Ruão.

[Figura 253: Torre e escada sustentada por abobadas pendentes]

Em certos sitios, onde seria facil achar-se boa pedra, as casas de
madeira foram menos numerosas que as casas construidas de cantaria.

[Figura 254: Palacio de Justiça de Ruão]

[Figura 255: Casa de cantaria em Saint-Pierre-sur-Dive]

N'aquellas que ainda existem, os andares são bastante salientes, ficando
em sacada uns sobre os outros, e as partes reentrantes, que apparecem no
comprimento da edificação, são ornadas com molduras. Nas gravuras das
paginas 266 [fig. 256] e 267 [fig. 257] vêem-se essas sacadas
progressivas dos andares uns sobre os outros; nas cidades de grande
população viam-se muitas vezes dois andares superiores ao rez-do-chão, e
um terceiro andar posto ainda sobre o telhado, o qual recebia luz por
grandes trapeiras. O maior numero das casas particulares tinha a empena
voltada para o lado da rua; esta disposição era menos frequente nos
palacios ou nas habitações das pessoas abastadas.

Damos, por exemplo, duas casas do fim do seculo XV, construidas de
cantaria, primeiramente aquella que existe em S. Pedro-sur-Dive, pag.
264 [fig. 255], na margem do rio, e dependentes do mosteiro dos
benedictinos: suppõe-se que serviam de tribunal de justiça d'aquella
ordem. A torrinha octogona que guarnece os angulos encerra um oratorio
muito elegante. As vigas apparentes do tecto das casas, principalmente
as das grandes salas, eram ornadas com obras de talha no gosto da época.

A outra casa é mais consideravel com pateo no interior, o qual mostra
galerias e escadas com corrimões de pedra rendilhados, communicando com
differentes andares, pag. 266 [fig. 256]. A disposição e a parte
saliente d'essas galerias produzem n'essas construcções (como em muitas
outras, em que o risco é quasi egual), o seu melhor e mais pittoresco
efeito. Ás vezes tambem no plano terreo ha arcadas em roda dos palcos.

As duas casas de madeira do _Poids-Royal_, em São Ló, foram construidas
em 1494, e a outra que ainda existe pertence a _Honfleur_.


*Taboletas e esculpturas emblematicas*

Nas casas construidas de madeira, sobre os prumos dos angulos era que
muitas vezes se esculpiam as figuras emblematicas para servirem de
taboleta, como a de _S. Julião do Sault_, em França. Na praça vê-se
outra casa que no seculo XV servia de hospedaria, onde ha esculpluras
symbolisando a applicacão que tem a casa; no cunhal do norte, collocaram
uma figura de rosto jovial e como offerecendo com uma das mãos um
cangirão e com a outra um copo, em que parece convidar a provar do vinho
da adega. Por cima, em duplo nicho, via-se a imagem de S. João com o
cordeiro e a pelle do camello; e tambem a imagem de S. Thiago de
Compostella com o seu bordão e chapêo de peregrino, allusão bem evidenle
ás viagens e aos viajantes.

[Figura 256]

[Figura 257: Casa de madeira do Poids-Royal, em Saint-Lo]

[Figura 258: Casa de madeira, em Honfleur]

[Figura 259: Esculpturas sobre uma casa de madeira, em
Saint-Julien-de-Sault (Yonne)]

No outro cunhal apparece a imagem de Santa Barbara com o livro, a torre
e a palma do martyrio, e na parte inferior a imagem da loucura
representadas em alto-relevo; a presença d'esta ultima figura
equivaleria a ter certamente o seguinte letreiro: _Aqui ha diversões e
abrigo para os viajantes_.

[Figura 260: A cruz de ferro de Saint-Quentin]

Juntemos que as taboletas salientes postas da parte de fora das casas,
estavam seguras a braços de ferro, mais ou menos ornamentados, os quaes
eram bem acceitos no fim do seculo XV. Uma _cruz de ferro_ muito antiga
que servia de taboleta á casa que tinha esse mesmo nome, estava
collocada proximo dos paços da camara de S. Quentin: essa cruz tinha as
extremidades do feitio de ancora, executada no estylo chammejante.


*ARCHITECTURA MILITAR*


Os progressos da civilisação dispuzeram cada vez mais os poderosos e os
nobres para darem ás suas residencias aspecto menos severo, tornando-as
mais commodas, diminuindo-lhes as altas muralhas que as desfeiavam e
pareciam isolal-as das povoações circumvisinhas.

Uma circumstancia bastante poderosa fizera diminuir, além d'isso, a
importancia dos antigos castellos, cuja fortaleza consistia
principalmente na altura das muralhas: queremos fallar do uso da
artilheria e das armas de fogo que veio a ser geral no seculo XV. As
elevadas torres com seteiras, e trincheiras formidaveis, não podiam
resistir ao fogo das peças; conjecturou-se que o systema de defensa
seria transformado em pouco tempo, e que uma revolução ia introduzir-se
na arte de guerra; então devia ligar-se muito menos importancia ao que
dera antes tanta força ás praças fortes e aos castellos feudaes.

Todavia, grande numero de castellos pertencentes á segunda metade do
seculo XV apresentava ainda na parte exterior certa apparencia de força;
a entrada era defendida por torres com portas e pontes levadiças; as
muralhas guarnecidas tambem de torres e besteiras.


*Forma geral*

A forma mais geral no fim do seculo XV, foi a quadrada. Havia fortalezas
cujas casas rodeavam completamente o pateo central; em outras
construcções não occupavam mais do que os tres lados do quadrado,
ficando o quarto fechado por um muro. Outros castellos occupavam sómente
um dos lados do recinto. Os fossos, que cercavam estes castellos, sem
agua, tinham geralmente pequena profundidade;--seria pois um obstaculo
mui facil de transpôr.

Na verdade, no seculo XV, _não procuravam já os logares mais eminentes
para se estabelecerem os castellos_; tinham reconhecido os
inconvenientes, de mais um genero, causados por essas elevadas posições,
sempre com entrada dificil, e por isso haviam _descido para as planicies
e os valles_, onde a agua, tão útil ás necessidades da vida, se
encontrava com abundancia.

[Figura 261: Detalhes do castello de Montsereau]


*Ornamentação*

No interior, os castellos não se differençavam quasi nada dos palacios,
das casas nobres construidas nas cidades.

Eram, além d'isso, as molduras inteiramente similhantes áquellas que
apresentamos na archilectura religiosa e civil da mesma época, taes como
nervuras prismaticas muito multiplicadas, arabescos, folhagens
profundamente indicadas, _crochets_, almofadas, arrendados nas pedras,
grandes folhas reviradas, cujo movimento fazia lembrar a forma de uma
cabeça de elephante, pinaculos apoiados na construcção, nichos,
torresinhas pendentes, etc. etc. etc. Até os telhados não ficavam sem
ornatos, sendo o espigão guarnecido de cristas, de _crochets_, ou
diversas molduras executadas em chumbo; acima dos telhados conicos das
torres apresentavam egualmenle pinaculos as espigas imitadas no chumbo,
no ferro ou em argilla.

As seleiras firmavam-se em construcções salientes e em falso, das quaes
podiamos apresentar muitas variedades, além dos exemplos que damos a
pag. 272 [fig. 261].

Melhoraram as construcções antigas, reconstruiram as portas pondo-lhes
pontes levadiças de balanço, cujo uso veiu a generalisar-se; e
augmentaram, melhoradas, as muralhas que eram rematadas por não
interrompida fileira de seteiras, que ás vezes fechavam o recinto.

Todos os castellos existentes nas margens do _Loire_ pertencem á segunda
metade do seculo XV.

As duas torres, de que damos os desenhos na pag. 274. [fig. 262] são
tiradas do castello de _Langeais_, e a outra do de _Plessis-Bourré_,
quasi similhantes; mostrando o gosto d'aquella época, aliás mui
elegante.

A parte cylindrica da torre eleva-se para formar um andar (B), por cima
da galeria das besteiras (A), de maneira que a torre era dividida em
duas partes em logar de ser coberta pelo mesmo telhado. Este systema,
consistindo em estabelecer assim muitos andares de defeza pelas torres e
tambem pelos muros entre os baluartes, fora adoptado desde o XIV seculo;
porém mais geralmente empregado no XVI; posto que, em algumas partes,
sejam vistos os dois systemas de construcções no mesmo castello.

[Figura 262: Uma das torres do castello de Langeais]

[Figura 263: Uma das torres do castello du _Plessis-Bourré_]

Os castellos, que citamos, cujas datas são verdadeiras, apresentam-nos o
typo de muitos outros edificios em diversas localidades, durante a
segunda metade do seculo XV e nos primeiros annos do XVI seculo.

[Figura 264]



CAPITULO VII

*ESTYLO DO RENASCIMENTO*


Chama-se _Renascimento_, a arte que voltou a tomar as fórmas antigas da
architectura, como se a arte tivesse ficado _paralysada_ durante a era
ogival ou roman.

O estylo ogival, que percorrêra os diversos periodos de aperfeiçoamento
e de generação, chegava então ao seu termo, durante o segundo quartel do
seculo XV. A arcada traçada por tres pontos ficava abandonada no XVI,
para se reproduzir com a volta inteira, que igualmente fôra antes posta
de lado pela introducção da ogiva desde o seculo XII: portanto, uma
extraordinaria revolução ia pois operar-se na architectura.

As guerras dos francezes na Italia em tres successivos reinados, levaram
a flôr da nobreza áquelle paiz, e ahi recebeu ella o gosto de tudo, que
o renascimento italiano produzira nas artes e nas letras; o genio de
innovação e reforma que tanto agitava a republica, não sómente os
artistas, mas tambem os theologos, preparára os espiritos para esta
grande mudança.

Porém, a architectura chamada do _Renascimento_ não foi geralmente
empregada nas construcções religiosas do XVI seculo. A fórma da ogiva
tinha recebido para estes edificios uma especie de consagração, e muito
tempo depois da adopção do estylo classico para as construcções civis,
fôra preferida depois para os monumentos religiosos, e até do seculo
XVII se encontram exemplos do emprego da ogiva. Na verdade, estava então
o estylo ogival privado dos seus ornamentos, mostrando grande pobreza
decorativa; apparecia apenas o esqueleto do antigo estylo; porém a ogiva
era ainda usada sómente para as janellas e arcadas.

Poderiamos citar centenares de igrejas edificadas n'este estylo, quando
o do Renascimento ostentava já todo o seu brilho nos palacios
acastellados e nas construcções civis.

Como quer que fosse, as construcções do Renascimento foram mais civis
que religiosas: isto é, construiram-se n'este estylo menos igrejas que
palacios e casas.


*ARCHITECTURA RELIGIOSA*


*Plano das igrejas*

O plano das igrejas do seculo XVI foi pouco mais ou menos o mesmo que no
seculo antecedente.


*Monumentos*

As almofadas e frizos, as pilastras e os outros membros architectonicos
foram cobertos de grande profusão das imitações do reino animal e
vegetal. Genios representando amor, figuras diversas, muitas de
phantasia, se entrelaçavam em contornos caprichosos; porém sempre em
combinações graciosas que foram chamadas _arabescos_, denominação
extravagante, porque os arabes proscreveram a natureza animada das suas
obras de imitação.

A igreja de Semur offerece-nos magnificos arabescos. Os arabescos, para
nos servir d'este termo improprio, que tem prevalecido, eram imitação
das decorações a fresco que se acharam em muitos monumentos antigos, e
que se vêem ainda hoje nas galerias e abobadas sombrias dos banhos de
Tito, em Roma.


*Janellas*

Muitas vezes as _janellas_ eram de volta perfeita, e sem cruzetas de
pedra; as portas e arcadas igualmente tinham a fórma semicircular.

[Figura 265]

A janella, que representamos, foi tirada da igreja de S. Pedro de Caen,
apresentando o estylo do Renascimento mais bem caracterisado, não
sómente na sua fórma, mas igualmente nos seus accessorios (contrafortes,
pilastras, campanariosinhos, candelabros, etc., etc.), nas figuras, nos
modilhões, os quaes formam o remate; e nos entablamentos com balaustrada
que corôa o edificio. Esta balaustrada com os seus graciosos
entrelaçados e com as figurinhas nuas, reproduzem um dos typos d'este
genero mais elegantes do XVI seculo.

Do mesmo modo que no seculo XII, uma architectura de transição se formou
quando deixaram o arco ogival: apparecia outra que tornava a usar a
volta inleira, resultando d'ahi um estylo mixto pelas combinações das
fórmas classicas com os ornamentos do seculo XV. A volta perfeita da
architectura romana, ostentava-se então coberta de vistosos enfeites do
estylo ogival, e a ogiva ligava-se aos arabescos e frontões antigos.

A janella da igreja _de-la-Ferté-Bernard_ (França) dá-nos um exemplo
d'este mixto architectonico, apresentando-nos divisões no estylo do
Renascimento, no meio de uma grande ogiva lavrada com molduras no estylo
do seculo XV: pag. 280. [fig. 266]


*Abobadas*

[Figura 266: Uma janella da igreja de la Ferté-Bernard]

N'esta época, as _abobadas_ conservam a fórma ogival, porém tendem a
baixar a sua elevação, e por vezes são de volta perfeita; os arcos
ramificam-se, vendo-se cobertos de ornatos as abobadas pendentes, como
se observa nas da igreja de _Saint Étienne-du-Mont_ (França), de que
damos a gravura, e cuja construcção, principiada em 1517, não estava
concluida em 1563.

[Figura 267: Igreja Saint-Étienne-du-Mont]

[Figura 268]

Muitas igrejas ruraes, e até outras de maiores dimensões, tinham no
seculo XVI, unicamente abobadas imitadas com madeira, e como estes
forros cheios de obra de talha são importantes pela sua construcção,
seria conveniente fallarmos d'elles; tinham como nos edificios civis da
mesma época, collocadas as vigotas sobre a grossura das paredes, ao que
chamam _freixaes_, e os pontaes formando a ogiva ou a volta perfeita.

Estes eram firmados sobre vigas transversaes, chamadas _linhas_. O pau
de _fileira_ era sustentado de distancia em distancia por peças de
madeira, _penduraes_, erguendo-se verticalmente das linhas até ao tecto
de forma abobadada.

O forro que occultava os curvos e formava o contorno apparente da
abobada era coberto de pinturas, e as juntas das linhas ficavam
dissimuladas por fasquias ornamentadas.


*Altares*

O estylo do Renascimento mudou tambem, como deve suppôr-se, o systema da
ornamentação dos altares, e as fórmas antigas foram modificadas.

Existem ainda, em algumas igrejas ruraes, retabulos em madeira do seculo
XVI, no genero d'aquelle de que apresentamos a gravura na pag. 284 [fig.
269], encimado com docel horisontal. Não será nunca demasiado,
recommendar-se a conservação dos antigos altares, e se esse livro
chegasse ás mãos dos reverendos parochos, rogar-lhes-hiamos que tivessem
isto em attenção, embora, infelizmente, estejam sempre dispostos a
destruir tudo o que é antigo, como aconteceu ultimamente ao bellissimo
tecto da igreja matriz de Maravilla, em Santarem, para o substituir por
trabalho moderno de mau gosto e sem nenhum estylo!

Alguns retabulos representam a vida de Jesus Christo, ou a do orago da
igreja, figurando em uma serie de composições cujas figurinhas são
modeladas com delicadeza extraordinaria e bom colorido.

Muitos retabulos de madeira com figuras do seculo XVI, ficaram
desprezados e escondidos nos forros das igrejas, depois de terem sido
substituidos por pessimas pinturas, e ahi ficarem até que os
especuladores os descobrissem para separar as peças umas das outras, e
vendel-as por bom preço inculcando-as como objectos raros.

[Figura 269: Altar de madeira do seculo XVI]


*Pias baptismaes*

Appareceram _pias baptismaes_, novamente collocadas, sendo cobertas de
folhagem e cercaduras. Em algumas, a circumferencia é dividida em quatro
almofadas encaixilhando composições religiosas executadas em
baixo-relevo. Outras, como esta de que dâmos exemplo, foi ornada com
medalhões. Porém, as pias baptismaes com fórma de calix hemispherico são
sempre em maior numero.

[Figura 270: Pia baptismal do seculo XVI]


*Tumulos*

Dispondo-se n'essa época de bellos materiaes (marmores, alabastros,
porphyros, etc.), que os artistas no renascimento podiam empregar nas
construcções de limitadas dimensões, facilitando ás esculpturas a maior
delicadeza na sua execução, os haviam preferido para os monumentos
funebres. Os tumulos destinados aos papas, cardeaes, aos reis, principes
e nobres, construidos na Italia, França, e Belgica, são n'este genero o
que ha de mais sumptuoso e primoroso.

As pedras das campas tiveram igualmente mudanças nas fórmas dos desenhos
gravados ao traço, como na architectura. A volta perfeita, durante o
curso do seculo XVI, substitue a ogiva pela arcada que moldura a effigie
do finado; estas molduras eram muito simples, comparadas com as que se
faziam antes; as regras e a ornamentação das duas architecturas eram tão
diversas, que não podiam deixar de produzir de outra maneira essa
influencia.


*ARCHITECTURA CIVIL*


Os primeiros ensaios do estylo do Renascimento, no qual a
_multiplicidade das ordens_ era um dos principaes caracteres,
appareceram em França em 1498, e em Portugal em 1559, sendo o principal
exemplo d'este estylo no reino a capella-mór da igreja dos Jeronymos, em
Belem.

Esta architectura desenvolveu-se muito em França, como se vê no augmento
dos palacios de Blois e de Chambord, chegando á perfeição pelo talento
do archiecto Philibert de Lorme e o esculptor Germain Pilon. Posto que
continuasse a florescer com mais ou menos acceitação, até que Perrault,
no reinado de Luiz XIV, seguiu o exemplo dado por Miguel Angelo,
delineando a fachada do palacio do Louvre, tendo portanto abandonado a
_multiplicidade das ordens_ e as minudencias do periodo antecedente,
empregando n'aquelle edificio uma unica ordem, em maior escala e em
estylo mais ousado.

[Figura 271: Casa no estylo do Renascimento, em Périgueux]

[Figura 272: Escada no estylo do Renascimento, em Périgueux]

[Figura 273: Janella no estylo do Renascimento, no castello de
Puy-Guilhem (Bordogne)]

[Figura 274: Fragmento d'uma casa de madeira, em Lisieux]

Na Inglaterra, o estylo da Renascença obteve voga muito depois que em
França. Durante o longo reinado da rainha Isabel conservaram sempre nos
seus palacios e _villas_, o estylo gothico, na mesma época em que já o
esculptor João Goujon igualava quasi a execução do antigo nos ornamentos
do pateo do palacio do Louvre. Foi sómente em 1608, que appareceram em
Oxford (Inglaterra), os primeiros ensaios do estylo da Renascença no
portal da sua Universidade, tendo as cinco ordens sobrepostas.

[Figura 275: Fragmento d'uma casa de madeira, em Caen]

Uma casa que se conserva em Périgueux (França), d'este estylo [fig.
272], em que se notam as janellas das trapeiras, que se destacam sobre o
telhado, são de uma notável elegância.

[Figura 276: Chaminé do seculo XVI]

Outro exemplo, na mesma localidade, em que se vê o corrimão de cantaria
e as abobadas pendentes, ornadas de figuras em baixo-relevo, patenteiam
a importancia que se dava no seculo XVI a esta parte dos edificios,
grav. da pag. 288 [fig. 272]; assim como o desenho d'uma vistosa janella
do palacio de Puy-Guilhem (França), grav. da pag. 289 [fig. 273].

As casas construidas de madeira são algumas vezes mais cheias de
ornamentações que as outras edificadas de cantaria; e os entalhadores
d'aquella época desenvolveram superior talento na execução de lavores
dos madeiros que molduravam as janellas, as trapeiras e os prumos dos
cunhaes.

Ahi está a fachada de uma casa de Lisieux [fig. 274], cidade que possue
ainda bellos exemplos em architectura do seculo XVI; assim como outro
fragmento, representado pela gravura de pag. 291 [fig. 275], da
decoração de uma casa de Caen. Estes dois exemplos, tomados ao acaso
entre mil, bastarão para demonstrar como o estylo do Renascimento ficou
assignalado sobre a madeira nas construcções civis do seculo XVI.

Muitas vezes os grandes aposentos se distinguem por decorações especiaes
e por magnificas chaminés. Finalmente, as cristas, as espigas
construidas em chumbo ou barro cozido que coroavam os telhados,
apresentam no seculo XVI extraordinaria elegancia e excessiva altura.

[Figura 277: Castello de Chevillon]


*ARCHITECTURA MILITAR*


Os castellos do Renascimento, posto que cercados de fossos cheios d'agua
e muitas vezes guarnecidos de torres, todavia já não são praças fortes
na verdadeira accepção da palavra, mas elegantes habitações, nas quaes
tinham em vista sómente conservar as apparencias feudaes. É o que
facilmente se comprehenderá examinando a perspectiva do castello de
Chevillon (França), pag. 293 [fig. 277], cujas torres, que se reflectem
na agua, não mostram absolutamente nada de fortaleza que podesse
resistir aos ataques da infanteria e muito menos da artilheria.

A architectura dos castellos, além das muralhas que os cingiam e os seus
fossos cheios de agua, confunde-se muito com a architectura civil; as
salas, as escadas, as galerias não são menos ornadas do que os palacios
e as casas das camaras; os arabescos e as molduras são até, ás vezes,
prodigalisadas com excesso, como indica a grav. da pag. 295 [fig. 278].

Grande numero de castellos compõe-se simplesmente de um pateo quadrado,
rodeado de construcções ruraes, no fundo do qual está collocada a
habitação senhorial; as janellas d'estas casas quasi sempre foram depois
mudadas ou alteradas, mas conservando quasi intacta a torre com os
angulos cortados que encerra a escada, e que occupa o meio do edificio:
estas _fidalguias_, como eram designadas ás vezes, são bastante communs
nos campos.

A França possue ainda centenares de notáveis castellos do seculo XVI,
mui conhecidos dos _touristes_. Lembram os typos mais grandiosos e
magestosos das construcções d'esta ordem. Limitar-nos-hemos a apresentar
dois lindos monumentos do Renascimento: taes como, o castello de
_Azay-le-Rideau_, distincto pela sua rica ornamentação, e o de
_Bernesq_, pag. 296 [fig. 279] e 297 [fig. 280].

Em seguida apresentamos um especimen dos modestos solares de que ha
grande numero edificados no paiz.

[Figura 278: Ornamentação do castello do Chantelou (França)]

Os castellos, construidos de madeira, continuaram a ser notaveis no
seculo XVI, nas localidades onde esse material de construcção estava
mais em uso; com torres nos angulos, defendidos por fossos cheios
d'agua, e lendo cantaria só na base. Até o pombal senhorial, que fazia
parte do recinto, era tambem de madeira.

[Figura 279: Vista geral do castello d'Azay-Rideau (Indre-et-Loire)]

[Figura 280]

Para entrar no pateo d'estes solares rodeados de agua, era preciso
geralmente atravessar um torreão desligado das outras habitações, tal
como aquelle que existe ainda em _Beuvillers_, do qual em seguida damos
a gravura.

[Figura 281: Vista geral do castello de Bellou (Calvados)]

Estando os castellos menos expostos que as casas urbanas ás mudanças e
reconstrucções, teem por este motivo conservado melhor os madeiramentos
elevados, e os espigões de chumbo ou de barro cosido.

[Figura 282: Entrada do castello de Beuvillers]

Para vermos qual a importancia d'este ornato, copiamos aqui o especimen
de um espigão do Renascimento da antiga fabrica de _Prédauge_, pag. 300
[fig. 283], proximo de Lisieux: ha ainda muitas outras n'esta
localidade, não obstante o subido preço que os adelos offerecem para os
obter, mas o atilado juizo dos seus possuidores não sacrifica de certo
os objectos d'arte ao vil interesse.

[Figura 283: Fabrica de Prédauge (França)]



CAPITULO VIII

*PERIODO MODERNO*


Diremos apenas algumas palavras ácerca do periodo moderno da
architectura.

No seculo XVII e no XVIII procurou-se imitar uma certa disposição
architectonica, que havia prevalecido na Italia nas fachadas das
igrejas, no ultimo quartel do seculo XVI, consistindo em collocar o
portal no meio de columnas que abrangessem a largura da nave principal e
as duas lateraes; depois em sobrepôr outra Ordem de architectura por
cima da primeira, ainda que não correspondesse ao espaço occupado pela
nave principal, onde as suas abobadas se erguiam acima dos telhados
inferiores pertencentes ás naves lateraes.

Esta diminuição de largura dada á fachada, na parte superior, era
disfarçada por um ornato accessorio do feitio de um _S_ deitado,
_quartellas_, para ligar a elevação da segunda Ordem com a parte
inferior que decorava o portal, e ao mesmo tempo servia-lhe de
_contraforte_.

Os jesuitas, que construiram n'essa epoca as suas igrejas adoptando esta
disposição, foram os promotores principaes de tal incoherencia, sobrepôr
as columnas que não correspondiam ás divisões dos andares. Por este
motivo ficou designada _Estylo dos Jesuítas_, que foi adoptado nas
igrejas do seculo XVII.


*ARCHITECTURA RELIGIOSA*


Para exemplo dâmos a gravura da igreja da Sorbonna (França), construida
por ordem de Richelieu, de 1635 a 1659, a qual se compõe de uma Ordem
corinthia na parte inferior, tendo por cima outra Ordem composita,
limitada por um frontão, e sobre os lados as quartellas servindo de
contrafortes para esconder a falta de ligações das naves lateraes com a
decoração principal da fachada. A torre, com feitio de cupula,
apresentava um tambor cylindrico.

[Figura 284: Igreja da Sorbonna]

Em Portugal, em todas as igrejas d'essa época, imitaram egual
disposição. Os planos foram delineados sob a mesma influencia religiosa,
e assim se construiram as igrejas de Santo Estevão, a do Espirito Santo,
o seminario de Santarem, etc.


*Disposição interna nas igrejas*

[Figura 285: Interior da igreja de S. Sulpicio]

A fórma interna era, em geral, muito simples. Constava de arcadas
macissas separadas por pilares, algumas vezes decoradas de pilastras;
pondo em communicacão essas arcadas da nave principal com as outras
lateraes. Uma unica ordem de janellas se collocavam na parte superior,
por cima d'essas arcadas; e ora de volta inteira, ora de verga
horisontal, davam claridade á nave. As naves lateraes e as capellas
correspondentes ás aberturas das arcadas recebem luz por janellas de
egual feitio.

O interior da igreja de S. Sulpicio (França) mostra esta disposição, que
era a mais seguida; portanto, não mostravam indicio algum do
_triforium_, nem logar para a galeria, como se costumava construir no
seculo XVI.


*Torres*

Edificaram-se torres de differentes fórmas. A cupula da igreja da
Sorbonna mostra-nos as que ficam mais usuaes para os grandes edificios;
para as outras de menor grandeza, adoptavam as torres em abobada
hemispherica e lanternim, como se vê na gravura; as quaes foram muito
communs até o final do seculo XVIII.

[Figura 286]


*Altares*

Os retabulos ornados com columnas e frontões foram empregados em toda a
parte para decorarem os altares-móres, desde o fim do seculo XIII, e
formavam verdadeiros monumentos na architectura moderna, que a _moda_
havia introduzido tambem dentro das igrejas ogivaes. Foi d'elles que
derivaram os elementos para as fachadas das igrejas modernas, as quaes,
ainda que combinadas com arte, produziam todavia effeito um tanto
theatral, pouco proprio da magestade da casa de Deus, não obstante terem
apparencia vistosa, como se poderá julgar pela gravura da pag. 305 [fig.
287].

Apezar de que estes altares são muitas vezes pouco harmoniosos no
estylo, convirá comtudo conserval-os como exemplar da original decoração
da época.

[Figura 287: Grande retabulo do seculo XVII]


*Tumulos*

Durante o periodo, de que tratamos, os tumulos eram notaveis pelo
emprego de marmores de variadissimas côres.

[Figura 288: Tumulo com estatuas deitadas]

Apparecem alguns com a fórma das antigas quilhas de navios, apresentando
o bôjo dos dois lados; porém, as fórmas da época antecedente continuam
ainda a ser seguidas, apparecendo por esta rasão as estatuas dos finados
deitadas sobre as campas; porém o maior numero eram representados de
joelhos como se estivessem em oração, pag. 307 [fig. 289].

Em Portugal são raros os tumulos d'essa época, em que appareçam
representados em vulto os finados que n'elles jazem.

[Figura 289: Estatua do seculo XVII (reinado de Luiz XIII)]


*ARCHITECTURA CIVIL*


Se lançarmos a vista sobre a architectura civil da França, da Allemanha
e da Belgica, no seculo XVII, veremos que se construia grande numero de
casas com elevadissimas empenas com os lados em fórma de degraus e
rematadas por grandissimas quartellas, que datam do seculo XVI, pag. 308
[fig. 390].

[Figura 290: Casa allemã da primeira metade do seculo XVII]

[Figura 291: Edificação do começo do seculo XVII]

A empena da gravura que damos para exemplo d'esta especie de
construcções é de 1620.

No seculo XVII, as casas mais importantes tinham as escadas com
patamares mui espaçosos; e os pontos de apoio eram executados com
demasiada grossura. Os balaustres da grade da escada tinham a fórma
quadrangular e o seu corrimão era tambem de grande grossura.

[Figura 292: Palacio de Caillerie (Bayeux)]

As duas gravuras das pag. 309 [fig. 291] e 310 [fig. 292], mostram o
estylo das casas do seculo XVII. Na primeira gravura, já as janellas não
têem pinazios de cantaria, assim como as vidraças não têem os caixilhos
guarnecidos de chumbo para segurar os vidros, sendo substituidos por
pinazios de madeira. As trapeiras conservam as primitivas fórmas,
mostrando os prumos recortados em fórma de quartellas, e os seus
frontões de feitio circular ou triangular, conforme eram empregados no
seculo XVI. Os pannos das chaminés tinham a fórma quadrangular, e
terminavam em frontões.

[Figura 293: Fachada com portal em Trévières, de 1647]

A outra casa, que é de estylo mais adiantado, pois data de 1664,
apresenta um bello portal terminado por frontão, os telhados com
bastante elevação, e as chaminés extremamente altas.

Estas combinações são caracteristicas do seculo XVII.

Ha nos suburbios de Lisboa, no palacio de Palhavã (que foi por nós
restaurado e ampliado no anno de 1862), um bellissimo portal, no estylo
Toscano, de perfeita composição e obra de acabamento apurado, e haverá
poucos nos outros paizes que lhe possam ser comparados, e sem duvida o
celebre architecto Vignola não se negaria a firmar com a sua assignatura
o desenho para esta construcção, tanto mais por ser delineado segundo a
escola d'este artista.

[Figura 294: Uma parte do castello de Harcourt]

O estylo da primeira metade do seculo XVII, o qual predominou durante o
principio do seculo seguinte, apresenta um caracter grandioso, e os
monumentos d'essa época distinguem-se, pelo seu nobre aspecto, das
outras edificações mais importantes do tempo presente.

As outras gravuras apresentam construcções pertencentes ao ultimo
quartel do seculo XVII, e seguem a ordem da antiguidade de suas
edificações. A primeira gravura pertence a uma azenha, posto que na sua
fachada parecerá um palacete. É do anno de 1664, pag. 311 [fig. 293].

As duas partes symetricas flanqueadas por pilastras e o frontão separado
por muitas ordens de frizos sobrepostos, (de pessimo effeito) que occupa
a parte central, parecem caracterisar uma data um pouco mais antiga,
posto que este estylo se perpetuou, em alguns monumentos, até ao
principio do seculo XVIII.

A parte da casa de Harcourt, que representa a outra gravura, pag. 312
[fig. 294], pertence ao principio do seculo XVIII, mas foi edificio
delineado com mais talento e apresenta um aspecto mais regular e nobre.
No seculo XVIII a architectura modificou-se sensivelmente, e o grande
numero dos edificios d'esta época está bem patente, e será escusado
descrever o seu caracter architectonico.

No actual seculo XIX, tem-se feito bastantes alterações na architectura,
e por isso não apresenta um caracter bem distincto, o que se deverá
attribuir ao estado presente social; portanto, não se póde definir a
fórma do estylo que deverá representar a sua architectura.

Finalmente para que qualquer estudo offereça sempre interesse para ser
cultivado pelos estudantes, é preciso não se explicar tudo aos
principiantes, sobre a materia de que se occupam, mui principalmente
n'esta moderna sciencia; para que a curiosidade de a profundar lhes
desperte o desejo de se instruirem cada vez mais, o que lhes facilitará
gradualmente o seu desenvolvimento; afim de evitar que uma demasiada
applicação venha a produzir-lhes o cansaço em conhecer todos os segredos
da archeologia, porque o estudo se não é facil, é sobejamente agradavel
e util. Por minha parte, julgar-me-hei feliz se as noções que deixo
n'estas paginas, poderem suscitar o amor a tão profícuos estudos, porque
d'ahi, no meu entender, virá engrandecimento para o nosso fim.

[Figura 295]



Notas:

[1] Dolmen é composto de duas palavras celticas, _dol_ mesa, e _men_
pedra.

[2] _Menhir_ e _peulvan_ derivam da língua celtica, e têem quasi a mesma
significação; compõem-se de duas palavras _men_ pedra, e _hir_ longo;
_peul_, pilar, _vain_ ou _maen_, pedra: isto é, pedra alongada.

[3] Nome composto de duas palavras dos bretões: _crom_, curva; _leck_,
pedra.

[4] Esta palavra é saxonia e significa «pedras enfileiradas.»

[5] Os antiquarios inglezes designam pelo nome de _trilithos_ a mesma
combinação de pedras, indicando um monumento composto de tres grandes
pedras.

[6] King era da opinião de que havendo pedras erguidas no centro dos
circulos, eram estes destinados para as assembléas civis; em quanto
aquelles em que havia dolmen serviam para as ceremonias religiosas.

[7] Antigamente os orientaes tinham, como os celtas, veneração religiosa
pelas _grandes pedras toscas_; assim como os hebreus, a ponto de Moysés
lhes prohibir que as adorassem.

[8] É notavel que a relação da liga d'este metal, seja egual á dos
bronzes descobertos em regiões tão distantes.

[9] Os machados e frechas achados na Europa comparados com os que usavam
os selvagens da America e os da Nova Hollanda e da Nova Zelandia, causam
admiração por terem as mesmas formas, e muitas vezes, egual materia.

[10] Collocavam tambem nas estradas pedras que serviam para descançar os
viajantes, e para os cavalheiros montarem a cavallo.

[11] Talvez seja derivado da palavra _musæ_, as musas, porque era
principalmente nos templos d'estas deusas que o pavimento de musaico
fôra empregado.

[12] Como foi descoberto, n'este anno, no Outeiro de Ferreira de Zezere
um forno romano, tendo dentro telhas curvas com lavôres.

[13] Actualmente está entulhada até a nascença do arco da abobada.

[14] As de oliveira para Minerva; as de murta para Venus; as do pinheiro
para Pan, etc.

[15] No tempo do imperador Justiniano houve uma luta entre a facção
verde e azul, em que pereceram 40:000 homens. Depois d'este horrivel
acontecimento ficaram abolidas as côres.

[16] Caligula consentiu em que pozessem almofadas ou tapetes nos
assentos de pedra.

[17] Os logares estavam numerados e gravados na pedra, e cada espectador
entrava com um bilhete de forma circular _tossera theatralis_, que
designava o logar que devia occupar.

[18] Foi Quinto Catulos o primeiro que mandou estender um toldo de
purpura.

[19] Suppõe-se que o uso de immolar os primeiros sobre o tumulo dos
guerreiros, e os escravos sobre a sepultura de seus donos, deram origem
a estes combates.

[20] Pompeu foi quem introduziu este uso em Roma; e Mecenas quem
construiu primeiro estes monumentos publicos.

[21] Nas thermas d'este imperador havia 1:600 banheiras de porphyro e
marmore; e n'este edificio podiam 3:000 pessoas tomar banho.

[22] Havia em Roma 856 thermas.

[23] Veja-se na gravura da pag. 82 [fig. 69], os algarismos da planta
que designam os diversos aposentos.

[24] Depois do incendio de Roma, no tempo de Nero, contavam-se ainda
48:000 casas, separadas umas das outras.

[25] O maior sabio agronomo da antiguidade, nascido no seculo I da era
christã.

[26] A mais importante foi a do imperador Adriano, pois comprehendia uma
superficie de dez milhas.

[27] O uso de se queimarem os corpos procedia de um mytho religioso que
se conservou na Grecia e na Italia até o estabelecimento do
christianismo.

[28] O maior cippo descoberto em Portugal foi achado em _Citania_
(Guimarães). É de granito e de extraordinarias dimensões.

[29] Esta palavra de origem grega tem a mesma significação que os
romanos davam ao _cippo_.

[30] Espécie de enxadão, de que os coveiros se serviam.

[31] Em Cetobriga (Setubal) existem cemiterios com os dois modos de
enterramentos; o de incineração, estava collocado no centro de Troia, e
o outro para os corpos sem serem queimados, existia na margem do Sado.

[32] Que é como a espuma: Venus saindo do mar.

[33] Latona, da qual nasceram, na ilha de Dellos, Apollo e Diana.

[34] Lucina, divindade romana que presidia aos partos.

[35] Como havia na Sé de Lisboa, e na igreja de S. Christovam de
Coimbra.

[36] Veja-se a nossa obra, escripta em francez no anno 1868, com o
titulo--_Mémoire d'Archéologie sur la véritable signification des signes
qu'on voit gravés sur les anciens monuments du Portugal_, in-4.^o e avec
344 fac-similes.

[37] Mais proprio seria representar o vitello.

[38] Veja-se a nossa obra já citada na nota da pag. 126 e 127 [Nota 36].

[39] Nota-se um dos mais singulares exemplos que se possa imaginar, em
um capitel das columnas que sustentam a abobada da sala antiga dos
cavalleiros de Luiz XI, na antiga prisão da Conciergerie em Paris; é
composto de duas figuras, uma de Heloiza e outra do Abeillard, o qual
lhe mostra a mutilação que se lhe praticára!!

[40] Descripção das imagens e paineis antigos.

[41] O mais antigo exemplo em Portugal d'este uso apparece na igreja do
famoso mosteiro de Alcobaça; todo o pavimento da igreja era formado de
tijolos quadrados de pequenissima dimensão, e só vidrados na face
superior, de côr esverdeada; estão presentemente soterrados a 0^m,30 por
baixo das lageas que cobrem o piso das naves.

[42] Os mais notaveis que possue Portugal são os sarcophagos d'El-Rei D.
Affonso Henriques, e D. Sancho I, em Santa Cruz de Coimbra; o d'El-Rei
D. Pedro e de D. Ignez de Castro, em Alcobaça; o do Marquez de Vianna em
S. Francisco, em Santarem; o d'El-Rei D. Fernando I, no Museu do Carmo.

[43] Como está representado no sarcophago d'El-Rei D. João I, e de sua
mulher D. Filippa, no jazigo do convento da Batalha.

[44] Encontra-se no livro da Chronica do Mosteiro a explicação d'esta
singularidade, declarando-se ahi que os frades a tinham mandado pôr com
o intuito de passarem por cima da figura representada de um abbade,
visto que elle fôra em demasia severo para com elles! É textual esta
referencia.

[45] Pudemos descobrir ter pertencido ao tumulo de um neto d'El-Rei de
França, que fôra casado com uma filha d'El-Rei D. Diniz.

[46] Além de suas grandes dimensões e apropriada disposição, tinha a
vantagem de atravessal-a um rio, o que facilitava conservar sempre o
peixe vivo dentro da cosinha.

[47] Curvas descriptas com raio maior do que tem a largura da janella.

[48] Como se nota na primeira capella da igreja do Carmo de Lisboa.

[49] Temos exemplos na Sé Velha de Coimbra e na igreja da Batalha.

[50] N'este descobrimos nós o nome do canteiro na base das columnas do
angulo sul, o qual estava encoberto debaixo da cal!

[51] Na antiquissima igreja de S. Miguel, em Guimarães, na nave unica
que tem, está coberta de _campas de granito_, mostrando em relevo
emblemas guerreiros com o escudo e a lança.

[52] Em Cintra, proximo do Ramalhão, ainda em 1872 existiam os vestigios
de uma casa de leprosos, com a sua capellinha; quasi ao meio da estrada
ha um tumulo de um bispo, que falleceu ali d'essa enfermidade. Saindo da
estação principal dos caminhos de ferro em Setubal, encontra-se á
direita, indo para aquella cidade, um bello portal, unico vestigio de
uma outra gafaria, que houve n'aquelle sitio.

[53] Como ainda ha na praça de guerra de Elvas.

[54] Como foi construida a praça forte de Villa Viçosa: actualmente em
completa ruina.



INDICE


INTRODUCÇÃO.


PROLOGO


CAPITULO I

*Tempos prehistoricos*

Tempos prehistoricos
Architectura dos tempos prehistoricos
Utensilios e instrumentos diversos
Objectos de barro
Mappa synoptico das antiguidades prehistoricas


CAPITULO II

*Era gallo-romana*

Era gallo-romana
Architectura
Muralhas de defeza
Inscripções latinas


CAPITULO III

*Idade media*

Idade media
Periodo romano primitivo
Architectura religiosa
Idem civil
Idem militar


CAPITULO IV

*Era ogival*

Era ogival
Architectura religiosa
Idem civil
Idem militar


CAPITULO V

*Era ogival secundaria*

Architectura religiosa
Idem civil
Idem militar


CAPITULO VI

*Seculos XV e XVI*

Architectura religiosa
Idem civil
Idem militar


CAPITULO VII

*Estylo do renascimento*

Estylo do renascimento
Architectura religiosa
Idem civil
Idem militar


CAPITULO VIII

*Periodo moderno*

Periodo moderno
Architectura religiosa
Idem civil



ERRATAS

_N.B._ As variantes de orthographia e as erratas de pouca monta
abstivemo-nos de as indicar, porque facil será ao leitor emendal-as.



OUTRAS PUBLICAÇÕES DO AUCTOR


    *O QUE FOI E É A ARCHITECTURA*, e o que aprendem os architectos fóra
    de Portugal, in-8.^, Lisboa, 1833.

    *NOVA MISCELLANEA RECREATIVA,* obra dedicada às senhoras, in-18.^,
    Lisboa, 1844--_Primeira publicação feita em Portugal com letras
    floreteadas_.

    *REVISTA PITTORESCA DESCRIPTIVA DE PORTUGAL,* com vistas
    photographicas, in-folio-grande, Lisboa, 1862.

    *DESCRIPÇÃO ARTISTICA* das novas salas do real palacio da Ajuda,
    in-8.^, Lisboa, 1865.

    *MÉMOIRE DESCRIPTIF* du projet d'une restauration pour l'église
    monumentale de Belem, et modèle fait pour l'Exposition Universelle
    de Paris, in-8.^o, Lisbonne, 1867.

    *MÉMOIRE DE L'ARCHÉOLOGIE* sur la véritable signification des signes
    qu'on voit gravés sur les anciens monuments du Portugal, in-4.^o,
    avec 156 figures, Lisbonne, 1867.

    *DISSERTATION ARTISTIQUE* sur l'architecture en Portugal depuis le
    XII au XVIII siècle, in-8.^o, Lisbonne, 1869.

    *L'ASSAINISSEMENT DE LA VILLE DE LISBONNE,* mémoire lû dans le
    congrès pour l'avancement des sciences, à Bordeaux, in-8.^o, 1872.

    *SOUVENIRS DU CONGRÈS INTERNATIONAL* d'Anthropologie et
    d'Archèologie pré-historique en Bologne, en grand 8.^o, avec quatre
    planches, Lisbonne, 1873.

    *ELOGIO HISTORICO* do architecto civil José da Costa Sequeira,
    recitado na sessão solemne da Real Associação dos Architectos e
    Archeologos Portuguezes, in-8.^o, Lisboa, 1873.

    *NOTICE HISTORIQUE ET ARTISTIQUE* des principaux édifices religieux
    du Portugal, in-8.^o, Lisbonne, 1873.

    *ELOGIO HISTORICO* do architecto membro do instituto Mr. Victor
    Baltard, lido na sessão solemne da Real Associação dos Architectos
    Civis e Archeologos Portuguezes, em Maio de 1874, Lisboa, in-4.^o





*** End of this LibraryBlog Digital Book "Noções elementares de archeologia" ***

Copyright 2023 LibraryBlog. All rights reserved.



Home