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Title: A Lucta Civil Brazileira e o Sebastianismo Portuguez
Author: Costa, José Soares da Cunha e, 1868-1928
Language: Portuguese
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*** Start of this LibraryBlog Digital Book "A Lucta Civil Brazileira e o Sebastianismo Portuguez" ***


book was created from images of public domain material
made available by the University of Toronto Libraries
(http://link.library.utoronto.ca/booksonline/).)



     *Nota de editor:* Devido à existência de erros tipográficos
     neste texto, foram tomadas várias decisões quanto à versão
     final. Em caso de dúvida, a grafia foi mantida de acordo com
     o original. No final deste livro encontrará a lista de erros
     corrigidos.

                                              Rita Farinha (Dez. 2008)



Á COLONIA PORTUGUEZA NO BRAZIL


A LUCTA CIVIL BRAZILEIRA

E O

SEBASTIANISMO PORTUGUEZ


POR

CUNHA E COSTA

ADVOGADO E JORNALISTA REPUBLICANO


PORTO
TYPOGRAPHIA DA EMPREZA LITTERARIA E TYPOGRAPHICA
_178, Rua de D. Pedro, 184_

1894



A LUCTA CIVIL BRAZILEIRA



[Figura]



Á COLONIA PORTUGUEZA NO BRAZIL


A LUCTA CIVIL BRAZILEIRA

E O

SEBASTIANISMO PORTUGUEZ


POR

CUNHA E COSTA

ADVOGADO E JORNALISTA REPUBLICANO


PORTO
TYPOGRAPHIA DA EMPREZA LITTERARIA E TYPOGRAPHICA
_178, Rua de D. Pedro, 184_

1894



ÁS HONRADAS MEMORIAS

do

Dr. José Falcão
a mais nobre figura moral do partido republicano portuguez

e de

José Chrispiniano da Fonseca
o melhor dos amigos,
o mais dedicado dos correligionarios e a mais brilhante intelligencia
da mocidade das escolas portuguezas em 1890-1891


D.

Estas paginas de propaganda
sincera e patriotica

O A.



_Aos Ex.^{mos} Snrs.

Dr. José Calmon N. Valle da Gama

e

Antonio Tavares Bastos

Dig.^{mos} Consul e Vice-Consul da Republica dos Estados-Unidos do
Brazil no Porto_


_Homenagem de muita estima
e consideração do
A._



A revolta de uma parte da armada brazileira, ás ordens do
contra-almirante Custodio de Mello, em 6 de setembro de 1893, encontrou
no sebastianismo portuguez o mais franco e decidido appoio.

A imprensa monarchica, na sua grande maioria composta de simples
salariados ás ordens dos depositarios das graças e dos benesses, sem as
condições de independencia necessarias a quem pretende escrever o que
pensa, aproveitou o ensejo para novas e torpes especulações, da natureza
d'aquellas a que deu azo a entrevista de Badajoz entre republicanos
hespanhoes e portuguezes. Por seu turno, o jornalismo democratico,
imperfeitamente informado e receioso de errar em face das noticias mais
absurdas e contradictorias, não poude, a principio, desmascarar, como
lhe cumpria, os manejos indecorosos que, á sombra de uma bandeira mal
definida, os sebastianistas de aquem e de além-mar iam urdindo na treva
contra as novas instituições brazileiras.

Só quem por dever de officio conhece a imprensa monarchica portugueza, o
seu pessoal e os seus processos de combate, poderá fazer uma ideia clara
e nitida dos extremos de villania a que aqui se desce para, _à
outrance_, defender a realeza expirante e os interesses a ella
vinculados. Nas questões internas como nos conflictos internacionaes, a
injuria, a calumnia, a insidia, a mentira, a ausencia absoluta de todos
os escrupulos, são materia corrente de uso quotidiano, e tão formal e
completo é o desprestigio d'esse jornalismo alquilado, que os seus
desmentidos ou negativas, por via de regra, são recebidos pelo publico
como a prova mais concludente dos factos ou das affirmações cuja
veracidade pretende contestar-se.

A acção perniciosa d'essa imprensa e dos seus agentes, não raro vae até
ao ponto de preparar ao jornalismo republicano verdadeiras ciladas,
cujos effeitos, só mercê de extrema reserva e de uma vigilancia
constante é possivel destruir. É frequente, por exemplo, receberem-se
nas redacções dos jornaes republicanos informações completamente falsas,
apadrinhadas por nomes suppostos e precedidas das expressões as mais
encomiasticas para a causa republicana e para os seus apostolos. D'aqui
as difficuldades de uma tal lucta e os excessos de prudencia a que nós,
jornalistas republicanos, somos obrigados, no cumprimento da nossa
missão nobre, honrada e patriotica.

Se assim succede em questões que se passam, por assim dizer sob os
nossos olhos, e cuja analyse e critica são relativamente faceis,
calcule-se o que succederá com acontecimentos que tem por theatro de
acção um paiz distante, estudado pelos portuguezes sob pontos de vista
mais ou menos mercantis e cuja evolução politica e social se exerce em
sentido diametralmente opposto ao desejado pelo systema que
providencialmente nos explora!

É para nós ponto assente que os Bragança-Orléans e respectivos
serventuarios, de mistura com todos os especuladores de bolsa
compromettidos na desenfreada jogatina dos ultimos tempos, se deram as
mãos n'esta campanha que parece terminada com a rendição do _ex-neutro_
sr. Saldanha da Gama. E porque muita gente o sabe, e porque o sabem o
governo e os republicanos brazileiros e porque sobre a colonia
portugueza no Brazil recahem as mais graves suspeitas, é necessario que
toda a verdade se diga, que luz se faça n'esta embrulhada, para que a
parte honesta, viril e sã do povo portuguez não venha a soffrer as
deploraveis consequencias da inepcia de uns, da insania de outros, da
ignorancia de não poucos e dos interesses inconfessaveis da maior parte.

Não consiste o patriotismo em occultar sob apparencias enganosas e
falsas como europeis de saltimbanco as culpas, os erros e os crimes das
instituições que ainda nos regem e dos que á sombra da sua impunidade
protectora nos conduziram á ruina, á miseria e á ignominia;--dos que
malbarataram os recursos nacionaes e fizeram com que o nosso nome e o
nosso credito fossem arrastados pelas praças e esquinas dos grandes
centros de actividade e de riqueza em _placards_ insultantes;--dos que
pouco a pouco fôram corrompendo este organismo a que pertencemos,
fazendo-lhe perder o culto das praticas civicas, adormentando-lhe as
energias, prostituindo-lhe a individualidade e o caracter;--dos que
arvoraram em systhema de administração o binario conjugado do imposto e
do emprestimo e o processo governativo da compra das consciencias
alquiladas a peso de ouro;--dos que, impotentes para conter por mais
tempo a indignação popular e os clamores de protesto, rasgaram
violentamente o pacto constitucional, supprimindo de facto as liberdades
publicas, o direito de reunião, o direito de associação, a livre
faculdade de interpetrar pela palavra e pela penna a vontade
nacional;--dos que collocaram a grande familia democratica fóra da
legalidade, burlando o suffragio, roubando o voto, fusilando o
eleitor;--dos que, ao cabo de largos annos de recurso ao credito, deixam
o paiz sem defesa, com um exercito sem soldados, e as colonias sem
garantia, com uma armada sem navios!

Não. Não consiste n'isto o patriotismo. Antes julgamos que só a
exposição clara e leal de tantos erros, de tantas miserias e de tamanhos
crimes poderá ainda accordar n'este povo, tão glorioso outr'ora, tão
abatido hoje, o remorso da sua quasi cumplicidade e um supremo esforço
no caminho da reacção e do protesto.

Essa exposição vamos fazel-a, no cumprimento de um dever e no uso
legitimo de um direito.

De facto, á obrigação de como patriotas e republicanos separarmos as
nossas responsabilidades das dos fautores da nossa ruina, accrescem
ainda circumstancias especiaes que passamos a explanar.

Fomos nós quem, desde o começo da revolta, sustentamos a sua
illegitimidade, em successivos artigos publicados no jornal _A Voz
Publica_, cuja direcção politica então nos pertencia.

N'esses artigos, escriptos com a maxima convicção, lealdade e
DESINTERESSE, lamentavamos que portuguezes se associassem aos manejos
sebastianistas, preconisavamos a necessidade da nossa colonia se
inspirar nas novas ideias de progresso e ordem, appoiando os apostolos
da causa republicana no Brazil e creando entre os partidarios das
instituições implantadas em 15 de novembro uma forte corrente de
sympathias, que mais tarde poderiam constituir uma solida fonte de
vantagens para o nosso paiz, uma vez n'elle estabelecido o regimen
republicano.

Como porém n'esses artigos, por força de argumentação, fomos obrigados a
expôr, ainda que ao correr da penna, as miserias, as ruinas e os vexames
a que a monarchia arrastou a nossa querida patria, alguns compatriotas
nossos, residentes no Brazil, lembraram-se de accusar-nos de _falta de
patriotismo_, o tal patriotismo que consiste em calar o opprobrio,
occultar as faltas e deixar impunes os grandes criminosos... só porque
são portuguezes!

Eis o que nos leva a formular umas ligeiras considerações sobre o
assumpto, despretenciosas mas verdadeiras, e hoje mais do que nunca
opportunas.

       *       *       *       *       *

Muitos dos nossos compatriotas que emigraram para a republica dos
Estados Unidos do Brazil, anteriormente ao _ultimatum_ de 11 de janeiro
de 1890, só imperfeitamente conhecem as actuaes condições de existencia
da politica e da sociedade portugueza.

De facto, até essa data funesta, o medonho descalabro a que hoje
assistimos, presos de fundado terror, conservava-se ainda latente, mercê
de circumstancias que não vem para aqui ponderar, e o espirito publico
só em percentagem minima acceitava os receios e as previsões pessimistas
da imprensa republicana.

Viciada pela educação mais corruptora e anti-patriotica, a opinião,
sempre confiante e desinteressada dos acontecimentos, taxava de
exageradas as gravissimas accusações por nós vibradas contra o regimen
vigente, e julgando um pouco difficil o estado do paiz suppunha no
entanto que essas dificuldades poderiam demover-se pelo emprego dos
expedientes usados com exito até ahi.

Pode dizer-se que a vida politica da nação, antes do _ultimatum_, se
concentrava em um pequeno nucleo de firmas conhecidas, bastante
desacreditadas já, mas protegidas pela indifferença publica e pela não
revelação dos graves erros, attentados e crimes, até ahi cuidadosamente
occultados e que mais tarde vieram a tornar-se do conhecimento de todos.

D'esta indifferença, d'esta ignorancia, partilhavam os nossos
compatriotas residentes no Brazil e, desde então, longe do local dos
acontecimentos, dos centros de illustração e propaganda e absortos no
labutar insano da sua existencia consagrada ao trabalho, muitos
persistiram nos seus erros, não obstante o estendal de torpezas
desenrolado aos olhos do paiz.

Serve isto para explicar até certo ponto o mal dissimulado antagonismo
de certos elementos da nossa colonia contra o advento da forma
republicana no Brazil, e o errado ponto de vista sob o qual foi por
elles interpetrada a nossa attitude em face da revolta de uma parte da
esquadra brazileira, revolta que, a principio dissimulada sob uma tenue
camada de verniz democratico, se tornou depois, com a adhesão de
Saldanha da Gama, francamente restauradora de instituições condemnadas e
proscriptas.

A grande maioria dos nossos compatriotas, sympathica á causa dos
revoltosos, procedeu, quanto a nós, com inteira boa fé. Homens simples,
por via de regra estranhos ás veredas, tortuosas da politica portugueza,
ausentes no Brazil desde uma epoca em que Portugal apparentemente
gravitava na orbita regular das nações de vida equilibrada, honesta e
prospera;--mal podendo distrahir da sua vida de esforço e de trabalho o
tempo necessario para inquirir dos recentes acontecimentos, analysal-os,
critical-os e d'elles formar um juizo seguro, esses portuguezes, aliás
movidos pelo mais nobre e respeitavel dos sentimentos, vivem n'uma
patria psychologica, n'uma patria ideal, a que corresponde uma realidade
objectiva terrivelmente desoladora!

A par d'esta boa gente, sincera, leal, bem intencionada, ha por certo
alguns especuladores, actuando, quer por interesses proprios de baixa
esphera, quer por instrucções de mandantes vinculados á cevadeira
monarchica portugueza. Mas esses são bem conhecidos e a sua punição
deixar-nos-hia indifferentes, senão jubilosos.

É necessario porém, é mesmo indispensavel, que os interesses geraes do
paiz, que os interesses dos nossos compatriotas residentes no Brazil,
não venham a soffrer da inepcia, da insania ou dos intuitos
inconfessaveis de alguns especuladores professos; é mister que a nossa
colonia, tão honrada e tão trabalhadora, esclarecida pelos que tomaram a
seu cargo cooperar na creação de um novo Portugal, digno de grandiosas e
quasi esquecidas tradicções, crie no seio da grande republica um forte
nucleo democratico, a um tempo solidario no movimento progressivo da
poderosa Federação sul-americana e auxiliar importantissimo do movimento
democratico portuguez.

É no desempenho d'este nobre papel, d'esta missão verdadeiramente util,
que a colonia portugueza no Brazil póde prestar á sua patria o melhor
dos serviços.

       *       *       *       *       *

A normalidade da vida portugueza não póde hoje prescindir da cooperação
e auxilio da Republica dos Estados-Unidos do Brazil.

É n'esse paiz que está porventura o futuro da nacionalidade portugueza,
se um dia esta, accordando emfim para a consciencia e posse dos seus
destinos, e fazendo um supremo appello ás energias que ainda lhe restam,
se resolver a iniciar uma nova existencia de trabalho e de probidade,
readquirindo um nome que perdeu e rehabilitando uma firma que lhe
deshonraram.

Nem a Inglaterra, nem a França, nem a Hespanha, nem a Allemanha, para as
quaes a phantasia, a inepcia ou o interesse dynastico se tem voltado,
nas occasiões afflictivas, como protectoras ou cointeressadas,
representam um elemento solido e efficaz de auxilio e cooperação.

Ruinosas umas, restrictas outras a interesses limitados, subordinadas
quasi todas a considerações que por completo lhe alteram a possivel
utilidade e expansão, e ainda a melhor dependente de um futuro remoto
postoque fatal, essas allianças, convenios, tractados ou accordos, não
representam por fórma alguma elementos vinculados ao regular
funccionamento do nosso organismo politico, social e economico, forças
componentes d'esta resultante a que se chama a vida autonoma da nação
portugueza. São ephemeras, heterogeneas e repugnantes ou pairam ainda
nos dominios da aspiração doutrinaria, remotamente exequivel.

Já assim não succede com o Brazil, cuja solidariedade comnosco se impõe
pela identidade de raça, de lingua, de costumes, de tradicções,
continuada desde o periodo da colonisação e affirmando-se a cada
momento, ainda nas phases de maior antagonismo entre o elemento nacional
e o migratorio portuguez. Tradicções que mais não podem apagar-se,
semente que mais não pode perder-se, como nas antigas colonias
hespanholas se não extinguiu nem extinguirá nunca o fundo castelhano.
Factor que a emigração constante a cada momento renova e mantem vivo e
brilhante, nas relações da ordem civil e commercial, na arte, na
industria, na sciencia, pela communhão intellectual permanente entre
portuguezes e brasileiros, pela cultura acurada d'essa lingua commum,
tão bella e tão sonora.

«Ao lado da America germano-saxonia, com o seu genio practico e
utilitario, ficará a America do sul aos povos que descobriram ambas e
todo o resto do mundo desconhecido. Nem a falla nobre do castelhano, nem
a grave lingua portuguesa se perderão, como accaso viria a succeder se o
imperio peninsular não tivesse sahido da Europa.»[1]

Sómente essa communhão, essa ampla fraternidade, que se impõe a todos os
espiritos verdadeiramente interessados na prosperidade da patria
portugueza, tem sido, principalmente desde o 15 de novembro, sacrificada
a mesquinhas considerações de interesse dynastico, ao empenho, hoje
criminoso, de manter em Portugal uma instituição condemnada em nome da
civilisação e em nome da dignidade e do credito portuguez, horrivelmente
compromettidos pelos que á sombra d'essa bandeira prostituida se
locupletaram fartamente.

Desde o 15 de novembro que os governos e a imprensa monarchica
portugueza hostilisam surdamente a actual ordem de cousas no Brazil,
causando com esse procedimento, que é a mais detestavel das politicas,
prejuizos incalculaveis ao nosso paiz.

A comprovação d'estas asserções é extremamente facil. Só poderá pôl-as
em duvida quem nem sequer se dê ao incommodo de lêr a imprensa diaria.

Ora o governo brazileiro sabe isto. Ora os homens publicos do Brazil tem
d'esta campanha o mais perfeito conhecimento, além dos episodios de
caracter gravissimo que nós só imperfeitamente podemos explanar e que,
entre outras consequencias vergonhosas para nós e em extremo
prejudiciaes, deram logar á retirada de um ministro portuguez no Brazil.

Mas o governo brazileiro, mas os homens publicos do Brazil, sabem tambem
que com elles está de alma e coração o partido republicano portuguez,
que esse partido tem a seu lado a parte nobre, honrada e sã dos nossos
compatriotas, e que a republica é hoje entre nós uma verdadeira
aspiração nacional. N'uma palavra:--na grande Federação sul-americana
não se ignora que, em Portugal, os amigos do Brazil, os seus
cooperadores dedicados e desinteressados, são os membros da grande
familia republicana, os unicos que vêem com o enthusiasmo sincero de
irmãos em crenças o assombroso progresso d'essa terra hospitaleira que
para os portuguezes foi sempre uma segunda patria.

Como se explica essa guerra intransigente movida contra as novas
instituições brazileiras pela monarchia portugueza, guerra manifestada
na imprensa officiosa por uma fórma inequivoca, que por vezes assumiu um
caracter em extremo imbecil e inepto, e cuja insania não trepidou
perante a propria intervenção dos agentes officiaes?

Facilmente.

Para as instituições que implacavelmente nos exploram e arruinam, um dos
maiores senão o maior pesadelo é a existencia de um Brazil republicano,
cuja influencia contribue em grande parte na obra demolidora que ha
muito encetamos contra essa monarchia, que nos levou á miseria,
deshonrando-nos ainda por cima.

O 15 de novembro foi um golpe fatal para a grey monarchica. Trouxe ás
ideias democraticas um enorme prestigio, innumeras e valiosissimas
adhesões, estreitou o affecto que já prendia os republicanos d'aquem e
d'além Atlantico, creou sympathias, solidariedade, auxilio e protecção.

Essa influencia benefica foi-se accentuando rapidamente, á medida que
crescia tambem nos serventuarios da realeza a surda hostilidade contra a
nova republica.

Vê-se que a monarchia comprehendera o perigo. Somente, n'esta como em
identicas questões, poz completamente de parte os mais sagrados
interesses nacionaes para apenas se preoccupar com o egoismo do que
ella, a misera, suppunha ser o interesse da propria conservação! Foi o
que a perdeu! Comprehendendo o perigo, não soube conjural-o pela
tactica, pela habilidade, pela finura. Tambem, não admira! De ha muito
que as instituições deixaram de ser appoiadas pelos estadistas para só o
serem pelos aventureiros!

Desde esse momento o seu caminho estava nitidamente traçado, e começou
então essa campanha tenaz de intriga, de injuria, de insidia, de
calumnia, em que a par das maiores falsidades se debitavam as maiores
torpezas;--essa campanha levada a cabo pela sanha partidaria e pelo ouro
de especuladores compromettidos;--esse libello soez, cuja villania só é
egualada pela inepcia e que não trepidava em publicar como oriundos do
Rio, Buenos-Ayres, Londres e Paris, telegrammas forjados nas proprias
redacções.

Um exemplo bastará.

No dia 13 de março, quando já era perfeitamente conhecida em Portugal a
rendição de Saldanha da Gama, o _Correio da Manhã_, celebre pelos
telegrammas varios sobre a revolta, recebidos dos _seus correspondentes_
de Paris, Londres, Rio, Buenos-Ayres e não sabemos tambem se de Pekin e
Massuah, publicava o seguinte:


     «Correu ante-hontem em Lisboa o boato de que o governo recebera um
     telegramma em que se lhe noticiava que o almirante Saldanha da Gama
     havia deposto as armas e procurado abrigo a bordo da corveta
     _Mindello_.

     Achamos tão extraordinario aquelle boato, em vista das ultimas
     noticias recebidas, que não o quizemos reproduzir, e ante-hontem
     mesmo, telegraphamos ao nosso correspondente em Buenos-Ayres,
     pedindo-lhe esclarecimentos sobre os boatos terroristas espalhados
     em Lisboa.

     A resposta, que só hoje nos foi annunciada, publicamol-a adeante em
     telegramma».


Eis o telegramma:


     «_Buenos-Ayres, 13, 12 h. e 20 m. da t._ (Ao _Correio da
     Manhã_)--*Não se acredita aqui rendição Saldanha. Bombardeamento
     recomeçará ámanhã. Conta-se com victoria insurrectos*».


Ora uma causa que tem d'estes _defensores_ é evidentemente uma causa
perdida!

Nem todos porem encaram estas e identicas prosas com o soberano despreso
com que nós, que lhe conheciamos a proveniencia, as recebiamos.

Assim, a attitude dos elementos portuguezes que mais ou menos
ostensivamente se associaram á tentativa restauradora, creou entre o
nosso paiz e os homens publicos do Brazil profundos antagonismos que
poderão não explodir com extrema violencia, mercê de circumstancias que
não vem para aqui ponderar, mas que existem, mas que são uma realidade a
que cumpre attender, e que só poderão sanar-se integralmente no dia em
que Portugal, fazendo justiça imparcial mas severa e plena, banir do seu
solo depauperado uma monarchia odiosa e odiada e a turba multa dos
vampiros e sanguesugas, que sob a sua egide protectora, prosperam,
tripudiando sobre o pouco que ainda resta das velhas fontes de riqueza.

Se queremos estreitar com o Brazil os laços que os principios e os
interesses aconselham e dos quaes _absolutamente carecemos_, façamos a
*Republica Portugueza*, tornemo-nos um povo livre, honrado e digno como
é o Brazil, emancipemo-nos de tutelas odiosas e arruinadoras e chamemos
a contas a ignobil camaradilha que com incrivel impudor nos roubou a
bolsa prostituindo-nos a dignidade.

Eis a obra patriotica. O resto são devaneios, chimeras, insufficiencia
mental ou reincidencia no erro e no crime.

       *       *       *       *       *

Ignoram os nossos compatriotas residentes no Brazil os extremos de ruina
a que as administrações da monarchia arrastaram esta Patria querida,
esta Patria que elles invocam a cada momento nas suas cartas, nas suas
orações e até nos seus sonhos.

Se soubessem a verdade, se conhecessem a extensão do attentado e a
profunda ignominia dos criminosos, talvez que o seu criterio se
modificasse, convertendo-se em odio feroz, em raiva indomita, contra os
auctores de tamanhas torpezas e contra a instituição que lhes garante a
impunidade.

Vamos, porem, no cumprimento da nossa missão de propaganda sincera e
honrada, dar-lhes uma ideia, ainda que leve, dos factos que em appoio
dos principios justificam e amplamente legitimam a existencia do partido
republicano portuguez.

Não recorreremos para tal fim aos nossos publicistas, aos nossos homens
publicos, á imprensa partidaria. Poderiam as nossas palavras ser
arguidas de _chauvinismo_ jacobino e não faltaria quem, sob essa côr,
pretendesse desvirtuar-lhe a importancia.

A grande maioria dos nossos compatriotas residentes na republica dos
Estados-Unidos do Brazil dedica-se ao commercio. É o commercio, é o
trafego mercantil, a sua maior fonte de lucro e de riqueza.

Pois bem, para comprovar as nossas affirmações, é ao commercio que
recorreremos tambem, á exposição das suas queixas, ás suas proprias
palavras. É o honrado corpo commercial de Lisboa, appoiado pelos seus
collegas de todo o paiz, quem vae responder-nos.

Não poderiamos ter escolhido origem mais insuspeita! O commercio, como
collectividade, não tem côr politica, não milita sob bandeiras
partidarias. Completamente independente e alem d'isso de caracter por
via de regra conservador, as suas declarações não podem deixar de ser
tidas e havidas na maior consideração.

       *       *       *       *       *

A doutrina que vamos expôr contem-se em duas representações da
Associação Commercial de Lisboa, dirigidas, a primeira á Camara dos
dignos Pares do Reino, em julho do anno findo e a segunda ao gabinete
portuguez, em janeiro do corrente anno, tendo respectivamente por
titulos:


     A) _Representação da Associação Commercial de Lisboa á Camara dos
     dignos Pares do Reino_.

     B) _Ao paiz--Os impostos portuguezes e as suas applicações_.


N'esses documentos, impressos e largamente distribuidos, analysa-se a
traços rapidos mas seguros a lastimosa situação a que chegamos.

Qual ella seja vamos vêl-a.

Tem a palavra os commerciantes portuguezes.

A

...........................................................................

--É preciso dinheiro,--grita-se em toda a parte; pede-o o illustre
ministro da fazenda, que pretende equilibrar o orçamento do estado, e,
n'este afanoso empenho, _tributa-se com a mesma irreflexão com que se
tem esbanjado milhares de contos de réis_.

Pois muito bem, como membros d'uma collectividade, e das que mais paga
para o thesouro, e como cidadãos portuguezes, assiste-nos tambem a nós
agora o direito--e duplo direito--de dizer bem alto a todo o paiz onde é
que ha de ir procurar-se esse dinheiro, sem aggravar as classes
trabalhadoras, augmentando a miseria e a fome publicas.

Terá de ser talvez um pouco longa esta exposição, mas a quem quer que a
leia, que o faça a espaços, como se a pequenos goles bebesse um copo de
agua enregelada; mas que a leia em todo o caso, para que lhe não reste
no futuro--_e futuro que se nos antolha proximo_--o direito de dizer que
ninguem o advertiu.

De ante-mão prevenimos tambem que no que vae lêr-se não ha calculos que
malsinem as nossas palavras, nem politicas subjectivas d'um partidarismo
anniquilador, que ensombrem a nossa conducta; _olhamos n'este momento
por cima de todos os partidos e de todas as politicas para os horisontes
da patria_.

...........................................................................

Ha duas grandes divisões na população do paiz:--d'um lado estão os que
pagam, do outro os que recebem, com a aggravante de serem aquelles em
muito maior numero do que estes.

_De ha muito que as fontes de receita publica se reduzem ao imposto,
emprestimo e pautas das alfandegas, sem que até hoje ninguem tenha
pensado em criar outras._

A agricultura, a decantada agricultura d'este paiz _soi disant_
agricola, _jaz no mais desolador abatimento_, por falta de braços; e no
balanço geral da Europa, Portugal apresenta na sua producção uma media
annual de cinco decalitros por habitante. Isto segundo calculos
realisados em 1890, calculos mais ou menos provaveis, visto que da parte
do grande productor ha sempre uma certa reluctancia em fornecer dados
para a estatistica, por motivos faceis de comprehender, se nos
lembrarmos de que ha uma entidade official que se chama--_escrivão de
fazenda_.

Em nome d'uma falsa protecção, e desprezando o § 23 do artigo 145 da
Carta Constitucional, que bem claramente estabelece garantias ao
trabalho nacional, transforma-se o Estado arbitrariamente, por decreto
dictatorial, em monopolisador de farinhas, as fabricas matriculadas
monopolisadoras de trigos estrangeiros, e obriga-se o consumidor a
comprar o trigo nacional pelas tabelas officiaes.

...........................................................................

O commercio torna-se dia a dia mais difficil. _Ao descredito que no
estrangeiro ganhou Portugal, graças á irreflectida administração que tem
tido nos ultimos annos, junta-se a miseria nacional_ e os córtes de 30
por cento nas inscripções, o que veio a cercear os interesses de muitos
particulares, de muitos estabelecimentos, de orfãs e viuvas, os quaes
todos por lei foram obrigados a converter em titulos de divida publica
os seus haveres.

_Durante o ultimo anno, cerca de quatrocentos estabelecimentos
fecharam_, por não realisarem transacções que lhes dessem para viver,
quanto mais para pagarem as pesadissimas contribuições que já oneram o
commercio.

...........................................................................

Na propria rua Garrett (Chiado), rua do Oiro, e outros verdadeiros
centros do mais importante commercio, apparecem hoje estabelecimentos
com escriptos, que ninguem arrenda, quando ainda ha pouco tempo, só pelo
trespasse da chave d'essas lojas se davam contos de réis!

O proprio commercio de vinhos--principal fonte da nossa receita e
principal genero da nossa exportação--está a definhar-se, pelas doenças
dos vinhedos.

Gados não os temos com abundancia, por falta de pastagens. Importamos do
estrangeiro em média annual 34:000 cabeças de gado vaccum. Como se não
nos bastassem todas estas desgraças, ainda as ultimas tempestades vieram
reduzir á fome numerosas familias.

_A industria nacional, mal começa a viver, é carregada de tributos,
porque entre nós só se procura o que mais ha de ser tributado, e a
industria morre_, semelhantemente á árvore que o inexperto lavrador
começa de tronchar, ainda antes de ella dar fructo: de fórma que, á
proporção que a contribuição industrial vae subindo, a materia
collectavel vae desapparecendo. Provam-no as ultimas estatisticas. E
todavia os nossos financeiros, os nossos homens publicos, nem sequer
reparam n'este gravissimo prejuizo; preoccupa-os demais a ancia de
lançar tributos sem curarem das desastrosas consequencias d'esses
tributos.

_Para maior descalabro do nosso meio, a emigração torna-se assombrosa_;
avoluma de instante para instante: assim a classe média desapparece,
porque não tem no paiz onde exercer a sua actividade, os capitaes
emigram tambem, porque _não ha ramo algum de commercio e de industria
que não seja em Portugal fortemente e vexatoriamente tributado_, de modo
que á emigração dos braços accresce a emigração de capitaes, e com estes
os grandes capitalistas e proprietarios, que vão fugindo para o
estrangeiro.

Os suicidios--outro symptoma de miseria e fome--augmentam cada vez mais,
confirmando assim o estado de minacissima ruina d'este desgraçado paiz.

E tudo isto é a consequencia forçada da orientação funesta que temos
levado.

Mas o que é mais pungente, é que não se muda de orientação. Agora mesmo,
obrigados a fazer humilhantes accordos com os nossos credores, ainda
continuamos vivendo com a mesma administração dos tempos em que o
dinheiro andava por ahi basto.

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Onde appareceu até hoje um só plano de administração publica tendente a
criar fontes de receita?

Ás difficuldades do thesouro, ás angustias da nossa miseria, acode-se
sempre com o imposto. Mas o imposto é impossivel subir mais. Nem o
commercio nem a industria podem satisfazer as contribuições que lhes são
lançadas. Demais veremos dentro de breve tempo algumas das fabricas, que
possuimos, fecharem-se, por não poderem realisar lucros só para
contribuições.

E cada fabrica que se fechar, vejam bem, representa centenares de
pessoas, que virão para a rua pedir aos governos que lhes dêem de comer.
_Teremos então a revolução da fome_, com todos os excessos que lhe andam
sempre inherentes.

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Isto não póde ser.

Portugal precisa de criar elementos de vida, precisa de arrancar das
condições do seu meio e das aptidões do seu povo a sua propria riqueza,
mas riqueza _que não póde ser esbanjada em alargamento dos quadros
burocraticos, para empregar mais 200 ou 300 afilhados; em desdobramento
dos corpos de exercito, para promoções rapidas de officiaes; em
remodelações de secretarias, para se criarem maior numero de directores
geraes_; em ampliações de cursos superiores, empiricos e não uteis,
pomposos e não positivos, que vomitam annualmente para a circulação
d'este meio pobrissimo centenas de diplomados em qualquer cousa, mas que
são outros tantos braços inuteis debaixo do ponto de vista da producção.

É para isto que devem dirigir-se as vistas de qualquer estadista, que
tenha a energia pombalina, para arcar de frente com todos estes cancros
da sociedade.

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Portugal, nos seus sete seculos de existencia como nacionalidade, nunca
soube infelizmente aproveitar os elementos de vitalidade que as
circumstancias lhe proporcionaram. Pouco depois de constituida a nação e
de affirmada, na revolução popular que acclamou D. João I, a consciencia
da sua força e da sua autonomia, veio a conquista e a exploração do
Oriente dar-lhe riquezas bastantes para enervar o povo pelo luxo e pela
submissão á côrte. E se é facto que n'essa epoca Lisboa se tornou o
emporio commercial do mundo, tambem é certo que da essencia de trabalho
e que da cohorte de escravos, de que se compunha em parte a população
fanatica e ignorante, resultou o grande abalo que feriu de morte o paiz,
na aventura phantasiosa de D. Sebastião.

Mais tarde, quando o Oriente já não dava bastante para os loucos
desperdicios, tivemos o Brazil, e quando o Brazil se emancipou, era
ainda a America do Sul que nos accudia nas nossas angustias. A corrente
de riqueza emanava d'aquelle paiz pujantissimo para Portugal, inapto
para o trabalho pelo fanatismo, em que o deixara a preponderancia
jesuitica, e pela subserviencia passiva, em que o lançara a inquisição.

_Aonde não chegavam as riquezas vindas do Brazil, era supprido pelos
successivos emprestimos, que se realisavam sempre com o falso pretexto
dos melhoramentos, em nome das exigencias da civilisação, melhor se
diria pelas necessidades da politica._

Foi em nome d'este principio que se contrahiram fabulosos emprestimos, a
mór parte dos quaes voltavam para os paizes d'onde tinham vindo, porque
os engenheiros incumbidos d'esses grandes melhoramentos eram
estrangeiros.

As nossas escolas superiores teem sido prodigas apenas em bachareis em
direito, e todo o nosso ensino dá como resultado uma grande desegualdade
entre a instrucção primaria e media, e a instrucção superior.

_Os melhoramentos publicos custaram-nos por tanto milhares de contos
mais do que devem ter custado n'outro paiz_, onde a instrucção seja
essencialmente pratica e positiva, e onde se gaste menos com o pessoal
technico e dirigente, para se dispender em trabalhadores. _E se não,
vejam em qualquer orçamento, se dois terços da verba, destinada, a um
determinado melhoramento, não é sempre consumida por engenheiros
directores, sub-directores, inspectores e sub-inspectores, fiscaes e
sub-fiscaes, olheiros e sub-olheiros, uma horda emfim de pessoal, para o
qual se torna até necessario inventar classificação._

Por um susto constante, justificado por essas luctas nacionaes, que
baptisaram entre nós a liberdade, as exigencias sempre crescentes do
militarismo, e sempre satisfeitas, graças ao medo dos pronunciamentos,
foram depauperando o thesouro, a ponto que só o ministerio da guerra nos
absorve hoje o melhor de mais de cinco mil contos de réis, sem incluir
n'esta verba as despezas da municipal e policia, guardas fiscaes e
policia fiscal. De modo que ainda que possuíssemos o exercito tal como o
dão as estatisticas, _nós gastamos só com a força militar mais do que a
Dinamarca, do que a Bulgaria, a Rumania, a Servia, a Suecia, a Noruega,
a Grecia, tanto como a Suissa, tendo esta o triplo do nosso exercito,
sem fazer despeza com policia e municipaes, sendo Portugal o paiz que se
apresenta com um exercito mais inferior._

Não somos nós quem o diz, mas um ministro de estado honorario......... o
sr. Marianno de Carvalho, que ainda ha pouco tempo publicou no _Diario
Popular_ um artigo, que perfilhou publicamente na sessão do dia 20, na
camara dos senhores deputados, e no qual dizia que, em caso d'uma
necessidade de mobilisação, nós só poderemos apresentar em armas vinte
mil homens, posto que o effectivo do nosso exercito em paz deva ser de
vinte e oito mil homens.

«Mas á falta de soldados, de armas e equipamentos--continúa o mesmo
estadista--o exercito compõe-se--além do ministro da guerra, do chefe do
gabinete e do director geral da administração militar,--de 8 generaes
commandantes das respectivas divisões, assistidos dos seus estados
maiores; 4 commandantes militares nos Açores e Madeira; 1 general chefe
de estado maior; 1 general commandante em chefe de engenheria; 1 general
commandante em chefe de artilheria; 1 general inspector em chefe de
cavallaria; 1 general inspector em chefe de infanteria; 1 general
inspector da escola do exercito, que conta 150 alumnos; 1 general de
divisão commandando os 50 pensionistas do asylo dos invalidos; 2
marechaes de campo; 11 generaes de divisão; 24 generaes de brigada; 49
officiaes de estado maior; 145 officiaes de engenharia para 550
soldados; 213 officiaes de artilheria para 2:895 soldados; 253 officiaes
de cavallaria para 3:390 soldados; 1:136 officiaes de infanteria para
13:392, e emfim 61 officiaes das praças fortes, a maior parte das quaes
está a desmantellar-se.

«Tudo isto sem contar medicos nem capellães. Quanto aos musicos,
tambores, clarins, cornetas, o seu numero attinge a cifra de 2:263; de
sorte que para um total de cerca de 18:000 homens, divididos em 52
regimentos, contamos em summa 1 general para 514 soldados; 1 official
para 9 soldados, e 1 musico ou clarim para 8 soldados.»

Como isto dá vontade de rir e chorar ao mesmo tempo...

Mas que importa? Ao menos possuimos um exercito só de officiaes, musicos
e tambores. Estão satisfeitas as exigencias d'alguns, e é quanto nos
basta.

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Para que nos serve esse simulacro de exercito que ahi temos, onde é
certo, contamos muito distinctos e dignos officiaes, mas cuja soldadesca
se compõe de inuteis e inhabeis homens, que, bem applicados, poderiam
dar optimos trabalhadores, industriaes, mechanicos e operarios, emfim
braços productores, forças vivas para o paiz?

É ainda o mesmo estadista que responde a esta interrogação. _O exercito
serve apenas para luxuosas paradas e acompanhamentos de procissões,
policia de feira e operações da urna eleitoral._ (Marianno de Carvalho,
_idem_, _ibidem_).

E para sermos francos, visto que n'este momento seria um crime encobrir
todo o mal, _a opinião publica_, talvez mal orientada, é-nos grato
crêl-o, _chega até a affirmar que o exercito vive, satisfazendo-se-lhe
as suas exigencias, para sustentaculo das instituições, para esteio e
amparo do throno_. Não o cremos.

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Toda a instituição que viver pela força, ha de cahir pela força, porque
as instituições hão de ser sempre a expressão consciente da vontade da
nação; teem de viver da communhão de interesses e da identificação com o
paiz a que presidem.

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Mais, e mais revoltante ainda:--_a opinião corrente é de que o exercito
não custa ao thesouro publico a verba de 5:100 contos de réis, que
accusa o orçamento_.

Franca e imparcialmente, será isto administrar um paiz?

Administrar um paiz não é inscrever verbas colossaes no orçamento geral
do Estado, para manutenção da força que não existe, e ainda quando
exista, não gasta o que querem que ella gaste.

_Administrar um pais não é falsear o povo administrado, distrahindo
verbas que a opinião publica aponta destinadas a interesses
secundarios._

O exercito que temos, mesmo completo, poderia custar--dizem-no todos os
que entendem do assumpto--o maximo tres mil contos de réis. _Em que se
empregam, pois, os restantes?_

É sem se darem inteiras explicações á opinião publica por estas e outras
responsabilidades tremendas, que impendem sobre o nossos
administradores; é sem se lavarem d'estas vergonhosas accusações... que
se tem o impudor de vir pedir aos unicos que podem contribuir para o
desenvolvimento organico da nacionalidade, que paguem mais!

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Quando no seculo passado, em 1776, Turgot pretendia que, para salvar a
França d'uma crise muito similar á nossa, esta tivesse uma representação
nacional de todas as classes, desde a communa até ao Estado; quando
luctava pela egualdade e unidade do imposto e pela diminuição das
despezas; quando pedia liberdade absoluta nos cambios e no trabalho, e a
facilidade de communicações, os aulicos, os grandes senhores, envoltos
nos festins da côrte, ultimos reflexos dos tempos de Luiz XIV, nem
sequer o ouviam.

Mais tarde veiu Necker, que não é senão um Turgot em miniatura; depois
de Necker, Calonne e Lomenie seguiram o mesmo caminho, até que se chegou
a 1789, e um adepto do reformador de 1776, Mirabeau, poz em pratica, com
a energia do seu genio, as transformações reclamadas por todos. Depois
não se fez uma reforma, _estoirou uma revolução_, e as idéas então
chimericas de Turgot triumpharam!

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B

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_A nossa vida administrativa tem corrido sempre desordenada, e os nossos
orçamentos feitos de molde a ser a despeza superior á receita, não
obstante esta augmentar annualmente em perfeita progressão geometrica._

Assim, em 1821, quando o paiz acordava sobresaltado pela aurora da
revolução de 1820, o orçamento do Estado accusava uma receita de
7.677:139$368 reis e uma despeza de 8.519:100$000 reis, dando já um
_deficit_ de 841:960$632 reis. O _deficit_ continua a crescer,
oscillando annualmente, por essas epocas, entre dois mil e quatro mil
contos. Em 1841, vinte annos depois, as nossas receitas elevam-se já a
10.332:626$618 reis, isto é, mais 2.655:487$250 reis, e a despeza a
11.775:181$182 reis, isto é, mais do que em 1821 a somma de
3.256:081$182 reis. Vê-se por tanto que se a receita augmentou, tambem
cresceu a despeza, e longe de se equipararem a receita e a despeza, esta
continúa sempre sendo superior áquella. É o velho systema de
administração que tanto nos tem prejudicado: gastar, gastar muito, sem
attender á extensão das nossas forças.

Uma rapida analyse pelos orçamentos nos demonstrará quanto é verdadeira
tão pungente afirmativa.

Vimos que em 1841-42 o orçamento accusava já uma grande subida,
simultanea na receita, na despeza e no _deficit_. Pois em 1862, a pouco
trecho depois do movimento da regeneração e da conversão da nossa
divida, o orçamento estadea o mesmo systema de
desequilibrio:--14.328:760$273 reis de receita e 15.304:524$225 reis de
despeza.

Subindo assim receita, despeza e _deficit_, por que havemos, pois, de
nos surprehender com as difficuldades que assediam, ha tres annos, a
nossa vida collectiva? _São a consequencia mais natural e mais directa
dos erros longamente accumulados em successivos desbaratos._

E não vá julgar-se que nos insurgimos contra o augmento que teem tido as
receitas do Estado. Insurgimo-nos contra a administração que tem
incidido sobre essas receitas.

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Como provam os administradores d'este paiz que se gaste com o exercito a
quantia de réis 5.123:656$201, quando em 1874-1875 a despeza com o
exercito subia apenas a 3.406:380$630 réis? Que razões haverá hoje para
este augmento de despeza? _Acaso temos nós em 1893 melhor exercito, e
estão mais fortificadas as nossas praças e mais guarnecidos os nossos
fortes, para que assim se explique este excesso de mais de 1:500 contos
de reis?_

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O que não póde ser, é continuarmos a vida que havemos levado ha setenta
annos, com _deficits_ constantes.

O seguinte quadro que copiamos do livro do Barão de S.
Clemente--_Estatisticas e biographias parlamentares portuguezas_--prova
incontestavelmente tudo o que deixamos dito.


=====================================================================
Annos|    Receita     |    Despeza     |    Saldo    |   _Deficit_
-----+----------------+----------------+-------------+---------------
1860 | 11.866:871$879 | 13.232:060$133 |             | 1.365.188$254
1861 | 11.922:580$116 | 14.022:375$923 |             | 2.099.795$807
1862 | 12.731:770$544 | 14.338:668$801 |             | 1.606.898$257
1863 | 14.328:760$273 | 15.304.524$225 |             |   975.763$952
1864 | 14.866:736$923 | 16.829:333$235 |             | 1.962.596$312
1865 | 16.500:377$685 | 17.147:964$812 |             |   647.587$127
1866 | 17.226:219$094 | 17.867:553$139 |             |   641.334$045
1867 | 15.880:635$189 | 19.375:792$376 |             | 3.495.157$187
1868 | 16.757:625$754 | 22.427.625$754 |             | 5.670.000$000
1869 | 16.107:698$500 | 23.156:269$146 |             | 7.048.570$646
1870 | 15.357:216$000 | 19.875:024$915 |             | 4.517.808$912
1871 | 17.960:666$325 | 22.193:984$247 |             | 4.233.317$925
1872 | 18.273:394$325 | 22.194:727$630 |             | 3.921.333$305
1873 | 19.753:900$261 | 22.430:399$267 |             | 2.676.499$006
1874 | 22.350:764$287 | 22.608:777$045 |             |   258.012$758
1875 | 21.995:970$000 | 21.925:312$110 |  70.657$590 |
1876 | 23.152:432$000 | 22.693:253$595 | 459.178$405 |
1877 | 24.059:981$000 | 23.317:506$405 | 742.474$595 |
1878 | 25.262:124$000 | 26.418:047$362 |             | 1.155.923$362
1879 | 25.358:276$000 | 28.162:084$586 |             | 2.803.808$586
1880 | 26.329:842$000 | 29.413:160$305 |             | 3.083.318$305
1881 | 26.211:568$000 | 29.636:518$531 |             | 3.424.850$531
1882 | 28.567:212$000 | 30.360:857$061 |             | 1.793.645$061
1883 | 28.529:838$000 | 30.837:374$960 |             | 2.307.536$960
1884 | 31.226:590$000 | 31.485:881$162 |             |   259.291$162
1885 | 31.195:037$000 | 31.967:164$351 |             |   772.127$351
1886 | 31.378:490$000 | 33.265:651$968 |             | 1.887.161$968
1887 | 32.271:150$000 | 34.018:729$028 |             | 1.747.579$028
=====================================================================


Temos, porém, o seguimento do mesmo systema de administração nos annos
subsequentes até 1890:


=====================================================================
Annos|    Receita     |    Despeza     |    Saldo    |   _Deficit_
-----+----------------+----------------+-------------+---------------
1888 | 38.104:359$084 | 38.798:984$380 |             |   686:625$296
1889 | 37.312:346$385 | 39.165:380$387 |             | 1.353:016$052
1890 | 39.284:695$778 | 42.780:655$496 |             | 2.545:859$718
=====================================================================


Basta. O que se tem passado depois de 1890, isto é, depois que os
effeitos das crises financeira e economica se fizeram sentir
assustadoramente, é ainda mais desanimador.

Tal systema de administração, que traz em perpetuo desequilibrio os
orçamentos, não pode produzir outros effeitos, que não sejam os que
estamos soffrendo, _quasi sem esperança de encontrar sahida d'este
labyrintho_.

E não encontraremos, emquanto os orçamentos do Estado se apresentarem,
como ainda vemos o de 1893-1894, com _deficits_ mais ou menos
consideraveis, e tendo, além d'isto, de se desviar 49,9% das receitas,
isto é, 21.838:340$000, só para pagamentos de juros e amortisações.
Assim é evidente e incontestavel que a vida economica do paiz ha de ser
difficil, acanhada, impossivel.

No balanço geral da Europa, na cotação dos povos, Portugal _é a segunda
nação em encargos, e occupa o segundo logar na taxa dos impostos_.

Assim temos que


A França paga por habitante      12$726 réis
Portugal   »   »       »          9$581   »
Hespanha paga por habitante       8$660 réis
Italia     »   »     »            8$460   »
Hollanda   »   »     »            8$300   »
Belgica    »   »     »            4$900   »
Dinamarca  »   »     »            4$536   »
Suecia e Noruega »   »            3$300   »
Suissa         »     »            1$800   »


Como se vê n'este quadro, só a França apresenta maior quota de impostos;
e a França tem, para justificar esta taxa exaggerada, as causas que
todos conhecem. Desde a revolução encyclopedista, que caracterisa o
seculo XVIII, e se affirma nas revoluções americana e franceza, até á
guerra franco-prussiana, a França só se tem debilitado, perdendo forças,
atrophiando os seus elementos de riqueza. O terceiro logar é occupado
pela Hespanha; mas a Hespanha, atravessa, ha mais de sessenta annos, um
longo periodo de sangrentas luctas intestinas; a Hespanha sustenta, a
troco de extraordinarios sacrificios, principios de liberdade, que lhe
teem custado largas sommas de dinheiro e copiosos caudaes de sangue.

Prosigamos.

_Se somos o segundo paiz na quota proporcional de impostos, tambem somos
o primeiro nos encargos da divida publica._ Nem a França, com todos os
seus desastres, nem a Italia com a demorada elaboração da sua unidade,
com as despezas que a unificação lhe impoz, nem com a manutenção do seu
grande exercito, para poder entrar no numero das potencias europêas,
_nenhum paiz nos excede_, como se póde ver:


Portugal paga para a divida publica  49,9
França     »           »       »     42,9
Hespanha   »           »       »     32,7
Belgica    »           »       »     30,5
Hollanda   »           »       »     30,5
Italia     »           »       »     30,3
Dinamarca  »           »       »     22,4
Suecia     »           »       »     12,5
Suissa     »           »       »      0,4


Não temos a pretenção de fazer um inquerito á nossa vida administrativa;
mas queremos, n'um rapido bosquejo, demonstrar, com a logica dos factos
e com a evidencia dos algarismos, quanto teem sido mal applicados os
dinheiros publicos. _Occupando os primeiros logares nos encargos de
dividas e na taxa proporcional de impostos, pertence-nos infelizmente o
ultimo em qualquer ramo de actividade humana ou em qualquer symptoma de
civilisação._

Isto é duro e aspero, mas é verdadeiro.

Não se julgue uma affirmativa gratuita o que aqui deixamos dito. _Somos
o ultimo paiz, de entre os que acima citamos, em movimento commercial,
como tambem somos o ultimo nas despezas da instrucção popular._

Temos a prova em que o Estado durante o periodo de dez annos, que
decorre de 1880 a 1890, _gastou_, pelo ministerio do reino, _com a
instrucção primaria a somma de 733:464$000, emquanto que com os dois
corpos da guarda municipal, Lisboa e Porto, o mesmo ministerio do reino
dispendeu 2.447:484$000 ou mais 1.714:020$000 réis_. É obvio que n'esta
verba não entram as sommas gastas pelos municipios e juntas districtaes;
mas não podiam entrar, porque essas verbas são dispendidas á parte, e
teem tambem imposto especial, não entrando portanto no orçamento geral
do Estado.

A consequencia d'isto vemol-a na estatistica da nossa instrucção. Esta
accusa que, tendo o paiz uma população de 4.550:699 almas, d'onde se
devem descontar 634:480 ficando portanto uma população adulta de
3.916:219, _nós apresentamos a extraordinaria percentagem de 79,5% de
analphabetos_. Tal é o estado da instrucção popular, o que a ninguem
deve surprehender, se se considerar que, _tendo nós 3:961 freguezias,
existem 1:402 sem escola_.

Continuemos.

Póde acaso prosperar e desenvolver-se um paiz, cuja população tende a
desapparecer por diversas e multiplas causas?

E não se julgue que dizemos que a população tende a desapparecer, sem a
consciencia da verdade que affirmamos. Em Portugal, póde affoutamente
dizer-se, de todas as causas apresentadas pelo grande escriptor inglez
Townsend, que retardam a propagação da especie, e por consequencia dão
uma baixa consideravel na população, ha uma, maxima entre todas, que
contribue para este phenomeno--é a corrente, avolumada quotidianamente,
da nossa emigração.

Se a isto accrescentarmos a alimentação insufficiente, as doenças que,
por falta de condições hygienicas, victimam centenares de pessoas nos
principaes centros do paiz; o pessimo das nossas habitações; a ausencia
de commercio para desenvolvimento de algumas industrias que possuimos, e
de mercados para o excesso d'esses productos; a sahida de capitaes,
originada por uma detestavel organisação administrativa, que nos absorve
improductivamente uma parte das nossas receitas; assim teremos, em
synthese, compendiadas _as origens da ruina e decadencia do paiz_.

Ora, n'estas circumstancias, quando se estadeam tão claras as causas
efficientes da nossa ruína, que esperanças, embora debilissimas,
poderemos ter de melhoria de condições, _se vemos que não ha em todo o
plano administrativo uma só reforma séria, verdadeira, grave, que possa
oppôr barreiras ás consequencias tremendas que se avisinham na agonía de
uma nação exhausta e faminta_.

A verdadeira e principal reforma consistiria, como já dissemos, em
entrar pelo orçamento, cortar sem deferencias e sem hesitações as verbas
superfluas, as despezas injustificaveis e inuteis, que elle apresenta,
cobrar, com todo o rigor, os impostos actuaes, estudar uma organisação
tributaria para o imposto predial em todo o paiz--porque é esse um dos
que pode e deve produzir mais,--procurar libertar-nos por todas as
fórmas e á custa de todos os sacrificios dos enormes encargos que nos
impõe a nossa divida, e assim teriamos redimido os passados erros.

É mister que o orçamento soffra profunda amputação nas verbas que, não
só não teem utilidade alguma, mas nem sequer se justificam pelas
chamadas exigencias da civilisação.

...........................................................................

_Em 1884 o funccionalismo levava-nos a bonita cifra de 14.453:294$381
réis, e em 1891 eleva-se essa cifra a 20.352:768$526 réis._ No mesmo
periodo encontramos que as despezas extraordinarias sobem de
4.174:804$426 a 8.611:796$840 reis, isto é, _apresentam um augmento de
105%, ou o melhor de 4.436:992$414 réis_.

E estará aqui tudo quanto a burocracia custa ao thesouro publico?

Não, porque _a par d'este funccionalismo que no orçamento figura como
trabalhando, temos não menor quantidade, de pessoal inactivo, que ao
paiz custa a importante quantia de 3.242:162$092 reis, como se póde ver
pelo orçamento de 1893 a 1894. Emfim, as classes inactivas trazem-nos o
encargo annual de 712 réis por habitante, isto n'um paiz, que não tem
sabido desenvolver nem aproveitar os seus recursos economicos._

Mas poder-nos-hão objectar, os que por acaso nos julguem de menos boa
fé--e os melhoramentos materiaes que hoje possuimos?

Lá vamos, e com tanta mais imparcialidade, quanto é certo que, em
primeiro logar, confessamos que, no principio d'este seculo, o nosso
paiz pelo seu estado de atrazo, era olhado com sobrecenho e desdem pelos
demais da Europa.

Sabemos todos que, terminadas as revoluções que na nossa historia se
protrahem de 1820 a 1851, começou a agitar-se o paiz na febre de
melhoramentos materiaes. Pois bem, esses melhoramentos, desde 1852 até
nós, isto é, n'um prazo de 42 annos, custaram-nos a somma de réis
191.000:000$000. Porém, como emittimos inscripções no valor de
526.694:000$000 réis nos mesmos 42 annos, inscripções que, ao preço
médio de 50% representam a cifra de 263.347:000$000 réis, temos portanto
um excesso de 77.347:000$000 réis sobre a verba de 191 mil contos, em
que nos importaram os melhoramentos materiaes.

Mas, segundo a opinião d'um eminente escriptor (Oliveira Martins,
_Portugal Contemporaneo_, pag. 462 do vol. 2.^o), até 1880 os
melhoramentos materiaes custaram-nos 58 mil contos. Restam-nos ainda 12
annos. Calculando, portanto em 2 mil contos de média annual, consumidos
em melhoramentos, teriamos, n'estes 12 annos, 24 mil contos, e nos 42
annos 82 mil contos. Ora d'esta verba para a dos 191 mil contos,
accusada pelo relatorio do ex-ministro da fazenda, ha uma differença de
109 mil contos, que se poderiam dizer applicados em melhoramentos
moraes, se nós não vissemos já rapidamente esboçadas as verbas que
n'esses melhoramentos, e mormente em instrucção, consumiu o ensino
publico.

_Paiz algum da Europa, illuminado e esclarecido pela luz da civilisação,
dispende tão pouco com a instrucção popular como Portugal. Em
compensação, porém, só em despezas quasi na totalidade improductivas,
das quaes o paiz pouco tem a esperar, gastamos (numeros redondos) a
bagatella de 34:900 contos de réis, isto segundo o orçamento do 1893 a
1894._

...........................................................................

Ora as nossas receitas chegam, como se sabe, a pouco mais de 43:000
contos de réis, dos quaes deduzida a verba acima descripta, resta um
saldo de cerca de 9:000 contos de réis, isto é, quasi um quinto das
nossas receitas.

O que temos, pois, para applicar ás despezas productivas, isto é ao
desenvolvimento do nosso commercio e da nossa industria, á prosperidade
do nosso dominio colonial e da nossa agricultura?

...........................................................................

_A verdade é esta: um decimo das nossas receitas, se tanto, é quanto se
applica ao desenvolvimento das fontes productoras da nação._

A pag. 466 do 2.^o vol. do _Portugal Contemporaneo_ diz o seu illustre
auctor--«Podia n'este periodo (1852 a 1880) ter occorrido uma guerra que
absorvesse mais (emprestimos), mas não houve. Só uma terça parte do
augmento da divida é justificavel; os dois terços restantes proveem do
systema de amortisar os _defficits_ successivos por meio de emprestimos,
sujeitando o thesouro á progressão do juro.»

...........................................................................

«Pouco mais de 1/4 apenas das despezas totaes póde ter, entre nós, um
destino progressivamente proficuo; e o peso exorbitante dos encargos da
divida _impede que se dotem convenientemente os serviços publicos_ com
metade proximamente do orçamento das despezas, como succede em quasi
todas as pequenas nações analogas de Portugal.»

...........................................................................

«_É mister concluir, pois, que somos o mais pobre dos povos da Europa._»


A auctoridade incontestavel do illustre historiador sr. Oliveira
Martins, ex-ministro da fazenda, é bastante, e desobriga-nos de qualquer
comentario.

Continuemos a nossa revista pelo orçamento.

Em 1874 a 1875 o ministerio dos negocios extrangeiros custava ao
thesouro 248:248$798 rs.; no anno economico de 1893-1894 esta verba
eleva-se á somma de 390:209$700 réis.

Poderá o nosso paiz, nas deploraveis condições economicas em que se
encontra, sustentar embaixadores permanentes? _E para quê esse luxuoso
corpo diplomatico, se para qualquer questão teem de enviar embaixadores
extraordinarios, como os srs. Barjona de Freitas á Inglaterra, Antonio
de Serpa á Allemanha, Mattoso dos Santos ao Brazil?_

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O que, porém, não se comprehende, é que em peregrinação pelos corredores
de S. Bento, e atravéz d'uma candidatura, alcançada por influencias de
qualquer ordem, se obtenha um logar de funccionario publico,
simplesmente para receber o ordenado, mas sem uma só vez apparecer a
desempenhar as funcções do seu emprego, sob pretexto de pertencer a
commissões que teem trabalhos no interregno parlamentar. Isto é que não
é correcto nem compativel com as forças do thesouro.

Ora exemplos taes superabundam por esse paiz. Quantos lentes de escolas
superiores, e outros funccionarios de elevada esphera, se jubilam, sem
nunca terem desempenhado o cargo em que, passado um certo praso de
tempo, se aposentam?

D'aqui a excessiva somma que nos custam as classes inactivas:--mais de
tres mil contos, como já vimos.

E são, em toda a plenitude do vocabulo, verdadeiramente inactivos os
homens que constituem essas classes, ou pelo menos incapazes d'um certo
esforço, impossibilitados d'uma quota parte de trabalho?

Um exemplo responderá por nós.

Um venerando lente de mathematica completou o tempo que a lei requer, e
jubilou-se com o respectivo ordenado; _mas em seguida veio occupar,
muito dignamente, o logar de director geral das alfandegas_.

No desempenho d'este cargo occorreu um concurso de verificadores, que
por circumstancias e peripecias se tornou verdadeiramente _ruidoso_. O
facto levou o respeitavel conselheiro a aposentar-se no logar de
director geral das alfandegas.

Entretanto s. ex.^a, não obstante estar duas vezes aposentado, podia
ainda prestar ao paiz os seus valiosos serviços. _Foi eleito par do
reino, e logo membro do conselho superior de instrucção publica, logar
que então era remunerado._

A providencia dos tristes lembrou a um dos nossos conspicuos
reformadores o crear um ministerio de instrucção publica, e eis logo o
mesmo funccionario, que já era lente aposentado, director geral das
alfandegas, aposentado, membro da junta consultiva de instrucção
publica, não sabemos se tambem já aposentado, eil-o logo, diziamos,
feito director geral d'uma das repartições do novo ministerio. Como,
porém, este foi supprimido, s. ex.^a, o illustre conselheiro a que nos
estamos referindo, foi collocado fóra do quadro, como director geral
addido.

Aqui está um exemplo bem frisante do que são entre nós os inactivos.

Receberá o venerando conselheiro em questão, remunerações por todos
estes logares, em que successivamente se tem impossibilitado?

Com franqueza, esta interrogação, se só consultarmos a moralidade, deve
ter uma resposta negativa; _mas a moralidade, infelizmente, em coisas
d'esta ordem, de ha muito que velou a face, para não a verem ruborisar a
miudo_.

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_N'um paiz onde o arbitrio impera para tudo, é evidente que tambem o
arbitrio e a desordem teem de reinar em tudo._

...........................................................................

Um outro assumpto reclama instantemente as attenções dos nossos homens
publicos:--referimo-nos ás colonias.

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As colonias, que deveriam ser um centro de actividade para o nosso
commercio e para a nossa industria, offerecem tristemente nos orçamentos
da metropole um saldo negativo. Assim os orçamentos de 1893-94 das
provincias ultramarinas accusam os seguintes _deficits_:--Guiné,
121:486$350 réis; Angola, 47:278$575 réis; Estado da India, 132:620$593
réis; Moçambique, 164:920$430 réis. Se a estas verbas accrescentarmos os
subsidios e garantias de juros ás companhias de caminhos de ferro, que
se elevam a 1.052:500$000 réis, teremos tambem, em resumo, quanto, muito
por alto, dispende o thesouro publico com as colonias.

Isto é tanto mais pungente, quanto é certo que, á altura em que se
encontra a civilisação, os demais paizes, teem estudado com rigorosa
observação o problema colonial, e dos seus estudos colhem immediatos
resultados, ao passo que Portugal, resvalando da craveira das potencias
coloniaes, tem decahido a olhos vistos.

É tristissimo o futuro que nos aguarda, se para este importante assumpto
não quizerem os governos volver tambem os seus olhares. Sem navios, nem
marinha mercante, quando pelas circumstancias geographicas e
climatericas Portugal deve ser uma nação maritima, nem sequer temos
cotação entre as marinhas mercantes das nações do mundo.

As circumstancias excepcionaes em que nos encontramos, circumstancias
provenientes já da condição do _meio_, já da fatalidade da nossa raça,
impõem-nos o dever de mantermos o nosso prestigio colonial, dever
imperioso, visto possuirmos excellentes e bravos officiaes de marinha.

...........................................................................

Como correspondem, porém, os governos ás dedicações extraordinarias que
a patria ainda inspira n'essas almas valentes e revibrantes, n'esses
corações alevantados?

Sabem-no, como nós, os leitores; conhecem-no quantos olharem para o
estado da nossa marinha.

Contamos um quadro de armada composto de:--2 vice-almirantes, 11
contra-almirantes, 28 capitães de mar e guerra, 23 capitães de fragata,
64 capitães-tenentes, 80 primeiros tenentes e 76 segundos tenentes.

Total--294 officiaes.

Ora, segundo a respectiva tabella, para as exigencias do serviço de
embarque, só se carece de 144 officiaes.

Portanto, temos collocado em differentes commissões 150 officiaes; isto
é, contamos fóra do serviço um pessoal distinctissimo, que honra o paiz
e que poderia ser muito mais util á patria na armada do que nas
commissões. Logo o nosso pessoal é superior ao que realmente nos pedem
as exigencias da marinha.

E emquanto nós luctamos com a falta de navios, de couraçados, etc.,
etc., a Hollanda, cujo dominio e poderio colonial augmentaram á custa
das colonias portuguezas, graças á revolução de 1640, tem uma armada
composta de 24 couraçados de differentes modelos, 26 cruzadores, 32
canhoneiras, 38 torpedeiros, 1 transporte de torpedeiros. Total, 140
navios. Tal era a armada hollandeza em principios de 1892.

Compare-se isto com a nossa marinha:--1 couraçado, 6 corvetas, 10
canhoneiras, 5 torpedeiros, etc., emfim, uns 40 vapores, além de 14
navios de véla, e em que estado de conservação!...

Para um paiz maritimo e colonial não se póde realmente exigir mais!...

Mas poderiamos ainda ter a consolação de supprir esta falta com a
marinha mercante, se não vissemos que, como atraz dissémos, nem temos
cotação entre as marinhas mercantes das nações do mundo.

A Suecia só por si, e independente da Noruega, conta 1:029 navios de
véla na sua marinha mercante, com a lotação, em peso, de 299:000
toneladas, e 491 navios a vapor, com a lotação, em peso, de 163:000
toneladas; a Hollanda, cuja importancia geographica não é, decerto,
superior á nossa, e cuja densidade demographica não é maior do que a de
Portugal, tem uma marinha mercante de 390 barcos de véla e 149 navios a
vapor, com a lotação, em peso, de 799:000 toneladas.

Como poderá, pois, Portugal fazer concorrencia aos paizes estrangeiros,
que assim se apresentam em condições de entreter um commercio activo com
os povos de regiões, onde os progressos ainda não tenham desenvolvido a
vida industrial?

...........................................................................

Quando em julho de 1893, esta associação affirmou, na representação
dirigida á camara dos pares, que Portugal atravessava n'este momento uma
crise muito similar á da França, em 1776, ao alvorecer das reformas de
Turgot, espiritos mais apprehensivos chegaram a suppôr que esta
collectividade appellava para a revolução.

O pensamento era, e bem o via quem imparcialmente quizesse olhar para
esse trabalho, que ou Portugal se lança n'um caminho de reformas serias
e profundas pelo que respeita á sua organisação financeira, _ou a
bancarrota official e franca--porque disfarçada a temos nós--apparece de
improviso com todo o seu cortejo de horrores_.

Não póde haver maior desegualdade de impostos do que existe em Portugal.

Emquanto o imposto predial de todo o reino produz 2.884:000$000, o
imposto de consumo só em Lisboa dá 2.122:500$000. Mas mais do que o
imposto predial em toda a nação, produzem os impostos de tabaco e sello.

Exemplifiquemos:


Imposto do sello                      1.434:000$000
Imposto de importação de tabacos      4.350:000$000


_Como se vê, pois, o imposto predial em todo o paiz apenas rende mais do
que os direitos de consumo, só em Lisboa, a quantia de 761:500$000
réis._

É único. Francamente, _em que outro paiz da Europa acontecerá que os
direitos de consumo só d'uma das suas cidades produza quasi tanto como o
imposto predial de toda a nação_?

Mas mais extraordinario se nos afigura que o imposto de importação de
tabacos produza mais que todo o imposto predial a importantissima verba
de 1.466:000$000 réis!

...........................................................................

_Se na voragem em que vamos quasi absorvidos, ainda podem restar alentos
para uma reacção energica e seria, que a nação não a delongue, aliás
corremos risco de accordar muito tarde._»

Á vista do exposto, quando outros motivos mais graves e poderosos não
existissem, pareceria occioso insistir na absoluta legitimidade e na
necessidade imperiosa de um partido republicano em Portugal, em nome da
salvação publica.

Mas a larga transcripção que fizemos e que por si só absolveria trinta
revoluções, está, penoso é dizel-o, muito aquem da verdade.

Não se encontram alli, traçadas com sangue e lagrimas, as paginas
vergonhosas e ultrajantes da nossa politica de subserviencia e
aviltamento perante o estrangeiro. Não são alli descriptas essas
negociações sem _simile_ nos annaes da diplomacia europeia e em que
pouco a pouco temos ido cedendo, sem combate e quasi sem protesto, os
restos do patrimonio ultramarino e do prestigio moral que os nossos
maiores nos legaram. Não se apontam n'essa exposição, circumscripta aos
limites de um documento d'aquella ordem, destinado á leitura rapida e á
synthese compendiadora dos innumeros episodios da villeza
constitucional, os nomes d'esses _parvenus_ sem pudor que, mercê da sua
illimitada audacia, da ausencia absoluta de senso moral e da impunidade
que as instituições lhe garantem, se abateram como um bando de abutres
sobre os restos ainda palpitantes de uma nacionalidade outr'ora gloriosa
e opulenta, cevando sobre essa pobre agonisante os appetites vorazes e
estadeiando em publico, impudicos e sorridentes, o fructo das suas
ignobeis proezas!

A Associação Commercial de Lisboa omittiu esses pormenores degradantes.
Ao honrado commercio portuguez repugnou esse inquerito ao pantano
constitucional. Pensou e pensou bem que era inutil insistir sobre taes
miserias, quando os seus documentos vivos transitam pelas ruas das
cidades, á luz do dia, fazendo descrer o publico da existencia e
utilidade das Penitenciarias.

Analysem os nossos queridos compatriotas residentes no Brazil a vida das
instituições desde o _ultimatum_ britannico. Distraiham alguns momentos
do seu labutar para os dedicarem a este inquerito e creiam que não
perderão o tempo e que, ao concluirem o seu exame, ficarão tão
convencidos como nós da necessidade imperiosa de pôr termo a um estado
de cousas fundamentalmente immoral, ruinoso e iniquo.

E não se diga que a marcha do partido republicano em Portugal se tem
effectuado precipitada e tumultuariamente. Pelo contrario.

Se exceptuarmos o movimento de 31 de janeiro que poz uma nota de
protesto viril no meio d'esta apathia que enerva e mata, a evolução
republicana tem caminhado lentamente, progredindo á custa dos erros
repetidos, dos attentados inqualificaveis e da absoluta impotencia dos
nossos adversarios.

Tem sido a propria monarchia que, impellida mau grado seu, pelos vicios
incuraveis da sua constituição organica, se tem ido dissolvendo
rapidamente, pela desaggregação dos elementos que a compõem.

O partido republicano, hoje, quasi se limita a archivar na sua imprensa
esse estendal de torpezas, para mais tarde o articular no seu libello
final.

Não pode a monarchia escudar-se, para cohonestar os seus erros, em
grandes cataclysmos imprevistos, nas agitações revolucionarias, na
perturbação determinada por factores hostis à sua inteira liberdade de
acção. As instituições portuguezas são, sob esse ponto de vista, o mais
completo specimen da inteira _irresponsabilidade_.

O paiz disfructa ha cincoenta annos uma paz octaviana. Os clamores da
opinião publica são desattendidos sem protesto. As liberdades publicas
vão sendo rasgadas sem conflicto. As questões internacionaes, resolvidas
vergonhosamente para nós, nem sequer determinam motins e apenas, de
quando em quando, fazem cahir um ministerio. Homens publicamente
apontados como auctores de peculato e concussão continuam a usufruir as
melhores graças da cornucopia realenga e a exercer os primeiros cargos
da administração e da politica. Em resumo, a monarchia tem tido até hoje
carta branca para nos tratar como paiz conquistado, sem peias nem
restricções.

Que culpa temos nós, se depois de tudo isto esse regimen condemnado nos
deixa sem pelle, sem credito e quasi sem esperanças de futuro?

Depois--e é esta a mais imperiosa e fulminante das considerações--é a
propria instituição que combatemos a que se encarrega de nos indicar o
verdadeiro caminho a seguir.

De facto, a monarchia de ha muito que _moralmente abdicou_.

Essa abdicação vem do tratado de 20 de agosto, pateado no Parlamento.

Desde essa epoca que Portugal não é uma nação monarchica:--é um _campo
de experiencias_.

O partido progressista, depois do _ultimatum_, confessou-se impotente e
desacreditado e não voltou ao poder.

O partido regenerador, confessou-se desacreditado e impotente e teve a
mesma sorte.

Como todos sabem, eram e são estes os dois grandes aggrupamentos
constitucionaes.

A monarchia recorreu então aos gabinetes pittorescamente classificados
pelo publico de «_ministerios nephelibatas_», fazendo successivas
experiencias que só tem servido para desacreditar novos homens
desacreditando o paiz.

Por ultimo, chegamos á deploravel situação actual, que a muitos se
affigura insoluvel, tendo imminente uma declaração official de fallencia
e a fiscalisação dos credores extrangeiros.

Ora isto não se occulta nem se defende em nome do patriotismo.
Combate-se e combate-se até á barricada.

Felizmente que no partido republicano portuguez ha muita gente disposta
a jogar a vida pelo seu paiz sem inquirir do _preço_ do sacrificio.

Não são esses os que desacreditam o Brazil!

       *       *       *       *       *

O partido republicano portuguez, tão calumniado pelos nossos
adversarios, mas sempre tão superior ás calumnias pela sua conducta
altamente digna e patriotica, é hoje o unico partido nacional, o unico
sob cuja bandeira tem vindo acolher-se os homens de bem, os homens de
principios e de convicções e os desilludidos que ainda possuiam o brio e
o amor patrio sufficientes para renegarem, a tempo, a perigosa
solidariedade com os delapidadores da honra e do credito do seu paiz.

É longa a serie dos serviços absolutamente _desinteressados_ que á sua
terra tem prestado os membros da democracia portugueza, até hoje,
felizmente, ao abrigo das vergonhosas accusações que impendem sobre as
figuras sinistras da monarchia portugueza.

Pode bem affirmar-se que comnosco estão hoje em Portugal os elementos
sãos da sociedade portugueza. O nosso pessoal, recrutado no professorado
das escolas, no commercio, na industria, na propriedade, no capital, em
todas as classes sociaes, em todos os ramos da actividade nacional, é
hoje respeitado e justamente temido pelos nossos adversarios,
constituindo, com o appoio do povo, uma força poderosa e uma esperança
de rehabilitação para a nossa querida patria.

O simples parallelo entre os vultos em evidencia no partido republicano
e o pessoal monarchico basta para estabelecer entre nós e os inimigos da
patria uma differença radical e palpavel. Como vivem e de que vivem
elles? Como vivemos e de que vivemos nós? Interrogação bem simples mas
que basta para orientar o verdadeiro portuguez no caminho que lhe cumpre
seguir.

Os homens do partido republicano, ou vivem do trabalho honrado, tenaz e
persistente, não raro cortado de difficuldades e angustias de toda a
ordem, ou dos lucros do capital ou da propriedade adquiridos por esses
processos honestos e laboriosos. A sua existencia, divide-se entre a
satisfação das suas obrigações pessoaes e o cumprimento dos seus deveres
civicos. Usam de um nome impolluto e gosam de universal consideração.

Quaes os recursos da quasi totalidade dos nossos adversarios? Por nós
respondem o orçamento e as folhas de vencimentos. Vivem do Estado,
encrustados aos redditos publicos como o mexilhão ao rochedo, escravos
da mais ultrajante das dependencias, serventuarios de uma instituição
que lhes alquila as consciencias e lhes coarcta por completo a liberdade
das convicções e a independencia de conducta. Uma perfeita escravatura
branca, sem a attenuante da violencia e as sympathias que á humanidade
sempre despertou a causa dos negros.

A politica é para os primeiros um onus, para os segundos uma industria.
Para uns, uma sciencia, para outros um jogo da bolsa. Para os
republicanos, um meio de resurgimento patrio, para os monarchicos uma
profissão. E tanto assim que, não obstante os reiterados esforços da
democracia portugueza e até de alguns monarchicos bem intencionados,
ainda até hoje não conseguiu vingar em Portugal uma _lei de
incompatibilidades_.

O partido republicano portuguez, no cumprimento da nobre missão que se
impoz, tem levado ao excesso o seu profundo sentimento de dedicação e
respeito pela honra e prosperidade da Patria. Nas questões
internacionaes nunca elle trahiu uma prudente reserva ou deixou de
prestar aos governos do paiz o necessario appoio, sempre que este
procedimento não era incompativel com o direito e a rasão. Tambem jamais
negou o seu _placet_ aos actos dos adversarios que d'elle se tornassem
credores. Sómente, raras vezes teve o ensejo de assim se determinar,
porque raras vezes do ignobil _gachis_ constitucional afflora uma
individualidade que se recommende ou um acto de administração que se
imponha.

Iniciando dentro da sua propria constituição a obra moralisadora que
espera mais tarde effectuar no governo do Estado, a democracia
portugueza tem banido implacavelmente do seu gremio os especuladores
que, de longe em longe, pretendem deshonral-a, aviltando-a em accordos
indecorosos, em transacções inconfessaveis ou em procedimentos
contrarios ao espirito e á natureza da ideia que apostolamos, adquirindo
dia a dia sobre a opinião, por esta perfeita coherencia dos actos com os
principios, uma auctoridade legitima e incontestavel, postoque
apparentemente contestada pelos nossos implacaveis inimigos.

No seu programma de politica e administração, o partido republicano não
professa nem os radicalismos doutrinarios da metaphysica revolucionaria
nem tampouco esse opportunismo empirico dos estadistas de expedientes,
educados na trica indecorosa das instituições cuja missão historica
terminou. Educados nos principios da moderna escola positiva, tendo
sobre o governo e administração do Estado um criterio rigorosamente
scientifico, os homens da Republica impõem-se ao respeito e á
consideração publicas, a um tempo pelo seu valor moral e pela verdade
objectiva das doutrinas que de ha muito vem advogando na cathedra, no
Parlamento, na imprensa, nas aggremiações democraticas e nos comicios.

Á sua influencia sobre o espirito publico, exercida pelos processos da
propaganda a mais leal e a mais honesta, veio juntar-se, desde os
decretos liberticidas da dictadura de 90 e em especial desde o movimento
de 31 de janeiro, a tradicção do soffrimento nobremente supportado, sem
tibiezas nem desfallecimentos. Grave tem sido a crise que ha quatro
annos a democracia atravessa, convertida em alvo de todas as
perseguições e de todas as violencias, mas d'essa provação ella sahiu
mais nobre, mais honrada e mais triumphante do que nunca.

Nem os julgamentos, nem o carcere, nem o exilio, nem os infortunios de
toda a ordem, conseguiram nas nossas fileiras desfallecimentos ou
deserções. E, no entanto, quem sabe se as circumstancias de muitos dos
perseguidos não seriam de molde a absolvel-os da macula de uma
abdicação!

Não succedeu porém assim. Nem as promessas capciosas, nem a violencia,
nem a fome, poderam cousa alguma sobre os energicos temperamentos dos
nossos companheiros de lucta. Este facto, que constitue um exemplo e uma
esperança, é bastante para attrahir á nossa causa uma illimitada
sympathia.

O partido republicano é portanto, como dissemos, o unico partido
patriotico, o unico partido honrado, o unico partido com bandeira,
ideias, principios, orientação e plano rigorosamente scientificos,
orientado pelas necessidades moraes e materiaes da sociedade portugueza.
N'uma palavra, é o unico partido nacional.

E porque o é, e porque constitue hoje, em face da cabala monarchica, uma
legião formidavel, dia a dia accrescida por numerosas adhesões, e porque
a auctoridade dos seus homens, a seriedade do seu programma e a justiça
da sua causa se impõe irresistivelmente, tem a soffrer n'este momento,
que a monarchia considera decisivo, uma guerra feroz e sem quartel dos
interesses vinculados ao existente que contra ella colligam os ultimos
elementos de defesa.

D'esses elementos, um dos mais importes, até sob o ponto de vista dos
recursos materiaes (segundo se lhes affigurou ao dementado criterio) era
o sebastianismo luso-brazileiro que elles, na sua ignorancia dos
acontecimentos e da indole da grande nacionalidade sul-americana,
julgaram possuidor de todas as condições de exito.

Enganaram-se. Foram vencidos. E tamanha foi a derrota que devem ter
perdido todas as velleidades de recomeçar.

Se tivessem triumphado, as violencias contra a democracia portugueza
redobrariam de intensidade. Fortes do appoio do Brazil, os monarchicos
portuguezes não reconheceriam limites á sua criminosa insania.

Por isso sempre consideramos a lucta civil brazileira que parece ter
terminado como uma questão gravissima para o partido republicano
portuguez.

       *       *       *       *       *

De principio, apesar de affastados do theatro dos acontecimentos, se nos
affigurou que aos acontecimentos de 6 de setembro não eram estranhos os
manejos dos especuladores monarchistas e, sendo assim, logo suspeitamos
que a elles se alliassem as figuras desacreditadas da politica
monarchica portugueza. N'esta como em circumstancias identicas
continuavamos a depositar a mais absoluta confiança na reconhecida
inepcia da firma Bragança-Orleans.

De resto, a apparente submissão dos velhos partidarios do imperio, apoz
o 15 de novembro, nunca nos illudiu e sempre nos quiz parecer que esse
doce quietismo só servira para tranquillisar os defensores sinceros e
convictos das ideias republicanas, dando aos elementos hostis á nova
ordem de cousas o tempo necessario para, restabelecidos do primeiro
movimento de surpreza, se prepararem para a resistencia.


     «A situação politica do Brazil resente-se de vicios de origem que
     só agora vão emergindo á luz da critica e da verdade historicas.

     Aquelle 15 de novembro, tão apregoado em dithyrambos varios, como
     cheio de paz, de harmonia e de fraternidade, havia de, mais tarde e
     por força de uma logica indiscutivel, produzir o que produziu. Não
     se modificam sem violencia, não se transformam sem abalo, condições
     de existencia vinculadas ao tempo e aos interesses creados. Estes
     defendem-se quanto e emquanto podem e, ou o antagonismo se traduza
     na lucta franca e aberta á mão armada ou se enkyste no escuro dos
     conciliabulos ou nos recessos da conspirata, o facto positivo e
     real é que existe e só vencidos nos ultimos entrincheiramentos os
     conspiradores succumbem.

     Em 15 de novembro a propaganda republicana estava feita, mas o
     Imperio tinha ainda as solidas raizes das clientellas constituidas,
     dos interesses creados á sua sombra e a circumstancia, bastante
     ponderavel, do velho Imperador disfructar _pessoalmente_ uma certa
     estima. Ora, transformar radicalmente este estado de coisas pelo
     processo pachorrento e ordeiro do 15 de novembro, é impossivel!

     ......................................................................

     É o que está succedendo no Brazil e o que por certo continuará a
     succeder, até que novo estado de equilibrio produzido pela
     concorrencia de novas forças se consolide por fórma a não poder ser
     facilmente alterado».[2]

     ......................................................................
     ......................................................................

     «A lucta que desde 6 de setembro tem por theatro o territorio da
     Republica irmã era necessaria, era mesmo indispensavel á
     consolidação das novas instituições.

     Sempre o previmos, e n'_A Voz Publica_ manifestamos mais que uma
     vez as nossas ideias n'esse sentido. Parecia-nos demasiado pacifica
     a transformação de 15 de novembro e logo auguramos á covardia
     adhesista dos primeiros momentos largas tropellias em épocas mais
     desafogadas e mais livres.

     Por muito que uma fórma politica esteja condemnada pela opinião,
     por muito odioso que um determinado regimen se tenha tornado pelos
     seus actos, pela sua vetustez em face das conquistas do direito
     moderno, ha sempre uma larga cohorte de apaniguados que não se
     resignam facilmente á sua queda:--é a legião de interesses
     vinculados ao antigo estado de cousas cujo centro de gravidade as
     revoluções perturbam e deslocam.

     Sem principios, sem convicções, sem crenças, sem outro ideial que
     não seja a cevadeira, essa gente, muito covarde para reagir com
     risco, mas muito gananciosa para se deixar vencer sem protesto,
     constitue durante largo periodo um dos mais terriveis obstaculos á
     consolidação da nova ordem trazida pelas grandes convulsões
     transformadoras e fecundas.

     O exterminio d'estes factores regressivos é mais difficil do que a
     muitos se se affigura, porque os seus processos de reacção
     conseguem dissimular-se habilmente a todas as pesquizas, até o
     momento de ferir-se o grande golpe, o golpe decisivo.

     Obram pela surpreza, pelo descredito, pela calumnia e pela
     diffamação; opéram pelo systema das resistencias passivas, das
     insinuações surdas, das meias palavras, cheias de fel e de veneno.
     Empregados publicos, entravam o expediente dos negocios e revelam
     os segredos profissionaes, atraiçoando a confiança dos seus
     superiores;--militares, manteem nas casernas o espirito de
     indisciplina e fornecem ao inimigo informações preciosas;
     banqueiros, inundam a Europa com noticias falsas, levando o
     descredito a toda a parte, aterrando o capital e a propriedade,
     assustando o crédor e difficultando as operações.

     N'este trabalho de toupeira, tenaz e persistente, por via de regra
     insuccedido afinal, é incalculavel o numero de victimas causadas
     pelo egoismo deshumano e sordido d'estes caracteres sem senso moral
     e sem outro movel que não seja a satisfação de inconfessaveis
     appetites.

     Uma multidão de illudidos paga com a vida ou com os haveres os
     sordidos calculos d'essa gente sem pudor, que não raro consegue
     subtrahir-se ao justo castigo de suas proezas, abandonando os seus
     apaniguados e auxiliares nas horas de infortunio e provação.

     Entretanto, como a acção dos generaes é impossivel sem soldados,
     basta que estes sejam dominados para que aquella cesse e se
     annulle.

     É o que se está passando no Brazil. A Republica soffre n'este
     momento a colligação de todos os odios, preconceitos e interesses
     do velho regimen que, embora apparentemente conciliados com as
     novas instituições, contra ellas põem em acção desde o 15 de
     novembro, um trabalho de sapa, cujas manifestações agressivas
     vieram agora exteriorisar-se.

     Mas por isso mesmo que o sebastianismo põe n'este momento em
     pratica todos os seus recursos; mas por isso mesmo que elle sente
     que a sua sorte se joga, n'esta suprema cartada;--por isso tambem
     mais decisiva e fecunda será a victoria da Democracia,
     definitivamente soberana em toda a America.

     É difficil a prova porque actualmente passa a Republica irmã, mas é
     salutar e necessaria. Preciso se tornava purificar o ambiente
     democratico dos velhos miasmas imperialistas e esta missão,
     depuradora e hygienica, não se leva a cabo sem lucta, sangue e
     sacrificios de toda a ordem».[3]
     ......................................................................


Comtudo, desde o principio e durante todo o periodo revolucionario, a
nossa confiança no resultado da lucta manteve-se inabalavel, em parte
por virtude de um certo conhecimento dos homens e das cousas do Brazil,
em parte pela analyse das origens da lucta, em parte talvez arrastados
por esta crença sincera do propagandista democratico no bom exito da sua
causa e na victoria final do Direito.


     «O simples bom senso e um conhecimento, embora imperfeito, do
     caracter, dos costumes e da indole do povo brazileiro e das
     Republicas limitrophes, bastariam para levar os especuladores
     impenitentes ao convencimento da absoluta impossibilidade na
     realisação do sonho imperialista, lenda que é de hontem e que, no
     entanto, parece diluida já nas brumas de um passado longiquo.

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     «Novos interesses, nova orientação, novos processos de lucta, mais
     livres e mais apaixonados, remodelação completa de velhos e
     carunchosos organismos, tudo isto contribue para um desequilibrio
     momentaneo, que mais tarde se traduz em eras de exuberante
     fecundidade e em largos periodos de paz octaviana

     ......................................................................

     Mas, collocando a questão no campo verdadeiramente pratico, é
     evidente que as mesmas causas que desde 15 de novembro contribuiram
     para protelar as resistencias, são precisamente as que hoje tornam
     irrisoria qualquer tentativa de restauração imperialista, conclusão
     ainda avigorada pela natureza constitucional da nova Republica.

     Assim, hoje a Republica no Brazil, decorridos tres annos desde a
     sua proclamação, teve tempo de a si vincular solidos interesses,
     novos, ardentes, vigorosos, cheios de vida e de seiva, que só
     poderiam ser combatidos efficazmente por interesses contrarios,
     egualmente importantes, alliados a dedicações serias pelo passado,
     hypothese que não se realisa como a todos é patente.

     A constituição federal da Republica Brazileira é tambem um estorvo
     decisivo a uma restauração imperialista. Além dos interesses
     privados a que nos referimos, ha ainda os interesses peculiares aos
     diversos Estados que com a liberdade de governar-se e
     administrar-se adquiriram o amor da liberdade e o espirito de
     independencia, sentimentos difficeis de apagar-se, quando uma vez
     se lhe experimentaram os beneficios.

     Em terceiro logar, o sebastianismo, representante de uma ideia
     morta, nem sequer tem a attenuar-lhe a impotencia uma d'estas
     figuras onde se crystallisam ideias e aspirações extinctas, um
     principe novo, decorativamente bello, um heroe de romance d'estes
     que fazem palpitar o coração das mulheres e vibrar o enthusiasmo as
     multidões, civica e intellectualmente atrazadas.

     Todas estas razões, posta já de parte a anormalidade de existencia
     de uma monarchia em plena democracia americana, seriam bastantes
     para levar o desanimo ao mais intransigente sebastianista, se acaso
     a intransigencia absoluta fosse alguma vez susceptivel de reflexão.

     O maior infortunio que hoje poderia succeder ao Brazil seria a
     restauração imperialista. No estado em que esse paiz de encontra, o
     resultado era facil de prever:--ou uma tentativa ephemera, ridicula
     pela sua pequena duração, ou o desmembramento do Brazil nos Estados
     que o constituem.

     Por isso pódem aventar-se sobre o Brazil as mais disparatadas
     hypotheses, porque, na falta de informações positivas, a liberdade
     de phantasia é de lei. Todas absolutamente, menos a do regresso ao
     regimen monarchico, porque essa cahe pelo ridiculo».[4]

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     «Só á força de violencias e de crueldades seria possivel,
     _momentaneamente_, pelo terror, implantar no Rio um novo imperio de
     comedia, entre burlesco e sinistro, mixto de Offenbach e de
     Cartouche, destinado em curto praso á ignominia da expulsão».[5]

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     «Avisinha-se a hora em que, segundo todas as probabilidades,
     triumphará a causa da legalidade e da ordem, restabelecendo o
     imperio da Constituição, violada pelos que a dizem offendida,
     postergada pelos que a dizem trahida.

     Hora abençoada será essa para aquelles que muito amam o Brazil e a
     integridade das bôas, sãs doutrinas democraticas. Hora abençoada,
     repetimos, porque se os cidadãos brazileiros anceiam pela paz da
     grande Republica, tambem nós, republicanos portuguezes, a
     desejamos, em nome da patria, em nome da nossa causa».[6]

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     «É porque ponderando serenamente os acontecimentos, sem as paixões
     da especulação que desvirtuam a justeza de vistas indispensavel ao
     articulista politico, viu desde logo que, a dar-se uma restauração
     monarchica, ella teria uma existencia ephemera, deixando da sua
     passagem apenas a memoria de uma convulsão politica e o sangue de
     algum novo Maximiliano, immolado ao avido sebastianismo de
     desalmados especuladores»[7].

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     «De muito longe, d'este cantinho da Europa, não podemos deixar de
     sentir por esse honrado velho o (_marechal_) a maior das
     sympathias, experimentando ao mesmo tempo uma profunda alegria por
     ver que, a despeito das intrigas, das villezas, das calumnias e das
     abjecções e villanias postas em pratica pelos sectarios da
     corrupção imperialista, é o Direito quem afinal triumpha, é a boa
     causa que vence afinal, a peito descoberto, sem fintas, nem
     emboscadas, nem traições, os seus incorrigiveis e impenitentes
     adversarios!»[8]

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     «E o caso não é para menos, porque a série dos fracassos tornou-se
     interminavel, assumindo mesmo, não raro, um tom burlesco que não é
     precisamente o que mais quadra a realezas e palacianismos, nem com
     maior brilho e lustre exorna as monarchias. Custodio batido e
     doente, Saldanha em circumstancias criticas, principe do Grão Pará
     diluindo as saudades no sport velocipedico, os Estados do Norte
     tranquillos, a população adherindo em massa ao governo legal.
     Realmente, a perspectiva não é lisongeira, e os Braganças, ao que
     parece, terão de limitar a sua esphera de influencia, emquanto Deus
     for servido, ao abençoado torrão lusitano, á beira mar
     plantado»[9].

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A revolta foi recebida em Portugal, com a maior alegria, pela imprensa
monarchica. _Ab initio_, as folhas da grey appoiaram decididamente o
movimento, como se das suas origens, da sua legitimidade e até dos seus
recursos e trabalhos preparatorios tivessem o mais perfeito
conhecimento, o qual, logicamente e em face das informações
contradictorias que do Brazil nos chegavam, só podia explicar-se por uma
_entente_ previa com alguns dos elementos interessados no movimento
Custodista.

Havia mesmo certas razões para suppol-o. Um mez, approximadamente, antes
da revolta da esquadra, um amigo nosso e dedicado correligionario,
prevenira-nos de que alguma cousa grave ia passar-se, e fundamentava as
suas apprehensões em meias palavras ouvidas a um conhecido
sebastianista, que já de ante-mão ia saboreando a victoria.

A imprensa republicana manteve, no começo, uma prudente reserva,
limitando-se a inserir, quasi sem commentarios, as noticias e
informações que iam chegando, por via postal ou telegraphica. Mais
tarde, porem, logo que a situação se definiu um pouco, collocou-se
abertamente ao lado do governo do marechal.

Nós, áparte talvez uma antiga sympathia pelas cousas do Brazil, que nos
levava a dedicar-lhes particular attenção, possuiamos os mesmos
elementos de informação dos nossos collegas, mas d'esses, logo um bastou
para determinar-nos:--a attitude da imprensa monarchica.

Se esta, dada a sua indole e os seus precedentes, defendia _á outrance_
a causa dos revoltosos, é porque evidentemente a questão, no fundo, era
um simples jogo monarchista, dissimulado sob especiosos pretextos. A
nós, portanto, cumpria-nos desde logo perfilhar a doutrina opposta, ao
lado da qual, por certo, combatiam a moralidade e o direito.

Ainda uma outra circumstancia vinha em nosso auxilio. O partido
republicano historico brazileiro appoiava quasi na integra o governo
legal, e com este estavam tambem o Congresso e o Senado. Como, portanto,
classificar de _dictador_ o marechal Vice-Presidente e o seu governo,
sem perigo de manifesto absurdo?...

Porque, desde o principio, nós collocamos o problema sob o ponto de
vista da _legitimidade_, sem inquirirmos das probabilidades da victoria
de um ou outro dos contendores e abstrahindo por completo de quasquer
sympathias pessoaes, que de resto eram nullas e porventura se inclinavam
para Custodio de Mello desde o 23 de novembro.


     «N'este como em outros assumptos relativos ao Brazil, o nosso
     criterio foi sempre orientado pela analyse serena e desapaixonada
     dos factos. E esse analyse e a ponderação fria dos _soi disant_
     motivos logicos da revolta, levou-nos immediatamente a perfilhar a
     attitude do governo legal que desde então sustentamos, ainda mesmo
     quando por via telegraphica nos chegavam as noticias as mais
     lisongeiras para a causa do almirante Custodio de Mello.

     Durante muito tempo fomos sosinhos n'este proposito. Pouco nos
     importava!

     Não obedecia a nossa orientação á victoria presumivel de A ou B,
     mas apenas ao que julgavamos ser a boa doutrina na especie
     discutida. Por isso nunca sequer hesitamos em continuar a
     sustental-a.

     Os acontecimentos que ao depois se foram desenrolando, vieram
     dar-nos rasão, e hoje já alguns collegas nos acompanham, posto que
     muito timida e reservadamente.

     Essa revolta que toca o seu termo, ao que julgamos, ainda ha de um
     dia ser julgada bem severamente por muitos dos que hoje se lhe
     affirmam sympathicos, attenta a phantastica causal que o seu chefe
     adduz para legitimal-a.

     Revolta contra um acto legalissimo garantido pela Constituição!
     Revolta em pleno exercicio do Congresso e do Senado! Revolta a dois
     dias de eleições geraes! Revolta que, mirando ao estabelecimento da
     legalidade civil, começa pela nomeação de um _provisorio_ militar!
     Revolta que, baseada no progresso e na felicidade do povo
     brazileiro, se consubstancia no bombardeamento de uma cidade
     aberta, na paralysação do seu comercio, da sua tranquilidade, no
     imminente risco de vida para os seus habitantes. Revolta que se
     affirma pela indisciplina, pela deshumanidade, pelos horrores de
     uma violencia que nada legitima, que nada justifica! Revolta que
     não duvida lançar mão de todos os elementos, ainda mesmo dos mais
     suspeitos á causa da Republica! E ainda ha quem a defenda! E ainda
     ha quem não duvide perfilhar todas as grosseiras mentirolas e todas
     as inepcias grotescas de um sebastianismo tão comico quanto
     prejudicial aos interesses portuguezes!»[10]

     ......................................................................
     ......................................................................

     «Ao lerem o nosso ultimo artigo, referente ao successos do Brazil,
     alguns sebastianistas incorrigiveis observaram-nos que a victoria
     do marechal Floriano Peixoto, que reputamos certa e com bons
     fundamentos, era ainda duvidosa e que se lhes affigurava um grave
     erro que nós fossemos apregoando triumphos, _antes do tempo_.

     Como estas palavras «_antes do tempo_» equivalem, por si sós, á
     manifestação de todo um criterio, convem mais uma vez esclarecer a
     nossa attitude em face do conflicto entre o vice-presidente e o
     contra almirante revoltado.

     Á orientação seguida n'este jornal é completamente estranha a
     _personalidade_ de qualquer dos contendores empenhados na lucta
     civil brazileira.

     Tão bem conhecemos ou antes desconhecemos o marechal Floriano
     Peixoto como o contra-almirante Custodio José de Mello. Nenhuma
     consideração de ordem _pessoal_ nos move, portanto, a favor ou
     contra qualquer d'elles.

     Na nossa qualidade de portuguezes e de jornalistas republicanos,
     assiste-nos, porém, o direito de discutir e apreciar os successos
     que se vão desenrolando na Republica irmã, medindo a legitimidade
     de qualquer das partes contendoras pela fórma porque os seus actos
     se subordinam aos principios e ás normas de uma sã e bem orientada
     comprehensão democratica.

     Trata-se, portanto, para nós da _legitimidade_ das preterições
     adduzidas por qualquer das parte _e nunca das maiores ou menores
     probabilidades de victoria de uma ou outra_, ponto que, se nos não
     é inteirámente indifferente porque todos anceiam porque triumphem o
     direito e a justiça, em nada influe na directriz do nosso criterio.

     Não recebemos, nem do governo portuguez nem do sebastianismo
     orleanista e indigena, subsidio algum para insultar a Republica e o
     marechal; e egualmente nos são absolutamente estranhos os favores
     do vice-presidente.

     A nossa attitude é, pois, imparcialissima e as victorias ou
     derrotas de qualquer dos partidos não pódem modifical-a, porque
     acima dos acasos da fortuna e da guerra estão _os principios_,
     unica abstracção pela qual combatemos e nos sacrificamos.

       *       *       *       *       *

     Uma batalha mais ou menos afortunada, um bombardeamento mais ou
     menos feliz não alteram a legitimidade ou illegitimidade de uma
     causa. Não raro _la force prime le droit_; e, no entanto, nem por
     esse facto os triumphadores ficam ao abrigo da inexoravel
     imparcialidade da historia.

     Por isso, o dever do critico, do pensador, cujo modo de ser
     intellectual não obedece a mesquinhas e indecorosas suggestões de
     ordem visceral; por isso, o dever do jornalista que faz da imprensa
     um orgão educativo e do seu mister um sacerdocio, é investigar, não
     as probabilidades da victoria dos movimentos que estuda e discute,
     mas a sua rasão de ser, a sua _legitimidade_, á face das
     considerações de ordem superior, pelas quaes se orienta e dirige o
     progresso social e a marcha do espirito humano, no caminho da
     felicidade moral e material dos povos.

     De contrario, o jornalismo converte-se em inconfessavel e
     perniciosa especulação e o jornalista transforma-se em sicario,
     mercenariamente alquilado pelo primeiro especulador que appareça a
     preencher-lhe o vasio da bolsa e a voracidade do appetite.

     Foi este escolho, que desprestegia moralmente quem sobre elle
     naufraga, o que sempre procuramos evitar, fugindo á discussão
     apaixonada das personalidades, vendo principios e não homens,
     desvinculando uns dos outros e guiando-nos pelos primeiros, afim de
     que a nossa tarefa jornalistica não resultasse esteril, antes se
     convertesse em elemento de educação civica do povo e em factor do
     seu caminhar progressivo.

     É esta por certo a causa efficiente da confirmação de todas as
     nossas previsões e das provas de estima e de amisade que temos
     recebido de illustres brazileiros e de verdadeiros portuguezes.

     É esta tambem a explicação da nossa coherencia e tenacidade na
     defeza do governo do marechal, do governo constituido, do governo
     legal, ainda quando circulavam sobre o exito da lucta, as noticias
     mais pessimistas e aterradoras contra o vice presidente Peixoto.

       *       *       *       *       *

     Quando na bahia do Rio, a 6 de setembro, uma parte da esquadra
     brazileira se revoltava ás ordens do contra almirante Custodio de
     Mello, surprehendeu-nos a fórma porque portuguezes e brazileiros,
     na sua grande maioria, commentavam entre nós o facto.

     Discutia-se e comparava-se a energia dos combatentes e o seu
     passado guerreiro, computavam-se as forças, mediam-se as sympathias
     e as relações de familia de um e outro, discreteava-se sobre o
     artilhamento dos fortes, as defezas da bahia ou o systhema e
     alcance dos canhões do _Aquidaban_; mas, com raras excepções,
     poucos procuravam inquirir dos fundamentos, das causas proximas ou
     remotas da rebellião, em uma palavra, da sua _legitimidade_.

     Bastante surpresos sobre esta maneira um tanto impirica de encarar
     os acontecimentos, mas pouco resolvidos a constituir-nos em
     phonographos debitadores de uma opinião desnorteada, a nossa
     attitude ficou desde logo assente. Seriamos pelo partido que
     tivesse por si a legalidade republicana e o respeito das normas
     constitucionaes, abstrahindo, por completo, na formação do nosso
     criterio, dos individuos, fossem quaes fossem as sympathias
     pessoaes que para elles podessem inclinar-nos.

     D'ahi a linha de conducta que em seguida iniciamos e que sempre
     temos mantido, a despeito das iras sebastianistas e do errado
     criterio de alguns espiritos sinceros.

     Adoptado elle, os successos ou os revezes do marechal,
     causando-nos, é claro, alegria ou tristeza desde que o viamos
     representando a causa da legalidade que perfilharamos, em nada
     modificaram o nosso criterio.

     Quantos artigos escrevemos, sustentando o governo da vice
     presidencia, tendo á vista os telegrammas da _Havas_ dando a sua
     causa como perdida! Quantas vezes a nossa opinião, favoravel ao
     marechal, defrontou com os _Hossanas_ de quasi toda a imprensa
     portugueza em favor do contra-almirante Custodio José de Mello!...

     Que nos importava, se defendiamos principios e não homens, se
     obedeciamos á rasão em vez de escutarmos os protestos do estomago;
     se á colligação bolsista, orientada pelo egoismo feroz da judiaria
     especuladora, tinhamos a oppôr a altiva tranquillidade de uma
     consciencia satisfeita?!...»[11].

     ......................................................................


Alguem pretendeu vêr n'esta doutrina _a condemnação das revoluções_
dentro do regimen republicano.

É manifesto o absurdo. Entretanto, seja-nos licito estabelecer o nosso
criterio sobre o assumpto, para que não volte a debitar-se um tal
contrasenso.

O _direito de insurreição_ é um direito incontestavel, admittido por
todos os grandes publicistas e até consignado em diplomas que tiveram
força legal.

O reconhecimento d'esse direito não é de hoje. É mesmo mais antigo do
que a muitos se affigura.

Um capitulo da obra notabilissima de Lavelaye «_Le gouvernement dans la
democratie_» faz sobre o assumpto um estudo curiosissimo e de grande
interesse, principalmente sob o ponto de vista documental.

As cidades gregas erigiam estatuas aos revoltosos e aos regicidas, que
os desembaraçavam dos seus tyrannos, taes como Harmodius e Aristogiton.
O mais profundo pensador entre os Padres da Egreja, Origenes, louva
aquelle _que conspira para derribar a tyrannia_.

Os soberanos medievaes juravam respeitar as liberdades do seu povo e
este reservava-se o direito de lhes recusar fidelidade, se acaso
faltassem ao seu juramento.

Em Hespanha, Santo Isidoro, formula esta doutrina com singular nitidez:
_Unde apud veteres tale erat proverbium: «Rex eris si recte facias, si
non facias, non eris»_.

O direito de insurreição é formalmente reconhecido pelo art. 31 da
_Bulla aurea_ de 1231, firmado por André II e por todos os reis da
Hungria até Leopoldo II em 1869 e tambem pelo art. 659 da _Joyeuse
Entrée_ do Brabante.

A resistencia legal é admittida nos privilegios que juravam observar os
reis da Bohemia, os reis da Polonia, e nos _fueros_ do paiz Basco.

O Parlamento Escocez, dirigindo-se ao Papa, diz a proposito de Roberto
Bruce: «A divina Providencia, as leis e os costumes do paiz que
defenderemos até á morte e a escolha do povo fizeram d'elle o nosso rei.
Se alguma vez trahir os seus deveres, tratal-o-hemos como inimigo e como
destruidor dos seus e dos nossos direitos, elegendo um outro em seu
logar. Pouco nos importam a gloria e a riqueza, mas muito essa liberdade
a que um homem, digno d'este nome, só deve renunciar com a vida».

A revolução franceza, na constituição de 1791, collocava o direito de
resistência á oppressão no numero dos direitos naturaes e
imprescriptiveis do homem, definindo-o na constituição de 1793: «A
resistencia á oppressão, é a consequencia dos outros direitos do homem;
quando o governo viola os direitos do povo, a insurreição é para este o
mais sagrado dos direitos».[12]

O mais illustre dos theologos da Edade-Media, S. Thomaz de Aquino,
consigna que: «Um rei traidor ao seu dever perde o direito á obediencia.
Depol-o não é fazer acto de rebellião, porque elle proprio é um rebelde
a quem a nação pode legitimamente tirar a corôa.».

Marsilio de Padua, em plena Edade-Media, sustenta que os povos só estão
ligados pelas leis que fizeram. Quando os _ligueurs_ em França pegaram
em armas, primeiro contra Henrique III e depois contra Henrique IV,
invocaram o direito dos vassalos a depôr o soberano indigno de usar a
corôa. Esta mesma these foi sustentada em Inglaterra, com mais energia
ainda, pelos revolucionarios que levaram Carlos I ao cadafalso e, mais
tarde, para justificar a revolução de 1686 que derribou Jacques II.

Em resumo, e sem citar Guizot, Macaulay, Dupont-White e outros... «os
livros publicados sobre este assumpto formam uma bibliotheca inteira, e
encontram-se na bibliographia de todos os paizes que tiveram de defender
a sua liberdade contra as usurpações de um monarcha ou de um dictador».

Somente, «_para que um appello às armas contra um governo estabelecido
seja legitimo, requerem-se, em primeiro logar, culpas graves, numerosas
e persistentes, impossiveis de remediar pelos meios legaes;--em segundo
logar, que o movimento insurreccional arraste a massa do povo e seja,
por assim dizer, a explosão de um sentimento nacional_».[13]

Seria esta a hypothese dos snrs. Custodio de Mello e Saldanha da
Gama?...

Evidentemente não era!

       *       *       *       *       *

Todas as duvidas e equivocos desappareceram porem, completamente, com a
publicação d'esse documento notabilissimo, conhecido pelo nome de
_Manifesto do dr. Martins Junior_, chefe da democracia Pernambucana, e
dirigido ao povo e ao partido republicano d'esse Estado, celebre nos
fastos da liberdade brazileira.

Só tarde chegou a Portugal esse trabalho, em que a um tempo se affirmam
superiores qualidades de intelligencia, solido criterio scientifico e um
ardente patriotismo. Mas a sua apparição entre nós, contribuiu
efficazmente para orientar o espirito publico nos verdadeiros
principios, dando-lhe uma visão clara e nitida das origens e fundamentos
da lucta civil brazileira.

Em harmonia com esse documento e com o resultado do proprio estudo que
fizemos dos acontecimentos, vamos pois referir-nos ao movimento
Custodio-Saldanha, ainda que a traços largos, como convem á indole
especial d'este trabalho.

Servem de base a essa exposição os dois manifestos do chefe dos
revoltosos, o contra-almirante Custodio José de Mello.


     «Quando uma manifestação revolucionaria não é, como a grande Crise
     franceza, um movimento expontaneo, automatico, inconsciente, sahido
     das entranhas populares, por effeito de causas sociaes e politicas
     amontoadas no correr dos tempos, a critica d'essa manifestação só
     póde e deve ser feita pelas declarações ou proclamações d'aquelles
     que a provocaram e iniciaram.»[14]


Quaes eram, segundo os alludidos documentos, as causas determinantes e
os intuitos do movimento de 6 de setembro?

Vejamos.

_a)_ O Vice-Presidente Floriano Peixoto pretendia fazer-se eleger,
inconstitucionalmente, Presidente effectivo, nas eleições de março, do
anno corrente, como o provava o facto de ter o mesmo marechal opposto o
_veto_ a uma lei do Congresso, que nas incompatibilidades estabelecidas
para a eleição abrangia o seu caso.

_b)_ A continuação da lucta civil no Estado do Rio Grande do Sul, com o
appoio dado ao dr. Julio de Castilhos pelo Governo Federal.

Isto quanto ás causas. Quanto aos intuitos ou fins da revolta, eram os
seguintes:

_c)_ Pacificar o Rio Grande do Sul.

_d)_ Estabelecer o respeito e restabelecer o dominio da Constituição
violada.

_e)_ Afastar do Governo do paiz o elemento militar.

Cumpre-nos portanto a nós, á face do exposto, averiguar

1.^o Da verdade d'estas arguições.

2.^o Na hypothese affirmativa, se a essas accusações era possivel
remediar pelas vias legaes.

3.^o Se a causa insurrecta arrastou a massa popular, correspondendo á
explosão de um sentimento nacional.


_a)_


_O Vice-Presidente Floriano Peixoto pretendia fazer-se eleger,
inconstitucionalmente, presidente effectivo nas eleições de março do
anno corrente, como o provava o facto de ter o mesmo marechal opposto o
«veto» a uma lei do Congresso, que nas incompatibilidades estabelecidas
para a eleição abrangia o seu caso._

Facil é demonstrar a nullidade d'este argumento.

A Constituição Federal dos Estados-Unidos do Brazil, estabelece no art.
37 § 1.^o o _«veto» suspensivo_ como um dos direitos presidenciaes.

No caso do presidente usar d'esse direito, negando-se a sanccionar um
diploma emanado do Poder Legislativo, a este volta novamente a Lei não
sanccionada, para sobre ella recahir segunda votação, que sendo inferior
a dois terços dos votantes, implica a solidariedade do Poder Legislativo
com o _veto_ presidencial.

Ora a lei sobre a eleição presidencial seguiu rigorosamente os tramites
prescriptos na Constituição. Foi votada pelo poder legislativo,
seguindo-se, por parte do presidente, a opposição do _veto_, com o qual
o mesmo Poder legislativo se conformou, nos termos do § 3.^o do cit.
art. 37.

O marechal Floriano Peixoto não violou a Constituição. Usou pura e
simplesmente de uma faculdade que por esta lhe é garantida, visto que
toda a lei que reconhece um direito legitima os meios indispensaveis
para o seu exercicio e ainda porque contra os abusos d'esse direito lá
está o Poder legislativo, unico responsavel.

Sob o ponto de vista da legalidade, portanto, o marechal Floriano
Peixoto manteve-se rigorosamente dentro da Constituição e não exorbitou
dos poderes que pela mesma lhe são conferidos.

De resto, o direito do _veto_ e o seu uso estão nas tradicções da
democracia americana. Segundo a Constituição dos Estados-Unidos da
America do Norte, que n'esta parte serviu de modello á dos
Estados-Unidos do Brazil, o Presidente, quando recusa sanccionar um
projecto de lei votado pelo Congresso, reenvia-o, dentro em dez dias, á
Camara que d'elle tomára a iniciativa, com uma mensagem explicativa dos
motivos que o levaram a assim proceder. O projecto de lei é novamente
submettido ás deliberações do Congresso. Se obtem nas duas camaras os
dois terços dos suffragios, torna-se executorio sem a assignatura
presidencial. O contrario succede na hypothese inversa.

O uso do _veto_ tem-se generalisado ultimamente, com benefica influencia
sobre o trabalho util das sessões legislativas. Até á presidencia de
Cleveland (1885-1889) apenas 132 projectos de lei foram reenviados ao
Congresso. Cleveland, só á sua parte, oppoz o _veto_ a 332 diplomas
legislativos.

Nas constituições democraticas, o uso d'este direito tem contribuido
para estabelecer uma justa e salutar equiponderação entre o poder
legislativo e o chefe do executivo, que assim mutuamente se auxiliam,
esclarecem e completam.

E explica-se mais facilmente o uso d'este direito em um presidente de
republica do que em um rei absoluto ou constitucional «por isso que o
presidente, eleito da nação, disfructa uma auctoridade popular que falta
á soberania hereditaria».[15]

Quanto a fundamentar a opposição do _veto_ por parte do marechal em
simples _boatos ou presumpções de dictadura_, eis o que nem sequer
merece as honras de um commentario, aliás iriamos duvidar _ab initio_ da
seriedade de todos os motivos allegados pelo contra-almirante Custodio
para cohonestar a sua causa.

Nunca a frivolidade em questões d'esta ordem mereceu em paiz algum os
foros de argumento, interveio como circumstancia ponderavel em assumptos
de tão complexa gravidade.


     «Fundar um movimento revolucionario sobre uma simples presumpção,
     sobre a mera possibilidade ou mesmo probabilidade futura de uma
     violação constitucional, é crear a extravagante theoria de que os
     governos, e portanto a paz dos povos, devem apenas depender da
     inepcia de uns, da maldade de outros e da leviandade do maior
     numero.»[16]


A primeira rasão, portanto, cahiria pelo ridiculo se não cahisse pela
base.

Vejamos a segunda.

_b)_

_A continuação da lucta civil no Estado do Rio Grande do Sul, com o
appoio prestado ao dr. Julio de Castilhos pelo Governo Federal._

Este fundamento eguala o antecedente em valor logico.

A Constituição Federal estatue expressamente no § 3.^o do art. 6.^o que
«para restabelecer a ordem e a tranquilidade nos Estados, á requisição
dos respectivos governos, pode o Governo Federal intervir em negocios
peculiares aos mesmos Estados.»

Alteradas a _ordem_ e a _tranquillidade_ no Estado do Rio Grande do Sul,
pela invasão armada dos federalistas combatendo á sombra de uma bandeira
que o pacto federativo não reconhece, o dr. Julio de Castilhos,
governador do Estado, sollicitou o auxilio do Governo Federal, que por
este lhe foi concedido, nos citados termos do art. 6 e § 3.^o da
Constituição.

Deixou portanto o marechal Vice-Presidente de cumprir na especie os seus
deveres constitucionaes? Violou porventura a lettra e o espirito da
Constituição? Exorbitou accaso dos _poderes_ e _faculdades_ que esta lhe
confere?

O simples bom senso manda optar pela negativa.

E ainda mesmo admittindo que o marechal Vice-Presidente não devesse ter
usado na hypothese em discussão da _faculdade_ que o cit. art. 6 e §
3.^o lhe concede, o facto, quando muito, poderia constituir um _erro_
politico, mas nunca uma violação do pacto constitucional. O contrario
implicaria a annullação pura e simples das disposições citadas.

As circumstancias, porem, encarregaram-se de provar á evidencia que o
marechal Vice-Presidente nem sequer pode ser arguido de ter praticado um
erro politico. A sequencia dos acontecimentos veio revelar, ainda aos
mais ingenuos, a verdade sobre o movimento revolucionario Rio Grandense
e os intuitos inconfessaveis que a elle presidiam, desmascarando as
tentativas reaccionarias que se acobertavam sob a divisa «_republica
parlamentar_» e outras não menos equivocas e perturbadoras da ordem e do
progresso da poderosa federação sul americana.

Á vista do exposto, portanto, não pode deixar de concluir-se pela
absoluta inanidade das causas invocadas como justificativas da revolta
de 6 de setembro.

Resta occupar-nos dos _intuitos_ ou _fins_ do movimento insurreccional.

_c)_

_Pacificar o Rio Grande do Sul._

Este fundamento é conjunctamente invocado por ambos os partidos em lucta
no Rio Grande do Sul; pelo dr. Julio de Castilhos, governador eleito e,
pelos federalistas, manobrados pelo dr. Silveira Martins.

Somente, os primeiros combatem em nome da lei e da Constituição Federal,
em nome d'esse documento livremente acceite pelos Estados da Federação e
em que se consubstanciam as liberdades, os direitos, os deveres e as
garantias conquistadas em 15 de novembro.

Os segundos luctam em nome de uma bandeira mal definida, sustentando
principios que a Constituição não reconhece, não auctorisa e não
sancciona.

Ao lado do dr. Julio de Castilhos, velho republicano, republicano
historico, vinculado á larga obra de propaganda anterior ao 15 de
novembro, está toda a democracia Rio Grandense, que a seu lado militou
na campanha contra o imperio, estão os homens que collaboraram nas
paginas d'essa obra convicta, sincera e patriotica, que hoje encontra no
pacto federal a sua mais pura e genuina expressão.

Ao lado dos federalistas estão, força é dizel-o, com a sua impenitencia
e com o seu ouro, os antigos partidarios do Imperio, os elementos
reaccionarios que nunca se resignaram a acceitar a nova ordem de cousas
ou que só apparentemente o fizeram, para com maior facilidade e
segurança urdirem os seus planos criminosos. Está esse antigo estadista
da monarchia, o dr. Silveira Martins, cujo odio ás instituições
implantadas em 15 de novembro só é egualado pela sua illimitada ambição.
Está, emfim, toda essa plebe de aventureiros, vivendo do morticinio e do
roubo, tão facil de recrutar n'esse paiz, entre a vasa migratoria
europea e a das visinhas republicas hispano-americanas. Tudo isto,
heterogeneo, tumultuario, desconnexo, sem principios, sem ideiaes e sem
bandeira, porque essa da «_republica parlamentar_», sobre não legitimar
um movimento revolucionario, em pleno e normal funccionamento dos orgãos
do pacto federativo brazileiro, é apenas um pretexto sob o qual se
occultam as mais positivas e mais verdadeiras tentativas da restauração
imperialista.

N'estas condições, o restabelecimento da paz, invocado pelos fauctores
da sedição de 6 de novembro, mais se affigura demasiada confiança na
credulidade alheia do que a expressão sincera dos intuitos dos
revoltosos.

De facto, é evidente que uma possivel victoria dos revoltosos, devida á
retirada das tropas da Federação, a circumstancias imprevistas e
accidentaes e ao principio de que não raro _la force prime le droit_, só
serviria para aggravar ainda mais os odios e os antagonismos entre os
grupos que se degladiam, contribuindo para o prolongamento das
hostilidades. O partido republicano historico, que tem do seu lado o
appoio dos principios, a defesa da Constituição, o espirito geral da
grande Republica e o progresso crescente das ideias democraticas que
acaba sempre por triumphar, não se resignaria a depôr as armas em face
d'esse inimigo de intenções mais que duvidosas e a lucta protelar-se-hia
até á _revanche_ decisiva.


     «Dada a victoria da revolta, terá logar a pacificação do Rio
     Grande... naturalmente pela retirada das tropas federaes que
     guarnecem o Estado e subsequentemente pela deposição do dr. Julio
     de Castilhos, que cahirá com os seus correligionarios em poder dos
     federalistas, desapparecendo inteiramente da scena politica quasi
     todo o partido republicano historico da terra de Bento Gonçalves.
     Aquelle mesmo partido que fez a propaganda e que iniciou alli a
     organisação republicana em finais de 89 será substituido pelos
     amigos do dr. Silveira Martins, isto é, pelo partido que incensava
     a monarchia e que hoje prega a republica parlamentar.

     Virá então a paz?... A paz de Varsovia, sim, até o momento em que
     os republicanos puros, obrigados a emigrar, invadam por sua vez a
     terra natal para repetir-se o espectaculo de hoje.

     Como poderá o governo que nasceu da revolta impedir tudo isso e
     conciliar isso tudo com a pacificação que promette?

     Não sei, e por este motivo não creio na pacificação do Rio Grande
     apoz a victoria do movimento custodista.»[17]


Força é pois confessar, que os pretensos argumentos dos partidarios da
revolta são de uma vacuidade deploravel, quando não assumam as
proporções de uma verdadeira _blague_.

Prosigamos comtudo n'esta ligeira analyse visto que o assumpto se não
acha ainda esgotado.

No dizer dos apaniguados da revolta de 6 de setembro, pretendiam elles,
além do já exposto.


_d)_


_Estabelecer o respeito e restabelecer o dominio da Constituição
violada._

A inanidade d'esta rasão impõe-se aos espiritos menos perspicazes.

Em primeiro logar, demonstrado ficou já sufficientemente que a violação
da Lei Organica da Republica dos Estados-Unidos do Brazil só existe na
mente dos revoltosos. O governo do marechal não infringiu as disposições
constitucionaes e quando muito, poderia ser arguido de menos cautella ou
tactica politica no uso das _faculdades_ que a Lei citada lhe confere.

Mas quando isto não fosse sufficiente, os actos dos revoltosos, em
seguida ás declarações do seu chefe, confirmariam á saciedade quanto
temos affirmado.

Já a revolta em si, em plena normalidade constitucional, com o congresso
e o Senado funccionando regularmente e em vesperas de eleições geraes,
denuncia nos revoltosos o mais formal despreso por essa Constituição,
cujo _respeito_ e _dominio_ fingiam querer zelar.

O que se segue, porem, excede toda a espectativa.

Assim, os revoltosos começam por esquecer a ordem legal da successão
presidencial, creando no Desterro um _Governo Provisorio_ que por
completo annulla essa successão;--continuam, lançando pela voz de
Silveira Martins o pregão revisionista, no sentido de substituir á
republica presidencial a republica parlamentar, e concluem, annunciando
á nação a consulta plebiscitaria, afim d'esta se pronunciar _sobre a
forma de governo que entende dever preferir_.

Este respeito pela _integridade_ da Constituição faz-nos lembrar aquelle
guarda-chuva usado que ficaria como novo substituindo-o radicalmente,
desde o cabo até á seda!

Resta-nos fallar do ultimo dos fins consignados no programma dos
revoltosos.


_e)_


_Affastar do governo do paiz o elemento militar._

Não somos dos que mais sympathisam com a intervenção do militarismo no
governo e administração dos Estados, visto que a natureza especial das
funcções que elle é chamado a exercer, seria absolutamente desvirtuada e
prejudicada com essa intervenção.

Não somos tambem apologistas do homem-machina, vinculado pela mais
absurda das disciplinas á defesa incondicional de todas as iniquidades.

O nosso criterio assenta em um justo meio termo que concilie,
ponderando-os, o espirito de ordem com o espirito de progresso,
nacionalisando a força publica e impedindo-a de contrariar pela
violencia as aspirações dos povos, quando tornadas inequivocas pela sua
generalidade e insistencia.

O ideal dos governos será pois aquelle em que, ao lado do elemento civil
exercendo a funcção directora e administradora com o mais absoluto
respeito pela vontade nacional, livremente manifestada, subsistir uma
força armada, ennobrecida pelo mais puro e desinteressado patriotismo e
defensora fiel da integridade constitucional.

Ha, porem, momentos na vida das nações em que, por força das
circumstancias, o exercito é chamado a intervir mais intimamente na vida
publica interna, assumindo por vezes a propria funcção directora, não
raro até dictatorialmente.

Essa intervenção, emergente da propria natureza das cousas e parte
integrante da phenomenalidade revolucionaria das grandes transformações
na ordem politica, deu-se em 15 de novembro, como aliás em todos os
momentos historicos similares.

Sem contar em que hoje, por via de regra, é á força armada que pertence
a iniciativa dos golpes revolucionarios decisivos, iniciativa que,
evidentemente, só fructifica e se consolida quando representa o ultimo
termo de uma larga, demorada e laboriosa evolução nos espiritos,--só o
exercito, com a enorme força que lhe resulta da disciplina, da unidade,
da rapidez nas resoluções e do temor que inspiram os seus meios de
defeza, consegue impôr á multidão dos interesses vinculados ás
instituições proscriptas, ao espirito reaccionario dos velhos regimens e
aos aventureiros de toda a especie, que a desordem faz vir á suppuração,
esse receio salutar, que permitte á nova ordem de cousas a indispensavel
liberdade de acção, para expandir-se e crear raizes.

O poder civil, com a sua educação avessa ás resistências porfiadas, ás
luctas violentas, aos perigos do combate sangrento, muitas vezes
necessario, succumbiria facilmente n'essas crises afflictivas, perdendo
a serenidade n'um meio tão differente do gabinete de estudo e até das
horas mais tempestuosas da tribuna politica.

E tanto isto é verdade, tanto este facto se impõe a todos os espiritos
em circumstancias identicas, que o primeiro acto do contra-almirante
Custodio de Mello, foi a creação de um Governo Provisorio _militar_,
presidido pelo capitão de fragata Lorena, confirmando mais uma vez o
principio de que as declarações dos homens nada podem contra a
fatalidade das cousas.

No caso da victoria dos revoltosos, os perigos do militarismo antes
augmentariam do que diminuiriam de intensidade, aggravando mais e mais
essas mal comprehendidas divergencias entre o exercito e a armada, que
os especuladores professos procuram converter em instrumento dos seus
criminosos designios.

Os meios de obviar aos inconvenientes do militarismo, são outros e muito
outros, e esse espectro dos traficantes facilmente desapparecerá com a
consolidação do regimen republicano e o exercicio normal e regular dos
poderes constitucionaes.

Somente, essa obra é incompativel com as convulsões das luctas civis e
só em plena paz pode levar-se a bom termo.


     «A predominancia do elemento militar na alta administração do paiz,
     tem sido, a partir de 15 de novembro, um facto constante e patente.
     Naturalissimo aliás pelas circumstancias que rodearam a proclamação
     da Republica, elle tende porem a diminuir e a desapparecer, desde
     que pela primeira eleição directa e popular de um Presidente, o
     paiz entre n'um largo periodo normal e pacifico de vida
     politico-administrativa--sobrepujadas as primeiras difficuldades da
     adaptação do novo regimen.

     Assim, o mais mais curial e seguro de realisar a transferencia do
     Poder ao elemento civil seria, e é ainda, encaminhar paciente,
     sensata e calmamente o paiz até os ultimos dias do actual periodo
     presidencial, pedindo aos proprios militares de terra e mar um
     bocado da abnegação que tanto os exorna e dignifica na sua
     profissão, com o fim de dar á patria, que é de todos, um futuro
     fecundo e extreme de commoções.

     Para isso a tranquilidade interna seria condição essencial.»[18]


       *       *       *       *       *

Eis, nas suas linhas geraes, o nosso modo de ver sobre as pretensas
causas e os suppostos intuitos dos fautores do movimento de 6 de
setembro.

A questão foi por nós encarada á face dos elementos de critica
existentes á data do pronunciamento. Quizemos assim provar, que, desde o
seu inicio, á sedição Custodista faltavam por completo as garantias de
legitimidade.

Hoje, porém, os acontecimentos encarregaram-se de confirmar amplamente
todas as nossas previsões, desmascarando as intenções secretas dos
revoltosos e fazendo plena justiça ao inquebrantavel civismo do marechal
Vice-Presidente.

Assim, a accusação de dictador com que pretendiam macular os ultimos
dias do glorioso soldado do Paraguay e que nós provámos ser absurda,
cahe miseravelmente em presença das ultimas eleições, em que Prudente de
Moraes e Victorino Pereira, dois membros da classe civil, triumpham, sem
a menor pressão ou hostilidade da Vice-Presidencia. Assim, as tentativas
de restauração imperialista affirmam-se inequivocamente no manifesto
Saldanha, documento que, a par da maior vacuidade mental revela uma
ausencia absoluta de tino politico.

Dissemos atraz que, em presença dos fundamentos allegados pelos
promotores da revolta para cohonestar a sua causa, nos cumpria inquirir:

1.^o Da verdade d'essas arguições.

2.^o No caso affirmativo, se a esses motivos de protesto era possivel
obviar pelas vias legaes.

3.^o Se a causa insurrecta arrastou a massa popular correspondendo á
explosão de um sentimento nacional.

Ao primeiro ponto respondemos já, estando portanto prejudicado o segundo
e restando occupar-nos do terceiro.

Como acolheu a nação o movimento Custodista?

Nos primeiros momentos, a nota predominante foi a surpreza, e
comprehende-se que assim fosse.

A opinião publica não estava preparada para esse golpe sem precedentes
justificativos, em pleno dominio do Congresso e do Senado, quando tudo
fazia acreditar na normalidade da vida constitucional.

Naturalmente alheio aos debates relativos ao _veto_ opposto pelo
Vice-Presidente e ás razões de ordem moral e legal que lhe aconselharam
o uso da faculdade estatuida na Constituição, o grande publico,
falsamente orientado pelos especuladores de toda a ordem e sem os
necessarios elementos de critica para inquirir da verdade, occulta sob
as suppostas razões e enganosas promessas do chefe da revolta, deixou-se
a principio seduzir pela oratoria do _libertador_.

Essa surpreza, porém, foi de curta duração.

De facto, Custodio de Mello, que a principio contava com deserções que
se não deram e elementos que o não acompanharam, e que, além d'isso,
força é dizel-o, não soube aproveitar na primeira hora os recursos de
que dispunha;--Custodio de Mello, cujos motivos de protesto eram de
ordem meramente particular, muito embora talvez o não fossem os de
muitos ingenuos e illudidos que o seguiram;--Custodio de Mello, viu-se
obrigado a acceitar todos os factores de cooperação que se lhe
offereceram, ainda os mais repugnantes e heterogeneos, preferindo vencer
_quand même_ a dar ao seu paiz um nobre exemplo de abnegação e
patriotismo.

D'aqui resultou que o movimento de 6 de setembro deixou de se impôr ao
publico como uma affirmação de respeito pela integridade da Constituição
e da Lei, para affirmar-se apenas como um tumultuar de inconfessaveis
ambições.

Desde, portanto, que a causa perdeu o caracter _nacional_ para assumir o
caracter _pessoal_, estava _moralmente_ perdida, muito embora os acasos
da guerra podessem ás vezes fazel-a triumphar _material_ e
momentaneamente.

Em democracia, o appoio dos principios é já uma meia victoria e as
pretenções que n'elles se não fundamentam quasi sempre resultam
estereis.

O publico começou a não comprehender como a um tempo podessem
conciliar-se as declarações custodistas de _respeito pela integridade da
Constituição_--1.^o com a attitude francamente revisionista do snr.
Silveira Martins, prégando a _Republica parlamentar_,--2.^o com o
manifesto do snr. Saldanha da Gama, condemnando o 15 de novembro e
appellando para _um plebiscito em que a nação se manifestasse sobre a
forma de Governo que lhe cumpria adoptar_! Por outro lado, o publico via
com pasmo que ao lado do _dictador_ Floriano Peixoto se encontrava todo
o partido republicano historico;--que o _tyranno_ tinha ainda a
appoial-o o Congresso e o Senado, unicos representantes _legaes_ da
Federação,--e finalmente que (notavel coincidencia) os elementos que,
aqui e além, se insurreccionavam contra o governo legal, eram
constituidos por velhos partidarios do Imperio, _adhesistas_ da ultima
hora, mas de convicções democraticas mais do que suspeitas!

Ainda a altitude da dynastia proscripta e da opinião europeia
contribuiam para aggravar a desconfiança que, em relação aos intuitos da
revolta, lavrava nos espiritos. Os Bragança-Orleans não occultavam os
seus bons desejos de que a victoria pertencesse ao snr. Custodio de
Mello, _integerrimo defensor da Constituição_, e a imprensa _monarchica_
europeia, da qual especialisaremos a portugueza, desde o 6 de setembro
que dispendia a sua melhor rhetorica em verberar a _tyrannia_ de
Floriano Peixoto, erguendo ás nuvens as preclaras virtudes do
contra-Almirante _libertador_, uma especie de snr. D. Pedro IV _fin de
siècle_.

D'aqui resultou o enorme desprestigio que immediatamente recahiu sobre
essa revolta de intuitos hybridos, desprestigio seguido de manifesta
repulsão, apoz a practica de inuteis e monstruosas crueldades por parte
dos revoltosos, e que veio a converter-se, com as declarações de
Saldanha da Gama, n'esse bello movimento de reacção patriotica, em que
se consubstanciam todas as aspirações da alma de um povo que ao respeito
das suas liberdades e á defeza das suas conquistas na esphera do Direito
não duvida sacrificar todas as considerações de ordem egoista.

Quanto a nós, a revolta de 6 de setembro trouxe, a par dos
inconvenientes de ordem material de que o Brazil, com os recursos de que
dispõe, facilmente se restabelecerá, algumas vantagens de primeira
importancia. Sem ella, a estabilidade da republica seria ainda por muito
tempo perturbada pela surda hostilidade «dos que pela Republica foram
feridos nos seus privilegios e dos que por tanto não amam a
Republica»[19]. Sem ella, a nação não teria affirmado, pela forma
eloquente e incontrovertivel porque acaba de fazel-o, a sua
identificação com o 15 de novembro e as suas aspirações consignadas na
Lei Organica dos Estados Unidos do Brazil, livremente discutida, votada
e acceite.

Á victoria decisiva da democracia no Brazil, eram indispensaveis as
provações dos ultimos mezes. Á tradicção gloriosa de «Filippe dos
Santos, esquartejado em Minas em 1720; de Tiradentes, subindo ao
cadafalso em 1789; de Domingos Martins, Abreu Lima e Domingos Theotonio,
soffrendo as perseguições ou o martyrio em 1817; de Paes de Andrade,
Frei Caneca, Bezerra Cavalcanti, e Ratcliff em 24; de Cabeço Badaró, em
31; de Bento Gonçalves e David Canavarro de 35 a 45; de Rafael Tobias,
Gabriel dos Santos, Padre Feijó e José Feliciano em 42; de Nunes Machado
e Pedro Ivo em 48[20]» era necessario juntar as victimas d'estes sete
mezes de lucta, os guardas-nacionaes, os soldados da Republica, a
juventude heroica das escolas, para que a arvore da liberdade, regada
com esse sangue generoso, não perdesse essa fructificação maravilhosa
que desde seculos constitue a mais bella aspiração da Humanidade.

       *       *       *       *       *

Como dissemos, a imprensa monarchica portugueza, interpetre salariada do
que aos bandos constitucionaes se affigurou representar o _interesse
dynastico_, desempenhou na lucta civil brasileira um papel indecoroso,
de uma parcialidade revoltante, pondo ao serviço das tentativas de
restauração imperialista todo o seu apoio e usando de todos os processos
de combate, ainda os mais condemnaveis á face de uma moral rudimentar.

Sobre a revolta de 6 de setembro e contra o marechal Vice-Presidente e
os seus partidarios, debitaram-se as maiores torpezas e as mais
refalsadas calumnias, recorrendo-se á mentira, á injuria, á insidia e
até á publicação de telegrammas apocryphos para lançar o descredito
sobre as novas instituições brazileiras.


     «Ao Portugal monarchico coube, n'esta campanha torpissima contra a
     Republica brazileira, um logar proeminente e distincto.

     Homens que deviam ter a nitida consciencia dos seus crimes
     politicos e da sua corrupção consciente e provada, permittiam-se o
     desaforo de dar sentenças e formular censuras aos seus irmãos de
     alem-mar. Quando o aviso se esterilisava, ou o caco do apostolo não
     escorria novos conselhos, começava a troça e a chalaça, isso, que,
     de ordinario, é o trapo de que se acuberta a impotencia moral, para
     não documentar, callada, a sua imbecilidade. Quem, por annos
     successivos, fizera sempre do Brazil uma fonte de recursos,
     explorando a saudade e a tendencia aristocratica dos que por lá se
     lançam á lucta da vida, apparecia-nos, agora, a tracejar projectos
     de regeneração, de fomento, de politica imperialista, como se a um
     paiz, como o nosso, sem pão, sem honra e sem liberdade, seja
     permittido outra attitude a não ser a de attentar na sua propria
     baixeza.

     Claro está, que todos os governos, assim como todas as emprezas de
     chantage, suas alliadas, appoiavam estas arremettidas. De cá ia o
     conselho e a tactica para a restauração do imperio, emquanto os que
     assim obravam iam testemunhando, com os seus actos, a insolvencia
     do systema que se propunham defender. N'esta campanha porfiada tudo
     pegou em armas. Tudo! Desde o elemento official, mais declarado,
     até á iniciativa partidaria, mais humilde; desde o velhaco até o
     imbecil, tudo, dentro dos arraiaes monarchicos, conspirou. Por toda
     a parte, na imprensa e no desenho, na conversa e no negocio, por
     toda a parte a obra sebastianista se nos impunha descaradamente.
     Jornaes, agencias telegraphicas, tudo quanto podia forjar burlas
     que durassem horas, ou mentiras plausiveis que vivessem minutos,
     tudo trazia á feira o seu sacco e a sua prosa, o seu odio ou o
     documento vivo do seu ajuste. Que podridão!»[21]


Esta attitude, appoiada por alguns elementos da nossa colonia no Brazil,
creou-nos em face dos homens publicos da grande democracia sul-americana
uma situação falsissima e que só póde modificar-se pela perfeita
descriminação das responsabilidades.

É indispensavel que todos nós, verdadeiros portuguezes, nos resolvamos a
collaborar na obra commum do resurgimento nacional.

Um dos primeiros, senão o primeiro acto d'essa nobre aspiração é o
estreitamento das nossas relações com os Estados-Unidos do Brazil, a
cuja vida economica nos achamos hoje vinculados por força das
circumstancias.

Somente, essa cordeal _entente_ e as enormissimas vantagens que d'ella
podem derivar, são incompativeis com a existencia em Portugal de uma
monarchia que nos conduziu á ruina e nos concitou a legitima
animadversão da democracia brazileira.

Estes são os factos, expostos em toda a sua nudez, e contra factos não
ha argumentos.

A Republica dos Estados-Unidos do Brazil não esquece facilmente que,
desde o dia 15 de novembro, só tem encontrado ao seu lado em Portugal os
homens do partido republicano, os seus jornaes, os seus oradores e os
seus publicistas, ao passo que da monarchia e dos seus serventuarios
recebeu apenas inequivocas demonstrações de hostilidade.

As considerações que aqui deixamos expostas não são apenas o resultado
de uma deducção logica das premissas estabelecidas pela observação dos
acontecimentos. Representam mais alguma cousa.

Com alguns vultos importantes da democracia brazileira temos tido ensejo
de travar conhecimento. Todos elles confirmam as nossas previsões.

Assim, e para não citar outras especies;--um tratado de commercio entre
Portugal e os Estados-Unidos do Brazil, tratado cujas vantagens seriam
para nós incalculaveis, é inexequivel na hora presente. Não reuniria no
Congresso duas duzias de votos!

Ora isto é grave e tão grave que esperamos que os nossos compatriotas
residentes no Brazil comecem a preoccupar-se um pouco mais com a
verdadeira situação da nossa patria e um pouco menos com esse absurdo
fetichismo monarchista, que bem pouco se compadece com os pruridos de
civilisação que nos pretendemos arrogar e com as miserias, as vergonhas
e as ruinas que essa monarchia nos trouxe.

É indispensavel tambem que do povo brazileiro façamos uma ideia um pouco
mais justa do que a entrevista pelo prisma jocoso de certos publicistas,
que do Brazil só conhecem a goyabada, os macacos e as araras.

O povo brazileiro é um dos povos mais intelligentes do mundo,
assimilando com notavel facilidade e dominado como nenhum outro pelo
amor do progresso e pela paixão da sciencia.

Em todas as espheras do conhecimento e da actividade mental, o Brazil
conta hoje elementos de primeira ordem, que só desconhece quem não sabe,
não lê ou não procura ler.

Em todos os ramos da luminosa serie de Comte, não é difficil encontrar
numerosos e distinctissimos cultores, n'esse paiz que é já hoje o
assombro da Europa e que, no entanto, por assim dizer, se encontra ainda
no periodo colonisador.

Dos elementos d'essa colonisação, nenhum mais adaptavel do que o
portuguez, nenhum que melhor liga possa formar com o nativista,
contribuindo assim para a prosperidade e grandeza das duas nações:--o
Portugal e o Brazil.

Mas para isso é necessario que nós, nós todos os que ainda não abdicamos
da esperança em um Portugal livre e honrado, reunamos os nossos
exforços, a nossa actividade, os nossos recursos, fazendo-os convergir
para um fim unico,--a liquidação de um regimen de miserias e ignominias
e o advento de uma Republica forte e moralisadora, onde a soberania
nacional não represente apenas uma ficção e uma burla.

E perfilhando as palavras de um grande jornalista e de um grande
patriota, affirmemos mais uma vez a nossa profunda alegria em face da
victoria da legalidade republicana no Brazil.

Essas palavras que vão ler-se, representam n'este momento decisivo para
os destinos da grande Republica, o consenso unanime do partido
republicano portuguez.

Eil-as:


     «A consolidação do regimen republicano no Brazil, ao tempo,
     precisamente, em que, entre nós, os governos da monarchia,
     liquidam, n'um descalabro affrontoso, toda a economia, toda a
     dignidade, toda a honra nacional, é o successo de mais
     extraordinario alcance, que a Historia póde apresentar-nos n'este
     momento.

     Porque não se trata, sómente, da estratificação de um dado systema
     politico, após luctas temerosissimas, e de toda a ordem, que mal se
     comprehendem para se poderem avaliar. Menos reveste, tambem, a
     fórma exclusiva de uma conquista de paz e tranquillidade, alcançada
     sobre os desmandos criminosos da traição e do abuso do poder. É
     mais:--é a victoria de um ideal largo, immenso, que através de duas
     mil leguas, nos alcança e consola; é o desmentido potentissimo,
     ineluctavel, contra a covardia assallariada, que, de ventre cheio e
     barbas untadas, nos vinha dizendo, a cada instante, que onde não
     houver um sceptro nem uma corôa não haverá nem paz, nem socego, nem
     quietação nos espiritos.

     E nós--nós, sobre tudo, que nem por ambição nem por calculo nos
     lançamos na corrente limpida e mansa dos que se divorciaram, ha
     muito, do existente--nós, a quem não póde dar-se o nome de
     imprudentes, por isso que a edade falla pela voz da sua razão; nós
     que nem de sonhadores, nem de totalmente atrasados no conhecimento
     da historia politica dos povos modernos podémos, com verdade,
     receber apôdos;--nós, assim e tão barbaramente profligados pelos
     molossos e pelos fraldiqueiros da monarchia, tinhamos que receber o
     enxovalho, appellando para um futuro, que, dia a dia, nos ia
     fugindo sempre. Aos ignorantes, aos simples, aos de pouca fé era
     perigosa a arma dos nossos contrarios. O argumento d'estes
     reduzia-se a esta sentença:--«ahi teem o que dá a Republica; vejam
     o sangue que ella vae custando ao Brazil». E os maragatos, de saco
     e penna, entumeciam-se com a demonstração. O imperio era, para
     elles, um negocio, além de uma tranquillidade. E deshonrando a
     razão humana, e vituperando os homens e os systemas, iam cavando
     torpissima e ridicula lenda, que punha tons de Marco-Aurelio na
     figura pittoresca, e menos que banal, do pobre D. Pedro II.

     Porque estes traficantes traziam sempre na mão este indigentissimo
     raciocinio:--O Brazil estava conflagrado, porque a Republica,
     abrindo os diques á ambição desmandada d'aquelle grande povo,
     estabelecera a anarchia. Em vão se lhes demonstrava, que ao governo
     republicano, por fórma alguma, se podia imputar a tremenda
     responsabilidade do que estava succedendo na capital federal. Que
     muito ao contrario d'aquillo que a imprensa assallariada nos
     impunha, a anarchia era, pura e unicamente, obra da rebellião
     monarchica. Que o governo republicano, sobre representar a honra e
     consenso nacional, representava, egualmente, a legalidade e o
     predominio da justiça. Que quem sahira da lei não era o povo, nem
     tão pouco os que, com elle, se tinham coligado para exterminar uma
     fórma de governo inutil e absurda; mas tão sómente os que recebendo
     do estado as armas com que deviam e lhes cumpria defender os
     interesses publicos, proclamados como taes, pela consciencia
     nacional, as tinham voltado contra a patria, trocando a farda do
     soldado leal pela libré immunda do lacaio servil».

     ......................................................................

     «Agora, consolidada a Republica nos vastos dominios do Brazil,
     importa que os novos elementos officiaes d'esse grande Estado não
     involvam toda a nação portugueza no mesmo labeu, que infama, hoje,
     muitos dos seus filhos. É natural a represalia; naturalissima mesmo
     a desfórra, é certo: mas não é justo que todo um povo, que ainda
     tem um grande destino a cumprir, soffra as funestas consequencias
     dos seus maus governos, e colha os espinhos, que especuladôres
     desalmados lançaram a esmo, por calculo, por dinheiro e por
     negocio, ao longo do seu caminho.

     A victoria do Brazil é, pois, e para nós, um aviso e uma esperança.
     Representa o regresso de um povo á plena normalidade do seu viver,
     á integridade da sua existencia politica, ao equilibrio vivo das
     suas forças, á paz e ao prestigio de que é digno. É um grande povo,
     que vem assentar a sua futura prosperidade sobre os alicerces
     gloriosos da sua fé. Que assegura, com a espada, a victoria moral
     que já alcançou pelo espirito. Que surge, em plena virilidade, para
     consolidar toda a grandeza moral do seu feito. Que, emfim,
     envergonhando-se, com rasão, de ser governado por um homem, que era
     o instrumento vivo de um preconceito, quer governar-se a si mesmo,
     e por si mesmo, pelas leis que fizer e pelas liberdades que
     adquirir.

     E, ao passo que toda esta epopêa se levanta, como um grande sol, lá
     ao largo, muito ao largo, é entristecedor attentar no abysmo de
     miserias a que Portugal desceu.

     ......................................................................

     Mas, ao menos, seja-nos grato desviar, por agora, os olhos d'este
     atoleiro, e saudar, pela sua conquista, pela sua tenacidade, pela
     sua grandeza, os nossos queridos irmãos de além do mar!

     A sua obra, que será eterna, está, enfim, concluida!

     Emfim!»[22]


       *       *       *       *       *

Estamos chegados ao termo d'este trabalho de critica e propaganda, em
que procuramos illucidar os nossos compatriotas residentes no Brazil
sobre a verdadeira situação da Patria commum, as razões de existencia do
partido republicano portuguez e a missão patriotica que aos nossos
nacionaes cumpre levar a cabo, para que entre Portugal e a Republica
irmã se estabeleçam as relações da mais ampla confraternidade.

Esta obra, se por alguma circumstancia se recommenda, é pela sinceridade
e desinteresse que orientam as sua paginas. Escripta com a precipitação
do trabalho jornalistico, entre as obrigações do advogado e as não menos
imperiosas da propaganda, ella não póde revestir nem as bellezas
litterarias nem o fundo scientifico dos exforços largamente meditados e
cuidadosamente revistos e corrigidos.

Mas é sincera, visa a um fim altamente patriotico, e tanto basta para
merecer a sympathia dos que a lerem.

Muito de proposito, reservamos para o fim algumas palavras sobre o
Vice-Presidente da Republica brazileira, o marechal Floriano Peixoto.

Não o conhecemos e d'elle nada pretende pessoalmente o republicano
portuguez, auctor d'este livro.

Se desde o principio lhe prestamos todo o nosso concurso, no jornal cuja
direcção politica então nos pertencia[23], é porque sempre o julgamos a
consubstanciação da legalidade republicana, expressa na lei organica da
Federação Brazileira.

Ha momentos na vida de um povo em que as ideias encontram em certas
energias uma tão perfeita identificação, que ao publicista se torna
impossivel differenciar esses dois elementos, sem prejuizo da verdade
historica.

Foi o que succedeu no Brazil, cujas instituições teriam atravessado uma
crise ainda mais grave do que a actual, se accaso não tivessem a
excepcional energia, o provado civismo e a inquebrantavel tenacidade
d'esse velho heroe do Paraguay a manter-lhes a integridade.

Na historia do Brazil, esse homem occupa hoje um logar, que póde bem
egualar, em respeito e em veneração, a memoria querida de Benjamim
Constant.

Á honestidade d'este livro fica bem este acto de Justiça!


FIM



ADDENDA


PROGRAMMA DO PARTIDO REPUBLICANO PORTUGUEZ


(ELABORADO PELO DR. THEOPHILO BRAGA
E PUBLICADO EM 11 DE JANEIRO DE 1891 PELO DIRECTORIO ELEITO
EM 6 DO MESMO MEZ E ANNO
NO 4.^o CONGRESSO GERAL DA DEMOCRACIA PORTUGUEZA)



O PROGRAMMA DA DEMOCRACIA


O regimen politico das cartas constitucionaes, fundado no amalgama
irracional da soberania do direito divino com a soberania da nação, só
podia nascer e sustentar-se pelo sophisma de uma transigencia temporaria
entre o _Absolutismo_ e a _Revolução_. Foi por esta transigencia que se
perverteu a obra gloriosa do fim do seculo XVIII, e que o seculo XIX se
exgotou na instabilidade politica, sem ter ainda resolvido praticamente
o problema social. Os povos fiaram-se n'esta obra dos ideologos; porém,
a pratica de mais de meio seculo descobriu que esse accordo fôra
falsificado pelo absolutismo, que, encarregado de executar O pacto,
acobertou a dictadura monarchica com o parlamentarismo e com os
ministerios de resistencia.

Este regimen das Cartas outorgadas, que mal se admittiria como
transição, empregou todos os meios capciosos ou violentos, para
conservar-se como definitivo, taes como as intervenções armadas do
estrangeiro, conseguindo embaraçar todos os progressos e debilitar a
nação pela ruina economica, pela degradação dos caracteres individuaes,
até ao ludibrio da sua autonomia. O absolutismo implicito na Carta
outorgada, está desmascarado, e pelo abuso das dictaduras ministeriaes
as mais absurdas, é incompativel com a nação; a revolução tem
constantemente disciplinado as suas aspirações em opiniões convictas,
legitimas e scientificas, como as synthetisa hoje a democracia moderna.
Tal é a razão de ser do Partido republicano em Portugal, e da sua
solidariedade internacional com a democracia dos povos latinos.

Na espectativa de uma tremenda catastrophe nacional (perda das colonias,
consignação dos rendimentos publicos a syndicatos estrangeiros, e
consequentemente incorporação de Portugal como provincia da Hespanha),
importa que a nação tenha um partido seu, que pugne pela sua dignidade e
independencia, tirando da civilisação moderna as bases de uma nova
reorganisação politica. Esta convicção tem sido o estimulo para a
formação espontanea do Partido republicano portuguez, que se desenvolve
na razão directa do desalento publico e da propagação do moderno saber,
trazido na fecunda corrente europêa. Para que esse partido use da força
de que dispõe, è preciso que tenha a clara intelligencia da situação que
a Nação portugueza atravessa n'este momento, e pela gravidade
assustadora da crise consiga o accordo das vontades.

--A situação desenha-se no simples esboço critico dos acontecimentos
politicos e dissolução dos partidos monarchicos.

--A unanimidade dos espiritos, essa conseguir-se-ha pela veracidade
scientifica e opportunidade das doutrinas da Democracia, ainda no caso
restricto da sua applicação á reorganisação d'esta pequena
nacionalidade.

A liberdade, realisada pelas Civilisações historicas, consiste na
independencia e coexistencia harmonica do _Individuo_ e do _Estado_.
Como synthese da Liberdade, o Estado realisa a _isonomia_, ou:

Egualdade perante a Lei (_Responsabilidade dos individuos_).

Egualdade na formação da Lei (_Suffragio universal_).

Egualdade na execução da Lei (_Delegação temporaria revogavel_).

Do pleno cumprimento d'estas funcções garantidas pelo Estado, resulta a
_Autonomia_ individual, ou a Liberdade em todas as manifestações
activas, especulativas e affectivas.

Todas as reformas devem ser simultaneas a estes dous factores sociaes:


ORGANISAÇÃO DOS PODERES DO ESTADO

_a)_ DO PODER LEGISLATIVO


1.^o _Federação de Municipios_--Legislando em Assembleias provinciaes
sobre todos os actos concernentes á Segurança, Economia e Instrucção
provincial, dependendo nas relações mutuas da homologação da Assembleia
nacional.

2.^o _Federação de Provincias_--Legislando em Assembleia nacional, e
sanccionando sob o ponto de vista do interesse geral as determinações
das Assembleias provinciaes, e velando pela autonomia e integridade da
Nação.

3.^o _Constituinte decennal_--Destinada á revisão periodica da
Constituição politica, e a reformar a Codificação geral.


_b)_ DO PODER EXECUTIVO


O Poder ministerial divide-se em tres grandes ramos:

1.^o _A Segurança publica_, comprehende:

Força armada de terra e mar.--Policia civil e fiscal.--Justiça e
Penalidade.--Garantias individuaes.--Relações internacionaes.

2.^o _A educação publica_, comprehende:

Instrucção elementar, scientifica e technica.--Relações
cultuaes.--Bellas-Artes.--Salubridade.--Assistencia.--Recompensas
civicas.

3.^o _Economia publica_, comprehende:

Agricultura.--Industria, Commercio e Navegação.--Concessões de
obras.--Correios e Telegraphos.--Arrecadações de impostos.--Estatistica
e Contabilidade geral.


_c)_ DO PODER JUDICIAL


1.^o Juizo de--Conciliação, Preparação, Arbitragem e Revisão.

2.^o Juizo Civel--Singular, Collectivo e Especial.

3.^o Juizo Criminal, Policial e Administrativo.


FIXAÇÃO DAS GARANTIAS INDIVIDUAES


1.^o _Liberdades essenciaes_,--instrumento das garantias politicas e
actos civis: (Allemanha, seculo XVI). Liberdade de consciencia, e
egualdade civil e politica para todos os cultos.--Abolição do juramento
nos actos civis e politicos.--Registo civil obrigatorio para os
nascimentos, casamentos e obitos.--Liberdade de imprensa, de discussão e
de ensino.--Ensino elementar obrigatorio, secular e
gratuito.--Secularisação dos cemiterios e creação de um Phantheon
nacional para as honras civicas.--O professorado dividido em docente e
examinante.--Educação progressiva da mulher, exercendo a capacidade
politica em correlação com as obrigações civis a que estiver
sujeita.--Abolição dos gráos e da frequencia obrigatoria nas disciplinas
theoricas e superiores.--Harmonisar e simplificar os Codigo civil,
criminal, administrativo, commercial e de processo com o espirito
philosophico e resultados scientificos modernos.

2.^o _Liberdades politicas_, ou de garantias: (Inglaterra, seculo XVII).

Suffragio universal.--Representação das minorias.--Autonomia municipal;
descentralisação e administração civil das provincias
ultramarinas.--Livre transito, inviolabilidade de domicilio e abolição
de prisão preventiva, excepto para o assassinio.--Liberdade de
associação, de reunião e de representação (excepto para a força armada
sob fórma collectiva).--Liberdade de trabalho e de industria, e abolição
dos monopolios quando não estejam subordinados á utilidade
publica.--Abolição do corpo diplomatico, e conversão do consular em uma
magistratura para as relações de direito internacional.--Autonomia e
integridade da nação portugueza.--Extincção dos poderes hereditarios e
privilegiados.--Substituição dos titulos nobiliarchicos feudaes por um
systema de recompensas civicas.--Organisação militar exclusivamente
defensiva.--Poder legislativo de eleição directa.--Poder executivo, de
delegação temporaria do legislativo, e especialisando a acção
presidencial para as relações geraes do Estado.--Lei de
incompatibilidades e effectividade da responsabilidade
ministerial.--Prohibição da accumulação de funcções publicas.--Taxação
do povo pelo povo.--Responsabilidade de todos os funccionarios ou
auctoridades.--Direito de resistencia aos actos offensivos das
leis.--Abolição do recrutamento, e serviço militar
obrigatorio.--Exercito reduzido a Eschola e Quadro, e Milicia nacional
segundo as divisões provinciaes.

3.^o _Liberdades civis_, ou objecto da acção individual: (França seculo
XVIII).

Extincção das ultimas fórmas senhoriaes da propriedade, no sentido de a
tornar perfeita, como fóros, laudemios, luctuosas, por uma lei sobre
remissão forçada.--Arroteamento obrigatorio dos terrenos incultos ou a
sua expropriação por utilidade publica.--Refórma do regimen
hypothecario, como fórma de credito geral territorial.--Estabelecimento
do regimen de aprendisagem e regulamentação do trabalho de
menores.--Desenvolvimento das associações cooperativas de consummo,
producção, edificação e credito, pelo adiantamento pelo Estado de um
fundo inicial.--O Estado não concorre com as industrias particulares, e
as suas officinas, quando não adjudicaveis a emprezas particulares,
serão escholas de artes e officios.--Substituição do systema
penitenciario por colonias penaes agricolas.--Tribunaes especiaes de
medicina legal.--Abolição das loterias e de quaesquer jogos de azar,
embora com fim caritativo.--Abolição completa de todas as contribuições
de serviços pessoaes ou dias de trabalho;--das graças ou perdão de
penalidade, mas salvo o direito de reparação ao innocente.--Revisão das
pautas, no intuito de facilitar a acquisição de materias primas, e
protecção ao trabalho nacional.--Abolição de todos os direitos de
consumo cobrados pelo Estado.--Diminuição gradual do imposto de consumo
nos generos de primeira necessidade.--Regulamentação do
inquilinato.--Tribunaes arbitraes de classe, para os conflictos entre
operarios e patrões; ampliação da competencia dos
arbitros.--Reconhecimento e auxilio ás camaras syndicaes, Bolsas de
trabalho e todos os meios de incorporação do proletariado na sociedade
moderna.--Reconhecimento da divida publica, com o resgate da externa, e
regularisando a interna como meio de capitalisação dos pequenos
possuidores.


Alguns d'estes principios tem sido ensaiados pelos partidos monarchicos,
fragmentariamente ou sophisticamente, como o registo civil, a
representação de minorias, a liberdade de consciencia, etc. Mas dentro
de um regimen, em que a suprema magistratura se funda no privilegio
pessoal do nascimento, é inevitavel a dissolução dos caracteres e a
viciação de todas as instituições.

Compete á imprensa republicana e aos conferentes democraticos
desenvolver estes topicos, que naturalmente constituiriam um codigo
doutrinario, e que apresentamos como base de um programma destinado a
dar convergencia ás vontades para cooperarem na reorganisação nacional.»



LIVRARIA CHADRON--M. LUGAN, SUCCESSOR


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O Porto na berlinda      500
Um contemporaneo do infante D. Henrique      300
Em papel de linho      500


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O infante navegador, poemeto      200
Em papel de linho      400


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Dom Tarouco      600


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A crise      700
Teophilo Braga e a sua Obra      700


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*Didon (dominicano)*

Jesus Christo, 2 vol.


*Eça de Queiroz*

As cidades e as serras
Correspondencia de Fradique Mendes.
A illustre casa de Ramires


*Theophilo Braga*

A patria portuguesa, 2 vol.
Visão dos tempos, 3 vol.


       *       *       *       *       *


Anthero de Quental--Homenagem dos seus amigos.


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Typ. da Empresa Litteraria e Typographica, rua de D. Pedro, 184



Notas:

[1] Oliveira Martins--O Brazil e as colonias portuguezas--3.^a
ed.--1888--pag. 170 _in fine_.

[2] _Voz Publica_--n.^o 1075 de 14 de outubro de 1893 (_Do A._)

[3] _Voz Publica_ n.^o 1180 de 16 de fevereiro de 1894--(_Do A_)

[4] _Voz Publica_ n.^o 1075 de 14 de outubro de 1893 (_Do A._)

[5] _Voz Publica_ n.^o 1115 de 2 de dezembro de 1893 (_Do A._)

[6] _Voz Publica_ n.^o 1133 de 23 de dezembro de 1893 (_Do A._)

[7] _Voz Publica_ n.^o 1135 de 26 de dezembro de 1893 (_Do A._)

[8] _Voz Publica_ n.^o 1137 de 28 de dezembro de 1893 (_Do A._)

[9] _Voz Publica_ n.^o 1151 de 13 de janeiro de 1894 (_Do A._)

[10] _Voz Publica_ n.^o 1133 de 23 de dezembro de 1893. (_Do A._)

[11] _Voz Publica_ n.^o 1144 de 5 de janeiro de 1894--(_Do A._)

[12] _Emile de Lavelaye_--Le gouvernement dans la democratie, vol. I
pag. 179 e seg.--Paris 1891.

[13] _Emile de Lavelaye_--ibid--pag. 176.

[14] _Dr. Martins Junior_--Ao povo e ao partido republicano--Manifesto
politico, pag. 9--Recife--Typ. da Gazeta da Tarde--1893.

[15] _E. de Lavelaye_--Le gouvernement dans la democratie, vol. I pag.
350 e seg.--Paris 1891.

[16] Dr. Martins Junior, manifesto cit. pag. 3.

[17] _Dr. Martins Junior_. Manifesto cit. pag. 19 e 20.

[18] _Dr. Martins Junior_--Manifesto cit. pag.^s 23 e 24.

[19] _Dr. Martins Junior_--Manifesto cit. pag.^a 44.

[20] Silva Jardim--Memorias e Viagens, pag.^a 223.

[21] _Voz Publica_ n.^o 1206 de 18 de março de 1894 (_Artigo do eminente
jornalista José Caldas._)

[22] _Voz Publica_ n.^o 1206 de 18 de março de 1894 (_Artigo do eminente
jornalista José Caldas_)

[23] _A Voz Publica_, jornal republicano do Porto e orgão do partido do
norte. _Proprietarios_: Joaquim Bessa de Carvalho, cidadão portuguez e
Adolpho Cyrillo de Sousa Carneiro, cidadão dos Estados-Unidos do Brazil.
_Director politico_: Cunha e Costa. _Redactores_: Jayme Fylinto e
Henrique Marques. _Chefe da reportagem_: F. L. de Sousa. _Collaboradores
effectivos_: José Caldas, o eminente jornalista, Mello Freitas,
escriptor muito considerado e Silva Pinto, uma das individualidades mais
originaes do jornalismo portuguez. N'este jornal collaboraram o
fallecido dr. José Falcão, Rodrigues de Freitas, dr. Theophilo Braga,
Antonio Claro, P.^{es} Oliveira e Guerreiro, Paes Pinto (abbade de S.
Nicolau), Alves de Moraes, etc., etc. _A Voz Publica_ é successora de _A
Republica_, suprimida em 31 de janeiro, por occasião da revolta, e que a
principio foi dirigida por João Chagas, auxiliado por José Pereira de
Sampaio (Bruno), Eduardo de Sousa, Rocha Peixoto e outros. Para _A Voz
Publica_ tem escripto algumas cartas interessantissimas sobre o Brazil,
o nosso querido amigo e leal correligionario Carrilho Videira, hoje
residente na Capital Federal.



Lista de erros corrigidos


Aqui encontram-se listados todos os erros encontrados e corrigidos:


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  |#pág.   84| movimente           | movimento            |
  |#pág.   95| 1891                | 1791                 |
  |#pág.  107| egulado             | egualado             |
  |#pág.  114| impõr               | impôr                |
  |#pág.  121| despertigio         | desprestigio         |
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