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Title: Da importancia da Historia Universal Philosophica na esphera dos conhecimentos humanos Author: Pimentel, Alberto, 1849-1925 Language: Portuguese As this book started as an ASCII text book there are no pictures available. *** Start of this LibraryBlog Digital Book "Da importancia da Historia Universal Philosophica na esphera dos conhecimentos humanos" *** This book is indexed by ISYS Web Indexing system to allow the reader find any word or number within the document. UNIVERSAL PHILOSOPHICA NA ESPHERA DOS CONHECIMENTOS HUMANOS*** DA IMPORTANCIA DA HISTORIA UNIVERSAL PHILOSOPHICA NA ESPHERA DOS CONHECIMENTOS HUMANOS DISSERTAÇÃO PARA O CONCURSO DA PRIMEIRA CADEIRA (HISTORIA UNIVERSAL E PATRIA) DO CURSO SUPERIOR DE LETRAS APRESENTADA PELO CANDIDATO ALBERTO PIMENTEL LIVRARIA INTERNACIONAL DE ERNESTO CHARDRON EUGENIO CHARDRON Porto Braga 1878 * * * * * DA IMPORTANCIA DA HISTORIA UNIVERSAL PHILOSOPHICA NA ESPHERA DOS CONHECIMENTOS HUMANOS * * * * * DA IMPORTANCIA DA HISTORIA UNIVERSAL PHILOSOPHICA NA ESPHERA DOS CONHECIMENTOS HUMANOS DISSERTAÇÃO PARA O CONCURSO DA PRIMEIRA CADEIRA (HISTORIA UNIVERSAL E PATRIA) DO CURSO SUPERIOR DE LETRAS APRESENTADA PELO CANDIDATO ALBERTO PIMENTEL LIVRARIA INTERNACIONAL DE ERNESTO CHARDRON EUGENIO CHARDRON Porto Braga 1878 * * * * * Porto: 1878--Typ. de A. J. da Silva Teixeira, Cancella Velha, 62 * * * * * DA IMPORTANCIA DA HISTORIA UNIVERSAL PHILOSOPHICA NA ESPHERA DOS CONHECIMENTOS HUMANOS João Baptista Vico, remontando-se á infancia poetica das sociedades humanas, vai encontrar a origem da _curiosidade, filha da ignorancia e mãi da sciencia_, n'um phenomeno natural que effectivamente devia de impressionar profundamente os sentidos e a imaginação dos homens primitivos. Acceitando da tradição biblica o facto do diluvio, e dando á terra o tempo sufficiente para enxugar da inundação universal e para exhalar os vapores seccos proprios a formarem o raio, descreve a impressão que no espirito dos gigantes _vigorosos_ e _robustos_, que então povoavam a terra, causára o coriscar d'aquelle meteóro através do ether, e o interesse com que ficaram olhando para o céo que desde logo consideraram como um immenso corpo animado, o qual alguma cousa queria decerto exprimir por meio d'essa estranha linguagem de fogo. Personificando toda a immensidade do céo no grande deus chamado Jove, que tinha por sceptro o raio, e que por toda a parte os seguia, por isso que toda a terra era coberta pelo céo, o que, segundo Vico, explica a phrase _Jovis omnia plena_, que Platão julgou dever traduzir por ether, os gigantes da terra renderam o primeiro culto á curiosidade, d'onde, como de uma semente abençoada, devia brotar o fructo precioso de todos os conhecimentos humanos. Quer acceitemos a tradição religiosa do diluvio universal, determinado por Deus para refundir toda a humanidade com a familia salva na arca de Noé, quer consideremos essa inundação geral como uma simples phase geologica, caracterisada por phenomenos glaciarios, o facto poeticamente narrado pelo philosopho napolitano subsiste em essencia, e, a nosso vêr, é de todo o ponto provavel, e quasi certo, que fosse um phenomeno meteorologico o primeiro estimulo da curiosidade humana. Vico lembra, afim de fazer acceitar a sua asserção, que ainda hoje os phenomenos naturaes lançam uma profunda impressão no animo de muitas pessoas, e cita especialmente, entre todos esses phenomenos, o da apparição de um cometa. Despertada a imaginação do homem pelo sentimento da curiosidade, entrou elle no periodo mais laborioso e ao mesmo passo poetico da infancia da humanidade. Era até ahi como um pobre cego lançado na vastidão de um mundo desconhecido e mysterioso. Mas a chamma electrica do raio veio, para assim dizer, rarear as trevas da sua immensa cegueira; essa luz estranha converteu-se para elle, como se não fosse movel e fugitiva mas fixa e duradoura, n'uma como estrella de guia, que o obrigou a altear o pensamento para além das brenhas da terra em que como selvagem vivia. Assim como a criança tem deante de si, sem o presentir, sem o suspeitar, uma tarefa enorme a cumprir, o peso d'uma responsabilidade immensa, porque chegará um dia em que ella devera crear, permitta-se-nos a expressão, o mundo da sua existencia, construindo um ninho como as aves, organisando uma familia, norteando-a, como piloto, através dos mares aparcellados da vida; assim a humanidade era, n'esse periodo da sua infancia, chamada a cumprir a grandiosa missão de adaptar o mundo inteiro, como um ninho enorme, ás necessidades da sua existencia, de desbravar os caminhos por onde devia fazer a jornada dos seculos; de aproveitar todas as forças da natureza e as suas proprias, de as harmonisar, de as educar convenientemente para um fim commum; de pegar dos elementos creados e fundir com elles a gigantesca estatua da humanidade, com toda a perfeição relativa de contornos e relevos que hoje tem, porque a humanidade não era mais na sua infancia que um esboço que importava accentuar, um molde que cumpria encher, uma força que tinha de desenvolver-se a si propria. Mas assim como a criança lentamente e quasi inconscientemente enceta a obra do seu futuro, carreando uma pedra dia a dia, dando hoje um passo, outro ámanhã, refundindo o seu espirito com o auxilio da primeira instrucção; assim tambem a humanidade se foi transformando por successivos esforços e progressos, fazendo hoje uma conquista, ámanhã uma creação, enchendo a pouco e pouco o molde vazio em que, estatua, tinha de fundir-se e completar-se. Pelo desenvolvimento da humanidade no momento actual é-nos facil avaliar a grandeza do seu trabalho através dos seculos, desde a origem do mundo até hoje. Religião, linguagem, agricultura, governo, industrias, commercio, artes, sciencias, tudo isso ella foi creando por um trabalho lento, que principiou por elementos simples, como se póde por exemplo ver na linguagem, onde o monosyllabo veio finalmente a converter-se nas linguas de flexão; na religião, onde a primeira elevação da alma para as forças da natureza, que foram encarnadas em symbolos grosseiros, veio a transformar-se na concepção grandiosa da divindade immaterial e absolutamente perfeita; no estabelecimento dos estados, onde o poder theocratico veio a parar nas modernas fórmas de governo que se pódem variar segundo o interesse geral; na agricultura, onde a rude cultura da terra, a que o instincto impellia, se desdobrou na agronomia moderna, sciencia complexa, a que as invenções dos Dombasle, Fowler e Howard servem de diadema auriluzente; nas industrias, onde a vida pastoril exercida pelas tribus nómadas, e a da pesca, exercida pelas povoações costeiras, vieram a multiplicar-se na immensa diversidade de profissões e officios a que se dedicam as classes contemporaneas; no commercio, onde a simples troca de productos, n'uma área muito limitada, veio a metamorphosear-se nas grandes operações commerciaes que se alargam por todo o mundo, graças á invenção da moeda, aos progressos da navegação, aos rapidos meios de transporte; nas artes, onde os instrumentos de silex se transmudaram nos mais completos processos mechanicos, e os megalithos, que tanto se teem estudado hoje[1], vieram a converter-se nos grandiosos monumentos de nossos dias; nas sciencias, onde, por exemplo, a astronomia caminhou desde os pastores da Chaldéa, que contemplavam os astros, sentados nas eminencias penhascosas, pelo silencio da noite, até que essa sciencia celeste terminou com Newton, como diz Larousse, a sua evolução historica. Durante esta obra de seculos, emquanto as bellas instituições da humanidade se fixavam na terra tão nova como ella, ao mesmo tempo que as plantas enraizavam no solo e bebiam os succos nutritivos n'uma exuberancia caudal, os homens, como a criança, só poderam olhar para deante, para o futuro. O seu berço ficava ainda tão perto que não havia tempo de ter brotado d'elle esse doce sentimento que as lagrimas purificam, e que não poucas vezes conduz á reconstrucção do passado pela memoria,--a saudade; ou antes, como diz Cantu[2], _os antigos tinham ainda muito poucas ruinas deante de si_, phrase que Edgar Quinet repetiu [3],--e sendo o passado o campo aberto ás investigações da historia, onde quasi não havia passado não podia haver historia. Sim. Dai um montão de ruinas ao homem, e conseguireis fazer d'elle um historiador. Uma vertebra, que no fim de contas é uma ruina do vasto edificio zoologico, bastou a Cuvier para a reconstrucção do passado. É pelo esqueleto das gerações que nos antecederam que os sabios de nossos dias teem realisado as mais assombrosas conquistas da sciencia moderna. Mas havia transcorrido o tempo e as nacionalidades tinham sahido recentemente do berço, porque a humanidade gastára longo periodo da sua infancia na vida errante e rude primeiro que podesse constituir-se em tribu, e que da tribu nascesse a nação. Como acontece com as grandes obras d'arte, as instituições humanas foram modeladas por um esboço, e aperfeiçoadas depois. O esboço da nação foi a tribu. Parece-nos, porém, questionavel a fixação do periodo de desenvolvimento humano em que se constituiram as primeiras sociedades. «Na verdade, diz Cantu, como podiam os laços do matrimonio e da paternidade tomar-se deveres antes do homem comprehender o bem que d'isto deriva e os meios de o alcançar? Como conceberia as vantagens da sociedade o que nunca as tivesse experimentado? Para que os homens se unam entre si, e façam um pacto social, é forçoso que possuam uma linguagem commum para se entenderem uns aos outros, e fórmas de convenção, de assembléas, e de representação; isto é, que estejam reunidos já em sociedade.» Não concordamos, a este respeito, com a opinião de Cantu, pelas razões seguintes. As relações naturaes a que o auctor da _Historia universal_ allude na primeira interrogação, e que, segundo elle, importam a comprehensão dos deveres que d'ellas derivam, annullam, assim encaradas, a idéa de instincto, facto comprovado em todas as especies animaes, e até nas vegetaes. Para as aves, por exemplo, os laços d'essas relações naturaes convertem-se em deveres, e todavia nós não podemos suppôr nas aves a noção moral de dever. Emquanto, entre algumas familias aladas, a mãi acalenta o ovo, o pai divaga procurando alimento para a femea, e muitos naturalistas citam o facto de certas aves _educarem_ seus filhos no que chamaremos _arte do vôo_, antes de os abandonarem a si mesmos. Quanto á segunda interrogação, convem distinguir entre o facto de constituir sociedade e o conhecimento das vantagens que d'ella resultam. Tambem poderemos suppôr nas aves, que se agremiam em grandes bandos, o conhecimento das vantagens que d'essa aggremiação resultam? As formigas, que vivem e trabalham em commum, obedecerão simplesmente ao instincto de conservação, ou serão impellidas pela elevada idéa da utilidade de associação? Quanto á terceira interrogação, isto é, á necessidade de uma linguagem commum para que os homens possam reunir-se por um pacto social, desejamos accentuar mais largamente a nossa maneira de pensar. Não somos da opinião dos que affirmam que haja tribus completamente privadas de linguagem, mas entendemos com sir John Lubbock[4] que essas tribus possuem todas uma linguagem, comquanto muito imperfeita e complicada de signaes. Bastará citar em abono d'esta asserção o facto de entre os indios kiawa-kaskaia as tribus communicarem diariamente entre si, segundo o testimunho de James[5], ignorando completamente a linguagem umas das outras. «Pelo que não é raro, diz James, vêr dous individuos, pertencentes a tribus differentes, sentados no sólo, conversando facilmente por signaes. São muito habeis em exprimir por este modo as suas idéas, e apenas interrompem o jogo das mãos, a longos intervallos, por um sorriso ou por uma palavra pronunciada no idioma dos indios crow, o mais espalhado ainda entre elles.» Por onde nos é licito vêr que sobre a mais imperfeita e rudimentar linguagem, a dos signaes, estabelecem os indios kiawa-kaskaia as mais cordeaes relações de sociabilidade com as tribus visinhas. Finalmente, a theoria de Vico, dos _povos mudos_, exprimindo-se por meio de corpos ou de imagens, que tinham alguma relação natural com as idéas que queriam exprimir, por exemplo, _tres espigas_ para significarem a idéa abstracta de _tres annos_[6], é manifestamente muito mais acceitavel do que a de Cantu, porque se funda na propria natureza humana, e destroe a opinião de que sem uma linguagem, no estado de perfeição em que Cesar Cantu parece suppol-a, a associação humana é inadmissivel. O dr. Luiz Büchner[7] confirma a opinião de Vico. Crê, segundo Westropp, que o homem primitivo foi necessariamente um sêr mudo, e a linguagem articulada uma acquisição lenta e gradual; que ella teve por origem os gritos espontaneos de prazer e dôr, a que succederam os sons imitativos (_onomatopéas_), razão por que na grande variedade de todas as linguas (cerca de tres mil) ha um numero consideravel de sons equivalentes, e até mais ou menos analogos. Cita uma observação de William Bell, a respeito do monosyllabo _loh_, empregado em muitas linguas para designar a luz, a chamma, e que procede da simples exclamação _oh!_ precedida de um _l_ ou de uma vibração da lingua. Crê que a pouco e pouco se foram formando os polysyllabos, pela repetição de um som simples, como nas palavras _mamã_, _papá_ ou pela agglutinação das syllabas. «Depois, observa finalmente, o simples grito, correspondente a um sentimento, foi _imitado pelos companheiros d'aquelle_ que o soltou, e acabou por tornar-se um signal representativo fixo servindo a designar o proprio sentimento.» Aqui temos nós a linguagem, não como base de sociedade, mas, ao contrario, tomando a sociedade como base da sua perfeição. Estabelecida a procreação pelo instincto, força irresistivel da natureza humana, que principiou a manifestar-se no homem desde os seus primeiros passos na terra, achando-se ainda embryonarias todas as forças moraes e intellectuaes, que por um lento progresso permittiram depois as mais elevadas concepções, e as mais assombrosas conquistas, foi ainda o instincto que levou a humanidade a lançar mão das primeiras industrias, da vida pastoril, da caça, da pesca, do commercio, segundo as condições naturaes dos paizes. «Assim as diversas industrias, diz Cantu, nasceram e cresceram na razão dos lugares; porém a agricultura foi a que introduziu maiores mudanças na constituição moral. O homem, querendo, quando cultivou um campo, seguir com a vista as esperanças que lhe dava, construiu junto d'elle uma habitação; então aquelle sentimento tão imperioso, que chamamos amor da patria, apparece, e a estabilidade do lar domestico dá origem á associação civil.» Mas o _lar domestico_ a que se refere Cantu está longe de ser a moralidade pela familia, pela familia que a monogamia santificou. O agricultor vivia rodeado dos seus escravos, e dos filhos; de procedencias diversas, escravos tambem. O pai era o _senhor_; governava pela força. A mulher era simplesmente uma _cousa_, um instrumento de reproducção; e as mais das vezes era arrebatada á sua tribu por violencia. Portanto, as primeiras familias foram uma reunião de escravos dominados por um chefe, só muito tarde, como mostra Lubbock[8], baseando-se nos trabalhos de Bachofen, M. Lennan e Morgan, é que se reconheceu que os filhos eram parentes de seu pai e de sua mãi. Mesmo em Roma, a palavra familia significava--escravos.--A mulher e os filhos só por serem escravos eram considerados familia. Vico mostra, por uma observação philologica, a verdade d'estas affirmações. Sustentando, como na formação da linguagem, os _verbos_ vieram depois dos _nomes_, e como os primeiros verbos foram certamente aquelles que são como que os _generos_ ou os _radicaes_ de todos os outros, exemplo, _sum_, que contém _todas as cousas metaphysicas_,--_sto_, que exprime a immobilidade, e _eo_, que significa o movimento, observa por ultimo que estes verbos apenas tiveram a principio o modo _imperativo_, porque no _estado de familia_, e na excessiva pobreza de linguagem que então havia, só os _paes_ davam ordens a seus _filhos ou a seus criados_, ao passo que estes, _submettidos ao terrivel imperio do chefe de familia, obedeciam sem murmurios ás suas ordens_[9]. Ainda hoje, entre os kalmuckos do Volga, o azorrague é o sceptro e o symbolo do poder domestico[10]. Foi certamente com esta mesma força de auctoridade que nasceu o chefe de tribu. Se a reunião de algumas pessoas carecia de uma que a regesse, a reunião de algumas _familias_, por maioria de razão, carecia de um magistrado que a governasse. Os chefes de _familia_ ou _senhores_ reuniam-se para se entregarem, em condições de segurança, ao exercicio da caça. Escolhiam certamente d'entre elles, para os dirigir, o que mais se assignalava pela destreza e certeza de caçador. Reconhecida a sua superioridade natural, ficava sendo o dominador da tribu. E esta authoridade devia ser tanto mais respeitada e temida, quanto era certo que se baseava n'um facto indestructivel e inevitavel, revestido de caracter divino, porque a força era um attributo que não dependia da vontade do homem. Da agglomeração das tribus nasceu a nação, como da agglomeração das _familias_ havia nascido a tribu. Sendo, porém, maior o numero de governados na nação do que na tribu, era preciso que o chefe escolhido para governal-os dispozesse de qualidades physicas ainda muito mais consideraveis. A mais importante de todas essas qualidades era a força, que, n'uma raça de valentes, não podia deixar de considerar-se um direito hereditario para governar. Cesar Cantu observa que o vocabulo _dynastia_ (de _dynamis_, força) indica a origem de um tal poderio. Temos, finalmente, fixada a nação, a nacionalidade, sob o imperio da força, origem dos grandes como dos pequenos estados, em todos os paizes e tempos. Citemos dous exemplos, ao acaso. «Romulo e os seus successores, diz Montesquieu[11], estiveram quasi sempre em guerra com os povos visinhos para ter cidadãos, mulheres ou terras; voltavam a cidade com os despojos dos vencidos; eram feixes de trigo e rebanhos: o que causava uma grande alegria. Eis-aqui a origem dos triumphos que foram no futuro a principal causa das grandezas a que esta cidade chegou.» A origem da moderna e pequena monarchia portugueza encarna-se, para assim dizer, na athletica figura de Affonso Henriques, o terrivel perseguidor dos mouros, o guerreiro de estatura agigantada. A propria origem das primeiras nacionalidades as impelliu á guerra, que, segundo Victor Cousin[12], é o instrumento terrivel mas necessario da civilisação. «A hypothese de um estado de paz perpetua na especie humana--diz elle--é a hypothese da immobilidade.» Comquanto não nos exalte em favor da guerra esta opinião de Victor Cousin, somos todavia levados a acreditar que a vida das primeiras nacionalidades se fortaleceu pela guerra, como o corpo de uma criança se fortalece pela gymnastica. Além do que, a victoria, lisonjeando o orgulho dos povos, nobilitava, para assim dizer, as suas aspirações de grandeza, e arrastava-os a assignalarem a si mesmos uma origem divina, aspiração que é a primeira fonte das tradições poeticas d'esses mesmos povos[13]. Acordada, portanto, a imaginação popular, cerca-se o berço das nações das brumas do maravilhoso. Os quatro livros sagrados de Confucio, reconstruidos de memoria, depois de haverem sido queimados, e acrescentados com tradições, fazem remontar a historia da China, especialmente o ultimo livro, a um passado fabuloso. Na mais antiga parte dos _Vedas_, o _Rigveda_, os indios agradecem a intervenção do poder celeste nos seus combates. Indra protege a carnificina, como nós, quando procurámos uma origem maravilhosa, fizemos intervir Christo na batalha de Ourique. Por um lado as tradições poeticas, as narrativas fabulosas geraram a Historia. Por outro lado os factos reaes, especialmente os combates, misturados com as legendas phantasticas, desenvolveram-na. Como para haver Historia é preciso que haja ruinas, a guerra foi o maior elemento da Historia, porque produz cadaveres, e os cadaveres são as ruinas da humanidade. Os seculos não passavam impunemente, sem fazer destroços. Na China, a monarchia dos _Hia_, que durou quatrocentos annos, acabou acompanhada de graves perturbações. Eis-aqui como foram augmentando os materiaes da Historia: ruinas e destroços. Foi assim que, semelhante ao sol que nasce velado pelos vapores coloridos da manhã, surgiu, na successão dos tempos, a historia de cada nação, envolta nas tradições maravilhosas da sua origem poetica. Que interessado enthusiasmo não devia de ser, porém, o dos primeiros homens que puderam quebrar imaginariamente o sello sagrado da sepultura das gerações que os precederam no perimetro da sua nação, e soprar-lhes vida nova, imitando a fabula de Pygmalião, o estatuario divino, e dar-lhes pensamento e voz, e ouvil-as, e collocal-as á volta de si mesmos, vendo-as passar em turbilhões phantasticos como na formosa ballada da dança dos mortos! O historiador, por uma arrojada abstracção, collocava-se fóra do seu paiz, e com uma poderosa alavanca, muito semelhante á que o sabio Archimedes pedira ao rei Hieron, levantava a terra que lhe fôra berço com o peso enorme das gerações que a povoaram, mostrando-a suspensa aos olhos do mundo. Era realmente assombrosa esta nova conquista do pensamento humano, tanto mais que podia o homem transmittil-a aos seus successores por meio da tradição escripta. Sentiu-se decerto orgulhoso de si mesmo o homem que pôde legar aos seus descendentes essa preciosa cadêa de ouro que o prendia ao passado, á vida de seus avós, á gloria da antiguidade; fez, para assim dizer, um presente de seculos aos seus descendentes, que, por sua vez, arremessaram para a immensidade do futuro a outra extremidade da corrente de ouro, a que as gerações subsequentes haviam de encadear novos anneis. Chegado á grande conquista do que chamaremos _faculdade historica_, isto é, ao desenvolvimento intellectual que permittiu transpor os limites da vida individual para se internar no estudo da vida nacional, apossou-se o homem de um poder verdadeiramente superior, que lhe permittia reconstruir o passado. Se é attribuido a Christo o poder de ter resuscitado um só homem pelo milagre, o homem logrou resuscitar a nação pela Historia. Mas os primeiros historiadores deveram forçosamente de assemelhar-se a estas arvores que, exuberantes de seiva na primavera, se cobrem totalmente de flôres, como a amendoeira. A imaginação, excitada pela tradição poetica[14], estava n'elles em pleno vigor, pompeava as suas galas luxuriantes, á maneira das florestas virgens que se enredam em labyrinthos de phantasiosas ramarias. Sendo certo que o ardor da imaginação arrasta á excessiva credulidade, os primeiros historiadores foram profundamente credulos, e bordaram as suas narrações com todas as tradições, legendas e fabulas, que a imaginação acceitára com prazer ou até com enthusiasmo. Herodoto é um historiador poeta, que divinisa a Grecia; Tito-Livio dá largas á imaginação para descrever e declamar; Suetonio contenta-se com colleccionar anecdotas, que, por via de regra, tanto costumam lisonjear os espiritos frivolos, porque são um brinco para a imaginação. Na successão dos tempos o christianismo, com o seu cortejo de legendas piedosas, com as exagerações proprias da exaltação da fé, contribuiu por sua vez, e não pouco largamente, para prolongar o predominio da imaginação na Historia, e retardar o advento do criterio philosophico e independente. Toda a gente sabe como a imaginação dos povos occidentaes se exaltava com a posse das reliquias de um santo, n'uma época ainda relativamente proxima de nós. Sicard, duque de Benevento, declarava guerra a Amalfi só para obter os restos mortaes de Santa Triphomena. Theodoro, bispo de Metz, preava em Roma, na presença do papa, a cadêa de S. Pedro, e jurava que não a largaria sem que primeiro lhe cortassem as mãos, porque a desejava possuir[15]. Jerusalem, a cidade celeste, apparecia ás imaginações christãs como um sagrado jardim rociado pelas lagrimas de Maria e pelo sangue de Jesus, e povoado das rosas de Engaddi, dos cedros do Libano, das oliveiras de Gethsemani, para nos servirmos de uma expressão alheia. A cavallaria, em que o elemento christão se accentuou de modo a gerar as ordens militares religiosas, veio ainda inçar a Historia com as aventuras dos paladinos, com os matizes d'essa vida de imaginação, tão futil mas tão pittoresca. A febre da cavallaria chegou a ser tamanha, que bastará citar um só facto para comproval-a. Quando Carlos V foi coroado em Bolonha, tocou com a espada na cabeça dos que desejavam ser cavalleiros, dizendo a cada um: _Esto miles._ Mas como todos gritassem em volta do rei: _Sire, sire, ad me, ad me_, Carlos V, estendendo a espada sobre a multidão, viu-se obrigado a dizer: _No puedo mas. Estote milites, estote milites, todos, todos_[16]. Na época a que nos vimos referindo, os historiadores engrinaldavam as suas lucubrações com as flôres colhidas pela mão do amor e com as rosas cortadas nos hortos de Jerusalem, pois que tanto valiam umas como outras, como claramente demonstra o annel nupcial com que S. Luiz brindou Margarida de Provença, o qual era formado de margaritas e de lizes alternados, tendo no meio um cruciflxo circuitado por esta inscripção: _Hors cet anel pourrions-nous trouver amor_[17]? Na historia portugueza andaram por muito tempo dous episodios, que tiveram por origem o maravilhoso da tradição religiosa e o maravilhoso da tradição cavalheiresca. Referimo-nos ao milagre de Ourique, refutado por Herculano, e á instituição da ordem de S. Miguel da Ala, refutada por fr. Francisco de S. Luiz. Quando havia de soar, porém, a hora em que o maravilhoso, o predominio da imaginação, devia ser banido da Historia? em que essa especie de _peccado original_ devia desapparecer batido pelo criterio philosophico? Coube aos tempos modernos a gloria de refundir a Historia, de lhe dar um novo rumo, de alargar as suas vistas espraiando-as por sobre toda a humanidade. A primeira idéa da Historia universal nasceu no seculo XVII, época relativamente muito recente, mas esta nova e grandissima conquista do pensamento humano só tarde podia chegar. Era preciso deixar accumular ruinas sobre ruinas, destroços sobre destroços, dar tempo a que os imperios desabassem, a que as religiões desapparecessem, a que os cadaveres dos homens e das instituições se amontoassem, para que de cima de todos esses enormes escombros se levantasse sereno e altivo o pensamento humano, semelhante a uma grande aguia, e alçasse o vôo até pairar n'uma esphera superior e poder medir, com segura agudeza de vista, a profundeza dos destinos da humanidade na successão dos seculos. Victoria immensa foi essa, triumpho assombroso o que permittiu que o homem alargasse por todo o mundo o dominio do seu espirito, que reconstruisse a humanidade como os primeiros historiadores haviam reconstruido a nação; que zombasse da morte animando as cinzas dos cadaveres e povoando com elles, por um poder maravilhoso do espirito, os imperios que tinham apparecido e desapparecido á face da terra, como plantas marinhas que ora surgem fluctuando no dorso da onda, ora se escondem nos sulcos profundos do oceano! Desde o momento em que o homem pôde realisar esta synthese estupenda, o maravilhoso, as tradições fabulosas fugiram espavoridos do dominio da Historia. Outr'ora, como observa Edgar Quinet, «cada nação se fazia o centro e o fim do universo, e se impunha á adoração do genero humano[18]»; agora era o genero humano que se impunha á admiração de cada nação. Perante o enorme conjuncto dos povos, já não podia pensar-se em assignalar a origem de cada um singularmente; desapparecia o orgulho nacional, o excessivo sentimento de amor patrio que procurava revestir essa origem de ouropeis poeticos; agora era preciso procurar a filiação da humanidade, estudar a sua apparição na terra, as suas divisões e evoluções, e tomando a peito a resolução de tamanhos problemas não havia tempo para estar a inventar fabulas, que ficavam esmagadas, como flôres inuteis, sob o carro da nova idéa, ou antes da nova sciencia vencedora. Como flôres inuteis, dissemos nós, e todavia devemos reflectir, avisados por Victor Cousin[19], que os primeiros erros são inevitaveis e ao mesmo passo uteis, porque fornecem a base de todo o progresso. De feito, não se póde entender a idéa de progresso senão á vista de primordios que se tornam defeituosos quando comparados com trabalhos posteriores. «Sem as attrahentes chimeras da astrologia, sem as energicas decepções da alchimia, por exemplo, onde teriamos nós haurido, pergunta Augusto Comte, a constancia e o ardor necessarios para recolher as longas series de observações e de experiencias que, mais tarde, teem servido de fundamento ás primeiras theorias positivas de uma e outra classe de phenomenos[20]»? Até agora tinhamos diante de nós a Grecia, Carthago ou Roma, e feita a historia separada de cada uma d'essas nações, julgavamos que tudo estava feito. Pelo contrario, tudo principiará agora a fazer-se, tomando por elementos de trabalho as ruinas d'esses emporios. Desde o momento em que nos collocamos n'um plano superior a todas as nações, creamos a Historia universal, e, conhecendo pela Historia universal os factos da vida dos povos, salteou-nos o desejo de averiguar as relações que poderiam existir entre os factos e as idéas, de conhecer se todos esses factos seriam obra do acaso, ou se cada povo teria sido impellido por um mobil secreto para o cumprimento de determinada lei e encarregado de desempenhar uma missão no grande conjuncto da civilisação geral. De tal desejo nasceu, no seculo XVIII, a Philosophia da historia. Assim como a medicina seria uma sciencia imperfeitissima, destinada a caminhar ás cegas, se a physiologia não houvesse podido penetrar na vida interior do corpo humano, assim a Historia universal ficaria condemnada a contemplar tão sómente o enorme vulto do gigante que se chama humanidade, se a philosophia, desempenhando missão semelhante a da physiologia no campo das sciencias medicas, não perscrutasse o que ha de intimo e de secreto no seio d'esse colosso, se, por outras palavras, não habilitasse a escrever a verdadeira historia da humanidade[21]. Uma nação constitue-se, florece e cahe. No fim de contas, pergunta um philosopho[22], o que é uma nação de mais ou de menos na humanidade? E tem razão. A Historia não passa além do tempo marcado á existencia d'essa nação, quer dizer, acompanha-a até ao seu ultimo dia, mas a Philosophia da historia procura estudar a influencia que essa nação extincta imprimiu na sorte da humanidade, qual o papel que representou no grande concerto dos destinos da civilisação. Os povos são individualidades conscientes. Ora todos os factos praticados por individualidades conscientes, embora hajam sido determinados por causas variadas, representam uma idéa. A Historia estuda os factos; a Philosophia estuda a idéa que cada um d'esses factos envolve. Portanto a Philosophia completa a Historia. Bossuet, o sabio prelado de Meaux, foi quem primeiro executou a idéa de uma Historia universal. Dedicando o seu vasto trabalho ao Delphim,--vasto, sobretudo, em relação a época--procura lançar a vista sobre a successão dos seculos, afim de que no espirito do principe permaneçam gravados os traços geraes da vida da humanidade se por ventura se lhe desluzirem da memoria os episodios das historias particulares. «Esta maneira de historia universal--diz elle[23]--é, a respeito da historia de cada paiz e de cada povo, o que uma carta geral é para as cartas particulares. Nas cartas particulares estudaes miudamente um reino ou uma provincia em si mesmos; nas cartas universaes aprendeis a situar todas as regiões do mundo conjunctamente; vêdes o que Paris ou a ilha de França é para o reino, o que o reino é para a Europa, e o que a Europa é para o universo.» Realmente, este espectaculo offerecido por Bossuet ao Delphim era assombroso, mas não se póde considerar como propriamente uma invenção do prelado de Meaux. Por isso dissemos anteriormente que foi elle quem primeiro _executou_ a idéa de uma Historia universal. Bossuet, traçando o plano da sua obra, antepõe a tudo o mais a historia do povo de Deus, _que foi o fundamento da religião_. Escreve, portanto, sob o ponto de vista religioso, ou antes faz-se um echo da Igreja. A sua obra é, para assim dizer, um desdobramento da Biblia, e toda a originalidade que revela está, como observa Cousin, na execução. Vendo caminhar o povo de Deus á face da terra, sempre guiado pelo milagre, que faz, por exemplo, com que a vara de Moysés aparte as aguas do mar Vermelho, Bossuet vê em todos os passos d'esse povo a mão de Deus, o espirito do Senhor. O plano descoberto por Bossuet na mobilidade dos acontecimentos humanos é traçado pela Providencia. «Mas lembrai-vos, meu senhor--conclue o prelado de Meaux[24]--que esta longa cadêa das causas particulares que fazem e desfazem os imperios, depende das ordens secretas da divina Providencia.» Embora arrastado pelas convicções profundamente religiosas do seu tempo e do seu espirito, e até pelo dever da sua posição social, Bossuet tem um ponto de vista exclusivo, unico, intransigente; mas em todo o caso imprime á Historia um caracter philosophico, porque determina um mobil e um fim a todos os acontecimentos humanos. O exclusivismo de Bossuet é seguramente, pelo menos á luz da sciencia moderna, o maior defeito da sua obra. Havendo elle comparado a Historia universal a um mappa-mundi, onde se póde vêr o que Paris é para a França, a França para a Europa, e a Europa para o universo, esquece-se comtudo, perante o espectaculo da Providencia, embevecido em extasis religiosos, de estudar as relações dos povos entre si para se elevar até á humanidade. Elle preoccupa-se com o povo de Moysés como se esse povo constituisse por si só a humanidade. Na historia dos imperios, a que consagra a terceira parte da sua obra, procura systematicamente a ligação, que reputa necessaria, com a historia do povo de Deus. Não só o Oriente falta no grande livro de Bossuet,--pondera Cousin[25]--assim como a historia das artes, da industria e da philosophia; mas tambem as religiões e as instituições politicas dos differentes povos são algumas vezes tratadas de modo um pouco superficial, se bem que de longe a longe, e por exemplo na historia romana, haja relampagos de uma sagacidade superior e paginas que lembram Machiavel e antecipam Montesquieu.» Lançada a primeira pedra no vasto edificio da Historia da humanidade, uma de duas cousas havia fatalmente de acontecer: ou a obra de Bossuet ficaria esquecida e, portanto, perdida, ou novos obreiros viriam continuar a fabrica gigantesca. Felizmente, um homem verdadeiramente superior, um «d'estes genios descobridores que alcançam as verdades na sua maior generalisação»[26], appareceu em Italia, illuminando com os relampagos do seu genio a grande obra da historia das idéas humanas, porque, já o dissemos, a historia dos povos não é outra cousa, ou antes creando elle proprio uma sciencia nova, _scienza nuova_, a _rainha das sciencias_, «porque as sciencias devem começar onde a materia e o objecto de que tratam principiam, e esta começará de feito com os primeiros pensamentos dos primeiros homens, e não com as primeiras reflexões dos philosophos sobre as idéas humanas[27]. É claro que nos referimos a João Baptista Vico. O immortal philosopho napolitano, cujas obras despertam a mais sympathica admiração e o mais profundo interesse, extrahe da _noite profunda e tenebrosa que envolve a antiguidade_, uma affirmação completamente nova e surprehendente: _O mundo civil foi certamente feito pelos homens_ ou, n'uma phrase mais synthetica ainda, _a humanidade é obra de si mesma_. Remontando-se á origem do mundo das nações, ou mundo civil, João Baptista Vico acceita a tradição biblica de que a terra fôra repovoada pelos descendentes de Noé, os quaes, rompendo os laços de familia por ligações passageiras e arbitrarias, se espalharam na _grande floresta da terra_. A infancia da humanidade é semelhante, segundo Vico, á infancia do homem. Os homens são mudos na sua origem. Vivem apenas porque o instincto os leva a conservarem-se. Mas o primeiro trovão e o primeiro raio lançaram no seio da humanidade nascente uma luz nova, a primeira noção da divindade, como já mostramos no principio d'este trabalho. A commoção que o primeiro phenomeno meteorologico produziu no homem, desprende-lhe a lingua: póde, finalmente, pronunciar o primeiro monosyllabo. O desenvolvimento da palavra faz-se lentamente na humanidade como no homem. A insufficiencia da linguagem é supprida por signaes, por gestos ou pela grosseira representação dos objectos na casca das arvores, origem dos hieroglyphos. Para facilitar a articulação das primeiras palavras, os homens fallam cadenciadamente: é a origem dos cantos, dos versos, da pantomima e da dança. Desenvolvidos os orgãos da voz, as primeiras palavras são a copia dos sons da natureza. Depois as palavras perdem a significação natural e tomam uma significação convencional; o mesmo acontece na escriptura, a partir dos hieroglyphos. O homem, assustado pelo trovão e pelo raio, escondeu-se nas cavernas da terra, receando d'um poder superior a elle; e ahi occultou tambem a sua companheira. D'esta juncção nasceu a familia, a que o homem teve de procurar alimentos, tendo de sahir, para encontral-os, dos recessos das cavernas. Do accordo dos deveres e das necessidades, a que esta primeira sociedade deu origem, nasceu o direito natural. Segundo a formosa theoria de Vico, vêmos, pois, como o homem é um producto de si mesmo, e o mundo civil é feito pelo homem. Na existencia de cada povo, Vico encontra a idade dos deuses, ou a época em que a imaginação e o medo divinisam as forças da natureza; a idade dos heroes, ou a época em que os homens, imaginando que tudo é obra dos deuses, attribuem a si mesmos uma origem divina; finalmente, a idade historica, em que o heroe se humanisa, e em que a natureza humana se torna intelligente, modesta, dôce e razoavel, obedecendo por consequencia á lei da consciencia, da razão e do dever, como diz o proprio Vico[28]. Dentro do circulo fatal d'estas tres idades ou naturezas, é que a vida dos povos se desenvolve e completa. Chegado ao grau de perfeição que fica assignalado, cada povo extingue-se como uma flôr que attingiu o seu maximo desenvolvimento. Outro povo, como outra flôr, o ha-de vir substituir dentro do mesmo circulo fatal. Toda a theoria de Vico se póde representar graphicamente por uma serie de linhas parallelas, que a nosso vêr exprimem perfeitamente o seu _corsi_ e _ricorsi_, o progresso e retrocesso dos povos. Segundo esta theoria, os governos começam pela _unidade_ nas monarchias de familia; pelo _menor numero_, nas aristocracias heroicas; pelo _maior numero_, nas republicas populares, e acabam pela _unidade_, como principiaram, nas monarchias civis. A successão d'estes periodos abrange a vida de cada povo. Assim, Vico, traçando, nos tempos da primeira barbarie, a longa linha de _corsi_, encontra os paes de familia exercendo um governo, cuja authoridade pretende derivar dos deuses. Esse é o periodo do mutismo; a expressão do pensamento é gesticulada, hieroglyphica (_Monarchias de familia_). Os homens errantes refugiam-se junto dos paes de familia, que lhes não querem reconhecer direito algum. Os adventicios revoltam-se. São vencidos pelos paes de familia. Revoltam-se de novo. Os paes de familia procuram fortificar-se formando uma classe e regulando os direitos das _gentes minores_, dos adventicios (_Aristocracias heroicas_). Segue-se o periodo em que a continuação das revoltas por parte das _gentes minores_ obtem concessões que produzem finalmente o governo humano, isto é, do maior numero (_Republicas populares_). A estas épocas de agitação succede naturalmente um periodo de repouso, a monarchia. Mas cumpre notar que por isso que as monarchias e as republicas populares são ambas uma expressão do _governo humano_, podem succeder-se alternadamente. Tracemos agora, segundo Vico, parallela á linha de _corsi_, a linha de _ricorsi_ no periodo da segunda barbarie. Voltam os tempos divinos. Os reis são os defensores da religião, magestades sagradas. Revestem a dalmatica dos diaconos. A corôa é encimada pela cruz. Fundação das ordens religiosas armadas. Os signaes dos brazões correspondem á linguagem hieroglyphica.--Regressam os tempos heroicos pelo feudalismo. Os barões são os heroes; os servos são as _gentes minores_.--Finalmente, os esforços dos vassallos para conquistarem a liberdade, em virtude da lei de que a potencia livre de um estado deve passar ao acto, vencem os esforços dos _senhores_ e dão origem ao governo do _maior numero_, isto é, aos governos democraticos modernos. Vico, encontrando o parallelismo dos _corsi_ e _ricorsi_ na linha d'extensão, não o pôde comtudo achar na duração e intensidade dos periodos, porque o da segunda barbarie foi muito menos longo e profundo que o da primeira. A theoria de Vico tem sido mais ou menos impugnada, sem que da impugnação se possa deduzir menospreço pela elevada concepção do philosopho napolitano, que evidentemente se baseia na divisão dos tempos, feita pelos egypcios e pelos chinezes. Cantu acha que a theoria da _Scienza nuova_ tem o inconveniente de sobrepôr a razão á liberdade; de inutilisar todos os esforços tendentes a realisar um progresso continuo; finalmente, que ella é desmentida pela constituição da sociedade americana, que se organisou sem deuses, sem heroes e sem feudatarios, á custa da industria e da concorrencia[29]. Cousin encontra na theoria de Vico o vicio da preponderancia do elemento politico, da omissão quasi completa da arte e da philosophia, e sobretudo do estudo da civilisação oriental, dominada pela religião; finalmente, da omissão relativa aos destinos da humanidade em geral na sua marcha de refluxo em refluxo[30]. O snr. dr. Theophilo Braga acha que se ha erro n'aquella divisão dos tempos consiste em fazer o computo de tal modo, que os periodos subsequentes sejam excluidos dos primeiros[31]. Mas Cantu, como Cousin, faz justiça ao talento brilhantissimo de Vico, cuja arrojada intuição, em pleno seculo XVIII, espanta realmente. Comquanto Vico fique hoje muito atrazado em vista do estado actual da sciencia, sobretudo pelo que toca aos modernos debates sobre a origem das especies, distribuição geographica das raças humanas, pluralidade dos mundos, suspeitada já por Giordano Bruno, e á questão da influencia dos meios, não póde deixar de reconhecer-se que não só previu muitos dos mais transcendentes problemas da sciencia moderna, taes como o da origem da linguagem, cuja resolução antecipou, mas tambem que deixou na sua obra os germens de muitas sciencias novas[32], e que foi o fecundador da maior parte das theorias modernas, entre as quaes a Philosophia da Historia. A obra de Vico foi continuada por Montesquieu n'um plano igualmente superior. Como Vico, Montesquieu occupa-se da relação do direito com os costumes, mas introduz na sciencia da Historia um elemento novo, que todavia já Hippocrates, Platão, Aristoteles e outros sabios da antiguidade haviam suspeitado: a influencia dos climas no caracter e vida dos povos. Bossuet havia introduzido na Historia universal o elemento religioso: Vico, o elemento racional; Montesquieu introduziu o elemento climatologico. O auctor do _Espirito das Leis_, fanatico pela sua doutrina, exagera os effeitos do clima, comquanto devesse attender a totalidade dos meios cosmologicos como Herder, mas o que é certo, e a sciencia moderna o tem demonstrado, é que o homem, e mais adeante nos demoraremos n'este ponto, quando tratarmos de Herder, nasce e vive sob a influencia da natureza que o rodeia. O clima produz as sensações habituaes, que, no decurso dos tempos, constituem a sensibilidade definitiva[33]. Nas obras d'arte, e de litteratura, que são as que mais profundamente caracterisam a civilisação de um povo, como mais de espaço veremos, importa considerar, segundo Taine[34], tres forças primordiaes, a raça, o _meio_, e o momento. Estabelecida a verdade da influencia climatologica no _homo duplex_, Emilio Deschanel[35] procura no estylo de cada escriptor a caracteristica do temperamento, do _clima_, dos habitos, etc. Pelletan, considerando o sólo como um collaborador forçado do destino d'uma raça, reconhece a necessidade de se escrever a _geographia do progresso_[36]. Não se póde levar tão longe, porém, a fatalidade exclusiva do clima, sob o ponto de vista da temperatura, que haja de se fechar os olhos a contradicções flagrantes, a que os proprios factos historicos dão relevo, embora Montesquieu veja ainda no fundo d'essas contradicções a influencia climaterica. Assente que os climas frios são os que dão o vigor, a energia, e os climas quentes a molleza e a indolencia, o proprio Montesquieu[37] foi obrigado a notar contradicções nos caracteres de certos povos do Meio-dia. «Os indios são naturalmente faltos de coragem, diz elle; os proprios filhos dos europeus, nascidos nas Indias, perdem a do seu clima.» Esta ultima affirmação acha-se plenamente confirmada no precioso livro de um viajante hollandez[38], o qual, tratando da maneira de viver dos portuguezes na India, faz notar a ociosidade a que se entregavam, a ponto de explorarem a honra de suas proprias mulheres[39]. Pois não obstante a indolencia peculiar ao clima da India, onde a luz e o calor parece conservarem-se n'uma primavera ininterrompida, os costumes indianos são violentos e barbaros: os homens submettem-se a males incriveis, as mulheres lançam-se ao fogo. Montesquieu explica ainda este facto pela preguiça do espirito dos indios, a qual é devida á indolencia do corpo, produzida pelo clima. A preguiça do espirito traz, realmente, a immobilidade nas leis e nos costumes; sem embargo, como observa Voltaire, a influencia dos climas é algumas vezes desmentida pelos factos historicos: em resposta á asserção de que os povos dos paizes quentes são timidos como os velhos, lembra Voltaire que os arabes conquistaram em oitenta annos maior territorio do que aquelle que o imperio romano possuia. Um philosopho allemão, que Edgar Quinet vulgarisou na Europa, levanta sobre a theoria de Montesquieu um edificio tão brilhante como arrojado; segundo Montesquieu, o homem é influenciado pelo clima; segundo Herder, a natureza é o molde d'onde a humanidade sahe conformada. Herder, cuja largueza de vistas abrange todos os elementos da humanidade, estudados desde a origem dos tempos, no seu desenvolvimento harmonico e progressivo, o que lhe dá uma incontestavel vantagem sobre os philosophos que o precederam, parte da geographia physica para chegar a uma synthese assombrosa. «É com um admiravel instincto--diz Quinet--que Herder segue o contorno dos rochedos e dos rios, que se perde nos desertos, que penetra com um olhar o interior de um paiz, para encontrar na natureza externa o primeiro mobil das tendencias e determinações dos povos[40].» A theoria de Herder é muito mais complexa do que a de Montesquieu, e é claro que, lançando mão de todos os elementos offerecidos pela natureza, abrange maior numero de verdades. Herder, como observa Quinet, estuda até os contornos dos rochedos e dos rios, as linhas da natureza; os perfis das montanhas e as sinuosidades do alveo dão-lhe a idéa das tendencias dos povos que vivem n'essas paragens. Com effeito, o scenario de um theatro fornece a primeira concepção das paixões que se irão desenvolver no drama. No grande palco do mundo acontece o mesmo. O aspecto da natureza torna o germano dotado de uma tempera robusta[41]. Em Portugal, os povos nascidos nas duas montanhosas provincias da Beira sahem aptos para as maiores rudezas do trabalho; são principalmente elles os que executam a tarefa das ceifas no Alemtejo, onde vão todos os annos, arrostando um sol canicular, abrazador, chegando a morrer n'um só estio e n'uma só comarca, a de Elvas, quatrocentos ceifeiros, de fouce em punho, como verdadeiros heroes do trabalho[42]. Os povos do Algarve nascem marinheiros pela fatalidade da situação geographica, arrojam-se ás maiores ousadias da navegação, como a que no principio d'este seculo realisaram, indo dous homens n'um cahique ao Rio de Janeiro. Herder tinha razão. Um só rio, o sinuoso e extenso Douro, basta a caracterisar a vida da maior parte dos habitantes d'uma provincia. O conhecimento pratico, a observação de algumas povoações portuguezas leva-nos a estabelecer o principio de que a fórma geometrica dos rios determina os costumes dos povos circumpostos. As correntes em linha recta são as que produzem menor pureza de vida; pelo contrario, os rios meandrosos, difficeis, occasionando um trabalho continuo e perigoso santificam, para assim dizer, os costumes. Estudemos esta theoria no rio Douro. Os barqueiros d'este rio entregam-se a um trabalho por tal modo intenso e ininterrompido, que chega a ser uma religião. Pendurados das fragas afim de tirarem os barcos á sirga, empenhados em vencerem os perigos dos _pontos_, verdadeiras cataratas, havendo previamente, de barrete na mão, confiado as suas vidas a Deus, são completamente absorvidos pela preoccupação do trabalho. Extenuados, quando recolhem ao lar domestico, dedicam-se á vida de familia, ao descanço patriarchal da lareira; regulando ainda assim o tempo por modo que muitos d'elles cultivam a sua vinha, a sua pequena horta, no intervallo das viagens. Mas nos rios placidos, rectilineos, a navegação não é um trabalho, é, pelo contrario, um pretexto de ociosidade. A propria corrente leva o barco, os barqueiros não bebem para fortalecer-se; bebem para embriagar-se, por _deboche_. Quando chega a noite, procuram as casas devassas, as rameiras do caes. Herder, desenvolvendo a theoria de Vico, abrangeu todos os meios cosmologicos; não se preoccupou só, como Montesquieu, com os agentes astronomicos, e deu a devida importancia á acção geral da natureza. No estado actual da sciencia é preciso tambem ter em vista os modificadores sociologicos, posto que muitas vezes nos pareçam sujeitos aos cosmologicos. As profissões industriaes, por exemplo, não raro dependem de uma influencia puramente local. Jacques de Boisjoslin confirma esta opinião, avisando de que as aptidões profissionaes podem enganar sobre as verdadeiras disposições das raças, por isso que frequentemente derivam do clima, da pressão da natureza[43]. Edgar Quinet lança-se com vivo enthusiasmo na theoria de Herder: «A figura dos continentes, dos rios, dos mares, das montanhas,--escreve elle com o seu bello colorido poetico--, quasi por toda a parte ha determinado a das sociedades; de modo que cada continente é um molde onde a Providencia vasa as raças humanas para que ahi tomem a fórma eterna dos seus designios; e o primeiro propheta escreveu o seu livro nas linhas mudas dos continentes ainda deshabitados[44].» Cousin, depois de haver prescripto ao movimento geral da Historia tres épocas, ligadas não só por uma relação de successão mas tambem de geração, tres épocas baseadas sobre as tres unicas idéas que o pensamento humano póde conceber, o _infinito_, o _finito_, a _relação do finito com o infinito_, sendo que estes tres elementos podem coexistir n'uma mesma época posto que seja o predominio de um o que a caracterisa; Cousin liga tambem uma alta importancia á situação geographica e chega á conclusão de que para _tres épocas differentes, tres theatros differentes_. A theoria de Herder tem sido, porém, accusada por alguns philosophos de imprimir ao homem um caracter de passividade, que o reduz á condição de escravo da natureza que o rodeia, e elle proprio, como lhe é censurado, não póde explicar pela geographia physica todos os desenvolvimentos da civilisação. Para elle, a linguagem humana é uma instituição divina, posto que até certo ponto nos pareça que, reproduzindo os primeiros homens as vozes da natureza pela onomatopea, segundo Vico, podia Herder explicar por esse mesmo facto a origem da linguagem, e pela situação geographica a euphonia ou a aspereza de certos dialectos. Uma outra accusação consiste em não se haver Herder remontado á origem ethnica das raças, encarando-as apenas no estado em que as encontrou, quando estudou o caracter de cada uma como elemento da Philosophia da historia; pelo que calumniou toda a raça aryana, e portanto os germanos, a que pertencia, quando representou como rebeldes a toda a cultura os celtas e os slavos, que foram a guarda-avançada da colonisação europêa[45]. Como quer que seja, Herder accendeu a esplendida aurora que devia illuminar, principalmente em nossos dias, o estudo de todos os grandes problemas da sciencia e da humanidade, a que, depois d'elle, se tem dedicado grande numero de espiritos luminosos e fortes, cujas theorias não podemos mencionar n'um trabalho que, como este, tem de ser realisado n'um periodo fatal e curto. O ponto de vista religioso de Bossuet e o ponto de vista politico de Vico ficaram desde Herder offuscados pelo conjuncto synthetico de todos os elementos da civilisação humana: as raças, as linguas, as religiões, as artes, as litteraturas, os systemas de governo e de philosophia, etc. Duchinski achou vinte e oito elementos de critica historica: 1. Hydrographia; 2. Plasticidade do sólo; 3. Physionomia dos habitantes; 4. Hygiene, doenças; 5. Climatologia; 6. Mythos; 7. Tradições peculiares a cada raça; 8. Faculdades musicaes e poeticas; 9. Tendencia dos povos á vida sedentaria agricola ou a vida nómada mercantil; 10. Lugar da mulher na sociedade; 11. Faculdades religiosas, desenvolvimento das seitas; 12. Vestuario; 13. Alimentos, e bebidas; 14. Desenvolvimento da vida provincial e das idéas federativas; 15. Maior ou menor predisposição para a adoração do principio do mal; 16. A geologia e sobretudo a geologia agricola; 17. A botanica; 18. A zoologia; 19. As linguas sob o ponto de vista lexicographico; 20. As linguas sob o ponto de vista euphonico; 21. As linguas sob o ponto de vista dos caracteres da civilisação; 22. As linguas sob o ponto de vista das tradições historicas que apresentam; 23. Pureza e impureza relativa dos costumes; 24. Grau do poder creador do espirito; 25. Grau de parentesco entre os povos sob o ponto de vista das relações historico-politicas; 26. Estatistica; 27. Encadeamento dos factos historicos. 28. Grau de parentesco com relação ás origens. E certamente não se poderia Duchinski gabar de ter enumerado todos os materiaes que sabe aproveitar a Philosophia da Historia, em cujo campo o menor elemento fornece uma caracteristica, o que não deve admirar depois que se conheceu que uma alga microscopica, a _Trichodesmium erythræum_, produz certa coloração particular do mar Vermelho. Afim de estudar todos estes elementos, para chegar á synthese da humanidade, era preciso desenvolver, refundir e até crear um grande numero de sciencias correlativas a elles. É o que se tem feito até hoje. Cada sciencia especial acode a offerecer ao investigador uma poderosa alavanca que ha-de ajudar a levantar a humanidade á altura precisa para receber de frente toda a luz da Philosophia. A Historia, que fôra outr'ora simplesmente a narração de factos, tornou-se, portanto, a mais complexa de todas as sciencias. Foi uma transformação assombrosa. Atearam-se os grandes debates da sciencia moderna, os sabios lançaram-se á descoberta da verdade, tomando a Philosophia por instrumento. O nosso seculo tem assistido as mais brilhantes investigações. A Philosophia positiva metteu hombros ao colosso do passado, e iniciou um dos cyclos mais admiraveis da humanidade, se não o mais assombroso de todos elles. Parece-nos conveniente insistir n'este ponto, por isso que lavra ainda em alguns espiritos uma certa desconfiança sobre o estado de perfeição dos modernos trabalhos scientificos. O conhecimento d'esta desconfiança foi que nos determinou a escolhermos para dissertação de concurso o vasto assumpto de que vimos tratando, seguramente muito superior ás nossas forças. Odysse-Barot é um d'esses espiritos desconfiados. «Vemos apparecer cada anno, diz elle[46] numerosas e interessantes monographias, obras especiaes de um incontestavel valor; mas não passam de uteis materiaes, que seria tempo de pôr em obra. A Historia está no ponto em que se achavam: a astronomia antes de Keppler, Copernico e Newton; a chimica antes de Lavoisier e Berzelius; a physica antes de Archimedes; a zoologia antes de Geoffroy Saint-Hilaire; a geologia antes de Cuvier; a physiologia antes de Harvey. A lei da attracção universal será mais difficil de formular do que a lei da attracção celeste? Sabemos como se movem os astros, e ignoramos como se movem os povos! Podemos determinar a curva que descrevem os mundos, e não sabemos absolutamente nada da orbita que percorrem as nações! Porque não descobrirão a lei da aggregação dos homens, como souberam achar a lei da aggregação das moleculas de um corpo? Não haverá uma chimica social do mesmo modo que ha uma chimica organica ou uma chimica mineral? Será que as forças chamadas cohesão e affinidade não possam actuar senão sobre os gazes, os liquidos ou os solidos? Acaso a humanidade ignora o que é uma combinação, uma liga? Não tem seus reagentes, suas decomposições, seus precipitados? Descobriu-se a lei da circulação do sangue no homem: a historia espera o seu Harvey, para encontrar a lei da circulação do sangue nas sociedades. A historia espera o seu Archimedes, que nos dê a formula da dynamica e da statica politicas, etc.» Realmente, isto é querer desconhecer até onde teem chegado os progressos da actividade humana dentro do campo da possibilidade, e exigir da humanidade o impossivel. Com a sabia orientação da Philosophia positiva, o espirito humano caminha energicamente para as acquisições scientificas que as mais pacientes observações preparam todos os dias. Foi trabalhosa e demorada a jornada até esta conquista, porque o espirito humano teve de atravessar successivamente o estado theologico, base e estimulo de todo o progresso, porque é preciso um ponto de apoio qualquer para firmar os primeiros passos, e o estado metaphysico, transição do estado theologico para o estado positivo. Mas, chegados a esta nova conquista, o que podemos exigir da Philosophia positiva, sciencia que elevou a Historia á sua mais alta concepção? Que nos permitta encarar todos os phenomenos como sujeitos a leis naturaes invariaveis, e reduzil-as ao menor numero possivel, afim de simplificarmos a universalidade dos conhecimentos humanos; que nos permitta sujeitar a um systema claro e positivo todas as sciencias fundamentaes estudadas nas suas relações communs como elementos constitutivos de um todo harmonico, e portanto tambem nas suas relações com esse mesmo systema, com esse todo. Esta grande, esta immensa obra de simplificação deve-se á Philosophia positiva. Mas para que a Philosophia positiva podesse constituir-se com o caracter de universalidade que lhe é proprio, era preciso abraçar todas as ordens de phenomenos. Por isso a Philosophia positiva teve de inventar uma nova sciencia, que se propozesse estudar uma especie de phenomenos, que não podia incluir-se na dos astronomicos, na dos physicos, na dos chimicos, nem finalmente na dos physiologicos, e creou a _physica social_, que se trata de estudar com o vagar que a sua dependencia de todas as outras sciencias de observação exige, e que virá completar a constituição da Philosophia positiva. Mas todos estes grandes, estes grandissimos progressos do espirito humano, toda esta colossal obra de simplificação e generalisação poderá produzir o conhecimento exacto, certo das causas das leis estudadas ou da explicação universal de todos os phenomenos por uma lei unica? Responde o proprio Comte, o grande apostolo do positivismo: «Na minha profunda convicção pessoal, considero estas empresas d'explicação universal de todos os phenomenos por uma lei unica como eminentemente chimericas, ainda quando são tentadas pelas mais competentes intelligencias. Creio que os meios do espirito humano são muito fracos, e o universo muito complicado para que uma tal perfeição scientifica possa estar ao nosso alcance, e até penso que se faz geralmente uma idéa muito exagerada das vantagens que de tal conquista resultariam necessariamente, se ella fosse possivel[47].» É o proprio Augusto Comte que nos vem dizer que considera defezos á razão humana todos os mysterios que a philosophia theologica procurava explicar facilmente; que o espirito humano deve reconhecer, no estado positivo em que se acha, a impossibilidade de obter noções absolutas, de conhecer as causas intimas dos phenomenos, a origem e o destino do universo[48]. Estamos, pois, lançados na ampla estrada de uma sciencia toda humana, e havemos de chegar até onde os recursos humanos nos possam levar. É preciso tempo e trabalho para que a folha da amoreira se converta em sêda. A astronomia esperou o seu Keppler, como a historia espera o seu Archimedes. Odysse-Barot pede a formula da dynamica e da statica politicas: portanto, o que pede são duas theorias scientificas, que se devem considerar como factos logicos. Ora só por uma profunda observação d'esses factos se póde chegar ao conhecimento das leis logicas[49]. A Philosophia positiva, auxiliada pelas sciencias de observação já perfeitamente conhecidas, procura preencher a lacuna que respeita aos phenomenos sociaes para attingir o seu caracter de universalidade. Segundo esta nova marcha do espirito humano, toda positiva e observadora, a Historia teve de estudar profundamente a natureza para chegar, finalmente, á exacta concepção do lugar que n'ella occupa o homem. A geologia tem, portanto, attingido um notavel estado de florecimento. A historia da terra desdobrou-se em capitulos com uma nitidez admiravel, desde a nebulose, que pelo resfriamento se converteu na esphera terrestre, até nossos dias. Excavando nas entranhas da terra, para extrahir, como um minerio precioso, a sua historia, a sciencia encontrou os destroços animaes e vegetaes que geraram a paleontologia. Nas camadas terciarias do globo appareceram os instrumentos de pedra, a que o vulgo chama ainda hoje _pedras de raio_[50], e que effectivamente foram considerados como productos da natureza antes que Mercati os considerasse como armas defensivas do homem no estado da sua rudeza primitiva. O achado de alguns fosseis, que pareceram humanos, a par com os esqueletos de alimarias ante-diluvianas, veio depois, ao cabo de longos debates, e de novos achados, desfazer o erro anthropocentrico, confirmar a existencia prehistorica do homem e por conseguinte o emprego dos instrumentos de silex. Foi assim que do consorcio da geologia com a paleontologia nasceu a archeologia. Então, á luz do grande facho da archeologia, pôde a Historia reconstruir as idades primitivas do homem. Chamou á primeira, _de pedra_, e subdividiu-a em _paleolithica_ ou dos instrumentos de pedra lascada; _mesolithica_ ou dos instrumentos de pedra lascada e de osso; _neolithica_ ou dos instrumentos de pedra polida; e á segunda, idade dos _metaes_, subdividindo-a em idade de bronze[51] e idade de ferro. A descoberta de fosseis humanos, e dos instrumentos prehistoricos, veio dar desenvolvimento a um grupo de sciencias que teem necessaria relação entre si. No primeiro plano d'este grupo, apparece a anthropologia, ramo da historia natural que trata do homem e das raças humanas, sciencia que se póde considerar originada pelo positivismo moderno, comquanto os gregos já designassem pelo vocabulo _anthropologos_ aquelles que discutiam sobre o homem. O problema da origem do homem impoz-se á meditação dos sabios, como uma das mais importantes questões a resolver. Apartaram-se as opiniões, os campos. A primeira base de toda a discussão foi o Genesis. A opinião polygenista tirava argumento de serem os filhos de Deus representados como raças provenientes de Adão, e os filhos dos homens como raças não adamicas[52] e de que a Biblia apenas se referia aos povos semitas, particularmente aos judeus[53]. A opinião monogenista contrapunha que todas as raças descendiam primitivamente de Adão e Eva, e consecutivamente dos tres filhos de Noé salvos do diluvio; que a influencia dos meios cosmicos produzira a variedade das raças. Esta discussão veio a generalisar-se, a emancipar-se da sua origem biblica, a diffundir-se pelo campo da sciencia, e até da politica[54]. O _transformismo_ é uma phase nova d'esta grande questão, que envolve uma idéa antiga[55]. Lamarck sustenta que as especies se transformam passando de uma para outra, tanto no reino animal como no vegetal: o homem é uma transformação lenta do macaco. Procurando a origem dos sêres, Lamarck encontra os germens primordiaes ou mónadas, provenientes de geração espontanea. N'este systema, os meios de transformação explicam-se pela adaptação dos orgãos ás condições da existencia. Cuvier, Geoffroy Saint-Hilaire e outros, sahiram em defeza das idéas orthodoxas, que parecia haverem triumphado quando appareceu Carlos Darwin, cuja theoria se póde definir: _A selecção natural por a lucta pela existencia, applicada ao transformismo de Lamarck_[56]. Segundo Darwin, todos os seres organisados se transformam incessantemente sob o imperio de uma lei de selecção natural (_natural selection_), e todas estas transformações têem por causa a lucta pela vida (_struggle for life_), isto é, o combate eterno dos sêres vivos entre si pelos meios de existencia. Todas as especies vivas descendem, segundo Darwin, de um pequeno numero de prototypos ou mesmo de um só. Em virtude da selecção natural todas as variações uteis são conservadas, e todos os desvios nocivos eliminados[57]. Comquanto Carlos Darwin se abstivesse de applicar a sua theoria á especie humana particularmente, os que a defendem fazem essa applicação como consequencia logica das asserções apresentadas por elle. A doutrina darwiniana foi o ponto de partida de um longo debate que ainda dura. Entre os allemães que se filiaram na escóla do transformismo, avulta Hæckel, que para explicar a origem do homem parte das primeiras cellulas conhecidas, _moneras_, formadas por geração espontanea. Estas cellulas foram-se dispondo em orgãos e, depois de uma serie de transformações, que se podem classificar em vinte e dous graus, apparece o homem. Graças ao espirito de positivismo do nosso seculo, as sciencias biologicas chegaram a este grau de desenvolvimento, e como que sopraram vida nova á intelligencia humana cada vez mais ávida de saber. Desdobram-se na tela da discussão os mais graves problemas, como por exemplo o das gerações espontaneas, que tanto preoccupou a Academia das Sciencias de Paris, depois que em 1858 o professor Pouchet lançou o pomo da discordia ao seio dos quarenta immortaes[58]. Certo é que muitos d'esses grandes problemas não estão ainda resolvidos, como por exemplo o do transformismo, mas não é menos certo que as modernas investigações vão cada vez produzindo novas acquisições, e que, pelo que toca ao transformismo, a doutrina da mutabilidade e da evolução morphologica dos seres organisados vai cada dia ganhando maior terreno. N'um curso regular de anthropologia, como aquelle que se professa no Instituto anthropologico de Paris, sob a direcção de Paulo Broca, a ethnologia, sciencia que se occupa da classificação, descripção, repartição, filiação e evolução das raças humanas, tem um logar importantissimo, e tanto se identifica esta nova sciencia com a Historia philosophica, que só pelo estudo das raças constituiram alguns historiadores uma Philosophia da Historia. As analogias encontradas entre as linguas da Europa e o sanscrito determinaram as affirmações a que se chegou sobre a unidade da raça indo-européa ou aryana. Os resultados fornecidos pela investigação levaram Francisco Boop a reconhecer o parentesco das linguas celticas, que até ahi faziam grupo á parte, com o sanscrito, e com as demais de origem aryana. Por onde nos é dado vêr como a ethnologia prosperou pela applicação do methodo philologico. Aqui temos pois irmanadas duas novas sciencias, por igual importantes, a ethnologia e a philologia. E não diremos que a philologia é a base da ethnologia, porque muitas vezes a linguagem de um povo está falseada por agentes historicos e sociaes, taes como a conquista, o commercio, e a irradiação de focos intellectuaes mais ardentes[59]. Mas, como quer que seja, acompanhar a evolução das raças desde a sua filiação o mesmo importa que fazer simultaneamente a historia das linguas respectivas e o estudo critico das litteraturas sob o ponto de vista da archeologia, da arte e da mythologia[60]. Os grandes problemas philologicos apenas começaram a inspirar geral interesse no principio d'este seculo. O ponto de partida dos modernos trabalhos sobre a sciencia da linguagem foi a _Grammatica comparada das linguas indo-europêas_ por Francisco Boop. A antiguidade classica, circumscripta ao estudo da civilisação italiana ou grega, não podia elevar-se ás theorias geraes[61]. Além do que, era preciso que a Historia fosse estudando a genealogia dos povos, reconhecendo-os, para sobre o conhecimento pratico das linguas fundamentar a moderna sciencia da linguagem[62]. No seculo actual a philologia começou a estudar as ramificações das linguas, a comparal-as, a classifical-as, a criticar os seus productos, como a Historia começou simultaneamente a estudar as ramificações dos povos, a comparal-os, a classifical-os, a criticar as suas manifestações. A linguistica, estudando a phonetica e a estructura das linguas, veio prestar uma valiosa collaboração á philologia, porque se o philologo não sabe nada da lingua em si mesma, diz Hovelacque, se ignora a sua estructura e os elementos que a compoem, como poderá fazer um juizo completo sobre os productos, os fructos d'esse agente, d'essa lingua[63]? A Philosophia positiva, pela applicação dos seus processos de simplificação e de generalisação, tratou de procurar as leis que presidiram á formação das linguas, e assim é que a sciencia da linguagem tem chegado á descoberta de factos importantissimos. Averiguou-se, por exemplo, que a lingua chineza, a qual comprehende quarenta mil palavras, apenas possue um peculio de quatrocentas e cincoenta raizes. Lubbock[64] occupa-se em mostrar a identidade de raizes na linguagem de muitas raças, e toma para exemplo as articulações _pa_ e _ma_, que para a maioria dos povos significam _pai_ e _mãe_, por isso mesmo que são as primeiras syllabas pronunciadas pela criança, as mais faceis, as mais involuntarias, como observa Lefèvre[65]. Mas, aqui se levanta uma importante questão. Como foram escolhidas estas raizes? Como é que certas cousas foram indicadas por certos sons? Max Müller chama a esses primitivos elementos das differentes famillias de linguas _typos phoneticos_ produzidos por um poder inherente á natureza humana. E acrescenta: «Existem, como diria Platão, por natureza; ainda que devemos tambem declarar com Platão que quando dizemos por natureza, queremos dizer pela mão de Deus.» Ha, porém, algumas palavras que, como _zas_, provém da imitação de um som. Segundo Müller, as palavras d'esta especie parecem-se com as flôres artificiaes: não têem raizes. Lubbock não fica satisfeito com a resposta dada por Müller a esta pergunta «Como é que os sons podem exprimir o pensamento»? posto adjective de eloquente a resposta. Lefèvre qualifica-a de excesso de mysticismo anglicano por parte de Müller, e observa que «o grito vago, fixado, precisado pelo habito, por convenção, por analogia com certas impressões traduzidas em onomatopêas nos basta para comprehender como a tal ordem de sensações ou de movimentos cerebraes se pôde ligar tal ou tal som.» D'este modo não haveria na linguagem as flôres artificiaes de que falla Müller, e, como pensamos, todas essas syllabas-mães mergulhariam raizes na interjeição ou na onomatopêa, acabando de fixal-as o habito. A moderna applicação da Historia a todos os ramos dos conhecimentos humanos produziu, na sciencia da linguagem, um estudo encantador--a biographia de cada palavra, muitas vezes em opposição com as regras phoneticas que determinam as mudanças possiveis das letras. O verdadeiro caracter de universalidade da Historia provém certamente não do facto de abranger a generalidade dos povos, mas sim a generalidade dos assumptos, e é por isso que ella envolve, na sua immensa esphera, todas as sciencias. Tudo tem uma historia, e o historiador universal tem de abranger a historia de tudo. Max Müller[66] faz, a traços poeticos, a biographia da palavra _palacio_. Sobre as margens do Tibre, uma das sete collinas era chamada _collis Palatinus_. Palatinus derivava-se de Palas, divindade pastoral, cuja festa se celebrava a 21 de abril. Nero mandou demolir todas as casas particulares d'esta collina para ahi edificar o seu aureo palacio, _domus aurea_, a que se principiou a dar o nome de _Palatium_, conservando-se como typo dos palacios reaes da Europa. De _palatium_ nasceu o adjectivo _palatino_, a que se juntou a palavra _abobada_ para significar o ponto mais elevado da bocca, porque _abobada_ era realmente, como observa Müller, uma palavra muito propria para designar o palacio da bocca. O illustre professor d'Oxford, lembrando a phrase de Ennius--_palatum coeli_--, para exprimir a abobada dos céos, faz sentir a evidente analogia que ha entre a concepção do palacio da bocca e a de uma abobada, e entre a concepção de uma abobada e a sumptuosa habitação dos imperadores. Tomando por instrumento de investigação a philologia, a Historia não abriu os vocabularios das differentes raças para estudar sómente a biographia das palavras, mas quiz tambem deletrear n'elles a condição social, a civilisação d'essas raças. A critica philologica descobriu que os Hos da India central não conhecem os termos affectuosos; que os Algonquinos, povo da America septentrional, não possuem o verbo _amar_; que os Bosmejans não teem nomes proprios para distinguir os individuos; que as tribus brazilicas desconhecem as noções de _côr_, _genero_, _espirito_, etc., por isso que não apparecem nos seus vocabularios palavras correspondentes a estas noções[67]. Se os vocabularios foram considerados testimunhos importantes para a historia da civilisação dos povos, as litteraturas, os monumentos litterarios principiaram a reputar-se, perante a critica moderna, a photographia do estado do espirito d'esses povos, e dos seus costumes. É por isso que Henri Taine[68] disse: «A historia transformou-se ha cem annos na Allemanha e ha sessenta em França, pelo estudo das litteraturas.» A litteratura copia o povo, como o livro copia o homem. Os monumentos litterarios são a concretisação da alma das nações: tudo o que ella sentia no _momento_ em que produziu, influenciada pela força do meio physico, clima, e pelas disposições hereditarias, _raça_, está alli condensado. Uma epopéa é um composto determinado pela acção simultanea d'estas tres forças primordiaes reconhecidas por Taine. Interrogado o _Mahabharata_, reproduz a nossos olhos o cyclo tempestuoso das conquistas dos aryas, quando, avançando para o sul, se propozeram assenhorear as regiões do Ganges. O _Ramayana_ é tambem um symbolo sob a fórma de uma epopéa. A serenidade e abundancia que succedem aos trabalhos de Rama, para rehaver o throno e a esposa, representam a conquista pacifica do Meio-dia da India depois da conquista guerreira. É o poema da _posse_, como o _Mahabharata_ é o poema da lucta. Ambos elles respondem eloquentemente ás interrogações da Historia, ambos elles caracterisam a alma da raça arya ao tempo em que rolava do alto do Thibet para, como uma onda enorme, alagar talvez o mundo[69]. Eis-aqui porque já haviamos dito que as obras de arte e de litteratura são as que mais profundamente caracterisam a civilisação de um povo. Nos tempos modernos, a Historia, depois do rumo que lhe imprimiu Vico, pôde extrahir grandes recursos do estudo dos symbolos; quando ella chegou a lêr esses alphabetos mudos, permitta-se-nos a expressão, dos povos primitivos, descobriu segredos importantissimos. Na poesia do _Ramayana_ conseguiu reconhecer em Rama e em Sita uma dupla personificação da agricultura, da força que move o arado e do sulco que esse movimento produz na terra[70], o que plenamente confirma a exegese em que o _Ramayana_ é o poema da conquista do sul da peninsula indostanica pelo trabalho sereno, pela paz. O symbolismo juridico, interrogado pela Historia, produziu a _poesia do direito_, concepção encantadora que em Portugal só tem originado, até hoje, um unico livro[71]. Assim é que a symbolica vai encontrar na _stipulacão_ a _palha_ (_stipula_), que intervinha nos contractos[72] e que até algumas vezes se cosia aos documentos[73]; na prova pelo _fogo_ o symbolo da pureza, porque, segundo os antigos, o fogo, sendo o grande purificador, «não podia conjurar contra o innocente[74].» Em Portugal, as mulheres accusadas de adulterio _purgavam-se a ferro caldo_. O ferro, aquecido pelo fogo, accusava o crime ou a innocencia: o fogo, diz o _Ramayana_, vê tudo o que ha de manifesto e tudo o que ha de occulto. Bastaria só este facto para demonstrar que o symbolismo tanto abrangia a religião como o direito. Por um lado o fogo tinha um caracter divino, encarnava-se em Vesta, a que os gregos chamavam Estia, _fogo domestico_[75]; por outro lado revestia um caracter juridico, porque pela prova do fogo ficava a mulher legalmente rehabilitada. De modo que no _ferro caldo_ não só se póde distinguir o elemento religioso e o elemento juridico, mas tambem a relação existente entre os dous elementos: sendo o adulterio um crime que principalmente affecta a vida de familia, a superstição continuou a fazel-o julgar pelo fogo, que na mythologia grega tinha um caracter divino de domesticidade. Antigamente, o historiador fugia dos symbolos pela mesma razão que os caminhantes fugiam da Sphynge: por não poder adivinhar o que elles diziam. Mas depois de Vico, o primeiro philosopho da Historia, as allegorias tornaram-se claras, luminosas. Desde esse momento tanto se dilatou a esphera da Historia, que um só individuo passou a representar uma generalisação: Achilles o _valor commum a todos os homens fortes_, Ulysses a _prudencia commum a todos os sabios_[76]. Esta generalisação illustrou ao mesmo passo o passado e o futuro: o passado, porque interpretou a antiguidade; o futuro, porque produziu a etymologia das linguagens poeticas. Pelo auxilio que a archeologia e o estudo das litteraturas vieram prestar á Historia, chegou-se á concepção da ethnographia, sciencia que dá o conhecimento dos usos, costumes, aptidões e religiões dos povos, e cuja denominação foi fixada em 1826 por Balbi[77]. Esta nova sciencia veio, pois, completar o estudo do grupo humano sob o ponto de vista zoologico (anthropologia) e sob o ponto de vista historico e geographico (ethnologia). Como se fossem tres grandes linhas, as tres sciencias cruzaram-se em triangulo: dentro d'elle ficou o homem. O _homo sapiens_ de Linneu mais propriamente se poderia denominar desde então _homo triplex_. Toda a importancia da ethnographia não está, como por muito tempo se julgou, no interesse maior ou menor que póde despertar á imaginação o conhecimento da estranha maneira de viver dos povos. A sciencia moderna deu ás narrativas dos _touristes_ um valor até agora desconhecido, e foi d'este modo que a ethnographia revestiu um caracter altamente scientifico. Sob este ponto de vista, presta um grande auxilio a interpretação dos phenomenos sociaes, á sciencia da sociedade ou _sociologia_, como lhe chamou Augusto Comte. Herbert Spencer encontrou grandes subsidios na historia das superstições, quando reconheceu que ellas pertenciam ao numero de certas particularidades de que parcialmente depende a maneira por que a unidade social se comporta no meio das condições ambientes, inorganicas, organicas e superorganicas[78]. As civilisações antigas teem-se reconstruido em grande parte pelas investigações archeologicas, que são para a ethnographia um poderoso instrumento de averiguação. A sciencia moderna tem conseguido fazer a historia geral da civilisação da humanidade desde a idade de pedra até nossos dias, como se o homem actual podesse realmente retroceder ao passado e voltar ao presente com as provas materiaes do modo como a sua existencia se desenvolveu, de cyclo em cyclo, sobre a face da terra. Na grande resurreição da humanidade pela sciencia, o mais insignificante fragmento de barro serviu para a reconstrucção historica de uma civilisação. Do conjuncto das sciencias que estudam o passado, e que são dominadas pela Historia, porque se apoiam sobre factos historicos, trazem origem algumas sciencias novas, entre as quaes mencionaremos a _sciencia das religiões_. Com quanto recentissima, são realmente admiraveis as conquistas, as descobertas já realisadas por esta sciencia. Uma d'ellas é, seguramente, a affirmação da unidade historica das religiões. A crença de que cada religião possuia sua autochthonia, ou pelo menos certa originalidade, cahiu perante o resultado das investigações modernas, as quaes poderam levar o espirito humano á conclusão de que as religiões teem uma origem asiatica commum, que se encontra nos _Vedas_. A demonstração d'esta verdade é admiravelmente desenvolvida por Emilio Durnouf[79]. Achou-se que as religiões derivam de um elemento primitivo, o fogo, considerado sob o ponto de vista de tres funcções distinctas: uma _physica_, outra _psychologica_, a ultima _metaphysica_. A estas tres funcções correspondem tres phenomenos, que impressionaram o espirito dos aryas, quando ainda estanciavam nos valles do Oxus: o movimento, a vida, o pensamento. Estes tres phenomenos abrangem a totalidade dos phenomenos naturaes. Espraiando a vista por todas as cousas inanimadas que os rodeavam, os aryas chegaram á convicção de que todas essas cousas se moviam por effeito do calor, proveniente do sol. Reconheceram o calor na chamma, no raio, nas nuvens formadas pela evaporação das aguas, no vento produzido pelos movimentos vibratorios do ar devidos á presença do calor, que o rarefaz, ou á sua ausencia, que o condensa; em tudo, finalmente. Depois, fixando a sua attenção nos corpos organicos, encontraram a mesma causa de vida: viram os vegetaes enfolhar e florir animados pelo ósculo tépido da primavera, e pender feridos de morte no inverno; viram os animaes mover-se cheios de actividade e de vida quando o calor lhes retemperava os membros, e enfermar e morrer quando o frio os enregelava. Portanto foram levados a concluir que residia no calor a causa de todo o movimento nos corpos inorganicos, e de todos as phenomenos vitaes nos corpos organisados. Mas a presença ou a ausencia de calor, estudada no corpo humano, produziu a noção de tres funcções differentes. FUNCÇÃO PHYSICA.--O corpo do homem ganhava pelo calor a actividade, a vida, que perdia pelo resfriamento. FUNCÇÃO PSYCHOLOGIGA.--Desde o momento em que o corpo do homem se tornava cadaver por um resfriamento geral, a faculdade de pensar desapparecia. FUNCÇÃO METAPHYSICA.--Se pela ausencia da luz o mundo ficasse sepultado em trevas, a intelligencia humana, dado que podesse funccionar, ficaria inteiramente desajudada do auxilio da vista, que é o sentido pelo qual nós adquirimos a percepção de quasi todas as idéas, especialmente a idéa da harmonia das cousas, e conseguintemente do principio de que emanam[80]. Assentes estes principios, vejamos como se póde affirmar a unidade historica das religiões pela sua filiação commum no elemento vedico do calor. Tomemos na religião que seguimos um exemplo, o dogma da trindade. Temos no christianismo o _Padre_, o _Filho_ e o _Espirito_, e na trindade aryana a concepção de tres deuses que resumiam o nucleo da theogonia: _Savitri_, _Agni_ e _Vâyu_. _Savitri_, o productor, o pai celeste, é o sol. _Agni_, é o fogo, habita na terra. O seu nascimento é mystico: se por um lado tem um pai terrestre, _Twastri_, que quer dizer _carpinteiro_, por outro lado descende do céo, e foi concebido pela vontade de _Vâyu_ no ventre de _Mâyâ_. _Vâyu_, no sentido material é o vento, o ar em movimento, que alimenta a luz e o fogo; no sentido metaphysico é o espirito de vida, a immortalidade em si mesma. Todos estes tres deuses estão, pois, substancialmente identificados na trindade aryana como na trindade christã. São uma concepção metaphysica baseada sobre uma concepção muito vaga da natureza. Mas a unidade historica das religiões póde ainda acompanhar-se na vida de _Agni_, o deus que se humanisa, porque desce á terra. _Twastri_, seu pai, é o carpinteiro, que fricciona os dous bocados de madeira, de que ha-de sahir o «filho divino». _Mâyâ_ é a personificação da potencia productora sob a fórma de mulher. _Agni_ nasce homem e transforma-se em deus quando um sacerdote, collocando-o sobre o altar, derramou sobre a sua cabeça o licôr sagrado, _sôma_, e o ungiu com a manteiga do sacrificio. Entre os aryas da Asia central a vacca era o typo por excellencia dos animaes, produz o leite, o qual produz a manteiga. A manteiga clarificada é a materia animal que melhor serve para alimentar o fogo. O _sôma_ é um licôr alcoolico, produzido pelo succo da asclepias acida, que, fermentado, e lançado ao fogo, cria chammas esplendidas. O _sôma_ das religiões do Oriente transforma-se nas religiões do Occidente em vinho, o licôr sagrado. Assim como _Agni_ reside no _sôma_, Christo reside no vinho, tambem sob uma fórma mystica. Ainda vamos encontrar no vinho o elemento vedico do fogo: a uva amadurece pelo calor, concentra-o, e transmitte-o a quem bebe o seu succo. O bolo que na religião indiana é feito de farinha e manteiga, materias eminentemente combustiveis e nutritivas, transforma-se na religião christa na hostia feita de farinha e agua, convindo lembrar que a combinação do hydrogenio com o oxygenio, de que resulta a agua, tem por condição, essencial o calor. _Agni_ como Christo residem n'esta offrenda solida: são o sacrificador que se offerece a si mesmo como victima. Eis o dogma da eucharistia. Seguindo o luminoso rastro de Burnouf, poderiamos levar mais longe a demonstração da unidade historica das religiões, mesmo sem sahirmos do christianismo; poderiamos descer a minuciosidades, mostrar como a _estrella dos magos_ é a _savanagraha_, a estrella fatidica; como a vacca do presepe de Bethlem é a vacca mystica dos aryas, e como nem siquer falta o jumentinho que para alguns áryas traz sobre o dorso o fructo de que se extrahe o licôr sagrado; pelo que especialmente toca aos ritos, seria curioso mostrar, por exemplo, acompanhando Burnouf, como a grande época do anno christão consiste justamente nas ceremonias da _renovação do fogo_, quer dizer, na Paschoa; mas o nosso fim é tão sómente fazer sentir que a unidade das religiões é uma verdade, e que essa verdade foi conquistada por uma sciencia nova, baseada sobre factos historicos, e portanto filha da Historia universal philosophica. A grande obra de simplificação da Philosophia positiva releva principalmente no mobil que impelliu o espirito humano a descobrir o principio de unidade das religiões. Realmente é assombroso acompanhar a marcha da idéa religiosa, semelhante a uma grande corrente aryana, desde o seu berço asiatico, e através das mythologias dos antigos povos gregos, latinos e germanos, até ao christianismo, em que _Agnus_, o cordeiro immaculado, parece não ser mais que uma leve alteração morphologica de _Agni_. A sciencia moderna está já dirigindo as suas vistas para a America, no indefesso empenho de encontrar a unidade das origens da civilisação. De Chavencey, estudando o mytho americano de Votan, encontrou n'elle uma contrafacção, á parte o elemento indigena já introduzido, das legendas asiaticas de Phra-Ruang e de Pyú-Tsau-ti[81]. «Tem-se notado, observa Maury[82] a analogia de muitas tradições religiosas dos antigos mexicanos e de algumas crenças christãs ou buddicas, a conformidade de certos monumentos e symbolos da America central com figuras e emblemas christãos e japonezes. As populações boreaes encontravam um caminho já traçado para o novo mundo pelo estreito de Behring e ilhas Aleutianas.» Especialmente pelo que toca á religião, a philosophia applicada á Historia é muitas vezes accusada de acintemente demolidora. Esta accusação, na materia de que vimos tratando, refere-se principalmente á vida de Christo. Ora é preciso observar que deve haver n'este assumpto tres pontos distinctos, correspondentes a tres elementos differentes: a theoria de Christo, a legenda de Christo e a vida de Jesus[83]. Christo, estudado na pureza sublime da sua vida, merece o respeito de todos os philosophos. «De alguma crença que a critica racional nos despoje, diz Stuart Mill[84], resta-nos Christo; figura unica, que se eleva tanto acima dos seus precursores como dos seus successores, e d'aquelles mesmos que tiveram o privilegio de receber directamente de sua bocca o seu ensinamento.» Desde o momento em que o espirito moderno tratou de procurar nos factos sociaes a estabilidade de principios que rege os phenomenos naturaes, querendo assim reduzir todas as nossas concepções fundamentaes a um estado de homogeneidade e, portanto, dar á philosophia um caracter definitivo de positividade, a Historia, fornecendo uma grande base para os estudos de observação, veio occupar um ponto culminante na esphera dos conhecimentos humanos. Esta superioridade de posição, que a Historia conquistou na hierarchia das sciencias, provém da necessaria relação que ha entre os factos e as idéas. De modo que se póde dizer que um grande numero de sciencias, se é que não são todas ellas, concorrem de mãos dadas para erigir o vasto monumento da Historia. As obras colossaes precisam de um immenso concurso de trabalho; quando Cheops e Cephten pensaram em levantar as duas mais altas pyramides do Egypto, diz-se que cêrca de cem mil homens carreavam materiaes. A Historia é tambem uma pyramide. E assim como as do Egypto dominavam com as suas quatro faces os quatro pontos cardeaes do mundo, a Historia abrange com a sua vista de aguia a esphera dos conhecimentos humanos. ((1878)) [1] Referimo-nos principalmente ás antas ou dolmens. Vide Adolpho Coelho, _Algumas observações ácerca do diccionario bibliographico portuguez e seu auctor_, pag. 10, e Augusto Filippe Simões, _Introducção á archeologia da peninsula iberica_, pag. 76. [2] _Historia universal_, introducção, cap. VII. [3] _Introduction a la philosophie de l'histoire de l'humanité._ [4] _Les origines de la civilisation_, cap. IX, traducção franceza de Ed. Barbier. [5] _Expedition to the Rocky mountains_, vol. III, pag. 52. [6] _Scienza nuova_, liv. II, Da sabedoria poetica. [7] _L'homme selon la science_, traducção franceza de Ch. Letourneau, pag. 235. [8] _Les origines de la civilisation_, cap. III. [9] _Scienza nuova_, liv. II. [10] Paulo Janet. _A familia._ [11] _Considérations sur les causes de la grandeur des romains et de leur décadence._ Cap. I. [12] _Introduction a l'histoire de la philosophie_, neuvième leçon. [13] Theophilo Braga. _Historia da poesia popular portugueza._ [14] _Les sciences et la philosophie_, por Th.-Henri Martin, pag. 30. [15] Cantu. _Hist. univ._ Liv. XI, cap. I. [16] Ibidem, cap. IV. [17] Cantu. _Hist. univ._ Liv. XI, cap. VI. [18] _Introduction a la philosophie de l'histoire de l'humanité._ [19] _Introduction a l'histoire de la philosophie_, sixième édition, pag. 228. [20] _Principes de philosophie positive_, por Augusto Comte, pag. 96. [21] Cousin. _Premiers essais de philosophie_, pag. 380. [22] Ibidem, pag. 379. [23] _Discours sur l'histoire universelle_--Avant-propos. [24] _Disc. sur l'hist. univ._ Troisième partie, chapitre VIII. [25] _Introduction a l'histoire de la philosophie_, onzième leçon. [26] Theophilo Braga. _Poesia do direito_, pag. 168. [27] Vico. _Scienza nuova_, liv. I. [28] _Scienza nuova._ Liv. IV. [29] _Historia universal._ Introd. [30] _Introduction a l'histoire de la philosophie_, sixième Edition, pag. 239 e 240. [31] _Poesia do Direito_, pag. 13. [32] «O seu livro é um Apocalypse, cada dia se descobre alli o germen d'uma sciencia nova, a Philosophia da Historia, a Symbolica do Direito, a Critica da Arte.» Theophilo Braga. _A Poesia do Direito._ [33] H. Taine. _La Fontaine et ses fables_, troisième édition, pag. 8. [34] _Histoire de la litteratura anglaise_, tome premier, pag. 22. [35] _Physiologie des ecrivains et des artistes._ [36] _Le monde marche_, seconde édition, pag. 214. [37] _De l'esprit des lois_, livre quatorzième, chapitre III. [38] _Histoire de la navigation de Jean Hugues de Linschot, hollandois, aux Indes Orientales._ Amsterdam, 1619. [39] Capitulos XXIX e XXX. [40] _Introduction a la philosophie de l'histoire de l'humanité._ [41] Theophilo Braga. _Introducção á Historia da litteratura portugueza_, pag. 6. [42] Joaquim Pedro Fragoso de Siqueira. _Memorias economicas da Academia_, tom. V. [43] _Les peuples de la France_, pag. 16. [44] _Le génie des religions._ (Ed. de 1869), cap. II, pag. 15. [45] Jacques de Boisjoslin. _Les peuples de la France_, pag. 12 e 155. [46] _Lettres sur la philosophie de l'histoire_, pag. 115. [47] _Principes de philosophie positive_, pag. 140. [48] Obra citada, pag. 88. [49] Idem, pag. 119. [50] _Introducção á archeologia da peninsula iberica_ pelo dr. Augusto Filippe Simões, pag. 2. [51] «Quem souber porém que o bronze é uma liga de cobre e estanho, que o segundo d'estes metaes é menos commum que o primeiro e de mais difficil extracção, e finalmente que, sem se conhecerem ambos, não se inventaria a sua liga, de certo perguntará porque se não faz preceder a época do bronze pela época do cobre? A razão é simples. Em quasi todas as nações da Europa apparecem tão numerosos os objectos de bronze e tão raros os de cobre, que se teem refusado os archeologos a admittir uma época só caracterisada por este metal.» Dr. Augusto Filippe Simões. [52] Capitulo VI do _Genesis_. [53] Com razão observa Quatrefages que o polygenismo, habitualmente olhado como um resultado do _livre pensamento_, começou por ser biblico e dogmatico. _L'espèce humaine_, deuzième édition, pag. 22. [54] Quatrefages. A proposito da discussão americana entre esclavistas e negrophilos. [55] Dumont. _Hæckel et la théorie de l'évolution en Allemagne._ Segundo Dumont a theoria da evolução apparece em germen nas velhas religiões pantheistas da India e do Egypto. O philosopho Parmenides concebia a geração da vida como gradual e resultante d'ensaios successivos. Chapitre premier. [56] Topinard. _L'Anthropologie_, pag. 550. [57] Este ponto é considerado inatacavel por Quatrefages. «Se toda a terra, diz elle, não é invadida dentro de alguns annos por certas especies, se os rios e os oceanos não são igualmente invadidos, a estas luctas se deve.» [58] As peripecias d'este debate vem largamente narradas no livro _La genèse des espèces_, publicado em 1873 por H. de Valroger, padre do Oratorio (pag. 38 e seg.) e no livro _Du darwinisme ou l'homme-singe_ pelo dr. Constantin James, publicado em 1877. Este ultimo livro é um manifesto plagiato do primeiro. Diz, por exemplo, o padre Valroger: «M. Claude Bernard, A. Dumas, M. de Quatrefages e M. Payen combattirent les theses de M. Pouchet, en s'appuyant sur leurs propres expériences, et signalèrent des causes d'erreur dont M. Pouchet paraissait ne pas s'être préservé. L'Academie proposa l'examen de la question en litige comme sujet d'un de ses prix.» Diz o dr. James, copiando quasi textualmente, sem citar o padre do Oratorio: «MM. Claude Bernard, Dumas, de Quatrefages e Payen, combattirent la thèse de M. Pouchet, en s'appuyant sur leurs propres expériences, et signalerent de plus les causes d'erreur dont il n'avait pas su se garantir. C'est alors que l'Academie proposa l'examen de la question en litige comme sujet d'un de ses prix!» (Pag. 79). [59] De Boisjoslin cita, entre outros factos, o dos judeus haverem deixado de fallar hebreu seiscentos annos antes de Christo, e o dos francos terem perdido a lingua teutonica trezentos annos antes de Clovis. [60] Hovelacque. _La linguistique_, pag. 3. [61] _Études de linguistique et de philologie_ par André Lefévre, pag. 41. [62] Theodoro Benfey. Citado pelo snr. Adolpho Coelho no seu opusculo _Sobre a necessidade da introducção do ensino da glottica em Portugal_, pag. 4. [63] _La linguistique_, pag. 13. [64] _Les origines de la civilisation_, pag. 416. [65] _Études de linguistique et de philologie_, pag. 94. [66] _Nouvelles leçons sur la science du langage_, traducção franceza de Harris e Perrot, pag. 318. [67] Lubbock. _Les origines de la civilisation_, pag. 425 e 426. [68] _Histoire de la littérature anglaise_, tome premier. [69] Dr. Theophilo Braga: «... esta raça conhecida pelo nome de indo-europêa, é a que pelas suas condições de ubiquidade, que lhe dá a sciencia e o poder, subsistira como unica na terra.» _Hist. Univ._, fasc. I, pag. 55. [70] «Minha filha Sita, nobre premio da força, não recebeu a vida no seio de uma mulher; esta virgem de encantadoras fórmas, que se diria filha dos Immortaes, nasceu de um _sulco_ aberto para o sacrificio. Eu a dou como esposa a Rama; elle heroicamente a mereceu por sua _força_ e _vigor_.» _Ramayana_, trad, de Hippolyte Fauche. [71] Referimo-nos á _Poesia do Direito_ do snr. dr. Theophilo Braga. [72] _Poesia do Direito_, pag. XIV. [73] _Idem_, pag. 62. [74] _Idem_, pag. 66. [75] _O Fogo_, por F. da Fonseca Benevides. [76] Vico. _Scienza nuova._ Liv. II. _Da logica poetica._ [77] _Atlas ethnographique._ [78] _Principes de sociologie_, trad. franceza de Cazelles, pag. 137. [79] _La science des religions._ [80] Emilio Burnouf. _La science des religions_, cap. VIII, pag. 208 e seguintes. (Ed. de 1872). [81] _Le mythe de Votan, étude sur les origines asiatiques de la civilisation américaine_, pag. 87. [82] _La terre et l'homme_, quatrième edition, pag 485. [83] Burnouf. _La science des religions_, pag. 242. [84] _Essais sur la religion_, traducção franceza de Cazelles, pag. 237. *** End of this LibraryBlog Digital Book "Da importancia da Historia Universal Philosophica na esphera dos conhecimentos humanos" *** Copyright 2023 LibraryBlog. All rights reserved.