By Author | [ A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V W X Y Z | Other Symbols ] |
By Title | [ A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V W X Y Z | Other Symbols ] |
By Language |
Download this book: [ ASCII | HTML | PDF ] Look for this book on Amazon Tweet |
Title: Liberdade de Imprensa Author: Magalhães, José Maria Barbosa de Language: Portuguese As this book started as an ASCII text book there are no pictures available. *** Start of this LibraryBlog Digital Book "Liberdade de Imprensa" *** J. M. BARBOSA DE MAGALHÃES ADVOGADO E JORNALISTA LIBERDADE DE IMPRENSA PETIÇÃO DE AGGRAVO DO «CORREIO DA TARDE». NOS PROCESSOS DE PERSEGUIÇÃO POLITICA MANDADOS INSTAURAR PELO GOVERNO REGENERADOR QUANDO VIOLOU A CONSTITUIÇÃO DO REINO E FERIU TODAS AS LIBERDADES PUBLICAS LISBOA Typographia do «Correio da Tarde» _Largo da Trindade, n.º 17, 1.º_ 1894 J. M. BARBOSA DE MAGALHÃES ADVOGADO E JORNALISTA LIBERDADE DE IMPRENSA PETIÇÃO DE AGGRAVO DO «CORREIO DA TARDE». NOS PROCESSOS DE PERSEGUIÇÃO POLITICA MANDADOS INSTAURAR PELO GOVERNO REGENERADOR QUANDO VIOLOU A CONSTITUIÇÃO DO REINO E FERIU TODAS AS LIBERDADES PUBLICAS LISBOA Typographia do «Correio da Tarde» _Largo da Trindade, n.º 17, 1.º_ 1894 SENHOR: Para Vossa Magestade, pelo douto tribunal da Relação de Lisboa, se aggrava José Garcia de Lima, de esta cidade, do venerando despacho pelo qual a simples requerimento do Ministerio Publico, o meritissimo juiz de direito do 2.º districto criminal d'esta comarca o mandou responder em audiencia de policia correccional pelo supposto crime de abuso da liberdade de imprensa nos n.os 1479 e 1480 do jornal _Correio da Tarde_. Affrontando as liberdades publicas e as garantias constitucionaes, o governo, depois de haver substituido a justiça pela inquisição policial, depois de haver supprimido o direito de reunião pela dissolução das associações de classe, depois de haver insultado a soberania popular com o addiamento indefinido das cortes, e depois de haver infringido todas as leis fundamentaes da nação, lembrou-se de estrangular tambem a imprensa independente, e mandar pelos seus agentes inaugurar a perseguição nas ruas e nos tribunaes. Mas se a policia poude impunemente espancar crianças inermes e espolial-as com violencia dos jornaes que revendiam para ganhar o pão de cada dia, a athemosfera dos tribunaes é que já não é tão propicia para vinganças partidarias e abusos de poder. É assim que nem sequer o Ministerio Publico se pode legitimamente reconhecer como pessoa competente para promover estes processos criminaes. A legitimidade da intervenção do Ministerio Publico nas causas crimes está claramente definida nas nossas leis, e não pode ser ampliada por arbitrio e conveniencia do governo. Se os representantes e agentes d'esse Ministerio se julgam constituidos na obrigação de obedecer cegamente ás ordens de quem os nomeia e demitte quando quer, o poder judicial, independente, é que não deve prestar-se a essa indevida prorogação de funcções. Pelo art. 1.º do decreto de 10 de dezembro de 1852, ficou «competindo ao Ministerio Publico a accusação de todos os crimes e contravenções, de que trata o Cod. Penal, com unica excepção dos casos em que o mesmo Cod. torna essa accusação, ou a continuação d'ella, dependentes da queixa, ou do consentimento das pessoas offendidas, ou de seus paes ou tutores.» Ora o Cod. Penal, no art. 416.º, expressamente declara «que não poderá ter logar procedimento judicial pelos crimes de diffamação e de injuria, senão a requerimento de parte, quando esta fôr um particular ou empregado publico individualmente diffamado ou injuriado, salvo nos casos declarados no capitulo II do titulo III do livro 2.º do mesmo Cod.», ou, como amplia o § unico d'esse artigo, «quando o crime fôr comettido na presença das autoridades publicas ou dos ministros ecclesiasticos, no exercicio do seu ministerio, ou nos edificios destinados ao serviço publico, ou ao culto religioso, ou nos paços reaes.» Logo, não estando o crime attribuido ao aggravante em nenhum d'estes casos excepcionaes, não é o Ministerio Publico parte legitima para promover a sua punição. Effectivamente: A promoção que determinou o despacho recorrido não incrimina o aggravante em nenhum dos artigos do Cod. Penal, nem lhe seria facil fazel-o. Diz que está incurso na penalidade prescripta no § 2.º do art. 7.º do decreto n.º 1 de 29 de março de 1890, e o facto punido n'este § é muito diverso do previsto no art. 181.º e seus §§ do Cod. Penal. De forma que, se para a accusação pelo crime definido n'este artigo, seria competente o Ministerio Publico, segundo a parte final do art. 416.º do Cod. Penal, por estar incluido no capitulo 2.º do titulo 3.º do livro 2.º do mesmo Cod., não o é evidentemente para o procedimento criminal pelo facto previsto no § 2.º do art. 7.º, d'aquelle decreto. Foi o despacho recorrido que assim classificou o delicto imputado ao aggravante. É por essa classificação, e só por ella, que nos devemos regular para discutir a legitimidade da accusação publica. Como abuso, que se diz ser, da liberdade de imprensa, este delicto tem uma legislação especial. Era d'antes a lei de 17 de maio de 1866, que no § 2.º do art. 6.º declarava o «Ministerio Publico competente para intervir nos crimes de abuso da liberdade de imprensa nos casos de diffamação ou injuria, sendo ella dirigida: 1.º contra o chefe de nação estrangeira, havendo requisição do seu governo; 2.º contra os seus embaixadores ou representantes acreditados na côrte de Portugal, havendo requisição dos offendidos.» É tambem hoje o decreto n.º 1 de 29 de março de 1890, que no § 6.º do art 8.º diz que nos crimes, de que trata o § 1.º d'esse artigo, e que são os comprehendidos nos artt. 169, 170, 171 e 483 do Cod. Penal, e no § 3.º do art. 7.º do mesmo decreto, o procedimento judicial será sempre promovido pelo Ministerio Publico independentemente de qualquer queixa, ou de ordens ou instrucções superiores. Ora a falta de referencia ao § 2.º d'esse art. 7.º evidentemente o exclue da competencia do Ministerio Publico; e a referencia expressa ao seu § 3.º, que tanto se aproxima do art. 483.º do Cod. Penal, responde á consideração de ser a hypothese d'aquelle § 2.º muito similhante á do art. 181.º do mesmo Codigo. Não podendo portanto a legitimidade do Ministerio Publico fundar-se nem na disposição do § 2.º do art. 6.º da lei de 17 de maio de 1866, pois que se não trata de injuria a nenhum chefe, embaixador ou representante de nação estrangeira, nem na disposição do § 6.º do art. 8.º do decreto n.º 1 de 29 de março de 1890, pois que tambem se não trata de nenhum dos crimes comprehendidos no § 1.º d'esse artigo, só falta ver se poderá fundar-se em alguma das excepções consignadas no art. 416.º e seu § unico do Cod. Penal. A hypothese d'este § unico está evidentemente posta de parte, porque a propria natureza do delicto imputado ao aggravante exclue a possibilidade de elle ser comettido em qualquer das especiaes circumstancias ali mencionadas. Os artigos incriminados não foram escriptos, nem compostos, nem impressos, nem publicados na presença do governo, que com elles se diz offendido, nem em edificio algum destinado ao serviço publico, e muito menos nos paços reaes. A outra excepção d'esse art. 416 é o art. 181 do mesmo Cod., unico dos casos declarados no cap. 2.º do tit. 3 do livro 2.º a que essa excepção pode applicar-se. Mas, admittindo mesmo que é n'esse art. 181 que se pretende basear a legitimidade da accusação publica, o aggravante é que não está nem pode estar comprehendido n'esse art. O que elle pune é «aquelle que offendeu directamente por palavras, ameaças, ou por actos offensivos da consideração devida á autoridade, algum ministro ou conselheiro de estado, membro das camaras legislativas, ou deputação das mesmas camaras, magistrado judicial, administrativo ou do ministerio publico, professor ou examinador publico, jurado ou commandante da força publica, na presença e no exercicio das funcções do offendido, posto que a offensa se não refira a estas, ou fóra das mesmas funcções, mas por causa d'ellas». É portanto elemento essencialmente constitutivo d'este facto, para que elle seja punido como criminoso, o ser praticado directamente contra o offendido e na presença d'elle. Não o sendo n'estas precisas condições, nem é punivel por este artigo, em vista do art. 18 do Cod. Penal, nem é legitimo o Ministerio Publico para promover a sua punição, em vista da regra geral consignada no art. 416. Pode ser crime de diffamação ou injuria, previsto nos artigos 407 a 410, e aggravado pela qualidade do offendido nos termos dos artt. 411.º e 34.º n.º 21 do Cod. Penal, mas é meramente particular, e só a requerimento da parte é que póde ser judicialmente perseguido. A offensa directa, a que esse art. 181 se refere, não póde ser commettida por meio da imprensa, aliás não o seria directamente, e muito menos na presença do offendido, como esse artigo exige. E nem sequer as offensas por escripto esse artigo comprehende, não só porque tambem não seriam directas nem na presença, mas ainda porque, se o artigo as quizesse comprehender, expressamente as referiria, como faz o § 1.º N'este §, como nos artigos 169, 407 e 410, o Cod. Penal distingue bem as offensas por palavras, ou de viva voz, das comettidas por escripto ou desenho publicado, ou por qualquer meio de publicação. Comparando a redacção de todos estes artigos e especialmente do § 1.º do art. 181, com a do corpo d'este mesmo artigo, se vê logo que os delictos da imprensa não estão n'elle comprehendidos. Nem se póde dizer que, fallando elle em offensa por palavras, estas tanto podem ser falladas como escriptas, pois não é esse o seu rigoroso sentido, e o proprio Cod. o revela no n.º 1.º do seu art. 130. Ahi se diz «por palavras ou por escripto», o que equivale a dizer «de viva voz ou por escripto», como dizem os demais artigos citados e serve para interpretar bem o art. 181. Portanto, este artigo não é nem póde ser applicavel a uma questão de liberdade de imprensa. Assim o reconheceu o decreto n.º 1 de 29 de março de 1890, estabelecendo a incriminação especial do § 2.º do seu art. 7. Assim o reconheceu tambem o representante do Ministerio Publico n'este processo, invocando na sua promoção este § e não aquelle artigo. Este § é a ampliação e aggravamento, não d'aquelle art. 181, com o qual nenhuma relação póde ter, mas sim do art. 411 do Cod. Penal, do qual até reproduz algumas phrases. Este artigo é que comprehendia os crimes de diffamação e injuria por meio da imprensa; mas como se referia sómente aos comettidos contra corporação que exerça autoridade publica ou contra alguma das camaras legislativas, foi n'esta parte substituido pelo § 2.º do art. 7 do decreto n.º 1 de 29 de março de 1890. Em face d'este art. 411 do Cod. Penal, ainda se poderia sustentar a competencia e legitimidade do ministerio Publico para promover a sua applicação, visto que o art. 416 parece só exigir o requerimento da parte quando esta fôr um particular ou empregado publico individualmente diffamado ou injuriado, e, portanto, dispensal-o quando a injuria ou difiamação for collectiva, como nos casos d'aquelle primeiro artigo e seu §. Mas desde que para os abusos da liberdade de imprensa está hoje substituido pela disposição do § 2.º do art. 7 do citado decreto de 29 de março de 1890, deve tambem considerar-se subordinado, para os effeitos d'aquella legitimidade, á regra prescripta no § 6.º do art. 8 do mesmo decreto, e essa nega abertamente tal legitimidade. Mas quando se pretenda sustentar que é ainda o preceito do art. 416 do Cod. Penal que rege a intervenção do Ministerio Publico n'estes processos, e não aquelle § 6.º, cuja redacção não parece ser taxativa, podemos insistir na affirmação de que essa intervenção não é legitima aqui. Comparando esses dois artt. 411 e 416 do Cod. Penal, nota-se distincção entre as offensas individual e collectiva. Suppondo que pode ter logar procedimento judicial a simples requerimento do Ministerio Publico quando os crimes declarados nos artt. 407 e 410 forem commettidos contra alguma das camaras legislativas ou contra corporação que exerça autoridade publica, nos termos do art. 411, ou contra algum dos poderes politicos legitimamente constituidos, nos termos do § 2.º do art. 7 do decreto n.º 1 de 29 de 1890, o facto de que se trata é que não está em nenhuma d'essas condições. Effectivamente, a promoção do Ministerio Publico imputa ao aggravante o crime de «offensa ao _governo_ ou poder executivo legitimamente constituido». Não se diz em que essa offensa consiste, mas deixemos isso para mais tarde. O que é certo é que o Ministerio Publico, reconhecendo a sua manifesta incompetencia se se tratasse d'uma offensa individual, ainda mesmo quando dirigida a qualquer dos funccionarios mencionados no § 2.º do art. 7 d'aquelle decreto, procurou habilmente legitimar-se, dando á pretendida offensa caracter collectivo. Esqueceu-se, porém, de demonstrar que a entidade _governo_ se póde considerar comprehendida na disposição do art. 411 e seu § unico do Cod. Penal, ou na do § 2.º do art. 7.º do Decreto n.º 1 de 29 de março de 1890. Pois não póde. Este § refere-se «_a algum dos poderes politicos legitimamente constituidos_», e o governo, no sentido vulgar e commum da palavra, no sentido em que é empregada nos artigos incriminados e até na propria promoção do Ministerio Publico, não o é. Governo é o ministerio, são os ministros ou secretarios d'estado, que, nos termos do art. 102 da Carta Constitucional da Monarchia, referendam ou assignam todos os actos do poder executivo, mas não o constituem. Os poderes politicos reconhecidos pela constituição do reino de Portugal são quatro: o poder legislativo, o poder moderador, o poder executivo e o poder judicial (Carta Const. art. 13). Ora o ministerio não é nem constitue nenhum d'esses poderes: Não o legislativo, porque esse compete ás côrtes com a sancção do rei (Carta Const., art, 13); não o moderador, porque esse compete privativamente ao rei, como chave de toda a organisação politica e chefe supremo da nação (Carta Const., art. 71); não o judicial, porque esse é composto de juizes e jurados (Carta Const., art. 118); e não o executivo porque esse compete tambem ao rei que o exercita pelos _seus_ ministros (Carta Const., art. 75). Os ministros são assim meros agentes do poder executivo, e não são por si só poder politico do Estado. Por uma ficção constitucional, são elles os unicos responsaveis pelos actos d'esse poder (Carta Const., artt. 102, 103, 104 e 105), assim como tambem pelos actos do poder moderador (2.º Acto Addicional á Carta Const., art. 7), porque a pessoa do rei é inviolavel e sagrada, e elle não está sujeito a responsabilidade alguma (Carta Const., art. 72). Mas por isso mesmo é que em todas as discussões se emprega a palavra _governo_ como synonymo de _ministerio_, não comprehendendo, portanto, o rei. E essa distincção se frisa bem em todos os artigos incriminados, e bem a comprehendeu o Ministerio Publico, não invocando o art. 169 do Cod. Penal, que é o que pune a offensa commettida publicamente, de viva voz, ou por escripto ou desenho publicado, ou por qualquer meio de publicação, contra o rei ou rainha reinante. Se, pois, não são os ministros, ou o governo, mas sim o rei, que constitue o poder executivo, e o rei não foi offendido n'esses artigos, nem de tal offensa é accusado o aggravante, é evidente que os ministros d'Estado, quer individual, quer collectivamente considerados, não são poder politico legitimamente constituido ou reconhecido pela constituição: são agentes do rei, seus commissionados e subordinados, que o rei nomeia e demitte quando quer (Carta Const., art. 74, § 5.º, Lopes Praça, _Estudos sobre a Carta Const._, 2.ª p., vol. 2.º, pag. 10). Refere-se tambem ainda aquelle § 2.º do art. 7.º do citado Decreto de 29 de março de 1890, ampliando a disposição do art. 411.º do Cod. Penal, a qualquer corporação ou corpo collectivo, que exerça autoridade publica ou funcções publicas. Mas tambem se não póde legalmente considerar como tal o governo ou ministerio. Distinguindo-o claramente do poder executivo, de que tracta no capitulo II do titulo 5.º, a Carta Constitucional define-o nos artt. 101.º e 102.º, comprehendidos no capitulo 6.º do mesmo titulo: «Art. 101.º Haverá differentes secretarias d'estado. A lei designará os negocios pertencentes a cada uma e seu numero, as reunirá ou separará como mais convier.» «Art. 102.º Os ministros de estado referendarão ou assignarão todos os actos do poder executivo, sem o que não poderão ter execução.» Que houvesse seis secretarias de estado a saber: dos negocios do reino, da justiça, da fazenda, da guerra, da marinha e estrangeiros, já dispunha o art. 157.º da Constituição de 1822. E essas são ainda as que ha, e mais a das obras publicas, commercio e industria, creada pelo decreto, lei de 30 de agosto de 1852. O ministerio é pois um grupo de tantos secretarios de estado quanto se julgaram precisos para por elles se dividir o expediente de todos os actos do poder executivo. E os ministros são funccionarios superiores, presidindo respectivamente a cada uma d'essas secretarias d'estado. Não constituem pois uma corporação, ou corpo collectivo no sentido juridico da palavra. É verdade que a lei de 23 de junho de 1855 dispoz que, em todos os ministerios, houvesse um presidente de conselho de ministros, nomeado pelo rei, e que esse presidente tivesse a seu cargo alguma das secretarias d'estado, facultando-lhe porém, quando o bem do estado o exigisse, exercer sómente as attribuições de chefe do ministerio. Mas isso não basta para se considerar o ministerio ou o governo como pessoa moral representando uma individualidade juridica, porque a reunião dos ministros em conselho é meramente accidental, e determinada, não pela lei organica das secretarias de estado, mas pela conveniencia politica de imprimir unidade á acção governamental. «Corporações ou corpos collectivos, no sentido juridico e legal, são sómente os aggrupamentos ou collectividades de pessoas, que, obedecendo a um estatuto, ou lei organica, e cooperando para um fim commum de utilidade publica, ou de utilidade publica e particular conjunctamente, representam nas suas relações sociaes e civis uma _individualidade_ ou personalidade juridica (pessoas moraes lhes chama o art. 32.º do Cod. Civ.), e cujos actos, sendo sempre o resultado d'uma deliberação, ou directamente tomada pela collectividade, ou por aquelles dos seus membros em quem ella haja delegado uma parte dos seus poderes ou attribuições, de conformidade com as regras e normas prescriptas na sua lei organica, se consideram sempre tambem relacionadas com o fim commum da sua instituição, e responsabilisam, não individualmente os seus membros, mas a collectividade no seu conjuncto ou representação juridica». (Sentença do juiz de direito de Coimbra de 24 de fevereiro de 1892, no _Conimbricense_, n.º 4:727). Ora o ministerio é um mero conjuncto de repartições publicas, ou secretarias de estado, para o expediente dos negocios de administração, e de cada uma d'ellas é chefe o respectivo ministro, sem que nenhuma de per si, nem todas reunidas constituam uma pessoa moral, ou representem nas suas relações uma individualidade juridica ou civil. São essas repartições uma reunião de empregados, exercendo funcções publicas, mas não são uma corporação ou associação, porque nem tem vinculo de communidade, nem a solidariedade que resulta das deliberações em commum. Responde, cada qual, ministros e demais funccionarios, pelos seus proprios actos, não havendo deliberações collectivas, de que possa derivar responsabilidade solidaria, e antes uma subordinação hierarchica, que determina uma responsabilidade meramente individual. Fallar-se em responsabilidade ministerial é vulgar nas discussões jornalisticas ou parlamentares. Mas é uma responsabilidade meramente politica ou partidaria. Legalmente, nenhum laço solidario liga os ministros das diversas repartições. Não sendo pois o governo mais do que uma reunião de individuos sem caracter algum de corporação ou collectividade juridica, quaesquer offensas contra elle commettidas não são comprehendidas no artigo 411 do Cod. Penal. O Cod. Civil, no artigo 37.º, inclue o Estado entre as pessoas moraes; mas o governo não é o Estado. Estado é a nação politicamente organisada. Ora quem assim representa a nação portugueza, segundo o artigo 12.º da Carta Constitucional, é o rei e as côrtes geraes. Resumindo: no artigo 7.º do § 2.º, citado na promoção do Ministerio Publico, ha a distinguir entre offensas individuaes e collectivas. Quando algum dos funccionarios ali mencionados é individualmente injuriado ou diffamado pela imprensa, o Ministerio Publico é incompetente para promover a punição d'esse delicto, porque elle só pode ser punido a requerimento da parte, nos expressos termos do artigo 416.º do Cod. Penal; e, como a entidade governo nem é poder politico do Estado, nem se póde considerar corporação com individualidade juridica, e exercendo _como tal_ autoridade publica, tambem o Ministerio Publico não é parte legitima para a desaggravar perante os tribunaes. Se os ministros, um ou todos, se julgavam offendidos com os artigos incriminados, passassem procuração a advogado, constituissem-se parte no processo criminal, e assumissem a responsabilidade d'uma accusação falsa ou improcedente. Foi assim que fizeram sempre em Portugal os ministros da corôa, desde o glorioso duque de Saldanha e o eminente criminalista Silva Ferrão, até aos srs. visconde de Seabra e conde de Valbom. Mas suppondo que a magistratura do Ministerio Publico se podia legitimamente converter n'uma agencia de negocios particulares dos srs. ministros, ainda n'este processo não seriam felizes, porque elle enferma de nullidade insanavel, pela falta essencial de corpo de delicto directo. O facto de que se trata deixou vestigios permanentes, e até se juntaram aos autos: são os exemplares dos numeros dos jornaes em que se fizeram as publicações incriminadas. Ora o art. 902 da Nov. Ref. Jud. é bem expresso: «Nos corpos de delicto de facto _permanente_, não só se verificarão, por meio de exames, todos os vestigios que deixar o crime, bem como o estado do logar em que se commetteu, mas tambem se investigarão todas as circumstancias relativas ao modo porque foi commettido e se recolherão com todo o escrupulo os indicios que houver contra os que se presumirem culpados, tomando-se logo declarações verbaes e summarias aos circumstantes,» etc. Tomaram-se aqui essas declarações verbaes para verificação da publicidade do jornal, mas não se verificou, por meio de exame: 1.º se os exemplares juntos ao processo estão nas precisas condições do art. 3 da lei de 17 de maio de 1866, para se lhes poder applicar a legislação especial sobre imprensa periodica; 2.º n'elles estão inseridos os artigos a que se refere a accusação; 3.º se ha n'esses artigos as referencias que lhes são attribuidas; 4.º se essas referencias são directas ou indirectas, se a individuos ou corporações, se a particulares ou funccionarios publicos, se por motivo ou não de suas funcções, etc., etc. Nem se fez exame nenhum. Não se póde dizer que essa verificação se faz á simples vista, porque a lei exige expressamente que ella só se faça por meio de exame, menos se póde allegar que o aggravante, em juizo os factos de que póde derivar a sua responsabilidade, porque o art. 901 da Nov. Ref. Jud. expressamente dispõe que a confissão do reu não suppre o corpo de delicto e que a falta d'este annulla todo o processo. Por serem autos de policia correccional, nem por isso se dispensa n'elles o corpo de delicto (Nov. Ref. Jud., art. 251). E a nullidade que da sua falta resulta é insanavel (Lei de 18 de julho de 1885, art. 13, n.º 2.º), tanto mais que essa preterição influe no exame e discussão da causa (Lei de 18 de julho de 1855, art. 13, n.º 14). Ambas estas questões, de illegitimidade de parte e de nullidade do processo, são prejudiciaes, e d'ambas tem de conhecer primeiro os tribunaes de recurso, mesmo que não houvesse reclamação. Não é, porém, este o principal fundamento do aggravo, que se authorisa no art. 17 do Decreto de 15 de setembro de 1892. E com razão, porque o facto imputado ao aggravante não é criminoso, porque nos artigos arguidos não ha offensa a ninguem, porque em summa se não commetteu abuso algum de liberdade de imprensa. O que n'esses artigos se faz é discutir e censurar, embora com energia e vehemencia, os actos do governo, que ninguem ousa contestar que são revoltantes attentados contra os mais fundamentaes principios e contra as mais sagradas garantias da constituição do reino. Diz-se ahi o que está na consciencia de todos, o que o proprio governo confessa, que elle usurpou as faculdades legislativas constitucionaes, comettendo assim um abuso de que nem mesmo as côrtes ordinarias o podem absolver; que elle comprometteu e prejudicou as instituições, imprimindo-lhes um odioso caracter de despotismo e de reacção, absolutamente incompativel com o espirito das sociedades modernas, que elle abusou da força de que a nação, por intermedio do rei, o investira, esmagando a representação nacional e a soberania popular; que elle violou as leis, faltou ao decoro do poder, desrespeitou as liberdades publicas, irritou as paixões partidarias, poz em sobresalto a ordem politica e a paz social; que elle é emfim, um perigo para a corôa e para o paiz. Mas não ha em nenhum d'elles uma só palavra de diffamação ou injuria contra a honra e consideração pessoal de qualquer dos ministros. Não se lhes lisongeia a vaidade, condemnam-se-lhes acremente os seus actos de administração politica, reclama-se a sua urgente substituição nos conselhos da corôa, proclama-se a sua incompetencia para gerir os interesses nacionaes, mas exerce-se assim apenas o direito de todo o cidadão d'um estado livre. Toda a lei, que reconhece um direito, legitima os meios indispensaveis para o seu exercicio (Cod. Civ. artigo 12.º) Ora se pela constituição do reino todo o cidadão portuguez tem o direito de intervir na marcha dos negocios publicos; se o governo da nação é representativo, e portanto do povo pelo povo; se quem deve reinar é a opinião criada pela discussão e propaganda; não podem deixar de considerar-se licitos todos meios de acção politica na orbita das leis. Por isso a Carta Constitucional, no artigo 145.º, permitte que todos possam communicar os seus pensamentos por palavras e escriptos, e publical-os pela imprensa sem dependencia de censura (§ 3.º), e que todo o cidadão possa apresentar por escripto reclamações, queixas ou petições, e até expôr qualquer infracção de constituição e, até requerer perante a competente autoridade a effectiva responsabilidade dos infractores (§ 28.º). Reclamar contra os actos do governo, queixar-se de que elle os praticasse, pedir que elles se revoguem e se evitem, expôr que infringiram a lei fundamental do paiz, não é crime. Podem ás vezes essas accusações ser injustas ou exageradas, mas nem por isso são criminosas. Muito menos quando, como aqui, são cheias de justiça e de rasão. Podem tambem ás vezes ser feitas em termos asperos e violentos, mas nem por isso se podem punir como offensas, porque a injuria está no sentido e na intensão e não na fórma. E aqui, nem esta foi tão dura como os attentados mereciam. Aboliu a lei de 17 de maio de 1866 todas as cauções e restricções estabelecidas para a imprensa periodica pela legislação então vigente. E o famoso decreto n.º 1 de 29 de março de 1890 não ousou revogar essa lei nos seus fundamentaes principios e nas suas afirmações liberaes, antes no seu art. 1.º, embora com mui duvidosa sinceridade, declara «assegurada a liberdade de imprensa e permittida a publicação de qualquer periodico nos termos da legislação em vigor». Ora nos termos d'essa legislação «Não são prohibidos os meios de discussão e critica das disposições tanto da lei fundamental do estado como das outras leis, com o fim de esclarecer e preparar a opinião publica para as reformas necessarias pelos tramites legaes.» Este é, pois, o principio legal epplicavel ao caso. Discutir e criticar as medidas decretadas, em audaciosa e insolita dictadura, pelo governo, no manifesto intuito de esclarecer e preparar a opinião publica para a sua reforma, não por meio da revolução armada, mas pela resistencia legal, pelo parlamento liberrimamente eleito, ou pelo poder moderador esclarecido e desaffogado, foi o que fez a redacção do _Correio da Tarde_, e é o que póde fazer todo o membro da sociedade politica portugueza, em que pese aos algozes da democracia e da liberdade. Quem usa d'um direito não faz offensa a ninguem (Cod. Civ. art. 13.º, Cod. Penal, art. 44.º, n.º 4.º) E se é legitima a defeza da honra, vida e fazenda propria ou alheia (Cod. Civ. art. 44.º n.º 5.º e 377), não são menos inviolaveis e sagrados os direitos politicos e as garantias individuaes. Por todas estas considerações, que os espiritos liberaes completarão, P.º a Vossa Magestade a graça de pelos seus juizes dar provimento a este aggravo, mandando annullar este processo, ou por illegitimidade do Ministerio Publico, ou por falta de corpo de delicto directo, ou por não ser criminoso o facto attribuido ao aggravante. E. R. M. O advogado, _José Maria Barbosa de Magalhães._ *** End of this LibraryBlog Digital Book "Liberdade de Imprensa" *** Copyright 2023 LibraryBlog. All rights reserved.