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Title: A Situação Política
Author: Pimenta, Alfredo
Language: Portuguese
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*** Start of this LibraryBlog Digital Book "A Situação Política" ***


                            ALFREDO PIMENTA

                              A SITUAÇÃO
                               POLITICA

                         Conferência realizada
               no Salão Nobre da Liga Naval Portuguesa,
                   na noite de 26 Fevereiro de 1918



                                1918
                         LIVRARIA FERREIRA
                      FERREIRA Lda., Editores
                  _132, 134, Rua Áurea, 136, 138_
                               LISBOA



                        A SITUAÇÃO POLITICA


       Imprensa Libânio da Silva--Trav. do Fala-Só, 24, Lisboa



                            ALFREDO PIMENTA

                              A SITUAÇÃO
                               POLITICA

                         Conferência realizada
               no Salão Nobre da Liga Naval Portuguesa,
                   na noite de 26 Fevereiro de 1918



                                1918
                         LIVRARIA FERREIRA
                      FERREIRA Lda., Editores
                  _132, 134, Rua Áurea, 136, 138_
                               LISBOA



_A Revolução de 5 de Dezembro encontrou a sua sanção legal nas eleições
gerais de 28 de Abril do corrente ano. Não tiveram essas eleições o
carácter plebiscitário, nem visaram a resolução do que continuo
chamando, cada vez com mais fortes razões, o Equívoco Nacional: foram,
sim, a consagração do principio da Ordem, encarnado, pessoalmente, no
sr. Sidónio Pais. Dar um outro significado a essas eleições é afirmar
uma deplorável má-fé ou uma lastimável ignorância da psicologia
nacional. As palavras da nossa conferencia que hoje se publica não
perderam da sua virtual oportunidade. O sr. Sidónio Pais tem ao seu lado
a Nação inteira, enquanto representar o principio da Ordem. É a sua
pessoa que nos dá garantias de que esse principio é respeitado:
constatar isto, é reconhecer os inabaláveis sentimentos conservadores da
Nação. E como o regímen republicano que é diferente da pessoa do sr.
Sidónio Pais, não merece confiança à Nação, esta, nas eleições de 28 de
Abril, manifestando-se como se manifestou, deu provas evidentes do seu
sentir monárquico, cercando os deputados e senadores monárquicos de uma
votação bem significativa._

_A situação política só se esclarecerá definitivamente no dia em que a
Nação puder responder livremente à pergunta que se lhe faça sobre as
instituições políticas que prefere. Por ora, sabemos isto apenas: a
Nação é conservadora, e aclama quem lhe garantir, eficazmente e
honradamente, o principio da Autoridade. Nada mais._


_10 de Maio de 1918._



                                        SR. PRESIDENTE!
                                        MINHAS SENHORAS!
                                        MEUS SENHORES!

Escolhi para assunto desta conferencia a situação política, porque,
contrariamente ao que pensa o maior numero das pessoas, entendo que a
situação política em Portugal, longe de se ter esclarecido, está a
tornar-se cada vez mais confusa; e entendo também que todos aqueles que
têm responsabilidades mentais e podem contribuir de alguma maneira para
orientar a opinião pública, devem vir às tribunas das conferencias dizer
da sua razão. Não bastam os artigos dos jornais e as notas oficiosas do
governo para se compreender a situação, e a apresentar à opinião
pública como ela deve ser apresentada.

É preciso, pois, repito, que aqueles que tem o orgulho legítimo ou a
vaidade, se quiserem, de pensar por si próprios, e não pela cabeça dos
outros, venham, junto da opinião pública, ilustrá-la, oriental-a e
indicar-lhe o caminho que deve ser seguido.



A Revolução de 5 de Dezembro


a) FACTORES POSITIVOS E NEGATIVOS

A situação política, criada com a revolução de 5 de Dezembro, é
absolutamente diversa da que existia antes. Vivia-se numa tirania de
mediocretes. Muitas vezes se fala em ditadura tirana. Mas o que então
verdadeiramente existia era uma mediocracia mesquinha dominando cinco
milhões de habitantes, o que era indigno de uma nação com um passado
como o nosso. Podíamos ter um César dominador e forte. Mas não era
isso o que tínhamos. Havia, apenas, pequeninos poderes anónimos e
ocultos que desapareciam à mais simples análise, que se furtavam à
crítica séria que sobre eles quiséssemos exercer. Era qualquer coisa de
incómodo e de irritante, mas que não provocava momentos de cólera, pois
apenas provocava o tédio. Fora dos partidos republicanos, não havia
ímpetos de raiva: sentia-se aborrecimento. Bocejava-se.

O 5 de Dezembro representa assim uma tentativa de salvar o regímen
republicano. Esse acontecimento teve factores positivos e negativos. Os
factores positivos foram o Sr. Sidónio Pais, com a mocidade da Escola de
Guerra e os elementos que a esta se juntaram; os negativos foram os
constituídos pela atmosfera em que se vivia e pela repulsa que o regímen
republicano, em sete anos de demagogia impune, soube criar-se.

Por parte dos partidos monárquicos, existia a expectativa, não só em
obediência às ordens de El-Rei, mas também porque assim o exigiam os
superiores e sagrados interesses da Causa monárquica--à qual convém
que o regímen republicano liquide inteiramente as responsabilidades dos
compromissos que contraiu.

Se, antes de 5 de Dezembro, eu dissesse aos que me escutam neste momento
que se ia tentar resolver o problema da ordem e que seria o Sr. Sidónio
Pais que dirigiria tal tentativa, ninguém me acreditaria, porque ninguém
o categorizava, ninguém o conhecendo.

Mas o 5 de Dezembro apareceu, e quando, na tarde desse dia, correu a boa
nova de que o Triunvirato tiranete encontrara alguém--que lhe fazia
frente, houve uma esperança como aquela que acolheu a tentativa do
governo de Pimenta de Castro.

E na hora em que o Sr. Leote de Rego (que tanto se louva de ter feito
arrear a bandeira alemã dos navios mercantes) teve de arrear a sua
bandeira de Comandante da Divisão Naval, o país respirou,--porque viu
dominada a demagogia, ou por que viu efectivar-se o seu ideal e a sua
aspiração?

A Nação viu, com agrado, que se caminhava para uma coisa melhor do que a
que estava, que se caminhava para a resolução do problema da ordem
pública, problema que há cinquenta anos está sem solução e tem
pervertido a alma da nação, inutilizando-lhe todas as suas forças. Esse
problema que se espalhou por todos os países, nuns mais cedo, noutros
mais tarde, surgiu para nós, quando quisemos adaptar a este país, uma
nova constituição de vida política, que nunca chegou a aclimatar-se e a
vingar.

A situação que tínhamos em Portugal, em 5 de Dezembro de 1917, era
lógica e era a conclusão matemática de tudo o que se tinha feito desde
que se implantou entre nós o constitucionalismo. Essa situação tem
raízes profundas, tem enormes raízes no passado, mas começou a
manifestar-se acentuadamente, quando quisemos adaptar à Nação Portuguesa
um regímen para que a sua alma nunca esteve preparada. E a prova disto
está em que todos nós respiramos mais tranquilamente neste regímen
ditatorial, porque, em Portugal, nunca se têm tão garantidas as
liberdades mais comezinhas como quando há suspensão de liberdades...

Por mais que queiramos iludir-nos, por mais que queiramos falar nos
imortais princípios, todos sentimos isto, todos preferimos o Sr. Sidónio
Pais, tendo na mão todos os poderes do Estado, dos quais não tem
abusado, antes, talvez, não tenha sabido usar inteiramente,--a termos a
centena de legisladores no Parlamento e na Liberdade, porque neste caso,
nunca sabemos quem toma a responsabilidade de um acto que se pratica ou
de uma medida que se adopta, porque tudo foge e desaparece diante do
anonimato da chamada Soberania Nacional. Se a inteligência lúcida de um
homem fez com que se arregimentasse a seu lado a mocidade da Escola de
Guerra e se disciplinasse, debaixo do seu comando, uma determinada força
do exército, e eis os factores positivos, o resto estava feito: era o
ambiente que o regímen republicano criou desde 5 de Outubro de 1910. Já
antes os republicanos se tinham incompatibilizado com o sentimento
nacional, sancionando, se não directamente, pelo menos indirectamente, o
regicídio, premiando um regicida nas pessoas de sua família, e
fazendo uma apoteose monstruosa, impossível em qualquer país civilizado
de Europa.


b) SUA FUNÇÃO NORMAL

Quando o triunvirato Afonso Costa, António José de Almeida e Norton de
Matos foi vencido, e o Sr. Sidónio Pais se encontrou senhor deste país,
uma função, principalmente, tinha o triunfador a executar: constituir-se
em ditadura militar, necessária neste país em que a disciplina e a ordem
são vocábulos sem sentido.

Somos um país absolutamente apaizanado. Cada um de nós é um rebelde
contra as leis e contra a disciplina; nos mais pequenos actos da nossa
vida, só estamos bem quando afirmamos o que julgamos ser a nossa
independência. A concepção da Pátria é meramente negativa, provisória, e
material. A colectividade apenas existe para nos servir. Sob o ponto de
vista do regímen republicano, cada um dos republicanos é-o à sua
maneira, de modo que a república de um não é a república dos outros.
E é preciso, digamo-lo entre parênteses, que entre os monárquicos não
suceda o mesmo...

Era necessária, pois, a ditadura militar que não devia ter por fim fazer
uma reforma da Constituição, mas sim, exclusivamente, pôr termo ao que
eu chamo o Equívoco nacional. Porque nós temos vivido, estamos vivendo
num grande e perigoso equívoco.

Há muito tempo que de um e outro lado ouço dizer: «_A Nação está
comigo_»; mas não há maneira de se saber com quem a Nação está. Quando
aparece um triunfador, a Nação aclama-o. Mas o que significa isso, se as
turbas, as multidões, em Portugal, são mais mutáveis, nos seus
movimentos e expansões, de que a superfície do mar na sua cor?

Eu não me deixo comover pelas manifestações das ruas e pelos vivas; o
que quero é ver levantadas as forças vivas da nação. Não são os lenços
das senhoras flutuando nas janelas, não são as palmas e os bravos que se
dão nas salas ou nas ruas, que dão força ao governo no poder. Isso
pode até perturbar o espírito dos governos ou dos triunfadores, e
inutilizar-lhes a acção.

A resolução do Equívoco nacional a que me referi é a chave do problema
português. Enquanto não for resolvido, o problema da ordem está de pé.
Resolvê-lo militarmente era a função normal da revolução de 5 de Dezembro.


c) SUAS CONSEQUÊNCIAS PRATICAS

A revolução de 5 de Dezembro, no entretanto, deu um governo heterogéneo,
mesclado, que não se sabe se está integrado no pensamento do seu
presidente, nem se sabe se tem ligação com este ou aquele partido; deu
um governo indeciso e incaracterístico, sem unidade de vistas e parece
que sem unidade de finalidade.

As ligações políticas de alguns dos membros do governo tiram-lhe toda a
força e homogeneidade, e a singeleza de direcção e de objectivo que
devia ter, e mais do que nunca é necessária.



A Nação e a Revolução de 5 de Dezembro


APOIO TEÓRICO E MESSIANISMO.

A atitude da Nação perante os resultados da revolução de 5 de Dezembro
não é nem podia ser aquilo que sonharam os seus autores.

A Nação, perante a revolução de 5 de Dezembro, fez o que é muito próprio
do povo português: deitou foguetes, pôs bandeiras nas janelas, deu
palmas, veio para a rua dizer coisas bonitas,--toda a expansão do
meridional satisfeito. Por toda a parte, a pessoa do Presidente da
República foi festejada. Estabeleceu-se uma alegria tão grande, como se
El-Rei D. Sebastião tivesse voltado...

Eu nunca fui homem que acompanhasse as aclamações da multidão; todavia,
quando o Sr. Sidónio Pais regressou da sua viagem ao norte, fui ver a
sua chegada.

Quando o vi entrar no Rossio, e assisti às aclamações que lhe faziam, eu
senti que era muito melhor que lhas não fizessem, porque o colocavam
tão alto que eu temo pela boa conclusão da sua obra. Não era um simples
oficial de artilharia, comandante de forças revolucionárias, que
chegava: era mais alguém, era personalidade mais majestosa; era quase um
César, faltando-lhe só trazer Afonso Costa preso por uma cadeia, como na
antiga Roma se fazia aos escravos...

Esta altura em que puseram o Sr. Sidónio Pais dá bem a nota do estado de
alma da Nação, da facilidade com que o país se desvaria, e eu receio
muito pelas perturbações nervosas causadas pelas alturas naqueles a quem
as multidões tão alto erguem...

Esse entusiasmo indescritível era meramente teórico e não passou disso;
mas, repito, não é só de aclamações, vivas, lenços e flores, que os
governos necessitam para realizarem a sua obra com energia e decisão.

A Nação deve pensar bem que não é desta forma que se resolvem as
questões pendentes, não é desta forma que se resolve o problema da
nacionalidade a que logo me referirei.

Longe de mim a intenção de empanar a obra gloriosa de 5 de Dezembro,
tanto mais que nunca será suficientemente grande a gratidão que possamos
e devemos afirmar ao homem que conseguiu fazer uma coisa que até ali
ninguém tivera a coragem de realizar: arrostar com Afonso Costa.

A situação era assim parecida com a que nos oferece uma larga praça onde
numerosa garotada se apedrejasse e apedrejasse os transeuntes pacíficos
e indefesos. Não podíamos atravessar essa praça sem correr o risco de
sermos atingidos pelas pedras. Havia, é certo, uma esquadra de polícia;
mas os seus agentes não se arriscavam a pacificar a praça e a garantir a
integridade da cabeça aos que passavam. Por fim, aparece um mantenedor
da ordem com seus agentes: é o Sr. Sidónio Pais: corre, afasta, domina a
garotada. Ela, porém, existe ainda, embora longe, para lá das
embocaduras das ruas... Só quando ela desaparecer, se poderá então dizer
que a ordem está completamente mantida.

O prestigio do Sr. Sidónio Pais apoia-se num facto puramente negativo: o
terror do democratismo. A sua situação por ora é apenas a de um
mantenedor da ordem que nos guarda, e a quem defendemos para que nos
guarde.

Ora não há só o problema da ordem a resolver: há o problema financeiro,
o problema económico e o problema internacional que é gravíssimo. Pode o
Sr. Sidónio Pais resolvê-los ou resolver algum deles? Não sei; mas só a
resolução certa de todos eles ou de alguns lhe dará a categoria de
estadista, e colocará legitimamente num alto pedestal a quem o
conseguir. Para esse desiderato, devemos reservar todas as nossas energias.

Somos um povo messiânico... Mas porque não pôde ainda ser outro o apoio
da Nação? Porquê? Vamos vê-lo.



O regímen republicano português


a) A SUA ACÇÃO COMO ELEMENTO DE DISSOLUÇÃO NACIONAL

O regímen republicano português cavou um grande abismo entre si e a
nação; tem sido sempre, infatigavelmente, um elemento de dissolução
nacional, porque, ao proclamar-se, olhou para a nação e perguntou: qual
é o principal problema a resolver? A ordem pública?, o pão?, a situação
internacional?, o ensino?, o trabalho? Não! O primeiro problema, o
fundamental, aquele em que todos têm os olhos, aquele que representa a
aspiração colectiva e a máxima urgência,--é o da expulsão dos Jesuítas!
E começou-se por aí. Andavam todos os lares domésticos portugueses
desassossegados, inquietos; todas as famílias estavam oprimidas, vivendo
sob pesadelos enormes, por falta de uma lei que estabelecesse o
divórcio. E veio a lei do divórcio. A seguir, surge a _lei da separação_
e atrás disto, a república nada mais nos deu que constitua seu
património e sua glória, porque para mais não chegou o seu conhecimento
da vida pública... O resto é a multidão dos pequeninos expedientes,
daquelas pequeninas providências que vieram atrás da lei do divórcio, da
expulsão dos Jesuítas e da lei da separação.

Nos centros, nos comícios, nas batuques partidários, onde se planeiam
ataques e ódios contra os monárquicos, foram esses os problemas que
unicamente preocuparam toda a atenção dos grandes estadistas e dos
grandes legisladores de 1910. Não se fez uma obra positiva; e até o que
podia ser bom por acaso, até isso nunca o fizeram senão por mal...

No meu bairro está a construir-se um edifício que é destinado à
_Maternidade_. Imaginam que esta Maternidade se está erguendo por amor à
mãe? Não; pois o lugar é impróprio e detestável; mas porque se estava
levantando ali uma capela ao Sagrado Coração de Jesus, vá de fazer a
maldade, de pregar a partidinha, de pôr a nota mesquinha e irritante:
arrasam-se os alicerces da capela e ergue-se a Maternidade. Não há
uma só medida que possamos dizer que seja ampla, genérica e
absolutamente boa; todas tem um fundo antipático de maldade; em todas
elas, há um bico de alfinete envenenado... O país olhou o regímen
republicano, um pouco convencido de que chegara a hora de viver
tranquilo. Estava cansado de lutas civis, de lutas políticas, de
campanhas de descrédito; e o novo regímen, em vez de procurar aproveitar
a aura que o bafejava, começou a provocar represálias, ódios, invejas e
más vontades, incompatibilizando-se de tal maneira com a Nação, que,
perante o movimento de 5 de Dezembro, ela limitou-se às palmas, aos
vivas e aos apoiados, a isso que eu chamo o apoio teórico.


b) O SEU NEGATIVISMO SISTEMÁTICO

O regímen republicano é essencialmente negativo. Para ele, só há um
facto permanente: o perigo monárquico. Os republicanos dizem, repetem e
decretam que a Monarquia jamais volta a Portugal; mas desde manhã
até à noite e de noite até pela manhã, não pensam noutra coisa senão na
volta da Monarquia a Portugal. Se ela nunca mais volta, se a República é
amada por toda a Nação, se a Nação quer a República, se a Nação é
republicana, onde está o perigo monárquico? Eles bem sentem que tudo
lhes é provisório, a começar pelo chefe do Estado cujas funções são
constitucionalmente provisórias...

Se um pobre campónio, um dia, no meio das suas terras, ignorando ainda
que já está a República, solta um viva à Monarquia, logo no dia seguinte
os jornais republicanos publicam telegramas em normando, afirmando
desconsoladamente que a Monarquia foi proclamada na aldeia de tal, e que
a República está em perigo... Se os partidos republicanos tivessem a
consciência tranquila e a certeza de que a Nação estava contente com a
República, não andavam tão preocupados e aterrados com o fantasma da
Monarquia! De resto, todos eles sabem que ela voltará.

Um dos chefes republicanos mais célebres e que tem a vantagem de ser
um veemente homem de bem, disse-me por mais de uma vez, que a República
era inadaptável a Portugal. Mas disse-mo a mim, e não o diz em público,
por falta de coragem e honradez cívica.

A falta de sinceridade e a negação sistemática da evidente verdade
afastam o regímen republicano da Nação, e fazem com que esse regímen,
ainda mesmo sob a modalidade especial e simpática que lhe dá o Sr.
Sidónio Pais não possa encontrar já, hoje, outro apoio que não seja o
apoio meramente teórico que está tendo.


c) A FALÊNCIA DA SUA MENTALIDADE

E a que é devida toda esta situação que se criou o regímen republicano?
É devida aos maus instintos ingénitos dos homens que a servem? Não,
porque a maior parte deles apesar da aguarrás e das forcas que prometem
são incapazes de matar uma mosca. O motivo é outro: é a falência da
mentalidade dos seus dirigentes. Ao olharmos os seus espíritos, o que
sentimos é a impressão de que são espíritos fechados, curtos, sem
horizontes e janelas. Sentimos que há uma urgente e absoluta necessidade
de os naftalinizarmos, de abrirmos as suas janelas e deixarmos entrar
neles o sol, a luz e o ar...

Leram um dia Rousseau, Lamartine, Louis Blanc, Guizot, e ficaram por aí.
E no entretanto, quanto se tem andado já!

Entre a mentalidade deles e a da Europa há um abismo!

O estrangeiro, estudando e analisando o nosso país, no momento actual,
fica espantado de ver estes pequeninos, estes microscópicos indivíduos
manejando cinco milhões de homens, e não compreende que possa ser assim.

E chamam-nos reaccionários, atrasados. Mas nós, os monárquicos, andamos
a par das modernas doutrinas sociais, não desconhecemos os modernos
processos científicos, e não ignoramos as sucessivas transformações
doutrinárias e práticas da Política; conhecemos a lição dos factos dos
últimos tempos; e aproveitamos com a lição da guerra; enquanto que eles,
os espíritos republicanos, paralíticos, fechados em 89, nada mais
sabem, nada mais vêm, nada mais aprendem.

Até já houve um chefe de partido que chegou a dizer que ele, paisano,
com um exército disciplinado, venceria os alemães! São espíritos
_arriérés_, incultos, primitivos, inadaptáveis à vida moderna.

Não há maneira de os fazermos compreender que os povos têm que se
adaptar a necessidades superiores às suas teorias fantasistas; não há
maneira de convencer esses espíritos, imbecilizados alguns, de que devem
parar na sua experiência nefasta, de que devem parar na sua teimosia
criminosa, de que devem parar na sua birra indigna, e de que não devem
cavar mais fundo a sepultura da Nação!

Nós tivemos uma serie de reis que, quaisquer que fossem os seus defeitos
e os seus erros, fizeram a Nação, engrandeceram a Nação, alargaram os
seus domínios, acrescentaram à glória do passado nova glória. Não há
maneira de convencer os espíritos republicanos de que essa serie de reis
nos merece respeito e amor, e que a Nação inteira aspira e quer
voltar às suas instituições tradicionais.

Quando Portugal, pequeno como é, sem exército e sem marinha, vivia no
regímen monárquico, tinha uma situação internacional invejável
demonstrada pelas atenções que nos dispensavam, com a sua presença, os
soberanos das mais fortes nações estrangeiras; e hoje, se queremos
vencer a antipatia europeia, temos que praticar actos que não nos
dignificam nem impõem.

A República... a República... Temos agora um governo digno de nós todos,
porque digno de todos nós se apresenta o Sr. Sidónio Pais. Mas esta
situação não é eterna. Quando cair, será a ocasião de se restaurar a
Monarquia, para não termos de voltar ao demagogismo...



A República nova


Há hoje uma forma republicana a que o Sr. Sidónio Pais chama _República
nova_. Quer dizer: existe hoje o contrário do que existia, há alguma
coisa que nós ainda não tínhamos visto.

Quero acreditar que estejamos numa nova República e, pela minha parte,
confesso que contra esta nova República não senti ainda a mais pequena
animosidade ou oposição.

Há quem se queixe. E julgo mesmo que certas restrições atingem certos
jornais. Eu aplaudo. Não são doutrinários os jornais que querem sair.
São folhas impressas, órgãos de insulto, de calúnia ou de infâmia. O
governo não deixa que elas saiam? Acho que o governo faz muito bem! Isso
não pode magoar o meu liberalismo. Porque eu recordo-me muito bem de que
quando foi do governo Pimenta de Castro, esse governo mole e
bonacheirão, manso e lunático, honesto mas inexperiente, _O Mundo_,
esse saudoso órgão do republicanismo puro, não se cansou de acusar o
governo de estar vendido à Espanha. E o general Pimenta de Castro com
cuja amizade me honrei e, me honro, como eu lhe chamasse a atenção para
a calúnia, não quis ler, não quis saber, como não quis saber de muitas
outras coisas. As consequências foram o 14 de Maio! Não deixa o actual
governo preparar-se uma situação igual, proibindo estas gazetas de
aparecer em público? Faz muito bem! Mas o governo tem uma tríplice
função a desempenhar. Além da função superiormente política e importante
para ele e para o regímen, de alterar as bases do actual sistema
político republicano, tem ainda a função penal e moral: penal, mandando
para a África, como o tem feito, os incorrigíveis, os reincidentes do
crime comum, sejam ou não sócios do democratismo; e moral, castigando os
abusos e os erros do partido democrático e do governo transacto. Se
puder desempenhar estas funções, é caso para o felicitarmos...

Quanto ao aspecto político da sua missão, levanta-se, actualmente,
uma celeuma enorme sobre se deve continuar o regímen parlamentar ou deve
adoptar-se o regímen presidencialista. Como observador e crítico, acho
interessante o assunto.

Entendo que nós, como monárquicos, temos de nos manter alheios a essa
questão. Somos o partido dos monárquicos,--não somos ainda partido
monárquico. Não temos organização definida, embora tenhamos a chave
dela, que é o Rei.

O partido monárquico lançar na urna, como monárquico, o seu voto, para a
eleição presidencial, é fazer uma afirmação de princípio republicano, e
revogar a base fundamental do seu doutrinarismo monárquico. Mas se é
preciso, para se evitar um mal maior, impedir que o Sr. Sidónio Pais
saia do Poder, concorramos individualmente a dar-lhe a força precisa.

Neste caso, não é um partido monárquico que intervém, são os indivíduos
monárquicos que o fazem. É uma ficção necessária.

Esta questão que se formula sobre regímen parlamentar e regímen
presidencialista é salutar, porque vai acostumando o país a pôr de parte
o regímen parlamentar, e ensina a opinião pública a reconhecer a
possibilidade da existência de um governo responsável e independente das
tricas e habilidades parlamentares. Eu compreendo a relutância dos
republicanos pelo presidencialismo.

Os republicanos, verdadeiramente, não podem ser presidencialistas, e por
isso, faz bem o Sr. Afonso Costa, do fundo do seu exílio de Elvas, em
protestar contra o presidencialismo, como o Sr. António José de Almeida
que não sabe o que seja isso, ou o Sr. Brito Camacho a quem o
presidencialismo não convém. A República ou é parlamentar, caminhando a
passos largos para o anarquismo, ou é presidencialista e, então, deixa
de ser autêntica república. Os presidencialistas não são republicanos
puros, são republicanos monarquizados.

Oxalá triunfe o principio presidencialista!

Quando fui evolucionista, nesse tempo em que andei quatro anos a malhar
em ferro frio, eu pedia uma república presidencialista com poderes
vitalícios para o chefe do Estado. Isso dá-me um tal ou qual desejo de
assistir à experiência.

Faço pois votos por que a nação se habitue à diminuição das funções e
atribuições do parlamento, e entendo que os monárquicos devem,
individualmente dar todo o apoio e aplauso, escrito e falado, ao
princípio presidencialista, que é o mais benéfico e salutar dentro das
doutrinas republicanas.

Esta República nova tem um ambiente conservador e tem por cooperadores
os elementos monárquicos. É, por consequência, uma república de carácter
paradoxal, contra a qual os verdadeiros republicanos se apresentam em
acto de hostilidade, não tendo ainda entrado no caminho das violências,
porque têm medo; mas fá-lo-hão, quando virem que o sr. Sidónio Pais
enfraquece. Mas como os povos não se governam com instituições
paradoxais, esta situação tem que se esclarecer. Quando se esclarecerá?
Não sabemos. Ninguém o sabe.



Os monárquicos e a Republica nova


Qual deve ser a atitude dos monárquicos perante a republica nova?

Antes de 5 de Dezembro, havia duas correntes caracterizadas: a corrente
conservadora e a corrente demagógica.

Agora, aparece-nos em campo uma terceira corrente que cria uma situação
complicada porque isto que está já não é República, não sendo ainda a
Monarquia. Já não é República, porque lhe falta Afonso Costa. Ainda não
é a Monarquia, porque lhe falta o Rei. Ora a nossa atitude é clara.

Antes de 5 de Dezembro, diziam os republicanos que os monárquicos
desobedeciam às ordens do Rei, porque este lhes ordenava se colocassem
ao lado dos governos no que respeita à guerra, e os monárquicos não o
faziam,--acusação caluniosa, aliás, como é sabido.

Mudou-se de situação, e veio um governo que não nos insulta, que não
nos maltrata e que mantém a ordem, e nós com muito mais facilidade,
agora, cumprimos as ordens do Rei, e damos apoio a esse governo. Se
antes da revolução de 5 de Dezembro, fervia pancadaria rija nos
monárquicos porque estes não apoiavam os governos democráticos e da
sacrílega união sagrada, agora, ferve a mesma rija pancadaria porque
apoiam um governo honesto e de honradas intenções.

Os republicanos são curiosos: dão aos monárquicos, em Portugal, direito
de cidade e de existência, com a condição de serem ou afonsistas, ou
almeidistas, ou camachistas; simplesmente monárquicos, monárquicos _tout
court_, monárquicos puros, não os admitem, os republicanos.

Neste país, dão-se coisas que só neste país são possíveis!

Ora nós não podíamos e não devíamos adoptar diante do actual governo
outra atitude que não fosse a que adoptamos, porque nós não somos
desordeiros, e perderíamos todo o nosso prestígio político, dando uma
prova de falta de senso e falta de patriotismo, se nos colocássemos
numa situação anarquista e destruidora, perante o Sr. Sidónio Pais. As
forças vivas da nação diriam que éramos anarquistas, porque estávamos
contra todos os poderes. Apoiamos francamente e dedicadamente este
governo, porque este é um governo diferente de todos os outros. Apoiar
este governo, e neste momento, é nosso dever, não porque ele nos traga a
Monarquia, mas porque nos traz a Ordem.

Fazer a Monarquia...

Se dependesse de eu abrir a minha mão o proclamar-se, agora, a
Monarquia, eu fechal-a-ia e pediria a toda a gente que ma apertasse bem,
a fim de que, nesta ocasião, a Monarquia se não fizesse, pois que,
actualmente, não nos convém. Ela há de vir no momento oportuno, porque
não depende da vontade deste ou daquele, a evolução de acontecimentos
políticos e sociais dessa natureza.

O apoio ao Sr. Sidónio Pais é lógico e legítimo, porque ele está
cumprindo com os nossos deveres internacionais, com aqueles deveres a
que nos ligam tratados seculares, obra dos Reis e do Passado; e
ainda porque o Sr. Sidónio Pais está restabelecendo a ordem dentro das
condições que lhe são possíveis com a existência das instituições
republicanas. Mas este apoio que nós lhe damos, e a que eu chamo
meramente teórico e aplauditivo, não pode ir além, porque não poderá o
Sr. Sidónio Pais nem ninguém, seja quem for! fazer esquecer aos
monárquicos o que o regímen republicano tem feito em Portugal, e lhes
tem feito a eles, como eu nunca poderei esquecer o que me fizeram os
democráticos--em insultos, em agravos, em ofensas e agressões. Receios
de uma consolidação republicana, só os terão os espíritos superficiais.

É preciso levar ao espírito dos monárquicos a convicção de que a
Monarquia não pode e não deve vir somente pelos erros dos republicanos;
deve vir e há-de vir, sim, pela força da sua própria constituição,
porque o organismo da nacionalidade se integrou na forma monárquica e só
a ela se adapta. A Monarquia há de vir porque é uma conclusão lógica
dos acontecimentos, e não está no poder dos demagógicos afasta-los,
como não está no poder contrário apressa-los. Eu prefiro que ela venha
depois de um grande período de paz, de ordem, de sossego e de progresso,
dentro da República, a que venha sobre os ódios fomentados pelos
democráticos. Eu prefiro que a Monarquia venha quando a situação social
portuguesa esteja mais ou menos regulada, a que venha neste momento em
que se encontram ainda vivas todas as questões difíceis que uma longa
indisciplina impune agravou. Nós todos que amamos a nação devemos
estimar e desejar que, dentro da forma republicana, se aplanem todas as
dificuldades, de modo que a Monarquia possa receber o país no melhor
estado possível.

Se devemos apoio ao Sr. Sidónio Pais, no problema da ordem pública, é
porque não temos outro caminho a seguir, porque esse é o problema
fundamental português, sem a resolução do qual todas as tentativas de
resolver os outros são estéreis. Sobre o problema da ordem, sempre assim
pensei.

Eu nunca tenho de me arrepender do que a este respeito preguei
noutros tempos, porque, por muitos que fossem os meus exageros e
desvios, uma coisa nunca fiz: foi defender actos de desordem, de
violência, ou de anarquia; coloquei-me sempre no ponto de vista de um
homem com responsabilidades de governo. Acima de tudo, primeiro que
tudo, a ordem--que se baseia na educação.

Eu não quero só instrução, não; o que quero é educação. Não ensinem o
povo a ler, enquanto não estiver bem educado, porque se sabe ler, sem
ser educado, começa a disparatar.

O povo que não está educado, se sabe ler, aprende a fazer ingredientes e
máquinas explosivas, praticando todas as tolices possíveis e
imagináveis, querendo imitar os lunáticos e fantasistas que aparecem
pela Europa a propagar desordens e tolices. Quando o povo tiver bem
profundo o sentimento da ordem, então que aprenda a ler à vontade. É
preciso que o povo não deixe de ser criminoso somente por medo ao código
ou à polícia. Cada vez que se funda uma escola, ergo as mãos ao céu,
porque nós só sabemos deseducar, só sabemos fomentar a indisciplina e a
desordem, só sabemos ensinar ler o que não deve ser lido, e se não sabe
compreender.

Nós temos partidos anarquistas, sindicalistas e socialistas que ignoram
o que são essas doutrinas e que, com a sua falta de educação, ao lerem
Kropotkine, um pobre príncipe exilado que está agora na Rússia a ver a
prática dos seus dizeres, dão no roubo e no assassinato.

Eu assisti a alguns dos desvairamentos e aos excessos e aos roubos que
ultimamente se deram nas ruas da cidade.

Querem saber o que vi os assaltantes roubar e usar? Não era só o
bacalhau, o feijão ou a batata que lhes pudessem servir para a
alimentação; eram serpentinas e máscaras de Carnaval que espatifavam,
garrafas de Champanhe e de licores que não podiam beber, porque o seu
paladar não está preparado para tais bebidas, eram botas de luxo,
sapatos de luxo que não podiam calçar,--enfim a exibição do crime, na
sua forma mais hedionda.

E até ouvi que merceeiros houve que tendo tirado das suas lojas os
géneros que tinham, fingindo-se roubados, iam depois, comprar aos
desgraçados das ruas os géneros saqueados para os venderem por alto
preço! Aqui têm o que é a falta de educação!

Apesar das falsas ideias dos tribunos inflamados que advogam a
instrução, eu continuo pois a pedir para este povo educação, educação e
educação; e só depois, é que pedirei a instrução.

Trata-se de um povo em que cada um quer ser independente, em que cada um
só pensa em mandar e não obedecer, porque ninguém pensa em que é muito
mais nobre obedecer do que mandar, exorbitando, ou sem capacidade para o
mando.

Apoiado o governo no problema da ordem, temos que lhe dar apoio também
no problema da guerra. A entrada de Portugal na guerra, para mim, é
ainda hoje um mistério e se não é um _bluff_, é, pelo menos, um problema
que precisava ser muito esclarecido. Convenço-me disso pela relutância
que tem havido na publicação de certos documentos, e na apresentação
de certas condições. Mas, houvesse o que houvesse, a verdade é que
estamos ligados à Gran-Bretanha, por efeito de tratados antigos e que
não datam, se não estou em erro, do regímen republicano, e temos que
cumprir aquilo a que nos comprometemos. No problema da guerra há, pois,
que dar força ao governo para que ele continue a obra estabelecida pelas
condições especiaes em que se encontrava a nação.

Mas o problema de que fundamentalmente nos separamos do governo, e
perante o qual nos encontramos, portanto, em campos opostos, é o que eu
chamo o problema da Nacionalidade.

O Sr. Sidónio Pais demonstrou pelas suas palavras, e o seu governo
também o demonstrou por actos, que se deixa embalar muito pelas quimeras
impossíveis, pois quer normalizar a vida política da nação fazendo
ingressar os monárquicos na República. Não pode ser! Diante das palavras
proclamadas pelo chefe do Estado, devemo-nos manter na maior reserva e
na mais firme expectativa.

E a conhecida reforma da lei da Separação destruiu as ilusões que
pudéssemos ter alimentado.

Não nos é possível ingressar na República, porque somos monárquicos,
porque a República não se adapta ao sentimento nacional, porque a nação
tem oito séculos de tradições monárquicas, porque os ensinamentos da
política europeia nos indicam que as nações são tanto mais fortes quanto
mais forte é o seu regímen monárquico, e porque na Europa (a guerra o
mostra) o principio democrático está sendo vencido pelo principio
monárquico. A Rússia é o exemplo vivo.

Por outro lado, a reforma da lei da Separação não foi feita em homenagem
à Igreja, mas sim, como o próprio relatório confessa, para fazer
desaparecer uma arma que se manejava contra a República!

Sempre a defesa egoísta da República!

Em homenagem à Igreja e ao sentimento católico da nação, o regímen
republicano devia rasgar completamente a lei da Separação. Não
compreendo como o regímen republicano quer resolver a questão
religiosa, sem ouvir a Igreja.

Em 1910, havia algum conflito entre o Estado e a Igreja? Não. Havia um
regímen concordatário bom ou mau, não o discuto. Se não havia conflito,
porque foi o regímen republicano levantá-lo? Podia decretar que não
reconhecia a religião católica, e o Estado passava a viver independente
dela, como vive independente de quaisquer academias ou associações.
Queria o Estado alterar as suas relações com a Igreja? Entendia-se com
as suas autoridades superiores. O que não se compreende é que um regímen
que não é católico se disponha a reformar as coisas da Igreja.

A reforma da lei da Separação restabeleceu a permissão do uso de hábitos
talares e deu aos seminários liberdade para regularem e dirigirem o seu
ensino interno; mas dizer que isso resolve o problema religioso em
Portugal não é verdade. Só se resolverá inteiramente o problema
religioso, quando à Igreja católica forem dadas regalias e privilégios
especiais em face das outras religiões, porque seria de uma
ingratidão profunda esquecer os múltiplos serviços que se devem à Igreja
católica. De resto, isto está mais ou menos no espírito público.

Logo depois de 5 de Outubro, houve muitos aplausos à propaganda
anti-clerical, mas a nação, hoje, está convencida de que o perigo
clerical é uma lenda, e que a Igreja é um elemento insubstituível de
ponderação e ordem.



Conclusões.


A nossa aspiração é a Monarquia e, por isso, temos que estar preparados
para ela. Não sou revolucionário nem conspirador. O sentido das minhas
palavras é muito outro. Não tenhamos ilusões, nem esquecimentos: a
situação do Sr. Sidónio Pais não é eterna e, quando ela findar, ou
regressa Afonso Costa ou temos uma Monarquia.

Os monárquicos têm pois que estar preparados, não para colocarem nas
janelas as bandeiras azuis e brancas, mas para estabelecerem nas suas
fileiras uma disciplina segura e uma obediência plena e absoluta ao Rei.

A Monarquia só pode ser eficaz, só pode trazer a normalidade e a
tranquilidade ao país, quando não houver no pensamento de cada um de
nós, resíduos republicanos, preocupações liberalistas, aspirações
democráticas ou fantasias e quimeras de 1789; só pode ser eficaz e
trazer a normalidade, quando olharmos para o símbolo da nossa causa e
dos nossos princípios, e lhe obedecermos inteiramente; quando formos
como que um exército que só é perfeito quando obedece ao seu general;
quando pusermos o Rei acima das nossas dissensões pessoais, e tão alto
que só o vejamos pelas suas altas qualidades de majestade perfeita, e de
supremo e legítimo representante da nação; tão alto como ele nunca
esteve durante os oitenta anos de constitucionalismo. A Monarquia só
pode ser eficaz e trazer normalidade, quando o Rei se não veja obrigado
a tirar o poder a um para contentar outro, a dar o poder àquele para
contentar aqueloutro; quando não fizermos chegar aos ouvidos do Rei, e
nem mesmo aos últimos degraus do seu trono, as nossas questões pessoais,
as nossas birras e os nossos despeitos e quando fizermos com que não
haja outra coisa senão servidores da nação. É para isto que entendo que
todos nos devemos preparar.

Os novos, que não têm ainda a inteligência estragada pelos vícios
doutros tempos, que não viram directamente tudo quanto se passou antes
do advento da República, devem levar ao espírito dos monárquicos a
consciência da necessidade desta orientação. Os velhos que assistiram, e
muitos foram cúmplices, ao que se passou, e os que não são nem velhos
nem novos, todos esses devem seguir os novos.

Foi com os novos que o Sr. Sidónio Pais se encontrou e é também com os
novos que a Monarquia se há de encontrar.

Eu pertenço a uma geração de sacrifícios, a uma geração de vítimas, que
nasceu ouvindo as maiores acusações sem provas, e bebeu essas
campanhas negativas e difamatórias como bebemos a água que nos dão ou
recebemos o ar que respiramos. Os novos têm de se agrupar e fazer deste
país, uma nação com um poder político que seja legítimo e autêntico,
cuja força, disciplinada, se estenda do exército à indústria e do
operariado às academias, na orientação que eu levo e que levam os meus
amigos integralistas.

Só quando a nação atingir esse período encontrará a sua hora de salvação
e nova grandeza.

Não se seduzam pelas velhas teorias da Liberdade, Igualdade e
Fraternidade que seduziram os nossos pais e com que nos embalaram na
infância. Estudem, pensem e reflictam, não se deixando levar por
quimeras risonhas de outros tempos. Olhem para o que se passa por essa
Europa fora, vejam o que é a disciplina, a organização, a submissão ao
poder, o que é o respeito ao mando, o que são as forças organizadas
diante de forças improvisadas. Vejam tudo isso e aprendam em tudo isso.

Quando a Nação Portuguesa concentrar em si o máximo de energia e o
máximo de disciplina, a nação se salvará. Contribuamos todos para que
esse momento não tarde.


Tenho dito.





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