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Title: Vasco da Gama - Livro de Leitura para familias e escolas
Author: Corazzi, David [Editor]
Language: Portuguese
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BIOGRAPHIAS

DE

HOMENS CELEBRES DOS TEMPOS ANTIGOS E MODERNOS


VASCO DA GAMA


Obra Illustrada com 6 gravuras

LIVRO DE LEITURA

PARA

FAMILIAS E ESCOLAS


D. C


DAVID CORAZZI--EDITOR

Lisboa--40, Rua da Atalaya, 52

_Rio de Janeiro--40, Rua da Quitanda, Sobrado_

1884


CADA VOLUME

50 RÉIS



BIOGRAPHIAS DE

HOMENS CELEBRES, DOS TEMPOS ANTIGOS E MODERNOS


VASCO DA GAMA


OBRA ILLUSTRADA COM 7 GRAVURAS

LIVRO DE LEITURA

PARA

FAMILIAS E ESCOLAS

DEDICADO Á CLASSE PREPARATORIA

DOS

COLLEGIOS E LYCEUS

_DAVID CORAZZI--EDITOR_

Lisboa--40, Rua da Atalaya, 52--Lisboa

Rio de Janeiro--40, Rua da Quitanda--Sobrado

1884



[Gravura: Vasco da Gama]



VASCO DA GAMA


Entre as causas que espertaram o animo e brio dos portuguezes para se
abalançarem á empreza dos descobrimentos, podem apontar-se como
principaes: o desejo de dilatar a fé christã em todo o mundo conhecido;
a sêde de gloria e de renome; a ambição de grangear fortuna conduzindo
para o reino as especiarias, o ouro e pedras preciosas em que abundam as
regiões orientaes; e a curiosidade de desvendar os segredos da natureza
n'aquellas remotissimas paragens.

E não se julgue que as navegações do seculo XV foram iniciadas sem
plano, sem destino. Pelo contrario. Os nossos intrepidos mareantes
levavam a sua rota já marcada, e não levantavam ferro sem se aperceberem
de todos os conhecimentos e apparelhos necessarios ao cosmographo. A
cultura intellectual do povo portuguez attingira o grau de
desenvolvimento bastante grande para acompanhar o movimento scientifico
e litterario das mais adiantadas nações da Europa, e com as suas viagens
n'aquella época teve principio a historia verdadeira das navegações ao
longo da Africa. Até ali tudo é vago, indeciso, fabuloso.

Portugal estava mais proximo, que nenhum outro povo, do litoral
africano; tinha já tomado Ceuta; dobrara o cabo Bojador; e sabia, em
virtude da passagem do cabo da Boa Esperança, que existia communicação
entre o Atlantico e o mar das Indias. Por tudo isto nutria no peito a
generosa aspiração de levar o nome da patria e do filho de Maria aos
paizes em que nasce a aurora. Tal era o desejo, a vontade nacional. Ora,
sempre que um povo nutre uma idéa grandiosa, surge de entre a multidão
um _grande homem_, o qual é--porque assim digamos--a personalisação do
sentimento popular. Esse grande homem, esse representante da vontade
unica de todos os portuguezes foi Vasco da Gama.

Affirmam os chronistas que elle nasceu em Sines, e que teve por paes a
Estevão da Gama e Isabel Sodré; e ainda que pouco escrevam, d'onde
possamos inferir como correra a sua infancia e puericia, é comtudo facil
presumir que principiou a sua carreira nos mares da Africa, e que sendo
encarregado de negocios importantes, d'elles se desempenhou a contento
do seu rei. A biographia de Vasco da Gama só é clara quando el-rei D.
Manuel o escolheu para levar a cabo a empreza que sonhara. O facto de
haver sido eleito pelo monarcha _afortunado_ bem mostra que o Gama era
navegante experimentado, e de animo feito e capaz de grandes cousas. E
assim acontecia. Entre as qualidades que lhe adornavam o espirito,
avultavam a energia com que exercia o mando, a constancia nos designios,
e a inflexibilidade na administração da justiça.

Assomado de genio, commetteu atrocidades, é certo; mas, se ao lermos a
descripção de suas inclemencias e durezas, nos lembrarmos das
circumstancias em que foram praticadas, veremos que muitas, se não
todas, dictou-as a necessidade de manter a disciplina, ou de domar a
aspereza dos inimigos.

Tendo Vasco da Gama acceitado a espinhosa commissão, aperceberam-se os
tres navios construidos expressamente para ella: _S. Gabriel_, _S.
Rafael_ e _S. Miguel_. No primeiro arvorou Vasco da Gama o pendão de
commandante; ao segundo deu por capitão seu irmão Paulo da Gama; e o
terceiro, conhecido pela alcunha de _Berrio_, ficou sob as ordens de
Nicolau Coelho.

Nada faltava á expedição. Abundancia de mantimentos, boa artilheria,
velame de sobreselente, medico, botica, presentes para os reis em cujos
dominios aportasse, tudo se preparou. A armada partio do Tejo a 8 de
julho de 1497 por entre as saudações e as lagrimas da numerosa multidão,
que affluira á praia do Restello.

Depois de avistar as Canarias, e de fazer aguada na ilha de Santa Maria,
archipelago de Cabo Verde, seguio Vasco da Gama para o cabo da Boa
Esperança.. Começaram os trabalhos e os perigos. Desencadeavam-se
furiosas as tempestades ameaçando submergir a armada inteira, e a esta
lucta incessante com os elementos juntava-se a insubordinação dos
tripulantes, que não queriam continuar a viagem. Serenadas as tormentas
e suffocada a insurreição, chegou a frota no dia 8 de novembro á bahia
que tem por nome _Angra de Santa Helena_.

[Gravura:A nau S. Gabriel]

Saídos em terra os portuguezes para fazer observações, descobriram dois
negros atrás de uma collina. Deram-lhes de comer, e prometteram manjares
e contas de cristal a todos os companheiros, que descessem á praia. Os
negros accederam ao convite, mostraram-se amigos dos nossos; mas pouco
depois revelaram-se traiçoeiros e malfeitores. Em vista da hospedagem
que os indigenas lhe offereciam, decidio Vasco da Gama fazer-se
novamente de véla, e a 20 de novembro conseguio dobrar o cabo da Boa
Esperança. Removeram-se os terrores, com que o afamado promontorio
salteava a imaginação dos tripulantes, e começou a empreza a
affigurar-se mais auspiciosa.

A sessenta leguas de distancia a armada surgio e fundeou em uma bahia
chamada _Aguada_ ou _Angra de S. Braz_. E como os portuguezes temessem
um recebimento igual ao que tiveram na _Angra de Santa Helena_,
desembarcaram promptos e armados para a lucta. Tiveram com effeito de
repellir a violenta aggressão de um enorme bando de negros hottentotes.
Estes indigenas são de estatura meã, espadaúdos, e as mulheres têem uma
bossa no prolongamento dos rins, que produz um effeito desusado, e que
lhes serve para trazer os filhos. Cumpre todavia dizer que esta bossa é
ainda mais accentuada nas mulheres _bochimans_.

[Gravura: Mulheres hottentotes]

Quando deixaram a _Aguada de S. Braz_ padeceram os portugueses uma
furiosa tempestade, que os fez quasi desesperar de salvamento; mas,
conjurado o perigo, avistaram a 26 de dezembro os ilhéus Chãos, a 27 o
ilhéu da Cruz, e chegaram no dia 28 á altura do rio do Infante, ultimo
ponto a que chegara Bartholomeu Dias.

Forçado Vasco da Gama a entrar em algum porto onde se abastecesse de
agua, aproximou-se da costa, e no dia 10 de janeiro de 1498 descobrio um
pequeno rio. Como visse em terra muitos negros de elevada estatura e
grande corpulencia, mandou desembarcar o lingua Martim Affonso com
alguns brindes para o senhor d'aquelles negros, a fim de colher
informações a respeito da India. Estavam os nossos no paiz da Cafraria,
cujo chefe, deslumbrado pela formosura dos presentes e pelo incarnado da
carapuça com que Vasco da Gama o brindara, recebeu amavelmente a Martim
Affonso e ao companheiro, deu-lhes papas de milho e uma gallinha, e
enviou ao commandante alguns refrescos.

A tribo da Cafraria que Vasco da Gama visitou, foi a dos zulus. São
homens bravos, energicos, intelligentes, de pelle não preta, mas
bronzeada. Pertencem á raça designada pelo nome de _negroide_. O nauta
portuguez chamou á paragem, em que viviam estes cafres, _Aguada_ ou
_Terra da Boa Paz_, e ao rio em que se proveu de agua, _Rio do Cobre_.

Proseguindo na derrota, descobrio a 26 de janeiro um outro rio de larga
embocadura, no qual vogavam alguns bateis tripulados por homens que
pareciam mestiços de ethiopes e arabes. Eram em extremo communicativos,
subiam ás naus, recebiam presentes, davam em troca os productos da sua
terra, e um d'elles dizia ser de muito longe, e affirmava ter já visto
navios do tamanho dos nossos. Contente com taes auspicios, Vasco da Gama
baptisou o rio com o nome dos _Bons Signaes_, e erigio n'elle um padrão
que vinha a bordo do _S. Rafael_, e que d'este nome tambem foi
appellidado. A alegria porém foi pouco duradoura, porque tendo o
commandante resolvido permanecer algum tempo n'aquelle rio, eis que a
tripulação adoece ao cabo de poucos dias atacada de escorbuto. O rio era
o Zambeze, cujas margens insalubres iam servindo de sepultura áquelle
punhado de heroes.

[Gravura: Dança dos cafres zulus]

Só a 24 de fevereiro continuou a armada o seu caminho. Avistadas algumas
ilhotas, e não occorrendo cousa digna de menção, perceberam os
portuguezes no dia 2 de março que de uma ilha navegavam sete ou oito
barcos, e attentando nos tripulantes, viram que era gente mais culta do
que os cafres. Conversaram com os nossos, disseram-lhes que a terra em
que se achavam tinha o nome de Moçambique, e que os habitantes
negociavam em ouro, prata, pimenta e especiarias com os mercadores
arabes que íam da India áquelle porto. E mais disseram que o Preste João
não era d'ali muito distante, com o que encheram de jubilo o coração dos
portuguezes.

Vasco da Gama determinou logo dirigir-se a Moçambique para ver se eram
fidedignas as informações, que acabava de obter, e com o fim de tomar
piloto para a India, se as visse confirmadas. Nicolau Coelho entrou
primeiro a sondar a barra no navio _S. Miguel_, e reconhecendo que havia
bom fundeadouro, entrou o resto da armada e lançou ferro.

O xeque, apenas soube que a armada fundeara, mandou visitar Vasco da
Gama, que por seu turno lhe enviou alguns presentes. O mouro, mais
ambicioso que os cafres, pedia brindes de mais alto preço; porém não
recusou os que lhe foram offertados, e veio visitar o capitão-mór. Vasco
da Gama dispoz tudo para esconder a fraqueza da sua frota, e ordenou á
sua gente que estivesse preparada para o caso de alguma traição urdida
pelo xeque. Chegou este trajando as suas mais luzidas vestiduras, foi
recebido com todas as mostras de amisade, e com um opiparo banquete. O
xeque deu a Vasco da Gama dois pilotos, os quaes, por ordem do capitão,
nunca íam juntos a terra, para que não lograssem pôr em execução algum
trama combinado com o soberano.

A utilidade d'esta medida ficou em breve demonstrada, pois que se
conheceu por indicios infalliveis que os mouros meditavam alguma
affronta. Vasco da Gama deliberou então sair de Moçambique antes de lhe
ser preciso combater; porém, tendo mandado em dois bateis alguns homens
armados buscar agua e lenha, foram estes accommettidos pelos mouros,
cuja audacia castigaram a tiros de espingarda. A armada levantou ferro
no dia 10 de março e fundeou n'uma ilha proxima que Vasco da Gama
appellidou _S. Jorge_. Ahi se ergueu um altar, celebrou-se missa, e
todos portuguezes se confessaram e commungaram. Em seguida partio a
frota para Calecut.

Após variados episodios, em que destaca principalmente a perfidia dos
musulmanos e do piloto que acompanhava a armada, depois da impreterivel
necessidade de resolver por armas, o que melhor fôra se resolvesse por
palavras, chegou Vasco da Gama a Mombaça no dia 7 de abril, e entrou no
porto com os navios embandeirados cuidando encontrar na cidade um numero
avultado de christãos. Note-se que o capitão-mór só determinou ancorar
no porto em vista das informações ministradas por dois degredados que
trazia, e que mandára a terra observar qual a religião, a riqueza e a
indole da gente de Mombaça. Apezar disso, mais uma vez teve de punir as
insidias dos musulmanos que, de combinação com o piloto, pretendiam dar
com as naus em cima dos baixios. Vasco da Gama ordenou que fossem
mettidos a tormento, pingados com azeite a ferver.

Na quinta feira de Endoenças largou do porto de Mombaça, perdida a
esperança de achar piloto que o conduzisse para Calecut. A poucas leguas
de distancia apresou um zambuco tripulado por dezoito pessoas, que
disseram existir não longe uma cidade, Melinde, em que facilmente se
encontraria o piloto desejado.

Não obstante o que a gente do zambuco referia sobre a natural bondade do
rei de Melinde, o Gama receiava submetter-se a nova experiencia. Não lhe
saíam da memoria as torpes insidias de Mombaça, mas, como era urgente a
necessidade, partio para Melinde, onde chegou domingo de Paschoa.

Foi amigavelmente recebido pelo rei, e deparou-lhe a sorte um piloto
guzarate, Malemo Cana, que o conduziu a Calecut, onde surgio a 20 de
maio.

Uma vez surto na cidade, que então era o emporio da riqueza oriental,
ardia Vasco da Gama no desejo de conhecer o paiz, e communicou a sua
chegada ao rei ou Samorim. Ordenou para isso, que desembarcassem o
piloto Malemo Cana e um dos degredados. Apenas saltaram em terra foram
levados á casa de dois mouros, naturaes de Tunis, um dos quaes, chamado
Monçaide, vendo o degredado, fallou-lhe castelhano e quiz ir á presença
de Vasco da Gama. Taes foram as noticias que Monçaide deu ácerca do
Samorim, que o Gama resolveu ir pessoalmente visital-o, acompanhado de
doze homens esveltos e vestidos ricamente. Como a visita fosse d'antemão
annunciada, era o capitão-mór esperado na praia por um official do rei
de Calecut, a que se dava o nome de Catual.

Para que descrever a pompa verdadeiramente asiatica do cortejo? Basta
dizer-se que tudo era digno do brioso navegador. Durante o trajecto quiz
o Catual que Vasco da Gama visitasse um pagode ou templo malabar.
Entraram os portuguezes no templo, e julgando que era christão,
ajoelharam-se e prestaram culto ás imagens de Siva e Vishnu. Chegado ao
palacio real, foi o Gama recebido pelo Samorim, que ostentava nos
braços, na cabeça e nas orelhas valiosissima profusão de esmeraldas,
perolas e rubis. Affirmou-lhe o portuguez que viera á India por mandado
de um poderoso rei do Occidente para assentar com elle paz e amisade, e
que trazia mercadorias para dar em troco das que recebesse. O Samorim
prometteu auxiliar os portuguezes; mas o Catual e os mouros, roidos de
inveja, conseguiram dissuadil-o do proposito. Só o animo valoroso do
capitão-mór podia resistir a tanta contrariedade. Chegaram as cousas ao
ponto de ficar o proprio Gama com os doze europeus prisioneiros do
Catual, cuja primeira idéa foi matal-os, contentando-se depois com
exigir-lhes thesouros e riquezas. Finalmente Vasco da Gama conseguio
voltar com os companheiros aos navios, e mandou queixar-se ao Samorim
das offensas que recebera. O soberano fingio-se descontente com o
official, deu mostras de querer proteger o commercio dos portuguezes,
mas pouco depois revelou que os tinha na conta de ladrões, porque
prohibio que fosse alguem negociar a bordo dos navios, e prendeu em
terra Diogo Dias e mais alguns que tinham ido á feitoria. Para evitar
que estes infelizes morressem á ordem do Samorim, Vasco da Gama
aprisionou seis naires mui qualificados que visitaram a armada com
dezenove homens, e não os entregou sem receber primeiro a sua gente. E
partio de Calecut promettendo voltar cedo, e mostrar quem eram os
christãos do Occidente, alcunhados de corsarios pelo Samorim. Veio
tambem Monçaide, que se fez christão, e mais dois mercadores mouros.

[Gravura: Pagode Malabar]

Na viagem de Calecut a Lisboa não faltaram desgostos e tribulações
áquella

    ... gente ousada mais que quantas
    No mundo commetteram grandes coisas.

Luctaram com as traições do Samorim, cujas embarcações lhes saíram ao
encontro; tiveram de resistir ás ciladas do senhor de Goa que tambem
lhes desejava causar damno; arrostaram com a furia das procellas;
padeceram novamente o escorbuto, e só poderam tomar fôlego, quando
aportaram a Melinde, onde Vasco da Gama, com licença do rei, mandou
erigir um padrão com uma cruz e as armas de Portugal. Saindo de Melinde
a 10 de fevereiro de 1499, Vasco da Gama surgio a 28 na ilha de
Zanzibar, tornou a passar pela aguada de S. Braz, e a 20 de março dobrou
o cabo da Boa Esperança.

Dos tres navios, tinha sido queimada a nau _S. Rafael_, e os dois
restantes separaram-se nas alturas de Cabo Verde. Quer fossem apartados
por uma tempestade, quer pelo desejo que nutria o commandante do
_Berrio_, de trazer a el-rei D. Manuel as primeiras noticias da
expedição, é fóra de duvida que Nicolau Coelho chegou a Lisboa mais de
um mez antes de Vasco Gama.

Vasco da Gama erige na costa d'Africa um padrão com as armas de Portugal
Vasco da Gama erige na costa d'Africa um padrão com as armas de Portugal

O capitão-mór trazia enlutado o coração pela morte de Paulo da Gama, seu
irmão estremecido, e chegando ao Tejo, antes de se apresentar a D.
Manuel, quiz agradecer á virgem de Bethlem o havel-o tomado sob sua
guarda. Vasco da Gama foi conduzido ao paço com grande solemnidade, e o
rei, como paga de seus enormissimos serviços, conferio-lhe o titulo de
_dom_, acrescentou no seu brazão de armas as quinas de Portugal,
nomeou-o almirante da India para si e para seus successores, e doou-lhe
300$000 réis de juro e herdade.

No anno seguinte enviou D. Manuel á India Pedro Alvares Cabral, a fim de
estabecer commercio e alliança com o rei de Calecut. Este, porém,
houve-se com tão rematada hypocrisia, que os nossos tiveram de
bombardear a cidade e matar grande numero de mahometanos. E ficando
reconhecido que só á viva força se podia tirar proveito do descobrimento
da India, foi Vasco da Gama despachado novamente para aquella região.
Partiu de Lisboa a 10 de fevereiro de 1502, dobrou sem difficuldade o
cabo da Boa Esperança, aportou a Moçambique onde foi bem recebido pelo
xeque, reduziu á vassallagem o reino de Quiloa obrigando o soberano a
pagar annualmente 2:000 meticaes de ouro. De Quiloa dirigiu-se á costa
de Malabar, que foi theatro de uma das atrocidades mais nefandas
commettidas pelo inexoravel navegador. Tendo encontrado um navio
carregado de peregrinos, que regressavam de Mecca onde foram visitar o
tumulo Mahomet, apoderou-se de todas as riquezas, e mandou pôr fogo ao
navio sem se apiedar das mulheres, que imploravam misericordia
levantando nos braços os filhinhos. Pouco depois fundeou Vasco da Gama
em Cananor, e d'ahi passou-se a Calecut com o proposito firme de
vingar-se do Samorim. Principiou por apresar alguns cincoenta malabares,
que andavam pescando, e farto de responder ás mensagens do insidioso
rei, enviou-lhe os cadaveres dos desventurados prisioneiros, e com uma
furiosa artilheria arrasou-lhe completamente a cidade. Deixou em Calecut
Vicente Sodré com uma frota de seis navios, e partiu para Cochim,
logrando assignar com o rei um contrato vantajoso para Portugal.

O Samorim, que reunira as suas forças durante a ausencia do Gama,
enviou-lhe um mensageiro convidando-o para novas negociações. Vasco da
Gama--custa a crer--mais uma vez caiu no laço, e tendo ido em pessoa a
Calecut com um só navio, foi rodeado por innumeros paraos, de que
escapou milagrosamente porque o soccorreu a tempo a frota de Vicente
Sodré. Destroçados os paraos, Vasco da Gama tornou a Cochim, passou a
Cananor, e de Cananor seguiu para Lisboa, onde ancorou no dia 1.º de
setembro de 1503, e entregou a el-rei D. Manuel as riquezas que trouxera
de Quiloa.

[Gravura:Mulheres da costa de Malabar]

Excederam toda a expectativa os resultados d'esta segunda viagem. O
almirante, que descobrira o caminho das Indias, fundou no extremo
oriente para Portugal o monopolio do commercio das especiarias. Por isso
o rei conferiu-lhe o titulo de conde da Vidigueira, o povo saudou-o com
enthusiasmo, e povo e rei prepararam-lhe uma entrada em Lisboa igual á
dos triumphadores romanos.

Mas.--tal é a ingratidão dos homens!--o ciume do monarcha e a inveja dos
cortezãos votaram o glorioso mareante aos desgostos de um prolongado
esquecimento. Vinte e um annos esteve ocioso aquelle grande espirito,
até que D. João III, que succedeu na corôa a D. Manuel, o nomeou
vice-rei da India. Envelhecido e quebrado, não tanto pela idade como
pela rudeza dos trabalhos, ainda assim não resignou o cargo, e por entre
ruidosas acclamações fez-se de véla aos 9 de abril de 1524.

Proximo das costas de Cambaya succedeu que, estando tranquillos céu e
mar, e não havendo uma nuvem no horisonte, encapellaram-se as ondas e
vieram quebrar-se com violencia nas embarcações. Assustaram-se os
tripulantes, e Vasco da Gama percebendo que o phenomeno era devido a um
tremor de terra, disse-lhes em tom sereno: «Amigos, prazer e alegria; o
mar treme de nós.»

Pouco depois chegou ao porto de Chaul, onde se demorou tres dias,
seguindo logo para Goa, pois desejava quanto antes acudir ás desordens
que lavravam na administração dos negocios. Entristeceu-se com o que viu
em Goa, porém não desmaiou. Tomou providencias energicas e severas,
corrigiu abusos, castigou roubos, e dispostas as primeiras cousas,
partiu para Cochim. Ainda uma vez desbaratou as forças do Samorim, e
quando esquipava uma grande armada, que restituisse ao nome portuguez a
antiga fama, accommetteu-o uma grave enfermidade. Sentindo que a morte
se avisinhava, quiz ir para Cochim, e lá morreu a 25 de dezembro de
1524. Foi sepultado no convento de S. Francisco d'aquella cidade, e em
1538 se trasladaram os seus ossos para Portugal, e encerraram-se n'um
jazigo construido no convento carmelitano de Nossa Senhora das
Reliquias, junto á villa da Vidigueira. O epitaphio do seu tumulo era o
seguinte:

_Aqui jaz o grande argonauta D. Vasco da Gama, primeiro conde da
Vidigueira, almirante das Indias orientaes e seu famoso descobridor._

No dia 8 de junho de 1880 foram os restos mortaes de Vasco da Gama
levados com grande solemnidade para a egreja de Santa Maria de Belem,
por occasião do centenario de Camões, e ahi repouzam ao lado das que se
julgam ser as cinzas do cantor inspirado dos _Lusiadas_.

O maior elogio que se póde escrever do descobridor da India, cifra-se
nas palavras com que o sr. Latino Coelho remata o seu estudo sobre este
varão illustre.

«Acima de todos os homens eminentes, que levaram os baixeis e as armas
portuguezas até os mais remotos confins do nosso globo, levanta-se Vasco
da Gama, á similhança do mais alteroso cimo do Himalaya, que vê abaixo
de si as mais erguidas cumiadas, que sem elle seriam assombrosas
serranias collossaes. Toda a acção de Portugal na historia da
civilisação está personificada no seu grande soldado navegador, o
espirito da patria no Camões, tambem guerreiro e navegante, que ao nome
do argonauta enlaçou no seu poema todas as glorias de Portugal.



BIOGRAPHIAS DE HOMENS CELEBRES
DOS TEMPOS ANTIGOS E MODERNOS

Preço de cada vol. 50 réis fortes.--Brazil, 200 réis fracos

VOLUMES PUBLICADOS

1.º Cuvier--2.º Galileo--3.º Miguel Angelo--4.º Gutenberg--5.º Fernão de
Magalhães.--6.º Dante.--7.º Solon.--8.º Arago.--9.º Julio Cesar.--10.º
Vasco da Gama.

No Prélo.--_Beethoven--Gil Vicente--Milton, etc._


BIBLIOTHECA DO POVO E DAS ESCOLAS

Preço de cada vol. 50 réis fortes.--Brazil, 200 réis fracos

_Esta publicação notavel pela sua fabulosa barateza, tem a dupla
vantagem de propagar a instrucção geral e incitar ao estudo as classes
escolasticas populares_

Ultimo vol. publicado: 92.º, Historia Moderna


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_Preço de cada um, brochado, 500; encadernado em percalina, 600; em
carneira, 700; moeda forte._

_No Brazil, cada um, brochado, 1$500; encadernado em percalina, 2$000;
em carneira, 2$300; moeda fraca._

Para assignar ou comprar quaesquer volumes avulso, dirigir-se em Lisboa
ao editor _David Corazzi_, Rua da Atalaya, 40 a 52, e no Rio de Janeiro
a _José de Mello_, gerente da mesma casa editora, Rua da Quitanda, 40.


Typ.--Rua da Atalaya, 40 a 52, Lisboa.





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