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Title: Alocução ao Senhor Presidente da República
Author: Oliveira, João Duarte
Language: Portuguese
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*** Start of this LibraryBlog Digital Book "Alocução ao Senhor Presidente da República" ***


                               ALOCUÇÃO

                                  AO

                           Senhor Presidente
                             da  República


                               PROFERIDA

                                 PELO

                   PRESIDENTE DA COMISSÃO EXECUTIVA
                          DA CAMARA MUNICIPAL

                      Dr. João Duarte de Oliveira



                                COIMBRA
                       IMPRENSA DA UNIVERSIDADE
                                 1919



                               ALOCUÇÃO

                                  AO

                           Senhor Presidente
                             da  República


                               PROFERIDA

                                 PELO

                   PRESIDENTE DA COMISSÃO EXECUTIVA
                          DA CAMARA MUNICIPAL

                      Dr. João Duarte de Oliveira



                                COIMBRA
                       IMPRENSA DA UNIVERSIDADE
                                 1919



EXCELENTÍSSIMO PRESIDENTE DA REPUBLICA PORTUGUESA:


Na minha qualidade de Presidente da Comissão Executiva da Câmara Municipal
de Coimbra, ao ter de brindar V. Ex.ª, sinto que se apoucam as minguadas
forças do meu espirito para a condigna elevação de minhas saudações até à
dignidade de tão alta posição, e até às culminâncias não menos altas do
Vosso mérito.

Se, em meu nome individual, eu viera para levantar aqui a minha voz
sincera, mas destoante, por sua insignificância, do vibrante esplendor
festivo em que fulgura esta hora viva, certamente a comoção tomaria o passo
á ousadia; e o meu silêncio seria o melhor bocado de oiro, com que eu podia
contribuir para que a fulgência de tanto brilho se não minguasse com este
reflexo pálido da minha palavra, de arte tão empobrecida.

Mas a imponência do imperativo, que me comanda, não admite escusa--Tenho de
falar.



                EXCELENTÍSSIMO PRESIDENTE:


A cidade de Coimbra recebeu-vos com os sentimentos da mais sincera elevação
e nobreza que os seus brios patrióticos impõem a uma condigna saudação ao
Supremo Magistrado da Nossa República.

Aprumou-se numa exaltação jubilosa, para que pudésseis medir a envergadura
do seu entusiasmo; mas curva-se, perante Vós, na reverência profunda do seu
respeito à dignidade da alta Magistratura que representais.

Vão, pois, os nossos cumprimentos à Vossa Pessoa ilustre, frementes do
sentimento profundo que o mais acrisolado patriotismo pode acender em
corações portugueses.

A subida honra da visita de Vossa Excelência a esta Cidade, marca, nos
fastos da sua história brilhante, uma data de relevo e esplendor
seguramente nunca excedido, se é que alguma vez já foi igualado.

De esperar seria, pois, que, aqui, na minha voz, ressoasse um eco, ao
menos, dêsse entusiasmo que canta e ri em todos os corações, e dessa
alegria que trasborda dos peitos de todos nós, como filhos desta Pátria
querida, agora aconchegados em torno do mais ardente dos seus corações e da
mais fúlgida das suas almas.

Mas onde há dotes de eloquência rara, ou àsas de inspiração profunda, que
possam apanhar em síntese as vibrações que enchem estes ares de harmonias,
ou iriar com brilhos aurifulgentes as facetas rútilas do alto sentimento
patriótico que, em Vossa Excelência, se incarna divinamente?

Eu quisera ser o taumaturgo ou o iluminado capaz de caldear, nas forjas
duma alquimia sobrenatural, as almas e os corações, num bloco de diamante,
onde fulgurasse a condensação luminosa das radiações dos mais puros ideais;
porque, então, no silêncio duma comoção profunda, eu passaria da minha mão
à vossa mão, esse bloco mudo que, só nas scintilações do seu brilho, vos
diria melhor que todas as frases, qual a moeda de gratidão com que a Cidade
de Coimbra pagava a subida honra de Vossa visita.

E eu não Vos diria nada.

Mas nessa síntese sublimada da quintessência dos puros ideais, Vós
saberieis ler tudo; porque em todas as faces brilhariam reflexos da Vossa
luminosa Alma sublinhados pelo nosso amor, e de cada aresta chispariam
scintilações como os relampagos da Vossa eloquência, falando-vos assim a
Alma de Coimbra, num simbolismo de luz, a única linguagem digna dEla e de
Vós.


EXCELÊNCIA! Se, em nome do Município de Coimbra, eu brindo, jubilosamente,
ao Excelentíssimo Presidente da Nossa República, como cidadão português, eu
não posso deixar de brindar tambêm em Vossa Excelência a pessoa alta e
nobre do Excelentíssimo Dr. António José d'Almeida, como figura aureolada
pelo nimbo esplendoroso das mais lídimas virtudes cívicas.

A sua estatura moral não é função, apenas, dum determinismo político,
porque as proporções elevadíssimas do molde social, em que se enquadra,
ampliam-se pela exuberância do prestígio pessoal que Vos ilustra; com a
dignidade da elevada Magistrura que representais, defronta-se altíssimo,
tambêm, o pedestal de todos os corações que Vos elevam à suprema incarnação
dos nossos sentimentos patrióticos.

Jámais, na atmostera bucólica desta terra linda, tão impregnada de lirismos
poéticos, esvoaçou a pomba alada dum espírito, que mais se desprendesse do
tremedal da terra para o céu dos altos ideais; e foi nessa altitude ampla
da ideia que um forte amor patriótico vos inspirou o pensamento scintilante
e fogoso, revelando vosso génio dominador e empolgante, pelo brilhantismo
do Verbo ao serviço de radiosa esperança.

Essa alma, exuberante de aspirações generosas, faiscando em reflexos
diamantinos de puros sentimentos iluminados, ensaiou aqui suas asas de
condor, a pairar sobre o pântano duma monarquia pútrida, naquele vôo firme
de águia que só poisa nos píncaros da crista montanhosa; e, sempre imerso
no azul das alturas, respirando sempre e só o oxigénio dos ares limpos,
jámais conspurcando-se ao contacto da Terra suja, irradiou daqui o vosso
verbo luminoso como luz de névoa doirada que fosse despedida do alto, a
espargir clarões de redenção sobre os negrumes desta Pátria, que se
esfacelava no Calvário da História, agonisante de impotência, exangue de
vitalidade, num pessimismo sem alentos, exausta de futuro e moribunda de
esperanças.

Foi aqui que Vosso Coração, abrasado num patriotismo ardente, se acrisolou
nas chamas do ideal libertador; e, ao fogo das próprias inspirações, ganhou
a incandescência que vos fez astro, a refulgir no Céu da Pátria, entre
todos os que muito brilham nas órbitas da nossa História.

Rasgando a nuvem torva que ensombrava os horizontes do futuro à vida da
nação, fulminaram os raios da vossa eloquência a luz daqueles relâmpagos,
com que a palavra inspirada do tribuno mais empolgante abria os olhos ao
povo, sobre os negrumes da hora triste que passava.

E essa língua em labaredas, verbo em chamas purificadoras, feito cautério
de luz e fogo, aplicou-se à terapêutica deste país, fistulando o abcesso da
corrupção política, que lhe corroía as fibras da acção e estrangulava os
anceios de Liberdade.

Mas, revolvendo os miasmas do pântano, por muito que nas rajadas do seu
verbo redemoinhassem as toxinas da podridão que agitava aos ares, jámais a
assepsia rigorosa da límpida atmosfera do seu espírito, se contaminou da
virulência menos leal duma ideia duvidosa ou facto suspeito, que
infiltrasse leve sombra na pureza austera da sua alma imaculada sempre.

Nessa luta ingente, de ímpetos e ardores indomáveis, que vos encheram de
convulsões épicas a grande vida de revolta até 1910, nunca, como Vós o
dissesteis--«o braço se erguia para dar um golpe sem a outra mão desabotoar
a camisa desnudando o peito ao ferro do inimigo».

Os exemplos comoventes daquela lealdade heróica com que algumas figuras de
lenda, desde a aurora incipiente da nossa infância nacional, bafejaram
alguns episódios épicos da nossa História, resurgiam no coração do Exmo.
Dr. António José de Almeida, a bafejar do hálito de idêntica lealdade
generosa os arrebois dessa madrugada, em que a aurora dos sonhos ideais ia
romper definitivamente, com o sol esplendente da Liberdade fulgindo no
carro triumfante da República.

Leal, nobre e generoso, sempre, como um forte: e forte como um Atlante, na
robustez da mais austera envergadura moral, nunca o sonho audaz dum
misticismo redentor Vos encadescia o cérebro, sem repuxar do peito a chama
abrasada do sentimento luminoso a doirar a ideia fulgentíssima.

Por isso, até mesmo quando ateáveis as fornalhas da Revolução com a
metralha demolidora da vossa eloquência rubra, rutilavam sempre, nas
labaredas do ideal, as estrofes do canto de guerra comoventes como um hino
de amor.

Alma de místico absorvida em sonhos de vidente, fizesteis da luz subjectiva
da ideia o astro que ilumina toda a realidade objectiva da vossa acção.

E, depois de ter dado à República todo o ardor inquebrantável da vossa fé,
e posto sempre na politica toda a nobreza austera do vosso ideal, a
Justiça, em prémio de toda uma vida de nobre civismo e amor pátrio,
transfigurou os lampejos fugidios de vossa quimera de sonho nos clarões
eternos dum diadema de glória.


EXCELÊNCIA--Perdoareis, se o entusiasmo da minha sincera admiração excede
os âmbitos da benevolência com que me escutais; mas eu tinha necessidade de
evocar um pouco a alta nobreza moral da vossa vida passada, como apoio
indestrutível à consoladora esperança do que será, para esta querida
Pátria, a Vossa política futura.

A política é uma ideia que só prospera sôbre o apoio concreto dos factos.
Os ideais fecundos teem uma meta, que só se atinge com passo bem seguro no
campo das realizações práticas.

Nesta hora intensa, duma fermentação mundial agitada e tumultuosa, não há
torrão de Pátria exígua, sôbre que não se revolva, formidável, o problema
indeciso da sua vitalidade histórica. A nossa República, por ventura
hesitante ainda nos primeiros passos da sua infância, não podia deixar de
estremecer ao tocar-lhe a aura perturbadora dêsse cataclismo hiperbólico em
que, parecia, os gonsos da máquina do mundo ruirem, desconjuntando-se.

Mas passou. Agora, aos ímpetos brutais da força destruitiva, segue-se o
desenvolvimento calculado das energias creadoras.

Os paroxismos duma nevrose de morte dão logar às contracções tónicas dum
intenso labor de vida.

Hoje, mais do que nunca, a afirmação da existência só se faz por um
desenvolvimento de progresso.

Serão prósperos os povos que progredirem.

É preciso, pois, estimular a vida, fomentar a riqueza, dar ásas ao Comércio
para que se espanda, impulsionar os volantes da Indústria para que
progrida.

Todo o labor fecundo haure a seiva creadora da Sciência, tornando esta
produtiva pela Indústria.

Eis os dois pólos do mesmo eixo, em que os Governos teem de fazer girar a
actividade intensa dos povos.

Prestigiar a primeira com seguros elementos de progresso, animar e promover
a segunda com sólidas garantias de êxito, eis a missão suprema dos Governos
que saibam vêr, para além da hora triste que nos desalenta, a miragem dum
futuro que nos reanime.


EXCELENTÍSSIMO PRESIDENTE! Enche toda a vida de Vossa Excelência um
denodado esforço para rasgar as vias de um futuro livre, ao nosso povo;
fareis mercê agora, certamente, de toda a vossa autoridade e prestigio para
crear um futuro próspero à Nação.

E, nessa orientação do Vosso alto espirito patriótico, Coimbra, como
nenhuma outra Cidade do Pais, terá jús a merecer-vos sempre a solícita
atenção do Vosso patrocínio valioso.

Esta Cidade, que é hoje o centro duma vida municipal intensa, de há anos se
encontra francamente encaminhada, na via duma administração eminentemente
progressiva. Graças ao esforço de inteligentes e vigorosos espíritos
rasgados em amplas iniciativas de fomento, Coimbra tem refundido
inteiramente o seu aspecto material e o seu valor económico, no curto
espaço de alguns anos, como se sobre ela tivesse passado a acção renovadora
dum século.

E o seu exemplo frutifica, servindo de espelho e de estímulo a progressivas
realizações congéneres, que se esboçam por outros municípios.

Mas, Coimbra, no seu avanço já adquirido, não pode estacionar. O próprio
benefício reconhecido nas realizações efectuadas é imperioso incentivo a
aspirações futuras, para onde, na ampla via aberta, temos de caminhar.

Uma desvelada solicitude dos Governos da Nossa República tem sido
comprovada, na satisfação de algumas das urgentes necessidades dêste
Município.

A essa solicitude dos altos Poderes do Estado, a Cidade de Coimbra
afirma-se-lhe reconhecida com sua mais calorosa gratidão; e corresponde-lhe
numa inquebrantável dedicação patriótica às Instituições Republicanas;
sendo-me, neste momento, muito agradável recordar a elevada distinção com
que, há pouco ainda, foi galardoada, pelo Exmo. Ministro da Guerra, a sua
fidelidade ao Regimen.

Bem fundamentada será, pois, a nossa esperança de que todas as justas
aspirações deste Município encontrarão nos Governos da República, e no
valioso patrocínio de V. Ex.ª, aquele acolhimento e reforço necessários
para que as iniciativas fecundas se concretisem em realidades de progresso.

E, como hoje, neste dia tão jubilosamente festivo, sempre a Alma de
Coimbra, na expressão profundamente sincera da sua viva fé republicana,
poderá gritar com o maior entusiasmo:


Viva a República Portuguesa!

Viva o Exmo. Presidente da República Portuguesa!

Viva o Povo de Coimbra!





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