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Title: A Lucta Civil Brazileira e o Sebastianismo Portuguez Author: Costa, José Soares da Cunha e, 1868-1928 Language: Portuguese As this book started as an ASCII text book there are no pictures available. *** Start of this LibraryBlog Digital Book "A Lucta Civil Brazileira e o Sebastianismo Portuguez" *** book was created from images of public domain material made available by the University of Toronto Libraries (http://link.library.utoronto.ca/booksonline/).) *Nota de editor:* Devido à existência de erros tipográficos neste texto, foram tomadas várias decisões quanto à versão final. Em caso de dúvida, a grafia foi mantida de acordo com o original. No final deste livro encontrará a lista de erros corrigidos. Rita Farinha (Dez. 2008) Á COLONIA PORTUGUEZA NO BRAZIL A LUCTA CIVIL BRAZILEIRA E O SEBASTIANISMO PORTUGUEZ POR CUNHA E COSTA ADVOGADO E JORNALISTA REPUBLICANO PORTO TYPOGRAPHIA DA EMPREZA LITTERARIA E TYPOGRAPHICA _178, Rua de D. Pedro, 184_ 1894 A LUCTA CIVIL BRAZILEIRA [Figura] Á COLONIA PORTUGUEZA NO BRAZIL A LUCTA CIVIL BRAZILEIRA E O SEBASTIANISMO PORTUGUEZ POR CUNHA E COSTA ADVOGADO E JORNALISTA REPUBLICANO PORTO TYPOGRAPHIA DA EMPREZA LITTERARIA E TYPOGRAPHICA _178, Rua de D. Pedro, 184_ 1894 ÁS HONRADAS MEMORIAS do Dr. José Falcão a mais nobre figura moral do partido republicano portuguez e de José Chrispiniano da Fonseca o melhor dos amigos, o mais dedicado dos correligionarios e a mais brilhante intelligencia da mocidade das escolas portuguezas em 1890-1891 D. Estas paginas de propaganda sincera e patriotica O A. _Aos Ex.^{mos} Snrs. Dr. José Calmon N. Valle da Gama e Antonio Tavares Bastos Dig.^{mos} Consul e Vice-Consul da Republica dos Estados-Unidos do Brazil no Porto_ _Homenagem de muita estima e consideração do A._ A revolta de uma parte da armada brazileira, ás ordens do contra-almirante Custodio de Mello, em 6 de setembro de 1893, encontrou no sebastianismo portuguez o mais franco e decidido appoio. A imprensa monarchica, na sua grande maioria composta de simples salariados ás ordens dos depositarios das graças e dos benesses, sem as condições de independencia necessarias a quem pretende escrever o que pensa, aproveitou o ensejo para novas e torpes especulações, da natureza d'aquellas a que deu azo a entrevista de Badajoz entre republicanos hespanhoes e portuguezes. Por seu turno, o jornalismo democratico, imperfeitamente informado e receioso de errar em face das noticias mais absurdas e contradictorias, não poude, a principio, desmascarar, como lhe cumpria, os manejos indecorosos que, á sombra de uma bandeira mal definida, os sebastianistas de aquem e de além-mar iam urdindo na treva contra as novas instituições brazileiras. Só quem por dever de officio conhece a imprensa monarchica portugueza, o seu pessoal e os seus processos de combate, poderá fazer uma ideia clara e nitida dos extremos de villania a que aqui se desce para, _à outrance_, defender a realeza expirante e os interesses a ella vinculados. Nas questões internas como nos conflictos internacionaes, a injuria, a calumnia, a insidia, a mentira, a ausencia absoluta de todos os escrupulos, são materia corrente de uso quotidiano, e tão formal e completo é o desprestigio d'esse jornalismo alquilado, que os seus desmentidos ou negativas, por via de regra, são recebidos pelo publico como a prova mais concludente dos factos ou das affirmações cuja veracidade pretende contestar-se. A acção perniciosa d'essa imprensa e dos seus agentes, não raro vae até ao ponto de preparar ao jornalismo republicano verdadeiras ciladas, cujos effeitos, só mercê de extrema reserva e de uma vigilancia constante é possivel destruir. É frequente, por exemplo, receberem-se nas redacções dos jornaes republicanos informações completamente falsas, apadrinhadas por nomes suppostos e precedidas das expressões as mais encomiasticas para a causa republicana e para os seus apostolos. D'aqui as difficuldades de uma tal lucta e os excessos de prudencia a que nós, jornalistas republicanos, somos obrigados, no cumprimento da nossa missão nobre, honrada e patriotica. Se assim succede em questões que se passam, por assim dizer sob os nossos olhos, e cuja analyse e critica são relativamente faceis, calcule-se o que succederá com acontecimentos que tem por theatro de acção um paiz distante, estudado pelos portuguezes sob pontos de vista mais ou menos mercantis e cuja evolução politica e social se exerce em sentido diametralmente opposto ao desejado pelo systema que providencialmente nos explora! É para nós ponto assente que os Bragança-Orléans e respectivos serventuarios, de mistura com todos os especuladores de bolsa compromettidos na desenfreada jogatina dos ultimos tempos, se deram as mãos n'esta campanha que parece terminada com a rendição do _ex-neutro_ sr. Saldanha da Gama. E porque muita gente o sabe, e porque o sabem o governo e os republicanos brazileiros e porque sobre a colonia portugueza no Brazil recahem as mais graves suspeitas, é necessario que toda a verdade se diga, que luz se faça n'esta embrulhada, para que a parte honesta, viril e sã do povo portuguez não venha a soffrer as deploraveis consequencias da inepcia de uns, da insania de outros, da ignorancia de não poucos e dos interesses inconfessaveis da maior parte. Não consiste o patriotismo em occultar sob apparencias enganosas e falsas como europeis de saltimbanco as culpas, os erros e os crimes das instituições que ainda nos regem e dos que á sombra da sua impunidade protectora nos conduziram á ruina, á miseria e á ignominia;--dos que malbarataram os recursos nacionaes e fizeram com que o nosso nome e o nosso credito fossem arrastados pelas praças e esquinas dos grandes centros de actividade e de riqueza em _placards_ insultantes;--dos que pouco a pouco fôram corrompendo este organismo a que pertencemos, fazendo-lhe perder o culto das praticas civicas, adormentando-lhe as energias, prostituindo-lhe a individualidade e o caracter;--dos que arvoraram em systhema de administração o binario conjugado do imposto e do emprestimo e o processo governativo da compra das consciencias alquiladas a peso de ouro;--dos que, impotentes para conter por mais tempo a indignação popular e os clamores de protesto, rasgaram violentamente o pacto constitucional, supprimindo de facto as liberdades publicas, o direito de reunião, o direito de associação, a livre faculdade de interpetrar pela palavra e pela penna a vontade nacional;--dos que collocaram a grande familia democratica fóra da legalidade, burlando o suffragio, roubando o voto, fusilando o eleitor;--dos que, ao cabo de largos annos de recurso ao credito, deixam o paiz sem defesa, com um exercito sem soldados, e as colonias sem garantia, com uma armada sem navios! Não. Não consiste n'isto o patriotismo. Antes julgamos que só a exposição clara e leal de tantos erros, de tantas miserias e de tamanhos crimes poderá ainda accordar n'este povo, tão glorioso outr'ora, tão abatido hoje, o remorso da sua quasi cumplicidade e um supremo esforço no caminho da reacção e do protesto. Essa exposição vamos fazel-a, no cumprimento de um dever e no uso legitimo de um direito. De facto, á obrigação de como patriotas e republicanos separarmos as nossas responsabilidades das dos fautores da nossa ruina, accrescem ainda circumstancias especiaes que passamos a explanar. Fomos nós quem, desde o começo da revolta, sustentamos a sua illegitimidade, em successivos artigos publicados no jornal _A Voz Publica_, cuja direcção politica então nos pertencia. N'esses artigos, escriptos com a maxima convicção, lealdade e DESINTERESSE, lamentavamos que portuguezes se associassem aos manejos sebastianistas, preconisavamos a necessidade da nossa colonia se inspirar nas novas ideias de progresso e ordem, appoiando os apostolos da causa republicana no Brazil e creando entre os partidarios das instituições implantadas em 15 de novembro uma forte corrente de sympathias, que mais tarde poderiam constituir uma solida fonte de vantagens para o nosso paiz, uma vez n'elle estabelecido o regimen republicano. Como porém n'esses artigos, por força de argumentação, fomos obrigados a expôr, ainda que ao correr da penna, as miserias, as ruinas e os vexames a que a monarchia arrastou a nossa querida patria, alguns compatriotas nossos, residentes no Brazil, lembraram-se de accusar-nos de _falta de patriotismo_, o tal patriotismo que consiste em calar o opprobrio, occultar as faltas e deixar impunes os grandes criminosos... só porque são portuguezes! Eis o que nos leva a formular umas ligeiras considerações sobre o assumpto, despretenciosas mas verdadeiras, e hoje mais do que nunca opportunas. * * * * * Muitos dos nossos compatriotas que emigraram para a republica dos Estados Unidos do Brazil, anteriormente ao _ultimatum_ de 11 de janeiro de 1890, só imperfeitamente conhecem as actuaes condições de existencia da politica e da sociedade portugueza. De facto, até essa data funesta, o medonho descalabro a que hoje assistimos, presos de fundado terror, conservava-se ainda latente, mercê de circumstancias que não vem para aqui ponderar, e o espirito publico só em percentagem minima acceitava os receios e as previsões pessimistas da imprensa republicana. Viciada pela educação mais corruptora e anti-patriotica, a opinião, sempre confiante e desinteressada dos acontecimentos, taxava de exageradas as gravissimas accusações por nós vibradas contra o regimen vigente, e julgando um pouco difficil o estado do paiz suppunha no entanto que essas dificuldades poderiam demover-se pelo emprego dos expedientes usados com exito até ahi. Pode dizer-se que a vida politica da nação, antes do _ultimatum_, se concentrava em um pequeno nucleo de firmas conhecidas, bastante desacreditadas já, mas protegidas pela indifferença publica e pela não revelação dos graves erros, attentados e crimes, até ahi cuidadosamente occultados e que mais tarde vieram a tornar-se do conhecimento de todos. D'esta indifferença, d'esta ignorancia, partilhavam os nossos compatriotas residentes no Brazil e, desde então, longe do local dos acontecimentos, dos centros de illustração e propaganda e absortos no labutar insano da sua existencia consagrada ao trabalho, muitos persistiram nos seus erros, não obstante o estendal de torpezas desenrolado aos olhos do paiz. Serve isto para explicar até certo ponto o mal dissimulado antagonismo de certos elementos da nossa colonia contra o advento da forma republicana no Brazil, e o errado ponto de vista sob o qual foi por elles interpetrada a nossa attitude em face da revolta de uma parte da esquadra brazileira, revolta que, a principio dissimulada sob uma tenue camada de verniz democratico, se tornou depois, com a adhesão de Saldanha da Gama, francamente restauradora de instituições condemnadas e proscriptas. A grande maioria dos nossos compatriotas, sympathica á causa dos revoltosos, procedeu, quanto a nós, com inteira boa fé. Homens simples, por via de regra estranhos ás veredas, tortuosas da politica portugueza, ausentes no Brazil desde uma epoca em que Portugal apparentemente gravitava na orbita regular das nações de vida equilibrada, honesta e prospera;--mal podendo distrahir da sua vida de esforço e de trabalho o tempo necessario para inquirir dos recentes acontecimentos, analysal-os, critical-os e d'elles formar um juizo seguro, esses portuguezes, aliás movidos pelo mais nobre e respeitavel dos sentimentos, vivem n'uma patria psychologica, n'uma patria ideal, a que corresponde uma realidade objectiva terrivelmente desoladora! A par d'esta boa gente, sincera, leal, bem intencionada, ha por certo alguns especuladores, actuando, quer por interesses proprios de baixa esphera, quer por instrucções de mandantes vinculados á cevadeira monarchica portugueza. Mas esses são bem conhecidos e a sua punição deixar-nos-hia indifferentes, senão jubilosos. É necessario porém, é mesmo indispensavel, que os interesses geraes do paiz, que os interesses dos nossos compatriotas residentes no Brazil, não venham a soffrer da inepcia, da insania ou dos intuitos inconfessaveis de alguns especuladores professos; é mister que a nossa colonia, tão honrada e tão trabalhadora, esclarecida pelos que tomaram a seu cargo cooperar na creação de um novo Portugal, digno de grandiosas e quasi esquecidas tradicções, crie no seio da grande republica um forte nucleo democratico, a um tempo solidario no movimento progressivo da poderosa Federação sul-americana e auxiliar importantissimo do movimento democratico portuguez. É no desempenho d'este nobre papel, d'esta missão verdadeiramente util, que a colonia portugueza no Brazil póde prestar á sua patria o melhor dos serviços. * * * * * A normalidade da vida portugueza não póde hoje prescindir da cooperação e auxilio da Republica dos Estados-Unidos do Brazil. É n'esse paiz que está porventura o futuro da nacionalidade portugueza, se um dia esta, accordando emfim para a consciencia e posse dos seus destinos, e fazendo um supremo appello ás energias que ainda lhe restam, se resolver a iniciar uma nova existencia de trabalho e de probidade, readquirindo um nome que perdeu e rehabilitando uma firma que lhe deshonraram. Nem a Inglaterra, nem a França, nem a Hespanha, nem a Allemanha, para as quaes a phantasia, a inepcia ou o interesse dynastico se tem voltado, nas occasiões afflictivas, como protectoras ou cointeressadas, representam um elemento solido e efficaz de auxilio e cooperação. Ruinosas umas, restrictas outras a interesses limitados, subordinadas quasi todas a considerações que por completo lhe alteram a possivel utilidade e expansão, e ainda a melhor dependente de um futuro remoto postoque fatal, essas allianças, convenios, tractados ou accordos, não representam por fórma alguma elementos vinculados ao regular funccionamento do nosso organismo politico, social e economico, forças componentes d'esta resultante a que se chama a vida autonoma da nação portugueza. São ephemeras, heterogeneas e repugnantes ou pairam ainda nos dominios da aspiração doutrinaria, remotamente exequivel. Já assim não succede com o Brazil, cuja solidariedade comnosco se impõe pela identidade de raça, de lingua, de costumes, de tradicções, continuada desde o periodo da colonisação e affirmando-se a cada momento, ainda nas phases de maior antagonismo entre o elemento nacional e o migratorio portuguez. Tradicções que mais não podem apagar-se, semente que mais não pode perder-se, como nas antigas colonias hespanholas se não extinguiu nem extinguirá nunca o fundo castelhano. Factor que a emigração constante a cada momento renova e mantem vivo e brilhante, nas relações da ordem civil e commercial, na arte, na industria, na sciencia, pela communhão intellectual permanente entre portuguezes e brasileiros, pela cultura acurada d'essa lingua commum, tão bella e tão sonora. «Ao lado da America germano-saxonia, com o seu genio practico e utilitario, ficará a America do sul aos povos que descobriram ambas e todo o resto do mundo desconhecido. Nem a falla nobre do castelhano, nem a grave lingua portuguesa se perderão, como accaso viria a succeder se o imperio peninsular não tivesse sahido da Europa.»[1] Sómente essa communhão, essa ampla fraternidade, que se impõe a todos os espiritos verdadeiramente interessados na prosperidade da patria portugueza, tem sido, principalmente desde o 15 de novembro, sacrificada a mesquinhas considerações de interesse dynastico, ao empenho, hoje criminoso, de manter em Portugal uma instituição condemnada em nome da civilisação e em nome da dignidade e do credito portuguez, horrivelmente compromettidos pelos que á sombra d'essa bandeira prostituida se locupletaram fartamente. Desde o 15 de novembro que os governos e a imprensa monarchica portugueza hostilisam surdamente a actual ordem de cousas no Brazil, causando com esse procedimento, que é a mais detestavel das politicas, prejuizos incalculaveis ao nosso paiz. A comprovação d'estas asserções é extremamente facil. Só poderá pôl-as em duvida quem nem sequer se dê ao incommodo de lêr a imprensa diaria. Ora o governo brazileiro sabe isto. Ora os homens publicos do Brazil tem d'esta campanha o mais perfeito conhecimento, além dos episodios de caracter gravissimo que nós só imperfeitamente podemos explanar e que, entre outras consequencias vergonhosas para nós e em extremo prejudiciaes, deram logar á retirada de um ministro portuguez no Brazil. Mas o governo brazileiro, mas os homens publicos do Brazil, sabem tambem que com elles está de alma e coração o partido republicano portuguez, que esse partido tem a seu lado a parte nobre, honrada e sã dos nossos compatriotas, e que a republica é hoje entre nós uma verdadeira aspiração nacional. N'uma palavra:--na grande Federação sul-americana não se ignora que, em Portugal, os amigos do Brazil, os seus cooperadores dedicados e desinteressados, são os membros da grande familia republicana, os unicos que vêem com o enthusiasmo sincero de irmãos em crenças o assombroso progresso d'essa terra hospitaleira que para os portuguezes foi sempre uma segunda patria. Como se explica essa guerra intransigente movida contra as novas instituições brazileiras pela monarchia portugueza, guerra manifestada na imprensa officiosa por uma fórma inequivoca, que por vezes assumiu um caracter em extremo imbecil e inepto, e cuja insania não trepidou perante a propria intervenção dos agentes officiaes? Facilmente. Para as instituições que implacavelmente nos exploram e arruinam, um dos maiores senão o maior pesadelo é a existencia de um Brazil republicano, cuja influencia contribue em grande parte na obra demolidora que ha muito encetamos contra essa monarchia, que nos levou á miseria, deshonrando-nos ainda por cima. O 15 de novembro foi um golpe fatal para a grey monarchica. Trouxe ás ideias democraticas um enorme prestigio, innumeras e valiosissimas adhesões, estreitou o affecto que já prendia os republicanos d'aquem e d'além Atlantico, creou sympathias, solidariedade, auxilio e protecção. Essa influencia benefica foi-se accentuando rapidamente, á medida que crescia tambem nos serventuarios da realeza a surda hostilidade contra a nova republica. Vê-se que a monarchia comprehendera o perigo. Somente, n'esta como em identicas questões, poz completamente de parte os mais sagrados interesses nacionaes para apenas se preoccupar com o egoismo do que ella, a misera, suppunha ser o interesse da propria conservação! Foi o que a perdeu! Comprehendendo o perigo, não soube conjural-o pela tactica, pela habilidade, pela finura. Tambem, não admira! De ha muito que as instituições deixaram de ser appoiadas pelos estadistas para só o serem pelos aventureiros! Desde esse momento o seu caminho estava nitidamente traçado, e começou então essa campanha tenaz de intriga, de injuria, de insidia, de calumnia, em que a par das maiores falsidades se debitavam as maiores torpezas;--essa campanha levada a cabo pela sanha partidaria e pelo ouro de especuladores compromettidos;--esse libello soez, cuja villania só é egualada pela inepcia e que não trepidava em publicar como oriundos do Rio, Buenos-Ayres, Londres e Paris, telegrammas forjados nas proprias redacções. Um exemplo bastará. No dia 13 de março, quando já era perfeitamente conhecida em Portugal a rendição de Saldanha da Gama, o _Correio da Manhã_, celebre pelos telegrammas varios sobre a revolta, recebidos dos _seus correspondentes_ de Paris, Londres, Rio, Buenos-Ayres e não sabemos tambem se de Pekin e Massuah, publicava o seguinte: «Correu ante-hontem em Lisboa o boato de que o governo recebera um telegramma em que se lhe noticiava que o almirante Saldanha da Gama havia deposto as armas e procurado abrigo a bordo da corveta _Mindello_. Achamos tão extraordinario aquelle boato, em vista das ultimas noticias recebidas, que não o quizemos reproduzir, e ante-hontem mesmo, telegraphamos ao nosso correspondente em Buenos-Ayres, pedindo-lhe esclarecimentos sobre os boatos terroristas espalhados em Lisboa. A resposta, que só hoje nos foi annunciada, publicamol-a adeante em telegramma». Eis o telegramma: «_Buenos-Ayres, 13, 12 h. e 20 m. da t._ (Ao _Correio da Manhã_)--*Não se acredita aqui rendição Saldanha. Bombardeamento recomeçará ámanhã. Conta-se com victoria insurrectos*». Ora uma causa que tem d'estes _defensores_ é evidentemente uma causa perdida! Nem todos porem encaram estas e identicas prosas com o soberano despreso com que nós, que lhe conheciamos a proveniencia, as recebiamos. Assim, a attitude dos elementos portuguezes que mais ou menos ostensivamente se associaram á tentativa restauradora, creou entre o nosso paiz e os homens publicos do Brazil profundos antagonismos que poderão não explodir com extrema violencia, mercê de circumstancias que não vem para aqui ponderar, mas que existem, mas que são uma realidade a que cumpre attender, e que só poderão sanar-se integralmente no dia em que Portugal, fazendo justiça imparcial mas severa e plena, banir do seu solo depauperado uma monarchia odiosa e odiada e a turba multa dos vampiros e sanguesugas, que sob a sua egide protectora, prosperam, tripudiando sobre o pouco que ainda resta das velhas fontes de riqueza. Se queremos estreitar com o Brazil os laços que os principios e os interesses aconselham e dos quaes _absolutamente carecemos_, façamos a *Republica Portugueza*, tornemo-nos um povo livre, honrado e digno como é o Brazil, emancipemo-nos de tutelas odiosas e arruinadoras e chamemos a contas a ignobil camaradilha que com incrivel impudor nos roubou a bolsa prostituindo-nos a dignidade. Eis a obra patriotica. O resto são devaneios, chimeras, insufficiencia mental ou reincidencia no erro e no crime. * * * * * Ignoram os nossos compatriotas residentes no Brazil os extremos de ruina a que as administrações da monarchia arrastaram esta Patria querida, esta Patria que elles invocam a cada momento nas suas cartas, nas suas orações e até nos seus sonhos. Se soubessem a verdade, se conhecessem a extensão do attentado e a profunda ignominia dos criminosos, talvez que o seu criterio se modificasse, convertendo-se em odio feroz, em raiva indomita, contra os auctores de tamanhas torpezas e contra a instituição que lhes garante a impunidade. Vamos, porem, no cumprimento da nossa missão de propaganda sincera e honrada, dar-lhes uma ideia, ainda que leve, dos factos que em appoio dos principios justificam e amplamente legitimam a existencia do partido republicano portuguez. Não recorreremos para tal fim aos nossos publicistas, aos nossos homens publicos, á imprensa partidaria. Poderiam as nossas palavras ser arguidas de _chauvinismo_ jacobino e não faltaria quem, sob essa côr, pretendesse desvirtuar-lhe a importancia. A grande maioria dos nossos compatriotas residentes na republica dos Estados-Unidos do Brazil dedica-se ao commercio. É o commercio, é o trafego mercantil, a sua maior fonte de lucro e de riqueza. Pois bem, para comprovar as nossas affirmações, é ao commercio que recorreremos tambem, á exposição das suas queixas, ás suas proprias palavras. É o honrado corpo commercial de Lisboa, appoiado pelos seus collegas de todo o paiz, quem vae responder-nos. Não poderiamos ter escolhido origem mais insuspeita! O commercio, como collectividade, não tem côr politica, não milita sob bandeiras partidarias. Completamente independente e alem d'isso de caracter por via de regra conservador, as suas declarações não podem deixar de ser tidas e havidas na maior consideração. * * * * * A doutrina que vamos expôr contem-se em duas representações da Associação Commercial de Lisboa, dirigidas, a primeira á Camara dos dignos Pares do Reino, em julho do anno findo e a segunda ao gabinete portuguez, em janeiro do corrente anno, tendo respectivamente por titulos: A) _Representação da Associação Commercial de Lisboa á Camara dos dignos Pares do Reino_. B) _Ao paiz--Os impostos portuguezes e as suas applicações_. N'esses documentos, impressos e largamente distribuidos, analysa-se a traços rapidos mas seguros a lastimosa situação a que chegamos. Qual ella seja vamos vêl-a. Tem a palavra os commerciantes portuguezes. A ........................................................................... --É preciso dinheiro,--grita-se em toda a parte; pede-o o illustre ministro da fazenda, que pretende equilibrar o orçamento do estado, e, n'este afanoso empenho, _tributa-se com a mesma irreflexão com que se tem esbanjado milhares de contos de réis_. Pois muito bem, como membros d'uma collectividade, e das que mais paga para o thesouro, e como cidadãos portuguezes, assiste-nos tambem a nós agora o direito--e duplo direito--de dizer bem alto a todo o paiz onde é que ha de ir procurar-se esse dinheiro, sem aggravar as classes trabalhadoras, augmentando a miseria e a fome publicas. Terá de ser talvez um pouco longa esta exposição, mas a quem quer que a leia, que o faça a espaços, como se a pequenos goles bebesse um copo de agua enregelada; mas que a leia em todo o caso, para que lhe não reste no futuro--_e futuro que se nos antolha proximo_--o direito de dizer que ninguem o advertiu. De ante-mão prevenimos tambem que no que vae lêr-se não ha calculos que malsinem as nossas palavras, nem politicas subjectivas d'um partidarismo anniquilador, que ensombrem a nossa conducta; _olhamos n'este momento por cima de todos os partidos e de todas as politicas para os horisontes da patria_. ........................................................................... Ha duas grandes divisões na população do paiz:--d'um lado estão os que pagam, do outro os que recebem, com a aggravante de serem aquelles em muito maior numero do que estes. _De ha muito que as fontes de receita publica se reduzem ao imposto, emprestimo e pautas das alfandegas, sem que até hoje ninguem tenha pensado em criar outras._ A agricultura, a decantada agricultura d'este paiz _soi disant_ agricola, _jaz no mais desolador abatimento_, por falta de braços; e no balanço geral da Europa, Portugal apresenta na sua producção uma media annual de cinco decalitros por habitante. Isto segundo calculos realisados em 1890, calculos mais ou menos provaveis, visto que da parte do grande productor ha sempre uma certa reluctancia em fornecer dados para a estatistica, por motivos faceis de comprehender, se nos lembrarmos de que ha uma entidade official que se chama--_escrivão de fazenda_. Em nome d'uma falsa protecção, e desprezando o § 23 do artigo 145 da Carta Constitucional, que bem claramente estabelece garantias ao trabalho nacional, transforma-se o Estado arbitrariamente, por decreto dictatorial, em monopolisador de farinhas, as fabricas matriculadas monopolisadoras de trigos estrangeiros, e obriga-se o consumidor a comprar o trigo nacional pelas tabelas officiaes. ........................................................................... O commercio torna-se dia a dia mais difficil. _Ao descredito que no estrangeiro ganhou Portugal, graças á irreflectida administração que tem tido nos ultimos annos, junta-se a miseria nacional_ e os córtes de 30 por cento nas inscripções, o que veio a cercear os interesses de muitos particulares, de muitos estabelecimentos, de orfãs e viuvas, os quaes todos por lei foram obrigados a converter em titulos de divida publica os seus haveres. _Durante o ultimo anno, cerca de quatrocentos estabelecimentos fecharam_, por não realisarem transacções que lhes dessem para viver, quanto mais para pagarem as pesadissimas contribuições que já oneram o commercio. ........................................................................... Na propria rua Garrett (Chiado), rua do Oiro, e outros verdadeiros centros do mais importante commercio, apparecem hoje estabelecimentos com escriptos, que ninguem arrenda, quando ainda ha pouco tempo, só pelo trespasse da chave d'essas lojas se davam contos de réis! O proprio commercio de vinhos--principal fonte da nossa receita e principal genero da nossa exportação--está a definhar-se, pelas doenças dos vinhedos. Gados não os temos com abundancia, por falta de pastagens. Importamos do estrangeiro em média annual 34:000 cabeças de gado vaccum. Como se não nos bastassem todas estas desgraças, ainda as ultimas tempestades vieram reduzir á fome numerosas familias. _A industria nacional, mal começa a viver, é carregada de tributos, porque entre nós só se procura o que mais ha de ser tributado, e a industria morre_, semelhantemente á árvore que o inexperto lavrador começa de tronchar, ainda antes de ella dar fructo: de fórma que, á proporção que a contribuição industrial vae subindo, a materia collectavel vae desapparecendo. Provam-no as ultimas estatisticas. E todavia os nossos financeiros, os nossos homens publicos, nem sequer reparam n'este gravissimo prejuizo; preoccupa-os demais a ancia de lançar tributos sem curarem das desastrosas consequencias d'esses tributos. _Para maior descalabro do nosso meio, a emigração torna-se assombrosa_; avoluma de instante para instante: assim a classe média desapparece, porque não tem no paiz onde exercer a sua actividade, os capitaes emigram tambem, porque _não ha ramo algum de commercio e de industria que não seja em Portugal fortemente e vexatoriamente tributado_, de modo que á emigração dos braços accresce a emigração de capitaes, e com estes os grandes capitalistas e proprietarios, que vão fugindo para o estrangeiro. Os suicidios--outro symptoma de miseria e fome--augmentam cada vez mais, confirmando assim o estado de minacissima ruina d'este desgraçado paiz. E tudo isto é a consequencia forçada da orientação funesta que temos levado. Mas o que é mais pungente, é que não se muda de orientação. Agora mesmo, obrigados a fazer humilhantes accordos com os nossos credores, ainda continuamos vivendo com a mesma administração dos tempos em que o dinheiro andava por ahi basto. ........................................................................... Onde appareceu até hoje um só plano de administração publica tendente a criar fontes de receita? Ás difficuldades do thesouro, ás angustias da nossa miseria, acode-se sempre com o imposto. Mas o imposto é impossivel subir mais. Nem o commercio nem a industria podem satisfazer as contribuições que lhes são lançadas. Demais veremos dentro de breve tempo algumas das fabricas, que possuimos, fecharem-se, por não poderem realisar lucros só para contribuições. E cada fabrica que se fechar, vejam bem, representa centenares de pessoas, que virão para a rua pedir aos governos que lhes dêem de comer. _Teremos então a revolução da fome_, com todos os excessos que lhe andam sempre inherentes. ........................................................................... Isto não póde ser. Portugal precisa de criar elementos de vida, precisa de arrancar das condições do seu meio e das aptidões do seu povo a sua propria riqueza, mas riqueza _que não póde ser esbanjada em alargamento dos quadros burocraticos, para empregar mais 200 ou 300 afilhados; em desdobramento dos corpos de exercito, para promoções rapidas de officiaes; em remodelações de secretarias, para se criarem maior numero de directores geraes_; em ampliações de cursos superiores, empiricos e não uteis, pomposos e não positivos, que vomitam annualmente para a circulação d'este meio pobrissimo centenas de diplomados em qualquer cousa, mas que são outros tantos braços inuteis debaixo do ponto de vista da producção. É para isto que devem dirigir-se as vistas de qualquer estadista, que tenha a energia pombalina, para arcar de frente com todos estes cancros da sociedade. ........................................................................... Portugal, nos seus sete seculos de existencia como nacionalidade, nunca soube infelizmente aproveitar os elementos de vitalidade que as circumstancias lhe proporcionaram. Pouco depois de constituida a nação e de affirmada, na revolução popular que acclamou D. João I, a consciencia da sua força e da sua autonomia, veio a conquista e a exploração do Oriente dar-lhe riquezas bastantes para enervar o povo pelo luxo e pela submissão á côrte. E se é facto que n'essa epoca Lisboa se tornou o emporio commercial do mundo, tambem é certo que da essencia de trabalho e que da cohorte de escravos, de que se compunha em parte a população fanatica e ignorante, resultou o grande abalo que feriu de morte o paiz, na aventura phantasiosa de D. Sebastião. Mais tarde, quando o Oriente já não dava bastante para os loucos desperdicios, tivemos o Brazil, e quando o Brazil se emancipou, era ainda a America do Sul que nos accudia nas nossas angustias. A corrente de riqueza emanava d'aquelle paiz pujantissimo para Portugal, inapto para o trabalho pelo fanatismo, em que o deixara a preponderancia jesuitica, e pela subserviencia passiva, em que o lançara a inquisição. _Aonde não chegavam as riquezas vindas do Brazil, era supprido pelos successivos emprestimos, que se realisavam sempre com o falso pretexto dos melhoramentos, em nome das exigencias da civilisação, melhor se diria pelas necessidades da politica._ Foi em nome d'este principio que se contrahiram fabulosos emprestimos, a mór parte dos quaes voltavam para os paizes d'onde tinham vindo, porque os engenheiros incumbidos d'esses grandes melhoramentos eram estrangeiros. As nossas escolas superiores teem sido prodigas apenas em bachareis em direito, e todo o nosso ensino dá como resultado uma grande desegualdade entre a instrucção primaria e media, e a instrucção superior. _Os melhoramentos publicos custaram-nos por tanto milhares de contos mais do que devem ter custado n'outro paiz_, onde a instrucção seja essencialmente pratica e positiva, e onde se gaste menos com o pessoal technico e dirigente, para se dispender em trabalhadores. _E se não, vejam em qualquer orçamento, se dois terços da verba, destinada, a um determinado melhoramento, não é sempre consumida por engenheiros directores, sub-directores, inspectores e sub-inspectores, fiscaes e sub-fiscaes, olheiros e sub-olheiros, uma horda emfim de pessoal, para o qual se torna até necessario inventar classificação._ Por um susto constante, justificado por essas luctas nacionaes, que baptisaram entre nós a liberdade, as exigencias sempre crescentes do militarismo, e sempre satisfeitas, graças ao medo dos pronunciamentos, foram depauperando o thesouro, a ponto que só o ministerio da guerra nos absorve hoje o melhor de mais de cinco mil contos de réis, sem incluir n'esta verba as despezas da municipal e policia, guardas fiscaes e policia fiscal. De modo que ainda que possuíssemos o exercito tal como o dão as estatisticas, _nós gastamos só com a força militar mais do que a Dinamarca, do que a Bulgaria, a Rumania, a Servia, a Suecia, a Noruega, a Grecia, tanto como a Suissa, tendo esta o triplo do nosso exercito, sem fazer despeza com policia e municipaes, sendo Portugal o paiz que se apresenta com um exercito mais inferior._ Não somos nós quem o diz, mas um ministro de estado honorario......... o sr. Marianno de Carvalho, que ainda ha pouco tempo publicou no _Diario Popular_ um artigo, que perfilhou publicamente na sessão do dia 20, na camara dos senhores deputados, e no qual dizia que, em caso d'uma necessidade de mobilisação, nós só poderemos apresentar em armas vinte mil homens, posto que o effectivo do nosso exercito em paz deva ser de vinte e oito mil homens. «Mas á falta de soldados, de armas e equipamentos--continúa o mesmo estadista--o exercito compõe-se--além do ministro da guerra, do chefe do gabinete e do director geral da administração militar,--de 8 generaes commandantes das respectivas divisões, assistidos dos seus estados maiores; 4 commandantes militares nos Açores e Madeira; 1 general chefe de estado maior; 1 general commandante em chefe de engenheria; 1 general commandante em chefe de artilheria; 1 general inspector em chefe de cavallaria; 1 general inspector em chefe de infanteria; 1 general inspector da escola do exercito, que conta 150 alumnos; 1 general de divisão commandando os 50 pensionistas do asylo dos invalidos; 2 marechaes de campo; 11 generaes de divisão; 24 generaes de brigada; 49 officiaes de estado maior; 145 officiaes de engenharia para 550 soldados; 213 officiaes de artilheria para 2:895 soldados; 253 officiaes de cavallaria para 3:390 soldados; 1:136 officiaes de infanteria para 13:392, e emfim 61 officiaes das praças fortes, a maior parte das quaes está a desmantellar-se. «Tudo isto sem contar medicos nem capellães. Quanto aos musicos, tambores, clarins, cornetas, o seu numero attinge a cifra de 2:263; de sorte que para um total de cerca de 18:000 homens, divididos em 52 regimentos, contamos em summa 1 general para 514 soldados; 1 official para 9 soldados, e 1 musico ou clarim para 8 soldados.» Como isto dá vontade de rir e chorar ao mesmo tempo... Mas que importa? Ao menos possuimos um exercito só de officiaes, musicos e tambores. Estão satisfeitas as exigencias d'alguns, e é quanto nos basta. ........................................................................... Para que nos serve esse simulacro de exercito que ahi temos, onde é certo, contamos muito distinctos e dignos officiaes, mas cuja soldadesca se compõe de inuteis e inhabeis homens, que, bem applicados, poderiam dar optimos trabalhadores, industriaes, mechanicos e operarios, emfim braços productores, forças vivas para o paiz? É ainda o mesmo estadista que responde a esta interrogação. _O exercito serve apenas para luxuosas paradas e acompanhamentos de procissões, policia de feira e operações da urna eleitoral._ (Marianno de Carvalho, _idem_, _ibidem_). E para sermos francos, visto que n'este momento seria um crime encobrir todo o mal, _a opinião publica_, talvez mal orientada, é-nos grato crêl-o, _chega até a affirmar que o exercito vive, satisfazendo-se-lhe as suas exigencias, para sustentaculo das instituições, para esteio e amparo do throno_. Não o cremos. ........................................................................... Toda a instituição que viver pela força, ha de cahir pela força, porque as instituições hão de ser sempre a expressão consciente da vontade da nação; teem de viver da communhão de interesses e da identificação com o paiz a que presidem. ........................................................................... Mais, e mais revoltante ainda:--_a opinião corrente é de que o exercito não custa ao thesouro publico a verba de 5:100 contos de réis, que accusa o orçamento_. Franca e imparcialmente, será isto administrar um paiz? Administrar um paiz não é inscrever verbas colossaes no orçamento geral do Estado, para manutenção da força que não existe, e ainda quando exista, não gasta o que querem que ella gaste. _Administrar um pais não é falsear o povo administrado, distrahindo verbas que a opinião publica aponta destinadas a interesses secundarios._ O exercito que temos, mesmo completo, poderia custar--dizem-no todos os que entendem do assumpto--o maximo tres mil contos de réis. _Em que se empregam, pois, os restantes?_ É sem se darem inteiras explicações á opinião publica por estas e outras responsabilidades tremendas, que impendem sobre o nossos administradores; é sem se lavarem d'estas vergonhosas accusações... que se tem o impudor de vir pedir aos unicos que podem contribuir para o desenvolvimento organico da nacionalidade, que paguem mais! ........................................................................... Quando no seculo passado, em 1776, Turgot pretendia que, para salvar a França d'uma crise muito similar á nossa, esta tivesse uma representação nacional de todas as classes, desde a communa até ao Estado; quando luctava pela egualdade e unidade do imposto e pela diminuição das despezas; quando pedia liberdade absoluta nos cambios e no trabalho, e a facilidade de communicações, os aulicos, os grandes senhores, envoltos nos festins da côrte, ultimos reflexos dos tempos de Luiz XIV, nem sequer o ouviam. Mais tarde veiu Necker, que não é senão um Turgot em miniatura; depois de Necker, Calonne e Lomenie seguiram o mesmo caminho, até que se chegou a 1789, e um adepto do reformador de 1776, Mirabeau, poz em pratica, com a energia do seu genio, as transformações reclamadas por todos. Depois não se fez uma reforma, _estoirou uma revolução_, e as idéas então chimericas de Turgot triumpharam! ........................................................................... B ........................................................................... _A nossa vida administrativa tem corrido sempre desordenada, e os nossos orçamentos feitos de molde a ser a despeza superior á receita, não obstante esta augmentar annualmente em perfeita progressão geometrica._ Assim, em 1821, quando o paiz acordava sobresaltado pela aurora da revolução de 1820, o orçamento do Estado accusava uma receita de 7.677:139$368 reis e uma despeza de 8.519:100$000 reis, dando já um _deficit_ de 841:960$632 reis. O _deficit_ continua a crescer, oscillando annualmente, por essas epocas, entre dois mil e quatro mil contos. Em 1841, vinte annos depois, as nossas receitas elevam-se já a 10.332:626$618 reis, isto é, mais 2.655:487$250 reis, e a despeza a 11.775:181$182 reis, isto é, mais do que em 1821 a somma de 3.256:081$182 reis. Vê-se por tanto que se a receita augmentou, tambem cresceu a despeza, e longe de se equipararem a receita e a despeza, esta continúa sempre sendo superior áquella. É o velho systema de administração que tanto nos tem prejudicado: gastar, gastar muito, sem attender á extensão das nossas forças. Uma rapida analyse pelos orçamentos nos demonstrará quanto é verdadeira tão pungente afirmativa. Vimos que em 1841-42 o orçamento accusava já uma grande subida, simultanea na receita, na despeza e no _deficit_. Pois em 1862, a pouco trecho depois do movimento da regeneração e da conversão da nossa divida, o orçamento estadea o mesmo systema de desequilibrio:--14.328:760$273 reis de receita e 15.304:524$225 reis de despeza. Subindo assim receita, despeza e _deficit_, por que havemos, pois, de nos surprehender com as difficuldades que assediam, ha tres annos, a nossa vida collectiva? _São a consequencia mais natural e mais directa dos erros longamente accumulados em successivos desbaratos._ E não vá julgar-se que nos insurgimos contra o augmento que teem tido as receitas do Estado. Insurgimo-nos contra a administração que tem incidido sobre essas receitas. ........................................................................... Como provam os administradores d'este paiz que se gaste com o exercito a quantia de réis 5.123:656$201, quando em 1874-1875 a despeza com o exercito subia apenas a 3.406:380$630 réis? Que razões haverá hoje para este augmento de despeza? _Acaso temos nós em 1893 melhor exercito, e estão mais fortificadas as nossas praças e mais guarnecidos os nossos fortes, para que assim se explique este excesso de mais de 1:500 contos de reis?_ ........................................................................... O que não póde ser, é continuarmos a vida que havemos levado ha setenta annos, com _deficits_ constantes. O seguinte quadro que copiamos do livro do Barão de S. Clemente--_Estatisticas e biographias parlamentares portuguezas_--prova incontestavelmente tudo o que deixamos dito. ===================================================================== Annos| Receita | Despeza | Saldo | _Deficit_ -----+----------------+----------------+-------------+--------------- 1860 | 11.866:871$879 | 13.232:060$133 | | 1.365.188$254 1861 | 11.922:580$116 | 14.022:375$923 | | 2.099.795$807 1862 | 12.731:770$544 | 14.338:668$801 | | 1.606.898$257 1863 | 14.328:760$273 | 15.304.524$225 | | 975.763$952 1864 | 14.866:736$923 | 16.829:333$235 | | 1.962.596$312 1865 | 16.500:377$685 | 17.147:964$812 | | 647.587$127 1866 | 17.226:219$094 | 17.867:553$139 | | 641.334$045 1867 | 15.880:635$189 | 19.375:792$376 | | 3.495.157$187 1868 | 16.757:625$754 | 22.427.625$754 | | 5.670.000$000 1869 | 16.107:698$500 | 23.156:269$146 | | 7.048.570$646 1870 | 15.357:216$000 | 19.875:024$915 | | 4.517.808$912 1871 | 17.960:666$325 | 22.193:984$247 | | 4.233.317$925 1872 | 18.273:394$325 | 22.194:727$630 | | 3.921.333$305 1873 | 19.753:900$261 | 22.430:399$267 | | 2.676.499$006 1874 | 22.350:764$287 | 22.608:777$045 | | 258.012$758 1875 | 21.995:970$000 | 21.925:312$110 | 70.657$590 | 1876 | 23.152:432$000 | 22.693:253$595 | 459.178$405 | 1877 | 24.059:981$000 | 23.317:506$405 | 742.474$595 | 1878 | 25.262:124$000 | 26.418:047$362 | | 1.155.923$362 1879 | 25.358:276$000 | 28.162:084$586 | | 2.803.808$586 1880 | 26.329:842$000 | 29.413:160$305 | | 3.083.318$305 1881 | 26.211:568$000 | 29.636:518$531 | | 3.424.850$531 1882 | 28.567:212$000 | 30.360:857$061 | | 1.793.645$061 1883 | 28.529:838$000 | 30.837:374$960 | | 2.307.536$960 1884 | 31.226:590$000 | 31.485:881$162 | | 259.291$162 1885 | 31.195:037$000 | 31.967:164$351 | | 772.127$351 1886 | 31.378:490$000 | 33.265:651$968 | | 1.887.161$968 1887 | 32.271:150$000 | 34.018:729$028 | | 1.747.579$028 ===================================================================== Temos, porém, o seguimento do mesmo systema de administração nos annos subsequentes até 1890: ===================================================================== Annos| Receita | Despeza | Saldo | _Deficit_ -----+----------------+----------------+-------------+--------------- 1888 | 38.104:359$084 | 38.798:984$380 | | 686:625$296 1889 | 37.312:346$385 | 39.165:380$387 | | 1.353:016$052 1890 | 39.284:695$778 | 42.780:655$496 | | 2.545:859$718 ===================================================================== Basta. O que se tem passado depois de 1890, isto é, depois que os effeitos das crises financeira e economica se fizeram sentir assustadoramente, é ainda mais desanimador. Tal systema de administração, que traz em perpetuo desequilibrio os orçamentos, não pode produzir outros effeitos, que não sejam os que estamos soffrendo, _quasi sem esperança de encontrar sahida d'este labyrintho_. E não encontraremos, emquanto os orçamentos do Estado se apresentarem, como ainda vemos o de 1893-1894, com _deficits_ mais ou menos consideraveis, e tendo, além d'isto, de se desviar 49,9% das receitas, isto é, 21.838:340$000, só para pagamentos de juros e amortisações. Assim é evidente e incontestavel que a vida economica do paiz ha de ser difficil, acanhada, impossivel. No balanço geral da Europa, na cotação dos povos, Portugal _é a segunda nação em encargos, e occupa o segundo logar na taxa dos impostos_. Assim temos que A França paga por habitante 12$726 réis Portugal » » » 9$581 » Hespanha paga por habitante 8$660 réis Italia » » » 8$460 » Hollanda » » » 8$300 » Belgica » » » 4$900 » Dinamarca » » » 4$536 » Suecia e Noruega » » 3$300 » Suissa » » 1$800 » Como se vê n'este quadro, só a França apresenta maior quota de impostos; e a França tem, para justificar esta taxa exaggerada, as causas que todos conhecem. Desde a revolução encyclopedista, que caracterisa o seculo XVIII, e se affirma nas revoluções americana e franceza, até á guerra franco-prussiana, a França só se tem debilitado, perdendo forças, atrophiando os seus elementos de riqueza. O terceiro logar é occupado pela Hespanha; mas a Hespanha, atravessa, ha mais de sessenta annos, um longo periodo de sangrentas luctas intestinas; a Hespanha sustenta, a troco de extraordinarios sacrificios, principios de liberdade, que lhe teem custado largas sommas de dinheiro e copiosos caudaes de sangue. Prosigamos. _Se somos o segundo paiz na quota proporcional de impostos, tambem somos o primeiro nos encargos da divida publica._ Nem a França, com todos os seus desastres, nem a Italia com a demorada elaboração da sua unidade, com as despezas que a unificação lhe impoz, nem com a manutenção do seu grande exercito, para poder entrar no numero das potencias europêas, _nenhum paiz nos excede_, como se póde ver: Portugal paga para a divida publica 49,9 França » » » 42,9 Hespanha » » » 32,7 Belgica » » » 30,5 Hollanda » » » 30,5 Italia » » » 30,3 Dinamarca » » » 22,4 Suecia » » » 12,5 Suissa » » » 0,4 Não temos a pretenção de fazer um inquerito á nossa vida administrativa; mas queremos, n'um rapido bosquejo, demonstrar, com a logica dos factos e com a evidencia dos algarismos, quanto teem sido mal applicados os dinheiros publicos. _Occupando os primeiros logares nos encargos de dividas e na taxa proporcional de impostos, pertence-nos infelizmente o ultimo em qualquer ramo de actividade humana ou em qualquer symptoma de civilisação._ Isto é duro e aspero, mas é verdadeiro. Não se julgue uma affirmativa gratuita o que aqui deixamos dito. _Somos o ultimo paiz, de entre os que acima citamos, em movimento commercial, como tambem somos o ultimo nas despezas da instrucção popular._ Temos a prova em que o Estado durante o periodo de dez annos, que decorre de 1880 a 1890, _gastou_, pelo ministerio do reino, _com a instrucção primaria a somma de 733:464$000, emquanto que com os dois corpos da guarda municipal, Lisboa e Porto, o mesmo ministerio do reino dispendeu 2.447:484$000 ou mais 1.714:020$000 réis_. É obvio que n'esta verba não entram as sommas gastas pelos municipios e juntas districtaes; mas não podiam entrar, porque essas verbas são dispendidas á parte, e teem tambem imposto especial, não entrando portanto no orçamento geral do Estado. A consequencia d'isto vemol-a na estatistica da nossa instrucção. Esta accusa que, tendo o paiz uma população de 4.550:699 almas, d'onde se devem descontar 634:480 ficando portanto uma população adulta de 3.916:219, _nós apresentamos a extraordinaria percentagem de 79,5% de analphabetos_. Tal é o estado da instrucção popular, o que a ninguem deve surprehender, se se considerar que, _tendo nós 3:961 freguezias, existem 1:402 sem escola_. Continuemos. Póde acaso prosperar e desenvolver-se um paiz, cuja população tende a desapparecer por diversas e multiplas causas? E não se julgue que dizemos que a população tende a desapparecer, sem a consciencia da verdade que affirmamos. Em Portugal, póde affoutamente dizer-se, de todas as causas apresentadas pelo grande escriptor inglez Townsend, que retardam a propagação da especie, e por consequencia dão uma baixa consideravel na população, ha uma, maxima entre todas, que contribue para este phenomeno--é a corrente, avolumada quotidianamente, da nossa emigração. Se a isto accrescentarmos a alimentação insufficiente, as doenças que, por falta de condições hygienicas, victimam centenares de pessoas nos principaes centros do paiz; o pessimo das nossas habitações; a ausencia de commercio para desenvolvimento de algumas industrias que possuimos, e de mercados para o excesso d'esses productos; a sahida de capitaes, originada por uma detestavel organisação administrativa, que nos absorve improductivamente uma parte das nossas receitas; assim teremos, em synthese, compendiadas _as origens da ruina e decadencia do paiz_. Ora, n'estas circumstancias, quando se estadeam tão claras as causas efficientes da nossa ruína, que esperanças, embora debilissimas, poderemos ter de melhoria de condições, _se vemos que não ha em todo o plano administrativo uma só reforma séria, verdadeira, grave, que possa oppôr barreiras ás consequencias tremendas que se avisinham na agonía de uma nação exhausta e faminta_. A verdadeira e principal reforma consistiria, como já dissemos, em entrar pelo orçamento, cortar sem deferencias e sem hesitações as verbas superfluas, as despezas injustificaveis e inuteis, que elle apresenta, cobrar, com todo o rigor, os impostos actuaes, estudar uma organisação tributaria para o imposto predial em todo o paiz--porque é esse um dos que pode e deve produzir mais,--procurar libertar-nos por todas as fórmas e á custa de todos os sacrificios dos enormes encargos que nos impõe a nossa divida, e assim teriamos redimido os passados erros. É mister que o orçamento soffra profunda amputação nas verbas que, não só não teem utilidade alguma, mas nem sequer se justificam pelas chamadas exigencias da civilisação. ........................................................................... _Em 1884 o funccionalismo levava-nos a bonita cifra de 14.453:294$381 réis, e em 1891 eleva-se essa cifra a 20.352:768$526 réis._ No mesmo periodo encontramos que as despezas extraordinarias sobem de 4.174:804$426 a 8.611:796$840 reis, isto é, _apresentam um augmento de 105%, ou o melhor de 4.436:992$414 réis_. E estará aqui tudo quanto a burocracia custa ao thesouro publico? Não, porque _a par d'este funccionalismo que no orçamento figura como trabalhando, temos não menor quantidade, de pessoal inactivo, que ao paiz custa a importante quantia de 3.242:162$092 reis, como se póde ver pelo orçamento de 1893 a 1894. Emfim, as classes inactivas trazem-nos o encargo annual de 712 réis por habitante, isto n'um paiz, que não tem sabido desenvolver nem aproveitar os seus recursos economicos._ Mas poder-nos-hão objectar, os que por acaso nos julguem de menos boa fé--e os melhoramentos materiaes que hoje possuimos? Lá vamos, e com tanta mais imparcialidade, quanto é certo que, em primeiro logar, confessamos que, no principio d'este seculo, o nosso paiz pelo seu estado de atrazo, era olhado com sobrecenho e desdem pelos demais da Europa. Sabemos todos que, terminadas as revoluções que na nossa historia se protrahem de 1820 a 1851, começou a agitar-se o paiz na febre de melhoramentos materiaes. Pois bem, esses melhoramentos, desde 1852 até nós, isto é, n'um prazo de 42 annos, custaram-nos a somma de réis 191.000:000$000. Porém, como emittimos inscripções no valor de 526.694:000$000 réis nos mesmos 42 annos, inscripções que, ao preço médio de 50% representam a cifra de 263.347:000$000 réis, temos portanto um excesso de 77.347:000$000 réis sobre a verba de 191 mil contos, em que nos importaram os melhoramentos materiaes. Mas, segundo a opinião d'um eminente escriptor (Oliveira Martins, _Portugal Contemporaneo_, pag. 462 do vol. 2.^o), até 1880 os melhoramentos materiaes custaram-nos 58 mil contos. Restam-nos ainda 12 annos. Calculando, portanto em 2 mil contos de média annual, consumidos em melhoramentos, teriamos, n'estes 12 annos, 24 mil contos, e nos 42 annos 82 mil contos. Ora d'esta verba para a dos 191 mil contos, accusada pelo relatorio do ex-ministro da fazenda, ha uma differença de 109 mil contos, que se poderiam dizer applicados em melhoramentos moraes, se nós não vissemos já rapidamente esboçadas as verbas que n'esses melhoramentos, e mormente em instrucção, consumiu o ensino publico. _Paiz algum da Europa, illuminado e esclarecido pela luz da civilisação, dispende tão pouco com a instrucção popular como Portugal. Em compensação, porém, só em despezas quasi na totalidade improductivas, das quaes o paiz pouco tem a esperar, gastamos (numeros redondos) a bagatella de 34:900 contos de réis, isto segundo o orçamento do 1893 a 1894._ ........................................................................... Ora as nossas receitas chegam, como se sabe, a pouco mais de 43:000 contos de réis, dos quaes deduzida a verba acima descripta, resta um saldo de cerca de 9:000 contos de réis, isto é, quasi um quinto das nossas receitas. O que temos, pois, para applicar ás despezas productivas, isto é ao desenvolvimento do nosso commercio e da nossa industria, á prosperidade do nosso dominio colonial e da nossa agricultura? ........................................................................... _A verdade é esta: um decimo das nossas receitas, se tanto, é quanto se applica ao desenvolvimento das fontes productoras da nação._ A pag. 466 do 2.^o vol. do _Portugal Contemporaneo_ diz o seu illustre auctor--«Podia n'este periodo (1852 a 1880) ter occorrido uma guerra que absorvesse mais (emprestimos), mas não houve. Só uma terça parte do augmento da divida é justificavel; os dois terços restantes proveem do systema de amortisar os _defficits_ successivos por meio de emprestimos, sujeitando o thesouro á progressão do juro.» ........................................................................... «Pouco mais de 1/4 apenas das despezas totaes póde ter, entre nós, um destino progressivamente proficuo; e o peso exorbitante dos encargos da divida _impede que se dotem convenientemente os serviços publicos_ com metade proximamente do orçamento das despezas, como succede em quasi todas as pequenas nações analogas de Portugal.» ........................................................................... «_É mister concluir, pois, que somos o mais pobre dos povos da Europa._» A auctoridade incontestavel do illustre historiador sr. Oliveira Martins, ex-ministro da fazenda, é bastante, e desobriga-nos de qualquer comentario. Continuemos a nossa revista pelo orçamento. Em 1874 a 1875 o ministerio dos negocios extrangeiros custava ao thesouro 248:248$798 rs.; no anno economico de 1893-1894 esta verba eleva-se á somma de 390:209$700 réis. Poderá o nosso paiz, nas deploraveis condições economicas em que se encontra, sustentar embaixadores permanentes? _E para quê esse luxuoso corpo diplomatico, se para qualquer questão teem de enviar embaixadores extraordinarios, como os srs. Barjona de Freitas á Inglaterra, Antonio de Serpa á Allemanha, Mattoso dos Santos ao Brazil?_ ........................................................................... O que, porém, não se comprehende, é que em peregrinação pelos corredores de S. Bento, e atravéz d'uma candidatura, alcançada por influencias de qualquer ordem, se obtenha um logar de funccionario publico, simplesmente para receber o ordenado, mas sem uma só vez apparecer a desempenhar as funcções do seu emprego, sob pretexto de pertencer a commissões que teem trabalhos no interregno parlamentar. Isto é que não é correcto nem compativel com as forças do thesouro. Ora exemplos taes superabundam por esse paiz. Quantos lentes de escolas superiores, e outros funccionarios de elevada esphera, se jubilam, sem nunca terem desempenhado o cargo em que, passado um certo praso de tempo, se aposentam? D'aqui a excessiva somma que nos custam as classes inactivas:--mais de tres mil contos, como já vimos. E são, em toda a plenitude do vocabulo, verdadeiramente inactivos os homens que constituem essas classes, ou pelo menos incapazes d'um certo esforço, impossibilitados d'uma quota parte de trabalho? Um exemplo responderá por nós. Um venerando lente de mathematica completou o tempo que a lei requer, e jubilou-se com o respectivo ordenado; _mas em seguida veio occupar, muito dignamente, o logar de director geral das alfandegas_. No desempenho d'este cargo occorreu um concurso de verificadores, que por circumstancias e peripecias se tornou verdadeiramente _ruidoso_. O facto levou o respeitavel conselheiro a aposentar-se no logar de director geral das alfandegas. Entretanto s. ex.^a, não obstante estar duas vezes aposentado, podia ainda prestar ao paiz os seus valiosos serviços. _Foi eleito par do reino, e logo membro do conselho superior de instrucção publica, logar que então era remunerado._ A providencia dos tristes lembrou a um dos nossos conspicuos reformadores o crear um ministerio de instrucção publica, e eis logo o mesmo funccionario, que já era lente aposentado, director geral das alfandegas, aposentado, membro da junta consultiva de instrucção publica, não sabemos se tambem já aposentado, eil-o logo, diziamos, feito director geral d'uma das repartições do novo ministerio. Como, porém, este foi supprimido, s. ex.^a, o illustre conselheiro a que nos estamos referindo, foi collocado fóra do quadro, como director geral addido. Aqui está um exemplo bem frisante do que são entre nós os inactivos. Receberá o venerando conselheiro em questão, remunerações por todos estes logares, em que successivamente se tem impossibilitado? Com franqueza, esta interrogação, se só consultarmos a moralidade, deve ter uma resposta negativa; _mas a moralidade, infelizmente, em coisas d'esta ordem, de ha muito que velou a face, para não a verem ruborisar a miudo_. ........................................................................... _N'um paiz onde o arbitrio impera para tudo, é evidente que tambem o arbitrio e a desordem teem de reinar em tudo._ ........................................................................... Um outro assumpto reclama instantemente as attenções dos nossos homens publicos:--referimo-nos ás colonias. ........................................................................... As colonias, que deveriam ser um centro de actividade para o nosso commercio e para a nossa industria, offerecem tristemente nos orçamentos da metropole um saldo negativo. Assim os orçamentos de 1893-94 das provincias ultramarinas accusam os seguintes _deficits_:--Guiné, 121:486$350 réis; Angola, 47:278$575 réis; Estado da India, 132:620$593 réis; Moçambique, 164:920$430 réis. Se a estas verbas accrescentarmos os subsidios e garantias de juros ás companhias de caminhos de ferro, que se elevam a 1.052:500$000 réis, teremos tambem, em resumo, quanto, muito por alto, dispende o thesouro publico com as colonias. Isto é tanto mais pungente, quanto é certo que, á altura em que se encontra a civilisação, os demais paizes, teem estudado com rigorosa observação o problema colonial, e dos seus estudos colhem immediatos resultados, ao passo que Portugal, resvalando da craveira das potencias coloniaes, tem decahido a olhos vistos. É tristissimo o futuro que nos aguarda, se para este importante assumpto não quizerem os governos volver tambem os seus olhares. Sem navios, nem marinha mercante, quando pelas circumstancias geographicas e climatericas Portugal deve ser uma nação maritima, nem sequer temos cotação entre as marinhas mercantes das nações do mundo. As circumstancias excepcionaes em que nos encontramos, circumstancias provenientes já da condição do _meio_, já da fatalidade da nossa raça, impõem-nos o dever de mantermos o nosso prestigio colonial, dever imperioso, visto possuirmos excellentes e bravos officiaes de marinha. ........................................................................... Como correspondem, porém, os governos ás dedicações extraordinarias que a patria ainda inspira n'essas almas valentes e revibrantes, n'esses corações alevantados? Sabem-no, como nós, os leitores; conhecem-no quantos olharem para o estado da nossa marinha. Contamos um quadro de armada composto de:--2 vice-almirantes, 11 contra-almirantes, 28 capitães de mar e guerra, 23 capitães de fragata, 64 capitães-tenentes, 80 primeiros tenentes e 76 segundos tenentes. Total--294 officiaes. Ora, segundo a respectiva tabella, para as exigencias do serviço de embarque, só se carece de 144 officiaes. Portanto, temos collocado em differentes commissões 150 officiaes; isto é, contamos fóra do serviço um pessoal distinctissimo, que honra o paiz e que poderia ser muito mais util á patria na armada do que nas commissões. Logo o nosso pessoal é superior ao que realmente nos pedem as exigencias da marinha. E emquanto nós luctamos com a falta de navios, de couraçados, etc., etc., a Hollanda, cujo dominio e poderio colonial augmentaram á custa das colonias portuguezas, graças á revolução de 1640, tem uma armada composta de 24 couraçados de differentes modelos, 26 cruzadores, 32 canhoneiras, 38 torpedeiros, 1 transporte de torpedeiros. Total, 140 navios. Tal era a armada hollandeza em principios de 1892. Compare-se isto com a nossa marinha:--1 couraçado, 6 corvetas, 10 canhoneiras, 5 torpedeiros, etc., emfim, uns 40 vapores, além de 14 navios de véla, e em que estado de conservação!... Para um paiz maritimo e colonial não se póde realmente exigir mais!... Mas poderiamos ainda ter a consolação de supprir esta falta com a marinha mercante, se não vissemos que, como atraz dissémos, nem temos cotação entre as marinhas mercantes das nações do mundo. A Suecia só por si, e independente da Noruega, conta 1:029 navios de véla na sua marinha mercante, com a lotação, em peso, de 299:000 toneladas, e 491 navios a vapor, com a lotação, em peso, de 163:000 toneladas; a Hollanda, cuja importancia geographica não é, decerto, superior á nossa, e cuja densidade demographica não é maior do que a de Portugal, tem uma marinha mercante de 390 barcos de véla e 149 navios a vapor, com a lotação, em peso, de 799:000 toneladas. Como poderá, pois, Portugal fazer concorrencia aos paizes estrangeiros, que assim se apresentam em condições de entreter um commercio activo com os povos de regiões, onde os progressos ainda não tenham desenvolvido a vida industrial? ........................................................................... Quando em julho de 1893, esta associação affirmou, na representação dirigida á camara dos pares, que Portugal atravessava n'este momento uma crise muito similar á da França, em 1776, ao alvorecer das reformas de Turgot, espiritos mais apprehensivos chegaram a suppôr que esta collectividade appellava para a revolução. O pensamento era, e bem o via quem imparcialmente quizesse olhar para esse trabalho, que ou Portugal se lança n'um caminho de reformas serias e profundas pelo que respeita á sua organisação financeira, _ou a bancarrota official e franca--porque disfarçada a temos nós--apparece de improviso com todo o seu cortejo de horrores_. Não póde haver maior desegualdade de impostos do que existe em Portugal. Emquanto o imposto predial de todo o reino produz 2.884:000$000, o imposto de consumo só em Lisboa dá 2.122:500$000. Mas mais do que o imposto predial em toda a nação, produzem os impostos de tabaco e sello. Exemplifiquemos: Imposto do sello 1.434:000$000 Imposto de importação de tabacos 4.350:000$000 _Como se vê, pois, o imposto predial em todo o paiz apenas rende mais do que os direitos de consumo, só em Lisboa, a quantia de 761:500$000 réis._ É único. Francamente, _em que outro paiz da Europa acontecerá que os direitos de consumo só d'uma das suas cidades produza quasi tanto como o imposto predial de toda a nação_? Mas mais extraordinario se nos afigura que o imposto de importação de tabacos produza mais que todo o imposto predial a importantissima verba de 1.466:000$000 réis! ........................................................................... _Se na voragem em que vamos quasi absorvidos, ainda podem restar alentos para uma reacção energica e seria, que a nação não a delongue, aliás corremos risco de accordar muito tarde._» Á vista do exposto, quando outros motivos mais graves e poderosos não existissem, pareceria occioso insistir na absoluta legitimidade e na necessidade imperiosa de um partido republicano em Portugal, em nome da salvação publica. Mas a larga transcripção que fizemos e que por si só absolveria trinta revoluções, está, penoso é dizel-o, muito aquem da verdade. Não se encontram alli, traçadas com sangue e lagrimas, as paginas vergonhosas e ultrajantes da nossa politica de subserviencia e aviltamento perante o estrangeiro. Não são alli descriptas essas negociações sem _simile_ nos annaes da diplomacia europeia e em que pouco a pouco temos ido cedendo, sem combate e quasi sem protesto, os restos do patrimonio ultramarino e do prestigio moral que os nossos maiores nos legaram. Não se apontam n'essa exposição, circumscripta aos limites de um documento d'aquella ordem, destinado á leitura rapida e á synthese compendiadora dos innumeros episodios da villeza constitucional, os nomes d'esses _parvenus_ sem pudor que, mercê da sua illimitada audacia, da ausencia absoluta de senso moral e da impunidade que as instituições lhe garantem, se abateram como um bando de abutres sobre os restos ainda palpitantes de uma nacionalidade outr'ora gloriosa e opulenta, cevando sobre essa pobre agonisante os appetites vorazes e estadeiando em publico, impudicos e sorridentes, o fructo das suas ignobeis proezas! A Associação Commercial de Lisboa omittiu esses pormenores degradantes. Ao honrado commercio portuguez repugnou esse inquerito ao pantano constitucional. Pensou e pensou bem que era inutil insistir sobre taes miserias, quando os seus documentos vivos transitam pelas ruas das cidades, á luz do dia, fazendo descrer o publico da existencia e utilidade das Penitenciarias. Analysem os nossos queridos compatriotas residentes no Brazil a vida das instituições desde o _ultimatum_ britannico. Distraiham alguns momentos do seu labutar para os dedicarem a este inquerito e creiam que não perderão o tempo e que, ao concluirem o seu exame, ficarão tão convencidos como nós da necessidade imperiosa de pôr termo a um estado de cousas fundamentalmente immoral, ruinoso e iniquo. E não se diga que a marcha do partido republicano em Portugal se tem effectuado precipitada e tumultuariamente. Pelo contrario. Se exceptuarmos o movimento de 31 de janeiro que poz uma nota de protesto viril no meio d'esta apathia que enerva e mata, a evolução republicana tem caminhado lentamente, progredindo á custa dos erros repetidos, dos attentados inqualificaveis e da absoluta impotencia dos nossos adversarios. Tem sido a propria monarchia que, impellida mau grado seu, pelos vicios incuraveis da sua constituição organica, se tem ido dissolvendo rapidamente, pela desaggregação dos elementos que a compõem. O partido republicano, hoje, quasi se limita a archivar na sua imprensa esse estendal de torpezas, para mais tarde o articular no seu libello final. Não pode a monarchia escudar-se, para cohonestar os seus erros, em grandes cataclysmos imprevistos, nas agitações revolucionarias, na perturbação determinada por factores hostis à sua inteira liberdade de acção. As instituições portuguezas são, sob esse ponto de vista, o mais completo specimen da inteira _irresponsabilidade_. O paiz disfructa ha cincoenta annos uma paz octaviana. Os clamores da opinião publica são desattendidos sem protesto. As liberdades publicas vão sendo rasgadas sem conflicto. As questões internacionaes, resolvidas vergonhosamente para nós, nem sequer determinam motins e apenas, de quando em quando, fazem cahir um ministerio. Homens publicamente apontados como auctores de peculato e concussão continuam a usufruir as melhores graças da cornucopia realenga e a exercer os primeiros cargos da administração e da politica. Em resumo, a monarchia tem tido até hoje carta branca para nos tratar como paiz conquistado, sem peias nem restricções. Que culpa temos nós, se depois de tudo isto esse regimen condemnado nos deixa sem pelle, sem credito e quasi sem esperanças de futuro? Depois--e é esta a mais imperiosa e fulminante das considerações--é a propria instituição que combatemos a que se encarrega de nos indicar o verdadeiro caminho a seguir. De facto, a monarchia de ha muito que _moralmente abdicou_. Essa abdicação vem do tratado de 20 de agosto, pateado no Parlamento. Desde essa epoca que Portugal não é uma nação monarchica:--é um _campo de experiencias_. O partido progressista, depois do _ultimatum_, confessou-se impotente e desacreditado e não voltou ao poder. O partido regenerador, confessou-se desacreditado e impotente e teve a mesma sorte. Como todos sabem, eram e são estes os dois grandes aggrupamentos constitucionaes. A monarchia recorreu então aos gabinetes pittorescamente classificados pelo publico de «_ministerios nephelibatas_», fazendo successivas experiencias que só tem servido para desacreditar novos homens desacreditando o paiz. Por ultimo, chegamos á deploravel situação actual, que a muitos se affigura insoluvel, tendo imminente uma declaração official de fallencia e a fiscalisação dos credores extrangeiros. Ora isto não se occulta nem se defende em nome do patriotismo. Combate-se e combate-se até á barricada. Felizmente que no partido republicano portuguez ha muita gente disposta a jogar a vida pelo seu paiz sem inquirir do _preço_ do sacrificio. Não são esses os que desacreditam o Brazil! * * * * * O partido republicano portuguez, tão calumniado pelos nossos adversarios, mas sempre tão superior ás calumnias pela sua conducta altamente digna e patriotica, é hoje o unico partido nacional, o unico sob cuja bandeira tem vindo acolher-se os homens de bem, os homens de principios e de convicções e os desilludidos que ainda possuiam o brio e o amor patrio sufficientes para renegarem, a tempo, a perigosa solidariedade com os delapidadores da honra e do credito do seu paiz. É longa a serie dos serviços absolutamente _desinteressados_ que á sua terra tem prestado os membros da democracia portugueza, até hoje, felizmente, ao abrigo das vergonhosas accusações que impendem sobre as figuras sinistras da monarchia portugueza. Pode bem affirmar-se que comnosco estão hoje em Portugal os elementos sãos da sociedade portugueza. O nosso pessoal, recrutado no professorado das escolas, no commercio, na industria, na propriedade, no capital, em todas as classes sociaes, em todos os ramos da actividade nacional, é hoje respeitado e justamente temido pelos nossos adversarios, constituindo, com o appoio do povo, uma força poderosa e uma esperança de rehabilitação para a nossa querida patria. O simples parallelo entre os vultos em evidencia no partido republicano e o pessoal monarchico basta para estabelecer entre nós e os inimigos da patria uma differença radical e palpavel. Como vivem e de que vivem elles? Como vivemos e de que vivemos nós? Interrogação bem simples mas que basta para orientar o verdadeiro portuguez no caminho que lhe cumpre seguir. Os homens do partido republicano, ou vivem do trabalho honrado, tenaz e persistente, não raro cortado de difficuldades e angustias de toda a ordem, ou dos lucros do capital ou da propriedade adquiridos por esses processos honestos e laboriosos. A sua existencia, divide-se entre a satisfação das suas obrigações pessoaes e o cumprimento dos seus deveres civicos. Usam de um nome impolluto e gosam de universal consideração. Quaes os recursos da quasi totalidade dos nossos adversarios? Por nós respondem o orçamento e as folhas de vencimentos. Vivem do Estado, encrustados aos redditos publicos como o mexilhão ao rochedo, escravos da mais ultrajante das dependencias, serventuarios de uma instituição que lhes alquila as consciencias e lhes coarcta por completo a liberdade das convicções e a independencia de conducta. Uma perfeita escravatura branca, sem a attenuante da violencia e as sympathias que á humanidade sempre despertou a causa dos negros. A politica é para os primeiros um onus, para os segundos uma industria. Para uns, uma sciencia, para outros um jogo da bolsa. Para os republicanos, um meio de resurgimento patrio, para os monarchicos uma profissão. E tanto assim que, não obstante os reiterados esforços da democracia portugueza e até de alguns monarchicos bem intencionados, ainda até hoje não conseguiu vingar em Portugal uma _lei de incompatibilidades_. O partido republicano portuguez, no cumprimento da nobre missão que se impoz, tem levado ao excesso o seu profundo sentimento de dedicação e respeito pela honra e prosperidade da Patria. Nas questões internacionaes nunca elle trahiu uma prudente reserva ou deixou de prestar aos governos do paiz o necessario appoio, sempre que este procedimento não era incompativel com o direito e a rasão. Tambem jamais negou o seu _placet_ aos actos dos adversarios que d'elle se tornassem credores. Sómente, raras vezes teve o ensejo de assim se determinar, porque raras vezes do ignobil _gachis_ constitucional afflora uma individualidade que se recommende ou um acto de administração que se imponha. Iniciando dentro da sua propria constituição a obra moralisadora que espera mais tarde effectuar no governo do Estado, a democracia portugueza tem banido implacavelmente do seu gremio os especuladores que, de longe em longe, pretendem deshonral-a, aviltando-a em accordos indecorosos, em transacções inconfessaveis ou em procedimentos contrarios ao espirito e á natureza da ideia que apostolamos, adquirindo dia a dia sobre a opinião, por esta perfeita coherencia dos actos com os principios, uma auctoridade legitima e incontestavel, postoque apparentemente contestada pelos nossos implacaveis inimigos. No seu programma de politica e administração, o partido republicano não professa nem os radicalismos doutrinarios da metaphysica revolucionaria nem tampouco esse opportunismo empirico dos estadistas de expedientes, educados na trica indecorosa das instituições cuja missão historica terminou. Educados nos principios da moderna escola positiva, tendo sobre o governo e administração do Estado um criterio rigorosamente scientifico, os homens da Republica impõem-se ao respeito e á consideração publicas, a um tempo pelo seu valor moral e pela verdade objectiva das doutrinas que de ha muito vem advogando na cathedra, no Parlamento, na imprensa, nas aggremiações democraticas e nos comicios. Á sua influencia sobre o espirito publico, exercida pelos processos da propaganda a mais leal e a mais honesta, veio juntar-se, desde os decretos liberticidas da dictadura de 90 e em especial desde o movimento de 31 de janeiro, a tradicção do soffrimento nobremente supportado, sem tibiezas nem desfallecimentos. Grave tem sido a crise que ha quatro annos a democracia atravessa, convertida em alvo de todas as perseguições e de todas as violencias, mas d'essa provação ella sahiu mais nobre, mais honrada e mais triumphante do que nunca. Nem os julgamentos, nem o carcere, nem o exilio, nem os infortunios de toda a ordem, conseguiram nas nossas fileiras desfallecimentos ou deserções. E, no entanto, quem sabe se as circumstancias de muitos dos perseguidos não seriam de molde a absolvel-os da macula de uma abdicação! Não succedeu porém assim. Nem as promessas capciosas, nem a violencia, nem a fome, poderam cousa alguma sobre os energicos temperamentos dos nossos companheiros de lucta. Este facto, que constitue um exemplo e uma esperança, é bastante para attrahir á nossa causa uma illimitada sympathia. O partido republicano é portanto, como dissemos, o unico partido patriotico, o unico partido honrado, o unico partido com bandeira, ideias, principios, orientação e plano rigorosamente scientificos, orientado pelas necessidades moraes e materiaes da sociedade portugueza. N'uma palavra, é o unico partido nacional. E porque o é, e porque constitue hoje, em face da cabala monarchica, uma legião formidavel, dia a dia accrescida por numerosas adhesões, e porque a auctoridade dos seus homens, a seriedade do seu programma e a justiça da sua causa se impõe irresistivelmente, tem a soffrer n'este momento, que a monarchia considera decisivo, uma guerra feroz e sem quartel dos interesses vinculados ao existente que contra ella colligam os ultimos elementos de defesa. D'esses elementos, um dos mais importes, até sob o ponto de vista dos recursos materiaes (segundo se lhes affigurou ao dementado criterio) era o sebastianismo luso-brazileiro que elles, na sua ignorancia dos acontecimentos e da indole da grande nacionalidade sul-americana, julgaram possuidor de todas as condições de exito. Enganaram-se. Foram vencidos. E tamanha foi a derrota que devem ter perdido todas as velleidades de recomeçar. Se tivessem triumphado, as violencias contra a democracia portugueza redobrariam de intensidade. Fortes do appoio do Brazil, os monarchicos portuguezes não reconheceriam limites á sua criminosa insania. Por isso sempre consideramos a lucta civil brazileira que parece ter terminado como uma questão gravissima para o partido republicano portuguez. * * * * * De principio, apesar de affastados do theatro dos acontecimentos, se nos affigurou que aos acontecimentos de 6 de setembro não eram estranhos os manejos dos especuladores monarchistas e, sendo assim, logo suspeitamos que a elles se alliassem as figuras desacreditadas da politica monarchica portugueza. N'esta como em circumstancias identicas continuavamos a depositar a mais absoluta confiança na reconhecida inepcia da firma Bragança-Orleans. De resto, a apparente submissão dos velhos partidarios do imperio, apoz o 15 de novembro, nunca nos illudiu e sempre nos quiz parecer que esse doce quietismo só servira para tranquillisar os defensores sinceros e convictos das ideias republicanas, dando aos elementos hostis á nova ordem de cousas o tempo necessario para, restabelecidos do primeiro movimento de surpreza, se prepararem para a resistencia. «A situação politica do Brazil resente-se de vicios de origem que só agora vão emergindo á luz da critica e da verdade historicas. Aquelle 15 de novembro, tão apregoado em dithyrambos varios, como cheio de paz, de harmonia e de fraternidade, havia de, mais tarde e por força de uma logica indiscutivel, produzir o que produziu. Não se modificam sem violencia, não se transformam sem abalo, condições de existencia vinculadas ao tempo e aos interesses creados. Estes defendem-se quanto e emquanto podem e, ou o antagonismo se traduza na lucta franca e aberta á mão armada ou se enkyste no escuro dos conciliabulos ou nos recessos da conspirata, o facto positivo e real é que existe e só vencidos nos ultimos entrincheiramentos os conspiradores succumbem. Em 15 de novembro a propaganda republicana estava feita, mas o Imperio tinha ainda as solidas raizes das clientellas constituidas, dos interesses creados á sua sombra e a circumstancia, bastante ponderavel, do velho Imperador disfructar _pessoalmente_ uma certa estima. Ora, transformar radicalmente este estado de coisas pelo processo pachorrento e ordeiro do 15 de novembro, é impossivel! ...................................................................... É o que está succedendo no Brazil e o que por certo continuará a succeder, até que novo estado de equilibrio produzido pela concorrencia de novas forças se consolide por fórma a não poder ser facilmente alterado».[2] ...................................................................... ...................................................................... «A lucta que desde 6 de setembro tem por theatro o territorio da Republica irmã era necessaria, era mesmo indispensavel á consolidação das novas instituições. Sempre o previmos, e n'_A Voz Publica_ manifestamos mais que uma vez as nossas ideias n'esse sentido. Parecia-nos demasiado pacifica a transformação de 15 de novembro e logo auguramos á covardia adhesista dos primeiros momentos largas tropellias em épocas mais desafogadas e mais livres. Por muito que uma fórma politica esteja condemnada pela opinião, por muito odioso que um determinado regimen se tenha tornado pelos seus actos, pela sua vetustez em face das conquistas do direito moderno, ha sempre uma larga cohorte de apaniguados que não se resignam facilmente á sua queda:--é a legião de interesses vinculados ao antigo estado de cousas cujo centro de gravidade as revoluções perturbam e deslocam. Sem principios, sem convicções, sem crenças, sem outro ideial que não seja a cevadeira, essa gente, muito covarde para reagir com risco, mas muito gananciosa para se deixar vencer sem protesto, constitue durante largo periodo um dos mais terriveis obstaculos á consolidação da nova ordem trazida pelas grandes convulsões transformadoras e fecundas. O exterminio d'estes factores regressivos é mais difficil do que a muitos se se affigura, porque os seus processos de reacção conseguem dissimular-se habilmente a todas as pesquizas, até o momento de ferir-se o grande golpe, o golpe decisivo. Obram pela surpreza, pelo descredito, pela calumnia e pela diffamação; opéram pelo systema das resistencias passivas, das insinuações surdas, das meias palavras, cheias de fel e de veneno. Empregados publicos, entravam o expediente dos negocios e revelam os segredos profissionaes, atraiçoando a confiança dos seus superiores;--militares, manteem nas casernas o espirito de indisciplina e fornecem ao inimigo informações preciosas; banqueiros, inundam a Europa com noticias falsas, levando o descredito a toda a parte, aterrando o capital e a propriedade, assustando o crédor e difficultando as operações. N'este trabalho de toupeira, tenaz e persistente, por via de regra insuccedido afinal, é incalculavel o numero de victimas causadas pelo egoismo deshumano e sordido d'estes caracteres sem senso moral e sem outro movel que não seja a satisfação de inconfessaveis appetites. Uma multidão de illudidos paga com a vida ou com os haveres os sordidos calculos d'essa gente sem pudor, que não raro consegue subtrahir-se ao justo castigo de suas proezas, abandonando os seus apaniguados e auxiliares nas horas de infortunio e provação. Entretanto, como a acção dos generaes é impossivel sem soldados, basta que estes sejam dominados para que aquella cesse e se annulle. É o que se está passando no Brazil. A Republica soffre n'este momento a colligação de todos os odios, preconceitos e interesses do velho regimen que, embora apparentemente conciliados com as novas instituições, contra ellas põem em acção desde o 15 de novembro, um trabalho de sapa, cujas manifestações agressivas vieram agora exteriorisar-se. Mas por isso mesmo que o sebastianismo põe n'este momento em pratica todos os seus recursos; mas por isso mesmo que elle sente que a sua sorte se joga, n'esta suprema cartada;--por isso tambem mais decisiva e fecunda será a victoria da Democracia, definitivamente soberana em toda a America. É difficil a prova porque actualmente passa a Republica irmã, mas é salutar e necessaria. Preciso se tornava purificar o ambiente democratico dos velhos miasmas imperialistas e esta missão, depuradora e hygienica, não se leva a cabo sem lucta, sangue e sacrificios de toda a ordem».[3] ...................................................................... Comtudo, desde o principio e durante todo o periodo revolucionario, a nossa confiança no resultado da lucta manteve-se inabalavel, em parte por virtude de um certo conhecimento dos homens e das cousas do Brazil, em parte pela analyse das origens da lucta, em parte talvez arrastados por esta crença sincera do propagandista democratico no bom exito da sua causa e na victoria final do Direito. «O simples bom senso e um conhecimento, embora imperfeito, do caracter, dos costumes e da indole do povo brazileiro e das Republicas limitrophes, bastariam para levar os especuladores impenitentes ao convencimento da absoluta impossibilidade na realisação do sonho imperialista, lenda que é de hontem e que, no entanto, parece diluida já nas brumas de um passado longiquo. ...................................................................... «Novos interesses, nova orientação, novos processos de lucta, mais livres e mais apaixonados, remodelação completa de velhos e carunchosos organismos, tudo isto contribue para um desequilibrio momentaneo, que mais tarde se traduz em eras de exuberante fecundidade e em largos periodos de paz octaviana ...................................................................... Mas, collocando a questão no campo verdadeiramente pratico, é evidente que as mesmas causas que desde 15 de novembro contribuiram para protelar as resistencias, são precisamente as que hoje tornam irrisoria qualquer tentativa de restauração imperialista, conclusão ainda avigorada pela natureza constitucional da nova Republica. Assim, hoje a Republica no Brazil, decorridos tres annos desde a sua proclamação, teve tempo de a si vincular solidos interesses, novos, ardentes, vigorosos, cheios de vida e de seiva, que só poderiam ser combatidos efficazmente por interesses contrarios, egualmente importantes, alliados a dedicações serias pelo passado, hypothese que não se realisa como a todos é patente. A constituição federal da Republica Brazileira é tambem um estorvo decisivo a uma restauração imperialista. Além dos interesses privados a que nos referimos, ha ainda os interesses peculiares aos diversos Estados que com a liberdade de governar-se e administrar-se adquiriram o amor da liberdade e o espirito de independencia, sentimentos difficeis de apagar-se, quando uma vez se lhe experimentaram os beneficios. Em terceiro logar, o sebastianismo, representante de uma ideia morta, nem sequer tem a attenuar-lhe a impotencia uma d'estas figuras onde se crystallisam ideias e aspirações extinctas, um principe novo, decorativamente bello, um heroe de romance d'estes que fazem palpitar o coração das mulheres e vibrar o enthusiasmo as multidões, civica e intellectualmente atrazadas. Todas estas razões, posta já de parte a anormalidade de existencia de uma monarchia em plena democracia americana, seriam bastantes para levar o desanimo ao mais intransigente sebastianista, se acaso a intransigencia absoluta fosse alguma vez susceptivel de reflexão. O maior infortunio que hoje poderia succeder ao Brazil seria a restauração imperialista. No estado em que esse paiz de encontra, o resultado era facil de prever:--ou uma tentativa ephemera, ridicula pela sua pequena duração, ou o desmembramento do Brazil nos Estados que o constituem. Por isso pódem aventar-se sobre o Brazil as mais disparatadas hypotheses, porque, na falta de informações positivas, a liberdade de phantasia é de lei. Todas absolutamente, menos a do regresso ao regimen monarchico, porque essa cahe pelo ridiculo».[4] ...................................................................... ...................................................................... «Só á força de violencias e de crueldades seria possivel, _momentaneamente_, pelo terror, implantar no Rio um novo imperio de comedia, entre burlesco e sinistro, mixto de Offenbach e de Cartouche, destinado em curto praso á ignominia da expulsão».[5] ...................................................................... ...................................................................... «Avisinha-se a hora em que, segundo todas as probabilidades, triumphará a causa da legalidade e da ordem, restabelecendo o imperio da Constituição, violada pelos que a dizem offendida, postergada pelos que a dizem trahida. Hora abençoada será essa para aquelles que muito amam o Brazil e a integridade das bôas, sãs doutrinas democraticas. Hora abençoada, repetimos, porque se os cidadãos brazileiros anceiam pela paz da grande Republica, tambem nós, republicanos portuguezes, a desejamos, em nome da patria, em nome da nossa causa».[6] ...................................................................... ...................................................................... «É porque ponderando serenamente os acontecimentos, sem as paixões da especulação que desvirtuam a justeza de vistas indispensavel ao articulista politico, viu desde logo que, a dar-se uma restauração monarchica, ella teria uma existencia ephemera, deixando da sua passagem apenas a memoria de uma convulsão politica e o sangue de algum novo Maximiliano, immolado ao avido sebastianismo de desalmados especuladores»[7]. ...................................................................... ...................................................................... «De muito longe, d'este cantinho da Europa, não podemos deixar de sentir por esse honrado velho o (_marechal_) a maior das sympathias, experimentando ao mesmo tempo uma profunda alegria por ver que, a despeito das intrigas, das villezas, das calumnias e das abjecções e villanias postas em pratica pelos sectarios da corrupção imperialista, é o Direito quem afinal triumpha, é a boa causa que vence afinal, a peito descoberto, sem fintas, nem emboscadas, nem traições, os seus incorrigiveis e impenitentes adversarios!»[8] ...................................................................... ...................................................................... «E o caso não é para menos, porque a série dos fracassos tornou-se interminavel, assumindo mesmo, não raro, um tom burlesco que não é precisamente o que mais quadra a realezas e palacianismos, nem com maior brilho e lustre exorna as monarchias. Custodio batido e doente, Saldanha em circumstancias criticas, principe do Grão Pará diluindo as saudades no sport velocipedico, os Estados do Norte tranquillos, a população adherindo em massa ao governo legal. Realmente, a perspectiva não é lisongeira, e os Braganças, ao que parece, terão de limitar a sua esphera de influencia, emquanto Deus for servido, ao abençoado torrão lusitano, á beira mar plantado»[9]. ...................................................................... ...................................................................... A revolta foi recebida em Portugal, com a maior alegria, pela imprensa monarchica. _Ab initio_, as folhas da grey appoiaram decididamente o movimento, como se das suas origens, da sua legitimidade e até dos seus recursos e trabalhos preparatorios tivessem o mais perfeito conhecimento, o qual, logicamente e em face das informações contradictorias que do Brazil nos chegavam, só podia explicar-se por uma _entente_ previa com alguns dos elementos interessados no movimento Custodista. Havia mesmo certas razões para suppol-o. Um mez, approximadamente, antes da revolta da esquadra, um amigo nosso e dedicado correligionario, prevenira-nos de que alguma cousa grave ia passar-se, e fundamentava as suas apprehensões em meias palavras ouvidas a um conhecido sebastianista, que já de ante-mão ia saboreando a victoria. A imprensa republicana manteve, no começo, uma prudente reserva, limitando-se a inserir, quasi sem commentarios, as noticias e informações que iam chegando, por via postal ou telegraphica. Mais tarde, porem, logo que a situação se definiu um pouco, collocou-se abertamente ao lado do governo do marechal. Nós, áparte talvez uma antiga sympathia pelas cousas do Brazil, que nos levava a dedicar-lhes particular attenção, possuiamos os mesmos elementos de informação dos nossos collegas, mas d'esses, logo um bastou para determinar-nos:--a attitude da imprensa monarchica. Se esta, dada a sua indole e os seus precedentes, defendia _á outrance_ a causa dos revoltosos, é porque evidentemente a questão, no fundo, era um simples jogo monarchista, dissimulado sob especiosos pretextos. A nós, portanto, cumpria-nos desde logo perfilhar a doutrina opposta, ao lado da qual, por certo, combatiam a moralidade e o direito. Ainda uma outra circumstancia vinha em nosso auxilio. O partido republicano historico brazileiro appoiava quasi na integra o governo legal, e com este estavam tambem o Congresso e o Senado. Como, portanto, classificar de _dictador_ o marechal Vice-Presidente e o seu governo, sem perigo de manifesto absurdo?... Porque, desde o principio, nós collocamos o problema sob o ponto de vista da _legitimidade_, sem inquirirmos das probabilidades da victoria de um ou outro dos contendores e abstrahindo por completo de quasquer sympathias pessoaes, que de resto eram nullas e porventura se inclinavam para Custodio de Mello desde o 23 de novembro. «N'este como em outros assumptos relativos ao Brazil, o nosso criterio foi sempre orientado pela analyse serena e desapaixonada dos factos. E esse analyse e a ponderação fria dos _soi disant_ motivos logicos da revolta, levou-nos immediatamente a perfilhar a attitude do governo legal que desde então sustentamos, ainda mesmo quando por via telegraphica nos chegavam as noticias as mais lisongeiras para a causa do almirante Custodio de Mello. Durante muito tempo fomos sosinhos n'este proposito. Pouco nos importava! Não obedecia a nossa orientação á victoria presumivel de A ou B, mas apenas ao que julgavamos ser a boa doutrina na especie discutida. Por isso nunca sequer hesitamos em continuar a sustental-a. Os acontecimentos que ao depois se foram desenrolando, vieram dar-nos rasão, e hoje já alguns collegas nos acompanham, posto que muito timida e reservadamente. Essa revolta que toca o seu termo, ao que julgamos, ainda ha de um dia ser julgada bem severamente por muitos dos que hoje se lhe affirmam sympathicos, attenta a phantastica causal que o seu chefe adduz para legitimal-a. Revolta contra um acto legalissimo garantido pela Constituição! Revolta em pleno exercicio do Congresso e do Senado! Revolta a dois dias de eleições geraes! Revolta que, mirando ao estabelecimento da legalidade civil, começa pela nomeação de um _provisorio_ militar! Revolta que, baseada no progresso e na felicidade do povo brazileiro, se consubstancia no bombardeamento de uma cidade aberta, na paralysação do seu comercio, da sua tranquilidade, no imminente risco de vida para os seus habitantes. Revolta que se affirma pela indisciplina, pela deshumanidade, pelos horrores de uma violencia que nada legitima, que nada justifica! Revolta que não duvida lançar mão de todos os elementos, ainda mesmo dos mais suspeitos á causa da Republica! E ainda ha quem a defenda! E ainda ha quem não duvide perfilhar todas as grosseiras mentirolas e todas as inepcias grotescas de um sebastianismo tão comico quanto prejudicial aos interesses portuguezes!»[10] ...................................................................... ...................................................................... «Ao lerem o nosso ultimo artigo, referente ao successos do Brazil, alguns sebastianistas incorrigiveis observaram-nos que a victoria do marechal Floriano Peixoto, que reputamos certa e com bons fundamentos, era ainda duvidosa e que se lhes affigurava um grave erro que nós fossemos apregoando triumphos, _antes do tempo_. Como estas palavras «_antes do tempo_» equivalem, por si sós, á manifestação de todo um criterio, convem mais uma vez esclarecer a nossa attitude em face do conflicto entre o vice-presidente e o contra almirante revoltado. Á orientação seguida n'este jornal é completamente estranha a _personalidade_ de qualquer dos contendores empenhados na lucta civil brazileira. Tão bem conhecemos ou antes desconhecemos o marechal Floriano Peixoto como o contra-almirante Custodio José de Mello. Nenhuma consideração de ordem _pessoal_ nos move, portanto, a favor ou contra qualquer d'elles. Na nossa qualidade de portuguezes e de jornalistas republicanos, assiste-nos, porém, o direito de discutir e apreciar os successos que se vão desenrolando na Republica irmã, medindo a legitimidade de qualquer das partes contendoras pela fórma porque os seus actos se subordinam aos principios e ás normas de uma sã e bem orientada comprehensão democratica. Trata-se, portanto, para nós da _legitimidade_ das preterições adduzidas por qualquer das parte _e nunca das maiores ou menores probabilidades de victoria de uma ou outra_, ponto que, se nos não é inteirámente indifferente porque todos anceiam porque triumphem o direito e a justiça, em nada influe na directriz do nosso criterio. Não recebemos, nem do governo portuguez nem do sebastianismo orleanista e indigena, subsidio algum para insultar a Republica e o marechal; e egualmente nos são absolutamente estranhos os favores do vice-presidente. A nossa attitude é, pois, imparcialissima e as victorias ou derrotas de qualquer dos partidos não pódem modifical-a, porque acima dos acasos da fortuna e da guerra estão _os principios_, unica abstracção pela qual combatemos e nos sacrificamos. * * * * * Uma batalha mais ou menos afortunada, um bombardeamento mais ou menos feliz não alteram a legitimidade ou illegitimidade de uma causa. Não raro _la force prime le droit_; e, no entanto, nem por esse facto os triumphadores ficam ao abrigo da inexoravel imparcialidade da historia. Por isso, o dever do critico, do pensador, cujo modo de ser intellectual não obedece a mesquinhas e indecorosas suggestões de ordem visceral; por isso, o dever do jornalista que faz da imprensa um orgão educativo e do seu mister um sacerdocio, é investigar, não as probabilidades da victoria dos movimentos que estuda e discute, mas a sua rasão de ser, a sua _legitimidade_, á face das considerações de ordem superior, pelas quaes se orienta e dirige o progresso social e a marcha do espirito humano, no caminho da felicidade moral e material dos povos. De contrario, o jornalismo converte-se em inconfessavel e perniciosa especulação e o jornalista transforma-se em sicario, mercenariamente alquilado pelo primeiro especulador que appareça a preencher-lhe o vasio da bolsa e a voracidade do appetite. Foi este escolho, que desprestegia moralmente quem sobre elle naufraga, o que sempre procuramos evitar, fugindo á discussão apaixonada das personalidades, vendo principios e não homens, desvinculando uns dos outros e guiando-nos pelos primeiros, afim de que a nossa tarefa jornalistica não resultasse esteril, antes se convertesse em elemento de educação civica do povo e em factor do seu caminhar progressivo. É esta por certo a causa efficiente da confirmação de todas as nossas previsões e das provas de estima e de amisade que temos recebido de illustres brazileiros e de verdadeiros portuguezes. É esta tambem a explicação da nossa coherencia e tenacidade na defeza do governo do marechal, do governo constituido, do governo legal, ainda quando circulavam sobre o exito da lucta, as noticias mais pessimistas e aterradoras contra o vice presidente Peixoto. * * * * * Quando na bahia do Rio, a 6 de setembro, uma parte da esquadra brazileira se revoltava ás ordens do contra almirante Custodio de Mello, surprehendeu-nos a fórma porque portuguezes e brazileiros, na sua grande maioria, commentavam entre nós o facto. Discutia-se e comparava-se a energia dos combatentes e o seu passado guerreiro, computavam-se as forças, mediam-se as sympathias e as relações de familia de um e outro, discreteava-se sobre o artilhamento dos fortes, as defezas da bahia ou o systhema e alcance dos canhões do _Aquidaban_; mas, com raras excepções, poucos procuravam inquirir dos fundamentos, das causas proximas ou remotas da rebellião, em uma palavra, da sua _legitimidade_. Bastante surpresos sobre esta maneira um tanto impirica de encarar os acontecimentos, mas pouco resolvidos a constituir-nos em phonographos debitadores de uma opinião desnorteada, a nossa attitude ficou desde logo assente. Seriamos pelo partido que tivesse por si a legalidade republicana e o respeito das normas constitucionaes, abstrahindo, por completo, na formação do nosso criterio, dos individuos, fossem quaes fossem as sympathias pessoaes que para elles podessem inclinar-nos. D'ahi a linha de conducta que em seguida iniciamos e que sempre temos mantido, a despeito das iras sebastianistas e do errado criterio de alguns espiritos sinceros. Adoptado elle, os successos ou os revezes do marechal, causando-nos, é claro, alegria ou tristeza desde que o viamos representando a causa da legalidade que perfilharamos, em nada modificaram o nosso criterio. Quantos artigos escrevemos, sustentando o governo da vice presidencia, tendo á vista os telegrammas da _Havas_ dando a sua causa como perdida! Quantas vezes a nossa opinião, favoravel ao marechal, defrontou com os _Hossanas_ de quasi toda a imprensa portugueza em favor do contra-almirante Custodio José de Mello!... Que nos importava, se defendiamos principios e não homens, se obedeciamos á rasão em vez de escutarmos os protestos do estomago; se á colligação bolsista, orientada pelo egoismo feroz da judiaria especuladora, tinhamos a oppôr a altiva tranquillidade de uma consciencia satisfeita?!...»[11]. ...................................................................... Alguem pretendeu vêr n'esta doutrina _a condemnação das revoluções_ dentro do regimen republicano. É manifesto o absurdo. Entretanto, seja-nos licito estabelecer o nosso criterio sobre o assumpto, para que não volte a debitar-se um tal contrasenso. O _direito de insurreição_ é um direito incontestavel, admittido por todos os grandes publicistas e até consignado em diplomas que tiveram força legal. O reconhecimento d'esse direito não é de hoje. É mesmo mais antigo do que a muitos se affigura. Um capitulo da obra notabilissima de Lavelaye «_Le gouvernement dans la democratie_» faz sobre o assumpto um estudo curiosissimo e de grande interesse, principalmente sob o ponto de vista documental. As cidades gregas erigiam estatuas aos revoltosos e aos regicidas, que os desembaraçavam dos seus tyrannos, taes como Harmodius e Aristogiton. O mais profundo pensador entre os Padres da Egreja, Origenes, louva aquelle _que conspira para derribar a tyrannia_. Os soberanos medievaes juravam respeitar as liberdades do seu povo e este reservava-se o direito de lhes recusar fidelidade, se acaso faltassem ao seu juramento. Em Hespanha, Santo Isidoro, formula esta doutrina com singular nitidez: _Unde apud veteres tale erat proverbium: «Rex eris si recte facias, si non facias, non eris»_. O direito de insurreição é formalmente reconhecido pelo art. 31 da _Bulla aurea_ de 1231, firmado por André II e por todos os reis da Hungria até Leopoldo II em 1869 e tambem pelo art. 659 da _Joyeuse Entrée_ do Brabante. A resistencia legal é admittida nos privilegios que juravam observar os reis da Bohemia, os reis da Polonia, e nos _fueros_ do paiz Basco. O Parlamento Escocez, dirigindo-se ao Papa, diz a proposito de Roberto Bruce: «A divina Providencia, as leis e os costumes do paiz que defenderemos até á morte e a escolha do povo fizeram d'elle o nosso rei. Se alguma vez trahir os seus deveres, tratal-o-hemos como inimigo e como destruidor dos seus e dos nossos direitos, elegendo um outro em seu logar. Pouco nos importam a gloria e a riqueza, mas muito essa liberdade a que um homem, digno d'este nome, só deve renunciar com a vida». A revolução franceza, na constituição de 1791, collocava o direito de resistência á oppressão no numero dos direitos naturaes e imprescriptiveis do homem, definindo-o na constituição de 1793: «A resistencia á oppressão, é a consequencia dos outros direitos do homem; quando o governo viola os direitos do povo, a insurreição é para este o mais sagrado dos direitos».[12] O mais illustre dos theologos da Edade-Media, S. Thomaz de Aquino, consigna que: «Um rei traidor ao seu dever perde o direito á obediencia. Depol-o não é fazer acto de rebellião, porque elle proprio é um rebelde a quem a nação pode legitimamente tirar a corôa.». Marsilio de Padua, em plena Edade-Media, sustenta que os povos só estão ligados pelas leis que fizeram. Quando os _ligueurs_ em França pegaram em armas, primeiro contra Henrique III e depois contra Henrique IV, invocaram o direito dos vassalos a depôr o soberano indigno de usar a corôa. Esta mesma these foi sustentada em Inglaterra, com mais energia ainda, pelos revolucionarios que levaram Carlos I ao cadafalso e, mais tarde, para justificar a revolução de 1686 que derribou Jacques II. Em resumo, e sem citar Guizot, Macaulay, Dupont-White e outros... «os livros publicados sobre este assumpto formam uma bibliotheca inteira, e encontram-se na bibliographia de todos os paizes que tiveram de defender a sua liberdade contra as usurpações de um monarcha ou de um dictador». Somente, «_para que um appello às armas contra um governo estabelecido seja legitimo, requerem-se, em primeiro logar, culpas graves, numerosas e persistentes, impossiveis de remediar pelos meios legaes;--em segundo logar, que o movimento insurreccional arraste a massa do povo e seja, por assim dizer, a explosão de um sentimento nacional_».[13] Seria esta a hypothese dos snrs. Custodio de Mello e Saldanha da Gama?... Evidentemente não era! * * * * * Todas as duvidas e equivocos desappareceram porem, completamente, com a publicação d'esse documento notabilissimo, conhecido pelo nome de _Manifesto do dr. Martins Junior_, chefe da democracia Pernambucana, e dirigido ao povo e ao partido republicano d'esse Estado, celebre nos fastos da liberdade brazileira. Só tarde chegou a Portugal esse trabalho, em que a um tempo se affirmam superiores qualidades de intelligencia, solido criterio scientifico e um ardente patriotismo. Mas a sua apparição entre nós, contribuiu efficazmente para orientar o espirito publico nos verdadeiros principios, dando-lhe uma visão clara e nitida das origens e fundamentos da lucta civil brazileira. Em harmonia com esse documento e com o resultado do proprio estudo que fizemos dos acontecimentos, vamos pois referir-nos ao movimento Custodio-Saldanha, ainda que a traços largos, como convem á indole especial d'este trabalho. Servem de base a essa exposição os dois manifestos do chefe dos revoltosos, o contra-almirante Custodio José de Mello. «Quando uma manifestação revolucionaria não é, como a grande Crise franceza, um movimento expontaneo, automatico, inconsciente, sahido das entranhas populares, por effeito de causas sociaes e politicas amontoadas no correr dos tempos, a critica d'essa manifestação só póde e deve ser feita pelas declarações ou proclamações d'aquelles que a provocaram e iniciaram.»[14] Quaes eram, segundo os alludidos documentos, as causas determinantes e os intuitos do movimento de 6 de setembro? Vejamos. _a)_ O Vice-Presidente Floriano Peixoto pretendia fazer-se eleger, inconstitucionalmente, Presidente effectivo, nas eleições de março, do anno corrente, como o provava o facto de ter o mesmo marechal opposto o _veto_ a uma lei do Congresso, que nas incompatibilidades estabelecidas para a eleição abrangia o seu caso. _b)_ A continuação da lucta civil no Estado do Rio Grande do Sul, com o appoio dado ao dr. Julio de Castilhos pelo Governo Federal. Isto quanto ás causas. Quanto aos intuitos ou fins da revolta, eram os seguintes: _c)_ Pacificar o Rio Grande do Sul. _d)_ Estabelecer o respeito e restabelecer o dominio da Constituição violada. _e)_ Afastar do Governo do paiz o elemento militar. Cumpre-nos portanto a nós, á face do exposto, averiguar 1.^o Da verdade d'estas arguições. 2.^o Na hypothese affirmativa, se a essas accusações era possivel remediar pelas vias legaes. 3.^o Se a causa insurrecta arrastou a massa popular, correspondendo á explosão de um sentimento nacional. _a)_ _O Vice-Presidente Floriano Peixoto pretendia fazer-se eleger, inconstitucionalmente, presidente effectivo nas eleições de março do anno corrente, como o provava o facto de ter o mesmo marechal opposto o «veto» a uma lei do Congresso, que nas incompatibilidades estabelecidas para a eleição abrangia o seu caso._ Facil é demonstrar a nullidade d'este argumento. A Constituição Federal dos Estados-Unidos do Brazil, estabelece no art. 37 § 1.^o o _«veto» suspensivo_ como um dos direitos presidenciaes. No caso do presidente usar d'esse direito, negando-se a sanccionar um diploma emanado do Poder Legislativo, a este volta novamente a Lei não sanccionada, para sobre ella recahir segunda votação, que sendo inferior a dois terços dos votantes, implica a solidariedade do Poder Legislativo com o _veto_ presidencial. Ora a lei sobre a eleição presidencial seguiu rigorosamente os tramites prescriptos na Constituição. Foi votada pelo poder legislativo, seguindo-se, por parte do presidente, a opposição do _veto_, com o qual o mesmo Poder legislativo se conformou, nos termos do § 3.^o do cit. art. 37. O marechal Floriano Peixoto não violou a Constituição. Usou pura e simplesmente de uma faculdade que por esta lhe é garantida, visto que toda a lei que reconhece um direito legitima os meios indispensaveis para o seu exercicio e ainda porque contra os abusos d'esse direito lá está o Poder legislativo, unico responsavel. Sob o ponto de vista da legalidade, portanto, o marechal Floriano Peixoto manteve-se rigorosamente dentro da Constituição e não exorbitou dos poderes que pela mesma lhe são conferidos. De resto, o direito do _veto_ e o seu uso estão nas tradicções da democracia americana. Segundo a Constituição dos Estados-Unidos da America do Norte, que n'esta parte serviu de modello á dos Estados-Unidos do Brazil, o Presidente, quando recusa sanccionar um projecto de lei votado pelo Congresso, reenvia-o, dentro em dez dias, á Camara que d'elle tomára a iniciativa, com uma mensagem explicativa dos motivos que o levaram a assim proceder. O projecto de lei é novamente submettido ás deliberações do Congresso. Se obtem nas duas camaras os dois terços dos suffragios, torna-se executorio sem a assignatura presidencial. O contrario succede na hypothese inversa. O uso do _veto_ tem-se generalisado ultimamente, com benefica influencia sobre o trabalho util das sessões legislativas. Até á presidencia de Cleveland (1885-1889) apenas 132 projectos de lei foram reenviados ao Congresso. Cleveland, só á sua parte, oppoz o _veto_ a 332 diplomas legislativos. Nas constituições democraticas, o uso d'este direito tem contribuido para estabelecer uma justa e salutar equiponderação entre o poder legislativo e o chefe do executivo, que assim mutuamente se auxiliam, esclarecem e completam. E explica-se mais facilmente o uso d'este direito em um presidente de republica do que em um rei absoluto ou constitucional «por isso que o presidente, eleito da nação, disfructa uma auctoridade popular que falta á soberania hereditaria».[15] Quanto a fundamentar a opposição do _veto_ por parte do marechal em simples _boatos ou presumpções de dictadura_, eis o que nem sequer merece as honras de um commentario, aliás iriamos duvidar _ab initio_ da seriedade de todos os motivos allegados pelo contra-almirante Custodio para cohonestar a sua causa. Nunca a frivolidade em questões d'esta ordem mereceu em paiz algum os foros de argumento, interveio como circumstancia ponderavel em assumptos de tão complexa gravidade. «Fundar um movimento revolucionario sobre uma simples presumpção, sobre a mera possibilidade ou mesmo probabilidade futura de uma violação constitucional, é crear a extravagante theoria de que os governos, e portanto a paz dos povos, devem apenas depender da inepcia de uns, da maldade de outros e da leviandade do maior numero.»[16] A primeira rasão, portanto, cahiria pelo ridiculo se não cahisse pela base. Vejamos a segunda. _b)_ _A continuação da lucta civil no Estado do Rio Grande do Sul, com o appoio prestado ao dr. Julio de Castilhos pelo Governo Federal._ Este fundamento eguala o antecedente em valor logico. A Constituição Federal estatue expressamente no § 3.^o do art. 6.^o que «para restabelecer a ordem e a tranquilidade nos Estados, á requisição dos respectivos governos, pode o Governo Federal intervir em negocios peculiares aos mesmos Estados.» Alteradas a _ordem_ e a _tranquillidade_ no Estado do Rio Grande do Sul, pela invasão armada dos federalistas combatendo á sombra de uma bandeira que o pacto federativo não reconhece, o dr. Julio de Castilhos, governador do Estado, sollicitou o auxilio do Governo Federal, que por este lhe foi concedido, nos citados termos do art. 6 e § 3.^o da Constituição. Deixou portanto o marechal Vice-Presidente de cumprir na especie os seus deveres constitucionaes? Violou porventura a lettra e o espirito da Constituição? Exorbitou accaso dos _poderes_ e _faculdades_ que esta lhe confere? O simples bom senso manda optar pela negativa. E ainda mesmo admittindo que o marechal Vice-Presidente não devesse ter usado na hypothese em discussão da _faculdade_ que o cit. art. 6 e § 3.^o lhe concede, o facto, quando muito, poderia constituir um _erro_ politico, mas nunca uma violação do pacto constitucional. O contrario implicaria a annullação pura e simples das disposições citadas. As circumstancias, porem, encarregaram-se de provar á evidencia que o marechal Vice-Presidente nem sequer pode ser arguido de ter praticado um erro politico. A sequencia dos acontecimentos veio revelar, ainda aos mais ingenuos, a verdade sobre o movimento revolucionario Rio Grandense e os intuitos inconfessaveis que a elle presidiam, desmascarando as tentativas reaccionarias que se acobertavam sob a divisa «_republica parlamentar_» e outras não menos equivocas e perturbadoras da ordem e do progresso da poderosa federação sul americana. Á vista do exposto, portanto, não pode deixar de concluir-se pela absoluta inanidade das causas invocadas como justificativas da revolta de 6 de setembro. Resta occupar-nos dos _intuitos_ ou _fins_ do movimento insurreccional. _c)_ _Pacificar o Rio Grande do Sul._ Este fundamento é conjunctamente invocado por ambos os partidos em lucta no Rio Grande do Sul; pelo dr. Julio de Castilhos, governador eleito e, pelos federalistas, manobrados pelo dr. Silveira Martins. Somente, os primeiros combatem em nome da lei e da Constituição Federal, em nome d'esse documento livremente acceite pelos Estados da Federação e em que se consubstanciam as liberdades, os direitos, os deveres e as garantias conquistadas em 15 de novembro. Os segundos luctam em nome de uma bandeira mal definida, sustentando principios que a Constituição não reconhece, não auctorisa e não sancciona. Ao lado do dr. Julio de Castilhos, velho republicano, republicano historico, vinculado á larga obra de propaganda anterior ao 15 de novembro, está toda a democracia Rio Grandense, que a seu lado militou na campanha contra o imperio, estão os homens que collaboraram nas paginas d'essa obra convicta, sincera e patriotica, que hoje encontra no pacto federal a sua mais pura e genuina expressão. Ao lado dos federalistas estão, força é dizel-o, com a sua impenitencia e com o seu ouro, os antigos partidarios do Imperio, os elementos reaccionarios que nunca se resignaram a acceitar a nova ordem de cousas ou que só apparentemente o fizeram, para com maior facilidade e segurança urdirem os seus planos criminosos. Está esse antigo estadista da monarchia, o dr. Silveira Martins, cujo odio ás instituições implantadas em 15 de novembro só é egualado pela sua illimitada ambição. Está, emfim, toda essa plebe de aventureiros, vivendo do morticinio e do roubo, tão facil de recrutar n'esse paiz, entre a vasa migratoria europea e a das visinhas republicas hispano-americanas. Tudo isto, heterogeneo, tumultuario, desconnexo, sem principios, sem ideiaes e sem bandeira, porque essa da «_republica parlamentar_», sobre não legitimar um movimento revolucionario, em pleno e normal funccionamento dos orgãos do pacto federativo brazileiro, é apenas um pretexto sob o qual se occultam as mais positivas e mais verdadeiras tentativas da restauração imperialista. N'estas condições, o restabelecimento da paz, invocado pelos fauctores da sedição de 6 de novembro, mais se affigura demasiada confiança na credulidade alheia do que a expressão sincera dos intuitos dos revoltosos. De facto, é evidente que uma possivel victoria dos revoltosos, devida á retirada das tropas da Federação, a circumstancias imprevistas e accidentaes e ao principio de que não raro _la force prime le droit_, só serviria para aggravar ainda mais os odios e os antagonismos entre os grupos que se degladiam, contribuindo para o prolongamento das hostilidades. O partido republicano historico, que tem do seu lado o appoio dos principios, a defesa da Constituição, o espirito geral da grande Republica e o progresso crescente das ideias democraticas que acaba sempre por triumphar, não se resignaria a depôr as armas em face d'esse inimigo de intenções mais que duvidosas e a lucta protelar-se-hia até á _revanche_ decisiva. «Dada a victoria da revolta, terá logar a pacificação do Rio Grande... naturalmente pela retirada das tropas federaes que guarnecem o Estado e subsequentemente pela deposição do dr. Julio de Castilhos, que cahirá com os seus correligionarios em poder dos federalistas, desapparecendo inteiramente da scena politica quasi todo o partido republicano historico da terra de Bento Gonçalves. Aquelle mesmo partido que fez a propaganda e que iniciou alli a organisação republicana em finais de 89 será substituido pelos amigos do dr. Silveira Martins, isto é, pelo partido que incensava a monarchia e que hoje prega a republica parlamentar. Virá então a paz?... A paz de Varsovia, sim, até o momento em que os republicanos puros, obrigados a emigrar, invadam por sua vez a terra natal para repetir-se o espectaculo de hoje. Como poderá o governo que nasceu da revolta impedir tudo isso e conciliar isso tudo com a pacificação que promette? Não sei, e por este motivo não creio na pacificação do Rio Grande apoz a victoria do movimento custodista.»[17] Força é pois confessar, que os pretensos argumentos dos partidarios da revolta são de uma vacuidade deploravel, quando não assumam as proporções de uma verdadeira _blague_. Prosigamos comtudo n'esta ligeira analyse visto que o assumpto se não acha ainda esgotado. No dizer dos apaniguados da revolta de 6 de setembro, pretendiam elles, além do já exposto. _d)_ _Estabelecer o respeito e restabelecer o dominio da Constituição violada._ A inanidade d'esta rasão impõe-se aos espiritos menos perspicazes. Em primeiro logar, demonstrado ficou já sufficientemente que a violação da Lei Organica da Republica dos Estados-Unidos do Brazil só existe na mente dos revoltosos. O governo do marechal não infringiu as disposições constitucionaes e quando muito, poderia ser arguido de menos cautella ou tactica politica no uso das _faculdades_ que a Lei citada lhe confere. Mas quando isto não fosse sufficiente, os actos dos revoltosos, em seguida ás declarações do seu chefe, confirmariam á saciedade quanto temos affirmado. Já a revolta em si, em plena normalidade constitucional, com o congresso e o Senado funccionando regularmente e em vesperas de eleições geraes, denuncia nos revoltosos o mais formal despreso por essa Constituição, cujo _respeito_ e _dominio_ fingiam querer zelar. O que se segue, porem, excede toda a espectativa. Assim, os revoltosos começam por esquecer a ordem legal da successão presidencial, creando no Desterro um _Governo Provisorio_ que por completo annulla essa successão;--continuam, lançando pela voz de Silveira Martins o pregão revisionista, no sentido de substituir á republica presidencial a republica parlamentar, e concluem, annunciando á nação a consulta plebiscitaria, afim d'esta se pronunciar _sobre a forma de governo que entende dever preferir_. Este respeito pela _integridade_ da Constituição faz-nos lembrar aquelle guarda-chuva usado que ficaria como novo substituindo-o radicalmente, desde o cabo até á seda! Resta-nos fallar do ultimo dos fins consignados no programma dos revoltosos. _e)_ _Affastar do governo do paiz o elemento militar._ Não somos dos que mais sympathisam com a intervenção do militarismo no governo e administração dos Estados, visto que a natureza especial das funcções que elle é chamado a exercer, seria absolutamente desvirtuada e prejudicada com essa intervenção. Não somos tambem apologistas do homem-machina, vinculado pela mais absurda das disciplinas á defesa incondicional de todas as iniquidades. O nosso criterio assenta em um justo meio termo que concilie, ponderando-os, o espirito de ordem com o espirito de progresso, nacionalisando a força publica e impedindo-a de contrariar pela violencia as aspirações dos povos, quando tornadas inequivocas pela sua generalidade e insistencia. O ideal dos governos será pois aquelle em que, ao lado do elemento civil exercendo a funcção directora e administradora com o mais absoluto respeito pela vontade nacional, livremente manifestada, subsistir uma força armada, ennobrecida pelo mais puro e desinteressado patriotismo e defensora fiel da integridade constitucional. Ha, porem, momentos na vida das nações em que, por força das circumstancias, o exercito é chamado a intervir mais intimamente na vida publica interna, assumindo por vezes a propria funcção directora, não raro até dictatorialmente. Essa intervenção, emergente da propria natureza das cousas e parte integrante da phenomenalidade revolucionaria das grandes transformações na ordem politica, deu-se em 15 de novembro, como aliás em todos os momentos historicos similares. Sem contar em que hoje, por via de regra, é á força armada que pertence a iniciativa dos golpes revolucionarios decisivos, iniciativa que, evidentemente, só fructifica e se consolida quando representa o ultimo termo de uma larga, demorada e laboriosa evolução nos espiritos,--só o exercito, com a enorme força que lhe resulta da disciplina, da unidade, da rapidez nas resoluções e do temor que inspiram os seus meios de defeza, consegue impôr á multidão dos interesses vinculados ás instituições proscriptas, ao espirito reaccionario dos velhos regimens e aos aventureiros de toda a especie, que a desordem faz vir á suppuração, esse receio salutar, que permitte á nova ordem de cousas a indispensavel liberdade de acção, para expandir-se e crear raizes. O poder civil, com a sua educação avessa ás resistências porfiadas, ás luctas violentas, aos perigos do combate sangrento, muitas vezes necessario, succumbiria facilmente n'essas crises afflictivas, perdendo a serenidade n'um meio tão differente do gabinete de estudo e até das horas mais tempestuosas da tribuna politica. E tanto isto é verdade, tanto este facto se impõe a todos os espiritos em circumstancias identicas, que o primeiro acto do contra-almirante Custodio de Mello, foi a creação de um Governo Provisorio _militar_, presidido pelo capitão de fragata Lorena, confirmando mais uma vez o principio de que as declarações dos homens nada podem contra a fatalidade das cousas. No caso da victoria dos revoltosos, os perigos do militarismo antes augmentariam do que diminuiriam de intensidade, aggravando mais e mais essas mal comprehendidas divergencias entre o exercito e a armada, que os especuladores professos procuram converter em instrumento dos seus criminosos designios. Os meios de obviar aos inconvenientes do militarismo, são outros e muito outros, e esse espectro dos traficantes facilmente desapparecerá com a consolidação do regimen republicano e o exercicio normal e regular dos poderes constitucionaes. Somente, essa obra é incompativel com as convulsões das luctas civis e só em plena paz pode levar-se a bom termo. «A predominancia do elemento militar na alta administração do paiz, tem sido, a partir de 15 de novembro, um facto constante e patente. Naturalissimo aliás pelas circumstancias que rodearam a proclamação da Republica, elle tende porem a diminuir e a desapparecer, desde que pela primeira eleição directa e popular de um Presidente, o paiz entre n'um largo periodo normal e pacifico de vida politico-administrativa--sobrepujadas as primeiras difficuldades da adaptação do novo regimen. Assim, o mais mais curial e seguro de realisar a transferencia do Poder ao elemento civil seria, e é ainda, encaminhar paciente, sensata e calmamente o paiz até os ultimos dias do actual periodo presidencial, pedindo aos proprios militares de terra e mar um bocado da abnegação que tanto os exorna e dignifica na sua profissão, com o fim de dar á patria, que é de todos, um futuro fecundo e extreme de commoções. Para isso a tranquilidade interna seria condição essencial.»[18] * * * * * Eis, nas suas linhas geraes, o nosso modo de ver sobre as pretensas causas e os suppostos intuitos dos fautores do movimento de 6 de setembro. A questão foi por nós encarada á face dos elementos de critica existentes á data do pronunciamento. Quizemos assim provar, que, desde o seu inicio, á sedição Custodista faltavam por completo as garantias de legitimidade. Hoje, porém, os acontecimentos encarregaram-se de confirmar amplamente todas as nossas previsões, desmascarando as intenções secretas dos revoltosos e fazendo plena justiça ao inquebrantavel civismo do marechal Vice-Presidente. Assim, a accusação de dictador com que pretendiam macular os ultimos dias do glorioso soldado do Paraguay e que nós provámos ser absurda, cahe miseravelmente em presença das ultimas eleições, em que Prudente de Moraes e Victorino Pereira, dois membros da classe civil, triumpham, sem a menor pressão ou hostilidade da Vice-Presidencia. Assim, as tentativas de restauração imperialista affirmam-se inequivocamente no manifesto Saldanha, documento que, a par da maior vacuidade mental revela uma ausencia absoluta de tino politico. Dissemos atraz que, em presença dos fundamentos allegados pelos promotores da revolta para cohonestar a sua causa, nos cumpria inquirir: 1.^o Da verdade d'essas arguições. 2.^o No caso affirmativo, se a esses motivos de protesto era possivel obviar pelas vias legaes. 3.^o Se a causa insurrecta arrastou a massa popular correspondendo á explosão de um sentimento nacional. Ao primeiro ponto respondemos já, estando portanto prejudicado o segundo e restando occupar-nos do terceiro. Como acolheu a nação o movimento Custodista? Nos primeiros momentos, a nota predominante foi a surpreza, e comprehende-se que assim fosse. A opinião publica não estava preparada para esse golpe sem precedentes justificativos, em pleno dominio do Congresso e do Senado, quando tudo fazia acreditar na normalidade da vida constitucional. Naturalmente alheio aos debates relativos ao _veto_ opposto pelo Vice-Presidente e ás razões de ordem moral e legal que lhe aconselharam o uso da faculdade estatuida na Constituição, o grande publico, falsamente orientado pelos especuladores de toda a ordem e sem os necessarios elementos de critica para inquirir da verdade, occulta sob as suppostas razões e enganosas promessas do chefe da revolta, deixou-se a principio seduzir pela oratoria do _libertador_. Essa surpreza, porém, foi de curta duração. De facto, Custodio de Mello, que a principio contava com deserções que se não deram e elementos que o não acompanharam, e que, além d'isso, força é dizel-o, não soube aproveitar na primeira hora os recursos de que dispunha;--Custodio de Mello, cujos motivos de protesto eram de ordem meramente particular, muito embora talvez o não fossem os de muitos ingenuos e illudidos que o seguiram;--Custodio de Mello, viu-se obrigado a acceitar todos os factores de cooperação que se lhe offereceram, ainda os mais repugnantes e heterogeneos, preferindo vencer _quand même_ a dar ao seu paiz um nobre exemplo de abnegação e patriotismo. D'aqui resultou que o movimento de 6 de setembro deixou de se impôr ao publico como uma affirmação de respeito pela integridade da Constituição e da Lei, para affirmar-se apenas como um tumultuar de inconfessaveis ambições. Desde, portanto, que a causa perdeu o caracter _nacional_ para assumir o caracter _pessoal_, estava _moralmente_ perdida, muito embora os acasos da guerra podessem ás vezes fazel-a triumphar _material_ e momentaneamente. Em democracia, o appoio dos principios é já uma meia victoria e as pretenções que n'elles se não fundamentam quasi sempre resultam estereis. O publico começou a não comprehender como a um tempo podessem conciliar-se as declarações custodistas de _respeito pela integridade da Constituição_--1.^o com a attitude francamente revisionista do snr. Silveira Martins, prégando a _Republica parlamentar_,--2.^o com o manifesto do snr. Saldanha da Gama, condemnando o 15 de novembro e appellando para _um plebiscito em que a nação se manifestasse sobre a forma de Governo que lhe cumpria adoptar_! Por outro lado, o publico via com pasmo que ao lado do _dictador_ Floriano Peixoto se encontrava todo o partido republicano historico;--que o _tyranno_ tinha ainda a appoial-o o Congresso e o Senado, unicos representantes _legaes_ da Federação,--e finalmente que (notavel coincidencia) os elementos que, aqui e além, se insurreccionavam contra o governo legal, eram constituidos por velhos partidarios do Imperio, _adhesistas_ da ultima hora, mas de convicções democraticas mais do que suspeitas! Ainda a altitude da dynastia proscripta e da opinião europeia contribuiam para aggravar a desconfiança que, em relação aos intuitos da revolta, lavrava nos espiritos. Os Bragança-Orleans não occultavam os seus bons desejos de que a victoria pertencesse ao snr. Custodio de Mello, _integerrimo defensor da Constituição_, e a imprensa _monarchica_ europeia, da qual especialisaremos a portugueza, desde o 6 de setembro que dispendia a sua melhor rhetorica em verberar a _tyrannia_ de Floriano Peixoto, erguendo ás nuvens as preclaras virtudes do contra-Almirante _libertador_, uma especie de snr. D. Pedro IV _fin de siècle_. D'aqui resultou o enorme desprestigio que immediatamente recahiu sobre essa revolta de intuitos hybridos, desprestigio seguido de manifesta repulsão, apoz a practica de inuteis e monstruosas crueldades por parte dos revoltosos, e que veio a converter-se, com as declarações de Saldanha da Gama, n'esse bello movimento de reacção patriotica, em que se consubstanciam todas as aspirações da alma de um povo que ao respeito das suas liberdades e á defeza das suas conquistas na esphera do Direito não duvida sacrificar todas as considerações de ordem egoista. Quanto a nós, a revolta de 6 de setembro trouxe, a par dos inconvenientes de ordem material de que o Brazil, com os recursos de que dispõe, facilmente se restabelecerá, algumas vantagens de primeira importancia. Sem ella, a estabilidade da republica seria ainda por muito tempo perturbada pela surda hostilidade «dos que pela Republica foram feridos nos seus privilegios e dos que por tanto não amam a Republica»[19]. Sem ella, a nação não teria affirmado, pela forma eloquente e incontrovertivel porque acaba de fazel-o, a sua identificação com o 15 de novembro e as suas aspirações consignadas na Lei Organica dos Estados Unidos do Brazil, livremente discutida, votada e acceite. Á victoria decisiva da democracia no Brazil, eram indispensaveis as provações dos ultimos mezes. Á tradicção gloriosa de «Filippe dos Santos, esquartejado em Minas em 1720; de Tiradentes, subindo ao cadafalso em 1789; de Domingos Martins, Abreu Lima e Domingos Theotonio, soffrendo as perseguições ou o martyrio em 1817; de Paes de Andrade, Frei Caneca, Bezerra Cavalcanti, e Ratcliff em 24; de Cabeço Badaró, em 31; de Bento Gonçalves e David Canavarro de 35 a 45; de Rafael Tobias, Gabriel dos Santos, Padre Feijó e José Feliciano em 42; de Nunes Machado e Pedro Ivo em 48[20]» era necessario juntar as victimas d'estes sete mezes de lucta, os guardas-nacionaes, os soldados da Republica, a juventude heroica das escolas, para que a arvore da liberdade, regada com esse sangue generoso, não perdesse essa fructificação maravilhosa que desde seculos constitue a mais bella aspiração da Humanidade. * * * * * Como dissemos, a imprensa monarchica portugueza, interpetre salariada do que aos bandos constitucionaes se affigurou representar o _interesse dynastico_, desempenhou na lucta civil brasileira um papel indecoroso, de uma parcialidade revoltante, pondo ao serviço das tentativas de restauração imperialista todo o seu apoio e usando de todos os processos de combate, ainda os mais condemnaveis á face de uma moral rudimentar. Sobre a revolta de 6 de setembro e contra o marechal Vice-Presidente e os seus partidarios, debitaram-se as maiores torpezas e as mais refalsadas calumnias, recorrendo-se á mentira, á injuria, á insidia e até á publicação de telegrammas apocryphos para lançar o descredito sobre as novas instituições brazileiras. «Ao Portugal monarchico coube, n'esta campanha torpissima contra a Republica brazileira, um logar proeminente e distincto. Homens que deviam ter a nitida consciencia dos seus crimes politicos e da sua corrupção consciente e provada, permittiam-se o desaforo de dar sentenças e formular censuras aos seus irmãos de alem-mar. Quando o aviso se esterilisava, ou o caco do apostolo não escorria novos conselhos, começava a troça e a chalaça, isso, que, de ordinario, é o trapo de que se acuberta a impotencia moral, para não documentar, callada, a sua imbecilidade. Quem, por annos successivos, fizera sempre do Brazil uma fonte de recursos, explorando a saudade e a tendencia aristocratica dos que por lá se lançam á lucta da vida, apparecia-nos, agora, a tracejar projectos de regeneração, de fomento, de politica imperialista, como se a um paiz, como o nosso, sem pão, sem honra e sem liberdade, seja permittido outra attitude a não ser a de attentar na sua propria baixeza. Claro está, que todos os governos, assim como todas as emprezas de chantage, suas alliadas, appoiavam estas arremettidas. De cá ia o conselho e a tactica para a restauração do imperio, emquanto os que assim obravam iam testemunhando, com os seus actos, a insolvencia do systema que se propunham defender. N'esta campanha porfiada tudo pegou em armas. Tudo! Desde o elemento official, mais declarado, até á iniciativa partidaria, mais humilde; desde o velhaco até o imbecil, tudo, dentro dos arraiaes monarchicos, conspirou. Por toda a parte, na imprensa e no desenho, na conversa e no negocio, por toda a parte a obra sebastianista se nos impunha descaradamente. Jornaes, agencias telegraphicas, tudo quanto podia forjar burlas que durassem horas, ou mentiras plausiveis que vivessem minutos, tudo trazia á feira o seu sacco e a sua prosa, o seu odio ou o documento vivo do seu ajuste. Que podridão!»[21] Esta attitude, appoiada por alguns elementos da nossa colonia no Brazil, creou-nos em face dos homens publicos da grande democracia sul-americana uma situação falsissima e que só póde modificar-se pela perfeita descriminação das responsabilidades. É indispensavel que todos nós, verdadeiros portuguezes, nos resolvamos a collaborar na obra commum do resurgimento nacional. Um dos primeiros, senão o primeiro acto d'essa nobre aspiração é o estreitamento das nossas relações com os Estados-Unidos do Brazil, a cuja vida economica nos achamos hoje vinculados por força das circumstancias. Somente, essa cordeal _entente_ e as enormissimas vantagens que d'ella podem derivar, são incompativeis com a existencia em Portugal de uma monarchia que nos conduziu á ruina e nos concitou a legitima animadversão da democracia brazileira. Estes são os factos, expostos em toda a sua nudez, e contra factos não ha argumentos. A Republica dos Estados-Unidos do Brazil não esquece facilmente que, desde o dia 15 de novembro, só tem encontrado ao seu lado em Portugal os homens do partido republicano, os seus jornaes, os seus oradores e os seus publicistas, ao passo que da monarchia e dos seus serventuarios recebeu apenas inequivocas demonstrações de hostilidade. As considerações que aqui deixamos expostas não são apenas o resultado de uma deducção logica das premissas estabelecidas pela observação dos acontecimentos. Representam mais alguma cousa. Com alguns vultos importantes da democracia brazileira temos tido ensejo de travar conhecimento. Todos elles confirmam as nossas previsões. Assim, e para não citar outras especies;--um tratado de commercio entre Portugal e os Estados-Unidos do Brazil, tratado cujas vantagens seriam para nós incalculaveis, é inexequivel na hora presente. Não reuniria no Congresso duas duzias de votos! Ora isto é grave e tão grave que esperamos que os nossos compatriotas residentes no Brazil comecem a preoccupar-se um pouco mais com a verdadeira situação da nossa patria e um pouco menos com esse absurdo fetichismo monarchista, que bem pouco se compadece com os pruridos de civilisação que nos pretendemos arrogar e com as miserias, as vergonhas e as ruinas que essa monarchia nos trouxe. É indispensavel tambem que do povo brazileiro façamos uma ideia um pouco mais justa do que a entrevista pelo prisma jocoso de certos publicistas, que do Brazil só conhecem a goyabada, os macacos e as araras. O povo brazileiro é um dos povos mais intelligentes do mundo, assimilando com notavel facilidade e dominado como nenhum outro pelo amor do progresso e pela paixão da sciencia. Em todas as espheras do conhecimento e da actividade mental, o Brazil conta hoje elementos de primeira ordem, que só desconhece quem não sabe, não lê ou não procura ler. Em todos os ramos da luminosa serie de Comte, não é difficil encontrar numerosos e distinctissimos cultores, n'esse paiz que é já hoje o assombro da Europa e que, no entanto, por assim dizer, se encontra ainda no periodo colonisador. Dos elementos d'essa colonisação, nenhum mais adaptavel do que o portuguez, nenhum que melhor liga possa formar com o nativista, contribuindo assim para a prosperidade e grandeza das duas nações:--o Portugal e o Brazil. Mas para isso é necessario que nós, nós todos os que ainda não abdicamos da esperança em um Portugal livre e honrado, reunamos os nossos exforços, a nossa actividade, os nossos recursos, fazendo-os convergir para um fim unico,--a liquidação de um regimen de miserias e ignominias e o advento de uma Republica forte e moralisadora, onde a soberania nacional não represente apenas uma ficção e uma burla. E perfilhando as palavras de um grande jornalista e de um grande patriota, affirmemos mais uma vez a nossa profunda alegria em face da victoria da legalidade republicana no Brazil. Essas palavras que vão ler-se, representam n'este momento decisivo para os destinos da grande Republica, o consenso unanime do partido republicano portuguez. Eil-as: «A consolidação do regimen republicano no Brazil, ao tempo, precisamente, em que, entre nós, os governos da monarchia, liquidam, n'um descalabro affrontoso, toda a economia, toda a dignidade, toda a honra nacional, é o successo de mais extraordinario alcance, que a Historia póde apresentar-nos n'este momento. Porque não se trata, sómente, da estratificação de um dado systema politico, após luctas temerosissimas, e de toda a ordem, que mal se comprehendem para se poderem avaliar. Menos reveste, tambem, a fórma exclusiva de uma conquista de paz e tranquillidade, alcançada sobre os desmandos criminosos da traição e do abuso do poder. É mais:--é a victoria de um ideal largo, immenso, que através de duas mil leguas, nos alcança e consola; é o desmentido potentissimo, ineluctavel, contra a covardia assallariada, que, de ventre cheio e barbas untadas, nos vinha dizendo, a cada instante, que onde não houver um sceptro nem uma corôa não haverá nem paz, nem socego, nem quietação nos espiritos. E nós--nós, sobre tudo, que nem por ambição nem por calculo nos lançamos na corrente limpida e mansa dos que se divorciaram, ha muito, do existente--nós, a quem não póde dar-se o nome de imprudentes, por isso que a edade falla pela voz da sua razão; nós que nem de sonhadores, nem de totalmente atrasados no conhecimento da historia politica dos povos modernos podémos, com verdade, receber apôdos;--nós, assim e tão barbaramente profligados pelos molossos e pelos fraldiqueiros da monarchia, tinhamos que receber o enxovalho, appellando para um futuro, que, dia a dia, nos ia fugindo sempre. Aos ignorantes, aos simples, aos de pouca fé era perigosa a arma dos nossos contrarios. O argumento d'estes reduzia-se a esta sentença:--«ahi teem o que dá a Republica; vejam o sangue que ella vae custando ao Brazil». E os maragatos, de saco e penna, entumeciam-se com a demonstração. O imperio era, para elles, um negocio, além de uma tranquillidade. E deshonrando a razão humana, e vituperando os homens e os systemas, iam cavando torpissima e ridicula lenda, que punha tons de Marco-Aurelio na figura pittoresca, e menos que banal, do pobre D. Pedro II. Porque estes traficantes traziam sempre na mão este indigentissimo raciocinio:--O Brazil estava conflagrado, porque a Republica, abrindo os diques á ambição desmandada d'aquelle grande povo, estabelecera a anarchia. Em vão se lhes demonstrava, que ao governo republicano, por fórma alguma, se podia imputar a tremenda responsabilidade do que estava succedendo na capital federal. Que muito ao contrario d'aquillo que a imprensa assallariada nos impunha, a anarchia era, pura e unicamente, obra da rebellião monarchica. Que o governo republicano, sobre representar a honra e consenso nacional, representava, egualmente, a legalidade e o predominio da justiça. Que quem sahira da lei não era o povo, nem tão pouco os que, com elle, se tinham coligado para exterminar uma fórma de governo inutil e absurda; mas tão sómente os que recebendo do estado as armas com que deviam e lhes cumpria defender os interesses publicos, proclamados como taes, pela consciencia nacional, as tinham voltado contra a patria, trocando a farda do soldado leal pela libré immunda do lacaio servil». ...................................................................... «Agora, consolidada a Republica nos vastos dominios do Brazil, importa que os novos elementos officiaes d'esse grande Estado não involvam toda a nação portugueza no mesmo labeu, que infama, hoje, muitos dos seus filhos. É natural a represalia; naturalissima mesmo a desfórra, é certo: mas não é justo que todo um povo, que ainda tem um grande destino a cumprir, soffra as funestas consequencias dos seus maus governos, e colha os espinhos, que especuladôres desalmados lançaram a esmo, por calculo, por dinheiro e por negocio, ao longo do seu caminho. A victoria do Brazil é, pois, e para nós, um aviso e uma esperança. Representa o regresso de um povo á plena normalidade do seu viver, á integridade da sua existencia politica, ao equilibrio vivo das suas forças, á paz e ao prestigio de que é digno. É um grande povo, que vem assentar a sua futura prosperidade sobre os alicerces gloriosos da sua fé. Que assegura, com a espada, a victoria moral que já alcançou pelo espirito. Que surge, em plena virilidade, para consolidar toda a grandeza moral do seu feito. Que, emfim, envergonhando-se, com rasão, de ser governado por um homem, que era o instrumento vivo de um preconceito, quer governar-se a si mesmo, e por si mesmo, pelas leis que fizer e pelas liberdades que adquirir. E, ao passo que toda esta epopêa se levanta, como um grande sol, lá ao largo, muito ao largo, é entristecedor attentar no abysmo de miserias a que Portugal desceu. ...................................................................... Mas, ao menos, seja-nos grato desviar, por agora, os olhos d'este atoleiro, e saudar, pela sua conquista, pela sua tenacidade, pela sua grandeza, os nossos queridos irmãos de além do mar! A sua obra, que será eterna, está, enfim, concluida! Emfim!»[22] * * * * * Estamos chegados ao termo d'este trabalho de critica e propaganda, em que procuramos illucidar os nossos compatriotas residentes no Brazil sobre a verdadeira situação da Patria commum, as razões de existencia do partido republicano portuguez e a missão patriotica que aos nossos nacionaes cumpre levar a cabo, para que entre Portugal e a Republica irmã se estabeleçam as relações da mais ampla confraternidade. Esta obra, se por alguma circumstancia se recommenda, é pela sinceridade e desinteresse que orientam as sua paginas. Escripta com a precipitação do trabalho jornalistico, entre as obrigações do advogado e as não menos imperiosas da propaganda, ella não póde revestir nem as bellezas litterarias nem o fundo scientifico dos exforços largamente meditados e cuidadosamente revistos e corrigidos. Mas é sincera, visa a um fim altamente patriotico, e tanto basta para merecer a sympathia dos que a lerem. Muito de proposito, reservamos para o fim algumas palavras sobre o Vice-Presidente da Republica brazileira, o marechal Floriano Peixoto. Não o conhecemos e d'elle nada pretende pessoalmente o republicano portuguez, auctor d'este livro. Se desde o principio lhe prestamos todo o nosso concurso, no jornal cuja direcção politica então nos pertencia[23], é porque sempre o julgamos a consubstanciação da legalidade republicana, expressa na lei organica da Federação Brazileira. Ha momentos na vida de um povo em que as ideias encontram em certas energias uma tão perfeita identificação, que ao publicista se torna impossivel differenciar esses dois elementos, sem prejuizo da verdade historica. Foi o que succedeu no Brazil, cujas instituições teriam atravessado uma crise ainda mais grave do que a actual, se accaso não tivessem a excepcional energia, o provado civismo e a inquebrantavel tenacidade d'esse velho heroe do Paraguay a manter-lhes a integridade. Na historia do Brazil, esse homem occupa hoje um logar, que póde bem egualar, em respeito e em veneração, a memoria querida de Benjamim Constant. Á honestidade d'este livro fica bem este acto de Justiça! FIM ADDENDA PROGRAMMA DO PARTIDO REPUBLICANO PORTUGUEZ (ELABORADO PELO DR. THEOPHILO BRAGA E PUBLICADO EM 11 DE JANEIRO DE 1891 PELO DIRECTORIO ELEITO EM 6 DO MESMO MEZ E ANNO NO 4.^o CONGRESSO GERAL DA DEMOCRACIA PORTUGUEZA) O PROGRAMMA DA DEMOCRACIA O regimen politico das cartas constitucionaes, fundado no amalgama irracional da soberania do direito divino com a soberania da nação, só podia nascer e sustentar-se pelo sophisma de uma transigencia temporaria entre o _Absolutismo_ e a _Revolução_. Foi por esta transigencia que se perverteu a obra gloriosa do fim do seculo XVIII, e que o seculo XIX se exgotou na instabilidade politica, sem ter ainda resolvido praticamente o problema social. Os povos fiaram-se n'esta obra dos ideologos; porém, a pratica de mais de meio seculo descobriu que esse accordo fôra falsificado pelo absolutismo, que, encarregado de executar O pacto, acobertou a dictadura monarchica com o parlamentarismo e com os ministerios de resistencia. Este regimen das Cartas outorgadas, que mal se admittiria como transição, empregou todos os meios capciosos ou violentos, para conservar-se como definitivo, taes como as intervenções armadas do estrangeiro, conseguindo embaraçar todos os progressos e debilitar a nação pela ruina economica, pela degradação dos caracteres individuaes, até ao ludibrio da sua autonomia. O absolutismo implicito na Carta outorgada, está desmascarado, e pelo abuso das dictaduras ministeriaes as mais absurdas, é incompativel com a nação; a revolução tem constantemente disciplinado as suas aspirações em opiniões convictas, legitimas e scientificas, como as synthetisa hoje a democracia moderna. Tal é a razão de ser do Partido republicano em Portugal, e da sua solidariedade internacional com a democracia dos povos latinos. Na espectativa de uma tremenda catastrophe nacional (perda das colonias, consignação dos rendimentos publicos a syndicatos estrangeiros, e consequentemente incorporação de Portugal como provincia da Hespanha), importa que a nação tenha um partido seu, que pugne pela sua dignidade e independencia, tirando da civilisação moderna as bases de uma nova reorganisação politica. Esta convicção tem sido o estimulo para a formação espontanea do Partido republicano portuguez, que se desenvolve na razão directa do desalento publico e da propagação do moderno saber, trazido na fecunda corrente europêa. Para que esse partido use da força de que dispõe, è preciso que tenha a clara intelligencia da situação que a Nação portugueza atravessa n'este momento, e pela gravidade assustadora da crise consiga o accordo das vontades. --A situação desenha-se no simples esboço critico dos acontecimentos politicos e dissolução dos partidos monarchicos. --A unanimidade dos espiritos, essa conseguir-se-ha pela veracidade scientifica e opportunidade das doutrinas da Democracia, ainda no caso restricto da sua applicação á reorganisação d'esta pequena nacionalidade. A liberdade, realisada pelas Civilisações historicas, consiste na independencia e coexistencia harmonica do _Individuo_ e do _Estado_. Como synthese da Liberdade, o Estado realisa a _isonomia_, ou: Egualdade perante a Lei (_Responsabilidade dos individuos_). Egualdade na formação da Lei (_Suffragio universal_). Egualdade na execução da Lei (_Delegação temporaria revogavel_). Do pleno cumprimento d'estas funcções garantidas pelo Estado, resulta a _Autonomia_ individual, ou a Liberdade em todas as manifestações activas, especulativas e affectivas. Todas as reformas devem ser simultaneas a estes dous factores sociaes: ORGANISAÇÃO DOS PODERES DO ESTADO _a)_ DO PODER LEGISLATIVO 1.^o _Federação de Municipios_--Legislando em Assembleias provinciaes sobre todos os actos concernentes á Segurança, Economia e Instrucção provincial, dependendo nas relações mutuas da homologação da Assembleia nacional. 2.^o _Federação de Provincias_--Legislando em Assembleia nacional, e sanccionando sob o ponto de vista do interesse geral as determinações das Assembleias provinciaes, e velando pela autonomia e integridade da Nação. 3.^o _Constituinte decennal_--Destinada á revisão periodica da Constituição politica, e a reformar a Codificação geral. _b)_ DO PODER EXECUTIVO O Poder ministerial divide-se em tres grandes ramos: 1.^o _A Segurança publica_, comprehende: Força armada de terra e mar.--Policia civil e fiscal.--Justiça e Penalidade.--Garantias individuaes.--Relações internacionaes. 2.^o _A educação publica_, comprehende: Instrucção elementar, scientifica e technica.--Relações cultuaes.--Bellas-Artes.--Salubridade.--Assistencia.--Recompensas civicas. 3.^o _Economia publica_, comprehende: Agricultura.--Industria, Commercio e Navegação.--Concessões de obras.--Correios e Telegraphos.--Arrecadações de impostos.--Estatistica e Contabilidade geral. _c)_ DO PODER JUDICIAL 1.^o Juizo de--Conciliação, Preparação, Arbitragem e Revisão. 2.^o Juizo Civel--Singular, Collectivo e Especial. 3.^o Juizo Criminal, Policial e Administrativo. FIXAÇÃO DAS GARANTIAS INDIVIDUAES 1.^o _Liberdades essenciaes_,--instrumento das garantias politicas e actos civis: (Allemanha, seculo XVI). Liberdade de consciencia, e egualdade civil e politica para todos os cultos.--Abolição do juramento nos actos civis e politicos.--Registo civil obrigatorio para os nascimentos, casamentos e obitos.--Liberdade de imprensa, de discussão e de ensino.--Ensino elementar obrigatorio, secular e gratuito.--Secularisação dos cemiterios e creação de um Phantheon nacional para as honras civicas.--O professorado dividido em docente e examinante.--Educação progressiva da mulher, exercendo a capacidade politica em correlação com as obrigações civis a que estiver sujeita.--Abolição dos gráos e da frequencia obrigatoria nas disciplinas theoricas e superiores.--Harmonisar e simplificar os Codigo civil, criminal, administrativo, commercial e de processo com o espirito philosophico e resultados scientificos modernos. 2.^o _Liberdades politicas_, ou de garantias: (Inglaterra, seculo XVII). Suffragio universal.--Representação das minorias.--Autonomia municipal; descentralisação e administração civil das provincias ultramarinas.--Livre transito, inviolabilidade de domicilio e abolição de prisão preventiva, excepto para o assassinio.--Liberdade de associação, de reunião e de representação (excepto para a força armada sob fórma collectiva).--Liberdade de trabalho e de industria, e abolição dos monopolios quando não estejam subordinados á utilidade publica.--Abolição do corpo diplomatico, e conversão do consular em uma magistratura para as relações de direito internacional.--Autonomia e integridade da nação portugueza.--Extincção dos poderes hereditarios e privilegiados.--Substituição dos titulos nobiliarchicos feudaes por um systema de recompensas civicas.--Organisação militar exclusivamente defensiva.--Poder legislativo de eleição directa.--Poder executivo, de delegação temporaria do legislativo, e especialisando a acção presidencial para as relações geraes do Estado.--Lei de incompatibilidades e effectividade da responsabilidade ministerial.--Prohibição da accumulação de funcções publicas.--Taxação do povo pelo povo.--Responsabilidade de todos os funccionarios ou auctoridades.--Direito de resistencia aos actos offensivos das leis.--Abolição do recrutamento, e serviço militar obrigatorio.--Exercito reduzido a Eschola e Quadro, e Milicia nacional segundo as divisões provinciaes. 3.^o _Liberdades civis_, ou objecto da acção individual: (França seculo XVIII). Extincção das ultimas fórmas senhoriaes da propriedade, no sentido de a tornar perfeita, como fóros, laudemios, luctuosas, por uma lei sobre remissão forçada.--Arroteamento obrigatorio dos terrenos incultos ou a sua expropriação por utilidade publica.--Refórma do regimen hypothecario, como fórma de credito geral territorial.--Estabelecimento do regimen de aprendisagem e regulamentação do trabalho de menores.--Desenvolvimento das associações cooperativas de consummo, producção, edificação e credito, pelo adiantamento pelo Estado de um fundo inicial.--O Estado não concorre com as industrias particulares, e as suas officinas, quando não adjudicaveis a emprezas particulares, serão escholas de artes e officios.--Substituição do systema penitenciario por colonias penaes agricolas.--Tribunaes especiaes de medicina legal.--Abolição das loterias e de quaesquer jogos de azar, embora com fim caritativo.--Abolição completa de todas as contribuições de serviços pessoaes ou dias de trabalho;--das graças ou perdão de penalidade, mas salvo o direito de reparação ao innocente.--Revisão das pautas, no intuito de facilitar a acquisição de materias primas, e protecção ao trabalho nacional.--Abolição de todos os direitos de consumo cobrados pelo Estado.--Diminuição gradual do imposto de consumo nos generos de primeira necessidade.--Regulamentação do inquilinato.--Tribunaes arbitraes de classe, para os conflictos entre operarios e patrões; ampliação da competencia dos arbitros.--Reconhecimento e auxilio ás camaras syndicaes, Bolsas de trabalho e todos os meios de incorporação do proletariado na sociedade moderna.--Reconhecimento da divida publica, com o resgate da externa, e regularisando a interna como meio de capitalisação dos pequenos possuidores. Alguns d'estes principios tem sido ensaiados pelos partidos monarchicos, fragmentariamente ou sophisticamente, como o registo civil, a representação de minorias, a liberdade de consciencia, etc. Mas dentro de um regimen, em que a suprema magistratura se funda no privilegio pessoal do nascimento, é inevitavel a dissolução dos caracteres e a viciação de todas as instituições. Compete á imprensa republicana e aos conferentes democraticos desenvolver estes topicos, que naturalmente constituiriam um codigo doutrinario, e que apresentamos como base de um programma destinado a dar convergencia ás vontades para cooperarem na reorganisação nacional.» LIVRARIA CHADRON--M. LUGAN, SUCCESSOR *Alberto Pimentel* O Porto na berlinda 500 Um contemporaneo do infante D. Henrique 300 Em papel de linho 500 *Alfredo Campos* O infante navegador, poemeto 200 Em papel de linho 400 *Bruno* Notas do exilio 600 *Escrich* A calumnia, 5 vol. 2$500 As mariposas da alma, 4 vol. 2$000 *Fernandes Costa* O poema do ideal, 2 vol. 1$200 *Jayme de Magalhães Lima* As doutrinas de Tolstoï 400 *João Chagas* Diario de um condemnado politico 500 *Joaquim de Araujo* Sobre o tumulo de Camillo 200 *Leon Tolstoï* A sonata de Kreutzer 400 *Monteiro Ramalho* Dom Tarouco 600 *Teixeira Bastos* A crise 700 Teophilo Braga e a sua Obra 700 NO PRELO *Didon (dominicano)* Jesus Christo, 2 vol. *Eça de Queiroz* As cidades e as serras Correspondencia de Fradique Mendes. A illustre casa de Ramires *Theophilo Braga* A patria portuguesa, 2 vol. Visão dos tempos, 3 vol. * * * * * Anthero de Quental--Homenagem dos seus amigos. * * * * * Typ. da Empresa Litteraria e Typographica, rua de D. Pedro, 184 Notas: [1] Oliveira Martins--O Brazil e as colonias portuguezas--3.^a ed.--1888--pag. 170 _in fine_. [2] _Voz Publica_--n.^o 1075 de 14 de outubro de 1893 (_Do A._) [3] _Voz Publica_ n.^o 1180 de 16 de fevereiro de 1894--(_Do A_) [4] _Voz Publica_ n.^o 1075 de 14 de outubro de 1893 (_Do A._) [5] _Voz Publica_ n.^o 1115 de 2 de dezembro de 1893 (_Do A._) [6] _Voz Publica_ n.^o 1133 de 23 de dezembro de 1893 (_Do A._) [7] _Voz Publica_ n.^o 1135 de 26 de dezembro de 1893 (_Do A._) [8] _Voz Publica_ n.^o 1137 de 28 de dezembro de 1893 (_Do A._) [9] _Voz Publica_ n.^o 1151 de 13 de janeiro de 1894 (_Do A._) [10] _Voz Publica_ n.^o 1133 de 23 de dezembro de 1893. (_Do A._) [11] _Voz Publica_ n.^o 1144 de 5 de janeiro de 1894--(_Do A._) [12] _Emile de Lavelaye_--Le gouvernement dans la democratie, vol. I pag. 179 e seg.--Paris 1891. [13] _Emile de Lavelaye_--ibid--pag. 176. [14] _Dr. Martins Junior_--Ao povo e ao partido republicano--Manifesto politico, pag. 9--Recife--Typ. da Gazeta da Tarde--1893. [15] _E. de Lavelaye_--Le gouvernement dans la democratie, vol. I pag. 350 e seg.--Paris 1891. [16] Dr. Martins Junior, manifesto cit. pag. 3. [17] _Dr. Martins Junior_. Manifesto cit. pag. 19 e 20. [18] _Dr. Martins Junior_--Manifesto cit. pag.^s 23 e 24. [19] _Dr. Martins Junior_--Manifesto cit. pag.^a 44. [20] Silva Jardim--Memorias e Viagens, pag.^a 223. [21] _Voz Publica_ n.^o 1206 de 18 de março de 1894 (_Artigo do eminente jornalista José Caldas._) [22] _Voz Publica_ n.^o 1206 de 18 de março de 1894 (_Artigo do eminente jornalista José Caldas_) [23] _A Voz Publica_, jornal republicano do Porto e orgão do partido do norte. _Proprietarios_: Joaquim Bessa de Carvalho, cidadão portuguez e Adolpho Cyrillo de Sousa Carneiro, cidadão dos Estados-Unidos do Brazil. _Director politico_: Cunha e Costa. _Redactores_: Jayme Fylinto e Henrique Marques. _Chefe da reportagem_: F. L. de Sousa. _Collaboradores effectivos_: José Caldas, o eminente jornalista, Mello Freitas, escriptor muito considerado e Silva Pinto, uma das individualidades mais originaes do jornalismo portuguez. N'este jornal collaboraram o fallecido dr. José Falcão, Rodrigues de Freitas, dr. Theophilo Braga, Antonio Claro, P.^{es} Oliveira e Guerreiro, Paes Pinto (abbade de S. Nicolau), Alves de Moraes, etc., etc. _A Voz Publica_ é successora de _A Republica_, suprimida em 31 de janeiro, por occasião da revolta, e que a principio foi dirigida por João Chagas, auxiliado por José Pereira de Sampaio (Bruno), Eduardo de Sousa, Rocha Peixoto e outros. Para _A Voz Publica_ tem escripto algumas cartas interessantissimas sobre o Brazil, o nosso querido amigo e leal correligionario Carrilho Videira, hoje residente na Capital Federal. Lista de erros corrigidos Aqui encontram-se listados todos os erros encontrados e corrigidos: +----------+---------------------+----------------------+ | | Original | Correcção | +----------+---------------------+----------------------+ |#pág. 84| movimente | movimento | |#pág. 95| 1891 | 1791 | |#pág. 107| egulado | egualado | |#pág. 114| impõr | impôr | |#pág. 121| despertigio | desprestigio | +----------+---------------------+----------------------+ *** End of this LibraryBlog Digital Book "A Lucta Civil Brazileira e o Sebastianismo Portuguez" *** Copyright 2023 LibraryBlog. All rights reserved.