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Title: Tribunaes de Arbitros-Avindores
Author: Bastos, Teixeira, 1857?-1902
Language: Portuguese
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*** Start of this LibraryBlog Digital Book "Tribunaes de Arbitros-Avindores" ***


disponibilizada pela bibRIA.



                            O IDEAL MODERNO

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                    TRIBUNAES DOS ARBITROS AVINDOUROS


                              DIRECTORES
                            MAGALHÃES LIMA
                                   E
                            TEIXEIRA BASTOS


                           COMP.A N.AL EDITORA
                             SECÇÃO EDITORIAL
                          ADM. J. GUEDES--LISBOA



                            O IDEAL MODERNO


                               TRIBUNAES
                                  DE
                           ARBITROS AVINDORES

                                  POR

                            TEIXEIRA BASTOS



                                 LISBOA
              Secção Editorial da Companhia Nacional Editora
                       Administrador--Justino Guedes
                     50, Largo do Conde Barão, Lisboa
                                 Agencias
                      Porto, Largo dos Loyos, 47, 1.º
                    38, Rua da Quitanda, Rio de Janeiro
                                   1898



Tribunaes de árbitros-avindores



I


Entre as instituições que surgiram nos tempos modernos para satisfazer
necessidades creadas pelo grande desenvolvimento industrial, uma das
mais importantes é, sem dúvida, a dos tribunaes de árbitros-avindores.

Corresponde esta instituição, propriamente da industria, á dos tribunaes
do commercio, que teem jurisdicção privativa sobre as causas que
nasceram de actos ou de obrigações commerciaes.

A acção dos tribunaes de árbitros-avindores extende-se a todas as
controversias que se podem dar entre patrões e operarios ou empregados,
ou só entre operarios, sobre assumptos concernentes ás industrias. As
funcções d'esses tribunaes são judiciarias, mas antes d'isso e
principalmente são conciliadoras, como convém em especial a divergencias
levantadas, quer entre patrões de uma parte, e operarios ou empregados
de outra, quer apenas entre companheiros de trabalho.

É sem duvida uma instituição nova, trazida pelas necessidades do regimen
industrial, que foi uma consequencia do moderno desenvolvimento
scientifico e da applicação das sciencias á producção de artefactos; mas
descobrem-se os seus germens em instituições que desappareceram deante
do camartello demolidor dos revolucionarios de 1789 em França, os quaes
serviram de modêlo aos nossos de 1820. A missão conciliadora dos
árbitros-avindores é no fôro industrial o que é no fôro civil a dos
juizes de paz, e uma e outra teem raizes na antiga organização
judiciaria de Portugal, como notou o sr. Baptista de Sousa, no
excellente relatorio da commissão que foi officialmente encarregada de
formular os regulamentos para os tribunaes de árbitros-avindores, e já
anteriormente descobrira o notavel jurisconsulto Abel Maria Jordão. Nas
côrtes de Elvas, em 1481, foram reclamados juizes-avindores, e D. Manuel
satisfez o pedido dos povos em 1519, creando tres juizes e dando-lhes um
regimento. O julgamento por _homens bons_, que data da Edade-Média, pode
ser considerado ao mesmo tempo como antecedente do julgamento pelo jury
nos tribunaes ordinarios e commerciaes e do julgamento pelos árbitros ou
peritos no fôro industrial.

Em França tambem a instituição encontra raizes historicas.

Diz Savigné n'um interessante _Estudo sobre os Conselhos de Peritos_:
"Quem quizesse, raciocinando por deducções ou por analogias, dar-se a
averiguações historicas, facilmente levaria a uma épocha muito remota a
origem da jurisdicção dos Peritos.

Uma deliberação, tomada em 1285, pelo Conselho da cidade de Paris, em
tempo de Philippe o Bello, poderia servir para ponto de partida. Diz
"que serão eleitos vinte e quatro Peritos, aos quaes correrá obrigação
de virem á audiencia dos burguezes, á ordem do preboste e dos
vereadores, e aconselharão os homens bons, e irão com o preboste e os
vereadores a casa dos mestres, ou ao rei ou a outra qualquer parte,
dentro ou fora de Paris, em prol da cidade." Lembra tambem a instituição
dos Peritos pescadores de Marselha, que data de 1452, e o edicto de Luiz
XI, de 1464, que outorgou "poder aos conselheiros, burguezes, villões, e
habitantes da cidade de Lyão, de commetterem a um Perito de bom conselho
e idoneo a decisão das contestações que pode haver entre os mercadores
que acudissem ás feiras de Lyão."

Mas a instituição dos tribunaes de árbitros, como fôro privativo das
questões industriaes, é relativamente moderna e nasceu em França.



II


Sem remontar aos tempos anteriores á revolução, onde, como vimos, em
várias instituições se podem descobrir germens da moderna instituição de
árbitros-avindores ou juizes árbitros, a origem dos _Conseils de
Prud'hommes_ encontra-se em França na lei de 18 de março de 1806.
Reclamada pela Camara do Commercio de Lyão para pôr termo aos abusos que
se davam nas fabricas e conciliar os interesses de todos, foi decretada
pelo Corpo Legislativo com applicação especial áquella cidade, mas
podendo extender-se por um regimento de administração publica,
deliberado em Conselho de Estado, a outras cidades fabris conforme o
Governo julgasse conveniente. Aquella lei ordenava o estabelecimento de
um Conselho de Árbitros em Lyão, formado por nove membros, sendo cinco
negociantes fabricantes e quatro donos de officinas, e destinado a
julgar sem appellação questões de pagamento de quantias até 60 francos.
As cidades industriaes de França apressaram-se a reclamar a nova
instituição, e o governo deferiu sem demora as successivas petições de
Clermont, Ruão, Nimes, Avinhão, Mulhouse, Troyes, Sedan, Thiers,
Carcassona, S. Quintino. Em quatro annos crearam-se em França vinte
Conselhos de Árbitros. Reconheceu-se logo a necessidade de dar bases
geraes á nova instituição, e por isso, com o fim de completar e
generalisar a legislação dos Árbitros, foram promulgados os decretos de
11 de junho de 1809, 20 de fevereiro e 3 de agosto de 1810, que sem
nenhuma modificação estiveram em vigor até 1848[1].

Diz Savigné: "Segundo o decreto de 1810, os Conselhos de Peritos
compunham-se de negociantes fabricantes, donos de officinas,
contra-mestres , tintureiros ou obreiros contribuintes. O numero podia
ser mais ou menos consideravel, mas os negociantes-fabricantes deviam
perfazer metade e mais um.

"Além d'isso, era estabelecida uma mesa _particular_ e uma mesa _geral_.
A particular devia ser composta de dois membros, que tinham por missão a
conciliação das partes. A geral não podia deliberar senão quando
comparecessem, pelo menos, dois terços dos membros do Conselho; devia
tomar conhecimento das questões não conciliadas, e resolver sem demora
por julgamento."

Continuaram a crear-se por toda a França essas modestas jurisdicções que
satisfaziam de um modo feliz as mais instantes necessidades das fabricas
e das manufacturas. Os Conselhos de Árbitros estatuiam sobre as
desavenças que desuniam as partes, moderavam as queixas, socegavam os
impacientes e os descontentes, discutiam por vezes a questão das tarifas
e conseguiam com frequencia restabelecer o equilibrio entre patrões e
operarios. A organisação, todavia, estava ainda longe de corresponder
inteiramente aos fins a que visava, em razão da excessiva preponderancia
dos mestres e industriaes, sendo quasi total a exclusão dos operarios,
por falta de carta de officio.

Paris, apesar da sua importancia industrial, só em 1844 conseguiu ter um
Conselho de Árbitros. Todas as tentativas anteriores para a sua fundação
tinham abortado, quer por considerações politicas, quer pela
difficuldade de pôr a instituição em harmonia com os variados ramos da
industria parisiense. A jurisdicção do Conselho de Árbitros, creado em
Paris por decreto de 29 de dezembro de 1844, em consequencia de
reiteradas solicitações, limitava-se, porém, á industria dos metaes e ás
correlativas. Os resultados, que foram desde logo excellentes, levaram o
Governo a estudar a jurisdicção do primeiro Conselho a toda a alçada do
Tribunal do Commercio do departamento do Sena e a crear mais tres, por
decreto de 9 de junho de 1847, sendo um para os tecidos, outro para os
productos chimicos e o ultimo para todas as outras industrias.

A Revolução de 1848, de tendencias socialistas, introduziu profundas
modificações na organização dos Conselhos de Árbitros, em especial
quanto á composição. Diz Savigné: "Segundo a antiga legislação, só os
mestres tinham, por assim dizer, entrada n'esses Conselhos, porque os
candidatos deviam ser contribuintes. Dizia-se que os officiaes nem
sequer tinham o direito de eleger os industriaes que os julgavam. Ora,
devendo os Peritos offerecer a todos o mais cabal abôno de independencia
e de imparcialidade, esse estado de cousas, que não quadrava com os
principios de fraternidade e de egualdade do governo de então, não devia
continuar a subsistir. Tratou-se, pois, de dar representantes aos
operarios não contribuintes, que tinham sido sempre excluidos dos
Conselhos"[2].

A nova lei, da iniciativa do ministro do Commercio e Agricultura,
Flocon, que apresentou o projecto em 18 de maio de 1848, foi relatada em
25 por Leblond, discutida em 26 e approvada em 27 pela Assembléa
Nacional. Estabelecia como principio que seria sempre egual o numero dos
Peritos-officiaes ao dos Peritos-mestres e declarava eleitores todos os
mestres, donos de officinas, contra-mestres, officiaes e apprendizes com
21 annos completos de edade, e seis mezes, pelo menos, de residencia no
districto; e elegiveis os mesmos desde que tivessem 25 annos de edade,
soubessem ler e escrever e residissem, pelo menos, ha um anno na
circumscripção. A presidencia durava tres mezes e pertencia
alternadamente, por eleição, a um mestre e a um operario titular.

A eleição era dupla; primeiro, o collegio dos mestres escolhia de seu
seio um numero de candidatos triplo do dos membros que houvessem de ser
nomeados, e do mesmo modo procedia o collegio dos officiaes; depois,
organisadas assim as listas dos candidatos, os Peritos-patrões elegiam
os operarios e os Peritos-operarios elegiam os patrões.

Na opinião de Savigné, este systema de eleição "apresentava um caracter
de sympathia e de auctoridade que devia inspirar a mais alta confiança,
porque d'essa escolha de officiaes por mestres, de mestres por
officiaes, devia necessariamente resultar a conformidade mais cordial e
a mais acertada fraternidade"[3].

A direcção geral do conselho pertencia a oito membros, sendo quatro
patrões e quatro operarios; e as audiencias de conciliação eram
desempenhadas por dois peritos, um mestre e outro official.

Como em algumas cidades da França, entre outras Lyão, Nimes e Santo
Estevam, havia em vez de dois--o dos patrões e o dos operarios--tres
interesses distinctos--o dos mestres ou fabricantes, o dos donos de
officinas e o dos officiaes--não existindo relações directas entre os
primeiros e os terceiros, foi promulgado em 6 de dezembro de 1848 um
novo decreto para ser applicado sómente ás localidades em que se
reconhecesse officialmente estarem em acção esses tres interesses
distinctos.

Os Conselhos de Árbitros teriam, pois, nas cidades onde se dessem essas
circumstancias, tres elementos, sahidos de tres assembléas geraes
separadas, uma de fabricantes, outra de donos de officinas e outra de
officiaes. Os donos de officinas escolheriam os Peritos officiaes e
fabricantes e cada um d'estes dois grupos elegeria metade dos Peritos
donos de officinas. Além d'isso, os Conselhos dividir-se-hiam em duas
camaras, compostas uma de operarios e donos de officinas e a outra de
donos de officinas e fabricantes[4].

As modificações introduzidas na legislação dos Conselhos de Árbitros não
deu, comtudo, os resultados esperados, porque substituiu com frequencia
a preponderancia dos officiaes á dos mestres, recahindo de ordinario a
escolha dos candidatos pelos officiaes sobre os donos de officinas com
exclusão dos fabricantes. Tornou-se, pois, em muitos casos uma
jurisdicção suspeita para os patrões, muito mais difficil a conciliação
das partes, e frequente a appellação das sentenças para os tribunaes do
commercio.

As reclamações e os protestos levantados pela organisação de 1848 e,
sobretudo, a reacção imperialista contra toda a legislação democratica
da republica, deram origem á lei de 1 de junho de 1853. A nomeação do
presidente e do vice-presidente dos Conselhos de Peritos passou com a
mais ampla liberdade de escolha para as attribuições do imperador; a
presidencia tornou-se triennal; e a creação de novos Conselhos ficou
dependente da consulta das Camaras do Commercio e das Camaras
Consultivas de artes e manufacturas. A edade eleitoral elevou-se a 25
annos, e a de elegibilidade a 30 annos. Os eleitores mestres careciam de
ser contribuintes, pelo menos, ha cinco annos, e de ter tres annos de
residencia na circumscripção; os directores de officinas, contra-mestres
e operarios deveriam ter já, pelo menos, cinco annos de exercicio na sua
industria e domicilio de tres annos na área da jurisdicção do Conselho.
Os donos de officinas e contra-mestres foram passados para a classe dos
operarios. Desappareceu a eleição dupla, sendo os Peritos operarios e
patrões escolhidos directamente pelos seus respectivos collegios. Os
Conselhos seriam renovados por metade de tres em tres annos. A mesa
geral, que se compunha de oito membros, foi reduzida a quatro, dois
patrões e dois officiaes, além do presidente e do vice-presidente.

As sentenças foram declaradas definitivas quando não excedesse a 200
francos a quantia do pleito, e sujeitas a appellação para o Tribunal do
Commercio quando fôsse maior. As sentenças que eram anteriormente
assignadas por todos os Peritos deliberantes, pela lei de 1853 só exigem
as assignaturas do presidente e do secretario escrivão.

A mudança do regimen não trouxe a regressão á legislação democratica de
1848; apenas pela lei de 7 de fevereiro de 1880 a escolha do presidente
e vice-presidente voltou a ser por eleição em assembléa geral dos
membros dos Conselhos de Peritos, não podendo sahir ambos da mesma
classe; a duração das funcções da presidencia foi reduzida a um anno,
sendo permittida a reeleição; e a presidencia da mesa particular de cada
Conselho passou a ser confiada alternadamente a um patrão e a um
operario, por escala.

A lei de 1853, dando de novo o predominio á classe dos patrões nos
Conselhos de Árbitros, levantou, comtudo, repetidas e numerosas
reclamações do operariado. Todos os protestos foram perdidos até 1888,
morrendo nas pastas das commissões differentes projectos de lei, entre
outros um elaborado em 1886 por uma assembléa geral de Conselheiros
Peritos operarios e adoptado por dois congressos das classes laboriosas.
N'aquelle anno, porém, a Bolsa do Trabalho de Paris deu grande impulso
ao movimento a favor da reforma da legislação arbitral, propondo-se
centralisar os esforços e os desejos de 135 Conselhos de Peritos
existentes em França e na Argelia; e no anno immediato organisou um
congresso nacional de Conselheiros Peritos operarios, que se reuniu em
Paris no mez de julho e onde se discutiu e modificou o alludido projecto
de lei de 1886.

Em 1890, pelos decretos de 8 de março e 10 de junho, foi dada nova
organisação aos Conselhos de Peritos de Paris, que são constituidos por
quatro grupos geraes--o dos metaes e industrias diversas, o dos tecidos,
o dos productos chimicos e o das construções e se subdividem em
numerosas categorias, a cada uma das quaes pertence um certo numero de
Conselheiros Peritos, metade patrões e metade operarios. A jurisdicção
dos quatro Conselhos abrange todas as industrias do departamento do Sena
e obriga os fabricantes e empreiteiros, e os donos de officinas,
contra-mestres, operarios e apprendizes que para elles trabalham.

O setimo congresso nacional da federação dos syndicatos e grupos
corporativos que reuniu em Troyes, em 1895, ainda reclamou a reforma da
legislação dos Conselhos de Árbitros num sentido mais amplo e mais
democratico. O congresso dos empregados do commercio, reunido no mesmo
anno, reivindicou a jurisdicção dos árbitros para todos os litigios sem
excepção, entre os patrões de uma parte e os salariados do commercio, da
industria, do transporte, das empresas geraes e dos serviços publicos de
outra parte.

A modificação da lei reguladora dos Conselhos de Árbitros encontrara a
hostilidade do Senado; em duas legislaturas a camara dos deputados
adoptou por unanimidade um novo projecto de lei, e de ambas as vezes o
Senado recusou-se a sanccional-a. O congresso dos empregados do
commercio, em 1805, convidou formalmente a Camara dos deputados que
insistisse pela terceira vez, adoptando de novo o projecto de lei que
duas vezes o Senado repellira[5].

    [1] Savigné, ob. cit. p. 8 a 10.

    [2] Ob. cit versão portugueza, p. 19.

    [3] Ob. cit. p. 20.

    [4] Ob. cit. p. 22 a 24.

    [5] _La Revue Socialiste_ n.º128, aôut 1895, p. 241.



III


A instituição dos _Conseils de Prud'hommes_ extendeu-se de França a
outros paizes, que a adoptaram mais ou menos modificada.

Na Belgica, onde data de 31 de julho de 1889 a lei organica que a rege,
havia, passados cinco annos, em 1894, vinte e sete Conselhos de juizes
árbitros, mas ainda a instituição não estava sufficientemente
generalisada, faltando creal-a em centros industriaes de importancia.
Apresentada a queixa, a mesa de conciliação procura compor amigavelmente
as partes; não o conseguindo é a causa julgada pelo Conselho. O queixoso
deve depositar a somma de 2 fr. 35 para as despesas, se não pedir
justiça _Pro Deo_; aquella quantia porém, é restituida se ganhar a
causa[6].

A lei allemã com applicação a todo o imperio foi promulgada em 29 de
julho de 1890; já existiam, porém, tribunaes de árbitros na Allemanha,
uns regionaes, outros das corporações, etc. Em 1893 contavam-se 179 no
imperio inteiro, sendo 133 na Prussia, 23 na Baviera, 13 em Saxe, 9 no
Wurtemberg, 7 no Gran-Ducado de Bade e 4 no Hesse.

Na Inglaterra não ha tribunaes de árbitros-avindores; recorre-se alli á
jurisdicção ordinaria, ou nomeiam-se árbitros para deliberarem sobre
qualquer questão, no momento em que ella se apresenta[7].

A Suissa, pelo menos em alguns cantões, possue uma organisação não só
completa, mas francamente democratica. No cantão de Genebra a
jurisdicção dos conselhos de peritos extende-se até as divergencias
entre amos e creados. Estes tribunaes são de duas ordens, uma para os
industriaes e commerciantes, outra para os agricultores e particulares.
Cada tribunal compõe-se de 30 membros, metade patrões e metade operarios
ou empregados. As suas funcções duram dois annos. Os conselhos elegem
d'entre os seus membros, e por seis mezes, presidente, vice-presidente,
secretario e vice-secretario. A presidencia deve pertencer
alternadamente a um patrão e a um operario e egualmente o secretariado.
Se o presidente é operario, o vice-presidente deve ser patrão e
reciprocamente. Succede o mesmo com o secretario e o vice-secretario.
Não é permittida a reeleição immediata. Cada conselho comprehende: a
mesa de conciliação, o tribunal, a camara de appellação e a commissão de
vigilancia sobre a apprendizagem e sobre a hygiene das officinas,
fabricas, etc.

A mesa de conciliação, que se compõe de um árbitro-patrão e outro
operario, não só diligencia a conciliação das partes, como não a
conseguindo, se o valor da causa não excede 20 francos, constitue-se em
tribunal e julga soberanamente e sem appellação, depois de serem
chamadas as partes a sustentar publicamente as suas pretensões.

O tribunal de peritos compõe-se de um presidente, que é alternadamente o
presidente e o vice-presidente do conselho, cada um da sua classe, e de
seis membros, tres patrões e tres operarios.

Se a causa tem um valor excedente a 500 francos, ha recurso no prazo de
cinco dias para a camara de appellação, que é formada por um presidente,
um secretario e dez vogaes, cinco de cada classe. Diz Hubert[8] que
"esta organisação democratica da Suissa pode ser invejada pelos
differentes paizes da Europa."

    [6] Emile Hubert, _L'Origine et le Fonctionnement des Conseils de
    Prud'hommes_, in _Revue Socialiste_ n.º 117, septembre, 1894, p.
    336.

    [7] Emile Hubert, _L'Origine et le Fonctionnement des Conseils de
    Prud'hommes_, in _Revue Socialiste_ n.º 117, septembre, 1894, p.
    337.

    [8] E. Hubert, loc. cit. pag. 335.



IV


Não foi Portugal, n'este caso, dos ultimos paizes a comprehender a
grande vantagem da instituição.

A Associação Industrial do Porto já em 1865 reclamava dos poderes
constituidos o estabelecimento d'esta especie de jurisdicção e para
propagar a idéa fazia traduzir, imprimir e distribuir pelos industriaes
um livro _de boas doutrinas_ publicado em França por E. J. Savigné,
secretario do conselho de Juizes-Árbitros da cidade de Vienne (Isère).
Era o _Estudo sobre os Conselhos de Juizes-Árbitros_, que já n'estas
paginas temos citado. A direcção da Associação Industrial do Porto, como
declara n'um breve prefacio d'esse livro, reconhecendo "a necessidade de
emancipar-se a industria fabril por meio de leis regulamentares como
existem em França e em outros paizes cultos" occupou-se do assumpto em
várias sessões, tratando da elaboração de um projecto de regulamento e
deliberando enviar um exemplar da versão do livro de Savigné ao Governo
e um a cada um dos corpos legislativos, "acompanhados de uma
representação, em que serão solicitadas leis para a industria como as ha
para o Commercio e para a Agricultura." A direcção confiava "em que os
poderes publicos não cerrarão ouvidos á justa reclamação de uma lei de
registo industrial feita em nome de todas as industrias, lei que tambem
para o Governo é de utilidade, porque a sua execução deverá contribuir
muito para a organisação das estatisticas industriaes que o Governo ha
mistér."

Não deixa de ser interessante o facto de ter partido no nosso paiz a
primeira reclamação dos tribunaes de árbitros dos proprios industriaes
em vez de ser do proletariado. Em Inglaterra, a idéa dos conselhos de
árbitros para julgamento de um conflicto determinado entre patrões e
operarios, tambem foi devida a um industrial, Mundella, que em 1860 a
poz em prática para resolver uma _grève_ que se declarou na cidade de
Nottingham.

Nem o Governo, nem os corpos legislativos prestaram attenção, em 1865,
ás solicitações da Associação Industrial do Porto. A idéa ficou
esquecida durante muitos annos; só em 1886 tornou a apparecer, e sob a
forma de proposta de lei apresentada á Camara dos deputados na sessão de
31 de maio pelo sr. Thomaz Ribeiro, então ministro das Obras Publicas.

Por esta proposta, que serviu de base á que posteriormente foi
convertida em lei, ficava o Governo auctorisado a crear tribunaes de
árbitros-avindores nos centros industriaes que os requeressem ou quando
representasse em favor da sua creação algum dos respectivos corpos
administrativos do districto e sempre com informação de algum d'elles.
Seriam da competencia dos tribunaes, qualquer que fosse o seu valor: as
controversias sobre salarios ajustados; preços de mão de obra em via de
execução; horas de trabalho contratadas ou devidas; observancia de
estipulações especiaes e trabalho; imperfeição na mão de obra;
compensações de salarios por alteração na qualidade da materia prima
fornecida ou por modificação nas indicações do trabalho; gastos feitos
pelos operarios, em objectos da fabrica, transportes ou damnos pessoaes;
indemnisação pelo abandôno da fabrica ou por licenceamento antes de
findar o trabalho ajustado; indemnisação por não cumprimento do contrato
de trabalho ou de apprendizagem.

Além das attribuições de conciliação e de judicatura, competiria aos
tribunaes de árbitros vigiar sobre o modo por que se executam as leis e
regulamentos que respeitam á industria, e reprimir disciplinarmente maus
tratamentos, actos de insubordinação, pouca limpeza de mãos, informações
falsas que produzam damno ou sejam habituaes, principalmente em algum
menor, quaesquer actos immoraes ou tentativas de maleficio, podendo
impôr as penas de reprehensão até a perda de tres dias de salario, que
reverteria em favor da caixa nacional de seguros contra os accidentes no
trabalho, então e ainda hoje por crear.

Das decisões do tribunal haveria recurso para o Tribunal do Commercio ou
civil da primeira instancia quando o valor da causa excedesse a réis
30$000 ou por incompetencia allegada antes de começar a audiencia do
julgamento.

Cada tribunal teria um presidente e um vice-presidente, pessoas
extranhas ás classes dos patrões e dos operarios, nomeadas por um anno
pelo Governo sobre proposta da camara municipal da localidade em lista
quintupla, formada por escrutinio secreto e approvada pelo conselho de
districto. Os nomeados não poderiam ser reconduzidos.

Os recenseamentos eleitoraes ficavam ao cuidado das camaras municipaes e
teriam por base os esclarecimentos precisos das fabricas, officinas,
associações ou companhias, segundo regulamentos que posteriormente se
decretassem. Seriam considerados eleitores, na classe dos industriaes,
todos os que provassem exercer a industria como capitalistas ou
directores technicos quando tivessem sob a sua direcção, pelo menos, 50
operarios; e na classe dos operarios, os que soubessem ler e escrever e
tivessem 21 annos de edade e um completo de trabalho industrial dentro
da circumscripção. Para serem elegiveis deveriam contar 25 annos de
edade e 5 de exercicio na industria.

A proposta do sr. Thomaz Ribeiro continha muitas disposições
regulamentares.

No anno immediato, como não tivesse tido andamento na Camara dos
deputados esta primeira proposta, o sr. Consiglieri Pedroso, deputado
republicano, renovou a iniciativa, apresentando uma nova proposta na
sessão de 23 de abril para a creação de tribunaes-árbitros. A proposta
do sr. Consiglieri Pedroso era muito mais democratica do que a anterior
e do que o projecto de lei posteriormente approvado. Era tambem muito
mais concisa.

Os _tribunaes-árbitros_,--nome com que os designava essa
proposta--conciliariam ou julgariam as contestações entre patrões e
operarios ou empregados, relativamente ao contrato de serviços em
materia industrial ou commercial. Cada tribunal seria formado por um
presidente, dois vice-presidentes e vinte vogaes pelo menos, ou mais até
trinta, o maximo. A escolha do presidente e vice-presidentes pertenceria
ao juiz de direito da comarca ou vara, sobre uma lista de cinco nomes
formulada pela camara municipal do concelho. Exerceriam as suas funcções
durante um anno e poderiam ser reconduzidos.

Haveria tres instancias: juizo de conciliação, juizo arbitral e tribunal
de appellação. Este ultimo seria presidido pelo segundo vice-presidente
e formado por quatro membros, dois patrões e dois operarios, eleitos na
primeira sessão plenaria do tribunal.

O juizo de conciliação ou primeira instancia, seria constituido por dois
vogaes, um de cada classe e presidindo alternadamente.

O juizo arbitral, ou segunda instancia, constituir-se-hia com todos os
membros á excepção dos que fizessem parte do tribunal de appellação.

Tres mezes depois, em 29 de julho, o ministro das Obras Publicas,
então sr. Emygdio Navarro, levou á Camara dos deputados uma terceira
proposta de lei para a creação dos tribunaes, designados--de
_árbitros-avindores_.

Mais feliz que as outras tentativas, a do senhor Emygdio Navarro seguiu
lentamente os tramites legaes sendo approvada pela Camara dos deputados
na sessão de 8 de maio de 1889 e pela dos pares na sessão de 21 de julho
do mesmo anno.

Na Camara dos deputados teve parecer favoravel da commissão do Commercio
e Artes, sendo relator Oliveira Martins. No magnifico relatorio da
commissão, o brilhante escriptor demonstrou d'este modo a urgencia da
proposta de lei:

"Sabeis, senhores, que, tendo o Porto como foco, e irradiando pelos
concelhos vizinhos até Braga, até Guimarães, até Amarante, existe no
Minho a industria de tecelagem de algodão, exercida em pequenas
officinas domesticas. Não são menos de 30 a 40:000 pessoas que d'esta
industria tiram os meios da sua subsistencia. Os productos que fabricam,
riscados, cotins e outros, conquistaram absolutamente o mercado
nacional, pela barateza do seu preço, pela perfeição do seu acabamento.

"Ao lado d'esta industria, dispersa em pequenas officinas domesticas, á
maneira das célebres fabricas de Lyão, em França, existem as grandes
fiações que lhes prestam a materia prima, isto é, o fio. Entre as
fiações no regimen da grande industria fabril, e a tecelagem d'esta
especie, no regimen da pequena industria domestica ou quasi, existe uma
classe que, comprando o fio já tinto, ou mandando-o tingir, o entrega
aos tecelões, pagando-lhes á semana a mão de obra, por tabellas
convencionaes de preços.

"Porque baixam estes preços até ao ponto de, com effeito, ser quasi
impossivel fazer coincidir o salario com o minimo necessario á
alimentação? Esta pergunta, a que não é facil responder de subito, mas a
que não é talvez difficil suppor os motivos, tem, todavia, em si a razão
do mal-estar e da agitação que n'este proprio momento assalta os
tecelões do norte.

"A concorrencia commercial dos productos reduz, sem duvida, os preços de
venda; e a crise agricola, desviando dos trabalhos ruraes um numero de
braços sempre crescente, permitte aos intermediarios armarem-se contra a
baixa dos preços com a baixa dos salarios, desde que obteem nos casaes
do campo novas officinas onde o trabalho das mulheres e das creanças se
vende a preços miseraveis".

Esperava o illustre relator que os tribunaes de árbitros-avindores
pudessem moderar até certo ponto essa crise complexa. Do Porto, com
effeito tinha recebido o Governo algumas representações reclamando a
creação d'esses tribunaes.

O projecto de lei, apesar de ser officialmente reconhecida a sua
urgencia, não creava logo alguns tribunaes, por exemplo em Lisboa,
Porto, Covilhã, Portalegre, Funchal e Ponta Delgada, como desejava o sr.
Consiglieri Pedroso, ou, pelo menos, em Lisboa, Porto e Covilhã, como
propunha o sr. Augusto Fuschini. Dava ao Governo, auctorisação para os
crear nas localidades em que houver centros industriaes importantes,
quando estes os requererem ou quando os reclamarem as respectivas
corporações administrativas, podendo em Lisboa e Porto haver mais de um
desde que para tal fim formem grupos as industrias.

O projecto de lei, approvado nas duas camaras, foi convertido em carta
de lei, em 14 de agosto de 1889; uma commissão nomeada em 20 de novembro
d'esse anno para formular os projectos de regulamentos, desempenhou-se
d'esse encargo, apresentando os seus trabalhos ao Governo, acompanhados
de um excellente relatorio, em 14 de março de 1894. Estava outra vez no
poder, gerindo a pasta das Obras Publicas, o sr. Thomaz Ribeiro, auctor
da primeira proposta de lei; e talvez por essa coincidencia, logo cinco
dias depois foram publicados os regulamentos para o recenseamento e
eleição nos collegios de patrões e operarios e para os processos perante
os tribunaes de árbitros-avindores. Com a mesma data publicou o _Diario
do Governo_ um decreto declarando da competencia da Direcção Geral do
Commercio e Industria todos os assumptos concernentes a esses tribunaes.
Emfim em 14 de abril de 1891, ainda foi assignado um decreto relativo ao
recurso para o Supremo Tribunal Administrativo no caso de reclamação
ácêrca do recenseamento ou das eleições nos collegios das classes de
industriaes e operarios.

Decorreram ainda dois annos, antes que se creasse no paiz o primeiro
tribunal de árbitros-avindores; e o Porto, onde em 1889 era urgente a
instituição, como declarava Oliveira Martins n'um documento official,
ainda hoje não tem nenhum.

Digamos agora algumas palavras sobre a legislação que regula em Portugal
a constituição e funccionamento dos tribunaes de árbitros-avindores.



V


A importancia dos tribunaes de árbitros-avindores, quer para os
operarios, quer para os industriaes, deduz-se das suas attribuições. A
lei reconhece ser da competencia d'elles, qualquer que seja o valor da
causa, os seguintes assumptos: "em geral, todas as controversias sobre a
execução de contratos ou convenções de serviço, em assumptos industriaes
ou commerciaes, entre patrões de uma parte, e os operarios ou empregados
da outra; ou entre os operarios ou empregados entre si, quando trabalhem
para o mesmo patrão; e em especial os que disserem respeito a salarios,
preço e qualidade de mão-de-obra, horas de trabalho contratadas ou
devidas, observancia de estipulações especiaes, imperfeição na
mão-de-obra, compensações de salarios por alteração na qualidade da
materia-prima fornecida, ou por modificação nas indicações do trabalho;
indemnisação pelo abandono da fabrica, ou por licenceamento ou abandono
antes de findo o trabalho ajustado e indemnisação por não cumprimento do
contrato de apprendizagem."

Compete tambem aos tribunaes, além das attribuições de conciliação e de
judicatura, vigiar a maneira como se executam as leis e os regulamentos
que respeitam á industria; receber queixas e reprehender
disciplinarmente os patrões e os operarios por falta de equidade,
doçura, respeito ou obediencia nas relações entre uns e outros; e
levantar autos, enviando-os ás auctoridades competentes, quando as
transgressões forem tão graves que devam determinar a intervenção da
policia ou do juizo criminal.

Quasi todas estas attribuições se encontram no primitivo projecto do sr.
Thomaz Ribeiro.

Mas a lei de 14 de agosto de 1889 concede, além disso, aos tribunaes de
árbitros-avindores, a faculdade de poderem tambem "funccionar como
camaras syndicaes quando assim lhes seja requerido, ou pela maioria dos
operarios ou empregados, ou pelo respectivo patrão, para tomarem
conhecimento das reclamações contra as estipulações do serviço ou
contrato do trabalho em vigor, e emittirem o seu parecer sobre a
opportunidade e equidade que porventura assistam a essas reclamações."

Os legisladores portuguezes deram, portanto, á instituição duas ordens
de funcções distinctas e até em certos casos desconnexas. Pretenderam
fundir n'uma só instituição duas instituições de indole diversa, uma
conciliadora e judicial e outra simplesmente consultiva. Confessou-o o
relator das commissões de Obras Publicas e Legislação da Camara dos
pares quando disse no seu relatorio que os tribunaes de
árbitros-avindores eram moldados, salvo pequenas innovações, nos
_Conseils de Prud'hommes_ e _Chambres syndicales_. Esta confusão entre
as attribuições contenciosas e consultivas dadas á instituição
portugueza, isto é, a infeliz juncção das funcções especiaes d'aquellas
duas instituições francesas, foi claramente posta em evidencia pelo sr.
Hintze Ribeiro na Camara dos pares na sessão de 21 de junho de 1889. "Eu
acceitaria, disse o conhecido estadista, a camara syndical e o tribunal
dos árbitros-avindores, separando-se estas duas entidades: acceitaria a
camara syndical no que diz respeito a funcções consultivas e os
tribunaes de árbitros-avindores unicamente para as attribuições do
contencioso".

Ao passo que a lei portugueza dá aos tribunaes dos árbitros-avindores a
faculdade de funccionarem como camaras syndicaes[9], não lhes confia
certas attribuições que ellas teem em França e n'outros paizes; taes são
entre outras: tomarem todas as precauções para assegurar a propriedade
dos desenhos aos fabricantes que tiverem depositado amostras d'elles,
fechadas, na secretaria do conselho; conciliarem e julgarem, até entre
fabricantes, contestações relativas ás falsificações das marcas
particulares de quincalharia; punirem, por simples policia, delictos
tendentes a perturbar a ordem e a disciplina das officinas ou faltas
graves dos apprendizes para com seus mestres; e verificarem, discutirem
ou approvarem os regulamentos internos das fabricas.

Cada tribunal, segundo a lei, será composto de um presidente, de dois
vice-presidentes e de um numero de vogaes entre oito e dezeseis, e que
será fixado no decreto da creação. O presidente e os vice-presidentes
são da nomeação do Governo e escolhidos de uma lista de sete nomes de
pessoas extranhas ás classes de patrões e de operarios proposta pela
camara municipal do concelho e organisada por escrutinio secreto. Na
falta ou impedimento dos nomeados, o juiz commercial ou juiz da comarca
designará quem presida ao tribunal.

Os vogaes são eleitos, metade pelo collegio dos patrões, e metade pelo
collegio dos operarios, sendo annualmente substituidos por metade em
cada um dos grupos. Aos árbitros avindores-operarios é abonada, pelo
tempo que funccionarem, a importancia da sua collecta industrial.

Os recenseamentos provisorios, organisados pelo presidente e pelos
vice-presidentes com o auxilio de empregados da secretaria da Camara
Municipal, estão patentes aos interessados durante oito dias, precedendo
annuncio por editaes. Os individuos inscriptos n'esses recenseamentos
para entrarem nos recenseamentos definitivos necessitam, sendo patrões,
de declarar por escripto a sua industria, a sede da officina e os nomes
dos seus operarios ou empregados e provar que teem pelo menos 21 annos
de edade; e sendo operarios, de declarar por escripto a industria a que
pertencem, o patrão e a officina onde trabalham, e provar que teem
tambem, pelo menos 21 annos.

Os que não estão incluidos no recenseamento provisorio, teem de juntar
documento comprovativo da exclusão indevida da relação organisada pelo
escrivão de fazenda.

Findo o prazo de oito dias, devem ser organisados dentro de egual prazo
os recenseamentos definitivos de patrões e operarios ou empregados nas
industrias, sendo inscriptos como eleitores e elegiveis os individuos
que tiverem trinta ou mais annos e como eleitores todos os outros. Em
seguida, precedendo tambem annuncio por editaes, estarão patentes por
oito dias esses recenseamentos, e serão recebidas reclamações quanto á
inclusão ou exclusão dos que tiverem requerido, á qualidade de eleitor
ou elegivel, e ao grupo a que cada um deve pertencer. As reclamações
serão decididas dentro de cinco dias pelo presidente e vice-presidentes
do tribunal, havendo recurso da decisão para o Supremo Tribunal
Administrativo, que será interposto no prazo de tres dias por simples
declaração escripta no processo pelo recorrente.

O presidente enviará no dia immediato o recurso para o tribunal, e este
julgará definitivamente até a segunda sessão que se seguir, devolvendo
logo o processo.

No segundo domingo seguinte proceder-se-ha á eleição dos vogaes
effectivos e substitutos, sendo a mesa composta do presidente e
vice-presidentes, que servirão de secretarios, e de um patrão e de um
operario, que servirão de escrutinadores. As chamadas dos eleitores
serão feitas alternadamente, um nome do recenseamento dos patrões e
outro do recenseamento dos operarios ou empregados das industrias. Cada
lista deve conter tantos nomes quantos os effectivos e substitutos, e no
apuramento final consideram-se effectivos os mais votados e substitutos
os immediatos em votos.

O eleitor que tiver protestado antes de findar a eleição pode recorrer,
no prazo de tres dias, para o Supremo Tribunal Administrativo.

Julgada válida a eleição, o presidente do tribunal convocará, dentro da
primeira semana, os vogaes eleitos para comparecerem na sala das
audiencias, e em sessão deferir-lhes-ha juramento constituindo em
seguida o tribunal.

A reeleição dos árbitros-avindores é permittida, mas os reeleitos podem
escusar-se do cargo emquanto não deixarem de servir por cinco annos.

Os tribunaes de árbitros-avindores reunirão uma vez por semana, quando
seja preciso, ás segundas feiras, não sendo dia santificado, ou no
primeiro dia util que se seguir. A sessão começará ao meio dia. Não
terminando n'um dia o serviço do tribunal, o presidente poderá continuar
a sessão no dia ou dias seguintes. A cada sessão do tribunal devem
comparecer todos os vogaes effectivos, ou nos impedimentos os
respectivos substitutos, e dois empregados da Camara Municipal, por ella
nomeados, para servirem um de escrivão e outro de official de
diligencias.

O patrão ou o operario que quizer recorrer ao tribunal, deve fazel-o por
meio de requerimento por si assignado ou por outrem a seu rôgo, pedindo
a citação do réo ou réos. A citação será feita pelo official de
diligencias, precedendo despacho do presidente. Accusada a citação pelo
official de diligencias, o auctor e o réo são interpellados por dois
vogaes eleitos pelo tribunal, um patrão e outro operario, sob a
presidencia do presidente ou de um dos vice-presidentes.

O auctor começará por fazer a exposição verbal da sua queixa, reclamação
ou pedido; o réo em seguida confessará a queixa, reclamação ou pedido,
ou exporá verbalmente a sua defesa; uma e outra cousa serão extractadas
na acta escripta no processo pelo escrivão, juntando-lhe os documentos
respectivos e escrevendo o rol de testemunhas da accusação e da defesa.
A justificação da falta do auctor ou do réo poderá ser feita até a
sessão seguinte. A falta do auctor, sem motivo justificado, envolve
multa de 1$000 a 5$000 réis; a do réo, julgamento da causa á revelia.

Ouvidos o auctor e o réo segue-se a audiencia da conciliação, na qual o
presidente e os dois vogaes empregarão todos os meios suasorios para os
conciliar. Pode uma das partes exigir que funccione mais, como adjunto,
um substituto do tribunal do respectivo grupo; n'este caso a outra
parte, ou o tribunal, nomeará tambem como adjunto, um substituto do
outro grupo.

Se se não puder obter a conciliação, a causa será julgada logo pelo
tribunal, se não houver prova testemunhal ou se as testemunhas estiverem
presentes, e se não fôr necessario proceder a exame, vistoria ou outra
qualquer diligencia fora da sala das audiencias. Os depoimentos serão
verbaes, e só extractados quando o tribunal o achar conveniente; poderão
para maior esclarecimento da verdade ser tomados no local da questão.
Quando a causa não puder ser julgada em seguida á tentativa de
conciliação, serão as testemunhas intimadas para a sessão ordinaria
immediata, se as partes se não obrigarem a apresental-as
voluntariamente; se se proceder a quaesquer diligencias, os arbitradores
serão sempre nomeados pelo tribunal, ouvidas as partes.

Os tribunaes de árbitros-avindores teem duas instancias: a de
conciliação, que é tentada perante dois vogaes, um de cada grupo, sob a
presidencia do presidente do tribunal; e a de julgamento, em que tomam
parte todos os vogaes. Em qualquer estado da causa pode tentar-se de
novo a conciliação, por accôrdo das partes, sendo n'este caso os vogaes
designados por ellas, e sem distincção de grupos. Não são admittidos
advogados; "as partes pleiteiam pessoalmente, e só por excepção,
fundamentada em motivos graves e devidamente reconhecida pelo tribunal,
poderão ser representadas por industriaes ou operarios, como
procuradores". A forma do processo é sempre summarissima.

O valor da causa, quando seja omisso no pedido ou quando as partes não
estejam de accôrdo sobre elle, é julgado como questão prévia e sem
recurso. Das sentenças, quando o valor da causa exceda a 30$000 réis, ou
por motivo de incompetencia, cuja excepção deve ser allegada antes de
começar a audiencia, ha recurso para o Tribunal do Commercio da
circumscripção. O recurso será interposto verbalmente em seguida á
publicação da sentença, e o processo remettido officialmente ao Tribunal
do Commercio, que o julgará em conferencia na primeira ou segunda
sessão, como questão mixta de facto e de direito. É este um dos maiores
defeitos da lei portugueza.

A appellação das sentenças dos tribunaes de árbitros-avindores para o
Tribunal do Commercio é uma anomalia; porque esta jurisdicção é
meramente patronal e aquella é meio patronal, e meio operaria. Deveria
ser de preferencia para os tribunaes ordinarios de direito commum, como
succede em França.

Mas muito melhor seria haver no proprio tribunal de árbitros-avindores
uma terceira e ultima instancia, em conformidade com a proposta de lei
do sr. Consiglieri Pedroso ou com a organisação democratica dos
Conselhos de Peritos na Suissa.

A lei portugueza isenta do imposto do sello os livros necessarios para o
serviço do tribunal, as sentenças e quaesquer documentos d'elle emanados
ou que a elle se apresentem, se por outro motivo o não deverem.

As despesas dos tribunaes correm por conta das camaras municipaes das
localidades e são obrigatorias.

Os processos são gratuitos, isto é, livres de quaesquer emolumentos ou
custas. Apenas ha multa, de 1$000 réis a 30$000 réis, imposta á parte
vencida, nos casos em que se julgar haver litigado com manifesta
injustiça.

Em França, muitos proletarios ainda hesitam em pedir justiça a estes
tribunaes, principalmente por temor das excessivas despesas do processo
intentado para a reivindicação dos seus direitos[10]. As despesas podem
variar entre 30 centimos a 43,60 fr., conforme os embaraços levantados á
acção pela parte adversa, não contando com o preço do papel sellado, que
é pago pela parte condemnada[11]. N'este ponto, leva grande vantagem a
lei portugueza sobre as de quasi todos os outros paizes.

As sentenças devem conter os nomes das partes, a exposição do pedido e
da defesa, de quaesquer factos verificados no processo, e emfim as
razões que determinaram a decisão. As sentenças dos tribunaes de
árbitros-avindores passadas em julgado, e as proferidas com recurso
pelos tribunaes do commercio, serão executadas nos autos, servindo de
juizes das execuções os presidentes respectivos com recurso para os
tribunaes do commercio.

    [9] Consagraremos ás Camaras Syndicaes um estudo especial.

    [10] _Annuaire de la Bourse du Travail_, 1890-1891, p. 333

    [11] Idem, p. 339



VI


A instituição dos tribunaes de árbitros-avindores existe legalmente
fundada no nosso paiz, como dissemos, desde 14 de agosto de 1889, data
da carta de lei que auctorisou o Governo a creal-os. Os legisladores,
porém, dando ao Governo essa auctorisação, não quizeram deixar-lhe a
iniciativa, nem a tomaram elles proprios; preferiram que ella partisse
dos interessados. O Governo ficou, portanto, auctorisado a crear
tribunaes de árbitros-avindores nas localidades em que haja centros
industriaes importantes, mas quando estes os requererem, ou quando os
reclamarem as respectivas corporações administrativas.

O pedido para a creação de um d'esses tribunaes deve partir ou dos
centros industriaes ou da camara municipal de cada localidade; se a
camara não quer tomar a iniciativa, as associações de classe,
collectivamente, podem dirigir-se ao Governo a solicitar a applicação,
em seu proveito, da carta de lei e dos regulamentos relativos á formação
e ao funccionamento dos tribunaes de árbitros-avindores.

Em Lisboa, existe em exercicio o primeiro tribunal, creado em virtude da
auctorisação concedida pela carta de lei de 14 de agosto de 1889. Mas,
apesar de existir a lei e os regulamentos que lhe são concernentes, não
foi sem difficuldade que se alcançou a sua creação. Só se conseguiu
vencer a reluctancia dos conservadores á custa de repetidas diligencias
e com certo grau de diplomacia.

Não é fora de proposito recordar o que se passou com a Camara Municipal
de Lisboa.

A minoria republicana da vereação, na sessão plenaria de 8 de abril de
1892, apresentou a seguinte proposta:

"Considerando que pelo artigo 1.º da carta de lei de 14 de agosto de
1889, está o Governo auctorisado a crear tribunaes de árbitros-avindores
nas localidades em que houver centros industriaes importantes, quando
estes os requererem ou quando os reclamarem as respectivas corporações
administrativas;

"Considerando que, segundo o art. 2.º da mesma carta de lei, são da
competencia dos tribunaes de árbitros-avindores todas as questões que
possam interessar em geral aos patrões e operarios nas suas reciprocas
relações;

"Considerando que a cidade de Lisboa é o centro industrial mais
importante do paiz, e portanto aquelle onde se torna mais urgente a
creação de tribunaes de árbitros-avindores:

"A Camara Municipal de Lisboa delibera representar ao Governo pedindo a
creação na capital dos tribunaes de árbitros-avindores, na conformidade
da carta de lei de 14 de agosto de 1889 e do decreto de 19 de março de
1892.--Os vereadores, _Teixeira Bastos_, _A. P. Leão d'Oliveira_,
_Saraiva Lima_, _J. Cupertino Ribeiro_".

No dia immediato, tendo a proposta sido designada para a ordem do dia e
entrando em discussão, teria sido rejeitada pela maioria sob o pretexto
de que _a creação d'esses tribunaes importava um encargo para a camara_;
mas o vereador que a apresentára apressou-se a requerer o seu adiamento
para a sessão plenaria de julho, ficando a commissão municipal incumbida
de elaborar o orçamento da despesa que trazia essa instituição.

Decorreram os periodos de sessões plenarias, uns após outros, e a
votação da proposta para a creação dos tribunaes de árbitros-avindores
foi sendo protelada, afim de tão util iniciativa não morrer barbaramente
ás mãos dos conservadores. Por fim, na sessão de 8 de abril de 1893,
exactamente um anno depois da apresentação da proposta, foi ella votada
e approvada por unanimidade, declarando a maioria, pela voz do mesmo
vereador que mais a hostilisára, _estar de accôrdo com a idéa e
congratular-se com os proponentes pela sua iniciativa_! Estava então no
poder com a pasta das Obras Publicas o dr. Bernardino Machado; e o
interesse que este ministro mostrava pelas questões operarias, deixa
adivinhar como se conseguiu a mudança de opiniões da maioria.

A Camara Municipal de Lisboa representou ao Governo, e este por decreto
de 18 de maio de 1893 creou emfim um tribunal de árbitros-avindores,
composto de doze vogaes, abrangendo a área do primeiro municipio
do paiz e com jurisdicção sobre as industrias exercidas n'esta
circumscripção[12].

Se as funcções verdadeiramente paternaes que a lei confia a esta bella
instituição, mostram a utilidade que pode resultar para os patrões e
para os operarios da creação dos tribunaes de árbitros-avindores, o
exercicio do tribunal existente em Lisboa prova praticamente as suas
vantagens.

Apesar do tribunal ser creado por decreto de 18 de maio de 1893, só em
dezembro desse anno foram nomeados pelo ministro das Obras Publicas, dr.
Bernardino Machado, e poucos dias antes da sua sahida do poder, o
presidente e os vice-presidentes, escolhidos na conformidade da lei de
entre sete nomes eleitos pela Camara Municipal de Lisboa. Esta demora na
nomeação, que contrasta com o interesse manifestado pelo ministro no
desenvolvimento das instituições operarias, encontra a sua natural
explicação na festa republicana hispano-portugueza de Badajoz, em 24 de
junho de 1893, que alarmou os poderes constituidos.

Iniciados os trabalhos para a constituição do tribunal, logo que foram
nomeados officialmente o presidente e os vice-presidentes para o
primeiro anno de exercicio, só quasi em meados do anno de 1894 pôde elle
começar o seu funccionamento, depois de feitos os recenseamentos e de
eleitos os árbitros-avindores pelos respectivos collegios eleitoraes dos
patrões e dos operarios. Na constituição do tribunal reconheceram-se os
erros e defeitos que avultam nas disposições regulamentares, notando-se
sobretudo a insufficiencia dos prazos marcados para os varios actos da
organisação dos recenseamentos e a carencia do requerimento do eleitor
inscripto no recenseamento provisorio para a sua inclusão nos
recenseamentos definitivos, o que difficulta por muitos motivos a
formação dos collegios eleitoraes. A disposição de ter o operario de
pagar a contribuição industrial para ter o direito de ser incluido no
recenseamento, já restringe de uma maneira incalculavel o numero dos
individuos que podem ser inscriptos nos collegios dos operarios. A
exigencia de tornar a inscripção definitiva dependente de requerimento e
de comprovação da edade do interessado, obrigando este a perder tempo e
até a fazer alguma despesa, é tambem uma das razões para que seja
excessivamente diminuto o numero dos inscriptos no recenseamento
definitivo. Mas para esse effeito contribue mais do que qualquer outra
razão, o facto de gratuidade do serviço dos árbitros-avindores; concede
a lei, como dissemos, aos árbitros-avindores-operarios, durante o
periodo de exercicio, a importancia da sua quota da contribuição
industrial; mas não é isso compensação sufficiente para salariados que
teem de perder o trabalho nos dias em que exercem funcções no tribunal.

O reconhecimento immediato d'este inconveniente, logo que se organisou o
tribunal de árbitros-avindores de Lisboa, fez com que o sr. Motta Veiga,
na dupla qualidade de vereador e de presidente d'aquelle tribunal,
propuzesse com assentimento dos collegas, na sessão de 21 de maio da
commissão municipal, que se arbitrasse aos operarios que constituem o
jury no Tribunal de Lisboa a quantia de 800 réis por cada um e por cada
dia que exercerem aquellas funcções, não excedendo esta despesa
n'aquelle anno a 500$000 réis.

Se os motivos expostos afastam os operarios do seu respectivo collegio
eleitoral e das funcçoes de árbitros-avindores, outros não menos fortes
produzem identicos resultados por parte dos patrões. Menos interessados
do que aquelles na existencia da instituição e não tendo compensações de
nenhuma especie do tempo consumido no desempenho das funcções de
árbitros-avindores, esquivam-se naturalmente a serem inscriptos no
recenseamento definitivo e a serem eleitos para vogaes do tribunal.

Não obstante isso, vencidos os obstaculos e estabelecido emfim o
tribunal nos paços do concelho, operarios e patrões puderam ainda nos
oito mezes de exercicio, durante o anno de 1894, verificar a alta
conveniencia da arbitragem nas pendencias e conflictos suscitados nas
relações entre industriaes e seus empregados e operarios. De maio a
dezembro, entraram no tribunal 67 requerimentos, dos quaes foram
indeferidos 19 por incompetencia do tribunal, e processados, sendo
chamadas as partes litigantes a conciliação, 48. Em 21 d'estes processos
conseguiu-se a conciliação a instancias do tribunal, e em 15 seguiu-se o
julgamento e poz-se termo ao pleito por sentença. Só uma foi favoravel
ao accusado. Houve 2 casos julgados á revelia. Deu-se apenas uma
appellação; decidindo o Tribunal do Commercio que era nullo o processo
por considerar o tribunal incompetente. Em 8 casos foi a audiencia do
julgamento interrompida para os trabalhos em litigio serem avaliados por
peritos. Depois de começado o julgamento, deram-se dez tentativas de
conciliação, obtendo-se em seis o appetecido resultado. A grande maioria
das controversias teve por origem a recusa do pagamento dos salarios ou
de restos de tarefas ajustadas. Durante os oito mezes de existencia, em
1894, o total das quantias de que foram embolsados os auctores por meio
de conciliação ascendeu a 699$595 réis, e por sentença foi de 194$450
réis[13].

Nos annos posteriores o movimento do tribunal tem augmentado,
continuando a predominar as questões motivadas por falta de pagamento de
salarios ou empreitadas.

Como camara syndical ainda não funccionou.

Mas se tem sido util, desde o começo, o funccionamento do tribunal de
árbitros-avindores de Lisboa por fazer ou conseguir justiça aos que a
elle recorreram, ainda o tem sido mais pela influencia moral, protectora
e benefica que principiou a exercer, fazendo abortar á nascença
innumeras divergencias nas relações entre operarios e industriaes. Teem
sido muitas as queixas apresentadas ao tribunal no decurso de quatro
annos de exercicio, mas elevam-se a um numero muito maior as que não
chegaram a ser formuladas em requerimento, porque, á simples ameaça de
recurso aos árbitros-avindores, a parte offensora cedeu e entrou em
composição.

De anno para anno crescerá sem duvida a acção moralisadora do tribunal,
porque a prática d'esta instituição, destinada principalmente á
conciliação e, só nos casos em que esta falha, á judicatura, tenderá
sempre a melhorar as relações entre industriaes e operarios.

Savigné define com admiravel precisão e clareza os deveres dos
árbitros-avindores. Escreve elle: "O fim principal, essencial da
instituição dos Peritos é a conciliação. Portanto, todos os esforços dos
membros dos conselhos devem tender para esse fim, e para isso deverão
empregar no exercicio do seu ministerio toda a placidez e toda a
moderação de que forem capazes; deverão ajudar as partes a explicar-se,
e facilitar-lhes a discussão; esforçar-se-hão por bem comprehenderem o
objecto da difficuldade, applicar-se-hão a adivinhar-lhe o verdadeiro
motivo, investigando se o pleito é resultado de invejas, de malevolencia
ou de vinganças, funestas paixões que muitas vezes ateiam nas officinas
discussões e desordens; terão attenções para a parte timida e
embaraçada, que não saiba fazer-se comprehender, e estarão de sobreaviso
contra as pretenções de um cabulista pertinaz e impassivel. Os Peritos
deverão despir-se de toda a nudez de expressão, de toda a vivacidade de
palavras, e, fazendo comprehender ás partes os seus direitos e suas
razões, deverão haver-se com prudencia e circumspecção, e esforçar-se
principalmente, por meio de persuasão, de palavras brandas, de
admoestações e de exemplos judiciosamente comparados, por fazerem entrar
na via da justiça e da razão a quem tender para apartar-se d'ella[14]".

A utilidade dos tribunaes de árbitros-avindores para o operariado é
enorme; mas tambem não deixa de ser util para os patrões. A arbitragem,
exercida com imparcialidade, evita muitas luctas, muitos prejuizos e
muitas injustiças; e as condições da organisação d'esses tribunaes,
formados de grupos eguaes de patrões e de operarios, sob a presidencia
de individuo extranho ás duas classes garantem a necessaria
imparcialidade.

    [12] O dr Bernardino Machado, quando sahiu do ministerio, estava em
    combinações com o sr. Adriano Anthero de Sousa Pinto então servindo
    de presidente da Camara Municipal do Porto, para se instituir tambem
    na segunda cidade do paiz um tribunal de árbitros-avindores.

    Mais tarde, em 1895, os operarios portuenses, por intervenção de
    algumas das suas associações de classe, reclamaram a creação de um
    tribunal; mas esta reclamação, não só justa como previamente
    consentida por lei, não teve deferimento. Ignoramos, até, o que a
    Camara Municipal do Porto deliberou ácêrca de um assnmpto tão
    importante para melhorar a actual situação do operariado.

    [13] As profissões dos auctores que reclamaram em 1894 perante o
    tribunal eram: carpinteiros 5, pintores 4, serralheiros 3,
    curtidores 3, estucadores 3, costureiras 3, empreiteiros 2,
    caixeiros de industria 2, mestres de obras 2, bombeiros 2, pedreiros
    2, moços de cocheira 2, alfaiates 2, operarios não especificados 2,
    e 1 individuo de cada uma das seguintes profissões: official de
    ourives, official de alfaiate, revendedor, destillador, empastador,
    marceneiro, tecelão, corrieiro, fogueiro-machinista, serrador, e
    sapateiro. As profissões dos réos: industriaes não especificados 14,
    mestres de obras 6, empreiteiros 4, alfaiates 4, proprietarios 3,
    barbeiros 2, estanceiros 2, curtidores fabricantes 2, uma empresa de
    jornal, 1 taberneiro, 1 serralheiro, uma modista, uma empresa de
    theatro, 1 marceneiro, 1 corrieiro, 1 lojista de modas, 1 sapateiro,
    um ourives, e 1 cocheiro.

    [14] Ob. cit. pag 35 e 36.



VII


De passagem mostrámos que na execução do decreto que creou em Lisboa o
primeiro tribunal de árbitros-avindores, se reconheceram logo defeitos
na lei e nos regulamentos; alguns já os deixámos apontados nas paginas
precedentes.

A commissão incumbida officialmente de elaborar os regulamentos--é de
justiça dizel-o--foi a primeira a prever sinceramente o facto no seu
excellente relatorio. Consignou n'esse documento estar "bem certa de que
entre as imperfeições das suas providencias e os defeitos da contextura
merecerá especial reparo a insufficiencia de alguns preceitos e até a
falta de outros para prevenir e regular muitas difficuldades práticas,
que na execução da lei hão de ser suscitadas".

E mais adeante accrescentava: "Organisadas que venham a ser devidamente
associações de classe, aguardando-se os resultados d'este primeiro
ensaio, e ouvidos os tribunaes, que já tenham funcionado por um lapso de
tempo que traga ensinamento proveitoso, serão revistas as disposições
agora decretadas para se modificarem, additarem e methodicamente
distribuirem por capitulos distinctos".

Só está por ora estabelecido um tribunal de árbitros-avindores, mas o
ensaio de alguns annos é sufficiente para se reconhecer a necessidade de
rever não só os regulamentos, mas a propria lei que auctorisou a sua
creação.

Dever-se-hia começar por tirar aos tribunaes de árbitros-avindores a
faculdade descabida de funccionarem como camaras syndicaes, ampliando-se
em troca as suas attribuições de conciliação e judicatura em
conformidade com a jurisdicção que pertence aos árbitros-peritos
n'outros paizes.

Conviria ao mesmo tempo extender a acção conciliadora e judiciaria dos
tribunaes de árbitros-avindores até as divergencias entre amos e creados
e entre commerciantes e caixeiros.

O regulamento das Bolsas do Trabalho considera expressamente operarios
os serviçaes domesticos. E estes, como não succede o mesmo na legislação
dos árbitros, acham-se quasi desprotegidos nas suas controversias com os
amos. Durante os primeiros oito mezes de existencia do tribunal de
árbitros-avindores de Lisboa, muitos creados e creadas de servir se
dirigiram á secretaria para requererem a citação de amos que os
despediram sem lhes pagarem os ordenados em divida. Esses requerimentos,
porém, não eram acceitos, porque a lei não abrange os serviçaes
domesticos. A legislação helvetica, como vimos, foi mais previdente.

Os caixeiros de commercio, desde que o patrão é simplesmente
commerciante, e não commerciante-industrial ou fabricante, tambem se
encontram em condições identicas ás dos serviçaes domesticos.

Ha outro ponto a especificar na legislação relativa a estes tribunaes; e
é que os individuos extranhos á classe dos patrões, desde que temporaria
ou accidentalmente empreguem em seu serviço operarios, devem nas suas
relações com estes ficar para todos os effeitos debaixo da alçada dos
tribunaes de árbitros-avindores. Um proprietario incumbe alguns
operarios de fazerem certos concertos n'um dos seus predios, ou um
commerciante entrega a um carpinteiro o arranjo de uma armação de loja;
no caso de surgir um desaccôrdo sobre salarios, mão-de-obra, imperfeição
de trabalho ou qualquer estipulação especial, os operarios não podem
apresentar a sua queixa ao presidente do tribunal, porque, segundo a
lei, nem o proprietario nem o commerciante estão sujeitos á jurisdicção
dos árbitros-avindores desde que não são industriaes.

A organisação dos recenseamentos dos collegios de patrões e de operarios
ou empregados nas industrias necessita de uma completa remodelação. Não
deve ter por base o pagamento da contribuição industrial; mas ser
elaborado sobre relações enviadas obrigatoriamente á secretaria das
camaras municipaes pelas associações de classe tanto de patrões como de
operarios, contendo os nomes de todos os seus associados, e pelos donos
de fabricas ou officinas, directores de companhias e gerentes de
empresas industriaes, indicando os nomes de todo o pessoal que empregam.
Os collegios eleitoraes comprehenderiam todos os individuos inscriptos
nos recenseamentos, um de patrões e outro de operarios e empregados.
Cada um d'elles elegeria os árbitros-avindores do seu gremio para
servirem obrigatoriamente por um anno; nas localidades onde hajam muitas
industrias, poderia a eleição ser por grupos de industrias, como succede
nos _Conseils de Prud'hommes_ de Paris. As funcções de árbitros seriam
obrigatorias por um anno, mas os eleitos, quer patrões, quer operarios,
deveriam perceber como indemnisação por cada dia de serviço uma senha de
presença, cujo valor seria fixado pela camara municipal da localidade e
pago pelo seu cofre como despesa obrigatoria do tribunal.

A carta de lei de 14 de agosto de 1889 faculta a creação em Lisboa e
Porto de mais de um tribunal de árbitros-avindores, conforme o
agrupamento de industriaes que para tal fim se effectuar.

A Camara Municipal de Lisboa approvou a proposta da minoria republicana
que reclamava a creação de tribunaes d'essa especie na capital, mas sem
lhes fixar o numero; o Governo accedeu ao pedido da vereação; não creou,
porém, mais que um. A prática, desde comêço, demonstrou a insufficiencia
de um só tribunal, onde são tão numerosas as industrias. Succedeu desde
logo, que, apesar de determinar o regulamento do processo a comparencia
do réo ou réos na primeira sessão do tribunal que haja depois da entrega
do requerimento, em virtude da affluencia de queixas, decorriam duas,
tres ou mais audiencias, antes que pudesse ser feita a devida citação á
parte accusada. Para evitar tão prolongadas demoras, prejudiciaes para
os queixosos, cremos indispensavel que haja em Lisboa pelo menos dois
tribunaes ou até tres, sendo as differentes industrias agrupadas
respectivamente em duas ou tres series distinctas.

Não menos necessaria se torna a creação de tribunaes de
árbitros-avindores em outras localidades importantes do paiz,
especialmente no Porto e na Covilhã, devendo naquella cidade ser dois ou
tres como em Lisboa.

Os bons resultados do unico tribunal de árbitros-avindores que existe
actualmente em Portugal, não passaram despercebidos nas regiões
officiaes, porquanto os encontramos assignalados no _Boletim da
Propriedade Industrial_, publicação official da Repartição da Industria,
n'um excellente artigo do sr. Oliveira Simões, seu redactor, sobre a
_Legislação operaria_.

Mas, pelas palavras do illustre engenheiro, conclue-se que a instituição
não funcciona actualmente como no seu comêço[15].

Com effeito, assim é; e se em parte a razão d'um lamentavel facto
se pode descobrir nas deficiencias e erros de legislação que
deixámos apontados, tambem por outro lado ella se deve attribuir
ao desleixo official e á má vontade que por vezes se observa nos
poderes-constituidos.

Dizia, por exemplo, _A Construcção_, órgão da associação de classe dos
constructores civis, no seu numero de 15 de janeiro de 1897:

"Imperdoavel desleixo existe da parte das repartições de fazenda dos
bairros na confecção dos cadernos do recenseamento pelos quaes se deve
fazer a eleição dos membros do tribunal. A camara, que tambem por seu
lado devia instar com essas repartições pela remessa dos cadernos,
mostra que pouco se interessa por isso; o resultado é estarmos proximos
do fim de janeiro, sem se haverem reunido os collegios de operarios e
patrões, para a eleição, e sem se saber quando essa reunião ha de ter
logar; isto quando a lei determina que se effectue em dezembro".

E commenta: "Assim se deturpam e destroem conquistas modernas do mais
alto valor.

"A incuria, estamos certos que não outra cousa, está dando aso a que se
perca uma instituição cuja existencia é preciosissima".

Se é lamentavel a incuria official, mais ainda é o facto, observado
tambem pelo articulista do periodico _A Construcção_, de que apesar do
mal que a perda da instituição "acarretaria para quantos vivem do
producto do trabalho, os operarios não dão signal de si".

O orgão da associação, de classe dos constructores civis, um anno
depois, no seu numero de 15 de janeiro de 1898, voltou a insistir nos
condemnaveis factos do desleixo official[16], e da maioria do proprio
operariado.

A má vontade dos poderes constituidos revela-se, por exemplo, na verba
insufficiente incluida no orçamento da Camara Municipal de Lisboa para
as despesas do tribunal. Ha pouco tempo, a vereação, solicitada sem
dúvida pelo presidente do Tribunal de Árbitros-Avindores, deliberou
augmentar aquella verba; mas o ministerio do Reino, que exerce uma
odiosissima tutela sobre a administração municipal, recusou-se a
sanccionar a deliberação camararia.

A instituição tem felizmente resistido a esta enorme serie de
difficuldades, e demonstrado incessante e praticamente as suas grandes
vantagens.

    [15] São estas as suas palavras: «Creou-se em Lisboa um tribunal de
    árbitros-avindores, decreto do 18 de maio de 1893, em virtude do
    disposto na carta da lei de 11 de agosto de 1889, o qual funcciona
    junto da Camara Municipal e que, no seu comêço, tão bons resultados
    ia dando.» _Loc. cit._ outubro de 1896, p. 133.

    [16] São do periodico _A Construcção_, de 1 de janeiro de 1898, os
    seguintes periodos:

    «N'este pais, só medram e se manteem as instituições contrárias aos
    interesses dos cidadãos.

    Aquellas que representam um progresso das conquistas sociaes e
    regalias concedidas aos cidadãos, ou são cerceadas a pequeno trecho
    como subversivas do existente, ou annulladas pela incuria e
    opposição dos empregados publicos a quem cumpre auxiliar a sua
    manutenção.

    Os tribunaes de árbitros-avindores, que é uma das mais uteis e
    bellas conquistas do nosso tempo, correm risco de desapparecer,
    porque funccionarios publicos de certa categoria, contando com o
    valor das protecções e influencias politicas que lhes deram os
    logares que usofruem, protestaram o mais absoluto desprêso á lei.
    Referimo-nos aos senhores escrivães de fazenda.

    Estes senhores, a quem a lei que creou os tribunaes de
    árbitros-avindores impoz a obrigação de enviarem annualmente á
    Camara Municipal a lista dos cidadãos eleitores e elegiveis, dos
    seus respectivos bairros, para a composição dos vogaes effectivos e
    supplentes do tribunal, não teem cumprido essa obrigação.

    No ultimo anno, apenas dois d'esses funccionarios se desobrigaram e
    mal d'esse trabalho, apesar de por várias vezes instados pela
    estação competente a cumprir o que a tal respeito a lei lhes impõe.

    Devido a esse condemnavel abuso dos senhores escrivães de fazenda
    não tem sido possivel proceder á renovação dos membros do tribunal,
    sobrecarregando-se assim os antigos com um trabalho que deveria ser
    dividido por outros na épocha propria das eleições.

    A dedicação que os actuaes membros do tribunal votam á instituição
    que estão servindo, faz com que não tenham abandonado os seus
    cargos, que por lei apenas são obrigados a servir durante um anno;
    mas isso não impede que tarde ou cedo, maçados por um cargo que não
    teem obrigação de desempenhar, deixem de comparecer ás sessões, e se
    extinga assim, devido a uma infracção da lei praticada pelos
    escrivães de fazenda remissos no cumprimento dos seus deveres, uma
    das mais preciosas conquistas dos industriaes e pessoal operario
    portugueses.

    Esta associação tem pugnado quanto é possivel por evitar a queda
    d'essa valiosissima instituição, e até já representou para que a lei
    seja mais aperfeiçoada e completa, alargando a influencia das suas
    decisões a todas as divergencias suscitadas pelo desaccôrdo entre
    operarios e patrões, quer estes sejam simples industriaes, quer
    simples proprietarios de qualquer obra. Foi encarregada a nossa
    associação de estudar o assumpto, que está concluido.



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