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Title: Portugal enfermo por vicios, e abusos de ambos os sexos
Author: Costa, José Daniel Rodrigues da, 1757-1832
Language: Portuguese
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                             PORTUGAL ENFERMO

                  POR VICIOS, E ABUSOS DE AMBOS OS SEXOS.

                            DEDICADO AO SENHOR

                            JOSÉ LUIZ GUERNER,

                        CONSUL DE S. M. SICILIANNA,

                                   POR

                      JOSÉ DANIEL RODRIGUES DA COSTA,

                         ENTRE OS PASTORES DO TEJO

                             JOSINO LEIRIENSE


                                  LISBOA:
                            NA IMPRESSÃO REGIA.
                                 ANNO 1819

                              _Com Licença._



SENHOR JOSE LUIZ GUERNER:


_Quando comecei a compor esta Obra, intitulada=Portugal Enfermo por
vicios, e abusos=logo me veio á lembrança o dedicar-lha. E approveitando
estas primeiras idéas, foi tal o prazer, que concebi, por huma tão
acertada escolha, que parecia que com mais facilidade, e affluencia me
occorião pensamentos para a ultimar._

_Eu faria huma injuria á Gratidão, se me lembrasse de outra pessoa para
esta Dedicatoria; quando por experiencia tenho conhecido quanto a sua
curiosidade, applicação, e talentos ambicionão as minhas Producções._

_Aqui me offerecia agora a minha imaginação hum vasto assumpto, para
tecer-lhe o Elogio, que merece hum homem amador das Bellas Letras, e ornado
d'aquellas virtudes moraes, que tanto caracterizão o verdadeiro homem de
bem. Mas fazer das suas apreciaveis qualidades huma extensa narração, seria
dar por nova huma pintura ao mesmo Pintor, que a desenhou._

_O Céo dilate a sua estimavel vida para consolação dos seus amigos;
sendo hum dos que mais o preza, e respeita_

                                        _José Daniel Rodrigues da Costa_



PROLOGO.


Nem a vaidade de ser Author, nem a presumpção de exceder os Escriptores
do meu tempo, nem o desvanecimento dos repetidos elogios, que muitas
Pessoas me fazem, serião incentivos bastantes para eu escrever com tanta
assiduidade, como escrevo. Não me ufanão semelhantes apavonações; porque
o deixar-me possuir destes fôfos sentimentos seria em mim huma bem
notada mania.

Devem capacitar-se os meus amabilissimos Leitores que o meu genio, hum
pouco propenso ás Bellas Letras, e mais que tudo, o muito, que prezo
quanto he honesto, e civíl, he que me desafia a desembainhar a espada da
Critica contra os vicios em todas as minhas Obras, acutilando estes, e
poupando com tudo os seus adoradores.

He por tanto que exponho ao Público esta Obra dos achaques chrónicos,
com que o tempo tem contaminado os antigos, memoraveis, e bem acceitos
costumes do nosso Portugal; que quanto mais se reprehendem os
d'agora, tanto maiores elogios se fazem aos passados.

Tem os vicios, e os abusos chegado ao maior auge na presente época em
ambos os sexos. Não se lhes acha mediania; e neste labyrintho de cousas
não fica ao homem, que bem pensa, mais que os dois refrigerios: ou de
chorar, ou de rir dos destemperos deste Seculo nos excessos, que se
observão no luxo, nas educações, e no viver de agora.

Com effeito eu vejo os tempos bem desgraçados para composições de
qualquer natureza. Nos principios do Seculo dezoito houve muito quem
escrevesse, porque havia muito quem lêsse; depois ainda houve muito quem
lêsse, e menos quem escrevesse; mas presentemente nem ha quem escreva,
nem quem lêa; porque as minimas cousas, que apparecem, nem essas mesmas
se gastão.

Vamos porém sempre compondo alguma cousa para huma parte da mocidade bem
morigerada, que ainda se encontra tanto nesta Cidade, como por essas
Provincias; Rapazes applicados, de perfeita educação, e que faz gosto
ouvillos na sociedade: com estes me entenderei; em quanto os outros
entregues ás desenfreadas paixões, que os illudem, se fazem verdugos de
si mesmos. Sobre estes he que recahe a critica desta pequena
composição, que desenvolve os achaques de Portugal, causados pela
epidemia dos vicios, e abusos de huma grande parte de gente.

Leitor, perdôa aos defeitos da Obra; mas não perdôes aos teus, para não
seres contado no catalogo dos viciosos: compra, e lê, que he o melhor
modo de saberes quanto isto

                                                                  Vale.



PORTUGAL ENFERMO PELOS VICIOS, E ABUSOS.

            _Os escritos que saê da mão fóra
            Tantas Sentenças tem, tantos Ledores,
            Assim Miranda o canta, assim o chora.
            Sempre a verdade achou murmuradores;
            A mentira que damna, e lisongea
            Sempre (em pouco saber) grandes favores._

                                Bernard. Cart. XV.


    Portugal, Portugal! Eu te lastimo!
    E bem que velho sou inda me animo
    A mostrar-te os defeitos, e os excessos
    Dos costumes, que tens já tão avessos
    Dos costumes, que tinhas algum dia,
    Quando mais reflexão na gente havia.
    Tu de estranhas Nações foste invejado;
    Hoje faz compaixão teu pobre estado:
    Cada vez te vão mais enfraquecendo,
    Todo o brilho, que tinhas, vais perdendo:
    Paraiso do Mundo te chamavão;
    As mais Nações com tigo se animavão;
    Ellas porém ficárão sans, e fortes;
    E tu a todo o instante exposto aos córtes
    Da usura, da ambição, da falsidade,
    Do egoismo, da fuga, da impiedade:
    Males, que aos que bem pensão causão tedio,
    A que apenas descubro hum só remedio,
    Que outro melhor não ha, a que se apelle,
    E muita gente chora a falta d'Elle[1]....

    Portugal, Portugal! Eu te lastimo!
    E o pezar, que me causas, mal reprimo!
    Estás presentemente na figura
    Do enfermo, que não póde com a cura,
    Por ter molestias taes tão complicadas,
    Que parte das receitas são baldadas.

    Vai aos banhos do mar a Dama bella,
    Porque delles precisa, ou por cautela;
    O Velho busca estuporado as Caldas,
    E alli da mocidade purga as baldas,
    Consegue movimento em braço, e perna,
    E a perdida cabeça já governa;
    Frouxo Taful, que tem debilidade,
    Por excessos de toda a qualidade
    Recorre ás infusões d'aquacia, e quina;
    Mas tambem pouco e pouco se defina,
    Se não acautelou mais a saude,
    E não tem depois disto quem o ajude;
    Todos a tempo buscão curativo,
    Para vêr se em seu mal tem lenitivo:
    E só tu, Portugal, chegaste a estado
    De seres paralitico entrevado!
    Todos de fóra vem sangue tirar-te;
    Porisso nada póde aproveitar-te.
    Os Estrangeiros, que a Lisboa chegão,
    Te vem bichas deitar, e todas pegão,
    Sempre em proveito seu com abundancia,
    Té ficares de todo sem sustancia.
    Medicina não sei, mas tenho lido
    Dois Livros, que me tem muito instruido,
    Hum da propria exp'riencia, outro do mundo,
    E só nesta lição he que me fundo,
    Para bem conhecer por estes meios
    Tanto os achaques meus, como os alheios.
    Ora antes que de todo a vida exhales,
    Ouve parte da origem de teus males.

    Eu vejo de alguns homens apartados
    Os deveres mais puros, e sagrados;
    Atropellada a honra, a probidade,
    A razão, a decencia, a sãa verdade:
    Isto por homens, que apparencias tem
    De honrados, de Christãos, de homens de bem

    Eu vejo o feroz crime a garra alçando,
    Os trêfegos viventes subjugando,
    Só a fim de os trazer ao seu partido,
    Deixando o bom caracter corrompido.

    Eu vejo huns indivíduos mui sagazes,
    De transtornar os outros bem capazes;
    Porque com o systema de egoistas
    Ao que os outros possuem botão vistas.
    Lanção-lhes rede, rede que não falha,
    Peixe grosso, e miudo cahe na malha,
    Dizendo-nos depois, como em resposta:
    Eu por aqui me sirvo, ou dei á costa.
    Que em limpo Portuguez, nada confuso,
    He fugir, ou quebrar, como hoje he uso.
    Eu sei que hum Guarda-Livros foi chamado,
    Para as Contas fazer de hum Ex-quebrado;
    E como aquella quebra era segunda,
    Não podia acertar-lhe bem a funda.
    Té que lhe perguntou com desengano:
    Com quanto quer quebrar, Senhor Fulano?
    Esta pergunta prova que ha bicheiro,
    Que inda que quebre, fica sempre inteiro.

    Eu vejo hoje os amigos desfrutantes,
    Palradores de officio, e bem fallantes,
    Muito promptos em toda a patuscada;
    Porém, em se occupando, tudo he nada,
    De função em função, em bons jantares,
    Por não ficarem vagos os lugares;
    Mas que, se alguem lhes pede algum soccorro,
    Virárão logo a peça para fôrro,
    Fugindo de valer por amizade
    Aos que fôrão da sua sociedade:
    Vileza sem igual, que achar não pensa
    O que tem hum vexame, ou tem doença,
    Que em banquetes largou bastante a pelle,
    Para nutrir os que hoje fogem delle.

    Vejo homens, que de seu muito tiverão,
    Que de tudo o que tinhão, conta derão
    No teimoso valete, sota, e az,
    Nos trez dados, que o copo saltar faz,
    No grande tratamento afidalgado,
    Na sege, no jardim, luzido estado,
    Banquetes, sociedades, mancebías,
    E outras taes, e quejandas bizarrias:
    Tudo feito sem calculo seguro,
    Sem minima lembrança do futuro,
    Para agora se vêrem sem ter nada
    N'huma vida bem triste, e desgraçada.

    Eu vejo outros mesquinhos, e forretas,
    Que não passão de velhas meias pretas,
    Sua casaca eterna, já virada
    No anno, em que a náo Cabrea foi queimada;
    Ferrolhando o dinheiro no bahú,
    Para que não lho leve belzebu;
    Contado, e recontado na alta noite,
    Porque a pedir algum ninguem se affoite.
    Tudo á porta fechada sós vivendo,
    Vestindo muito mal, peior comendo;
    E que vive assim bem hum destes pensa,
    Ou seja na saude, ou na doença;
    Té que toda a reserva finaliza
    Nas garras de hum irmão lá de Galliza.
    Eis aqui hum dinheiro que não gira,
    E por isso a outra gente não respira,
    Isto he que faz que toda a casa gema;
    Pois outros ricos ha de igual systema.

    Vejo huns homens, que são muito abastados,
    E de semblantes sempre carregados;
    Caras _de sum es fui_, mas _por causar_,
    Hum bom modo a ninguem sabem mostrar:
    Eu bem sei que quem tem muito dinheiro,
    Grosseiro fica sempre, se he grosseiro;
    Porque pejada burra de riqueza
    Não emenda o que vem de natureza.
    Eu chamo a huns homens taes _verbos de encher_,
    Vivem só de ajuntar, e de comer,
    De cabeça mais leve do que a escuma,
    Gosto não sabem ter por cousa alguma;
    Para valer aos mais nunca tem geito,
    Para si são _Dativo de proveito_
    Taes pinturas; a mal nunca se tomem
    O que lêr, e apontar he que he máo homem.

    Portugal, Portugal! eu te lastimo!
    E teus flagellos na memoria imprimo!
    Eu vejo homens solteiros, sem emprego,
    Porém tendo de môças bom conchego;
    Parece que por magica he que passão;
    Pois sem que diligencia alguma fação
    Por grangear a vida, a tudo acodem;
    Não sei como nutrir os vicios podem!
    Eu trabalho, e não vivo satisfeito;
    E elles andão de corpo mui direito,
    Mil aproxes fazendo á bolsa alheia,
    Sem acharem tal vida indigna e feia.
    Hum lhes diz: _Eu não posso; outro: não tenho:_
    E a concluir d'aqui sómente venho
    Que tem esta comedia por final
    Cadêa, Portaria, ou Hospital.

    Eu vejo outros sem rendas, nem officio,
    Do Matrimonio entrar no sacrificio:
    Marido pobretão, mulher sem nada;
    Em crescendo dos filhos a manada,
    O mesmo he que ter sella sem cavallo,
    Casa sem tecto, e sino sem badalo.
    Acabou-se huma cousa, faltão mil,
    De dinheiro não ha nem hum ceitil:
    Olha hum para o outro, as razões crescem;
    Os filhos nús, de fome desfalecem;
    Té que o Marido toma o desafôgo
    De se ir metter na casa que dá jogo.
    Alli se perde a noite quasi toda,
    A vêr se de huma vez desanda a roda,
    Com as iscas de emprestimos de Amigos,
    Que só em casos taes servem de abrigos;
    E a familia em cuidados, em tormento,
    Que inda he peior que a falta de sustento.

    Eu vejo, nestes tempos desditosos,
    Povos empobrecidos, e chorosos;
    Pois quando vém hum mal, outros se seguem,
    Que os Mortaes atenúão, e perseguem.
    Mas a pezar da falta de dinheiro,
    Apparece nos bairros o gaiteiro,
    As bandeiras nas cordas penduradas,
    Por onde as festas são annunciadas,
    Tudo feito com lustre, e com grandeza,
    Foi Juiza a Senhora Dona Andreza.
    Os festeiros não tem nada de seu;
    Mas a festa da rua tudo deu.
    Anda o velho engraçado co' os Leilões
    Dos cargos, que custárão bons tostões.
    Temos fogo de vistas, vistas raras,
    N'hum beco, que de largo tem tres varas;
    Que huma roda, que salta em Fogo ardendo,
    Vem desordens fazer nos que estão vendo;
    E póde muito bem a propriedade
    Com fogo reduzir-se em ametade.
    Estes p'rigos não são muito pequenos,
    E já tem succedido mais, ou menos.
    Nunca vi de dinheiro tanta fome,
    Nem tantas festas de despeza, e nome.
    Eu louvo, e não crimino a devoção;
    Haja festa de Igreja, e bom Sermão;
    Tenha a festividade do arrayal
    Cousas, que fação bem, e nunca mal.
    O dinheiro de máscaras, e fogo
    Vá gastar-se com outro desafogo
    Mais util, mais vistoso, mais louvavel
    Em acudir a tanto miseravel.
    Dem rações á pobreza dessa rua,
    E a festa christãmente se conclua.
    No lugar, em que o fogo armar se havia,
    Haja comprida meza neste dia;
    Hum, ou dois caldeirões de mantimento,
    Que sirvão aos mendigos de sustento,
    Ministrados por esses bons festeiros,
    Que se fação da meza dispenseiros,
    Sem tumulto, em socego, e com cuidado
    No cégo, na criança, no aleijado.
    Isto he que dá exemplo, he que edifica;
    Deste modo a função completa fica;
    E não com fogo, máscaras, e bulhas,
    Tornando-se as esmolas em fagulhas.
    Na terra, e Céo nada ha mais relevante,
    Que acudirmos ao nosso semelhante.
    Se não querem na rua estar com isto,
    Fação o que eu a muitos tenho visto:
    Vão ás Cadêas, que isto dá bom nome,
    Repartão de comer por quem tem fome:
    Arme-se em gravidade a Confraria,
    Vá consummar esta obra santa, e pia;
    Que disto inda se tira hum bom partido;
    O mais tudo he trabalho desluzido,
    Motivos de desordens, e de insultos,
    Indecentes tornando aquelles cultos;
    Porque destas funcções he raro o brinco,
    Em que não saião prezos quatro, ou cinco.

    He bem digno tambem de se notar
    Andarem hoje os pobres a cantar,
    De guitarra, ou viola má, ou boa
    Por todas essas ruas de Lisboa.
    Parece que festejão a pobreza,
    Ou que ella, lhes não dá muita tristeza!
    Eu bem sei o ditado, de quem canta,
    Seus males mais, ou menos sempre espanta;
    Mas co' a Musica, a fome não se cura;
    E he só (bemdito Deos) de que ha fartura!

    Portugal, Portugal, eu te lastimo!
    E de sentir comtigo não me eximo!
    Eu vejo velhos Pais cheios de vicios,
    Pondo os filhos nos mesmos precipicios.
    Co' os exemplos, que dão em casa, e fóra,
    Sem pejo, sem cautela, e sem melhora.
    Quando hum Pai deve ser (ou moço, ou velho),
    Da familia de casa hum vivo espelho;
    Mas se elle he o primeiro em se infamar,
    Como póde a seus filhos doutrinar!
    Filho houve já, que entrando no Oratorio
    Aos Padres fez primeiro hum peditorio:
    Que chamassem seu Pai, porque queria;
    Beijar-lhe a mão por fim, pois que morria,
    E que só acabava descançado
    Se fosse por seu Pai abençoado.
    Chegou o Pai gemendo, sem conforto,
    Em lagrimas banhado, e quasi morto.
    Então o filho, dando-lhe hum abraço,
    Desconjuntou-lhe os ossos do espinhaço,
    Dizendo-lhe: Receba o pago seu
    Da creação perversa, que me deo;
    Quando nos armazens se embebedava;
    Se tres cópos bebia, tres me dava;
    Humas vezes em paz, outras em guerra.
    Fazendo bordos hiamos a terra.
    Ás casas, em que jogo sempre havia;
    Levava-me na sua companhia;
    Eu pois n'hum vicio tal sempre embebido,
    Me vi por muitas vezes bem perdido;
    Jogava o que era meu, e mais o alheio,
    Até que já sem brio, e sem receio,
    Achando que de meu não tinha nada,
    Voltei-me para ser ladrão de estrada.
    Ficar deve em memoria esta lição,
    Que o bem, e o mal provém da educação.
    Banida deve ser da Sociedade
    Perdida, e viciosa mocidade:
    Bem como nas searas acontece,
    Que toda a herva inutil, que alli cresce,
    Pela raiz se corta, aos pés se deita,
    Por não damnar o grão, que se aproveita.

    Eu vejo a mocidade brava, e louca,
    Vaporando fumaças pela boca,
    Mostrando da doudice o sobrescrito
    No queimado xaruto por palito.
    Eu vi, não me contárão, isto he certo,
    Ir á Loja da Neve muito esperto
    Hum tafulão Gigante pela altura,
    Mas bem proporcionado na figura,
    Fumando com excesso de tal sorte,
    Que lançava da boca hum fumo forte:
    Pedio carapinhada, e foi fumando,
    Alimpando o suor de quando em quando,
    O fogo com a neve a hum tempo unindo,
    Pelo mesmo canal tudo embutindo:
    Sahia huma fumaça lá do centro,
    Hia hum gole de neve para dentro.
    Mas não posso acertar bem na razão
    Do fogo, e neve ter combinação!
    No que se alcança bem, sem muito estudo,
    Que hum taful tem guelas para tudo.

    Eu vejo rapazinhos enfeitados
    Mui bem nascidos, muito mal creados,
    Que ficão sem estudos, e sem bens,
    Tafúes de quarteirão a dois vintens,
    Com hum procedimento escandaloso,
    Envolto no calote attencioso,
    Que com boas palavras disfarçado,
    Depois de conseguido, he declarado.
    Não fallemos nas bellas qualidades
    De tomarem bastantes amizades;
    E nas casas de bem entrada tendo,
    Pouco e pouco se vão desenvolvendo,
    As innocentes filhas illudindo,
    Requestando, escrevendo, persuadindo;
    E ellas acreditando os rendimentos,
    Nas vozes, que se dão de casamentos,
    Com fantasticos teres, e promessas,
    Té irem de candêas ás avessas;
    Porque o pai presentio, a mãi espreita;
    Leva o Senhor fulano huma desfeita.
    E em este penetrando o contratempo,
    Cuida logo em mudar-se antes de tempo;
    E vai com esta mesma synfonia
    Dar Trevas para outra freguezia.
    Da má educação lhe provém tudo;
    Pais, que deixão seus filhos sem estudo,
    Ou não escolhem Mestres com recato,
    Porque só querem ir ao mais barato!

    Eu vejo huns fôfos Mestres de Collegios,
    Inculcando sciencia, e privilegios,
    Porém jogando a Ronda co' os Meninos
    Nas horas vagas dos seus bons ensinos;
    Que por estas razões bem se conhece
    Que entre tanto Collegio, que apparece,
    Não obstante haver Mestres a cardumes,
    Vão de mal em peior nossos costumes.
    Os rapazes mimosos de algum dia
    Apreciavão Musica, e Poesia,
    Séria Dança, discreta Sociedade,
    Mostrando sempre certa gravidade.
    Não digo que não ha inda hoje disto;
    Mas destas prendas poucos tenho visto.
    Hoje ha muitos tafues com outras prendas,
    Morgados de Pantana, mas sem rendas.
    Só presumpção de sabios tem comsigo,
    E obrigallos a lêr he hum castigo,
    Até parece já, por desvario,
    Que a muita discrição lhes faz fastio:
    Prezão mais hum cavallo, que ande bem,
    Que o melhor Livro, que hum Livreiro tem;
    E o que escapa de ter esta paixão,
    Vai a ser hum acérrimo Glotão
    Quer biffes a _lamoda_ de _planchetas_,
    Cabeça de vitella, e costeletas,
    A geléa da boa mão de vacca
    Que isto he que fortalece a gente fraca:
    Desmancha-se depois com misturadas,
    Em merendas, e outras patuscadas;
    Com ranchos de solteiras, e viuvas,
    Manda vir aves, hervas, ovos, uvas,
    Melancias, melões, maçãs, morangos,
    Nisto largão a penna os novos frangos;
    Donde a cólica vem, e a indigestão,
    Que, de fraqueza, os põe á Santa Unção:
    Julgão que tem estomago de ferro;
    Mas tarde a conhecer vem o seu erro:
    Depois de relaxados, sem vigor,
    E alguns co' seu raminho de estupor,
    Então com mais cautela se procura
    Onde a pinga haverá, que seja pura;
    Vinho de Lavradio, ou Carcavellos,
    Bucellas, ou Chamusca, vinhos bellos;
    Porque esta Livraria fortifica,
    A quem de ameijoadas[2] entisica.
    Entenda-me o Leitor, como quizer,
    No resto que a saude faz perder:
    E para o bom patusca[3] ter dinheiro,
    Vê se póde encontrar farto banqueiro.
    Assenta que he melhor, e lhe convém
    Partidas de lucrar algum vintem;
    Nascendo excessos taes, e tal doudice,
    Da escacez do dinheiro, que já disse,
    Huma escacez que faz damnos immensos,
    Que os calotes, e crimes traz appensos.
    Na gente má, ou boa, môça, e idosa,
    A penuria geral se faz penosa:
    Cada qual anda vendo o melhor meio
    De achar á sua casa algum esteio;
    E quando se vê muito desgraçado,
    Lança-se aos vicios já desesperado;
    Porque os tempos de muita Loteria,
    Sortes, rifas, e jôgo em demasia,
    São tempos de miseria, em cuja lida
    Se perde pouco e pouco o amor á vida.

    Eu vejo mil Bilhares por Lisboa,
    Outros tantos Cafés com gente boa,
    Rapazes gigantescos, e corados,
    Sem ter algum defeito de aleijados;
    Tem estes mocetões o mesmo gasto
    Pelas casas das Sortes, Neve, e Pasto;
    E as simples Legiões na sua alçada
    Apenas achão gente estropeada.

    Eu vejo alguns modernos falladores,
    Que em todas as sciencias são Doutores;
    Fallão de Leis, sem nellas se formarem,
    E de guerra, sem nunca millitarem,
    Mathematicos são por nigromancia,
    Porque nelles não ha senão jactancia;
    Com Filosofos querem ter parelha,
    Mas com Filosofia só de orelha;
    E com taes espertezas sem mais fundo,
    Resolvem pela sonça meio mundo.
    Se vão em Gabinetes discorrer,
    Sabem tudo o que ha feito, e por fazer:
    Nos governos dos Reinos dão pennada,
    Mas andão sempre em vida desgraçada;
    Não sabem governar a casa sua,
    E vão governar Reinos pela rua,
    Dando planos, fingindo descubertas,
    Pondo discursos vãos em regras certas,
    Mettendo de Latim palavras finas,
    Que mais parecem Mouras, que Latinas;
    Que a tanto os pantalões se deliberão,
    Quando nem _Musa musae_ conhecêrão.
    Mas se alguem, com razão, lhes vai ao fato,
    Em nada se tornou tanto apparato.

    Outros, vejo, que querem ser fidalgos,
    Por irem atrás delles, como galgos;
    E com justas, e herdadas Excellencias,
    Querem estes tambem ter preferencias,
    Enthusiasmados tanto na manía,
    Que não passão sem huma Senhoria;
    Por virem de Friellas, e Frieiras,
    Seus Avos de Melgaços, e Melgeiras,
    Que ainda destes fumos ha sinaes
    Em huma sege velha sem varaes,
    Que no canto da loja se conserva,
    Com hum brazão pintado, de reserva.
    Porém sempre he preciso ser mui tonto
    Quem não vê que hoje ha nisto algum desconto;
    Que altivos pensamentos, qualidades,
    Alicerces de antigas fatuidades,
    Hoje consistem só em ser herdeiro,
    Ou a torto, e direito ter dinheiro.

    Eu vejo papelões, que não passárão
    Das linhas para lá, nem encararão
    Sequer com o inimigo n'hum só ponto,
    Mas em tudo o que fallão vem hum conto
    Do muito, que soffrêrão pela guerra,
    Nadando em rios, avançando terra
    Com tal fome, que atrás de tres galinhas
    Os Pyrenéos subírão de gatinhas:
    Que depois lá n'hum choque, que tiverão,
    A hum batalhão Francez a morte derão;
    Que o do zabumba só livrou a pelle,
    Porque escapou mettido dentro delle.
    Destas, e outras basofias apparecem:
    Quando sabemos de outros, que merecem
    Hum eterno louvor, eterna fama,
    A quem a Patria dignos filhos chama,
    Portuguezes honrados, valorosos,
    Do inimigo terror, varões briosos,
    Que as cicatrizes mostrão pelo peito
    Com que attestão melhor quanto tem feito.

    Portugal, Portugal! eu te lastimo!
    Com pena de te vêr, meus versos rimo!
    Eu agora he que bem tenho alcançado
    Quanto de tudo estás necessitado!
    Pois perdeste a sciencia, engenho, e arte,
    Que te deo sempre fama em toda a parte.
    Hoje vejo o teu mal, que não melhora,
    Se tudo o que precisas vem de fóra.
    Tens nos Collegios Mestres Estrangeiros,
    Tens de muitas Nações cem mezinheiros,
    Que com pós, e com balsamos subidos
    Vão as bocas limpando aos presumidos;
    E ainda não se dando por contentes,
    Té nos querem levar da boca os dentes;
    Equilibrios, Balões, e Peloticas,
    Urso, e Macacos com trezentas nicas,
    Figurinhas gesso, outras de cera,
    Nynfa, que n'harpa em dedilhar se esmera;
    A Menina, que falla pendurada,
    A boa Dançarina escripturada,
    Que hum par de mil cruzados vem buscar;
    E nós he que ficamos a dançar!
    Outra, que tem a voz quasi divina,
    Como já se chamou á Zamparina;
    Outro, que engole espadas brancas, pretas,
    Como nós engulimos estas petas;
    E outras mil subtilezas deste lote;
    Vistas de praça, ou sala, ou camarote,
    Com armadilhas taes vem esta gente
    Na vagante esperar a grossa enchente,
    E carregando vão, como as formigas,
    Quanto podem tirar destas fadigas!
    Só Portuguezes nunca tenho visto,
    Que vão aos outros Reinos fazer disto.
    Estrangeiras Modistas se apresentão,
    Com letreiro á janella do que inventão;
    Que as Modistas de cá, bem que trabalhão,
    Á vista das de fóra já não calhão.
    A si se accolhe o pobre aventureiro;
    Porque lhe basta o nome de Estrangeiro,
    Para abrir loja, e ser afortunado.
    Veio do seu paiz esporeado,
    Chegou aqui, poz loja de vestidos;
    E ficão os tafues mui bem sortidos.
    Tem fato para magro, e para gordo,
    Té desapparecer, pondo-se a bordo:
    Caridade em tal gente sempre luz,
    Pois vem a Portugal vestir os nús.
    Mas dizem muitas lingoas mal dizentes
    Que elles não vestem; vem despir as gentes.
    Nada tem escapado, ou esquecido,
    Para o metal, que tinhas, ser sumido.
    Nós gememos em quanto os outros luzem;
    Té barricas de pinos se introduzem;
    Porque o pino de fóra, por mais duro,
    Deixa o tacão mais forte, e mais seguro.
    Se até vejo substancias combinadas,
    Nos paizes estranhos preparadas,
    Para pôr bom cherume nas panellas,
    E fazer hum bom molho ás cabidellas:
    E disto haverem lojas em Lisboa,
    Que por caixeira tem Madama Grôa!
    Eu inda espero vêr na Barra entrados
    Navios com almoços já temp'rados;
    Que ha de ser huma cousa bem acceita
    Vir já prompto o Café, torrada feita!
    Porém nós he que disto culpa temos,
    Porque de nós apreço não fazemos.
    Até he riso vêr, termos trocado
    O traje, que entre nós foi sempre usado,
    Pelos trajes de todas as Nações,
    Que abandonão çapatos, e calções.
    Nem a meia comprida já governa,
    Anda dentro da bota nua a perna,
    Como eu a boa gente tenho visto;
    Os Mouros pouco mais fazem do que isto.
    Vejo entrar em lugares mui sisudos
    Velhos, e moços, quaes pintos calçudos,
    Pantalonas; polainas de Galegos;
    Só resta usarem calças, como os Gregos.
    Confessemos que he este o nosso fraco;
    Que arremedar he o uso do macaco.

    Eu vejo pela classe dos Livreiros
    Lucros tirarem só os Estranjeiros.
    Que direi de Edições, que vem de fóra?
    Façamos aqui pausa por agora.
    Só sei que a mocidade, com deleite,
    Bebe em taes livros venenoso leite;
    E os Livreiros de cá postos ás moscas;
    Que as obras Portuguezas são mui toscas;
    O sainete não tem, nem a belleza,
    Que mostra qualquer obra, se he Franceza.
    Arte de cortar callos sem tisoura,
    Modo de conservar a barba loura,
    As Cartas de Madama Patulher,
    A Novella da Meza sem Talher:
    Instrucções, e Preceitos de Dentistas,
    Invento de crear galos sem cristas.
    O caso he ser Francez o tal livrinho,
    Que he da meza d'agora o melhor vinho.
    Livreiro Portuguez apenas vende
    Cartas, por onde o A, B, C se aprende,
    Bilhetes, com que Boas Festas damos,
    Outros de Enterro, que he que mais gastamos,
    Letras de Cambio, Pautas, Taboada,
    Roteiros de Pilotos, e mais nada.
    Parece que ninguem já hoje estima
    Composições em Prosa, nem em Rima.
    Acabou todo o gosto da Leitura,
    Tudo vejo mudado de figura.
    Nas obras, que se imprimem, (não se crê)
    Ha tal, que assigna, accoita, e não as lê!
    N'hum destes o trabalho se perdeo,
    Que não póde achar gosto ao que não lêo.

    Portugal, Portugal! tu tens comtigo
    Immensa gente, de quem és abrigo,
    Que devendo-te mil obrigações,
    Mostrar-te sabem só ingratidões.
    A primeira, que vejo praticar-se,
    He nada, do que he teu, hoje estimar-se.
    Fabricantes de cá morrem de fome;
    A sedinha estrangeira he que tem nome.
    Não valem nada Artistas Portuguezes;
    Os de fóra são só as boas rezes.
    As obras do Paiz não são perfeitas,
    Não tem fama, ou valor, são mal acceitas;
    Mas a quinquilheria de armação,
    Se he de fóra, tem logo estimação,
    E serve para o luxo, e para a moda,
    Que Damas, e Tafúes tudo se engoda
    Com estas bugiarias de tecidos
    De pedraria falsa, ouros fingidos;
    Té vemos entre tantas bagatellas
    Os Mouros com caixotes de chinelas,
    E tão bem feitas como os seus narizes,
    Que bem mostrão ser obra de aprendizes.
    Todos tem aqui seu manancial,
    Até ficarmos todos sem real.
    N'outro tempo hum Fidalgo desta Côrte,
    Homem de bom pensar, e de bom porte,
    Puxou por huma caixa rica, e boa,
    Feita por certo Ourives de Lisboa.
    Todos os circumstantes, que se achavão
    Sentados ao jantar, vendo-a, pasmavão
    Por tanta perfeição, lavor, e arte,
    Que se lhe descobria em toda a parte.
    Na mente de ser obra estrangeirada,
    Foi por todos a caixa elogiada.
    Logo o dono da casa mui gostoso,
    Porque ficasse o Ourives mais famoso,
    Conhecer mesmo alli a todos fez
    Mão d'obra ser de Ourives Portuguez.
    Apenas semelhante voz se larga,
    Como quem prova cousa, que lhe amarga,
    Hum notava d'alli certo defeito,
    Outro lhe achava falta de preceito.
    Então o bom Fidalgo decisivo
    Os reprehendeo dizendo: Eis o motivo,
    Porque a nossa Nação tanto padece,
    E entre as outras Nações nunca florece;
    Nós he que assim fazemos desgraçados
    Homens, que devem ser eternizados;
    E estes devem queixar-se com razão,
    Vendo dos seus o premio, que lhes dão.

    Portugal, Portugal! eu te lastimo!
    Porque sou próle tua mais te estimo!
    Pois não entro no rol das almas fracas,
    Que a tudo, e a todos vírão as casacas!
    Eu vejo formigueiros de usurarios,
    Que vão muito subtís por modos varios
    Movendo sagazmente a real mola,
    Até tudo ficar pedindo esmola.
    Some-se pouco a pouco o numerario,
    Todos vão lendo o mesmo breviario;
    Para a vida mui poucas cousas bastão,
    As superfluas são as que mais gastão;
    O luxo, os appetites, as vaidades,
    A grande emulação das amizades:
    Só porque usa Fulana, e traja assim,
    Querêllas desbancar he logo o fim:
    Isto em todas as cousas se está vendo,
    Donde nasce o calote, e empenho horrendo;
    Que inda vendo que os lucros não acodem,
    Todos querem fazer mais do que podem:
    Por isso hoje bons trastes são vendidos,
    Que se herdárão de Avós mais comedidos;
    Se estes das sepulturas resurgissem,
    Talvez ficassem doudos do que vissem!
    Destruindo-se assim, sem reflexão,
    Cousas que tinhão tanta estimação;
    Que antes do que as penhoras as escalem,
    Vão pela terça parte do que valem;
    E ainda compradoras custa a achar,
    Porque todos estão a jejuar.
    Grande cousa he viver hoje demente,
    Para não dar valor ao que se sente!
    Inquietações, costumes, tempo, e mundo,
    Tudo atira c'os os homens para o fundo
    Porque por mais que nadem na desgraça,
    Velhice, Doença, e Morte, os ameaça:
    No que passamos, temos o presagio
    De ninguem escapar deste naufragio:
    Porém no mar dos damnos a tormenta,
    Nem o Ceo, nem a terra he que a fomenta:
    Huns aos outros nós mesmos atormentamos,
    Com coração de bronze, flagellamos:
    Só o proprio interesse he que nos guia
    E pene quem penar nesta ingrezia.
    Assim dando se vai cabo de tudo,
    Té acabarmos todos em agudo:
    Todos vamos ficando como espetos,
    Em tristes descarnados esqueletos,
    Huns de calvas á mostra, outros tapadas,
    Que a urgencia faz cabeças escalvadas;
    Seguem-se os estupores, e malinas,
    Paralysias, mortes repentinas.
    Nunca vi tantos homens com achaques
    Pelas repetições destes ataques.
    Nestes tempos só vive satisfeito
    O homem de baixa esfera, porque o peito
    Não toma nem fortuna, nem desgraça;
    Com o pouco, que tem, com isso passa;
    Pois não pezão sobre elle obrigações
    De familias com certas sujeições.
    O homem de bens, de honrados sentimentos
    Vive sem ter resurça hoje em tormentos;
    Vive, mas hum viver apouquentado,
    Com a fome, e miseria sempre ao lado.
    Porque hum pai de familias com despeza,
    Vendo os recursos todos em fraqueza,
    Se nas faltas, que sente, mais discorre,
    Chora, pasma, esmorece, abate, e morre.
    Ora seja em desconto de peccados,
    Irmos todos á cova entisicados!
    Para não carregarmos aos irmãos,
    Que andão tambem (coitados!) pouco sãos.

    Eu vejo cambiar, vender dinheiro,
    Que põe quem compra, e vende de poleiro;
    E os pobres opprimidos, arrastados,
    Que estes são quasi sempre os cambiados.
    E pegou em Lisboa o novo officio,
    Com a capa de ser hum beneficio:
    Tudo especulações destes Senhores
    Compassivos, civís rebatedores,
    Que pudérão achar seguro meio
    De mostrar não querer suor alheio;
    Porque _in verbo_ papel a conta he justa,
    Pois o vendem por menos que lhes custa;
    E mostra na consciencia ser exacto
    Quem compra caro, e vende mais barato.
    Disto nossos Avós nunca tiverão;
    Forão-se, não sabendo o que perdêrão.
    Parece que por manha, ou por estudo,
    Se esconde o ouro, e prata, cobre, e tudo,
    A fim de com tal fome, e taes empates,
    Não se acabar a praga dos rebates.
    Lembro-me que na minha mocidade
    Tinha o dinheiro a mesma validade;
    Hoje o Papel Moeda dominante
    Sempre o recebo em quarto minguante;
    Pois se em metal o quero vêr tornado,
    Logo he por _manos limpias_ maquiado.
    Porém do mal o menos, feliz eu,
    Se alcançasse em Papel tudo o que he meu.
    Se o dinheiro se vende assim patente,
    Tambem se vende gente á mesma gente.
    O Commercio afrouxou, todos se chorão,
    Vendo que de fortuna não melhorão.
    Tem atacado a Praça em viva guerra
    Tantos Piratas, que ha por mar, e terra.
    São entre nós fazendas genuinas.
    Chinelas, suspensorios, lamparinas,
    Papeis de castiçaes, graixa a tostão,
    Caixas de obrêas, bolas de carvão.
    As escôvas, que dão lustros mimosos,
    Porque inda não estamos bem lustrosos.
    Só nisto he que se faz algum negocio,
    Tudo o mais pede chuva posto em ocio.

    Eu vejo homens hypócritas tratando
    Negocios de ir os outros depennando
    Com fallas divinas, astutas manhas,
    Com Deos na boca, e o demo nas entranhas.
    Não querem encarregos para a morte,
    Por isso se regulão desta sorte.
    He desta gente o calculo seguinte;
    Tudo que vale cem, comprar por vinte.
    Alminhas boas, que andão entre nós!
    Que do dinheiro são sempre hum cadoz.
    Eu rio quando vejo estes beatos,
    Sanguisugas, e esponjas de contratos;
    De olhos meios fechados a fallarem,
    Até os seus int'resses ultimarem;
    Mas depois dos ajustes serem feitos,
    Abrem os olhos tortos, ou direitos,
    Ora pondo-os no chão, ora no Céo,
    Que este he da hypocrisia o grande véo:
    Té que lhe chega ás vezes neste estudo
    Revéz, em que o diabo leva tudo.

    Portugal, Portugal! eu te lastimo!
    E quando te analyso, desanimo!
    Destes estratagemas, e usos novos
    Provém os muitos damnos dos teus Povos,
    Eu vejo certos homens presumidos,
    E nos cargos, que tem, tão embebidos,
    Que por viverem fartos sem desgraça,
    Assentão que são feitos de outra massa,
    E mostrão se a fallar todos inchados,
    Que parecem perús enchouriçados,
    As palavras soltando, como Oraculo,
    Decidindo por si em todo o obstaculo:
    Tratando os que lhes são inferiores,
    Com soberba, impostura, e dissabores,
    Sem verem que huma falla mais ardente
    Dobra o flagello ao triste dependente;
    Que tem de hum bom Despacho a qualidade
    A resposta civil de humanidade.

    Eu vejo homens de grandes ordenados,
    Que fazem os dos outros ser quartados;
    Os que elles tem, sempre achão ser pequenos,
    Mas querem que o dos outros fique em menos;
    Que o triste pão, que o empregado come,
    He que augmenta a despesa, e que faz nome;
    Mas o que elles desfrutão inda occulto
    He huma bagatella, não faz vulto.
    Não maculo ninguem, porém ha disto,
    Como eu por muitas vezes tenho visto.
    Isto com alvo certo não se entende;
    Quem tiver este vicio, que se emende,
    E singular fazer-se não intente
    Á custa do flagello da outra gente.

    Eu vejo té nas mesmas Irmandades
    Disputarem-se em meza qualidades;
    E nos públicos actos distincções,
    Como se a Deos servissem gerações;
    Quando a Igreja é a Mãi do rico, e pobre,
    Do velho, e moço, do plebéo, e nobre.
    Porém assombrar isto me não deve;
    Se ha Juiz de irmandade, que se atreve
    A separar na Igreja o challe, e a manta
    Da capa e lenço; isto mais espanta.

    Eu vejo gente mui temente a Deos,
    Que até quer penetrar segredos seus.
    Prognosticando está tremor de terra,...[4]
    Bem como se o tremor fosse huma guerra,
    Que os homens entre si movem, se querem,
    Só pelos seus caprichos defenderem.
    Se o Repertorio désse hum tremor certo,
    Tinhamos hum Profeta descuberto;
    Que os fundos mineraes em quem bem pensa,
    Pódem casar co' os astros sem dispensa;
    Nem Deos castigo algum ao mundo envia
    Por calculos geraes d'Astrologia.
    Mas he para pasmar vêr que houve gente
    Tão crédula, tão frouxa, tão demente,
    Que para o campo grande se ausentava
    Com susto do tremor, que se esperava!
    Como se taes estragos, e ruinas
    Houvessem de ter vesp'ras, e matinas.
    Com effeito o tremor foi grande assumpto
    Para gente, que espera inda hum defunto.
    Em fim houve no campo nova feira,
    Onde a gente passou a noite inteira
    Em huma companhia historiada.
    A noite das fogueiras em Almada
    Não se passa com mais satisfação!
    Foi huma noite mais de São João!
    Com medo do tremor, que não havia,
    Na vespera fugião já de dia
    Para o campo lindissimas mochachas
    Com os seus taboleiros de bolachas.
    Homens de quartas de agoa se ajuntárão,
    Que apezar do seu medo, inda lucrárão.
    De guitarras sómente havia falta,
    Que he com que nas Gavotas mais se salta.
    Não se fazia Terço, ou Oração,
    Porque o susto pôz tudo em confusão.
    Se viesse instrumento, tarde, ou cedo,
    Perdião as meninas mais o medo.
    De acabar com os homens já são horas;
    Vamos ajustar contas ás Senhoras.

    Eu vejo o luxo as bolsas devorando,
    E as Fabricas estranhas sustentando,
    Pondo a nossa Nação empobrecida
    Co' appetite das modas illudida.
    Cada mez huma cousa de outro gosto,
    Que a maridos, e pais lhes dá de rosto.
    E as tafulas cahindo a todo o risco,
    Bem como o passarinho cahe no visco:
    Vestidos de magnifico valor,
    Chailes, e mantas de mimosa côr.
    Muitas diversidades de filós,
    E outras taes tentações: pobres de nós!
    Eu vejo muita cousa vir de França,
    Enfeites, que de os vêr a vista cança;
    Té cabelleiras vem para Senhoras,
    A quem as calvas são mui devedoras,
    Feitas de coifa elastica, e mui preta,
    Com hum monête, em ar de maçaneta:
    Porém estes modernos penteados.
    De cabellos puxados, repuxados,
    As cabeças vão pondo em tal figura,
    Que fazem seja calva a formosura.
    De França nos vem outra corriola,
    De que usão as Senhoras como estola:
    He numa tira elastica de rufos,
    De espaço a espaço tem tambem seus tufos,
    E chamão-lhes da moda as inventoras
    Os modernos caprichos das Senhoras:
    Custão a tres mil réis, outros a mais;
    E assim com estas cousas, e outras tais,
    Vem o sagaz, e o lepido estrangeiro,
    A trocar aqui trapos, por dinheiro.
    Resta virem de França bem bordados,
    Elasticos cueiros perfumados,
    Que ha de ser hum aceio bem acceito
    Para tanta criança que ha de peito.
    A filha da arrastada vendedeira
    Quer trajar á fidalga, e ser primeira.
    Leiteiras, e outras taes eu tenho visto,
    Que de todas as modas são hum misto;
    Atrás de hum burro de ceirão cançadas,
    De rufos, e de folhos enfeitadas,
    Que vão com estas vãs tafularias
    Vendendo leite, nabos, melancias;
    Mas no que esta gentalha tem errado
    He não conhecer bem o seu estado;
    Querendo co'a mais louca presumpção
    Huns, e outros mostrar o que não são:
    Procedendo huma tal desigualdade
    Da falta de juizo, e honestidade.
    E porque não ha nisto meio termo,
    Te vejo, Portugal, bastante enfermo!
    Da fórma que isto indico, não insulto;
    Mas póde percebello o mais estulto.

    As nossas circumstancias, nosso estado
    Pedem hum viver hoje acautelado.
    Os tempos para o rico, e para o pobre
    Já são de pouca prata, e muito cobre.
    Ninguem póde fazer hoje thesouro,
    He hum milagre o vêr quartinho em ouro:
    Muito faz quem com boa economia
    Se sustentar hum dia, e outra dia;
    Que se entrudos fizer amiudados,
    Ha de ter muitos dias de finados.
    Luxo na mêza, luxo no vestido,
    Pelas funções hum luxo desmedido,
    No fim se lhe acha o erro que desgosta;
    Por isso tantas náos tem dado á costa!

    Eu vejo reviver nos nossos dias
    Das velhas as ridiculas manias
    De verem cousas más, pregando peças,
    A pedir Missas, a ultimar Promessas,
    Deixando-as as visões, que lhes fallárão,
    Tão doentes do susto, que mamárão,
    Que se queixão de dores nas barrigas,
    Talvez por hemorroides, ou lombrigas.
    Huma diz que observou, outra que vio,
    Outra que até na cama lhe bolio.
    Ha pouco em certa casa huma donzella
    Levantou por medrosa huma balella,
    Porque sentio á roda do seu leito
    Andar hum ermitão muito direito.
    Logo huma desdentada velha tia
    Respondeo, que de noite ella sentia
    Jogar-se pela salla muito a bola,
    E outras vezes tambem tocar viola:
    Que guardava comsigo este segredo,
    Porque a familia não tomasse medo.
    Acudio a criada delampeira,
    Levantando na casa igual poeira,
    Dizendo que ella vio na chaminé
    Hum pretinho pequeno posto em pé:
    Que vira fora de horas na cosinha
    A cantar, como gallo, huma gallinha,
    E que lhe forão pôr o seu capote,
    E côco de esfregar dentro do pote.
    Mas tudo isto fazia hum tal criado,
    Que andava da criada namorado;
    Porque o dono da casa com disfarce,
    Macaco velho, por desenganar-se,
    Foi-se na carvoeira introduzir
    De noite, sem ninguem o presumir;
    E vendo na alta noite bem a fundo
    Duas almas, que inda erão deste mundo,
    Que era o moço co' a moça conversando,
    Ao encontro sahio, mas perguntando:
    Que querião d'alli, ou a que vinhão?
    Ou se restituições algumas tinhão?
    Que trazia hum arrocho exp'rimentado,
    Para lhes acabar aquelle fado.
    E depois de molhar a sua sopa,
    Impoz pela manhã, com vento em pôpa,
    As duas cousas más, e nesse dia
    Á familia pagou igual quantia.

    Tambem em Campolide hoje acontece
    Hum caso, que aos das velhas se parece.
    Pois houve hum pobre alarve, que morrêo,
    E a seu filho em fantasma appareceo,
    Determinando a venda de huma vacca,
    Para pagar o panno da borjaca,
    Que escava ao mercador inda devendo,
    Por cuja causa andava padecendo.
    O filho foi fallar-lhe, por esperto,
    Porém veio de lá de horror cuberto;
    Cahio na cama trémulo, e doente,
    Que inda concorre a ir vêllo muita gente.

    As cousas más serão cousa mui boa,
    Huma vez que appareção por Lisboa;
    Porque havendo nas casas esta fama,
    Foi-se dos Senhorios a derrama,
    Que vão a excesso tal subindo a renda,
    Que não ha já com casas quem se entenda;
    E se o inquilino pede huma equidade,
    Tirão-lhe seis tostões por caridade.
    Porém motins de noite nos sobrados,
    Fantasmas de lençoes pelos telhados,
    Deitada a fama destas pataratas,
    Só assim se acharão casas baratas.

    Eu vejo das Tafulas a mania
    No luxo, com tão grande bizarria,
    Que parece, que perdem da lembrança
    Da vida á morte a funebre mudança;
    Engolfadas na moda dos vestidos,
    Nas guarnições, nos fôlhos, e franzidos,
    Não lhes vem hum instante ao pensamento
    Da guerra, fome, e peste o abatimento.
    Quem vê, que pelo mundo ha destes p'rigos,
    Deve temellos mais, como castigos
    Das vaidades, caprichos, soberbias,
    Desmazelos, excessos, fantasias;
    E pôr a tanto luxo hum meio termo,
    Que serve de enfeitar hum corpo enfermo.
    O tempo em consumir-nos he veloz,
    Não respeita Toukins, Rendas, Filós;
    He preciso pensar, com seriedade,
    N'um tempo de huma tal calamidade!
    Reformando-se vidas, e costumes,
    Que este tempo não he de antigos Numes,
    Huns fabulosos Deoses, que illudião
    Os povos, que a seu gosto he que os fazião.
    Vigia sobre nós a MÃO ETERNA,
    Que nos castiga, ampara, e nos governa;
    Escandaliza aos olhos da razão,
    Tanta desenvoltura, e perdição.

    Tocando nas que são de baixa esfera,
    Esta gente tambem não se modera;
    Raparigas de brutos o retrato,
    Nutridas só, de vicios, sem recato,
    Criadas sem algum regulamento,
    Nem querem trabalhar para o sustento;
    Não buscão de servir decentes meios,
    Não querem aturar genios alheios;
    Quando muitas, que em casas tem servido.
    Fortunas tem achado, e bom marido;
    Mas querem exceder os seus limites,
    Sustentar luzimentos, e appetites,
    Nos péssimos int'resses embebidas,
    Se fazem desgraçadas, e perdidas,
    Máos exemplos de Mãis, Pais inhumanos,
    He que põem estas tristes em taes damnos;
    A Mãi, que a filha achar por manha tonta,
    Huma tunda lhe dê, por minha conta.

    Vejo muitas Senhoras pela rua,
    Como se andassem pela casa sua,
    De sáia, e de jaleco sem mais nada,
    A cabeça composta de palhada,
    Na mão o indispensavel, n'outra o leque,
    Andando como doudas, téque téque:
    E isto sempre com tal desembaraço,
    Que hum passo não alcança o outro passo.
    Sem chaile, manta, capa, nem capote,
    Tendo a desenvoltura por hum dote:
    Perdida assim aquella gravidade
    Das sérias Portuguezas d'outra idade.
    Não digo, nem direi que he uso em todas
    Os excessos ridiculos das modas,
    Inda ha muitas familias commedidas,
    Honestas, sérias, graves, bem regidas.
    Fallo da que na rua encontro só,
    Sem Mãi, tia, cunhada, nem avó:
    Bem como a expatriada taverneira,
    Que partio do seu reino aventureira,
    Para pôr em Lisboa em qualquer parte
    Tasca com hum fogão, e hum estandarte;
    E que sem mais decencia, nem reparo,
    Vai ás praças comprar o seu preparo,
    Com vestido de chita, nús os braços,
    Touca de folhos liza, ou com seus laços.
    Por isto os homens todos mais se atrevem,
    Quando fallando estão, ou quando escrevem
    Contra hum sexo, que sempre foi perfeito,
    Mas que em parte vai tendo algum defeito
    Nos trajes, que adoptou á estrangeira,
    Com a capa de ser tudo á ligeira.

    Ah mantos, mantos! tempo abençoado,
    Em que tudo se via respeitado!
    Inda que ouço dizer a alguns espertos,
    Que os olhos estão hoje muito abertos.
    Tomára perguntar-lhes: Que tivemos
    Desta grande esperteza, que hoje vemos?
    Andarem raparigas pelas praças
    De noite, e dia expostas a desgraças?
    Mãis, e filhas chegando a tal estado,
    Que não temem do mundo o máo olhado?
    Agourar os cometas, que apparecem?
    Vêr Balões, que no ar desapparecem?
    Não dar credito a nada, que se lê;
    Porém dos Repertorios fazer fé?
    Viver de muitas tramas, e illusões?
    Usar-se pantalonas por calções?
    O cabello sem pós, chapéo redondo?
    Fallar, sem fundamento, com estrondo
    Nos Barcos de vapôr, e seu destino?
    No rapé ordinario, grosso, e fino?
    Não me devo metter n'outras materias;
    A decencia me pede lhes dê ferias.
    E viviamos nós tão atrazados?
    Traziamos os olhos bem fechados!
    Porém não sei de que he que quando havião
    Esses olhos, que d'antes não se abrião,
    Havia a boa fé, humanidade,
    Consciencia, moral, honestidade,
    Nos Officios Divinos devoção,
    Sério, respeito, boa educação:
    Disto nascião genios de ternura,
    Juizo, compaixão, amor, candura;
    Hoje notão-se, como raridades
    Encontrarem-se destas qualidades.
    Por todo o mundo espiritos inquietos
    Andão-se levantando como insectos,
    Não abração a paz, nem o socego,
    O de olhos mais abertos anda cego,
    Sendo desta mania o fim primeiro
    O saciar de sangue, e de dinheiro.

    Portugal, Portugal! eu te lastimo,
    Porque he tudo verdade quanto exprimo!
    Eu vejo homens casados namorando,
    Que se vão por solteiros inculcando;
    Ás mulheres dos mais arrastão aza,
    E ardem se o mesmo mal lhes vai por casa,
    Sem se lembrarem que estas influencias
    Trazem comsigo tristes consequencias,
    E que fazer aos mais nunca devemos
    O que para nós outros não queremos.

    Eu vejo huma menina das d'agora,
    Que por casar não quer estar hum' hora,
    E que inda que naufrague, e vá ao fundo
    Parece-lhe fugir-lhe já o mundo;
    Que até já de doze annos vejo muitas
    Fazendo aos chichisbéos certas perguntas,
    Dirigidas sómente a casamento,
    Que ás vezes se converte n'hum tormento;
    Quando algum dia poucas se casavão,
    Em quanto os dezenove não contavão.
    Mas que ha de ser, se a mãi de pequeninas
    Quer que pisquem os olhos as meninas!
    E fica por gracinha da criança
    O saber namorar muito em lembrança.
    Com esta educação se desenvolvem,
    Té que de graça a sério se resolvem,
    E sem que esperem ser fruta do tarde,
    Vão sujeitar-se ao jugo (Deos as guarde.)

    Eu vejo certos genios de Senhoras,
    Que variando estão todas as horas,
    Muito doudas no modo de pensar,
    Por isso bem não podem acertar.
    Se adormecem mui fixas n'hum intento,
    Acordão já com outro pensamento:
    Fazem desta inconstancia mesmo alarde,
    O que são de manhã, não são de tarde.
    Em muitas se descobre este defeito,
    O qual tomão os homens muito a peito;
    Porque não sabem, vendo esta incerteza,
    Quando a mulher he falsa, ou tem firmeza,
    Quando zomba, entretem, ou falla serio,
    Ou se anda louca, de juizo aério.

    Vejo algumas de genio impertinente,
    Que postas a fallar matarão gente
    Com gritos, que se mettem nos ouvidos,
    Que muitas ensurdecem os maridos.
    Surdos devião elles todos ser,
    Para o luxo das filhas, e mulher,
    Prendas, e dotes n'huma Dama boa
    No luxo não estão, sim na pessoa.
    Nossas avós, que em moças se casárão,
    De luxo com excesso não usárão;
    E se alguma comsigo mais gastava,
    Lindas sedas do Reino he que comprava:
    Das quaes, inda depois de ser usadas,
    Se fazião cubertas aceadas;
    E não podre filó com bordadura,
    Que tres, quatro lavagens só atura,
    Comprado por hum mimo rico e guapo,
    Que no fim de seis mezes he hum trapo;
    E o dinheiro a cahir pela invenção,
    Apezar da barriga não ter pão.
    Luxo no frontespicio he que apparece,
    Em tudo o mais pobreza se conhece.

    Tambem do compromisso he a partida:
    E porque a gente seja bem servida,
    Vêm o opio do chá tambem por luxo,
    Ou agoa quente de enxagoar o buxo;
    Que não passando de agoa, e de fatia,
    Leva hum par de tostões: quem tal diria!
    E para que se bote a conta a tudo,
    Vamos vêr o que leva por miudo.
    Aparelho aceado, igual bandeja,
    Porque o brio da casa alli se veja:
    Perola, Aljôfar, ou Hisson, e Uxim;
    Carvão, manteiga, e assucar não ruim;
    Criadas de trazer, e de levar;
    Agoa a ferver até isto acabar.
    Anda a Dona da casa sem descanço
    Dando por toda a copa o seu balanço;
    Se de humas cousas tem, ha de outras falta;
    No aparelho o gatinho ás vezes salta;
    O estrondo, que elle faz, ouve-se fora,
    Parte á cozinha em sustos a Senhora:
    Vê seis, ou sete chavanas quebradas,
    E por desgraça são das emprestadas.
    Dá co'hum páo na criada, e mais no gato;
    Põe-se a moça a chorar, juntando o fato.
    Este o risco, este o trem, he esta a lida,
    Para pão com manteiga, agoa fervida!
    Ah tempos, tempos! Como estaes mudados!
    Onde estão as merendas dos estrados?
    Onde a crespa salada, e a ella junto
    O saboroso paio, o bom presunto?
    Perdeste, Portugal, costumes taes,
    E com elles perdeste os cabedaes!
    Querendo só com chá em abundancia,
    Que he tudo fórma, e nada de substancia,
    Crear todo o vigor, de que careces
    Nestas enfermidades, que padeces.

    Vejo tambem Senhoras mui teimosas,
    E nas teimas, que tem, tão caprichosas,
    Que por levarem só a sua avante,
    Levantão testemunhos n'hum instante.
    Accelerão-se, gritão, e esbravejão,
    Só porque accreditadas melhor sejão.
    Se alguem as desmentio, temos historia,
    He offensa, que fica de memoria;
    Porque quem commetter tal attentado,
    Conte ficar por ellas mal olhado;
    Que huma mulher tem tanto de extremosa,
    Compassiva, amoravel, carinhosa,
    Como tem de raivosa, e vingativa,
    Delirante, indomavel, cega, e altiva,
    Se offendida se vê, ou tem ciume,
    Parece que dos olhos lhe sahe lume,
    E n'hum tal frenesi a pobre cai,
    Que d'alli a morrer mui pouco vai.
    Tambem as modas lhes vão dando a morte;
    Pois vejo-as em Janeiro áspero, e forte,
    De panninho, e de chitas armadinhas,
    De caças, de filós, ou de sedinhas:
    De dia em dia passão constipadas,
    Por isso vemos tantas descoradas,
    Com dôr de peito, com tossinha secca,
    Com pertinazes dores de enxaqueca.
    O homem no anno tem quatro estações;
    As Senhoras não tem senão verões.
    Elles abafão-se, ellas põem-se á fresca;
    Que he quando o reumatismo mais se pesca.
    Algum dia o baetão, panno, ou veludo
    Da Senhora era o trajo mais sisudo,
    Com que de inverno andava reparada
    Dos grandes frios, e áspera geada;
    E inda, além de ser isto uso decente,
    Raras vezes se via huma doente,
    Hoje agoas ferreas, ares de Bemfica,
    Banhos de mar, remedios de botica,
    Vão as Senhoras pondo em tal frescura,
    Que vão fartas de fresco á sepultura.

    Ora pois, Portugal, eu te lastimo!
    E só para teu bem he que te intimo,
    Visto haver já mui pouco quem te entenda,
    Que tenhas nos abusos mais emenda.
    Quem a qualquer faisca acode logo,
    Não vê arder em casa hum grande fogo.
    Talvez por eu dizer isto, que sinto,
    Apezar de saber-se que não minto,
    Muita gente dirá que cuide em mim:
    Que deixe Portugal, e o Mundo assim;
    Que por mais que me empenhe na reforma,
    O Mundo não se afasta desta norma.
    Eu isso lhe concedo, não lho nego;
    Porém se em verso, e prosa assim lhe prégo,
    He para no sermão fazer-lhe certo
    Que o sei conhecer bem, e bem de perto.

    E tu, ó Portugal, se inda te illudes,
    Os vicios confundindo co'as virtudes,
    Enlevado na moda, e nos abusos,
    Esquecido dos teus antigos usos,
    Filosofias novas não abraces,
    Com estes modernismos não te enlaces;
    Modifica os costumes, que te arrastão,
    Que inda o pouco, que tens, isso te gastão:
    Faze que resuscite de huma vez
    O honrado, e bom caracter Portuguez:
    Faze que as Bellas Letras possão inda
    Mostrar aos nacionaes a face linda,
    Que raiando de novo, como a Aurora,
    Dêm aos genios enfermos a melhora.
    E talvez possa então a mocidade
    Criar-lhes mais amor, mais amizade;
    Que n'hum espasmo tal, nesta inação
    De tão perniciosa educação,
    A tudo, quanto he bom, se perde o gosto,
    Nem de hum livro se lê sequer o rosto.

    A mesma encantadora alta Poesia
    Appreço já não tem, como algum dia:
    Então era por todos estimada;
    Hoje está, como tudo, desgraçada.
    Feliz tempo de antigos Portuguezes!
    Camões, Sá de Miranda, Sá Menezes;
    Hum Castilho, huns Andrades, hum Ferreira,
    Castro, Teive, Bernardes, e Silveira;
    George de Monte-Mór, Franco Barreto,
    Do almo Virgilio Traductor completo;
    Candido Lisitano Mestre da Arte,
    Hum Bacellar, que em meu louvor tem parte;
    Hum Matos Traductor do grande Tasso,
    Educado das Musas no regaço;
    Homens de gosto, de arte, e natureza,
    Honra da Lingoagem Portugueza!
    Nos escriptos de então se descobria
    A sentença, a doçura co' a harmonia.
    Mais proximos a nós muitos respeitão
    Outros mil, cujas obras nos deleitão:
    Hum Tarouca, hum Penalva, hum Ericeira,
    De quem a alada Fama he pregoeira;
    Hum Gregorio de Matos bem sabido,
    Hum Alexandre, hum Pinto Renascido,
    Frei Simão, nos seus versos implicado
    Com este Renascido mal fadado;
    Hum Lobo Leiriense, Cunha, e Pina,
    Hum Padre Bras, que em graça não declina;
    Hum Duarte Ferrão muito erudito,
    Que produzio o Metrico Palito;
    (Se delle o proprio nome este não he,
    Conheça-se em Reitor da Nazaré;)
    Hum Brito de Vianna, hum Meliseu,
    Pimenta jovial no que escreveu;
    Hum Vilella, hum Basilio, hum Paradiz,
    Hum Gonzaga, hum Garção, douto Diniz;
    Claudio, Quita, Alvarenga, Hum Amaral,
    Hum Bandeira bastante social;
    O Sabio, e inimitavel Tolentino,
    Que aprendeo a viver no seu ensino;
    Bocage, Pimentel, Curvo Semmedo,
    O actual Orador Padre Macedo;
    Hum Padre Nascimento, hum Quintanilha,
    Com quem Apollo fez igual partilha;
    Dias em Bellas Letras eminente,
    Figueiredo no Cómico eloquente;
    Hum Torres, hum Massuellos, Lara, Azedo,
    Moraes, e outro estimavel Figueiredo:
    Cujos Nomes a Febo enchem de gloria,
    A Fama os leva ao Templo da Memoria.

    Matos, que desde a idade juvenil
    Se casou com a Musa Pastoril:
    Tudo quanto escreveo hoje se preza;
    Por mostrar huma rara natureza.
    Dois Ribeiros, Brandão, hum vago Lobo,
    Que de critico a fama lhe não roubo;
    O celebrado Abbade de Jacente,
    Hum Theodoro com elle contendente;
    Hum Caldas Brazileiro, no improviso
    Engraçado, modesto, e com juizo:
    Sempre em qualquer assumpto discorria,
    Deixando, satisfeita a companhia:
    Se delle algum rival ha por desgraça,
    Aponte-me segundo, que isto faça!

    Dois Barunchos, Otone, e mais Coutinho,
    Que acertárão das Musas no caminho;
    Hum Medina, hum Novaes, Maya, e Delgado;
    Hum Bersane no Lirico affamado,
    Severino, e Soares Portuense,
    Hum Maximo, que o iguala, se o não vence;
    Hum engenhoso Barros, que em viveza
    Prodigio mostra ser da natureza;
    Hum Cabral Transmontano ás Musas dado,
    Nobrega, que viveo tão desgraçado;
    Hum Guerreiro, e Belmiro, que honra o Douro:
    Todos a C'rôa tem do Febeo Louro.

    Mais tres Vates, a quem faltou a vista,
    (Que remedio não ha, que lhe resista.)
    Hum Thomaz, hum Martins, novo Castilho,
    Qualquer delles de Apollo digno filho.
    Mas se dos olhos toda a luz perdêrão,
    No juizo outras luzes accendêrão.
    Hum Araujo, hum Lopes, hum Moniz,
    Mayo e Lima, que já ferir me quiz:
    Que inda apezar do ataque, que me fez,
    Jamais de o elogiar perderei vez;
    Que ataques de Poeta, inda os maiores,
    Como foguetes são de jogadores.
    Estes Genios harmonicos, que pinto,
    Lá no Premesse tem lugar distinto,

    Hum Durão Padre Mestre Graciano
    Com Estro divertido Americano.
    Serra, Ferreira Lobo, o bom Forjaz,
    E o Beneficiado Velho Vaz
    (O consoante aqui me deo conselho,
    Para pôr Velho Vaz, e não Vaz Velho.)
    O Conego José São Bernardino,
    Filho tambem de Apollo, homem de tino;
    Campello, os dois Malhões, Mello, e Raposo,
    Carvalho, igual ao jovial Barroso;
    H[~u] Costa, h[~u] Bingre, h[~u] Camera, h[~u] Verné,
    Quintella, Xavier, Padre Soye.
    Dois Botelhos Professo, e Secular,
    Hum Antonio Ricardo, hum Aguiar.
    Estes Vates, que aponto, se conhecem,
    E huma eterna saudade nos merecem:
    Qualquer delles crédor de melhor sorte,
    «E outros, em quem poder não teve a morte.»
    Quasi todos nas obras, que deixárão,
    Seus Nomes sem vaidade eternizárão.
    Destes Vates mui poucos vivos são,
    E todos elles honrão a Nação.
    Confesso que hoje tenho a maior gloria
    Em trazer estes Genios á memoria.
    Mas que serve escrever grandes volumes,
    Se estão prevaricados os costumes!
    Quatro velhos, que lêm estes Authores,
    São os que inda lhes dão justos louvores;
    Que estes meninos de hoje (coitadinhos!)
    Estudão n'outras classes de livrinhos,
    Livrinhos, com que o demo quiz campar,
    Para as bolsas de todo entisicar.
    Pouca gente conhece, ou avalia
    O trabalho, que dá qualquer Poesia.
    Lêr, e rir bem se vê não custar nada;
    Compor empreza foi sempre arriscada;
    E por isso estimar-se mais se deve
    A penna, que em qualquer assumpto escreve.

    Portugal, Portugal! eu te lastimo,
    Se com verdades taes te não animo!
    Sem se lêr, nada bom póde fazer-se;
    Edificios não ha sem alicer-se.
    Quem lê, e estuda a fundo sem jactancia,
    Dissipa as densas nuvens da ignorancia.
    Se já puzeste as Armas em descanco,
    Vai dar nas Livrarias hum balanço:
    Escolhe, compra, e lê; porque a lição
    Ha de accender-te as luzes da razão:
    Ella ensina, interessa, ella diverte,
    E póde dar juízo ao mais inerte.
    E se, seguindo a ordem, que me espera,
    «Eu nunca mais serei quem d'antes era,»
    Recordando o que eu digo alguns instantes,
    Portugal, tu serás qual eras d'antes.


      *      *      *      *      *

    _As cousas todas veja aqui mudadas
    Em tristes as que ledas ser soyão
    As tristes muito mais tristes tornadas._
             Bernard. Cart. VI.


SONETO.

    Soffreo Lysia hum Tremor de terra horrendo,[5]
       Seguio-se-lhe depois Traição ferina,[6]
       Rebateo de hum Leão furia, e rapina,[7]
       E pouco a pouco foi a fronte erguendo:[8]
    Por morte do seu Rei ficou gemendo,[9]
       E o Céo, por consolalla, lhe destina
       Soberana immortal quasi divina,[10]
       Que em paz o Povo seu ficou regendo:
    Hum Monstro de ambição, e de vingança[11]
       Surge do centro do sulfureo Averno,
       Perde a Europa o equilibrio da balança:
    Restaura Portugal seu bom Governo;
       Mas não vêr o seu Rei!.. Esta lembrança[12]
       O põe banhado em pranto, e em luto eterno.



Ao Author se mandou pelo Correio carta sem nome, datada de 22 de Julho
do presente anno de 1819, na qual se lhe pedia, com o maior empenho,
quizesse decifrar o seguinte Epitaphio enigmatico; e que na primeira
Obra, que désse á luz, puzesse a sua definição.

Suspeita-se porém que a carta veio de pessoa gorda; e ou fosse escrita
por basofía, ou por divertido ataque ao Author, seja qual for o motivo,
elle vai a satisfazer.

    _Epitaphio Enigmatico._

    Ci git le fils, ci git la mere,
    Ci git la fille avec le pere,
    Ci git la soeur, ci git le frere,
    Ci git la femme, et le mari,
    Et ne sont que trois corps ici.

Responde o Author: Que logo que o filho seja hermaphrodito, temos neste
aborto da natureza filho, e filha, irmão, e irmã em hum corpo só. No
pai, e mãi temos marido, e mulher, que são dois corpos: por morte de
todos, jazem só tres no tumulo.

Por outra: Tendo hum homem huma filha, e deíxando-a ainda criança, para
ir viajar, quando voltou, casou com ella, por hum acaso, ignorando
ser a mesma, que deixou de pequenina; e vindo a ter hum filho della, e a
morrer todos tres pela ordem do tempo, indo todos á mesma sepultura,
fica bem claro que alli se achão filho, e mãi, filha, e pai, irmão, e
irmã, mulher, e marido, tudo em tres corpos.

Estimará o Author ter acertado, ou que algum dos seus curiosos Leitores
descubrão melhor intelligencia, com tanto que não seja a que vem
explicada no primeiro tomo do Divertimento de Estudiosos pag. 59, onde
se acha este mesmo Enigma mais resumido; porque aponta, seis pessoas, e
dá enterrados só dois corpos, como se vê no seguinte:

    Cy gist le pere, cy gist la mere,
    Cy gist la soeur, cy gist le frere:
    Cy gist la femme, e le mary;
    Et n'y a que deux corps icy.

           _Divertim. de Estud. Tom. I. pag. 59._

Agora roga o Author ao Amigo, que lhe escreveo a mencionada carta,
queira decifrar-lhe tambem os Enigmas, Advinhação, e Charades, que se
seguem, e que se não tirárão de Livros.


_1.º Enigma._

    Eu sou hum Mundo sem gente,
    Figuro em qualquer trabalho;
    Humas vezes não sou nada,
    Outras vezes muito valho:
    Eu entro no Purgatorio,
    E tambem vou ao Inferno,
    Entrada tenho no Ceo,
    E estou ao lado do Eterno:
    Os Anjos de mim dependem,
    Os Virtuosos, e os Santos;
    No Mundo, sem ser aranha,
    Ando sempre pelos cantos.

        O que isto será *
        O Leitor o dirá. *


_2.º Enigma._

    Vinte e hum homens se embarcárão,
    Temporal os apanhou;
    Morrêrão vinte afogados,
    Temos hum, que se salvou:
    Este seguio a viagem;
    Mas comsigo sempre achou
    A conta dos mesmos vinte,
    Com que na praia embarcou;
    Que por sinal de amizade,
    Que sempre se praticou,
    Alguns as mãos apertavão
    Aos socios do que escapou.

        Desejava-se saber *
        Dos vinte quaes vem a ser. *


_3.º Enigma._

    Comprárão-se doze,
    Mas seis estruidos,
    E forão por doze,
    Os seis repartidos:
    Com partes iguaes
    Os doze ficárão;
    Porém os perdidos
    Aqui não entrárão:
    E faz esta conta
    Ser certa, e ser boa,
    Caber huma inteira,
    A cada pessoa.

        Para melhor perceberes *
        Resta saber soletrar; *
        Depois disto conheceres, *
        Luzes podes alcançar *
        Vastas, para me entenderes. *


_Adivinhação._

    Julgão-me todos riqueza,
    Porém ando esfrangalhado;
    E quem me vê neste estado,
    He que mais me estima, e preza:
    Minha mulher, sem benzer
    De quebranto, os mais defende;
    E quem de mófas se offende,
    A vai a outro off'recer:
    O ser branco, ou ser vermelho,
    Não me faz algum destrôço;
    Tanto me estimão em moço
    Como depois que sou velho.

        Fita os olhos no que digo, *
        Gostarás disto comigo. *


1.ª Charade.

    Se o principio do meu nome
    Vem d'Astro de claridade,
    He bem, que, sendo celeste,
    Seja o meio a caridade:
    E que o fim, de igual razão,
    Vos denote a compaixão;
    Vindo unido a defender,
    Vossa vida, e vosso ter.

        Solta as redeas ao discurso, *
        Dá combinação, ás cousas; *
        Do Sabio he este o recurso. *


2.ª Charade.

    A primeira, e segunda he mui veloz;
    Sendo aguda a terceira afflige, e mata;
    E quem reúne as tres, faz-se hum algoz.

        Cabe na mente do esperto *
        Saber o quanto te digo; *
        Dorme, sahirás deste apêrto. *

                ======

    Amigo, escusas cançar-te;
    Por ter de ti compaixão,
    Nos versos, que tem estrella,
    Acharás a explicação.

    Se Acrosticos não entendes,
    (O que não he natural,)
    He por que tens a cabeça
    Formada de pedra, e cal.



CATALOGO

_Das Obras impressas de José Daniel Rodrigues da Costa._

    * Rimas I. e II. Tomo.
    * Theatro Cómico de pequenas Peças.
    * Almocreve de Petas, dividido na 2.ª impressão, em 3 Tomos.
    * Comboi de mentiras.
    * Espreitador do Mundo novo, em que vem as 6 partes dos Opios.
    * Barco da Carreira dos tôlos.
    * Jôgo dos Dotes.
    * Hospital do Mundo.
    * Camera Optica.
    * Tribunal da Razão.
    * Revista dos Genios.
    * Roda da Fortuna.
    * Os Enjeitados da Fortuna.
    * O Poema do Balão aos Habitantes da Lua.
    * E esta de Portugal enfermo por vicios, e abusos.

_Do mesmo Author se imprimírão avulsos os Folhetos seguintes._

    * Quadras alegres aos Annos do Serenissimo Senhor D. Pedro Carlos,
      em 1804.
    * Quintilhas ao mesmo Senhor, em 1805.
    * Ditas ao mesmo assumpto, em 1806.
    * Quadras divertidas ao mesmo, em 1807.
    * Espelho de jogadores. Este Folheto vem tambem impresso na Revista
      dos Genios.

_Obras do mesmo Author, impressas do anno de 1808 por diante, ao vasto,
e calamitoso assumpto da invasão dos Francezes em Portugal._

    * Protecção á Franceza I. e II. Parte.
    * Partidista contra Partidistas.
    * Resposta á Proclamação, que em Hespanha fez o General Augereau.
    * Cantigas Patrioticas.
    * Surriada a Massena I. e II. Parte.
    * Conversação Nocturna das Esquinas do Rocío de Lisboa.
    * Carta de parabens, com hum Dialogo dos dois Generaes Francezes
      Filippon, e Bertier.
    * Encontro na Eternidade dos dois Generaes Francezes Marmont, e Bonnet.
    * Silva ao memoravel Lord Wellington.
    * Testamento engenhoso do Dom Quixote da França, ao partir para a
      Russia.
    * Canto funebre na sentida Morte da nossa Soberana a Senhora D.
      MARIA I.


      *      *      *      *      *

As pessoas curiosas podem esperar pela Parte II. desta Obra, para
poderem então mandalla encadernar, junta com o Poema do Balão aos
Habitantes da Lua, que assim lhes ficará hum Livro de 8.º completo.

_Vende-se esta Obra na Loja de Francisco Xavier de Carvalho, defronte da
Rua de S. Francisco da Cidade; na de Antonio Manoel Polycarpo da Silva,
junto ao Senado; na de Antonio Xavier Moreira, da Impressão Regia
debaixo da Arcada; na de João Henriques, no principio da Rua Augusta; na
de Antonio Pedro, na Rua do Ouro; na de Luiz José de Carvalho, aos
Paulistas; e em Belém, na da Viuva de José Tiburcio. Preço 240 réis._

      *      *      *      *      *

    [1] ... A desejada vinda dos nossos Soberanos.

    [2] _Ameijoadas_, são noites perdidas: tirada esta palavra do
    Diccionario novo dos Tafues.

    [3] _Patusca_, palavra tirada do mencionado Diccionario apenso.

    [4] Hum tremor imaginario, com que em 20 de Agosto do presente anno
    de 1819 se intimidou parte do Povo de Lisboa, tomando em diverso
    sentido o que lhes dizia o Reportorio naquelle mez.

    [5] O grande Terremoto do 1 de Novembro de 1755.

    [6] O horroroso attentado na infausta noite de 3 de Setembro de
    1758.

    [7] A guerra da Hespanha contra Portugal em 1761.

    [8] A reedificação da Cidade de Lisboa.

    [9] A morte do sempre memoravel Rei o Senhor D. JOSÉ I.

    [10] O feliz Reinado da Fidelissima Senhora D. MARIA I.

    [11] O Tyranno do Mundo, assollador dos Povos, Napoleão Bonaparte.

    [12] O nosso amabilissimo Monarcha o Senhor D. JOÃO VI.



Notas de transcrição:

O texto aqui transcrito, é uma cópia integral e inalterada do livro
impresso em 1819.

Mantivemos a grafia usada na edição impressa, tendo sido corrigidos alguns
pequenos erros tipográficos evidentes, que não alteram a leitura do texto,
e que por isso não considerámos necessário assinalá-los. Mantivemos
inclusivamente as eventuais incoerências de grafia de algumas palavras, em
particular quanto à acentuação.

Nesta versão electrónica, em texto simples, não é possível representar
alguns caracteres usados no livro impresso. Usamos como substituto desses
caracteres os seguintes marcadores:

[~u] = u com til por cima, corresponde aproximadamente a "um";





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