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Title: Portugal e Brazil: emigração e colonisação
Author: Pércheiro, D. A. Gomes
Language: Portuguese
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*** Start of this LibraryBlog Digital Book "Portugal e Brazil: emigração e colonisação" ***


produced from images generously made available by Cornell
University Digital Collections)



PORTUGAL E BRAZIL


OBRAS DO MESMO AUCTOR

QUESTÕES DO PARÁ, 1 vol:                                              500

COISAS BRAZILEIRAS, opusculo                                          200

COMMENDADOR E BARÃO, 1 vol:                                           600

Elementos de Economia POLITICA (cartas a um estudante) traducção      160

EM VIA DE PUBLICAÇÃO

OS AVENTUREIROS, drama fundado em epysodios da emigração.



PORTUGAL E BRAZIL

EMIGRAÇÃO E COLONISAÇÃO

(CRITICA)

POR

D. A. GOMES PÉRCHEIRO


1878
TYP. LUSO-HESPANHOLA
35--Travessa do Cabral--35
LISBOA



        Aos meus illudidos compatriotas que vêem no Brazil
        uma nova terra da promissão.

                                        (QUESTÕES DO PARÁ.)



AO

_Ill.mo e Ex.mo Sr._

JOSÉ MARIA DOS SANTOS

O PRINCIPAL COLONISADOR

DO

ALEMTEJO



                                      _Aos distinctos compatriotas_

Dr. José Rodrigues de Mattos, Manuel Alves Ferreira, José Guilherme
Koopk Correia Pinto, Manuel Gaspar de Carvalho, J. Teixeira Basto,
Bernardo Antonio d'Oliveira Braga e Manuel Joaquim Pereira de Sá.



CAPITULO I

A emigração de trabalhadores para o Brazil e os salarios de cá e de lá.
Os artistas e os salarios. O lado economico. O clima aos olhos do homem
pratico e do homem de sciencia. O clima e a febre amarella. A
mortalidade de Portugal e Brazil comparada. A ambição causante principal
da emigração. Remedios ao mal. A escolla. Colonias no Alemtejo. A
inspecção da emigração. A liberdade perante a emigração. Portugal,
Belgica e Hollanda. A riqueza do solo e suas respectivas populações
comparadas. Terrenos incultos.


I

A questão da emigração dos portuguezes para o Brazil, tem sido um
labyrintho em que muitas intelligencias se têem perdido, sem que,
infelizmente para Portugal, se tenha adiantado muito na descoberta do
verdadeiro antidoto, que deve pôr termo ao mal, que parece querer
definhar a patria; e com tudo suppõe-se que a ultima palavra já foi
dita, e que desapparecerá por consequencia o nó gordio que prendia o fio
d'esta questão transcendentissima; e a final as cousas estão no mesmo pé
em que estavam.

Sem querermos por fórma alguma accusar de inhabeis os grandes talentos,
que tem sido chamados a este campo vastissimo, por demasiado complexo,
não podemos ainda assim deixar de sentir, que o assumpto tenha sido
apenas tratado no campo da theoria, onde a habil dialectica de sapientes
escriptores caduca á vista dos mais pequeninos argumentos produzidos
pela prática.

Mas a nossa questão, escrevendo sobre assumpto tão momentoso, não se
cifra em demonstrar que os estudos baseados na theoria, em que vemos
geralmente aconselhar aos governos o respeito pela liberdade do
_cidadão_, mas á sombra da qual se commettem muitos abusos, são
perniciosos ao paiz. Não que o nosso fim é outro. É, sem tentar romper o
envoltorio do nosso espirito assaz humilde, e sem desejar ferir
susceptibilidades, seguir caminho menos trilhado e menos escabroso, com
o fim de achar a causa do mal e apontal-a aos verdadeiros medicos da
nação, para que lhe appliquem um remedio energico e salutar.

Estudemos, pois, a questão debaixo do ponto de vista da pratica, e
começemos por fazer as seguintes proposições:

--Quaes são as razões que induzem o portuguez a emigrar para o Brazil?

--Será a necessidade de obter os meios de subsistencia?

--E caso assim seja, não haverá em Portugal trabalho sufficiente para
que o portuguez necessitado obtenha esses meios?

--Ou será a ambição que o leva a dar esse passo?

Quem responder ao primeiro quesito com a affirmativa do ultimo,
parece-nos que terá respondido ao 2.º e ao 3.º; porque a quem tem
precisão de trabalhar, não faltam em Portugal os meios necessarios á
subsistencia; e esse trabalho é aqui mais bem remunerado do que no
Brazil.

Passemos a demonstrar esta asserção.

Na actualidade o portuguez trabalhador ganha, em geral, nunca menos de
500 réis diarios. Em qualquer parte do paiz se sustenta com 250.
Resta-lhe, por tanto, 250 réis. Calculemos os lucros obtidos em 10
annos, a 300 dias uteis por cada um, e teremos em 3:000 dias, 750$000
réis.

O portuguez em eguaes condições, ganha no Brazil 2$000 réis fracos. Para
sustentar-se precisa despender 1$500 réis. Resta-lhe a quarta parte do
salario; isto é 500 réis diarios. Contrahiu, antes de sahir do paiz,
para poder expatriar-se, uma divida de 200$000 réis. Chegado a terras
brazileiras, não pôde logo encontrar trabalho; alem d'isso o clima
inutilisára-o por algum tempo, se n'este comenos não vem a _febre
amarella_, que sympathisa muito com os estrangeiros...

Para estas demoras precisa contrahir mais um emprestimo de 100$000 réis.
Esta divida de 300$000 réis, moeda fraca, hade amortisal-a em 2 annos,
que representam justamente 600 dias uteis de trabalho. Calculados estes
a 500 réis, se souber economisar aquelle lucro, prefazem os 300$000 réis
em questão. Restam-lhe por consequencia 8 annos, ou 2:400 dias uteis,
que a 500 réis importam em 1:200$000 réis, ou 600$000 réis, moeda
portugueza.

Differença contra o trabalhador do Brazil:--150$000 réis fortes!

Aos que nos queiram observar, dizendo que estipulamos um salario
extraordinario--o de 500 réis--ao trabalhador de cá, diremos que á maior
parte dos trabalhadores, contractados aqui para as roças do Brazil, se
estipula um salario muitissimo inferior ao mencionado acima--o de 2$000
réis fracos,--se não falham as informações consulares, que temos á
vista; salario que costumam dar no Brazil ao trabalhador _livre_,
áquelle que vai ao acaso, e que não se deixa illudir pelos aliciadores.
E mais adiante provaremos tambem, que ha contractos feitos em Portugal
pelos trabalhadores engajados, nos quaes se estipula, como recompensa ao
trabalho no Brazil, a magra importancia de 80, 100 e 120 réis fracos,
diarios!...

Mas fallemos agora do artista, sem tratarmos das suas despezas, que para
esta classe de operarios, é sempre muito superior, e o mesmo acontece
entre nós.

O artista, em geral, ganha no Brazil, de 3$000 a 5$000 réis, moeda
fraca. Em Portugal variam entre 800, 1$000, 1$200, 1$500 e 2$000 réis,
moeda forte!

Quem quizer que se dê agora ao incommodo de orçar as despezas de
sustentação, e diga-nos depois se ha compensação possivel.

Diz um portuguez, que, como nós, examinou de perto o assumpto, que não
conhecia no Brazil qualquer logar onde um homem, com pequena familia
possa despender menos de um conto de réis por anno, tendo mesmo um viver
de proletario: a razão é, accrescenta o nosso compatriota, que sendo o
dinheiro barato, tudo o mais é caro, excepto os productos do paiz, como
assucar, café, farinha de mandioca e carne, nos lugares de producção. Um
par de botinas que em Portugal custa 2$000 réis, vende-se no Brazil por
14$000 réis; o feitio de umas calças, que em Portugal regula por 400
réis, no Brazil não se obtem por menos de 4$000 réis; uma duzia de ovos
vende-se aqui por 160 réis, e lá custa 1$000 réis; uma visita do medico
custa 4$000 réis, e diz elle que viu pagar por uma operação e curativo
de oito dias 1:600$000 réis, sendo esta quantia exigida pelo
cirurgião![1]

     [1]_Duas Palavras a Brazileiros e Portuguezes_, por J. A. Torres.


II

Se o preço dos salarios no Brazil e o custo da vida não compensa o
sacrificio que o portuguez vae fazer, emigrando, o clima insupportavel
dos tropicos deve desvanecer-lhe completamente as tentações ambiciosas
de ser rico n'um paiz onde o sol e a humidade inutilisa a saude do
europeu.

Soccorramo-nos de opiniões mais authorisadas do que a nossa, e encaremos
a questão do clima brazileiro pelos dois pontos de vista, o da pratica e
o da theoria, para assim satisfazermos aos espiritos mais exigentes.

O pratico, aquelle que vio as cousas de perto, diz o seguinte:

Demorei-me bastante tempo no sul do imperio e tive occasião de fazer as
seguintes exactas observações: o thermometro centigrado não sóbe no
estio a mais de 35 graus, assim como não desce no inverno a menos de 5,
acima de zero. Mas o que ha de notavel é a variedade da temperatura na
mesma estação. De um momento para o outro o thermometro marca a
differença de 6 graus. Na quadra mais fria eu observei dias de 25 e na
mais quente a de 16 graus.

Para quem não possue uma natureza previligiada, estas grandes e rapidas
variações são muito sensiveis, principalmente emquanto se não está
aclimado. Eu usei sempre na mesma quadra roupa de duas estações, que
alternava segundo as alterações que se davam na atmosphera; e quem não
tiver esta prevenção ha de forçosamente soffrer.[2]

Não nos parece que o trabalhador possa ter d'estas prevenções, que
custariam dez vezes mais o salario porque elle contracta o serviço que
vae prestar no Brazil, admittindo ainda que ao trabalhador seja
permittido usar de resguardos na lavoura.

O homem de sciencia, que não é extranho ao viver dos tropicos, porque
reside no Brazil, e d'ali nos alumia com a vastissima luz da sua
profunda intelligencia, diz o seguinte a respeito do clima brasileiro:

Bucener, Lind, Hunter, Zimmermam, etc, pelos resultados das suas
experiencias e observações, opinam quasi unanimes em que nos paizes
situados entre os tropicos, ou seja na America, Africa, Asia, com poucas
excepções, as raças que habitam a Europa, quando passam a viver entre os
tropicos, declinam physica e moralmente na razão da maior latitude das
suas naturalidades, para a menor latitude da localidade tropical. A
calorificação do animal europeu perde quatro graus na temperatura do
sangue; a respiração é mais frequente, as pulsações do coração mais
rapidas, 15 systoles a 20 por minuto em todas as idades; o sangue, e as
secreções e excreções alteram-se nas qualidades e propriedades, bem como
a fibra alimentar, o figado e o apparelho gastico funccionam mal; a
pelle fica laxa, excitada; permanentemente depauperam-se as forças
organicas pela excessiva transpiração, que conduz ao estado de
enfraquecimento geral de funcções animaes; effeitos causativos da
fraqueza organica.

Os diversos estados de accumulações electricas na atmosphera, as
mudanças sensiveis da temperatura em um mesmo dia, a variedade dos
ventos, as tempestades e chuvas, precedidas ou succedidas a um grau de
calor ou vento fresco, occasionam e produzem as diversidades de
molestias de pulmão, das vias gasticas, da pelle, das mucosas, das
febres intermittentes e typhoides, das molestias ephemeras e de systema
nervoso: sempre ameaçando a vida nos diversos estados mais ou menos
agudos, mais ou menos chronicos. Os europeus que conseguem acostumar-se
a estas alternativas estranhas á sua economia, nem por isso conseguem
readquirir a mesma natureza organica e vital, como no paiz d'onde
procederam; e transmittem ás suas gerações um germem enfraquecido,
d'onde resulta a progressiva degeneração dos paes a filhos, que bem
depressa conduzirá até á extincção da especie.[3]

N'esta meia duzia de linhas do distincto escriptor, firmadas nos estudos
dos naturalistas citados e na sua propria observação vemos nós um grande
antidoto contra a febre da emigração para o Brazil, se nós e o nosso
compatriota Torres, ao trascrevel-as, tivessemos a felicidade de as ver
lidas por aquelles a quem as destinamos.

Esperemos comtudo pelo futuro.

     [2] Auctor citado.

     [3]_Interesses portuguezes_, por J. R. de Mattos.


III

Comparemos agora os effeitos terriveis do clima, a mortalidade dos dois
paizes Portugal e Brazil.

A mortalidade em Portugal é pouco mais ou menos de 2,59 por cento[4]; em
quanto que no imperio americano, com respeito aos emigrados portuguezes,
é actualmente impossivel dizer se está de 90 a 99 por cento, se tomarmos
na devida consideração a estatistica do primeiro semestre de 1876, que
só no Rio de Janeiro nos mostra que o numero de obitos subiu a 2:600,
_sendo o numero de fallecidos da febre amarella, de 1877_![5]

Ha quem diga que se se podesse fazer igual estatistica com respeito aos
colonos residentes no sertão, reconhecer-se-ia que 90 por cento dos
portuguezes que emigram para aquellas regiões não chegariam para
satisfazer a contribuição exegida pelo terrivel flagello!

Mas comparemos a entrada dos portuguezes em todo o anno de 1876, com o
numero dos fallecidos.

Diz o consul no relatorio indicado, que o numero de portuguezes entrados
no porto do Rio de Janeiro foi, n'aquelle anno, de 8:523. A media é, por
tanto, de 4:311,5.

Assim, pois, se o numero dos fallecidos, em um semestre, é de 2:600,
veremos que restam apenas 1:711 colonos, ou 3:422, por cada anno.

É horrivel!

E note-se que este resultado apparece logo immediatamente á chegada dos
emigrados; e os que morrem depois, ou os que ficam inutilisados?!...

O nosso illustre compatriota doutor José Rodrigues de Mattos, medico
pela universidade de Coimbra, residente na cidade do Rio de Janeiro,
respondendo á carta do sr. Alexandre Herculano, dirigida em dezembro de
1873 á _Sociedade real da agricultura em Lisboa_, observa o seguinte, em
sua nota n.º 5, a respeito do assumpto importantissimo da mortalidade no
Rio de Janeiro:

«Pois que fallei de miserias e o sr. Alexandre Herculano só encara a
emigração pelo prisma das grandezas, apresentarei outros factos, que não
se encontram nos _livros sobre colonisação portugueza_. A população da
capital do Rio de Janeiro, pela estatistica official de 1873, conta
228:743 habitantes incluidos 78:583 estrangeiros, dos quaes 53:213 são
portuguezes. Na hypothese menos favoravel ao meu calculo, todos estes
estrangeiros chegaram ao Rio de Janeiro entre as edades de 10 annos até
aos 78 annos. Pela tabua da mortalidade de Duparcieux, desde o
nascimento até á idade de 10 annos, e desde os 78 até aos 94, morre um
numero de individuos igual ao numero dos obitos comprehendidos desde a
edade dos 10 até aos 78. A grande maioria da emigração compõe-se de
individuos chegados na edade de 16 a 30 annos; em que o termo medio de
vida provavel é o maior. A mortalidade da população pelas estatisticas
dos 3 ultimos annos revelava uma media superior a 10:000 obitos. A
população de Lisboa pelo menos é igual, se não maior de 228:743: a media
da mortalidade em Lisboa é de 5:400 obitos por anno. Comparadas as
populações das duas cidades, as suas mortalidades, as respectivas
populações dos subditos naturaes dos dois paizes e a dos estrangeiros
habitadores desde os 10 annos por diante, o resultado é o seguinte na
cidade de Lisboa, sobre 53:213 portuguezes desde a idade dos 10 até aos
78 annos, morrem cada anno 1:255 individuos: sobre igual numero de
portuguezes entre as mesmas idades, morrem na cidade do Rio de Janeiro
3:125; ou melhor: a mortalidade dos portuguezes no Rio de Janeiro é
maior de 149 por cento da mortalidade de Lisboa. Estes calculos podem
ficar subordinados em relação ao numero dos habitantes da capital de
Lisboa, que se diz maior de 228:743 habitantes; bem como ao desconto dos
estrangeiros domiciliados; numero que está estimado em diminutisima
parcella. Não pode julgar-se estranha a maior mortalidade, quando em
Lisboa se conta apenas 129 medicos e cirurgiões e 82 pharmacias; em
quanto que no Rio de Janeiro existem 418 medicos e 344 pharmaceuticos
domiciliados. No bienio de 1872 a 1873 trataram-se 5:000 doentes no
hospital da sociedade Portugueza de Beneficencia; a Caixa de seccorros
de D. Pedro V tratou de molestias e deu esmolas a 18:530 portuguezes; e
nos hospitaes, das ordens Terceiras e da Misericordia ha 400 leitos
occupados constantemente por enfermos portuguezes; calcula-se que
aproximadamente regula por 16:000 infilizes que annualmente povoam os
hospitaes de caridade na população riquissima de pouco mais de 50:000
emigrados. O hospital de S. José em Lisboa recebe apenas 12:000 de uma
população calculada em 300:000 almas.»

Mas continuemos a examinar outros dados que temos á vista.

A mortalidade de Lisboa, segundo a estatistica publicada no _Diario do
Governo_ n.º 285, de 1872, é de 30,4 individuos para cada 1:000, um
pouco mais do que a da cidade de Londres, que desce a 27, e um pouco
menos do que a de Roma, que sóbe a 35. No Cabo da Boa Esperança e na
Serra Leoa, a mortalidade é de 200 individuos para cada 1:000, e a da
população portugueza residente no Rio de Janeiro, segundo o relatorio do
ministro do commercio, agricultura e obras publicas foi, em 1870, de 270
para 1:000!!![6]

O ponto de Portugal onde a mortalidade é maior, chegando a dar ao
cemiterio uma precentagem de 40,4 individuos para cada 1:000, é o
districto de Beja; mas o termo medio é o que já deixamos mencionado,
isto é, 2,59 para 100.[7]

No desenvolvimento da critica que mais adiante fazemos a um livro
publicado ha pouco[8], verão os leitores que não está dita ainda a
ultima palavra sobre a mortalidade de portuguezes no Rio de Janeiro.
Alli demonstraremos com as estatisticas das sociedades portuguezas
beneficentes, que não foi arrojada a nossa proposição quando dissemos
que a mortalidade na colonia poderia elevar-se até aos 90 casos para
cada 100 individuos.

O portuguez que emigra não vê isto; só pensa que ao fim de alguns annos
hade vir rico do Brazil, e isso lhe basta; porque não ha quem lhe diga
que, de cada milhar, vem de lá um remediado, verdade seja que vergando
ao peso das molestias adequeridas em tão insalubre paiz.

Este mal é já velho, e não vemos que os remedios vulgares o possam
debellar; por que para nós, é ponto de fé que a ambição só poderia ter o
curativo que entre nós nunca pensaram em applicar aos ambiciosos, a
escolla.

     [4] Veja-se a nota n.º 1 no fim do volume.

     [5] Relatorio do consul geral de Portugal no Rio, de 28 de maio de
     1877.

     [6] Veja-se _Primeiro inquerito parlamentar sobre a emigração
     portugueza_. 1873.

     [7] Veja-se nota n.º 1 no fim do vol.

     [8]_O Brazil_, por Augusto de Carvalho.


IV

A ambição, inerente a todos os homens, o nosso genio naturalmente
aventureiro, amante do desconhecido, que ainda assim não faz em nós
esquecer o santo amor do trabalho, nos cega a tal ponto, e esta triste
verdade vem já de seculos, que não nos deixa ver os desastres dos nossos
antepassados, que igual motivo acarretára para longe da patria e da
familia, onde, n'um momento, a terra preferida se transformava em abysmo
para os tragar.

E deixavam os que lhe sobreviviam, em tão remotas epocas, de cair no
mesmo erro? Não, porque lá estavam os mesmos interessados (sempre houve
engajadores) a apontar aos ambiciosos as minas inesgotaveis do Brazil!

Pois qual seria o portuguez capaz de ficar indiciso, á vista da
descripção dos brilhantes da mais fina agua, do oiro em pó, dos
aljofares, dos coraes, das perolas, das esmeraldas e das amethystas, que
os apologistas diziam andar aos pontapés n'este paiz de fadas? Quem
seria capaz de resistir ao aroma das poeticas flores, da poesia das
frondosas arvores, por entre as quaes se interlaçam os mais exquisitos
cipós, aroma que aos incautos, parecia atravessar esse immenso lago de
milhares de legoas, para chegar até elles? Quem não ficaria
enthusiasmado com a descripção, não menos patetica, das nuvens de
milhares de passarinhos com suas pennas de mil côres, que segundo os
poetas adejam por cima d'esse bosque immenso que esconde os pantanos
venenosos, a cascavel e a sucuriuba? Quem não escutaria de bom grado as
descripções fantasticas d'esses rios gigantes e dos _igarapés_, das
immensas cordilheiras e dos valles, das grutas mysteriosas e das cidades
encantadas d'este paraizo terreal?

Quem mostrava aos nossos antepassados o reverso da medalha? a poesia das
flores, das mattas virgens, das esmeraldas e dos rubis transformada na
poesia do tumulo, que algumas vezes era o oceano e outras o estomago do
antropophago?!

Dizem antigos escriptores, que os indios brazileiros eram mais difficeis
de domar que os dos outros pontos da America meridional, sujeitos aos
castelhanos; e que, primeiro que fundassemos ali povoações, perdemos
muitas vidas e muito sangue. As viagens eram muito difficeis. Muitos
galeões naufragavam antes de chegarem ao seu termo.

Mas que importavam estas difficuldades escondidas a quem sonhava com o
El-Dourado?

Ora, a nossa questão é que as phantasias de hoje são as phantasias
d'outr'ora; e que, para desfazel-as no espirito dos nossos illudidos
compatriotas, não bastam os estudos theoricos de qualquer commissão de
emigração. Faça-se mais. Combata-se o mal da ambição, pela escola,
offerecendo aos ambiciosos as riquezas, ainda por explorar, dos nossos
vastos dominios do continente. Nós que somos inimigo dos emprestimos
para a consolidação da nossa divida publica, porque não vemos que ella
se consolide, aprovariamos um emprestimo que tivesse por fim comprar os
terrenos quasi virgens do Alemtejo, e que, depois de divididos em
courellas, deveriam ser aforados aos trabalhadores, a exemplo do que
está constantemente praticando o primeiro lavrador d'este paiz, o sr.
José Maria dos Santos, na margem sul do Tejo, e em outros pontos
d'aquela uberrima provincia; não esquecendo a vastissima herdade da
Capella, no concelho do Redondo, dividida em courellas por aquele
lavrador aos habitantes d'esta villa, herdade que hoje está
completamente transformada em riquissimas e ao mesmo tempo pitorescas
vinhaterias.

Apregoam-se os males da febre amarella, e especialmente os maus tratos
que os indigenas do Brazil infligem aos emigrados portuguezes; e que
resultado se tira do pregão?

Aqui ha tempo, quando a imprensa portugueza se levantava indignada
contra os morticinios do Pará, navios continuavam a ir cheios de
emigrados para aquellas paragens! Esses mesmos navios conduziam para a
Europa ou para a Africa os repatriados, que não podiam supportar os
disturbios dos paraenses!!!

Os portuguezes que em 1835 e 1848, poderam, a muito custo, escapar ao
punhal dos _cabanos_, regressavam, pouco tempo depois, ás provincias do
Pará e Pernambuco, theatros onde se representaram tão horriveis
dramas!!!

E que haviam elles de fazer? Quem os incitava aqui ao trabalho que traz
a independencia?

Os terrenos incultos estavam, ao tempo, na mão dos morgados. Extinctos
estes, a missão dos governos não estava finda: era preciso que esses
governos lançassem mão dos terrenos, reunil-os aos baldios e
offerecel-os aos ambiciosos. Assim protegeria a agricultura, a nosso
ver, a unica fonte de onde jorra a prosperidade dos paizes predestinados
pela natureza a grandes emporios agricolas.

Os portuguezes emigravam então, como emigram hoje, porque não tem havido
ninguem que os attraia seriamente para as riquezas do nosso solo.

Mas ainda é tempo. Que os males passados sirvam de exemplo para evitar
os males futuros, e emquanto se não providenceia como é de urgente
necessidade, prohiba-se a emigração para o Brazil, quando alli haja a
febre amarella.

Dizemos isto sem medo que nos alcunhem de anti-liberaes; e áquelles que
nos replicarem que atacamos os direitos do cidadão, responderemos, que
para a maior parte dos _cidadãos_ que emigram comprehenderem bem os seus
deveres, precisam de ir para a escolla. Queremos dizer com isto que em
Portugal se descura muito da escolla, o melhor antidoto contra a febre
da emigração.


V

Se a instrucção do povo é o remedio infallivel que preferimos applicar
ao mal da emigração, não é menos certo que esse remedio só pode curar
com lentidão, o que desejariamos fosse curado rapidamente.

Attrahir o trabalhador a novas fontes de riqueza no próprio paiz, era já
um cauterio cujos effeitos não são tão lentos como os da escolla.
Referimo-n'os ás colonias agricolas no sul de Portugal, Alemtejo e
Algarve. Quem fundará essas colonias? O capital, desde que o capital
encontre garantia no governo, garantia que se traduza em isenção de
contribuições para as colonias que se estabeleçam com caracter de
protecção ao trabalhador, que é ao mesmo tempo garantia para a
agricultura do paiz e, por consequencia, para o proprio capital
empatado.

É assumpto vastissimo, o da fundação das colonias no Alemtejo, e as
luzes de que dispomos não são sufficientes para dizermos o que baste
para o desenlace d'uma questão demasiado complexa. Com tudo, parece-nos
que aquelles que nestes ultimos tempos tem querido dar impulso á
agricultura na provincia mais vasta e mais rica que possuimos,
desconhecem um pouco a materia.

Nós quizeramos vêr _retrogradar_ os nossos habilissimos estadistas de
hoje, até aos tempos primitivos da monarchia, em que se fundaram essas
povoações que para ahi vemos medrar, cujos alicerces foram devidos unica
e exclusivamente ao trabalho agricola de colonos nacionaes e
estrangeiros--estes da região do norte; porque nos tempos _retrogrados_,
não se tinha em menos conta o cruzamento das vigorosissimas raças do
norte da Europa com as semi-indulentes do meio dia: prova de que á testa
dos negocios publicos não estavam uns certos miopes da actualidade, que
entendem beneficiar o paiz colonisando o Alemtejo com familias
italianas.

Mas que se fazia então?

Fazia-se o que se não faz hoje. Então como na actualidade, os governos
do estado precisavam de dinheiro. Então julgavam, e julgavam bem, que a
riqueza brotava do solo; e o solo era explorado para produzir essa
riqueza que nós vimos empregar nas emprezas arrojadissimas, que fizeram
grande este paiz que nascera pequenissimo.

Hoje que a terra é a mesma--ainda immensamente rica;--pede-se ao visinho
uma esmola, outra e outra (até fechar-nos a porta, desenlace que sempre
deve esperar quem muito pede e muito gasta), para fazer face ás despezas
do estado; em logar de nos prepararmos previamente para essas despezas,
descobrindo com a enchada, no centro da provida terra como os nossos
antepassados, as minas que alli deixa intactas a nossa imprevidencia.

É que é mais facil pedir emprestado!

Os que pedem emprestado podem saber muito de economia politica; porem
não sabem ser bons lavradores--dos que semeam para colher, dos que
amanhando a terra, dão que fazer a muitos braços, tornando-os
independentes do visinho, que é avaro com os taes emprestimos.

Mas se o nosso economista, estuda, estuda no gabinete; depois chega-lhe
á porta uma alluvião de amigos, que o elevára á _proeminencia_... de
estar encerrado no tal gabinete; acorda-o do lethargo que podia
salvar-nos; mostra-lhe o estomago vasio; e o economista, que póde muito
bem ser um _touro_, não tem mais remedio senão ceder... porque a
alluvião de amigos representa a _giboia_ collosal da nossa politica!

Que fazer?

Pedir emprestado ao visinho; senão sujeita-se a ser engulido!

E não digam que os nossos economistas não são mais previdentes do que o
inexperiente viajante que, de mãos vasias, no meio da floresta, não
pôde, para salvar-se, atirar com a posta ao reptil!...

Haverá alguem que possa fazer de Hercules; que empunhe a massa e esmague
a cabeça da serpente que para ahi se arrasta em volta do manso
bezerro--o povo?

Se ha, que venha e... faça um emprestimo, mas um emprestimo colossal.
Com o dinheiro emprestado fundará colonias no Alemtejo e no Algarve;
porém colonias perfeitamente montadas, convidando-se para as compor, não
só as familias d'aquellas regiões, mas as das provincias do norte de
Portugal, que costumam sair para o Brazil; e se lhe apparecerem pelo
gabinete os taes senhores _giboias_ de estomago elastico, metta-lhes uma
enchada na mão, e ensine-lhes o caminho do campo em desbravamento, onde
se converterão, de simples bichos, em optimos trabalhadores e uteis
cidadãos.

Não haverá para ahi quem se convença, que isto de estar continuadamente
a pedir dinheiro emprestado para pagar emprestimos é um erro economico?

Contraia-se, pois, um emprestimo para o fim indicado, que os lucros hão
de chegar, não só para satisfazer essa divida, como as já contrahidas e
que jámais poderão ser pagas pelo systema rotineiro; e até mesmo cremos
que d'esses lucros sobejará para supprir algumas faltas dos golotões
reptis... se por desventura nossa ainda os houver.

Terminaremos estas observações dizendo, que conhecemos alguns
cavalheiros, lavradores no Alemtejo, que, tendo comprado algumas
herdades lhes offereciam hoje, tres ou quatro annos depois do _amanho_,
200 e 300 por cento de lucro!

Nós estamos convencidos que a isto se deve chamar lucro, se, como
acontece a muitos pontos da lei social, não está tambem invertido este
principio, sobre que assenta a lei economica.

Venha um governo, que, proseguindo no caminho aberto pelo rei Diniz, se
não envergonhe do cognome de--_lavrador_--com que a historia glorificára
aquelle grande portuguez, mais amigo do seu paiz, na epocha do
obscurantismo, do que o são todos os economistas presentes, que empunham
o facho, d'onde dizem que brota a _luz_, mas que infelizmente nos
encaminha para o abysmo da _destruição_.

E haverá governo que queira _achincalhar-se_ com o cognome
de--_lavrador_?!

Não será mais bonito appelidar-se antes _banqueiro_, _accionista_,
_director de qualquer cousa_, _jornalista_, _litterato_, e até mesmo...
_pastelleiro_?!

Escolham, escolham... mas vejam que da escolha depende o futuro da
patria.


VI

As colonias não podiam prosperar, no nosso humilde entender, quando
estivessem montadas, se o governo não lançasse mão de um meio
energico--e liberal humanitario ao mesmo tempo, contra a emigração
clandestina, meio que se nos afigura ser o mais prompto e decisivo para
a cura do mal que definha as forças vitaes do paiz--a falta de braços:
referimo-nos á inspeção da emigração, que pode, em parte, substituir a
escolla, e auxiliar, desde já, e muito poderosamente, a pequena
agricultura que luta com a falta de braços que se escoam para o Brazil.

A inspecção da emigração não é cousa nova. Está estabelecida nos paizes
mais adiantados e se o Brazil a não estabeleceu, como já fez a America
do norte, é porque n'aquelle paiz como em Portugal não se estuda a serio
estes assumptos economicos.

Á America do norte não comvem o engajamento forçado, isto é, a illusão.
Á America do norte comvem que a introducção dos colonos seja feita com a
maxima liberdade, por que nos processos liberaes do engajamento está a
riqueza dos grandes nucleos da emigração e por consequencia do paiz que
acolhe os emigrantes.

O projecto de lei apresentado na camara dos representantes dos Estados
Unidos por mr. Conger, estabelece alem de outras medidas favoraveis aos
emigrantes que procuram as terras do norte da America, que nos portos de
partida os consules americanos deverão passar uma especie de inspecção
aos emigrantes; que ao desembarque d'estes as queixas serão julgadas
summariamente pelos commissarios dos Estados Unidos; estes commissarios
serão nomeados pelo presidente dos Estados Unidos, de accordo com o
senado, por um periodo de quatro annos; serão encarregados, debaixo da
direcção do secretario do thesouro, da execução de todas as leis
relativas á emigração, e authorisados a estabelecer regulamentos; o
secretario do thesouro nomeará, um escrivão bem como addidos inspectores
e outros agentes necessarios; os proprietarios, agentes ou capitães de
navios que conduzem emigrantes aos Estados Unidos pagarão no momento do
desembarque, um dollar por pessoa adulta, applicavel aos soccorros em
caso de doença, ao aluguer ou construcção de embarcadouros, sempre em
beneficio dos emigrantes; nos portos de Liverpool, Hamburgo, Breme e
outros, onde annualmente se embarca mais de 40:000 emigrantes, será
estabelecido um agente _com commissão especial de inspeccionar os navios
antes de partirem, examinar se a lei é executada, de dar as necesarias
informações aos emigrantes_, etc; nos outros portos onde a emigração não
exceda annualmente aquelle numero o consul substituirá o agente da
emigração mediante um supplemento de 1:000 dollars por anno; quatro
inspectores, fallando allemão, francez e sueco e outras linguas serão
addidos ao porto de New-York, e um em cada um dos portos onde chegam os
emigrantes em quantidade consideravel; a estes agentes cumpre acompanhar
os empregados das alfandegas á chegada de cada navio commerciante,
examinal-os, receber as queixas dos emigrantes, e quando as houver fazer
um relatorio ao collector da alfandega e ao chefe do departamento da
emigração; o superintendente intentará um processo por perdas e damnos
em favor dos emigrantes; os commissarios nos Estados Unidos julgarão
summariamente todos os casos de mau tratamento a bordo, insufficiencia
ou má qualidade de alimentos, perjuizos na bagagem, roubos, fraudes,
seja nos hoteis, no cambio da moeda, atraso nos caminhos de ferro, etc,
etc; poderão condemnar o culpado a 100 dollars de multa por cada uma das
culpas e tambem poderão reclamar a sua prisão até que o caso seja
julgado; os deveres dos superintendentes, debaixo da direcção dos
commissarios, serão prover a que os emigrantes sejam bem recebidos ao
desembarque, de alugar para elles os necessarios terrenos, e mandar
fazer as construcções indispensaveis, de cuidar nas suas bagagens, de
tomar os seus nomes, idade, occupação e destino, de os proteger contra
as fraudes, procurando-lhes occupação, quando a desejem, de prover ás
mais urgentes necessidades dos recemchegados, de lhes prestar todas as
informações relativas ao meio mais prompto e mais economico de se
transportarem aos seus destinos, de lhes fazer obter das companhias de
transporte as mais vantajosas condições, e emfim de prevenir tudo para a
commodidade e segurança dos colonos, etc., etc.; os contractos passados
no estrangeiro para o transporte dos emigrantes a um ponto qualquer dos
Estados Unidos serão illegaes e nullos, não tendo sido previamente
approvados pelo superintendente da emigração.

Mas se os paizes que recebem colonos precisam de inspectores que
fiscalizem a emigração, aquelles de onde ella se escoa não precisa menos
d'esses utilissimos agentes do governo. Assim o intendeu o conde de
Thomar em 1860, quando representava Portugal no Brazil, nomeando um
commissario, o dr. Antonio José Coelho Louzada, para formular um
projecto de regulamento para a emigração; projecto que, uma vez
convertido em lei do estado, devia ser de grande utilidade para o nosso
paiz.

Referindo-se á creação dos logares de inspector, diz elle:

Que a nomeação dos inspectores especiaes da colonisação não é cousa
nova. Na França e na Belgica, por onde se escoa uma grande massa de
emigrantes europeus, ha os inspectores especiaes e sem elles eu não
julgo que o governo portuguez possa ter nenhum conhecimento exacto da
população que emigra, nem a certeza de que a sahida dos emigrantes se
faz sem o emprego da seducção e do engano a que é tão frequentemente
sujeita. As authoridades administrativas da localidade respectiva, ás
quaes o art. 5.º, n.º 1 (da lei de 20 de julho de 1855), commetteu a
fiscalisação d'este assumpto, não podia no meio de tão complicados
encargos, como os que já tem pela legislação vigente, occupar-se
detidamente de um negocio que para ser bem fiscalisado deverá começar de
muito antes do emigrante embarcar, e somente acabar no acto da sua saida
pela barra fóra. Como porem não seja para esperar que a deserção dos
patrios lares vá, como até agora tem succedido, em grande progressão, e
antes ao contrario d'isso eu tenha por infallivel que ella diminuirá com
as providencias que indico, entendi que os inspectores especiaes de
colonisação não deveriam fazer parte de uma nova creação de empregados
publicos, e que n'esse intuito procurando-se algum que estivesse menos
sobrecarregado de trabalho ou inteiramente dispensado d'elle, possa á
rigidez de caracter unir uma boa vontade para empregar-se em um serviço
publico de tamanha importancia, como se reputa ser aquelle, que deverá
ter por empreza não sómente desviar a seducção feita aos emigrantes, que
precorrem paizes que não são possessões nossas, como o de ir explorando
os meios mais efficazes a empregar, com o fim de fazer encaminhar uma
semilhante tendencia para os dominios portuguezes d'alem-mar. Sem um
similhante funccionario applicado a este ramo de serviço publico, nem a
fiscalisação irá até aos ultimos momentos da partida do navio, nem as
estatisticas do movimento emigratorio poderá obter fóros, se não de
real, pelo menos de mui aproximado, por isso que todos os quadjuvantes
que lhe são dados não podem occupar-se se não dos assumptos concernentes
á sua especialidade, como são os capitães do porto, o delegado ou
sub-delegado de saude e o empregado da alfandega, todos os quaes carecem
de um centro de reunião para que possam marchar de accordo nas medidas a
empregar.[9]

O projecto do regulamento, que era um complemento á doutrina do art.
12.º da lei do 20 de julho de 1855, e a que se refere a nota que acima
reproduzimos, estabelece oito inspecções nos portos, de Lisboa, Porto,
Vianna do Castello, Madeira, Ponta Delgada, Horta e Terceira com o
encargo de superientender a emigração tanto dos portuguezes como dos
estrangeiros que houverem de sair pelos portos acima indicados;
estabelece que o embarque de emigrantes em qualquer outro porto seja
vedado; que os inspectores tomarão o logar das authoridades
administrativas locaes no desempenho das obrigações consignadas na lei
de 20 de julho de 1855; que os inspectores fiscalisem os passaportes dos
emigrantes, etc. etc.

Mas foi prégar no deserto. Já são passados 17 annos de somnolencia
incomprehensivel; e desde então para cá, que de milhares de braços tem
perdido a nossa agricultura!

A commissão parlamentar nomeada ha annos para prover de remedio a tão
grande mal, calculava que em 20 annos se perdiam 75 por cento dos
portuguezes que emigram para o Brazil!

Reduzindo a metal o que este trabalho representa, diz a commissão, e
dando 120$000 réis ao trabalho produzido por cada emigrado, annualmente,
34:000 emigrados, representando 2:400$000 réis cada um, em 20 annos
fazem 81.600:000$000 réis.[10]

Foram igualmente baldados os estudos da commissão dos srs. deputados!

E tudo isto: estes milhares de contos, e, o que é mais, os milhares de
vidas preciosas que vão perder-se no Brazil, seriam aproveitadas em
beneficio do paiz que tanto d'elles carece.

Quando haverá um governo que trate seriamente de debellar o mal que nos
prostra?

Ah! mas a liberdade! Deixemos aos proletarios a vontade livre, a
liberdade de emigrar, que é uma garantia do cidadão!

Mas a esses que apregoam essa liberdade absurda respondem os grandes
economistas, que não desrespeitam a liberdade, tal qual ella deve ser
comprehendida pelos que dirigem os destinos das nações:

«O livre arbitrio, diz o nosso doutissimo compatriota, o sr. Rodrigues
de Mattos, só pode ser admissivel no homem sabio e no caso extremo, em
que por violencia extranha tem de actuar e lhe faltam conceitos por
melhores, do que a reprovação conscenciosamente justificada; mas ainda
assim o homem sabio condemna sempre o livre arbitrio e prefere dizer:
ignoro; obedeço; não imponho.--O radicalismo que se apregoa nas
doutrinas da _liberdade sem limites e da sciencia sem privilegio_
traduz-se no charlatanismo dos mais ardilosos; na traição dos hypocritas
insuflados de odios; na corrupção dos poderes do estado; no amalgama dos
erros com as verdades; nas superfetações do pedantismo encyclopedico.
Concordando nas doutrinas do sr. Alexandre Herculano e na intelligencia
do principio _liberal e razoavel_ applicado na inspecção dos processos
de emigração, lembro tambem á Sociedade Real de Agricultura o seguinte
expediente. Todo o portuguez que pretenda emigrar e esteja no caso de
ser reputado na classe ou ordem--_Emigração socialmente legitima e
economicamente boa_, procederá a um exame, em que pelo menos mostre
saber ler, escrever e contar, sommando e diminuindo; que saiba
conscenciosamente a posição de Portugal e da America no mappa
geographico, as suas historias pelo menos as mais modernas, e alguma
cousa de climas, raças humanas, producções, industrias e seus valores
comparativos e utilisaveis; se tem algumas noções dos deveres de pai, de
marido, de filho, de irmão, do que significam as palavras «sou portuguez
da Europa e não _portuguez_ da America». Se a Sociedade Real de
Agricultura poder conseguir a pratica d'esta doutrina de _legitimidade
de acção_ e de _utilidade economica_ não só Portugal se enriquecerá,
porque o numero de emigrados ficará reduzido de 12:000 a uns 200 até 300
emigrados, que honrarão no Brazil as tradições gloriosas dos seus
antigos progenitores nos cinco continentes da terra, como tambem
fomentarão o commercio e as industrias das duas nações na Europa e na
America. Homens, _coisas_, na America, serão talvez um elemento material
destructivel por quem melhor o souber consumir para reproduzir-se em
proveito total; menos os taes 3:000 contos de interesse por commissão e
despezas de capitaes nos valores 108.000.000:000$000; commissão que nem
ao menos chega para comprar opio e fazer dormir por 24 horas um paiz que
desde dois seculos não passa do termo medio das 3.500:000 almas, quando
poderia contar 10.000:000, só na peninsula, e ter aproveitado as suas
melhores colonias, disputadas hoje por quantos aventureiros apparecem,
como lobos contra cordeiros. _Turbulentam mihi aquam fecisti._»

Discordamos um pouco da opinião do illustre escriptor, com respeito ás
considerações que elle fez a respeito da instrucção, que no seu intender
devia ser exigida pela Sociedade de Agricultura aos emigrantes. Nós
contentavamo-nos com muito menos; isto é, que lhes fosse exigida a
certidão de que sabiam ler correntemente.

     [9]_Negocios externos_, documentos apresentados ás cortes em 1874.

     [10] Veja-se _Primeiro inquerito parlamentar sobre a emigração
     portugueza_.


VII

Portugal é um paiz pobre, dizem os que advogam a emigração para o
Brazil; tem braços a mais, razão natural da procura de novos
territorios, acrescentam ainda.

Mas isto é um sophisma. Quem diz isto, quer esconder a verdade, a
princípal causa da emigração portugueza para o Brazil e que nunca nos
cansaremos de repetir--a ambição inconsciente dos emigrantes.

Portugal é pobre? A Portugal sobejam braços?

Comparemos Portugal á Belgica e á Hollanda, e vejamos se fallam verdade
os alliciadores do imperio americano.

Dizem os geographos, que em geral não são muito favoraveis nas
appreciações que fazem ao nosso paiz:

«_Belgica_....................... O solo, esteril nas provincias de
Liege e de Limbourg; é muito fertil nas Flandres e no Hainaut e bem
cultivadas.»

Nada mais com respeito ao solo.

«_Hollanda_....................... A Hollanda abunda sobre tudo em
pastagens; cultiva-se com successo o trigo, o linho, a ruiva, o tabaco,
fructas; a agricultura e a horticultura attingiram alli um alto grau de
perfeição. O clima é brusco e humido; os habitantes das proximidades das
lagoas (Polders) e das ilhas, estão expostos ás febres endemicas;
entretanto o frio dos invernos e os ventos de éste, modificam a
insalubridade do ar.»[11]

Vemos de notavel, apenas, que a agricultura e a horticultura attingiram
alli o alto grau de perfeição, que não póde desfazer as nebrinas
tristonhas do seu clima, nem tão pouco arredar para longe as febres que
assolam grande parte dos habitantes da Hollanda.

Para comparar veja-se o que diz o mesmo auctor com respeito a Portugal:


«A temperatura é d'um calor importuno, _mais elevado_ que em Hespanha; o
solo é muito fertil (_très-fertil_), _mas geralmente mal cultivado_.
Produz os famosos vinhos do Porto, Setubal, Carcavellos, etc.;
azeitonas, figos, laranjas e outros fructos exquisitos; mel, cera,
kermes. Aqui se encontra tambem as minas de ouro, prata, ferro, chumbo,
estanho, antimonio, sal (marinho), carvão de pedra, turquezas e outras
pedras preciosas, aguas mineraes e thermaes. Gado grosso, pouco; mas
bastantes carneiros e excellentes muares.»

Abramos um parenthesis:

Assim como deixamos passar a appreciação justissima de que o nosso solo
_está mal cultivado_, não deixaremos passar a affirmativa do illustre
geographo, quando diz que a temperatura do nosso clima _é mais elevada_
do que o da Hespanha. Esta não é a verdade. Se o calor que entre nós se
supporta no estio é importuno--_accablant_--, na Hespanha não o é menos,
se não superior. A experiencia de todos os dias ahi está corroborando
esta asserção.

Fechemos o parenthesis, e prosigamos.

A culpa de estar o nosso solo--_très-fertil_--mal cultivado, não é de
quem emigra, mas de quem, possuindo todos os meios de evitar o mal, não
tem tomado a iniciativa de o cultivar:--é dos maus governos que tem tido
a nação.

Vejamos agora, comparando ainda Portugal ás tres nações citadas, se lhe
sobejam braços.

Portugal mede uma superficie de 576 kilometros, do sul ao norte, sobre
168 de oeste a leste, ou 96.768 kilometros quadrados, que, divididos por
4 milhões de habitantes, dá para cada um--24,192 metros quadrados.

A Hollanda mede 240 kilometros sobre 230, ou 55.200 kilometros
quadrados. A sua população é de 3 e meio milhões; dando por
consequencia, 15,771 metros quadrados para cada habitante.

A Belgica mede 270 por 200, ou 54.000 kilometros quadrados, que
divididos por 4 e meio milhões de habitantes, dá para cada um 12 metros
quadrados.

Por estes simples calculos se conclue, que, para Portugal estar a par da
Hollanda devia ter uma população de mais de 6 milhões de habitantes, e
mais de 8 para estar a par da Belgica!

Se os governos d'este paiz, que, nos seus excessos de patriotismo,
tentam explorar a mina dos nossos certões envios d'Africa, olhassem para
as minas que possuimos no continente, a emigração seria annulada em
pouco tempo.

O governo que estabelecesse 20 colonias de 500 trabalhadores cada uma,
entreteria na faina do trabalho agricola uns 10:000 trabalhadores,
numero igual á população que emigrou para o Brazil em 1876.

Por este systema contribuiria igualmente para a divisão proporcional da
população portugueza, medida extremamente importante, cuja densidade em
algumas provincias é de 164 habitantes para cada kilometro quadrado, em
quanto que em outras partes do reino não passa de 12!

     [11] Buillet, _Dictionaire de l'Histoire et geographie_.


VIII

A commissão geodesica, encarregada por decreto de 21 de setembro de
1867, de proceder ao reconhecimento, determinação e estudo dos terrenos,
cuja arborisação é necessaria e util, achou o seguinte assombroso
resultado, na averiguação do arduo e substancioso trabalho que lhe
incumbiram e que ella executou com admiravel proficiencia; o que não
quer dizer que os taes estudos servissem para mais alguma cousa do que
para mostrar ao mundo inteiro a nossa incuria:

SUPERFICIE DE CUMIADAS INCULTAS E DE CHARNECAS

PROVINCIA DO ALGARVE
                                                           HECTARES
    Zona do litoral                              15.000
    Zona interior                               294.000
                                                            309.000

PROVINCIA DO ALEMTEJO E A PARTE DA EXTREMADURA AO SUL DO TEJO

    Parte meridional                            718.000
    Parte central                               516.000
    Parte septentrional                         413.000
                                                          1.647.000

PROVINCIA DA BEIRA E A PARTE DA EXTREMADURA AO SULNORTE DO TEJO

Região sul-occidental                           240.000
Região central                                  780.000
Região septentrional                            328.000
                                                          1.348.000

PROVINCIA DE TRAZ-OS-MONTES

    Tracto oriental                             195.000
    Tracto central                              240.000
    Tracto occidental                           279.000
                                                            714.000

PROVINCIA DO MINHO

    Tracto meridional                            89.000
    Tracto septentrional                        135.000
                                                            224.000

Areiaes incultos e médões da costa maritima      72.000
                                                          4.314.000

Calcula a referida commissão que a superficie de terreno do continente
é de                                                      8.962.531
menos 714 hectares do que o calculo feito por alguns geographos, pelos
quaes nos regulámos mais atraz.

Temos pois, terrenos cultivados                           4.648.531

Accrescenta a commissão geodesica, no seu bem elaborado relatorio, que
poderá subir a 5 milhões (!!!) o numero de hectares de terrenos
incultos, porque muitos milhares de hectares estão permanentemente de
matto, ou não recebem cultura senão com muito grandes intervallos; e
tambem refere que ha uma immensa area sujeita «ao tradicional systema de
alqueives.» Repartindo esta superficie por 3.829.618 habitantes, acha
que corresponde a cada individuo 1 hectare, 30 ares e 56 centiares de
solo inculto.

A respeito da densidade da população portugueza no continente, publica a
commissão os seguintes dados estatisticos, segundo o censo referido ao
1.º de janeiro de 1864:

                                 HABITANTES
                                   POR KIL.
                                   QUADRADO
Districto do Porto                      164
    »     de Braga                      114
    »     »  Vianna do Castello          85
    »     »  Aveiro                      76
    »     »  Vizeu                       75
    »     »  Coimbra                     74
    »     »  Lisboa                      59
    »     »  Villa Real                  49
    »     »  Leiria                      46
    »     »  Guarda                      36
    »     »  Faro                        33
    »     »  Santarem                    30
    »     »  Bragança                    26
    »     »  Castello Branco             23
    »     »  Portalegre                  15
    »     »  Evora                       13
    »     »  Beja                        12

Se o districto do Porto accolhe 164 habitantes, e o de Braga 114, por
cada kilometro quadrado, porque não procura a população do norte os
districtos desertos do sul?

A razão já ficou expendida mais atraz.

Depois d'isto não se diga agora que a população portugueza sobeja, e por
isso emigra para fóra do paiz.



CAPITULO II

Os advogados da emigração e a companhia Transantlantica. Remuneração ao
trabalho. O custo da escravatura preta e o custo da escravatura branca.
O definhamento da agricultura no Brazil, por causa da falta de braços.
Erros do jornalismo a respeito da emigração. O «Diario de Noticias» e o
sr. Fernão Vaz e o drama «Os Aventureiros». Um livro a favor da
emigração e o auctor das «Farpas». Elogios e sensuras. A praça do
commercio do Porto e uma penna de ouro.


I

O _Brazil_, jornal que advoga os interesses dos nossos compatriotas
residentes no imperio, publicou um artigo que nos surprehendeu, por vir
elle sustentar idéas tantas vezes combatidas no mesmo jornal. E a nossa
surpreza ainda foi maior, porque esse artigo, que tem por epigraphe _A
colonisação para o Brazil e a Companhia Transantlantica_, mais parece
que fôra escripto com o fim de tratar de interesses particulares de um
ou outro engajador de colonos portuguezes. O que muito folgamos, não
obstante o referido artigo vir publicado no logar de honra, foi não ser
elle assignado pelos seus illustres redactores effectivos, a quem temos
visto atacar as idéas no mesmo contidas.

Empenhados na lucta travada a respeito da emigração de portuguezes para
o imperio brazileiro, não devemos ficar silenciosos á vista de certas
proposições alli enunciadas.

Entremos pois na questão e deixemos de parte a circumstancia do
articulista achar razoavel o facto dos colonos portuguezes preferirem o
Brazil, pela «communidade de origem _e a facilidade que encontram no
exercicio das suas industrias_, por ser a lingua commum a ambos os
povos», etc., e entender por isso dever auxiliar a corrente da
emigração, por via da companhia Transantlantica, por quem parece morrer
de amores, já porque está _regularmente montada_, já porque _á testa
d'ella vê nomes que lhe merecem garantia de seriedade e de moralidade_.
Deixemos, portanto, este procedimento do articulista, que parece não
mudará, emquanto o nosso governo não encaminhar os colonos para os
terrenos incultos do Alemtejo, (o que já é muito!) ou para as nossas
possessões ultramarinas (_cuja communidade de origem etc._, é igual á do
imperio), reservando-se para mais tarde emittir o seu parecer, quando
appareça decidido o assumpto emigração, sujeito a uma commissão de
deputados, o que equivale a dizer-nos que será sempre a favor da
emigração, com tanto que os engajadores sejam sempre os agentes da tal
companhia; porque para nós é ponto de fé, que as nossas commissões nada
farão, embora as tenhamos no melhor conceito, e o nosso governo já mais
tratará de desviar a emigração da America meridional, encaminhando-a
para o Alemtejo ou para as nossas possessões ultramarinas.

Deixemos tambem de parte a circumstancia de que o articulista leva em
mira atacar a pessoa de um novo pretendente ao logar de engajador
official de escravos brancos para as roças insalubres do Brazil, e a não
sabemos que pequenas miserias de commendas, porque o tal pretendente
parece querer ferir os interesses da poderosa e _protectora_ companhia!

Deixemos, finalmente, que o illustrado articulista se incommode
sériamente com os ataques dirigidos pelo novo proponente aos caracteres
honrados e dignos, representados nas pessoas do ministro das obras
publicas do imperio, do conselheiro da companhia _protectora_ de
escravos brancos e do distincto escriptor Augusto de Carvalho, que, em
prejuizo da nossa patria, pretende illudir, com seus escriptos de
phantasia, os nossos infelizes compatriotas; porque, caso o articulista
venha a ser accusado de defensor da companhia Transantlantica, do seu
conselheiro, dos estadistas brazileiros e do escriptor assalariado,
ser-lhe-ha muito facil defender-se com o juizo dos jornalistas e dos
particulares, que conhecem os actos publicos e politicos das pessoas
aggredidas pelo endiabrado pretendente; podendo até escudar-se em abono
d'este ultimo--do sr. Carvalho,--nas provas de consideração ultimamente
apresentadas, em nome da colonia do Rio de Janeiro, pelo visconde de S.
Salvador de Mathosinhos, o que bastaria para demonstrar não só a
abnegação do articulista, como a de tão distinctos cavalheiros pelo bem
da nossa patria![12]

Mas deixemos isto tudo de parte, visto que ao articulista pouco importam
as doutrinas de hontem e as manifestas contradicções das doutrinas de
hoje, sustentadas no mesmo jornal, onde o governo brazileiro tem sido
accusado de menos fiel no cumprimento dos seus deveres para com os
colonos portuguezes, e onde não vimos ainda a razão que dê aso a tantos
elogios.

Deixemos ainda que o articulista do _Brazil_ viva em completa illusão a
respeito da protecção que diz dispensa aos colonos portuguezes a
companhia Transantlantica, que, a nosso ver, não é peor nem melhor do
que a que costumam dispensar outros engajadores, ou ainda mesmo da que
poderia dispensar o proponente Mattos,[13] caso a sua proposta fosse
acceita pelo governo do imperio como a mais lucrativa.

Deixemos de parte estas questões pessoaes, que o nosso fim é outro.

Nós, como acontece ao articulista do _Brazil_, não temos procuração de
ninguem para defender este ou aquelle engajador, pelo simples motivo que
a todos achamos maus. Não somos a favor das companhias poderosas nem tão
pouco dos agricultores riquissimos do Brazil, quer sejam nossos
compatriotas ou não, os quaes, diga-se aqui de passagem, só precisam de
escravos, pretos ou brancos (é questão de nome) para lhes desbravar as
terras, emquanto taes senhores se balouçam nas suas redes de pennas, sem
se importarem se os colonos caem fulminados pelas febres ou pela
intensidade do calor. Tambem não somos mais favoraveis aos engajadores
clandestinos, que ainda assim, não merecem tanto a nossa particular
attenção.

Ha tudo a temer dos engajadores officiaes, d'esses por quem o
articulista do _Brazil_ parece querer quebrar lanças; d'esses, que, com
o fim de chamar a si o maior numero de proselytos, têem a força
sufficiente de illudir as leis do nosso paiz; d'esses, cuja influencia é
sufficiente tambem para fazer demittir as nossas auctoridades
subalternas, que oppõe a sua dignidade ás promessas e ás ameaças dos
engajadores;[14] d'esses, finalmente, que obtêem com facilidade dos
nossos governos a approvação de tarifas especiaes dos caminhos de ferro,
a preços reduzidos, para a conducção de colonos que, uma vez chegados a
Lisboa, deverão immediatamente embarcar nos paquetes que se destinam aos
portos do Brazil.

Mas comquanto reconheçamos as difficuldades que ha em evitar a emigração
para uma região tão insalubre, porque de um lado temos os propagandistas
que apregoam phantasias e do outro as companhias e os capitalistas a
protegel-os, servindo-lhes de não pequeno auxilio a deficiencia das
nossas leis, senão a propria connivencia das authoridades, ainda assim
havemos de ser sempre leaes e acerrimos combatentes contra essa
emigração, por ser a mais prejudicial aos portuguezes.

A circunstancia de se haver illudido o articulista do _Brazil_, com
respeito ao trabalho, que lhe parece ser mais bem remunerado no imperio
do que em nossas terras, é assumpto para mais largo debate.

     [12] Consta-nos que os roceiros do Brazil mandaram um presente de
     cem libras ao auctor do _Estudo sobre a colonisação e a emigração
     para o Brazil_.

     [13] Considerado, actualmente, engajador official.

     [14] Deu-se um facto d'estes com um administrador de concelho do
     districto de Coimbra, e mal pensavamos nós que, passados apenas
     alguns mezes, haviamos de ouvir fazer accusações gravissimas a
     respeito da emigração clandestina, no parlamento portuguez, sem que
     houvesse uma voz que as refutasse. (Veja-se a nota n.º 2 no fim do
     volume.)


II

Diz-nos o illustrado articulista assim com uns modos sentimentaes, em
que bem mostra o seu desejo de proteger a Companhia Transantlantica, e
por consequencia a emigração, visto que não descobrira ainda o remedio
que lhe deva por termo:--«Que não é para admirar que os nossos
compatriotas _não encontrando trabalho bem remunerado_ na sua patria,
por isso que a _offerta é muito maior do que a procura_, busquem longe
do seu torrão natal onde empregar a sua actividade e receber em troco
_uma remuneração proporcional_ aos seus esforços e á sua iniciativa,
mais ou menos intelligente e que dêem a preferencia ao Brazil,» etc.

Em vista d'isto vê-se claramente, que o articulista vive das taes
phantasias, alimentadas pelos estudos theoricos, que cegam ás vezes as
mais robustas intelligencias. O abalisado escriptor é dos taes que vêem
um ataque á liberdade quando se escreve contra a emigração ainda quando
nos termos em que nós escrevemos; é dos taes que offerecem contra esses
ataques as milhares de libras sterlinas com que contribue o Brazil para
a prosperidade do Portugal.

O articulista não sabe ou não quer discutir no campo da pratica, não só
porque desconhece o grande prejuizo que está causando ao nosso paiz a
falta de braços, como porque desconhece tambem a remuneração que se
costuma dar ao trabalhador de Portugal e ao do Brazil. A remuneração que
elle acha proporcional aos esforços do trabalhador de lá, é julgada
apenas pelo principio natural de que os campos virgens da America são
mais ferteis. Porém, contra esta verdade esquece outras, que inutilisam
completamente os esforços do trabalhador europeu, no Brazil.

A remuneração offerecida ao trabalhador, ao contrario do que avança o
articulista, é mais proporcional entre nós do que no imperio, como já
tivemos ensejo de demonstrar em outro logar; porque alem da
impossibilidade de poder trabalhar debaixo d'um sol ardentissimo, se o
colono portuguez tem a felicidade de resistir ás epidemias do Brazil,
que costumam atacar o europeu recem-chegado, falta-lhe com tudo os meios
de poder estabelecer-se na lavoura, meios indispensaveis, como são os
instrumentos agricolas e um pequeno capital para a compra de terrenos.
Alem d'isso, a protecção que o Brazil offerece aos colonos é ficticia,
porque as leis sobre a agricultura são essencialmente vexatorias. O
colono n'esta parte da America, ao contrario do colono estabelecido nos
estados do norte, trabalha apenas por supprir as excessivas exigencias
do governo. O producto devido á trabalhosa exploração do colono, e que
custa maior numero de sacrificios que em qualquer outro paiz, fica ainda
assim sujeito a um sem numero de taxas, quando precisa exportal-o.

Essas leis que tinham a sua razão de ser no tempo da escravatura, porque
então o trabalho era excessivamente mais barato, como mais adiante
demonstraremos, não podem mais existir para o trabalho lívre, que ha de
necessariamente subir de valor, e assim reunido aos direitos de
exportação, tornarão o genero tão caro, que jámais poderá competir com
outros iguaes nos mercados consumidores.

Já dissemos em outro logar, que o governo brazileiro pede pelas madeiras
14 p. c. de exportação;[15] e este é, sem duvida, o maior obstaculo que
o colono encontra nas terras brazileiras. Por outro lado o governo devia
auxiliar o explorador, abrindo-lhe estradas por o sertão, e sendo
possivel desimpedir os rios, as melhores vias de communicação para o
interior.

Mas os homens d'estado do Brazil nada mais enxergam a não ser a
necessidade de dinheiro; e para obtel-o auxiliam os engajadores, na
persuasão de que a muita quantidade de colonos europeus lh'o levará.
Porém o engano é manifesto, porque o colono dos nossos paizes logo que
chega ao Brazil, onde vê desenrolar-se o panorama de desgraças que os
engajadores lhe esconderam, se a _febre amarella_ lhe dá tempo para
isso, só trata (e então o numero dos que escapam ao flagello é
limitadissimo) de procurar o trabalho á sombra, despresando o que
costumava ser desempenhado pelos filhos de Africa, trabalho que ainda
assim não daria as riquezas que ahi vemos chegar quasi todos os dias do
Brazil.

Não querem ouvir estas verdades os utopistas de lá não obstante terem
visto crescer fortunas fabulosas á sombra da escravatura. São tão
ignorantes como os utopistas de cá, que vêem em cada ricasso vindo do
Brazil, qualquer cavador ou ceifador da canna de assucar.

Diz o articulista que a offerta do trabalho entre nós é maior do que a
procura. Engano manifesto. Em qualquer ponto de Portugal acontece
justamente o inverso do que avança o protector da emigração. E no
Alemtejo especialmente a procura é permanente.

A viticultura, que n'esta vastissima provincia cresce de dia para dia, a
cultivação de cereaes e de olivedo, entretem não só os alemtejanos, mas
ainda muitas centenas de braços dos filhos das nossas provincias do
norte. Não obstante, esta concorrencia é ainda muito diminuta, e por
isso muito bacello ficou por plantar em 1876, em que os preços das cavas
chegaram em muitos logares a 500 réis.

As ceifas foram morosas n'este mesmo anno, como quasi sempre, pela falta
de braços, empregando-se, como tivemos occasião de vêr, muitas mulheres
em tão arduo serviço. Em alguns pontos d'esta provincia os jornaes
subiram a 500, 550 e 600 réis diarios e de comer!

Toda a gente sabe, que no norte a propriedade está mais dividida, e que
o trabalhador destina alguns dias para o amanho d'um bocado de terreno
que possue e lhe costuma dar um pouco de milho, legumes, vinho e carne,
productos estes, que, juntos á pequena recompensa pelo trabalho que
executára fóra de casa, lhe fazem augmentar a féria que é sempre mais
proporcional que no Brazil. Os filhos das provincias do norte, que não
possuem estas _courellas_, são geralmente aquelles que no verão procuram
o trabalho nas provincias da Extremadura e Alemtejo, onde os lavradores
lhes pagam bem para passar o resto do anno, como já fica demonstrado.

Por isso não vêmos qual é a desproporção apontada pelo articulista do
_Brazil_.

     [15] Veja-se _Questões do Pará_.


III

O colono trabalhador que antes de partir para a America se occupava na
cultura dos nossos fertilissimos campos, vae occupar no Brazil o logar
de aguadeiro, carroceiro, catraeiro, ou na immensa deversidade de
serviços que entre nós costumam fazer os filhos da Galliza. Estes
colonos, cujo numero é limitadissimo, porque, como já dissemos, e nunca
nos cansaremos de repetir, de 70 a 80 por cento não pódem resistir ao
clíma pestilento d'aquella parte da America, ganham apenas para comer e
vestir. E sendo economicos, isto é, mettendo na algibeira o que devem
dar á barriga, podem juntar algumas dezenas de mil réis no fim de muitos
annos. O dinheiro assim grangeado não se converte em letras de cambio,
nem tão pouco faz subir os nossos fundos. Esses poucos haveres
acompanham o expatriado quasi sempre exhausto de vida.

Ha outro colono--o artista,--que reune mais algumas economias, porque os
lucros são outros. Ainda assim o seu salario não só não compensa os
sacrificios que soffre no Brazil, mas essa compensação é menos
proporcional do que na Europa, especialmente na actualidade.

Dir-nos-hão:--Mas o artista traz dinheiro.

É isso verdade, porque o portuguez que volta á patria envergonha-se de
vir com as algibeiras vazias. Porém, por quantas privações passou elle
com o fim de sustentar esse capricho?! Ainda assim o facto do artista
trazer dinheiro por similhante systema, não é razão para dizermos que o
Brazil remunera mais esta especie de trabalho. Se no animo do artista
que prefere a patria tivessem actuado as mesmas circumstancias, nós
viriamos que as suas economias seriam, quando não superiores, pelo menos
iguaes, acrescendo ainda a vantagem que não é para despresar, de viver
mais descançado e no goso de mais perfeita saude.

Este e aquelle outro colono, não são propriamente dito, os que induzem,
quando voltam á patria, os nossos ambiciosos compatriotas a procurar as
riquezas ephemeras do Brazil. Aquella pobre gente raras vezes apparece
na povoação que os vira nascer, e quando apparecem é de visita, e por
tal fórma ataviados que mais incitam os novos aventureiros.

É preciso notar que o trabalhador e o artista que vêem desilludidos do
Brazil, procuram, longe do seu povoado, onde possam exercer a sua
industria, sendo certo que o maior numero procura esconder o seu _crime_
nas nossas possessões ultramarinas; porque é crime apparecer pobre na
terra em que nascera!...

Ha ainda outro colono, além do trabalhador e do artista--o
commerciante--que sae da sua aldeia com a ideia de ser caixeiro no
Brazil. É justamente d'estes que não veem lá com bons olhos, porque os
naturaes querem o commercio para si. Outros colonos ha, sahidos do
commercio, que se fizeram senhores de engenho ou agricultores, a quem a
escravatura em poucos annos fez centuplicar os haveres.

As fortunas trazidas para Portugal por estes colonos, tem sido em todas
as epochas a varinha magica que tenta os trabalhadores. Esta pobre gente
nunca pensou na diversidade de posição d'aquelles, posição que por
circumstancias muito superiores ao entendimento do colono trabalhador,
lhe traz os taes lucros fabulosos, que se não acham a cozer um sapato, a
talhar uma calça, a construir um muro, a estucar uma sala, a carregar
uma carroça ou a conduzir um passageiro a bordo d'um navio, ou mesmo a
desbravar as terras brazileiras, caso o colono europeu podesse, como já
dissemos, trabalhar debaixo do sol ardentissimo dos tropicos.

Porém, d'essas riquezas é que será difficil arranjar de futuro, porque a
agricultura no Brazil, a alma do seu prodigioso commercio, tende a
definhar-se de anno para anno em vista da falta de braços escravos, os
unicos capazes de arrotear aquelles vastissimos campos.

Mas é preciso demonstrarmos essa difficuldade, para que se desilludam os
portuguezes, que procuram no Brazil este meio de vida.

Eis o que vamos tentar em breves considerações.

O negro foi em todos os tempos o unico ente capaz de resistir á humidade
venenosa que sae das terras brazileiras e ao calor excessivo que ao
mesmo tempo sobre ellas assenta. Os primeiros colonos que se
estabeleceram no Brazil, viram logo a dificuldade de empregar o europeu
no desbravamento d'aquelles terrenos insalubres; por isso chamaram a si,
como os mais capazes de resistir ao clima, os habitantes de Angola,
Benguella, Cabinda, Moçambique e Congo. Pouco tempo depois começou o
commercio da escravatura.

Os homens empregados n'este trafico, levavam os seus navios carregados
de bijouterias, d'um valor puramente ficticio, com que na Africa
illudiam os regulos. Estes davam em troca os seus _subditos_, que eram
immediatamente mettidos nos porões dos navios. Das costas d'Africa
seguiam para America, e não obstante morrerem 20 p. c. no transito!
segundo a opinião de Ferdinand Diniz, ainda assim o escravo ficava por
um preço excessivamente barato.

Na primitiva o senhor d'engenho comprava o escravo a 150 e a 200 patacas
(48$000 e 72$000 réis fracos), ficando-lhe muitas vezes mais barato, se
entre elle e o negreiro se estabelecia a permuta de productos agricolas
em troca do preto. Nos ultimos tempos em que a escravatura era
permittida, chegaram a duplicar e ás vezes a triplicar de preço. Não
obstante, o trabalho em que era empregado o negro ficava excessivamente
barato. Os productos agricolas devidos a esse trabalho, davam o
sufficiente para enriquecer os governos e os senhores da agricultura.

Póde-se calcular, que o preto trabalha 20 anos para seu senhor.
Custára-lhe 192$000 réis, quando muito. Junte-se-lhe as despezas que com
elle fizera n'esse periodo de tempo--alimentação e vestuario;--aquella
composta em geral de farinha de mandioca, carne secca e bacalhau,
algumas aboboras e bananas para variar estes alimentos, não esquecendo a
carne de baleia, a rapadura do açucar, feita em pão, etc; e este (o
vestuario) de pano americano, e alguns riscados de algodão azul e
branco, devidos á manufactura ingleza; despesas que podemos orçar em 20
vezes mais do que o custo do negro; isto é 3:840$000 réis, que reunidos
áquela soma, prefaz 4:032$000 réis fracos. Estabelecidos assim os
calculos, podemos ver quais eram os principais meios da riqueza passada,
e quais são aquelles com que se póde contar para a riqueza futura.

Mas para illucidar mais o leitor, comparemos o trabalho do escravo com o
do homem livre.

O homem livre não trabalha por menos de 2$000 réis fracos como já
tivemos ocasião de dizer. Vinte anos de trabalho a 2$000 réis,
representam 14.000$ réis; isto é, mais 9.568$000 réis, por cada
trabalhador, contra o proprietario das roças do Brazil!

Havia roceiro que tinha 150 e 200 escravos e que vê em cada um que se
liberta, e que vai substituindo pelo braço livre, o prejuizo d'aquela
fabulosa soma e seus juros!

A agricultura, por consequencia, ha-de cair infallivelmente, e o
commercio e a industria, que vivem exclusivamente d'ella, já vão
começando a sentir-lhe os effeitos. Eis a razão da affluencia de
capitaes no nosso paiz; capitaes que já não encontram no Brazil
conveniente emprego; eis a razão porque o governo brazileiro subsidia,
mais do que nunca, as companhias engajadoras; eis a razão porque a maior
parte do nosso inexperiente commercio de Portugal e Brazil, que ainda
não previu o seu futuro, auxilia tambem os engajadores; eis a razão,
finalmente, porque combatemos a emigração para aquelle paiz, quer os
colonos se dediquem ao trabalho braçal, ao commercio ou á industria.

Iamos terminar este artigo, quando por acaso deparámos com o seguinte
telegramma expedido do Rio de Janeiro pela agencia _Havas_:

«As sessões das camaras serão prorogadas por mais 15 dias, a fim de se
terminar a discussão do orçamento e da reforma da lei eleitoral, e sendo
possivel, a da lei de soccorros á agricultura, que se resente da falta
de braços e capitaes, e creação de engenhos a vapor centraes agricolas.»

Este documento veiu a tempo de fortificar a nossa humilde opinião a
respeito da falta de braços e da saida de capitaes d'aquelle paiz.

O governo promette desde ha muito remediar o mal; mas nós é que não
confiamos no seu auxilio, nem vemos que seja facil substituir o negro,
ha pouco libertado pelo Brazil.


IV

No nosso paiz ha jornaes que defendem hoje o que atacavam hontem, o que
não deixa de ser razoavel... até certo ponto; isto é quando da
contradicção apparente d'hoje nasça a rectificação sincera aos erros
commettidos hontem. Mas faz-se mais... queremos dizer:--faz-se menos;
por que hoje se defende uma causa julgada má, que hontem fora
classificada de optima e vice-versa, isto successivamente, conforme as
conveniencias dos jornalistas que fazem do sublime invento de Guttemberg
o ariete com que costumam atacar o reducto da moralidade. Outros ha,
que, tendo começado a percorrer o bom caminho, recuam, ao mais pequenino
assomo de desagrado dos optimistas.

No primeiro caso está o jornalismo representado no jornal cujos
escriptos sobre emigração acabamos de criticar; e no segundo está, por
exemplo o _Diario de Noticias_, uma das folhas mais populares d'este
paiz, e por isso mesmo aquella que ensina menos; porque, como diz o
ditado, todos os dedos lhe parecem hospedes: porque de tudo tem medo.

Dizia ha pouco um distincto litterato, que costuma encobrir o seu
laureado nome com o pseudonymo de _Fernão Vaz_, a proposito de uma
critica feita a um trabalho que destinamos ao theatro,[16] que o
referido _Diario_, por ter extractado dos relatorios dos consules o que
alli ha de mais horroroso sobre a emigração para o Brazil, foi alcunhado
de _impertinente_; dando a entender que a referida redacção suspendera a
transcripção alludida--o mais assignalado serviço que ella poderia
prestar ao paiz--para se livrar do anathema, que jámais iria ferir um
collosso material creado e sustentado pelo publico a quem essa
publicação deve defender, para pagar um diminuitissimo agio dos favores
que lhe ha dispensado.

Não fazemos accusações sem base, nem é nosso intuito offender ninguem;
mas se á tal suspensão presidio o _medo_, como se deprehende das
palavras do escriptor citado, e nós acreditamos--porque o director do
referido jornal _prohibiu_ a que a sua redacção fosse representada na
leitura do nosso drama _Os Aventureiros_, fundado em epysodios da
emigração--; o medo, repetimos, ou a conivencia, em assumpto de tanta
magnitude, é um crime de lesa-imprensa que não póde deixar de ser
fulminado com a maxima severidade.

Nem a _diplomacia do senso real das cousas_, nem a _diplomacia
hypocrita_, como diz algures o escriptor Fernão Vaz, a propósito das
impertinencias (?) que elle viu, póde ser adoptada como linha de
conducta no decorrer da nossa humilde critica, porque aspiramos apenas a
encomios firmados em justissimas apreciações aos nossos exforços e,
sobretudo, a estar bem com a nossa consciencia. Eis porque não tememos o
epiteto de impertinente.

Nenhuma das diplomacias citadas, segundo os exforços que fizemos para as
perceber--pode desculpar uns certos erros publicos, que por estarem ao
alcance da imprensa digna e por que são essencialmente prejudiciaes
ao paíz, devem ser combatidos sem tregoas e tão severamente quanto
é a altura d'onde esses erros partem, quando não seja para
corregil-os--porque ha infatuados que nunca se corrigem--ao menos para
prevenir os incautos do precipicio para onde os podem encaminhar os
apostolos do mal.

     [16] Veja-se a nota n.º 3.


V

Temos que continuar a nossa critica severa, mas digna, a um trabalho
sobre emigração, publicado ha pouco sob os auspicios do governo do
Brazil e escripto por um litterato brazileiro, e para que não vão
accusar-nos de systhematico na propaganda contra a emigração _e a tudo
que é brazileiro_, entendemos dever começar pelos de casa.

O livro a que nos queremos referir teve primeiro o seguinte
titulo--_Estudo sobre a colonisação e emigração para o Brazil_--e o
actual apparece com o de--_Brazil_--simplesmente. Não se lhe mudou
apenas a capa; fez-se mais: antepôz-se ao texto--que é o mesmo--os
elogios da imprensa portugueza, para que no imperio fosse mais facil a
extracção do livro!

Este systema de _recommendações_ tem grande valor no Brazil; e o author
do _Estudo_ vio-lhe o alcance, o que não quer dizer que os nossos
_recommendadores_ o vissem tambem: até cremos que usaram de boa fé; mas
não póde isso obstar a nossa critica.

O tal livro advoga a emigração dos portuguezes para o Brazil, e além
d'isso offende os nossos brios, o que demonstraremos nos seguintes
capitulos.

O auctor das _Farpas_, tendo estudado profundamente o assumpto em
dezembro de 1872, e tendo dado provas de que o estudára, mimoseando o
publico com 37 brilhantissimas paginas no referido folheto, em que bem
se revella o combatente convicto contra a emigração, _recommenda_ pouco
depois ao publico, o seu antagonista, no seguinte documento:


«.....O sr. Augusto de Carvalho é auctor de um livro importante ácerca
da emigração e da colonisação do Brazil, assumpto utilissimo para os
interesses portuguezes, do qual não póde deixar de occupar-se a imprensa
que respeita a sua missão. Creio bem que v. estimará egualmente cultivar
as relações d'este espirito conciliador»[17] etc. etc.


Este _espirito conciliador_ respondendo á asserção da commissão de
emigração de que «em Portugal não ha miseria nem falta de trabalho que a
incite», diz o seguinte:


«Permitta-nos a illustrada commissão que lhe façamos sentir que os
factos prottestam contra similhante conclusão. Na ultima leva de
degredados (portuguezes) em numero de 92, d'estes foram 52 condemnados
por furtos, roubos e falsificações. E ainda no mez de novembro ultimo
(1873), de 40 que deram entrada no Limoeiro para seguirem o mesmo
destino, 31 foram-n'o por crimes da mesma natureza.»


Este desenlace _conciliatorio_ do tal _recommendado_ ás conclusões da
commissão alludida, mostram mais alguma cousa do que a conciliação,
mostram a falta de bom senso; porque nos paizes onde a riqueza anda a
pontapés--para os que trabalham--tambem ha condemnados pelos crimes de
furto, roubos e falsificação, porque os ratoneiros, ladrões e falsarios
de _todas_ as nações preferem tudo ao trabalho honrado. E havemos de
provar esta asserção com respeito ao proprio Brazil--a nova terra da
promissão.

Mas não antecipemos a critica ao livro _recommendado_.

Querendo naturalmente defender os assassinos dos nossos compatriotas
residentes na sua patria, diz o auctor do _Estudo_, em tom
_conciliatorio_, já se sabe:


«Acaso, por se haver morto com um tiro em certo logar do Minho, um
infeliz que subtrahia um cacho de uvas, segue-se que todo o povo
d'aquella provincia seja deshumano?»


Será isto em desforço dos assassinatos de Jurupary e tantos outros?!

O auctor das _Farpas_ que responda.

Defendendo os magistrados que prevaricam no imperio, commemora a
seguinte futilidade, que não tem nada de conciliatoria:


«Acaso, por haver sido, no Fundão, condemnado um pobre Antonio Gomes, a
um mez de prisão, multa correspondente e despezas do processo, pelo
crime de _sorrir-se e piscar os olhos_ para o delegado Duarte de
Vasconcellos, segue-se que a justiça é nulla em Portugal?»


Estes crimes sociaes commettidos no nosso paiz não podem equiparar-se
com os crimes sociaes commettidos no Brazil pelos naturaes contra a
colonia portugueza. E não póde porque... «A roça no imperio do Brazil,
segundo diz o author das _Farpas_, é como em Portugal o banco. É ella
que faz a lei, a justiça e o direito. Com uma pequena differença nos
resultados d'esta influencia do capital e da propriedade no Brazil e em
Portugal: é que em Portugal é contrastada pelas beneficas rezistencias
de alguns milhares de cidadãos que mantem a liberdade por meio da
independencia facultada pelo trabalho; no Brazil não, porque no Brazil
quem trabalha é o escravo, e a quantidade chamada povo não existe.»[18]

O Brazil, aos olhos do tal recommendado, é o paraiso terreal, a terra
promettida, onde podem reunir-se os individuos de todas as
nacionalidades, que alli queiram ter patria commum; e aos olhos do
auctor das Farpas, no Brazil _tudo é hostil ao emigrado_; no Brazil _não
respeitam a fé dos contractos com os miseraveis trabalhadores
portuguezes_; e accrescenta:

«O colono portuguez no Brazil nem tem os direitos dos nacionaes, nem os
previlegios dos estrangeiros. Em uma nota do barão de Cotégipe, ministro
brazileiro, a mr. George Bukley, ministro inglez, ácerca da deserção de
marinheiros estrangeiros para a marinha brazileira, encontra-se
consignada nos seguintes termos a condição dos individuos que compõem a
tripulação dos navios do estado--escravos, portuguezes, nacionaes e
estrangeiros.»

Como teremos occasião de mostrar, o auctor do _Estudo_ recommenda a
conveniencia da colonisação portugueza; e o auctor das _Farpas_
criticando habilmente o assumpto escreve estas terriveis verdades:

«A primeira tentativa de colonisação com trabalhadores livres, data de
1819, dois annos antes da independencia. Mil e setecentos aldeãos
suissos do cantão de Fribourg estabelecem-se no Val de Parahiba do sul e
fundam a Nova Friburgo no extremo limite meridional da zona torrida,
perto de uma grande cidade. Dez annos depois a colonia suissa estava em
dois terços do que primitivamente fôra. Actualmente a Nova Friburgo é
uma cidade inteiramente brazileira, onde raras familias friburguezas se
encontram ainda.

«Em 1845, uma nova tentativa feita sob os auspicios do governo
brazileiro, levou alguns milhares de trabalhadores de Baden e de bavaros
do Palatinado ao Rio de Janeiro. Estabeleceram-se em Petropolis, perto
do palacio imperial. Em 1859--quatorze annos depois--de tres mil e
dezeseis colonos que ainda habitavam Petropolis, rarissimos tinham
passado de simples cavadores de enxada. Esta colonia tem-se concentrado
cada vez mais em torno da residencia imperial, e vive quasi
exclusivamente da actividade que o soberano e a côrte espalham
necessariamente em torno de si.

«O celebre naturalista suisso Tschudi, mandado pelo seu governo ao
Brazil, como plenipotenciario, a fim de estudar a historia dos
emigrados, fez uma viagem de muitos mezes atravez de differentes
feitorias, e em um relatorio de 9 de outubro de 1860, no qual consignou
as suas impressões e as suas idéas, deixou um monumento historico
pavoroso e indiscutivel contra a colonisação do Brazil.

«A suissa prohibiu a emigração dos seus filhos para aquelle ponto do
globo.

«Avé-Lallemant, encarregado officialmente de visitar as colonias allemãs
no imperio brazileiro, dá pormenores aterradores da sorte dos obreiros
que encontrou nos estabelecimentos do Mucury, na provincia de Porto
Seguro.

«Dolorosamente penetrado da desgraça que presenceou, Avé-Lallemant,
dirigiu-se pessoalmente ao imperador, expoz-lhe as condicções em que
estavam vivendo os seus compatriotas no Mucury, e conseguiu de sua
magestade que um navio fosse mandado áquella colonia, afim de trazer
para os hospitaes do Rio de Janeiro os infelizes, os doentes e os
_desesperados_. _Desesperados_, palavra que sobre a colonisação do
Brazil se empregou então officialmente pela vez primeira e talvez unica
no mundo!

«A primeira leva dos emigrados recolhidos do Mucury ao Rio de Janeiro a
bordo do alludido vapor do estado, foi composta sómente dos enfermos, e
constou de oitenta e sete individuos.

«A praça do Rio de Janeiro deve de recordar-se ainda do dia memoravel na
historia da emigração em que se viu chegar esse tragico e funebre
comboio.

«Os possantes e valerosos mancebos allemães; que o Rio vira passar
poucos mezes antes corajosos, esperançados e alegres para os trabalhos
do Mucury, eram desembarcados em macas nos caes ruidosos da capital de
um dos mais ricos paizes do mundo.

«Vinham devorados pelas febres paludosas exhaladas de um rio podre,
cobertos de lepra e de _vermine_, immundos de chagas e escalavrados de
contusões.

«Um tinha morrido no trajecto, a bordo. Outro expirou justamente no
momento em que o collocavam em terra.

«Poucos dias depois chegava do Mucury uma segunda leva de emigrados, com
cerca de outros tantos enfermos e outros dois cadaveres.

«A opinião no Rio de Janeiro tinha-se mostrado tão profundamente
commovida com este espectaculo de uma barbaridade suprema e de uma
miseria unica, os poderes publicos estavam tão evidentemente instruidos
do que era a colonia do Mucury, que Avé-Lallemant, tendo depositado nas
mãos do governo o relatorio que fizera, entendeu que podia deixar o Rio
de Janeiro e proseguir para o norte a viagem de exploração de que se
incumbira, sem receio de que jámais se podessem repetir as calamidades
que presenceara.

«Apenas o viajante allemão deixou o Rio de Janeiro o director da colonia
do Mucury publicou uma nota justificativa do seu procedimento. Um
delegado imperial enviado ao Mucury para liquidar a verdade, expirou ao
regressar ao Rio. De sorte que tudo ficou no estado em que se achava
antes do relatorio de Lallemant. Com uma unica differença.
Immediatamente depois do que acabava de se passar, o senado brazileiro
votava á companhia do Mucury um credito de cerca de 500 contos com a
garantia de um juro de 7 por cento! Era o applauso do governo e a
gratidão nacional sanccionando um dos maiores vexames que teem sido
impostos á civilisação e á humanidade.

«Ha mais ainda: Os eleitores de Minas Geraes propozeram por duas vezes o
nome do director da colonia do Mucury no primeiro logar da lista
senatorial.

«Dois unicos homens, honrados e benemeritos, protestaram nobremente
contra este oprobrio da justiça--o imperador, que riscou da lista dos
senadores o nome do eleito por Minas Geraes como inapto para representar
os interesses de um povo, e o sr. Silva Ferraz, ministro da fazenda, o
qual aboliu o credito votado á colonia que tal cidadão dirigia.[19]»

Isto é a verdade.

A carta antithesis ao que fica transcripto, devia ser classificada
de--_diplomacia do senso real das cousas_, pelo meu amigo Fernão Vaz!

     [17] Carta dirigida ao sr. Cruz Coutinho pelo auctor das _Farpas_,
     publicada no prefacio do livro--_Brazil_.

     [18] Veja-se o numero das _Farpas_, correspondente a dezembro de
     1872.

     [19] Veja-se o n.º das _Farpas_, já citado.


VI

Mas não ficaram ainda aqui os encomios ao _Estudo sobre a colonisação e
emigração para o Brazil_.

O nosso presadissimo amigo e distincto litterato, o sr. Theophilo Braga
tambem diz que o livro _Estudo, é uma necessidade!_

O _Jornal do Commercio_ de Lisboa, diz que, _nós, os portuguezes nos
devemos regosijar_ com o tal livro.

O _«Jornal do Porto», folga de ver que o distincto escriptor não faz
côro com alguns espiritos estreitos, que d'alem mar olham superciliosa e
desdenhosamente para as nossas coisas_, etc.

O _Jornal da Manhã_ diz que o citado auctor prodigalisa elogios a
Portugal.

O sr. Mendes Leal diz que é um _excellente trabalho sobre a emigração_.

O sr. Camillo Castello Branco tambem elogia a obra, o _Commercio do
Porto_ faz outro tanto.

A praça do Commercio do Porto, digna correligionaria da de Liverpool até
aos annos de 1808, offerece uma penna de ouro ao escriptor que calca aos
pés as nossas glorias e que induz o trabalhador inexperiente, convertido
em escravo, a ir povoar os insalubres sertões de Brazil!

O auctor do _Estudo_ dedica-lhe o livro e a Praça responde-lhe com o
seguinte _documento honroso_:

«Nós abaixo assignados deliberamos, em nome dos commerciantes da Praça
do Porto, offerecer ao sr. Augusto de Carvalho uma penna de ouro, como
testemunho de sympathia pelo muito com que se nos recommenda o seu
talento e exforços, tendentes a bem servir a causa da civilisação, em
que cremos reservada para nós grande parte.

«Não só pelo individuo, pelo caracter, senão tambem pelos serviços que
ha já prestado e continuará a prestar aos dous paizes irmãos--Portugal e
Brazil--julgamos de nosso dever contribuir o mais possivel para que o
sr. Augusto de Carvalho não affrouxe um instante na missão que se
propôz--estreitar cada vez mais os laços que prendem portuguezes e
brazileiros. E como o Brazil é quasi que exclusivamente commercial, para
que ahi conste como costumamos, nós, interpretes do commercio do Porto,
receber e affagar qualquer brazileiro que aqui aporte, e nos mereça a
maxima consideração, já pelo seu caracter, já pelo seu talento, que não
hostilise mas civilise, suppomos satisfazer d'este modo o velho
sentimento de hospitalidade como portuguezes, e o dever em que nos
constituiu o auctor do _Estudo sobre a colonisação e emigração para o
Brazil_, de o animarmos a proseguir na santa idéa, no santo principio da
maxima conciliação entre os dois povos.»

Outros escriptores e outros jornaes mostram opinião adversa ao livro; e
de uns e outros ficamos fazendo a seguinte opinião:--os que elogiaram
não leram o livro os que o atacaram, leram-o; porque não podemos
admittir que os bons economistas e os bons patriotas possam elogiar o
_Estudo sobre colonisação e emigração para o Brazil_.

Vamos demonstrar que fizemos o mesmo do que aquelles que condenaram o
livro, dando provas de que o lemos, criticando-o.



CAPITULO III

As falsas doutrinas sobre emigração. A nova terra da promissão, ou o
paiz de romanos. Rocha Pitta e Augusto de Carvalho. O escravo e a sua
emancipação. As leis brazileiras sobre colonisação. A legislação
n'outros paizes. A religião brazileira é contraria á emigração europea.
A reforma religiosa nos seculos XVI e XVII concorreu para o
engrandecimento dos Estados Unidos da America. Os jesuitas e a
escravatura na America do Sul. Os jesuitas e os bandeirantes. Nobrega,
Anchieta e os indios. Desmandos dos jesuitas. Contradicções. Os
hollandezes em Pernambuco. Heroes, traidores e authomatos na restauração
de 1643. Fernandes Vieira e André Vidal de Negreiros. Horrores
historicos.


I

Publicou-se ha pouco um livro intitulado o _Brazil_. Advogar a causa da
colonisação e da emigração para o imperio americanno, eis o seu
principal assumpto. Foi impresso no Porto em 1875, e é offerecido á
praça do commercio d'aquella cidade. Seu auctor é o sr. Augusto de
Carvalho, escriptor brazileiro, a quem a fama tem elevado ao apogeo de
litterato distincto.

Pode dizer-se, sem medo de errar, que a nova publicação, em substancia,
pouco mais differe de uma outra, do mesmo auctor, publicada um anno
antes, sob o titulo--_Estudo sobre a colonisação e a emigração para o
Brazil_. Não é reimpressão por se ter esgotado a obra; mas o auctor,
pelo que colligimos, esquecera-se de chamar _historia_ á edição de 1874,
e veio agora supprir essa falta.

Eis ahi está um escrupulo bem entendido, que toda a gente levará a bem
no sr. Augusto de Carvalho.

Empenhado na luta em que o auctor do _Brazil_ se mostra acerrimo, mas
não habil combatente, porque mais de uma vez offerece ás balas do
inimigo o peito descoberto, não devemos ensarilhar as nossas armas,
visto que o reducto é de facil accesso.

Veio um homem do Brazil para as nossas terras, com o fim de animar as
consciencias aváras pelas riquezas do imperio. Esse homem encostado á
diplomacia, mas litterato pouco consciencioso, embora as cornetas da
fama o collocassem nas alturas, soube estudar a fraqueza d'aquelles a
quem se dirige: d'ahi a supposta victoria! Os seus escriptos, adequados
ás intelligencias fracas, que só pensam no oiro e no bem particular e
que despresam o bem geral, que é a prosperidade d'este paiz; resumem-se
nas doutrinas erroneas, tantas vezes repetidas, mostrando sempre o
caminho phantastico, que já mais poderá conduzir o viajante incauto ao
sonhado El-Dorado. Esses escriptos, alem de mentirem á historia, como
havemos de provar, formam, por assim dizer, um compendio de instrucções
pueris, que parte do nosso commercio abraça e premeia, sem lhe estudar a
causa, que é a decadencia do imperio; e n'esta ignorancia, ou egoismo,
serve de porta-voz ás illusões que taes escriptos encerram, para que os
nossos infelizes trabalhadores abandonem a patria e a familia, e que,
melhor aconselhados, deveriam com seus robustos braços, concorrer para o
engrandecimento da nossa agricultura, que ha de vir a ser a riqueza de
todos que para ella collaborarem.

O livro de que vimos fallando defende e aconselha a emigração de
portuguezes para o Brazil. A razão é forte:--o imperio precisa de
braços, como o esfomeado precisa de alimentos, e o novel historiador,
como bom filho, não quer ver morrer a sua patria.

Honra lhe seja.

Não condemnamos a emigração _expontanea_. Ella, até certo ponto, é
necessaria, especialmente a que se encaminha para possessões nossas,
onde o trabalho fica sendo riqueza da patria, quer os lucros permaneçam
nas nossas colonias, quer se desviem para á metropole. Não a
condemnariamos mesmo para o imperio, se se não dessem as circunstancias
apontadas já e outras que faltam apontar ainda. Mas como filho d'este
abençoado paiz, condemnaremos com todas as veras do coração as falsas
doutrinas de que se servem os alliciadores, para arredarem de Portugal e
seus dominios os nossos trabalhadores incautos.

Nada de enganos. Pintem o Brazil tal qual elle é, e se depois de
exhibirem o seu fiel retrato, apparecerem adoradores, la se avenham os
descrentes do retratista.

Não aconselhariamos ao auctor do livro que analysamos a que dissesse mal
do seu paiz. O que não desejamos para nós não aconselhamos aos outros.
Mas se a causa é má, cumpria dar-lhe de mão. O bom advogado, pelo menos,
não tomaria conta d'ella.

O auctor do _Brazil_ não só se fez o advogado de uma causa má, mas, o
que é mais, o seu escripto recente-se da falta de seriedade, depois que
foi transformado em historia.

O historiador é quasi profeta: elle deve estudar muito o passado e o
presente para evitar os males futuros.

Um habil operador corta a parte gangrenosa, para evitar a perca total do
corpo. E o auctor do _Brazil_, não metteu o bisturi na chaga:--o mau
systema da colonisação, as leis barbaras que a matam.

O historiador não deve ser injusto.

Thiers, antes da guerra assolar a França, previu os males da sua patria.
Deixou por isso de ser o primeiro entre os francezes?

O auctor do livro o _Brazil_, alem de tentar deslustrar-nos não viu o
mal que definha a sua patria, para applicar-lhe o curativo. Parece que
só escrevera para exaltar os malevolos e, depremindo-nos, illudir os
pobres d'espirito. Mas ainda mesmo que os incautos, seduzidos pelas
phantasias deixem passar as excrecencias que o livro encerra, julgará o
governo brazileiro, por conta de quem foi escripta a obra em questão,
que alguns milhares de colonos do nosso paiz, poderão supprir a falta de
alguns milhões de braços de que se resente a lavoura do imperio?

Portugal possue uns quatro milhões de habitantes e pouco mais comporta o
seu territorio. O Brazil deve possuir uns dez milhões, mas comporta
duzentos! É impossivel que o nosso paiz possa supprir o imperio de tão
grande falta; assim como não é razoavel que uma pequena fonte possa
abastecer de agua uns poucos de mil hectares de terras sequiosas.

Vejamos quaes são os paizes que mais podiam concorrer para a
prosperidade do Brazil. Naturalmente a Inglaterra, a Allemanha, a França
e a Italia; mas os governos d'estas tres ultimas potencias prohibem a
emigração para o imperio, quando alli se manifesta a febre amarella, que
produz os seus maleficos effeitos nos primeiros seis mezes de cada anno.
E quando não existisse tal prohibição, seria facil aos estadistas do
Brazil desviar a corrente da emigração d'aquelles povos para a America
do Norte?

Não, de certo: a isso se oppõem os costumes e as leis do povo
brazileiro.


II

«O Brazil, essa nova terra da promissão, onde de dia para dia se vae
realisando a promessa de Christo de--_cento por um_--depois de attestar
a sua virilidade em tantos combates illustres, pelejados nos campos do
Paraguay, despe, conscio da sua missão civilisadora e humanitaria, a
farda do soldado da liberdade, e vestindo novamente a blusa do
trabalhador, e empunhando alegre a rabiça do arado, volve, como o
cidadão romano dos tempos da verdadeira grandeza de Roma, a
retemperar-se de forças e virtudes nos abençoados labores da sua
agricultura.»[20]


Sim, senhor. Estylo de poeta, saido do parnaso das mattas frondosas,
deitado em maqueira de pennas de araras, embriagado pelo aroma das
flôres pendentes dos cipós que do cimo das arvores seculares, vem
interlaçar-se na cabeça escandecente do poeta: comendo aráçá e bebendo a
saborosa agua de côco, transformada no maná do céo; adormecendo ao som
mavioso do sabiá, que chilrea no cimo da palmeira; rodeado de
beija-flôres e de tapuyas, os anjos d'aquelle paraizo deslumbrante, e ao
mesmo tempo venenoso!

Sim, senhor; sonhos de poeta transformados em historia!

O Brazil, berço da indolencia, e tumulo da maior parte d'aquelles que
têem querido sondar os seus intrincados labyrinthos, convertido, com uma
pennada, em--_nova terra da promissão_--e... em paiz de romanos!

O Brazil, morto emquanto se davam os combates illustres, revivendo
depois para empunhar a rabiça do arado! como se fôra possivel admittir,
sem replica, que os trabalhos agricolas paralisassem no tempo da guerra
do Paraguay; como se fôra certo que o soldado viera do campo da batalha
substituir a farda pela blusa do cidadão romano!

_Cento por um!_ e no Brazil ha tanta miseria como em qualquer outro paiz
da Europa!

Dos que procuram aquellas inhospitas plagas, convertidas n'um momento de
lyrismo, na _terra promettida_, escapa ou pode ser feliz _um por cento_.

Nunca nos cançaremos de repetir esta verdade, por que sabemos por
experiencia o que é o Brazil.

É bom escudar com documentos de mui recente data as nossas palavras.

Diz um que temos á vista:

«Dos emigrantes, aquelles a quem cabe mais desgraçada e commovente
sorte, são os que vem para fugir ao recrutamento; não os clandestinos,
mas os menores de 14 annos, e infelizmente é avultado o numero d'estes;
porque, como só depois dos 14 annos é que são obrigados a prestar
fiança, os paes para os não verem soldados preferem arremessal-os para o
Brazil, muitas vezes sem a mais leve recommendação, entregues
completamente á sua inexperiencia, _se não acham a quem os vender!_

«É ignobil, mas é verdade.

«Estes infelizes assim vendidos, vão para o interior do paiz ser
barbaramente explorados pelos compradores, que os obrigam a todo o
genero de serviços, muitas vezes superiores ás suas forças, tratando-os
peor que aos seus escravos, porque estes representam um capital
consideravel e aquelles sómente a importancia da passagem.

«A acção dos funccionarios consulares fica inutilisada para os proteger
na sua chegada a esta côrte, e a das auctoridades territoriaes é nulla
no interior contra os fazendeiros» etc.[21]

E accrescenta:

«Todas estas coisas, que deixo expostas influem mais ou menos na
emigração, mas realmente o que se póde dizer que abertamente influe
n'ella são os engajadores e a febre do ouro.

«Os primeiros seduzindo essa pobre gente e abonando-lhes a importancia
da passagem e mais arranjos, fazem recrudescer a febre que domina as
populações e o delirio os impelle a entrar n'esse _fatal azar em que
jogam familia, patria, saude e a propria vida contra uma fortuna que
raros attingem_.»

A divisa--_cento por um_--está bem patente n'este documento official.

O consul do Maranhão é mais esplicito. Vejamos como elle distingue a
_nova terra da promissão_:

«Quem estudar as causas da grande torrente de emigração que todos os
annos se estende para o Brazil, ha de confessar que ella assenta muito
principalmente nas _falsas insinuações de alliciadores assalariados_
que, sem consciencia e dominados sómente pelo seu proprio interesse,
_arrastam essa parte da nossa sociedade menos esclarecida para a
ruina_.»[22] etc.

E mais adiante:

«De todas as emprezas fundadas, não póde haver seguramente nenhuma mais
vil e ignominiosa do que seja esta (a dos engajadores), que tem por fim
_seduzir_ uma innumeravel multidão de portuguezes ignorantes, _e por
isso facilmente se deixam dominar pelas ficticias narrações das
abundantes minas de oiro, que se encontram por toda a parte_, pelas
excellencias e fertilidade d'este solo!

«Os miseros que ali trabalhavam (na colonia Arapapahy) debaixo d'um sol
ardente e enterrados em lodo, acabaram pela maior parte no hospital;
outros ainda doentes foram mandados por este consulado para a sua terra
natal, posto que com algum sacrificio, e os restantes amarellos e
inchados, vagueavam por essas ruas esmollando a caridade publica!»

Que paraizo!...

O consul de Pernambuco tambem não acredita no maná descoberto no Brazil
pelo auctor do _Estudo historico_.

Eis como elle se expressa:

«Os emigrantes portuguezes estabelecem-se geralmente nas capitaes das
provincias, ou em uma cidade ou villa do litoral, ou do interior, onde
haja algum commercio de certa importancia, sendo mui raros os que se
aventuram a internar-se no paiz, por não terem nem protecção de
patricios, parentes ou de amigos, _e por estarem menos garantidos na sua
segurança pessoal e de propriedade_!

.........................................................................

«Poucos são os que se empregam na agricultura, tanto pela razão acima
declarada, de pouca propensão que tem a internarem-se no paiz, como pelo
rigor do clima dos tropicos» etc.[23]

É a terra promettida... e um calor, que deixaria os colonos feitos em
torresmos, se caissem na patetisse de se exporem ao sol!

E encarando a cousa pelo ponto de vista social, accrescenta:

«As relações em que vive a colonia portugueza com a população do paiz
não são caracterisadas pelas attenções, obsequio e amisade cordeal que
seria para desejar existisse entre os emigrantes portuguezes e os
naturaes do paiz, sendo uns e outros da mesma origem, fallando o mesmo
idioma e tendo a mesma religião.

«Póde dizer-se em geral que os emigrantes portuguezes, que residem
n'este districto consular, não são bemquistos da população nacional,
que, além de tratal-os de modo grosseiro e offensivo, soffrem muitas
vezes epithetos affrontosos, e são victimas do odio latente que os
nacionaes nutrem contra elles!»

É este o reverso da medalha.

A promessa do author do novo livro--não profanaremos Christo--de _cento
por um_, com respeito ao Brazil, é o calor tropical e o lado pestifero;
são as riquezas ephemeras, os horrores da miseria, a falta de protecção
das authoridades e os maus tratos do gentio!

Não é pouco!...

     [20]_O Brazil_, por Augusto de Carvalho.

     [21] Relatorio do consul geral de Portugal no Rio de Janeiro, de
     1875.

     [22] Relatorio de 7 de dezembro de 1874.

     [23] Relatorio de 17 de dezembro de 1874.


III

O que citamos do livro _Brazil_ não é sufficiente para dar maiores
proporções á nossa humilde critica. O seu auctor não levou a palma da
victoria a outros apologistas do imperio americano. Nós já lemos cousas
mais attrahentes ou seductoras, e, por isso mesmo, mais romanticas, que
é o que convem para illudir os emigrados.

As palavras que vamos transcrever deviam necessariamente surtir melhor
effeito.

Eil-as:

«Do Novo Mundo, tantos seculos escondido, e de tantos sabios calumniado
(sic), onde não chegaram Hannon com as suas navegações, Hercules Lybico
com as suas columnas, nem Hercules Thebano com as suas emprezas, é a
melhor porção o Brazil; vastissima região, fertilissimo terreno, em cuja
superficie tudo são fructos, em cujo centro tudo são thesouros, em cujas
montanhas e costas tudo são aromas; tributando os seus campos o seu mais
util alimento, as suas minas o mais fino ouro, os seus troncos os mais
suaves balsamos, e os seus mares o ambar mais selecto: admiravel paiz a
todas as luzes rico, onde prodigamente profusa a natureza, se
desentranha nas ferteis producções, que em opulencia da monarchia, e
beneficio do mundo apura a arte, brotando as suas cannas espremido
nectar, e dando as suas fructas sazonada ambrozia, de que foram mentida
sombra o licôr, e vianda, que aos seus falsos deuses attribuiu a culta
gentilidade.

«Em nenhuma outra região se mostra o ceu mais sereno, nem madruga mais
bella a aurora: o sol em nenhum outro hemispherio tem os raios tão
dourados (nem é tão quente!) nem os reflexos nocturnos tão brilhantes;
as estrellas são as mais benignas, e se mostram sempre alegres: os
horisontes, ou nasça o sol, ou se sepulte, estão sempre claros: as aguas
ou se tomem nas fontes pelos campos, ou dentro das povoações nos
aqueductos, são as mais puras: é emfim o Brazil terreal paraiso
descuberto, onde tem nascimento e curso os maiores rios; domina
salutifero clima (sic); influem benignos astros, e respiram auras
suavissimas, que o fazem fertil e povoado de innumeraveis habitantes,
posto que por ficar debaixo da Torrida Zona, o desacreditassem, e dessem
por inhabitavel Aristoteles, Plinio, e Cicero, e com gentios os padres
da igreja santo Agostinho, e Beda, que a terem experiencia d'este feliz
orbe, seria famoso assumpto das suas elevadas pennas, aonde a minha
receia voar, posto que o amor da patria me dê azas, e a sua grandeza me
dilate a esfera.»[24]

Aconselhamos aos alliciadores a conveniencia de mandarem acrescentar as
palavras que ahi deixamos transcriptas nos cartazes que costumam affixar
nos troncos dos carvalhos dispersos pela natureza nas proximidades das
vivendas dos nossos proletarios do norte. Os capitães dos barcos
conseguirão assim mais facilmente o _lastro_ desejado!...

Condemnamos o estylo empregado nos trechos citados de um e outro
escriptor, ambos com pretenções a historiadores, porque esse estylo,
segundo Lamartine, «é a magica de que o homem se serve, muitas vezes com
feliz successo, para fazer admittir paradoxos como verdades e sophismas
como excellentes raciocinios.»

A imparcialidade da historia, dizia o referido escriptor, não é como a
do espelho que reflecte os objectos; é a do juiz que vê, escuta e julga.
Para que ella mereça este nome, é-lhe mister uma consciencia. A narração
vivificada pela imaginação, reflectida e julgada pela sabedoria, eis a
historia.

Quem não sabe escrever a historia assim, deve quebrar a penna antes de
profanal-a.

Mas aos agentes do Brazil, convem desvirtuar tudo, convencidos como
estão, de que podem chegar mais facilmente a seus fins--o interesse
particular.

Que lhes importa a elles a historia?...

É moda hoje erigirem-se estatuas aos pygmeos da actualidade! E que
importa que a posteridade, que costuma erigil-as aos verdadeiros heroes,
venha derrubal-as para cima dos tumulos da ignominia? que se afundam as
estatuas na lama em que vegetavam os miseros animalucos, transformados,
n'um momento de delirio, de hypocritas em Catões?

Podereis acaso, mumias lodosas, fazer fallar o pó a que infallivelmente
estarão reduzidos os vossos pergaminhos e as vossas lucubrações?

Não, que a verdadeira historia, quando se demora um pouco para dar
realce a qualquer vulto digno, se alguma vez lança mão d'esses pygmeus,
é para os esmagar!

O governo do Brazil deu o passo errado de libertar os escravos antes de
criar as leis, que regulassem o trabalho no imperio.

Devia, como já o dissemos em outro logar, ter educado os naturaes a
desempenhar o papel, que outr'ora representava o trabalhador africano.
Ninguem melhor do que o indigena podia substituir o escravo; mas a lei
que libertára este mostrou ao mundo a inutilidade d'aquelle. É o que
hoje estamos vendo. A agricultura definha de dia para dia, á maneira que
o antigo trabalhador se liberta; e o Brazil abre os braços suplices aos
europeus, para que o livrem do abysmo em que pouco a pouco se vae
precipitando. Por isso os seus homens d'estado lançam mão de qualquer
meio, sem previamente lhe conhecer a utilidade. Similhante ao naufrago,
em pleno oceano, a vaga que ha de matal-o, se lhe afigura a taboa da
salvação. Não se contenta com a fama das riquezas ephemeras, fama que em
todas as épocas assombrou o mundo. Destaca agentes para Portugal, onde
as vozes descompassadas dos engajadores não pódem formar écho além das
nossas fronteiras. Gasta fabulosas sommas, com esses engajadores que em
troco, fazem transportar para o Brazil algumas centenas de braços, que,
afinal, não compensam as despezas feitas; porque, além do numero de
colonos ser limitadissimo; o europeu, uma vez chegado ás margens d'esse
paiz de fadas, convertido no que realmente é--cemiterio do
proletario--vê-se na impossibidade de empregar as suas já quebrantadas
forças, por effeito do clima, no serviço arduo de arrotear aquellas
terras, que por todos espalha o desanimo e a morte. E os homens do
Brazil dormem á sombra dos combates illustres da guerra do Paraguay,
esperando, sem duvida, que do ceu lhe cáia o orvalho vivificador,
promettido pelo auctor do livro que analysamos!

     [24]_America Portugueza_--Rocha Pitta.


IV

«A emancipação do escravo, caminho resvaladio para a extincção
definitiva d'esse abominavel cancro, que tanto tem afeiado os codigos
das nações mais civilisadas, e as ultimas disposições da lei, tendentes
a facilitar a naturalisação dos estrangeiros, ao passo que revelam o
cuidado, que põe o governo brazileiro em dar certo cunho de
homogeneidade á legislação civil do imperio, acabam igualmente por
convencer que o seu pensamento predominante é o de reunir, sob o céo
esplendido do Cruzeiro, os individuos de todas as naturalidades, que
alli quizerem ter por patria commum--_o trabalho_.»[25]


Analysemos a emancipação do escravo, quanto baste para demonstrar, que
aos homens que collaboraram na lei do imperio, n.º 2040, não presidiam
só as leis da humanidade, que, ainda assim, não devemos negar a outras
nações mais cultas; mas tambem a ideia de se imporem ás outras nações,
como quem tinha estudado, bem de perto, e com melhor exito, uma questão
tão complexa; parecendo querer corrigil-as da sua morosidade, na
destruição do cancro, e quiçá da creação d'elle, cancro que _talvez_ o
Brazil não creára se fosse dirigido pelos homens que em 1871 estavam á
testa dos negocios do imperio!

Não negamos as vantagens moraes da abolição da escravatura, mas negamos
a apregoada phylantropia d'aquelles que ensinámos a ser humanos.

Um conjuncto de circumstancias, que seria fastidioso enumerar, e que não
comporta este trabalho concorreram para o commercio da escravatura no
Brazil, levando a melhor parte n'esta deshumana ideia os jezuitas que,
desde a primitiva, dominaram na America meridional. Fosse que elles
reconhecessem a inutilidade de empregarem os naturaes--por
demasiadamente indolentes--na exploração de tão feracissimo solo, fosse
por sua demasiada ambição, o que é certo é que os governos de Portugal
se insurgiram sempre contra tão abominavel commercio, dando provas as
mais honrosas da sua humanidade pelas victimas.

Foi Portugal uma das primeiras nações que deu o passo para a liberdade
dos escravos; mas quando julgou dever dar esse passo, fel-o mais por
humanidade do que por jactancia.

Estudou a questão por todos os lados, e quando se convenceu que a
destruição d'um mal lhe não accarretaria outro, deu o golpe com as
cautellas aconselhadas pela prudencia dos verdadeiros homens d'estado.

E o que fez o Brazil? Estudou a questão em toda a sua plenitude?
Destruindo o mal da escravatura preta não crearia outro mal a
escravatura branca?

Era preciso estudar bem um assumpto tão milindroso, para que, com o bem
moral, que infallivelmente havia de succeder a essa liberdade, não
começassem a sentir-se os effeitos materiaes e horrorosos do
prostramento da agricultura do imperio, pela falta de braços, e terem os
homens de estado, para salval-a, que lançar mão d'um mal peior do que
aquelle que haviam fulminado--a escravatura branca.

Estudaram elles esta questão? Não.

Na época em que a lei apontava aos escravos a sua liberdade, existiam
quatro milhões d'aquelles infelizes; e os legisladores brazileiros
calculavam, que, d'ahi a vinte annos, quando os escravos estivessem
completamente forros, existiriam mais de 20 milhões de braços livres. A
fecundidade do africano é superior á de outra qualquer raça, e d'ahi a
extraordinaria multiplicidade de braços; mas o africano, geralmente
fallando, uma vez livre, é tão inutil como qualquer indigena dos
tropicos.

O Brazil, com a sua apregoada falta de braços e com o definhamento da
sua agricultura, corrobora a nossa asserção.

Effectivamente, se no tempo da escravatura, se não precisava do braço
europeu para o desbravamento das terras, como é que hoje que o Brazil
deve abrigar em seu seio maior numero de braços de origem africana, em
quem tanto confiava, vem á Europa mendigal-os para a sua decadente
agricultura?

Sobre a situação do imperio com respeito ao elemento servil disiamos ha
pouco:

«D'aqui a dez ou quinze annos, quando estiver extincta a escravatura no
Brazil, sem que o governo tenha remediado este grande mal e os
lavradores, faltos de recursos materiaes liquidarem as suas fortunas e
procurarem, como é natural, melhor emprego para o seu capital, chegará
então o grande imperio americano ao ultimo grau da sua decadencia;
porque, uma vez livre o elemento escravo, que no Brazil é e ha de ser
sempre a alma da lavoura, ninguem mais poderá faser trabalhar o preto
que com o salario de um dia, se julga habilitado para comer 15 ou
20.»[26]

Não eramos só nós que assim pensavamos. Ao tempo em que isto
escreviamos, já estava tambem escripto, mas não publicado, o seguinte:

«A moderna lei do elemento servil, que posto não minorasse os
instrumentos do trabalho tende á sua progressiva diminuição, compelle o
Brazil a empregar todos os exforços para adquirir braços que lhe
substituam os que aquella lei inutilisou com a liberdade, pois que o
escravo entendo que esta só consiste em não trabalhar.»[27]

Aniquilando o imperio, podem chamar-se humanos os seus aniquiladores?

Consentindo o governo do Brazil na escravatura branca, que outra cousa
não são os engajamantos que ora se fazem, não é ser tambem deshumano?

Que nos respondam os homens conscienciosos.

     [25]_O Brazil_, pag. 2.

     [26]_Questões do Pará._

     [27]_Negocios Externos._


V

Vejamos agora quaes são as vantagens que as leis brazileiras offerecem
ao estrangeiro.

Para qualquer se naturalizar cidadão brazileiro, terá que residir dois
annos no imperio, declarando a intenção de continuar a residir alli ou a
servil-o depois de naturalisado (absurdo); as cartas de naturalisação,
serão isentas de qualquer imposto, _excepto_ o de 25$000 réis de selo!
Na occasião do individuo prestar juramento de fidelidade _declarará seus
principios religiosos_ (não sabemos para que.)

O estrangeiro não poderá viajar dentro do imperio, (lei de 10 de janeiro
de 1855) sem passaporte, que será visado pelas authoridades da provincia
por onde passar!

O regulamento de 30 de junho de 1855, garante aos colonisadores na
provincia de S. Pedro do Rio Grande do Sul, as despezas da viagem e
alimento desde a cidade do Rio Grande até ao logar do seu destino, e bem
assim as despezas de accommodação até ter casa propria, _não excedendo o
praso de 60 dias_! Garante egualmente _aos mais necessitados_ o subsidio
de 3 mezes na razão de 200 réis por dia aos solteiros, e de 160 réis a
cada pessoa de familia de mais de 2 annos.

Agora o reverso da medalha:

«O preço minimo de cada braça quadrada de terras, diz o regulamento
citado, é de 3 réis, _sendo augmentado segundo for sua qualidade e
situação_.»

O nosso distincto compatriota dr. H. Roberto Rodrigues, diz o seguinte a
este respeito:

«Se as terras pertencerem ás provincias ou municipios como suas
dotações, não chegam ao emigrante senão atravez de um primeiro
possuidor, que as não cultivou mas que lhes elevou o preço e com o
encargo de praso phanteuzim de laudemio de quarentena e fôro annual de
500 réis por braça linear da maior frente, alem das alcavalas tambem
herdadas, da sisa da venda de 6 por cento, sello proporcional em
millessimo por cento do preço e escriptura. As terras particulares não
se podem obter se não por preços exorbitantes. Por meio de locação são
peiores as condições em geral para o locatario. Os contractos mais
favoraveis de que tenho tido conhecimento ainda assim nada deixam ao
locatario. Darei um exemplo do mais favoravel.

«O dono do terreno concede-o gratuitamente por tres annos (terreno de
1:000 braças quadradas em matto), e n'esse periodo deve o locatario
cercal-o (custo do cerco 1:320$000 réis), fazer casa de moradia (custo
da mais barata 500$000), arrotear o terreno (custo minimo 60$000), e
cultival-o (custo minimo 100$000 réis). Total 1:980$000 réis, ou 1$980
réis por cada braça quadrada. Concede mais um anno a 240$000 réis de
aluguer, e o seguinte a 480$000 réis. N'este periodo de cinco annos, o
locatario apenas tira o producto liquido de 580$000, medio annual, que
lhe deixou além da sua alimentação, apenas o lucro de 200$000 réis em
cinco annos!

«Estes preços e condições são os das visinhanças das cidades (distancia
de 6 a 10 milhas). A distancias de 30 ou 40 leguas (com um ou dois dias
de viagem a vapor), os preços e condições descem um decimo, mas os
fretes dos productos quasi prefazem a differença com o preço mais alto
dos objectos de importação.»[28]

Admitamos que esse preço não augmenta; e estabeleçamos 125 mil braças
quadradas para cada colono (seguindo as _instrucções de 23 de novembro
1861_), que importam em 375$000 réis, e que o governo brazileiro
embolsará no praso de 5 annos.

Que capital empregará elle para lucrar aquella somma por cada colono?

Vejamos:

Subsidio de 200 réis dispensado a cada colono
necessitado, por espaço de 90 dias                      18$000

Despezas do transporte e alimento, d'esde o
Rio Grande até ao local da colonia, calculemos          18$000

Accommodação por 60 dias                                 4$000

                                                        40$000

Ora emprestar 40$000 réis para lucrar 375$000, no fim de 5 annos, não é
máu negocio. E os que não necessitam do emprestimo?

E chama-se a isto proteger a emigração e a agricultura!

Mas não fica aqui ainda o tal auxilio. O colono que nos prazos marcados
não satisfizer os taes 3 réis por cada braça de terreno, e bem assím
todas as despezas será obrigado a pagar um premio de 12 p. c. por cada
anno!

O Brazil que conta perto de 9 milhões de kilometros quadrados de
supreficie, e que pode ter desbravado pouco mais da centessima parte,
leva a sua avidez ao ponto de exigir por terrenos que nada lhe rendem a
fabolosa importancia de 3 réis por cada braça, se a esses terrenos não
for arbitrado maior preço! Mas não se julgue que é este só o lucro que o
Brazil aufere com a sua apregoada protecção aos colonos. As madeiras
extrahidas dos seus frondosos arvoredos, o maior obstaculo da
agricultura, pagarão 14 p. c. da exportação. O algodão, o café e outros
productos agriculas, não são isentos de taxas eguaes, se não
superiores!...

Os lucros seriam incalculaveis, se houvesse bastantes idiotas a auxiliar
d'estes e quejandos disparates administrativos dos economistas
brazileiros.

Mas as instrucções de 23 de novembro de 1861 são mais simples, isto é,
estende-se aos territorios das vastissimas provincias do Espirito Santo,
Minas Geraes, St.ª Catharina e Paraná.

Estabelece-se alli que os colonos serão recolhidos, na sua chegada ao
Rio, á hospedaria da ilha do Bom Jesus, e alli _gratuitamente_
sustentados e tractados em suas enfermidades, até partirem para o seu
destino. O preço do terreno é que não baixou de tres réis por cada braça
quadrada. Os auxilios, taes como ferramentas, sementes, e meios de
subsistencia, _aos necessitados_, são superiores; por isso maior será a
divida que ha de infallivelmente amortisar, não no prazo de cinco annos,
como está estipulado nas instrucções de 10 de janeiro de 1855, mas no de
seis, o que não deixa de ser logico!

Com tudo, as novas e ultimas instrucções dispensadas em favor da
colonisação, não obstante estarem seis annos no cadinho dos alchimistas
escolhidos pelo Brazil para achar o elixir que ha de _aformosear_ a
decadente agricultura, não remedeiam o grande mal, e são um novo titulo
votado á inepcia do governo que o sancionára.

     [28]_Negocios externos._ Sobre este mesmo assumpto, veja-se
     _Questões do Pará._ Cap. XI.


VI

Vejamos agora o que faz um paiz lemitrophe do imperio americano a
respeito da colonisação.

A republica de Buenos Ayres, por decreto de 21 de outubro de 1855,
authorisa a concessão, _em propriedade perpetua_, de cem leguas
quadradas de terreno, em Bahia Blanca e Patagones, aos individuos, ou
familias nacionaes ou estrangeiras que pertenderem povoal-as.

A lei de 7 de junho de 1856, declára porto franco para os navios
mercantes de todas as bandeiras, o da Bahia Blanca, sobre o occeano
Atlantico; isentando de todo o direito de porto, os navios do alto mar
ou cabotagem, que alli concorrem de qualquer procedencia, o que nunca
fez o Brazil, nem mesmo com respeito ao rio Amazonas, que, não obstante
ter sido decretada a abertura, permanece fechado para os navios
estrangeiros; mas, o que é mais importante, a referida lei da republica
do Prata, declara em seu artigo 3.º, o seguinte:

«São igualmente livres de todo o direito d'alfandega, por espaço de
cinco annos, as importações e exportações de toda a classe que por
aquelle porto se verificarem; bem entendido que esta franquia é limitada
ao consumo exclusivo e producção propria d'aquelle districto.»

Mirem-se n'este espelho os legisladores brazileiros.

O Mexico, esse paiz riquissimo de solo, e de revoluções, tratava ha
pouco de discutir uma lei importantissima sobre o assumpto que
analysamos. A verba que destinava á imigração, era de 500:000 pesos.

Eis como um jornal brazileiro[29] dá conta d'essa lei:

«Os emigrados deverão ser transportados á custa do governo, desde o paiz
de sua residencia até ao ponto do seu destino: durante a viagem lhes
serão ministradas as necessarias provisões, e no primeiro anno receberão
um auxilo de 90 pesos, e se ao expirar o segundo anno, desejarem voltar
ao paiz de sua procedencia, o governo por sua conta lhes dará
transporte.

«Apenas uma colonia chegue a conter cincoenta familias, poderá
constituir uma corporação municipal, eleger os seus empregados, e fazer
os regulamentos que os seus interesses exigem, com tanto que não se
opponham ás leis federaes e locaes.

«Por espaço de cinco annos, não pesarão outras contribuições e impostos
sobre as terras dos colonos, que não sejam os municipaes.

«Os generos alimenticios, ferramentas e materiaes de construcção para os
colonos, serão importados livres de direitos.

«Qualquer navio que importar mais de dez emigrantes ficará isento de
pagar os direitos de tonelagem, pharoes, ancoragem e pilotagem.

«Todo o emigrante desde o momento da sua chegada será declarado cidadão
e gosará desde logo dos direitos civis e politicos como se fosse cidadão
nato.

«Das terras publicas destinar-se-ha uma parte para emigrantes.

«Os colonos que se destinarem á cultura do solo receberão uma quantidade
de terras que não seja inferior a 110 geiras nem exceda a 1:100, podendo
cultival-as por espaço de 10 annos gratuitamente; no fim d'este termo
ficará á sua opção, ou pagar a dinheiro o seu valor integral, ou pagar
annualmente uma decima parte do mesmo valor, até saldar a somma total em
10 annos.

«Nas terras, que se medirem para fundar cidades, dar-se-ha um lote a
cada emigrante.»

É assim que se protege a emigração!

     [29]_Diario de Belem._


VII

Dissemos que Portugal, não é o paiz que mais colonos deve fornecer ao
Brazil.

Dissemos tambem que os filhos das outras nações da Europa, preferem os
estados da America do norte; e que os governos da Allemanha, França e
Italia, prohibem a emigração de seus subditos para o imperio brazileiro.

Qual a causa d'esta preferencia e d'esta prohibição?

A falta de leis protectoras para o emigrante, responde á preferencia dos
estados do norte pelos do sul; e a insalubridade do Brazil, e quiçá a
falta do cumprimento das leis pouco liberaes que ali existem, responderá
facilmente á medida adoptada por aquelles governos--a prohibição.

Já vimos que as disposições brazileiras, tendentes a facilitar a
naturalisação dos estrangeiros no Brazil, não são sufficientes, para
que, debaixo do ceu do Cruzeiro, possam todos os individuos, com
independencia, chamar-lhe a terra do trabalho.

O sr. Augusto de Carvalho mostra alguns conhecimentos da vida dos povos
subordinados aos estados do norte, e por isso mesmo devia apontar ao
governo brazileiro as disposições liberaes das leis americanas, que
fazem dos Estados-Unidos um paiz livre, dirigido por cidadãos e não por
jesuitas.

E não vá persuadir-se que é pequena cousa para o engrandecimento d'um
povo o assumpto--religião.

O artigo 5.º da carta constitucional do imperio, que faz da religião
catholica apostolica romana, a religião do estado, é o maior obstaculo
contra a emigração dos europeus.

Os inglezes e especialmente os allemães, os unicos que podiam formar um
grande nucleo de emigração, são protestantes; e os filhos dos outros
paizes catholicos, ao deixarem a patria, suppõem que hão de ir
encontrar, n'um paiz novo, uma sociedade nova, cujos principios liberaes
sejam, quando não superiores, ao menos iguaes aos que se professam no
paiz d'onde emigram. Mas o europeu, completamente illudido, vai
encontrar o grande imperio dominado pelos jesuitas, impondo ao emigrante
os seus principios reaccionarios, sob pena de serem apontados á
população, como inimigos do imperio, servindo-se para isso dos pulpitos
e dos jornaes, transformados em pasquins, que o governo tolera,
desculpando-se em não querer tolher a liberdade do pensamento, mas
espezinhando essa liberdade quando as manifestações contra o jesuitismo,
como justa represalia, partem dos estrangeiros!

Despresando os sãos principios seguidos na America do norte, e por
consequencia--_o pensamento de reunir sob o mesmo ceu todas as
nacionalidades_--só falta ao governo admittir as _justas_ exigencias do
seu clero, que pede a forca e os horrores da inquisição, para os adeptos
das outras seitas religiosas toleradas no Brazil! E ai dos homens de
estado que não attenderem as reclamações da fradaria! Que o diga o
gabinete 7 de março, presidido pelo visconde de Rio-Branco, fulminado
pelo _ex-informate conscientia_ dos bispos que, para amedrontal-o,
haviam creado em todas as provincias o chamado--partido catholico--! a
nação em peso a pedir cilicios e fogueiras contra meia duzia de
herejes!...

Eis-aqui está um paiz colonisador, entretido na pratica do trabalho...
fazendo politica para _reunir, sob o ceu explendido do Cruzeiro_... os
jesuitas de todas as nacionalidades!

De que serviu ao sr. Augusto de Carvalho, a extemporanea defeza que
fizera do seu Brazil, ha dois annos liberal, convertido n'um momento,
pela simples vontade d'uma mulher em convento de frades?!

É preciso que assignale na sua historia, quando fizer a terceira
edicção, esta phrase do seu clero dominador em fins do seculo XIX.

É provavel que com a forca e a inquisição venha o restabelecimento da
escravatura. Isto feito, o governo, que presidir aos destinos do
imperio, será pelo auctor do _Brazil_ elevado ás honras de patriota!

E poderá o sr. Augusto de Carvalho, como empregado-historiador do
Brazil, negar as _virtudes_ do celeberrimo gabinete que substituiu o do
visconde Rio Branco?


VIII

Na primeira parte do seu livro, mostra-nos o snr. Augusto de Carvalho
alguns conhecimentos sobre os principaes fundamentos das colonias, nos
estados do norte da America, que vieram, passados dois seculos, pela
bocca do seu primeiro cidadão, Washington, declarar livres os treze
estados, que haviam de constituir uma das nações mais importantes do
mundo.

Concorreram muito para esse engrandecimento razões valiosissimas. Uma
d'ellas foi, sem duvida, o desinteresse dos europeus emigrantes pelas
dissensões politicas e religiosas dos seus paizes, nos XVI e XVII
seculos. A superstição não lhes era peculiar. A politica, no seu
entender, não devia adaptar-se á religião, nem esta áquella. Uma e outra
deviam ser independentes; mas essa independencia fallecia nos paizes
cansados. Os emigrantes, homens novos e liberaes, protestavam contra
todas as seitas officiaes, como offensivas do direito natural; e porque
os seus protestos não podiam ser ouvidos por quem se entretinha mais com
a politica do que com o engrandecimento da patria, preferiram antes
procurar novas terras, onde livremente podessem entregar-se de corpo e
alma ao trabalho, que é a vida dos povos.

As leis mais adequadas ás colonias foram estabelecidas entre si,
chegados á America. A sua religião e a sua politica resumia-se apenas no
engrandecimento da patria adoptiva. Esse amor, pela sua independencia,
fôra-lhes sempre combatido, até que em 4 de julho de 1776, entenderam os
colonos dever sacudir o jugo que os opprimia.

Porém esses caracteres summamente independentes, que abalaram o mundo
com o seu amor á liberdade, reconheceram a necessidade da escravatura; e
não sabemos se como nós accusamos os jesuitas, elles tambem accusariam
os seus _priests_ calvinistas, lutheranos, quakers, rhinoburguezes,
conventicularios e arminianos, de introduzirem na America do norte o
deshumano trafico.

O que é facto é que--e diga-se isto, ao menos, para desculpa dos
dominadores da America do sul--os differentes estados do norte, possuem
ainda hoje, para cima, de tres milhões de escravos!

É verdade que a sua população é superior a 30 milhões de habitantes, e
que os 4 milhões de escravos, que possue o Brazil, estabelece uma grande
desproporção, relativamente superior aos seus dez milhões de habitantes.
Mas os Estados Unidos foi um dos primeiros povos que acceitou a
divisa--igualdade e fraternidade--; e não só por esta circumstancia,
como tambem porque a corrente da emigração europêa era e é fabulosa para
o norte, já mais deveria, depois da proclamação da republica, consentir
o horroroso commercio. E embora elle tivesse existido antes da
independencia, não devia, passado quasi um seculo, apresentar-nos as
suas estatisticas, em que figura, como gente escrava, a decima parte da
sua população!

Porque não baniu a escravatura dos seus dominios?

Não faltava aos seus homens d'estado a razão que presidiu ao gabinete de
7 de março, do imperio americano, e, antes d'este, á maior parte dos
gabinetes europeus, em cujo numero figura Portugal. Porém, os americanos
do norte, além da divisa--igualdade e fraternidade--que a todo o mundo
apontam, tem outra, que a todos occultam--a conveniencia de salvaguardar
os interesses da sua agricultura, que é o engrandecimento da republica.

O que é um facto inquestionavel, é que a tolerancia religiosa dos
inspirados pela côrte romana, intolerancia que ainda hoje domina os
principaes estados do sul da America, é que collocaram o governo do
Brazil na coalisão de adoptar medidas urgentissimas, a fim de remediar o
grande mal da falta de braços, que de dia para dia vai definhando a
agricultura.

O governo brazileiro não devêra ter libertado os escravos, sem primeiro
ter creado as leis proficuas que regulam o trabalho. A abolição
immediata do imposto de exportação, devia desde ha muito, ser lei do
estado. Mas o que de fórma alguma deve existir é o artigo 5.º da sua
constituição politica.

Não foi com similhantes empecilhos que progrediram os Estados Unidos da
America do norte.


IX

A segunda parte do livro do snr. Augusto de Carvalho, leva-nos a demorar
um pouco mais a nossa analyse sobre a escravatura.

É incontestavel que este horroroso commercio, exercido mais largamente
depois do descobrimento da America, tinha, até certo ponto, a sua razão
de ser.

Não desculparemos por fórma alguma o systema de alguns jesuitas, usado
na catechese dos indigenas da America do sul, systema que no entender de
alguns historiadores, escravisava os indios em logar de os chamar a luz
da civilisação.

Porém, se accusam a companhia de demasiadamente interessada no seu
engrandecimento moral e material, como é crivel admittir que os seus
filiados não usasem de todos os meios para aproveitar as povoações
errantes da America, confiadas ao seu criterio religioso? Não lhes seria
mais util esse aproveitamento, do que terem de lançar mão dos filhos de
Africa, que, com mais razões do que os indios, aborreceriam os seus
_senhores_, jesuitas ou não?

Uma forte razão vem em favor da companhia: os indios das duas Americas,
geralmente fallando, são indomaveis; inimigos da civilisação, a sua vida
ha de ser sempre a dos povos errantes, até extinguirem-se. Não obstante,
a catechese dos indigenas da America do sul, trouxe maior numero de seus
filhos ao gremio da civilisação, do que os systemas usados no norte,
onde os dominadores, convencidos da inutilidade de seus esforços, lhes
dão caça, como se os indios fossem bichos de matto!

O commercio da escravatura apparece no meado do seculo XVI. A sua
existencia não póde deixar de attribuir-se ao mau systema dos governos,
que dominavam a America meridional, em quererem catholisar os europeus,
que por ventura entendessem dever procurar novas terras. Os jesuitas
eram os fiscaes do catholicismo nos novos dominios de Portugal e
Hespanha.

Se não fosse a companhia era provavel que a corrente da emigração
europêa se encaminhasse, em parte, para o sul. Se os jesuitas não
dominassem as duas côrtes, era provavel que os governos de Portugal e
Hespanha levantassem a redoma com que encobriam aos olhos dos profanos
as suas joias preciosas. Mas os padres experientes comprehenderam que
mais facil seria dominar uma nação de escravos do que uma nação de
homens livres, porque a America do sul devia ser por mais alguns
seculos, o sustentaculo de Roma; por isso é que, devido á sua
influencia, os portos d'esta parte do novo mundo estiveram fechados aos
estranhos, emquanto que se abriam aos africanos, mais faceis de
sujeitar-se aos caprichos jesuiticos; por isso é que n'um estado novo,
que nasceu talhado para moralisar os povos decadentes, se formaram umas
poucas de nações rachiticas, que até hoje ainda não poderam levantar o
jugo ferreo da indomavel companhia.

Se o jesuita Anchieta dizia que os indios, mais por medo do que por
amor, se haviam de remir, quem nos prova o contrario d'esta asserção?

O que é facto é que os colonos faziam e os indigenas desfaziam.

Houve mais tarde desregramentos n'essas _entradas_ ou _bandeiras_ de que
falla o sr. Carvalho, com o pretexto de salvar os captivos dos proprios
indigenas. «Os governadores, segundo refere Mendes Leal, nos
_Bandeirantes_, muitas vezes e por muitos modos quizeram pôr cobro
n'estes desregramentos. Mas como vigiar, acrescenta o illustre
escriptor, e colher em tão vastos e despovoados territorios os
criminosos, que todos iam feitos, que mais de uma vez se entendiam com
os mesmos capitães-móres, e não raras com os proprios habitantes?»

Estas palavras respondem ás do sr. Augusto de Carvalho, quando quer
tornar responsavel o governo da metropole de taes desregramentos.


X

Entendemos dever fazer algumas observações a respeito das _bandeiras_, a
que se refere o sr. Augusto de Carvalho, no seguinte trecho do seu
livro:

«A exemplo dos padres, os colonos, já de si inclinados a este abuso
(escravisar os indios), _e por que estranhavam os rigores d'um clima
tropical que os extenuava nos rudes trabalhos da lavoura_ (a estas
palavras que assignalamos responderemos em especial), abriram largas
ensanchas ás suas _bandeiras_, especie de caçadas de indios que lhes
forneciam escravos, a quem commettiam as mais penosas funcções da vida
agricola.»

O sr. Augusto de Carvalho, com o fim de metter os portuguezes no
torniquete, começára pela adulação. Nós protestamos contra o estratagema
porque não queremos elogios nem vituperios. Nós queremos a verdade, sem
a qual se não póde escrever a historia.

No entender do sr. Carvalho as _bandeiras_ tinham por fim, unica e
exclusivamente, escravisar os indigenas.

Ayres do Cazal, um dos escriptores antigos mais conscienciosos, diz o
seguinte a tal respeito:

«Da-se no Brazil este nome--_bandeira_--a um numero indeterminado de
muitos homens, que providos d'armas, munições e mantimentos, necessarios
para a sua subsistencia e defeza, entram nas terras possuidas pelos
indigenas com algum intuito, v. g. de _descobrir minas, reconhecer o
paiz, ou castigar as hostilidades dos barbaros_.»

Os escriptores mais abalisados são de opinião, que devido ás excursões
dos _bandeirantes_, é que se tornou conhecido o immenso territorio
brazileiro.

Vejamos o que diz Ferdinand Diniz a tal respeito:

«Intentámos, no começo d'esta noticia, escrever rapidamente a historia
das expedições prodigiosas, devidas aos paulistas, durante o decimo
setimo e o decimo oitavo seculo; fizemos ver que todas as grandes
explorações que deram a conhecer o interior do Brazil, são resultado da
sua perseverança (dos _bandeirantes_).»[30]

Os padres da companhia, com respeito ás _entradas_, são assim defendidos
pelo citado historiador:

«Grande injustiça haveria em julgar os jesuitas do decimo sexto seculo,
e seus trabalhos, segundo as idéas, que póde inspirar o systema das
missões. Ali possivel é vêr projectos ambiciosos conciliar-se com boas
intenções: nos primeiros trabalhos executados pelos padres da companhia
no Brazil, tudo foi desinteressado; e, se necessario fosse, a relação de
suas fadigas e padecimentos poderia proval-o. Nobrega mereceu o titulo
de--_apostolo do Brazil_--que nos conferem todas as narrações; Anchieta,
que trabalhou sem descanço por espaço de quarenta annos na conversão dos
indigenas, e que não temia ficar só como refem entre as mãos dos Tamoyos
para salvar a colonia, offerece ainda um caracter mais sublime; o padre
João d'Aspicuelta, o padre Antonio Perez, o padre Leonardo Nunes, e
tantos outros, os auxiliaram com um zelo, que só póde apreciar quem tem
vivido nas florestas, ou repousado n'uma choupana india. Muito falta
para que elles obtivessem os resultados, que no Paraguay se
manifestaram» etc.

Lacordaire, auctoridade insuspeita na questão vertente, accrescenta, com
respeito ás expedições dos _bandeirantes_, que «se o padre era severo
antes de absolver os _bandeirantes_, informava-se cuidadosamente do
objecto da empreza, e só dava a absolvição _quando se tratava de
descobrir minas_; porém o maior numero nada indagava a este respeito, e
recommendava sómente, em termos geraes, que tratassem com affabilidade
os indios, que no caminho encontrassem, para attrahil-os ao gremio da
egreja.» etc.

A _bandeira_ punha-se a campo. «Então começava com toda a sua energia a
lucta do homem com a natureza terrivel do deserto. Indispensavel era
muitas vezes com o machado abrir caminho na espessura dos bosques,
acampar por espaço de semanas inteiras em terras alagadas e pestiferas,
desprezar os rios trasbordados, as cachoeiras, a frecha do indio
emboscado, o ardor d'um sol vertical durante a estação calmosa, as
chuvas abundantes da quadra opposta, a fome e as doenças; era, n'uma
palavra, d'absoluta necessidade arrostar todos os perigos, que a
imaginação póde conceber. _Em todo o logar em que a terra era vermelha e
offerecia certos indicios, que o chefe da expedição conhecia, este
mandava examinar o solo; se encontravam algum ouro_, as passadas fadigas
esqueciam, e trabalhos d'exploração sem demora começavam: _em caso
contrario iam ávante_.»

Houve _bandeirantes_ (chefes das expedições do interior), que
escravisavam os indios; mas de similhantes actos não póde ser accusada a
maioria dos _bandeirantes_, os colonos e o governo da metropole, nem tão
pouco os jesuitas do XVI seculo. Estes foram expulsos de S. Paulo,
segundo affirma o historiador que viemos de referir, porque, obtendo um
breve do papa, excommungavam os possuidores de indios!

Até ali, como convinha a quem desejava chamar á obediencia de Roma novos
proselytos, em substituição dos que tinham abraçado os principios d'uma
philosophia mais racional, os padres da companhia, só levavam em mira um
novo intento. Depois, quando viram que os seus esforços iam tendo bom
exito, não tanto como desejavam, é que arrancaram a mascara da
hypocrisia, que fez da America meridional um convento de frades
fanaticos, que os governos do senhor D. Pedro II tem consentido no
Brazil.

     [30]_Le Bresil._


XI

Se Nobrega e Anchieta, depois de haverem esgotado a sua paciencia
evangelica, entendiam, já no descanço, «que os colonos, como refere
Rebello da Silva, só por meio da guerra poderiam alcançar do gentio o
respeito, o socego e a segurança de suas propriedades», quem melhor
estaria no caso de conhecer e remediar o mal?

Não eram os colonos atacados em suas propriedades? Quando algumas
_bandeiras_ penetravam no sertão, com o fim de reconhecer o paiz, não
eram ellas rechaçadas pelos indios?

«Em 1733, segundo o testemunho de Casal, uma frota de 50 canôas, que
representava pelo menos 400 homens, fôra inteiramente destruida pelos
gentios. De uma bandeira composta de 300 pessoas, que em 1725 saía de S.
Paulo, bem provida de tudo, só haviam escapado dois brancos e tres
negros. De outras expedições numerosas não houve uma só que voltasse.»

São demasiadamente caricatas as desculpas de alguns escriptores a favor
dos indios da America.

Concordamos que não sejam muito evangelicas aquellas phrases de Nobrega
e Anchieta; porém devemos notar que similhantes idéas nunca foram
seguidas pelos primeiros missionarios. Depois de tantas fadigas era
justo que fizessem as suas queixas contra o indomavel gentio. Taes
queixas tinha de mau uma cousa só: o aproveitarem-se d'ellas os maus
padres, que no futuro haviam de auctorisar os abusos que alguns
escriptores lamentam.

E nos principios do seculo XVII, que os jesuitas, com razão, podem ser
accusados de escravisarem os indios.

No meado do seculo XVIII eram elles, por assim dizer, os principaes
senhores das vastissimas regiões brazileiras. O governo da metropole
tinha sido até então impotente contra a força dos sectarios de Loyola.

A provisão de 12 de setembro de 1663, que retirava aos jesuitas a
jurisdicção temporal, que, como diz o sr. Mendes Leal, fôra illudida
pela poderosa influencia do padre Vieira, mostra até certo ponto a boa
vontade do governo da metropole em concorrer para a prosperidade do
Brazil. A creação de companhias colonisadoras mostra tambem os seus
louvaveis esforços.

Essas companhias foram guerreadas pelos _santos_ varões (seculo XVII).

Vejamos como é que a respeito dos novos actos do governo procediam os
descendentes de Nobrega e Anchieta:

«Uma das manifestações em que mais significativamente se patenteou o
espirito e intuitos da companhia de Jesus, diz o sr. Mendes Leal, foi a
guerra que do pulpito moveu contra as companhias commerciaes, que o
ministro por este tempo fundava e protegia a fim de desenvolver a
natural riqueza do paiz. Um jesuita, o padre Ballester, para affastar os
povos de concorrerem a estas uteis associações e emprezas,
vociferava:--_que todos os que entrassem n'essas companhias não estariam
com a de Christo_.»

Que remedio havia de dar o governo a este grande mal, que entorpecia a
marcha progressiva do Brazil? Expulsar os jesuitas. E seria facil
expulsal-os d'um estado que mais parecia dominio da companhia do que de
Portugal?

Era preciso preparar as cousas para d'ahi a quasi um seculo se realisar
essa medida salutar.

«... As consequencias d'essa expulsão, refere ainda o referido escriptor
portuguez, foram iminentemente favoraveis e proveitosas aos povos.»

E effectivamente, póde-se dizer, sem medo de errar, que desde então para
cá (1759), é que começou a florescer o Brazil.

As idéas liberaes proclamadas pela França, foram pouco a pouco fazendo
echo nos differentes povos da Europa; e Portugal, um dos paizes mais
livres, sendo um dos primeiros a tomar-lhe o exemplo, teria feito hoje
dos seus antigos dominios brazileiros uma nação essencialmente liberal.

Não o quiz assim o povo que se dizia escravisado; e Portugal, que em
1820 tinha contribuido para tornar brilhante uma das paginas da sua
historia, entendeu pouco tempo depois que não devia tolher a vontade
d'esse povo, quando se lhe apresentava em procura da carta de alforria.

O que tem feito o Brazil desde então para cá?

Promulgou leis protectoras á emigração?

Baniu os jesuitas, que o marquez de Pombal, por inimigos do progresso da
patria, expulsára de todos os dominios de Portugal?

Não: que o diga o movimento _quebra-kilos_ de Pernambuco, em 1874.


XII

N'um dos artigos antecedentes assignalámos, com respeito á vida dos
colonos, as seguintes palavras do sr. Augusto de Carvalho:

«... E porque estranhavam os rigores dum clima tropical que os extenuava
nos rudes trabalhos da lavoura» etc.

O illustre litterato refere-se ao Brazil; o que nos leva a perguntar, se
um paiz, cujos _rigores d'um clima tropical_, onde os colonos ficam
_extenuados_ pelos _rudes trabalhos da lavoura_, póde ou deve agradar
aos trabalhadores europeus? e se esta deverá ser a _terra da promissão_,
onde, para esses trabalhadores, se possa realisar a _promessa de Christo
de--cento por um--_?

Mais adiante provaremos com documentos irrefutaveis, se não se acha já
sufficientemente demonstrado, que semelhante paiz não enriquece os
trabalhadores europeus, talvez que pela circumstancia apontada pelo sr.
Carvalho, dos rigores climatericos.

Convém entretanto tornar bem patentes as seguintes palavras do sr.
Mendes Leal, que não deve ser suspeito ao sr. Augusto de Carvalho, visto
que se escuda a uma carta do illustre escriptor, como se escuda a outras
de muitos portuguezes, que em seus escriptos têem combatido a emigração
para o Brazil.

O auctor dos _Bandeirantes_ refere-se á magestade do vasto imperio, e
quiçá ao seu mortifero clima. São estas as palavras que elle collocou na
bôcca de um dos heroes da chronica a que alludimos:

«... Solemne é este silencio, magestosa a solidão, certamente. Acres
perfumes rescendem nos ares, o ermo convida á meditação, ha n'este
conjuncto harmonia e grandeza, concedo. Mas se tudo examinamos de perto,
o que achamos? No fundo limoso d'essas aguas espelhentas esconde-se
talvez a sucuriuba, espreitando o inexperiente que se aproxima sem
cautela, para o ennovellar de subito nas roscas monstruosas! Essas
moutas esmaltadas são ninhos de reptis mortiferos! Esses aromas
inebriantes vêem carregados de emanações pestilentas! D'essa limpida
superficie exhalam-se as febres implacaveis!... Não, o homem que
realmente quer avantajar-se e avassallar o vulgo... o homem que nasceu
para dominar homens!... nunca se ha de captivar da primeira impressão.
Se é tão raro que nos não transvie o coração, e não nos enganem os
sentidos!»

Os aromas inebriantes dos seus jasmins e as pennas multicôres das suas
aráras, pódem, de longe, convidar o poeta a fazer estrophes: porém, lá
dentro, no sertão, ou mesmo no litoral, só em boas _chácaras_, e, ainda
assim... havendo grande necessidade de fazer versos!


XIII

Um pouco mais adiante, a paginas 45 do livro que o sr. Augusto de
Carvalho tão inconscientemente transformára em historia, lêmos as
seguintes palavras, dignas dos mais severos reparos:

«No choque entre o Brazil e a Hollanda vemos ao mesmo tempo, a par de
muitos rasgos de heroismo portuguez, o valor brazileiro recebendo nas
insignes batalhas das Tabocas e dos Guarápes, o baptismo de fogo, a
sagração da gloria. Os feitos guerreiros que exordiaram os fastos
militares do imperio, se não deslumbram, egualam os mais illustres que
exalçam a historia da mãe patria. Vidal de Negreiros, Philippe Camarão e
Henrique Dias exemplos são, e bem claros, de que, em peitos brazileiros,
o patriotismo e a honra pódem operar tambem prodigios de civismo e
heroicidade.»

A paginas 56:

«A seu lado (ao lado do padre Vieira, que _nem sempre fôra isempto de
interesse_) depara-se-nos egualmente, entrando portas a dentro da
historia, com a fronte pejada de louros, e a consciencia illuminada de
virtude e de santo desinteresse (sic), o insigne brazileiro André Vidal
de Negreiros, por ventura o mais strenuo mantenedor da liberdade da raça
americana.»

A paginas 57:

«Vidal tambem não escapou á vingança d'aquelles scelerados (dos
jesuitas!) Tantas intrigas lhe urdiram no reino, que não tardou em ser
demittido do cargo de governador.»

Desculpe-nos o leitor estas transcripções; mas assim é preciso, para
fazer triumphar a verdade, e apontar as contradicções do sr. Augusto de
Carvalho, quando diz, que _confessava-se Vieira obrigado a Vidal pelo
auxilio que lhe déra nas suas missões_, etc.

Abramos o livro da verdadeira historia, justamente no logar onde
historiadores conscienciosos nos apresentam as memoraveis batalhas das
Tabocas e dos Guararápes.

A paz ajustada entre o governo de D. João IV e a republica da Hollanda,
depois da independencia de Portugal, levaram os patriotas portuguezes,
residentes em Pernambuco, a começar as hostilidades contra os
hollandezes, em 1643.

Foi n'esta época que o insigne portuguez, João Fernandes Vieira, tendo
preparado o movimento com o seu genio e recursos, intendeu dever começar
a guerra contra os inimigos da sua patria. Para isso precisava elle de
braços amigos, que o ajudassem na sua gloriosa empreza. E não lhe
faltavam elles, porque a população de Pernambuco estava cançada dos
vexames do novo governo, que tinha substituido a paternal administração
do principe Nassau.

Fernandes Vieira participa esta resolução ao governador geral do Brazil,
Antonio Telles da Silva, que incontinente lhe manda André Vidal de
Negreiros, com ordem de cessar as hostilidades contra os hollandezes.

Mas a influencia de Fernandes Vieira e o seu tacto politico destroem a
frouxidão do governador e do seu interprete Negreiros.

Este volta á Bahia a informar ao governador do occorrido. Então Vieira,
sem mais ajuda do que os seus amigos de Pernambuco, offerece combate aos
hollandezes no monte das Tabocas.

Á primeira victoria, por elle alcançada em 1644, não assistem Camarão,
Henrique Dias e Negreiros.

Retratemos aqui, a leves traços, estes trez vultos:

D. Antonio Filippe Camarão, indio convertido e fanatisado pelos
jesuitas. Este homem era o terror dos indigenas; não póde, portanto, ser
o symbolo da liberdade americana. Trabalhava a favor dos dominadores, e
os indios que o seguiam, tão fanaticos como seu chefe, morriam a favor
de qualquer causa, com os olhos nos _bentinhos_ que lhes pendiam do
pescoço.

Henrique Dias, chefe dos pretos, e como elles, representante da raça
africana. Trabalhava a favor dos portuguezes, seus dominadores. Não era
tambem o motor da liberdade americana.

André Vidal de Negreiros, natural da Parahyba, não póde ser biographado
n'este logar, para não interrompermos as façanhas contra os hollandezes,
nos montes denominados Guararápes.

Fazem parte d'esta gloriosa batalha o portuguez João Fernandes Vieira,
verdadeiro heroe da empreza, na opinião dos mais abalisados escriptores;
e como auxiliares, Francisco Barreto de Menezes, portuguez; André Vidal
de Negreiros, Filippe Camarão, Henrique Dias, e outros.

Henrique Dias foi ferido n'esta batalha, de que morreu. Este como seu
companheiro Camarão foram arrastados á guerra, sem o mais pequeno
interesse politico.

Eram felizes; porque sendo valentes, lhes fallecia a ambição que tanto
assignalou Negreiros.

Demoremo-nos um pouco perante este personagem.

Depois do Fernandes Vieira ter realisado o seu belo sonho, apoz uma
guerra de nove annos, parece que devia ambicionar qualquer recompensa;
mas tal não succedeu. Vieira só tinha em mente a liberdade da sua
querida patria e dos territorios conquistados por portuguezes. Nascera
na ilha da Madeira, ao tempo em que eramos dominados pelos castelhanos.
No berço aprendera elle a pronunciar a sublime phrase de--morte ou
liberdade--; e refugiara-se mais tarde no Brazil, onde não se fazia
sentir tanto o abominavel dominio de Castella. Foi em Pernambuco, que a
sua nobre alma se engrandeceu, á vista dos novos dominadores enviados da
Hollanda. Não podia elle perceber, como é que devia desobedecer á sua
consciencia de portuguez, para, ao mesmo tempo, dar gasalho ás ordens de
Hespanha e Hollanda: por que essas ordens confundiam-se, e em logar de
auxiliarem aquella parte da America estancavam-lhe a prosperidade. Por
isso poz termo ás contradicções politicas, salvando Pernambuco.

O seu culto era a liberdade; por ella faria tudo, e por ella despresaria
as recompensas mundanas, depois da gloria.

Recusára vir a Lisboa dar a nova das victorias para que elle tanto
contribuira. É que receava as offertas do governo da metropole, offertas
que, sem resultado, o foram tentar no seu retiro.

Não comprehendia Fernandes Vieira que fosse facil alliar o interesse
mundano, que seduz muitos generaes, á independencia do seu caracter
desinteressado. A sua maior satisfação era expulsar os hollandezes.
Conseguiu-o, nada mais desejava.

Vidal de Negreiros não tinha d'estes escrupulos; por isso se encarregou
de vir a Lisboa, onde, com a influencia dos jesuitas, obteve mais tarde
o governo de Pernambuco.

É alli que o vamos encontrar, desobedecendo ás ordens do governador
geral, commettendo violencias contra os seus administrados, negando
justiça a uns, desterrando e prendendo a outros.

Chamado por isso á Bahia, onde temia ser condemnado, confessa-se
arrependido da desobediencia e dos vexames que havia imposto aos povos,
que ajudára a libertar do jugo dos hollandezes.

A desobediencia e a desordem continuaram; eis a causa da sua demissão.

Se André Vidal de Negreiros trabalhava pela liberdade americana, como
diz o sr. Augusto de Carvalho, para que combatia elle os indigenas,
colligados com os hollandezes, nas differentes batalhas dadas em
Pernambuco?

Se elle foi um dos primeiros apostollos d'essa liberdade, para que
acceita cargos publicos das mãos do governo portuguez.

Os jesuitas são accusados pelo sr. Carvalho, de escravisarem e de
exterminarem os indios, no que estamos completamente de accôrdo, até ao
seculo XVII; pois bem, como é que sendo Vidal de Negreiros _um auxiliar
das missões jesuiticas_, como attesta o padre Antonio Vieira, nos vem
dizer, que esse mesmo Negreiros fôra _o mais strenuo mantenedor da
liberdade da raça americana_?!

Eis aqui uma contradicção digna de ser recompensada com uma penna de
ouro!

Finalmente, se Negreiros era o mantenedor d'essa liberdade, para que
acceitou o cargo de governador de Angola? Não seria mais vantajoso, para
o bom exito da sua causa, retirar-se á vida privada, e preparar no
sertão, como fizera Fernandes Vieira, com respeito aos hollandezes, uma
conjuração tendente a libertar a America do jugo estrangeiro?

Não fez isto, porque Negreiros era ambicioso, e aos ambiciosos não é
permittido _entrar portas a dentro da historia com a fronte pejada de
louros_.



CAPITULO IV

A pastoral do bispo de Braga e a emigração. A Beneficente e a Caixa de
Soccorros de D. Pedro V. Prescripções hygienicas. Considerações do
advogado do consulado no Rio de Janeiro. A commissão da emigração e os
raciocinios estramboticos do auctor do «Brazil» a respeito dos crimes em
Portugal. Os crimes no Brazil. Os nossos raciocinios. Affluencia de
capitaes do Brazil nas praças portuguezas.


I

Mereceram-nos especial attenção alguns pontos contradictorios insertos
na parte quarta do livro o _Brazil_, e que julgámos não dever deixar
passar sem reparo.

Pretendendo o seu auctor apresentar-se como inimigo da emigração
clandestina, não poucas vezes guerreia aquelles que a combatem.

Está n'estes casos o reparo feito á pastoral do bispo de Braga.

Esse documento precioso, em que bem se patenteiam os vastos
conhecimentos do seu auctor sobre o resultado da emigração de
portugueses para o Brazil, devêra ter passado desapercebido ao sr. A.
Carvalho, não só para interesse do imperio, mas porque a analyse
ridicula que lhe faz, dá mais valor, se é possivel, ás asserções no
mesmo contidas.

No documento referido diz-se a verdade, que o sr. Carvalho esconde,
sobre a situação do trabalhador portuguez no Brazil; e não vemos
contradicção no seguinte trecho:

«Seduzidos estes mancebos pelas fallazes esperanças, que arteiros e
assalariados engajadores lhes sabem incutir, pintando-lhes aleivosamente
sua independencia e colossal fortuna, que em pouco tempo pódem
conseguir, empregando seus braços em trabalhos agricolas» etc.

N'este, tampouco:

«... pois que sempre houve engajadores, e ambição de melhoramento de
fortuna, que, com quanto imaginaria e fallivel, não desvia os emigrantes
dos gravissimos perigos» etc.

Ainda n'este:

«Se alguns d'estes (emigrantes) têem a fortuna de não encontrar sua
sepultura n'aquellas mortiferas paragens, e pódem voltar ao seu paiz, de
ordinario vêem mais pobres do que foram, e com suas saudes perdidas,
perpetuamente inuteis e pesados á patria!»

Nem mesmo combinado com o seguinte, aonde parece ter visto a
contradicção:

«E com quanto hajam _alguns conseguido alguma pequena fortuna_, não
equivale nem compensa _a perda de sua saude, nem o sacrificio, e improbo
trabalho_, que os proprios indigenas não podem supportar
constantemente».

Referia-se ao trabalhador, quando o illustre prelado fallava assim.

Mas se lhe juntarmos o seguinte:

«E com quanto muitos portuguezes, bafejados pela fortuna, hajam elevado
seus cabedaes a maior ou menor escalla» etc.; não acharemos ainda
contradicção, se completarmos a transcripção do periodo, que é do theor
seguinte: «... _não é pelo emprego physico de seus braços em trabalhos
agricolas_» etc., que o auctor do _Brazil_ cavilosamente escondeu.

O prelado bracarense não combate a emigração de portuguezes que se
destinam a outros misteres, no que, até certo ponto, estamos de accordo;
porque esses emigrados estão mais ou menos no caso de conhecer as
vantagens que lhes offerecem os paizes novos e faltos de gente
habilitada para exercer o commercio, as artes e até mesmo a litteratura,
sendo esta ultima asserção do bispo a que mais cahiu no goto ao sr.
Augusto de Carvalho, como se se podesse pôr em duvida a sua veracidade.

Pretender chamar emigração expontanea a essa dos trabalhadores, que
todos os dias saem das nossas terras, com destino ao Brazil, é negar a
verdade que todo o historiador deve respeitar. E por isso mesmo que ella
não é expontanea, nem mesmo quando exercida por portuguezes de maior
edade, mas sem as luzes necessarias para conhecer as falsas illusões dos
engajadores, é que nós a guerreamos, importando-se-nos pouco que este
nosso procedimento tambem possa ser tachado de contradictorio.


II

O auctor do livro o _Brazil_, ignora ou finge ignorar, que a maior parte
dos portuguezes saidos de nossos portos, com destino ás terras de Santa
Cruz, são alliciados com mentidas promessas e falsas illusões, incutidas
por grande numero de especuladores, dos quaes, talvez sem o desejar
parecer, o sr. Augusto de Carvalho seja o chefe.

Já que chegámos a este ponto, permitta-nos que sejamos francos,
dizendo-lhe que ha quem nos chame um pouco complacente por formularmos
apenas uma hypothese sobre a melindrosa posição do sr. Carvalho.

E, effectivamente, se o auctor da _moderna historia_ do Brazil, não
especula com a emigração, como se explica o seu procedimento de
asseverar que o Brazil é manancial de riquezas para o trabalhador,
quando documentos de maior valia nos dizem completamente o contrario?

Vamos lançar mão da carta, escripta pelo presidente da _Caixa de
Soccorros D. Pedro V_, dirigida ao consul geral de Portugal, no Rio de
Janeiro, em 21 de julho de 1872.

Este importantissimo documento, que o sr. Augusto de Carvalho
_auctorisa_ a paginas 283 do seu livro, e do qual se serviu transcrever
alguns trechos, esquecendo os que não lhe faziam conta, não por os
julgar menos auctorisados, porque então far-lhe-hia a necessaria
critica, como fizera á pastoral, mas porque assim convinha á sua
propaganda, diz mais o seguinte, que muito convém ser lido pelos
admiradores do historiador brazileiro:

«Descripto como fica o destino d'esta população (de emigrantes
portuguezes), passemos sem mais detença á observação dos resultados
colhidos pelos emigrantes, vejamos como se tornaram em realidades os
sonhos dourados d'aquella possante juventude, que em demanda de tão
cubiçada riqueza abandonou a patria e a familia.

«Cessam aqui os conceitos geraes pela observação e modo de ver de cada
um; logar aos factos que se levantam com toda a magestado de principios
que não podem discutir-se.

«V. ex.ª, que é portuguez, disponha o seu animo para contemplar
desgraças e miserias taes e tamanhas, que a imaginação espavorida mal
comprehende _como ainda tão severa illusão não bastou para pôr barreira
a esta corrente de suicidios_.

«Nos sete annos decorridos, desde 1864 a 1871, a _Caixa de Soccorros de
D. Pedro V_, pagou a passagem para voltarem á patria, a 2:304
portuguezes, e o numero dos que tem soccorrido eleva-se a 9:000
inscriptos até hoje.»

Convém dizer antes de proseguirmos na transcripção de tão preciosa carta
e baseando-nos em documentos officiaes, que o numero de portuguezes
entrados no Rio de Janeiro desde 1861 até

1872, é de                                                        49:610

Deduzindo:

Portuguezes que voltaram á patria, soccorridos
pela Caixa de Soccorros D. Pedro V                       2:304

Ditos soccorridos em casa pela mesma                     9:000

Ditos soccorridos pela Sociedade Beneficente
Portugueza, nos dez annos findos em 31 de
dezembro de 1871                                        18:405

Ditos soccorridos pela Sociedade Beneficente
Portugueza para voltarem á patria                          284

Viuvas socorridas, idem                                    146

Enterros pagos, idem                                       502    30:641
                                                                 --------
                                                                  18:969

Devemos notar que a estatistica fornecida pela direcção da _Caixa de
Soccorros de D. Pedro V_, só se refere ao periodo de tempo decorrido
desde 1864 a 1871, faltando-nos portanto, esclarecimentos sobre os
soccorros que pela mesma poderiam ser prestados nos tres annos de 1861 a
1863 inclusive, cuja média não podia ser inferior a 4:844, que deduzidos
ainda dos 18:969, faz baixar a 14:124 o numero dos mais felizes!

«Estes algarismos, ex.mo sr., continúa o presidente da associação,
representam homens inteiramente abandonados, sem mais recursos alguns e
que morreriam ao desamparo se esta associação não fôra» etc., etc.

«Nos hospitaes das irmandades, refere a este mesmo respeito o consul
geral, numerosas n'esta côrte, são recebidos individuos de todas as
nacionalidades, sendo irmãos. Sobresahe o grande e explendido hospital
da Santa Casa da Misericordia _que acolhe indistinctamente os indigentes
nacionaes ou estrangeiros_,» etc.

«Não acontece porém o mesmo nas povoações do interior, e muito menos nas
fazendas onde o colono está entregue ás eventualidades do tratamento do
locatario, nas quaes, não raro, acontecem factos como o que descreve o
nosso intelligente compatriota dr. Domingos de Almeida», etc.

Ora é claro que os emigrados portuguezes, entrados no porto do Rio de
Janeiro, não permanecem na côrte; parte d'elles vão para o interior.
Assim é que, se podessemos obter uma estatistica exacta dos portuguezes
soccorridos pelas irmandades e pelo hospital da misericordia de que nos
falla o consul, bem como dos miseraveis abandonados no interior pelos
senhores de engenho, aquelle numero de 14:124 portuguezes, que reputamos
_felizes_, abaixaria ainda consideravelmente!


III

«Não é, senhores, sem perigos e riscos mui dignos de attenção, que os
emigrantes livres conseguem as fortunas, que o Brazil encerra e guarda
com avarento sobresalto.»

A estas palavras da commissão de emigração, responde o auctor do
_Brazil_:

«Mas de que natureza são esses perigos?» etc.

E prosegue:

«Affirma o relatorio (da commissão de emigração) que _a fortuna teima em
se mostrar adversa aos emigrantes livres que não têem no Brazil
parentes, amigos ou protecção_ (o grifo é do escriptor citado). Isto é
quasi desconhecer o sentimento acrisolado de patriotismo, que distingue
e honra sobremaneira a colonia portugueza no Brazil.»

De maneira que, os trabalhadores portuguezes, fiados nas palavras do
auctor d'estas linhas, e no acrisolado patriotismo dos portuguezes,
residentes no imperio, devem seguir o conselho, _tão salutar_, de deixar
a patria em troca de um paiz que os colloca na contigencia de ir pedir
esmolla ás sociedades de soccorros, instituidas por alguns portuguezes
mais afortunados!

Bem lembrado!

«Entre os emigrantes que formam este grupo, falla a commissão de
emigração, ha uma parte que, não tendo no Brazil parentes, amigos ou
protecção, confiam ao acaso o seu destino. A estes, principalmente, a
fortuna teima em se mostrar adversa. Não tendo uns robustez physica para
trabalhos severos, sendo outros inhabeis para os misteres a que se
dedicam, esses pagam em soffrimentos e miseria a ventura dos mais
felizes.»

O sr. Carvalho, que a tudo mostra ter que dizer, faz ao trecho citado as
seguintes reflexões, que nada adiantam:

«Sentimos que a illustrada commissão não investigasse bem a causa de
taes infortunios (!)......»

E com uma logica de menino de escola continúa:

«... Ninguem por certo os poderá negar. Concorre para isso, umas vezes,
a rapida mudança de clima, _sem cuidado pela differença de estação de um
para outro paiz_;...»

Que cuidados deve ter o colono trabalhador para evitar os males que
podem advir-lhe por causa da rapida mudança do clima?

«... outras, os excessos (?) dos recem-chegados, muitos dos quaes são,
por via de regra, _pouco respeitadores de certas prescripções
hygienicas_;...»

Vejamos o que é preciso fazer o europeu recem-chegado ao Brazil, _para
respeitar certas prescripções hygienicas_:

Não deve expôr-se aos raios do sol; deve procurar boa alimentação,
despresando nos primeiros tempos os fructos indigenas, e procurar ter
boa habitação.

Perguntamos agora, qual é o europeu, nas condições do colono contratado
em Portugal, para trabalhar em terras brazileiras, que póde satisfazer
ás taes prescripções hygienicas?

Vamos provar que nenhum trabalhador que se destina á agricultura póde
deixar de viver miseravelmente em terras brazileiras.

Primeiro que tudo, o trabalhador não póde deixar de expôr-se aos raios
solares; do contrario morrerá de fome, se não tiver contratado o seu
serviço, como acontece a quasi todos os portuguezes; e n'este ultimo
caso, será preso, e em conformidade da lei brazileira de 1837, obrigado
a expôr-se ao sol para satisfazer aos compromissos que se impozera em
seu contracto.

O colono portuguez contractado para trabalhar no Brazil, a razão de
2$000 réis fracos, diarios, o maximo, e dizemos o maximo porque já
demonstramos que em Portugal nunca se fizeram contratos de locação de
serviço tão favoraveis ao colono; não póde, com tão modica quantia obter
boa alimentação, ainda que o colono não tivesse que satisfazer a outras
obrigações, como são o pagamento da passagem e _mais despezas
indispensaveis_[31] a quem tem de fazer uma longa viagem e estar auzente
da patria por illimitado tempo.

Ora, quem não tem meios para alimentar-se regularmente, não póde deixar
de ter má habitação; não póde deixar de comer algumas fructas, no
começo, nocivas á saude dos colonos; não póde, além d'isso, deixar de
vestir mal; e, finalmente, de despresar _certas prescripções
hygienicas_, que nunca foram desprezadas, em tempo, por quem escreve
estas linhas, e que, não obstante, foi atacado da terrivel epidemia a
_febre amarella_.

E continúa o auctor do livro o _Brazil_, nos seus considerandos:

«...... outras, em fim, a cega ambição de alguns infelizes, que
sacrificam todos os commodos (já está demonstrado que não póde ter
commodos o trabalhador do Brazil), saude, e não raro as proprias vidas
(por falta de recursos), para mais depressa accumularem um peculiosinho,
que, quando repatriados, (dolorosa desillusão!) não chega muitas vezes
para occorrer ás despezas, feitas então com o fim de recuperarem a
saude, que perderam fatalmente em trabalhos superiores ás suas forças!»

Completamente de accordo com respeito a este ultimo trecho, que,
satisfeitos, registramos; porque é mais uma contradicção do sr. Augusto
de Carvalho.

Do documento citado por este sr., vamos transcrever mais alguns trechos
em abono das nossas palavras; e preferimos este documento a qualquer
outro, por lhe ter prestado a sua authoridade.

Só sentimos, ainda uma vez o dizemos, que tivesse deixado de o
transcrever na integra, na tal historia:

«As causas a que mais directamente pódem attribuir-se estes desastrosos
effeitos, continua o presidente da _Caixa de Soccorros D. Pedro V_, são,
em relação aos homens que se empregam em trabalhos rudes, a pessima
alimentação, aggravada pelas exigencias do clima, sob o qual o europeu
carece, para sustentar a sua força, _de superior e muito cuidado
alimento_.

«A humidade do solo, origem de sua fecundidade assombrosa, os rigores
tropicaes exercem sobre o europeu influencia tal, _que todos os cuidados
hygienicos são poucos para precaver-se contra similhantes males_.»

Esta é que é a verdade, que o auctor do livro que analisamos escondeu,
por não se achar com forças de repelir accusações tão bem fundamentadas.

     [31] A phrase em gripho é a empregada pelos alliciadores, nos
     contractos de locação de serviços e com a qual encobrem muitas
     extorções feitas aos collonos.


IV

Não é só o distincto presidente da _Caixa de Soccorros de D. Pedro V_,
que se revolta contra a emigração de portuguezes trabalhadores.

Eis o que a respeito d'estes communica o consul geral, residente na
capital do Brazil, em seu relatorio de 30 de julho de 1872:

«É raro o caso de adquirirem, _mesmo durante largos annos, meios
pecuniarios, com que possam pagar as despezas do regresso á sua
patria_... Todos esses individuos começam por estar desde logo onerados
com a divida do transporte para este paiz, a qual com as addicções de
despezas _contadas a arbitrio dos engajadores_ eleva-se á somma de
120$000 a 150$000 réis. No tempo do cumprimento do contracto, os
colonos, em vez de amortisarem essa divida, augmentam-a, em geral, e
findo o referido tempo, que ordinariamente é de dois ou tres annos,
devem 400$000 a 600$000 réis, _conta ainda feita a arbitrio exclusivo
dos proprietarios_. Para a solução de semilhante onus, vêem-se forçados
a renovar os contractos, _até que perdida toda a esperança de resgate,
fogem, não obstante o risco que correm de serem presos e condemnados a
trabalhos publicos, na fórma da legislação que rege a materia_ (a lei de
1837)»

Um outro portuguez, o dr. Domingos José Bernardino de Almeida, advogado
do consulado geral de Portugal, no Rio de Janeiro, cavalheiro muito
proficiente na materia, diz na sua consulta, de 29 de julho de 1872:

«Os portuguezes que aportam ao Brazil e não ficam nas grandes cidades,
são engajados a bordo e contractados para as fazendas do interior. Vem a
proposito citar a respeito dos engajados, a opinião do ex.mo sr.
conselheiro Mendes Leal, no jornal _America_: A emigração assalariada
presta-se facilmente a abusos revoltantes, e pela sua propria natureza é
menos productiva. Só impreterivel necessidade a explica e desculpa. (S.
ex.ª é favorável á emigração).»

«Chama ao engajamento:--«Escravidão simulada ou hypocrisia de liberdade».
_Ora realmente é o unico systema de colonisação de portuguezes
praticado_ até hoje, esse que difine o ex.mo conselheiro.

«Como disse, em vez de realisarem o que almejam todos os que emigram
para o paiz, isto é, serem proprietarios, _ao contrario os nossos
compatriotas emigrantes vem substituir os escravos nas fazendas_!

«Os contratos de locação de serviços são pela maior parte longos, nunca
por menos de tres annos.

«Ahi vivem como viviam os escravos, com elles trabalham, etc.

«Ora nenhum europeu supporta o clima dos tropicos no serviço em que até
hoje tem sido empregados os escravos, e _no imperio é esse o unico para
que são engajados os nossos compatriotas_.

«Citarei um exemplo que presenciei, e que é, pouco mais ou menos, o que
_em geral_ se passa.

«Para uma fazenda (em que fui medico um anno, _onde apezar de toda a
minha hygiene, contrahi infecção paludosa, que só me abandonou no fim de
dez annos_, com a residencia em Buenos Ayres durante cinco mezes) em
1856, foram engajados 5 compatriotas nossos, 4 homens e uma mulher,
recem-chegados, todos maiores de 30 annos, _de organisação forte e
sadios_.

«_Comiam, dormiam e trabalhavam, como os escravos_, quero dizer, _tinham
a sua tamina_ (ração) _de carne secca, feijão e farinha, que eram
obrigados a coser para comer na hora do almoço e do jantar_ (uma hora
para cada refeição!)

«Senzalas (casas de residencia dos pretos) eram as habitações que
constavam de um pequeno quarto não soalhado, com porta e janella, _tendo
por cama uma esteira, e por mobilia uma pedra para se sentarem.
Trabalhavam a par dos escravos, commandados pelo feitor, tambem escravo
e armado do competente relho_ (vergalho do castigo!) _trabalho que
principiava ao romper d'alva e terminava ás nove horas da noite_, apenas
com a interrupção das refeições (!) De dia cavavam na terra, de noite
lançavam ou tiravam tijolo do forno. Apesar da sua robustez, como fossem
transportados bruscamente para logar insalubre, antes de aclimados na
estação calmosa, sujeitos a trabalho insano e longo (mais de quinze
horas por dia!) com a alimentação má e peior casa para dormir, _ficaram
em dois mezes e meio reduzidos a pelle e ossos, verdadeiras mumias, e
morreriam se não fugissem_!

«Este quadro fiel é _com pequenas modificações o que se passa no
interior do paiz_.»

Áquellas verdades e a estas da commissão de emigração, fundadas em
documentos insuspeitos:--«Deprehende-se, pois, sob o aspecto da
emigração, que não ha miseria nem falta de trabalho que a
incite»--responde o sr. A. de Carvalho, com a sua peculiar ingenuidade:

«Permitta-nos a illustrada commissão, que lhe façamos sentir que os
factos protestam contra similhante conclusão. Na ultima leva dos
degredados, cremos nós, em numero de 92, d'estes foram 52 condemnados
por furtos, roubos e falsificações. E ainda, no mez de novembro ultimo
(1873), de 40 que deram entrada no Limoeiro para seguirem o mesmo
destino, 31 foram-n'o por crimes da mesma natureza.»

E accrescenta:

«Dar-se-ha que taes vicios estejam na indole do povo portuguez? Quem tal
o asseverasse commetteria uma infamia.

«De que procedem então esses delictos?

«Procedem da miseria, procedem da falta de remuneração proporcional,
convençam-se d'isto.»

Agradecemos, em nome do povo portuguez, as _boas_ intenções do auctor
das linhas que deixamos transcriptas, com quanto nos vejamos obrigados a
discordar das suas conclusões e a censurar o desproposito da antithese.

Nem o povo portuguez póde ser accusado de indole preversa, nem se póde
attribuir só á miseria e falta de trabalho os crimes commettidos, pelos
52 condemnados, referidos acima.

E é tão admissivel este principio, que os 40 condemnados excedentes, não
só não provam a miseria do povo portuguez, como ainda a sua indole.

A que attribuirá então o sr. Carvalho os crimes d'aquelles 40
condemnados?

Em toda a parte se commettem crimes de falsificações, furtos, e roubos,
e, da averiguação a que se procede, vê-se que não fôra só a necessidade
o principal motor do crime. Até podiamos, n'este sentido, apresentar uma
estatistica, em que provariamos não ficar o Brazil atraz de qualquer
outra nação. Com tudo, se attendessemos ao principio estabelecido pelo
sr. Carvalho--de que a miseria é a principal causa que move os humanos
aos crimes mencionados--o Brazil, aonde a riqueza anda aos pontapés,
devia estar isento d'esta pecha.

Mas não pára ainda aqui a philosophia estrambotica do advogado da
emigração.

Contra a voz unanime dos nossos consules e dos mais respeitaveis
entendedores, exclama o sr. Augusto de Carvalho:

«Acaso, por se haver morto com um tiro, em certo logar do Minho, um
infeliz que subtrahia um cacho de uvas, segue-se que todo o povo
d'aquella provincia seja deshumano?»

Não percebemos a que proposito veio esta parabola, nem tampouco
est'outra:

«Acaso, por haver sido, no Fundão, condemnado um pobre Antonio Gomes a
um mez de prisão, multa correspondente e despezas do processo, pelo
crime de _sorrir-se e piscar os olhos_ para o delegado Duarte de
Vasconcellos, segue-se que a justiça é nulla em Portugal?»

Ou o sr. Carvalho anda de má fé no assumpto, e n'este caso seria bom que
não tocasse na ferida, aberta por assassinos brazileiros, d'onde ainda
não deixou de correr sangue portuguez, ou então não percebeu as palavras
e o sentido de quem as dictou.

O sr. Augusto de Carvalho devia ter notado que a commissão de emigração,
ao fazer-se echo de tantas verdades enunciadas em documentos de muita
valia, para informar sobre o assumpto da emigração, que tantos males ha
produzido a Portugal, não fallou nas injustas decisões dos tribunaes
brazileiros, quando julgam colonos portuguezes; e mesmo que fallasse,
não podia o sr. Carvalho, para ser coherente, usar d'aquelle desforço,
que, ainda assim, seria injusto, se attendesse ás circumstancias de que
um portuguez tinha assassinado outro portuguez, e um tribunal, tambem
portuguez, condemnado um filho de Portugal.

Era futil a razão do assassinato? Completamente de accordo. Mas quem
sabe se outra razão mais forte existiria entre os dois personagens
d'aquelle drama? Por causa de 20 réis, já ouvimos dizer que um homem
tinha assassinado outro: comtudo, o motivo principal não fôra esse.
Porém, nós não admittimos o assassinato mesmo por outros motivos mais
poderosos, com o que não parece estar de accordo o sr. Carvalho, por
isso que só o horrorisou o facto do minhoto!

Em Portugal, as faltas de respeito para com as auctoridades são
castigadas com um mez de prisão. É futil a razão. Antes isso do que
assimilharem-se os nossos tribunaes aos do Brazil, aonde as mais das
vezes a corrupção toma o logar da justiça, para condemnarem os
desgraçados portuguezes.

Felizes as nacionalidades que dão os exemplos de moralidade da primeira,
e desgraçadas aquellas que, como a segunda, se transformam em alvo,
aonde as settas do motejo vão cravar-se.


V

Sentimos que o historiador se desviasse para este campo, mas visto que a
elle nos chamou, ha de acceitar-nos a replica leal, baseada em factos e
não em hypotheses.

Para provar que não é só nos paizes _cansados_ que se commettem crimes
que o sr. Augusto de Carvalho leva á conta de falta do trabalho e da
miseria; e para que se não diga que baseamos em factos isolados as
nossas considerações, vamos transcrever o seguinte importantissimo
artigo do _Diario do Rio de Janeiro_, publicado em julho de 1877:

«Parece que o desenvolvimento das nossas vias rapidas de communicação
tem sido fatal, debaixo d'um ponto de vista, para as principaes
povoações que o vapor vae collocando em convivencia quasi diaria com a
nossa cidade.

«A consequencia immediata do movimento produzido pela rapidez das
communicações que vão esclarecendo as novas linhas ferreas, naturalmente
ha de tornar mais intima a nossa convivencia com os habitantes das
localidades que se vão approximando da metropole, proporcionando-lhes
ensejo de coparticipar de todos os melhoramentos da civilisação, que até
aqui só se concentravam na capital.

«Infelizmente o caminho de ferro, embora movido por um dos grandes
motores do progresso, não exclue dos seus beneficios, as industrias
pouco civilisadoras, e na sua rapida carreira tudo transporta e a todos
favorece. Mas as cidades que vão ficando em rapida communicação com a
capital, teem de tornar-se um vasto campo de operações para o exercicio
das numerosas industrias, para as quaes, o theatro de uma só cidade
começava a ser pequeno e a impertinente vigilancia das auctoridades a
tornar-se incommoda.

«O que é para sentir é que sejam estes os primeiros elementos de
_civilisação_, que tratam de aproveitar-se dos beneficios das vias
ferreas, para irem levar o terror e o desassocego ás pacificas povoações
até agora livres da sua malefica influencia.

«Com effeito, as cidades da provincia de S. Paulo, e particularmente a
sua capital, já estão n'este momento a braços com um dos perniciosos
elementos para ali transmittidos pela via ferrea.

«Os jornaes d'aquella procedencia já veem cheios de narrações, pintando
as façanhas que ali teem praticado os membros da corporação dos
meliantes, que, como dissemos, para ali enviára, por occasião das
festas, uma respeitavel guarda de honra.

«Devemos acreditar que n'ella foram incorporados socios de todas as
profissões, desde o simples gatuno até ao mais ousado salteador e
assassino, porque as suas façanhas em S. Paulo não se teem limitado a
pequenas escamoteações; teem assaltado a propriedade e os viajantes e
até levado o seu arrojo ao ponto de arrombarem casas habitadas e
intentarem lucta com os moradores para os espoliarem.

«Para nós, que temos aqui sido testemunhas e victimas do arrojo d'estes
malvados, apesar de toda a vigilancia da policia e dos recursos de
defeza que a população de uma grande cidade póde oppôr, é facil de
julgar qual não será a perigosa situação em que se acham os habitantes
das localidades da provincia de S. Paulo, que elles teem procurado para
campo das suas criminosas operações.

«O que, porém, é de crer, é que o caso venha a assumir um aspecto sério,
se não forem tomadas as mais promptas e energicas providencias, a fim de
impedir que os bandidos procedam socegadamente na sua campanha
exploradora.

«Poderá bem acontecer que os habitantes se resolvam a fazer justiça por
suas mãos, como tem succedido nos Estados-Unidos, e em tal caso, embora
fosse isso talvez um castigo bem merecido para os criminosos, veriam
estabelecida no imperio uma pratica repulsiva, cujas consequencias
ninguem póde prevêr.

Convém, pois, applicar remedio para evitar estes meios extremos.»

Ainda sobre o mesmo assumpto diz o _Diario de S. Paulo_:

«Os industriosos avantajam-se no modo de tirar o alheio.

«Um individuo chegou-se á estação telegraphica da estrada de ferro
ingleza, na Luz, e passou para Santos o seguinte telegramma:

«De Antonio Pereira Arruda a Albino Medon.

«Mande-me ámanhã (7 do corrente) sem falta, cinco saccos de assucar crú
e duas barricas do refinado.

«Pague o frete, e remetta para a estação da Luz, que eu estou
esperando».

«O pobre negociante, amigo do sr. Arruda, satisfez completamente o
pedido e remetteu os generos, que foram entregues na estação ao tal
Arruda, que não podia ser o amigo e correspondente.

«Mais tarde, remettendo pelo correio ao seu amigo a nota dos generos e
seus preços, teve em resposta que não lhe passára telegramma algum e
nada lhe pedira, e que até residindo em Jundiahy não viera á capital, e
que tinha sido victima de algum ladrão, sabedor de suas relações.

«Ora eis ahi um meio facil de nos provermos do necessario.

«Acautele-se, pois, o commercio contra as artimanhas e recursos dos
finos larapios.

«O sr. Albino levou tudo ao conhecimento da policia, mas o homem que se
abasteceu de assucar _crú e refinado_, usa de capa preta, e será
difficil ser conhecido. Esta gente escapa sempre da acção da
auctoridade, _mesmo por ser grande o seu numero_».

Note-se que a companhia de ratoneiros, estabelecera para theatro de suas
façanhas a riquissima provincia de S. Paulo, onde o clima é mais
supportavel, e onde com mais facilidade os taes sugeitos poderiam
encontrar trabalho, se fosse o trabalho que elles procurassem.

E não se diga que a miseria no Brazil é já a consequencia das nossas
previsões--a decadencia do imperio. Não, porque em 1860, o nosso
embaixador, o sr. conde de Thomar, assim pintava _a terra promettida_:

«Apresentam-se diariamente á porta da legação de sua magestade um grande
numero de portuguezes infelizes, pedindo uns esmola, outros passagem
para Portugal e alguns mesmo para Angola. Pertence a maxima parte
d'estes infelizes a essa classe de illudidos com as fallazes promessas
de grandes fortunas, apenas chegados a este imperio.

«É sabido que os europeus em geral soffrem nos primeiros mezes depois do
seu desembarque n'estas paragens, e não soffre a cobiça dos esploradores
d'aquellas victimas, que estejam em curativo e descanso durante as suas
molestias, antes geralmente se exige, que elles prestem em qualquer
estado de saude os serviços a que se obrigaram.

«Resulta d'este facto, como é natural, o aggravamento das molestias e
confesso que por mais de uma vez se me tem coberto o coração de luto,
vendo o estado desgraçado de alguns dos meus compatriotas.

«Soccorro a alguns com a esmola, que comportam as minhas pequenas forças
financeiras, mas declaro a v. ex.ª, que este estado é demasiado violento
para um representante de sua magestade, porque ou ha de já por
humanidade, já pelo cargo que occupa, dar esmola a estes infelizes, e
terá por isso uma grande diminuição nos seus vencimentos, a qual não
comportam as despezas diarias a que é obrigado, ou ha de recusal-a, e
será infallivel resultado: primeiro, a maior desgraça e mesmo a fome
d'esses desgraçados subditos de sua magestade; segundo: o descredito e
desconsideração do seu representante.

«No meio de muitos desgostos, de soffrimentos e difficuldades, a que se
vê exposto o ministro de Portugal n'esta côrte, devo confessar a v.
ex.ª, que nada produz em mim uma sensação tão forte, como o espectaculo
que se representa diariamente e sem a menor interrupção á porta da
legação de sua magestade.

«São bem ardentes os desejos que me animam para valer a tantos
infelizes, mas é superior a difficuldade em que me acho de remediar tão
grande desgraça.

«Não me atrevo a propor meio nenhum ao governo de sua magestade, mas
reclamo uma providencia para fazer desapparecer dos olhos do publico
este estado lamentoso, principalmente em um paiz que por ter sido nossa
colonia, não deve presenciar tão grandes miserias e desgraças,» etc.

Mas não localisemos os crimes e miseria. Olhemos para outras provincias
brazileiras.

Um importantissimo jornal do imperio, o _Cearense_, trata em seu artigo
de fundo, de 19 de agosto de 1875, do assumpto importantissimo
_Segurança publica_.

As suas palavras e a estatistica dos crimes, que no mesmo logar nos
apresenta, horrorisam-nos.

Para que nos não acusem de exaggerados, vamos copiar alguns trechos do
alludido artigo da illustrada folha do Ceará.

Oxalá aproveite a lição aos nossos compatriotas, que veem no imperio um
manancial de riquezas e de felicidades futuras, e ao philosopho sr. A.
Carvalho para não assentar proposições temerarias e inconsequentes.

Falla o _Cearense_:

«Não é licito duvidar mais do estado de anarchia moral, que substituiu
ao regimen pacifico da legalidade por toda a estação do imperio, maxime
nas provincias do norte, destinguindo-se ainda d'estas a do Ceará.

«Contrista lançar-se os olhos sobre a estatistica criminal d'esta
provincia, e possuir-se a certeza de que os costumes, em vez de seguirem
o curso regular e bemfazejo da civilisação, vão-se encaminhando para o
passado sombrio e desolador dos tempos barbaros da colonia (?).

«Esse contraste entre o material, que progride, e a moral que recua, tem
dado que pensar aos que se interessam pela prosperidade e melhoramento
da patria com tal pertinacia, que ultimamente chegou a despertar a
attenção distraida e indolente do poder governativo.

«Na impotencia de prestar melhor e mais efficaz serviço á causa publica,
tem a opposição se limitado a apontar os males e seus motivos,
denunciando os criminosos á acção da justiça, e a negligencia policial á
acção da opinião do paiz.

«Isto, que seria tomado por outros governos como serviço e dedicação ao
interesse geral, tem valido apenas ao partido proscripto a pecha de
antipatriotico, porque denuncia o crime com suas côres vivas e os
despeitos e odios dos potentados da situação.

«Felizmente parece que a verdade, a evidencia dos factos, o poder dos
acontecimentos começam a pesar dolorosamente sobre a consciencia do
governo, obrigando-o a volver os olhos sobre o estado desolador de quasi
todas as provincias em materia de segurança publica e individual.» etc.

Depois de mais algumas reflexões.

«E para avaliar-se o incremento, que tem tido n'esses ultimos tempos a
estatistica criminal no Ceará, transcrevemos para estas columnas uma
pagina de sangue de nossos annaes.

«Desde o dia 13 de dezembro de 1874 até hoje... a imprensa registrou os
seguintes attentados perpetrados na provincia:

Assassinatos             77
Tentativas               23
Infantecidios             3
Ferimentos              148
Offensas physicas        26
Aborto                    1
Estupro                   1
Polygamia                 1
Furtos                   18
Fugas de presos          19
                        ---
                        317

«Por esse quadro vê-se que durante 252 dias commetteram-se 317 crimes, o
que dá mais de um attentado para cada dia!» etc.

Effectivamente, é assombroso. Mas antes de proseguirmos no assumpto,
cumpre dizer duas palavras ao illustrado articulista, em resposta á sua
proposição:--_de que os costumes vão-se encaminhando para o passado
sombrio e desolador dos tempos barbaros da colonia_. Acreditamos
sinceramente que este trecho do seu artigo não leva em mira offender o
regimen adiministrativo do governo portuguez, quando o Brazil era nossa
colonia, regimen mau, de que nem todos os povos estavam isentos
n'aquella época; mas que, ainda assim, já mais dará logar a ser julgado
com justiça, como acabam de ser julgados os actos do governo brazileiro,
por um jornal liberal, n'uma época tão adiantada do seculo XIX. Não será
facil ao distincto jornalista apresentar-nos uma estatistica tão
monstruosa de crimes praticados no Ceará, ou em outra qualquer cidade do
imperio no longo periodo de 325 annos, que alli dominaram os
portuguezes. A Cesar o que é de Cesar.

A referida folha diz ainda o seguinte:

«Não reputamos sómente um triumpho para a imprensa liberal as ultimas
circulares do ministro da justiça sobre este assumpto; pensamos que ha
ahí alguma coisa mais que o desejo de dar uma satisfação ás reclamações
dos proscriptos, por que ha a tardia consciencia d'esses cataclismos
moraes, que assolam a sociedade brazileira tão desapiedada e
cruelmente.»

Julgamos do nosso dever transcrever na integra uma das circulares a que
se refere o articulista, porque esse documento comprova a verdade das
suas allegações a respeito da criminalidade no Brazil, e corrobora as
nossas affirmações contra a sua civilisação.

«O augmento dos crimes, diz o ministro da justiça, especialmente contra
a segurança individual, vae assumindo proporções elevadas. É urgente
providenciar sobre este estado de coisas, cujo melhoramento depende em
grande parte da nomeação das auctoridades policiaes, promotores publicos
e supplentes dos juizes municipaes. Para taes cargos convém que v. ex.ª
escolha as pessoas mais capazes, por seu merecimento e prestigio de
captarem a confiança publica e manterem o respeito á lei. Na prevenção e
repressão dos crimes deve haver a maior diligencia, dando v. ex.ª ás
auctoridades a força necessaria, e não tolerando qualquer abuso ou
excesso que commetterem.»

Este documento encontrámol-o no _Jornal do Pará_, do dia 6 de agosto de
1875, a proposito do qual faz as seguintes considerações uma folha
d'esta provincia:[32]

«Em nenhuma provincia do imperio talvez se tenha esquecido tanto que a
escolha das auctoridades policiaes deve recair nas pessoas mais capazes
por seu merecimento e prestigio, do que na do Pará.

«Todos os dias nos vemos obrigados a registrar a nomeação de individuos
analphabetos, turbulentos, mal intencionados e até réus de policia para
os cargos policiaes.

«Aqui mesmo na capital tem-se lançado mão de homens estupidos, de
jogadores, de verdadeiros valdevinos para occupar os logares da policia,
como se assim quizessem escarnecer dos bons costumes e da moralidade
publica.

«Pelo interior isso então é um Deus nos acuda.

«Logares ha, onde occupam as subdelegacias os individuos mais ruins e
despreziveis.

«Não ha muito tempo um supplente de subdelegado acompanhou por muitas
noites a um assassino na embuscada que fazia á sua victima, que mais
tarde caiu traspassada por uma bala!

«Os assassinos dos dois infelizes negociantes das ilhas de Breves,
(Jurupary) tiveram por cumplice um subdelegado de policia!

«Ahi está a imprensa todos os dias a clamar contra os desaforos do
primeiro supplente da sub-delegacia de Mapuá, que entretanto acha-se no
exercicio do cargo a vexar e perseguir aos seus infelizes
condistrictanos!

«Oxalá que a recommendação do sr. ministro da justiça não fique sómente
na sua publicação e que possa ser util a esta desditosa provincia.»

No meio de todas estas coisas, o que é um facto inegavel é que as
auctoridades superiores vêem-se em difficuldades para substituir os maus
agentes.

Contra a auctoridade de Mapuá, de que nos falla aquelle jornalista,
appareceu o seguinte protesto na imprensa do Pará:

«Nunca os mapuenses se persuadiram que o ill.mo sr. capitão Diocleciano
Antero Pinheiro Lobato, muito digno subdelegado d'este districto,
passasse a administração da subdelegacia ás mãos do 1.º supplente da
mesma, Antonio Joaquim de Barros e Silva.

«Bem sabemos que o motivo d'isso foi o mau estado de saude do sr.
capitão Diocleciano; porém nós, nacionaes e estrangeiros, residentes
n'este districto, que já soffremos as arbitrariedades do sr. Barros, na
occasião em que esteve de posse da administração; sentimos bastante o
sr. capitão Diocleciano entregar a administração ao sr. Barros, sabendo
s. s. que este sr. é um dos adeptos da _Tribuna_, que ufana-se em
espalhar ao povo ignorante as infames e degradantes doutrinas d'esse
nojento pasquim.

«Quantas vezes pedimos (e algumas d'ellas pelo amor de Deus) ao sr.
Diocleciano que não passasse a administração d'esta subdelegacia ao sr.
Barros e Silva citando a s. s. os actos que o sr. Barros e Silva
praticou, quando esteve exercendo o cargo da subdelegacia o anno
passado, já afugentando os habitantes, outras vezes ameaçando-os com
prisões.

«Este sr. Barros e Silva tem por costume insinuar aos devedores da maior
parte dos commerciantes d'este districto para que não paguem, e com
especialidade quando os credores são portuguezes, por que este sr. jurou
d'esde 1835 odio aos «gallegos» phrase do sr. Barros, quando quer dizer
portuguez.

«Á vista d'isto, sr. capitão Diocleciano, pedimos-lhes que, logo que o
seu estado de saude permitta, assuma a administração de subdelegacia, a
fim de evitar que o seu 1.º supplente ponha em execução os seus actos de
verdadeiro despotismo, como é de costume».

Esta queixa foi em parte attendida pelo governo da provincia. Eis como
se expressa o _Liberal do Pará_ de 8 de agosto:

«Vimos no expediente do governo de 24 do passado um officio do sr.
Benevides ao chefe de policia, exigindo informação sobre as accusações
feitas em artigo d'este jornal contra o primeiro supplente da
subdelegacia de Mapuá, actualmente em exercicio, Antonio Joaquim de
Barros e Silva.

«Como era de suppôr, o castigo d'essa auctoridade ficou no tal officio;
pois consta-nos que, achando-se Barros na capital n'essa occasião,
_desfez tudo_, continuando por tanto a gozar de inteira confiança da
administração.

«Veio-nos á idéa esta occorrencia ao recebermos uma carta d'aquelle
districto, em que se nos diz o seguinte do dito 1.º supplente:

«O nosso heroe, para destruir as accusações que pesam sobre si, apenas
chegou, anda de porto em porto, revestido do caracter de auctoridade,
exigindo dos moradores attestados para provar que é um santo homem, e
que morre d'amores pelos portuguezes.

«Aos que repugnam attestar o que elle dita, responde: Conte commigo!

«Em 30 de dezembro publicou o _Liberal_ um artigo d'aqui, acompanhado de
attestados de brazileiros e portuguezes do districto, provando que essa
auctoridade tem ameaçado aos subditos de Portugal, e esses attestados
jámais foram contestados.

«Em julho do passado foi o honrado commerciante portuguez José G. de
Lemos victima das ameaças do mesmo sr., de que foram testemunhas os srs.
capitão Diocleciano Lobato e João A. Lobato e outros brazileiros; assim
como os portuguezes José Antonio Lopes e Theotonio Antão da Cruz.

«Os brazileiros que contestarem que Barros é _tribuno_, fal o-hão com
medo de sua vingança.

«Tambem não duvidamos que encontre elle portuguezes que lhe passem
attestados n'esse sentido, porque esses devem ter ainda mais a temer do
seu odio do que os nacionaes!»

Os portuguezes residentes no interior, com medo do odio das auctoridades
brazileiras, passam attestados beneficos n'um dia a favor d'aquelles de
quem receberam maus tratos em outro. A triste verdade é esta.

O que é inegavel é que as auctoridades superiores do Brazil, ou se
voltem para a direita ou para a esquerda, só encontrarão maus agentes de
policia; ou, o que é peior, agentes que precisam ser policiados, segundo
a phrase do _Liberal do Pará_.

E a quem devemos nós attribuir tão grande mal?

O _Cearence_ responde assim:

«Os habitos e costumes d'um povo, suas virtudes e vicios, são feituras
de suas instituições politicas ou civis, d'um governo liberal ou
despotico.»

Concordamos: porém se o mal que assola a sociedade brazileira, é
derivado do dominio despotico do tempo, em que era colonia Portugal,
parece que 50 annos d'uma administração de casa deveria ter salvo o
imperio do abysmo, para onde o vemos precipitar-se.

Nós, como acontecia ao povo brazileiro, tambem arcámos com o jugo de
ferro do despotismo. Comtudo, atirámos com esse jugo para bem longe; e
podemos dizer, sem jactancia, que Portugal é na actualidade um dos povos
que goza de mais liberdade.

     [32]_Liberal do Pará._


VI

Mas estas considerações feitas ao _Cearence_, a proposito dos crimes
commettidos no Brazil, affastaram-nos um pouco de respondermos mais de
perto ás affirmativas do auctor do livro o _Brazil_. Reatemos, pois, o
fio da resposta; mas para isso assignalemos aquella phrase do ministro
da justiça do imperio:

«O augmento dos crimes, especialmente contra a segurança individual, vae
assumindo proporções elevadas.» etc.

Ora, queremos nós dizer, que, se deve attribuir-se á miseria e falta de
trabalho os crimes commettidos em Portugal, no Brazil, onde não parece
haver miseria e aonde não parece faltar trabalho, os crimes que viemos
de descrevêr, devem ser levados á conta da má indole do povo.

Mais claro:

Os crimes commettidos em Jurupary, na riquissima provincia do Pará, em
que portuguezes foram victimas, e assassinos e ladrões alguns subditos
brazileiros, não podem ser levados á conta da miseria do povo
brazileiro; porque o Brazil é apresentado aos portuguezes necessitados
como o seu salvaterio contra os crimes de furto e roubo!

A que devemos então attribuir aquelles crimes?

Antonio Ferreira Gomes, brazileiro, accusado de roubar 150 contos de
réis, a seus patrões, em casa de quem occupava um dos primeiros logares,
fôra incitado pela miseria a commetter tão grande crime?

E fallamos de proposito n'este facto, para dizermos mais, que aquelle
réu fôra absolvido pelos tribunaes do Rio de Janeiro, emquanto que um
portuguez de menor edade, accusado de roubar 10$000 talvez que para
matar a fome, fôra condemnado um dia antes, pelo mesmo tribunal, a dois
annos de prisão com trabalhos![33]

No Brazil praticam-se d'estas e não inferiores façanhas; os tribunaes em
Portugal condemnam os Antonios Gomes, quando _piscam os olhos_ ás
authoridades!

Eis aqui está um phenomeno que a alta capacidade do auctor do _Estudo_
não poderá explicar facilmente.

Outro phenomeno, não menos digno da attenção do illustre historiador,
será aquelle, d'um brazileiro remediado e um portuguez adolescente,
necessitado, commetter o mesmo crime--roubo--_na terra da promissão_!

Que faria esta gente, se estivesse em Portugal?

Quem sabe?... talvez fossem dois homens de bem!...

A Inglaterra um dos paizes mais ricos, e que tem sempre á testa da
administração do estado os politicos mais eminentes, conserva,
premanentemente, nas ruas de Londres uma grande parte da sua população
miserabilissima.

Ora se a pobresa é o principal incentivo do crime, que seria dos
habitantes abastados da grande cidade? O numero de portuguezes
soccorridos, só no Rio de Janeiro, no periodo de 10 annos, desde de 1862
a 1871, foi de 47:116! Ora, se se podesse estabelecer o tal principio,
estes 47:116 necessitados deviam pôr em serios embaraços a população do
Rio!

O auctor do livro o _Brazil_, além de outros argumentos obtusos,
apresenta-nos, para os fazer vingar, a seguinte conclusão:

«Quem está bem no seu paiz não emigra; esta é que é a verdade das
verdades: ninguem o contestará.»

Se a _emigração_, tomada n'um sentido muito restricto, se estabelece
pela mudança dos animaes d'um logar que _julgam mau_, para outro que
_suppozeram bom_, qual o motivo porque aquelles 47:116 portuguezes
necessitados, não regressaram á patria, aonde já sabem que nunca poderão
passar peior que no Brazil?

É porque estavam n'uma posição muito mais miseravel do que quando
emigraram: não têem os meios para repatriar-se, além de alguns
acharem-se completamente impossibilitados.

O facto de emigrarem muitos portuguezes para o Brazil, não é razão
sufficiente para que digamos, que a emigração para esta região é
conveniente para elles; nem tampouco prova que a necessidade
impreterivel os obriga a dar tão errado passo.

É isso que temos sustentado e sustentaremos, em quanto tivermos do nosso
lado a razão.

É provavel que n'um futuro, que não póde vir muito proximo, modifiquemos
as nossas idéas; porque, emfim, _le monde marche_, e nós mui crentes no
grande principio do philosopho, acreditamos que o Brazil se
transformará, assim como acreditamos na transformação de outros povos
semi-barbaros.

Já o dissemos e nunca nos cansaremos de repetir:--emquanto o Brazil não
reformar completamente as suas leis, por fórma que os povos emigrantes
não vão esbarrar no imperio com o temeroso dilemma da controversia
politica e religiosa, que tem n'estes ultimos tempos tomado demasiadas
proporções no Brazil, a emigração europêa será uma ficção.

Porque é preciso assentar bem n'esta verdade:--o povo portuguez não é
aquelle, que, por si só, póde supprir o Brazil de braços laboriosos para
a cultivação das suas terras immensas. Nunca o pôde fazer, quando esta
parte da America pertenceu a Portugal.

É preciso lançar as vistas para outros povos europeus, cuja tendencia
para a emigração não seja inferior á nossa.

Ha difficuldade em alliciar hespanhoes ou italianos, porque estes
preferem as republicas hespanholas, assim como nós preferimos o Brazil.
Os francezes e os inglezes, povos essencialmente industriaes, teem as
suas colonias ou os Estados-Unidos para receber a população que lhes
sobeja. A Allemanha, esse grande paiz que n'estes ultimos annos tem
fornecido á America do norte o seu maior nucleo de emigração, não
poderia ser tentada pelos escriptos do sr. Augusto de Carvalho e outros?

Não podia. E dizemos, não podia, não porque falte ao distincto
historiador, applicando-se um pouco mais ao estudo, a intelligencia para
poder vir a ser um optimo _engajador_; mas porque os allemães estudam o
assumpto da emigração com toda a proficiencia e não precisam lá de quem
lhes indique o paiz que devem preferir. No mesmo caso está a Inglaterra.

Outra razão: Se os emigrados portuguezes, residentes no imperio, se
sujeitam ao regimen brazileiro, em cujo paiz encontram as demasias do
odio de raça e não poucas vezes a excessiva intolerancia religiosa; os
allemães, além de não concordarem com as leis civis do imperio, descrêem
completamente das leis que estabelecem a tolerancia religiosa, que ha de
ser sempre uma ficção, emquanto a governação do Brazil estiver nas mãos
do seu clero reaccionario; leis que esse clero poderia reformar, se não
fôra o receio de descontentar os estrangeiros, na maioria conservadores,
que, unidos aos brazileiros descontentes, e de idéas mais avançadas,
fariam grande resistencia a uma refórma tão retrógrada.

     [33] Veja-se _Questões do Pará_.


VII

«Os portuguezes que de futuro emigrarem para o Brazil, com o fim de se
dedicarem ao commercio, perderão infallivelmente o seu tempo; porque
sendo a lavoura o seu unico sustentaculo, esta, como já demonstrei no
capitulo precedente, ha de definhar-se á proporção que lhe forem
faltando os braços escravos.»

Escrevemos estas palavras em um livro que ahi corre impresso;[34] e se
as repetimos n'este logar, é para reforçal-as mais, respondendo ao mesmo
tempo ás seguintes phrases de contentamento do auctor do _Brazil_:

«Nem só á commissão (de emigração) devemos esta prova de lealdade e
franqueza. Felizmente ainda ha n'esta terra de gloriosas tradições
caracteres honrados e amigos da verdade.»

Agora é preciso saber a razão d'este enthusiasmo e... d'este enigma,
porque aquelle trecho respondia a este da commissão de emigração:

«Não é de menor interesse para o commercio do reino (a emigração livre),
ao qual, de preferencia, pedem todos os artigos a que estão habituados;
e, desde os vinhos até ás cebolas nacionaes, a circumstancia de estar o
Brazil povoado pelos portuguezes abre-nos extensissimo mercado,
offerecendo igualmente Portugal numerosos consumidores aos productos
brazileiros. Se ainda quizermos olhar com attenção para a agricultura
nacional, encontraremos que os emigrantes repatriados teem dado em todo
o reino, principalmente na provincia do Minho, auxilio importante, pelos
capitaes que teem importado, á industria agricola. Se lançamos a vista
sobre as cidades, villas e aldeias, alli encontraremos palacios
sumptuosos, casas elegantes, casaes commodos, tudo edificado com o
dinheiro que os emigrados de hontem trouxeram da emigração.»

Todas estas conveniencias apontadas pela commissão e que tanto
alvoraçaram o auctor do livro o _Brazil_, são trazidas a Portugal por
alguns de seus filhos, que, a tudo se dedicavam, menos aos trabalhos
rudes do campo.

Os generos alimenticios, que em grande escalla exportamos para o Brazil,
toda a gente sabe que é para gasto de gente abastada. O portuguez
trabalhador, dando-se-lhe ainda que ganhasse 2$000 réis fracos por cada
dia, já mais poderia alimentar-se d'aquelles generos excessivamente
caros alli; alem de que, como diz o sr. Carvalho, o colono é
_ambicioso_, e quem padece de tal molestia despreza as despezas
superfluas.

Está provado, que o consumo dos taes generos, quer haja a emigração de
trabalhadores, quer não, ha de existir em quanto o Brazil puder
sustentar a sua prosperidade.

E d'ahi não os esportamos nós tambem para os outros paizes da Europa?
Pertender-se-ha affirmar que os emigrados portuguezes são só os seus
consumidores?

Vamos agora emittir a nossa humilde opinião a respeito de outras
conveniencias.

É certo que a affluencia de capitaes a este paiz, procedentes do Brazil,
tem sido assombrosa n'estes ultimos tempos; pena é que elle em geral se
empregue na agiotagem e desprese a agricultura e a industria, razão
porque acreditamos muito pouco na prosperidade que para ahi dizem nos
veio trazer o dinheiro vindo do Brazil.

Mas se o portuguez é _ambicioso_, mal de que soffrem quasi todos os
capitalistas de _todas_ as nações do mundo, excluindo talvez os
brazileiros, razão por que as fortunas portuguezas são relativamente
muito superiores no proprio imperio, por que é que affluem actualmente
os capitaes a este paiz?


A resposta é simples e muito logica:--é por que esses capitaes já não
encontram no Brazil tão facil e lucrativo emprego.

«D'aqui a 10 ou 15 annos, quando estiver extincta a escravatura no
Brazil, sem que o governo tenha remediado este grande mal; e os
lavradores, faltos de recursos materiaes, liquidarem as suas fortunas, e
procurarem, como é natural, melhor emprego para o seu capital, chegará
então o grande imperio americano ao ultimo gráu da sua decadencia;
porque uma vez livre o elemento escravo, que no Brazil é e ha de ser
sempre a alma da lavoura, ninguem mais poderá fazer trabalhar o preto
que, (em geral), com o salario de um dia, se julga habilitado para comer
15 ou 20.»

Estas palavras que em outro logar deixamos escriptas,[35] e que
procuraremos auctorisar com a opinião de entendedores mais respeitaveis,
provam até á evidencia que o commercio do Brazil vive da lavoura, e que
decahindo esta, não mais poderá aquella aspirar á gloria alcançada por
muitos portuguezes em épocas passadas. A prova da nossa asserção está em
que os capitalistas residentes no Brazil, tratam n'este momento de
procurar melhor emprego a seus capitaes.

Mas julga o auctor do _Brazil_ que o melhor meio de tentar os nossos
compatriotas, é mostrar-lhe o resultado adquirido por outros portuguezes
que foram mais felizes, por terem encontrado tempos melhores, e alem de
tudo isto, porque se dedicavam a outros misteres, como nunca nos
cançaremos de repetir?...

Ás seguintes reflexões da commissão de emigração:

«Temos por tanto 3 de cada 10 emigrantes perdidos no total da emigração.
Em vinte annos 75 por cento d'este formoso capital terá desapparecido.
Reduzindo a metal o que este trabalho representa, e dando 120$000 réis
ao trabalho produzido por cada emigrado annualmente, 34:000 emigrados
representando 4:080$000 réis cada um, em 20 annos fazem 81:600$000 réis.
É egual a esta somma de trabalho perdido a somma de capital entrado
pelos que voltam ricos? A commissão não póde investigar tão fundo».

A isto, como diziamos, responde o illustre historiador, com uma
simplicidade incrivel:

«Nem era preciso, entendemos nós.»

E depois transcreve da _Correspondencia de Portugal_ um artigo que, se
por um lado elogia o Brazil, por outro mostra até certo ponto a sua
decadencia.

«Do abençoado Brazil, diz o jornal citado, tem-nos vindo ultimamente
cabedal e alguns homens activos e emprehendedores» etc.

Para que desamparam o Brazil, este cabedal e os homens activos e
emprehendedores?!

Não é alli a fonte da riqueza, aonde a actividade humana póde mais
facilmente encontrar o premio do seu trabalho?!

     [34] Veja-se _Questões do Pará_.

     [35] Veja-se _Questões do Pará_.



CAPITULO V

Os relatorios dos consules e a emigração. Um pedido á imprensa. A
colonisação no Brazil e a lei do trabalho de 11 de outubro de 1837.
Contractos de locação de serviço. Sevicias dos fazendeiros contra os
escravos brancos. Ainda a febre amarella e a imprensa. Roceiros,
engajadores e armadores de navios. A lei portugueza de 20 de julho de
1855 e a emigração clandestina. A diplomacia envolvida no assumpto. O
regulamento brazileiro de 1 de maio de 1858. Intrigas diplomatas.
Serviços do conde de Thomar, nosso embaixador na côrte do Rio de
Janeiro. O sr. José de Vasconcellos e as evasivas do governo brazileiro,
a respeito da convenção sobre a emigração e propriedade litteraria.


I

Não nos sobeja espaço para fazermos uma analyse detida ao livro o
_Brazil_, nem o encargo que nos impozemos mira a esse fim. Descrever os
horrores da emigração, em linguagem que o povo entenda e ao qual
especialmente destinamos este trabalho, eis o nosso principal intuito.
Assim, pois, continuemos a examinar o que ha de mais proveitoso nos
relatorios dos consules, reservando-nos para em capitulo especial
fazermos algumas considerações a respeito dos tumultos do Pará, em 1874,
a cujo assumpto igualmente se refere o auctor do livro em questão.

Phrases ha que se deviam repetir todos os dias e a todas as horas; e por
isso mesmo desejariamos que os nossos homens de estado déssem a maior
publicidade possivel aos documentos que, a respeito da emigração
portugueza para o Brazil, todos os dias nos offerecem os consules alli
residentes. Difficil será achar quem melhor possa informar sobre a
verdadeira situação dos colonos no Brazil, quem livre de qualquer
pressão, e perfeitamente independente, melhor possa sondar os horrores
da emigração, effeito dos contractos ruinosos que os nossos compatriotas
fazem com os engajadores, os maus tratos que os trabalhadores
portuguezes quotidianamente recebem dos _senhores de engenho_, a
ficticia protecção das auctoridades brazileiras, quando, para dominar
abusos, os infelizes a ellas recorrem.

Nos referidos relatorios trazidos a publico para auxiliar a commissão
d'inquerito parlamentar, nomeada com o fim de pôr termo ao mal da
emigração, apontam os consules o efficaz auxilio, que póde offerecer a
imprensa, publicando os documentos que elles mandam para o governo.

«É de urgente necessidade, diz o consul no Maranhão, instruir aos
incautos, victimas da seducção, por meio da imprensa, pela tribuna, e
impôr tambem este dever ás auctoridades, as quaes deverão esclarecer
profundamente ao emigrante, as difficuldades que lhe offerece a lavoura,
a incompatibilidade que existe entre o trabalho livre e servil, e de que
inteiramente é impossivel dar-se uma fusão. Ao mesmo tempo
scientifical-os, de que se os proprios nacionaes encontram todas as
difficuldades na lavoura, e não podem alimentar-se por ella, por certo
se tornarão mais embaraçosas para com os estrangeiros, por não se
poderem estabelecer nem encontrarem recursos á sua disposição.
Fazer-lhes ver que não existem regulamentos de trabalho, e d'este modo
são forçados a trabalhar todo o dia debaixo do mais ardente sol.»[36]

Não disse a verdade o consul do Maranhão quando affirmou que não
existiam regulamentos de trabalho. Ha regulamentos; e se não veja o que
diz a tal respeito o seu illustrado collega do Rio de Janeiro:

«Queria dar aqui a integra d'essa lei (de 11 de outubro de 1837), mas
isso tornaria este trabalho mui extenso e fastidioso, além de que é
facil encontral-a nas collecções; mas como estas collecções não chegam
ás mãos do povo, parece-me que seria muito conveniente que o governo de
sua magestade as mandasse publicar em todos os jornaes e mesmo em
avulsos, que fossem affixados em todos os locaes onde costumam ser os
annuncios da partida dos navios; parece-me ainda que ao mesmo governo
assiste o incontestavel direito de prohibir emquanto no Brazil existir
tal lei, a celebração de todo e qualquer contracto de locação de
serviços, que aqui tenham de ser prestados, e fazer constar por todos os
meios que os individuos que taes contractos assignarem, como locadores,
não terão direito á protecção do governo nem dos seus representantes,
mesmo porque estes quasi que absolutamente lh'a não pódem dar.»[37]

Examinemos essa barbaridade, que nem a diplomacia portugueza, nem alguns
legisladores mais notaveis do Brazil tem podido derrogar, para beneficio
dos colonos e da propria agricultura; mas para isso convem transcrever
alguns trechos mais importantes.

Diz a tal lei:

«O locatario de serviços que, sem justa causa, despedir o locador antes
de findar o tempo porque o tomou, pagar-lhe-ha todas as soldadas, que
devêra ganhar, se o não despedira. _Será justa causa_ para a despedida
(note-se bem isto):

«1.º--Doença do locador, por fórma que fique impossibilitado de
continuar a prestar os serviços para que foi ajustado;

«2.º--Condemnação do locador á pena de prisão, ou qualquer outra que o
impeça de prestar serviço;

«3.º--Embriaguez habitual do mesmo;

«4.º--Injuria feita pelo locador á dignidade, honra ou fazenda do
locatario, sua mulher, filhos ou pessoa de sua familia;

«5.º--Se o locador, tendo-se ajustado para o serviço determinado, se
mostrar imperito no desempenho do mesmo serviço.

«Nos casos do n.º 1.º e 2.º do artigo antecedente, o locador despedido,
logo que cesse de prestar o serviço, _será obrigado a indemnisar o
locatario da quantia que lhe dever_. Em todos os outros pagar-lhe-ha
tudo quanto dever, e se não pagar logo, será immediatamente preso e
condemnado a trabalhar nas obras publicas por todo o tempo que fôr
necessario, até satisfazer com o producto liquido de seus jornaes tudo
quanto dever ao locatario, comprehendidas as custas a que tiver dado
causa. Não havendo obras publicas, em que possa ser admittido a
trabalhar por jornal, será condemnado a prisão com trabalho, por todo o
tempo que faltar para completar o do seu contracto: não podendo todavia
a condemnação exceder a dois annos.»

Perguntamos nós, porque razão deverá ser condemnado o colono, _não
havendo obras publicas_, á prisão com trabalho?

Quem tem a culpa de não haver obras publicas no Brazil? Os seus homens
de estado; mas nunca os colonos.

Poderá o colono, dado ao uso das bebidas alcoolicas satisfazer por meio
do trabalho nas obras publicas, os seus encargos? E caso não possa, _por
causa da sua habitual embriaguez_, não será demasiada a pena de dois
annos de prisão com trabalho?

E que justiça é essa, que iguala a falta de pericia do colono, na
execução de qualquer trabalho, com a falta de honra e dignidade, para as
quaes estabelece as mesmas penalidades?

E se o locatario fôr accusado de injuria feita á dignidade e honra do
locador, sua mulher, filhos ou pessoa de sua familia, por que este póde
estar nos mesmos casos d'aquelle, e não é dado aos legisladores
brazileiros acentar, que o homem rico é mais susceptivel de córar na
frente do seu injuriador do que o homem pobre, qual o castigo a que o
sujeita?

O colono doente, a que se refere o n.º 1.º, e o colono condemnado á pena
de prisão, por qualquer falta commettida, de que falla o n.º 2.º, são
equiparados no castigo, e por isso obrigados a indemnisar o locatario da
quantia em divida!

Á parte a desigualdade da pena, por que não pode equiparar-se o
_delicto_ de um colono cahir doente, com a falta que levára outro colono
a ser julgado e condemnado a prisão, perguntamos nós, como poderá
qualquer d'elles exonerar-se dos seus encargos, quando lhes faltem
absolutamente os meios?

O escravo era muito mais feliz. Pelo menos tinha a comida certa, quando
impossibilitado de trabalhar. O senhor era o primeiro interessado na
liberdade do escravo, quando este era preso por ter commettido algum
delicto.


«O locador, continua a celeberrima lei, que, sem justa causa, se
despedir, ou ausentar antes de completar o tempo do contracto, _será
preso_ onde quer que fôr achado e não será solto _emquanto não pagar em
dobro_ (sic) _tudo quanto dever ao locatario_, com abatimento das
soldadas vencidas: se não tiver com que pagar, _servirá ao locatario de
graça todo o tempo que faltar para o complemento do contracto_. Se
tornar a ausentar-se _será preso e condemnado_ na conformidade do artigo
antecedente (prisão com trabalho por dois annos)»!

Admire-se a logica d'este bocadinho de ouro:

«O locatario, findo o tempo do contracto, ou antes rescindindo-se este
por justa causa, é obrigado a dar ao locador um attestado de que está
quite do seu serviço; se recusar passal-o, será compellido a fazel-o
pelo juiz de paz do districto. A falta d'este titulo será razão
sufficiente para _presumir-se_ de que o locador se ausentou
indevidamente.» (!!!)

Toda a gente sabe qual é a influencia de que dispõe para com as
auctoridades, os roceiros do Brazil. Veja-se pois, como será difficil a
um pobre colono obter tão precioso documento das mãos do locatario
quando este, por qualquer circumstancia, lh'o não queira dar. Imagine-se
por exemplo, que ao locador não convem mais servir o locatario, e que a
este, pelo contrario, convem que aquelle lhe preste serviço. Como poderá
o colono, sem incorrer na pena de prisão com trabalhos, livrar-se do seu
perseguidor?

Ainda mais:

«Toda a pessoa que admittir, ou consentir em sua casa, fazendas ou
estabelecimentos, algum estrangeiro, obrigado a outrem por contracto de
locação de serviços, pagará ao locatario o dobro do que o locador lhe
dever, _e não será admittido a allegar qualquer defeza em juizo_ (sic),
sem depositar a quantia a que fica obrigado, _competindo-lhe o direito
de havel-a do locador_.»

O locador é quem paga tudo.

Ha só uma unica excepção á regra: o que alliciar o colono obrigado a
outrem por contracto de locação de serviços, pagará ao locatario o dobro
das dividas do colono, bem como as despezas e custas a que tiver dado
causa. Caso não tenha dinheiro para pagar, ha de trabalhar nas obras
publicas, se as houver, já se sabe, e se não a cadeia espera o
delinquente! Verdade seja que a pena de prisão é mais favoravel para o
alliciador, a qual póde ser de dois mezes a um anno. Pois se elle não é
colono!

Eis os nomes dos illustres estadistas que subscreveram tão grande
monstruosidade:--Pedro de Araujo Lima e Bernardo Pereira de
Vasconcellos.[38]

Que a historia lhes reserve logar condigno em suas folhas
indestrutiveis, não só para pagar-lhes o premio merecido, mas para
desiludir uns certos optimistas, que costumam ver o argueiro nos olhos
de estranhos, em quanto que nos proprios conservam enormes traves.

Mas note-se que esta lei ainda não foi derrogada.

Eis aqui está como o governo imperial _revela cuidado em reunir sob o
ceu explendido do cruzeiro os individuos de todas as nacionalidades_!

     [36] Relatorio de 7 de dezembro de 1874.

     [37] Relatorio de 4 de janeiro de 1875.

     [38] Veja-se a nota n.º 4.


II

Mas não fica ainda aqui a tão apregoada protecção.

O consul no Rio de Janeiro assim descreve os effeitos praticos da tal
monstruosidade:

«Debalde a lei de 20 julho de 1855 e varios regulamentos posteriores
tomaram providencias sobre taes abusos; por que todas essas prescripções
são letra morta no imperio.

«Os magistrados não conhecem essas providencias legislativas, nem mesmo
tomam d'ellas conhecimento, sendo-lhes apontadas.

«Estes contractos são aqui regulados pela lei do imperio de 11 de
outubro de 1837, que os seus collaboradores não quizeram para regular a
locação de serviços de seus compatriotas, e só a destinaram a regular a
locação de serviços dos estrangeiros.(!)

«Em 1867, continúa o consul, percorri algumas cidades e villas da
provincia de S. Paulo, onde são frequentes taes contractos.

«Visitei varios cartorios de escrivães dos juizes de paz, que são os
competentes para taes processos, examinei muitos d'elles, e em nenhum
encontrei sentenças a favor do locador.(!!!)

«Recentemente ainda se deu um facto aqui na provincia do Rio de Janeiro.
Joaquim de Sequeira Pinto veiu com sua mulher, do Porto, justo para
trabalhar na fabrica de Santo Aleixo, situada em Magé, pouco distante
d'esta côrte.

«O seu contracto era o seguinte:

«Digo eu abaixo assignado que me acho justo e contractado com os srs.
Bernardo José Machado & C.ª a ir de passagem junto com minha mulher,
Josepha de Jesus no vapor _Julio Diniz_, para trabalhar na fabrica de
fiação, em S. Aleixo, imperio do Brazil, da qual são administradores os
srs. Guerreiro Simas & C.ª, a quem vamos dirigidos, e a estes nos
obrigamos com os nossos serviços na mesma fabrica a pagar a quantia de
cento e trinta e oito mil e nove centos réis, que nos foram abonados
para as nossas passagens _e mais arranjos_, a cujo cumprimento nos
obrigamos por nossas pessoas e bens--Porto 22 de outubro de
1873.--Joaquim Sequeira Pinto, por minha mulher Josepha de Jesus. Como
testemunhas, Francisco Gomes Paes, Gaspar José Corrêa do Nascimento.»

«Veio pois Sequeira, e chegado aqui com sua mulher foram para a tal
fabrica que estava em construcção. Como não tinha ainda que fazer pelo
seu officio empregaram-no em servente de pedreiro e a mulher a cosinhar.
Como não quizessem sujeitar-se a estes serviços pediram licença ao
administrador da fabrica para vir para a côrte trabalhar pelo seu
officio, a vêr se arranjavam dinheiro para pagar o que deviam. Foi-lhe
concedida licença e vieram. A mulher adoeceu, obrigando o marido a
despezas consideraveis.

«Passaram-se dois ou tres mezes, portanto, sem que podessem ter
arranjado dinheiro para pagar a divida. Começava o marido a trabalhar
pelo officio, quando foi preso com a mulher, em virtude d'uma precatoria
vinda do juiz de paz de Magé, e lá seguiram os dois infelizes com um
filhinho, de cadeia em cadeia até á de Magé, para alli serem processados
por quebra de contracto de locação de serviços.

«Sabendo isto por um primo d'elles, tratei de vêr se melhorava a sorte
d'estes infelizes, e fui procurar um advogado para fazer uma petição de
recurso de _habeas corpus_. Fêl-a com effeito, ponderando a illegalidade
da prisão, visto que sendo todo o procedimento, segundo aquella lei,
baseado n'um contracto escripto, o documento apresentado não era
realmente um contracto, por lhe faltarem clausulas essenciaes, taes como
estipulação de salario, acquiescencia da mulher, por quem o marido se
não podia obrigar, e ausencia de procuração dos representantes do
locatario. Que mesmo como contracto seria nullo em face da legislação do
paiz onde foi celebrado (lei de 20 de julho de 1855), por não conter
expressa a clausula de não poderem os serviços ser cedidos.

«E, finalmente, que era nullo á vista do artigo 208.º do decreto
imperial do 11 de junho de 1847, que diz:--«Todo o documento a ser
produzido em juizo, ou exhibido por qualquer fim legal, deve ser
necessariamente assignado pelo consul e sellado com o sello do
consulado, sem o que não fará fé.» etc.

«Fiz outras allegações mais, como: novação de contracto pela licença
dada e confessada pelo locatario ao locador para vir á côrte arranjar
meios de lhe pagar, etc.

«Tudo foi inutil, por que o _habeas corpus_ foi negado pelo juiz de
direito.»[39]

O consul conclue que o juiz de paz condemnára os infelizes a uma multa
exorbitante; e que mandando appellar da sentença para o juiz de direito,
este confirmára a condemnação.

É mais uma prova de que o governo do Brazil protege os colonos!

E ainda ha jornaes que teem _medo_ de publicar isto!

E ainda ha quem diga que o ouro dá a dignidade e a independencia!...

     [39] Relatorio citado.


III

Fallemos sobre os contractos lesivos, feitos entre os colonos e os
engajadores, ha alguns annos a esta parte; e façamos igualmente mensão
da protecção dispensada aos colonos pelos _senhores_ de engenho.

O consul do Maranhão examinou em dezembro de 1855 um contracto de
locação, feito entre o engajador Izidoro Marques Rodrigues e 168 colonos
das nossas provincias do norte. Não obstante estar já publicada a lei de
20 de julho de 1855, a mesma auctoridade examinára que as clausulas
expressas na referida lei não tinham sido attendidas, o que deu logar a
alguns abusos quando a comitiva chegou ao porto do Maranhão.

Os colonos mettidos no arsenal da Marinha «foram _cedidos_ a differentes
proprietarios, e como em seus primitivos contractos havia uma condição,
que os colonos pagariam 10$000 réis, alem da passagem e _mais abonos_
feitos pelo engajador, uma vez que não quizessem seguir para a colonia
(Companhia de Colonisação do Codó); assim satisfariam os novos
locatarios, ficando os infelizes colonos, subditos portuguezes,
sobrecarregados com este augmento de divida para pagar com seu
trabalho.»

Em 14 do dezembro de 1855, participava o consul no Rio, os
inconvenientes de um contracto «summamente oneroso», celebrado entre
vinte portuguezes e Augusto Cesar Pereira Soares, para uma colonia em
Cantagalo; «summamente oneroso para similhante gente, que tendo mudado
do seu paiz para o Brazil, sem onus algum, não podia comtudo trabalhar
em terra estranha, por tres annos, por tão diminuto preço:--1.º anno
4$000 réis, 2.º 6$000 e 3.º 8$000, mensaes, moeda fraca! Com quanto o
locador fosse obrigado a dar comedorias e remedios, como seria possivel,
accrescenta o consul, trabalhar por tão diminuto preço?»

A média do salario dado a estes desgraçados, como será facil de
examinar, era de 100 réis fortes, de comer... e remedios!

Meio dia de trabalho em Portugal excederá aquella somma.

Oh, que abençoada terra da promissão!

Para mais alguns fazendeiros de Cantagallo, chegára do Porto em 12 de
janeiro de 1856, uma leva de 50 escravos brancos, contractados a 60$000
réis pelo primeiro anno, a 72$000 no segundo e a 96$000 no terceiro,
moeda fraca!

Os colonos pagaram á sua custa a passagem _e mais despezas_, na
importancia de 120$000 réis, ficando por consequencia liquidos em todo
este tempo 108$000 réis fracos, menor jornal do que 100 réis fracos por
dia!

«Estes engajadores, accrescenta o documento official que temos á vista,
abusando da ignorancia d'esta gente, praticando o que fica referido,
faziam ao mesmo tempo grande guerra á fiscalisação que se dava no
consulado, para se oppôr a que os engajadores _escravizassem_ seus
patricios com contractos tão leoninos.»

Em 18 de janeiro de 1856, informa o vice-consul em Ubatúba, districto do
Rio de Janeiro, que indo examinar os tumultos occorridos na colonia
creada em Taubaté, composta de 378 portuguezes, engajados no Minho,
reconhecera, que os colonos haviam sido completamente illudidos e
lesados em seus interesses, porque, sabendo-se que as passagens do Porto
para o Rio de Janeiro eram de 28$800 réis fortes e as d'aqui para
Ubatúba, de 6$000 réis fracos, vinha a passagem de cada colono a
importar até ali em 31$800 réis fortes; no entanto que pelos contractos
assignados no Porto, os sujeitaram ao pagamento de 100$000 réis fracos,
ganhando por consequencia os engajadores 36$000 fortes por cada um!

Aqui o engajador, só d'um jacto, lucrou, como é facil de conferir,
13:608$000 réis.

E devemos notar, que os colonos, assim ludibriados, estavam sujeitos a
uma multa de 50$000 réis, se, sem o consentimento do roceiro, se
retirassem da colonia! Reconhecera o consul que, se tal fizessem, teriam
de sujeitar-se a quatro annos de captiveiro, em qualquer outra colonia,
onde os não receberiam (os senhores de engenho entendem-se
perfeitamente!) sem a promessa de satisfazer aos compromissos que se
haviam imposto!


IV

A falta de braços começava a sentir-se no imperio, por causa da
repressão do commercio da escravatura.

De 1822 a 1828, refere Ferdinand Diniz, os resultados do trafico da
escravatura, só no Rio de Janeiro, era de 43:800 almas, e nos ultimos
annos podia elevar-se a 90:000 em todo o imperio![40]

A necessidade de supprir tão grande falta, levou o governo do imperio a
fechar os olhos aos escandalos que todos os dias se praticavam com a
acquisição dos colonos portuguezes...

Continuemos, pois, na tarefa de esmerilhar os contractos ruinosos, e a
_humanidade_ do governo imperial em face de tantos abusos.

Em 18 de junho de 1856 partíra do porto de Pernambuco a galera
portugueza _Flôr do Porto_, com ordem de conduzir da ilha de S. Miguel
uns trinta colonos, contractados a 10$000 réis por mez, pelo tempo de
tres annos, sob pena de multas pelo não cumprimento do contracto. Isto
é, o salario não devia ser superior a 120 réis fortes, a secco... fóra
as multas!

O consul respectivo declarava que o salario n'esta provincia regulava,
para qualquer homem de trabalho, de 16$000 a 20$000 réis mensaes,
independentes da matença, casa e curativo das molestias adquiridas em
serviço!

Em 19 de dezembro de 1856 apparecera no consulado do Rio de Janeiro um
contracto firmado no Porto, estipulando ordenados mensaes de 6$000,
7$000 e 10$000 réis fracos, pagando os colonos 120$000 réis, por
passagens, e os salarios eram assim estipulados pelo referido
consul:--de 16$000 a 20$000 réis mensaes, cama e mesa, para os
trabalhadores; de 1$600, 1$800, 2$000 e 2$500 réis, diarios, para os
pedreiros, calceteiros, carpinteiros, marceneiros, serradores, ferreiros
e sapateiros, e sendo mais habeis em qualquer dos officios, de 3$000 a
4$000 réis diarios, a secco, preços que ainda regulam na actualidade.

O vice-consul da cidade de Santos, tambem diz que os engajadores
extorquiram a 90 passageiros, idos do Porto, 2:524$000 réis fracos,
«porque tendo pago ao navio 2:808$000 réis moeda forte, a razão de 6
moedas e meia por cada um dos 90 passageiros, e carregando-se-lhes
4:070$400 réis, resultado de 88 passagens a 45$000 réis e duas a 110$400
réis, segue-se ser a lesão de 1:262$400 réis, fortes»!

«Com estes escandalosos factos, refere a authoridade consular no Rio ao
nosso governo, se explica a razão porque os especuladores, não lhes
convindo nenhuma fiscalisação nos respectivos consulados, procuram por
todos os meios evitar o contacto d'elles com os colonos portuguezes, não
se tendo por isso registado nenhum d'estes individuos n'aquelles dois
vice-consulados, o que sem duvida será muito prejudicial para o futuro,
porque jámais se poderá saber o destino que tiveram.»

Em janeiro do referido anno, chegava ao Rio o patacho _Liberdade_ (!)
com mais 50 escravos brancos da ilha de S. Miguel, a quem o proprietario
do navio obrigára a pagar as passagens ao preço de 100 patacões (200$000
réis), o dobro do preço que era costume pagar qualquer passageiro!

Estes infelizes foram contractados por 10 e 12 mezes de serviço,
recebendo 2$000 réis mensaes para suas despezas! Mas sendo obrigados a
pagar tão grande divida, não poderam encontrar patrões para servir por
menos de 24 mezes!

N'esta época o governo, tendo em vista as reclamações do nosso consul no
Rio, sobre «os vexames que soffriam os colonos portuguezes no Brazil, em
consequencia dos contractos lesivos que faziam em Portugal os agentes
brazileiros», pedia ao governo do imperio providencias adequadas, a fim
de evitar tão grande mal, providencias que, segundo a phrase do nosso
representante na côrte do Rio de Janeiro, se não prestaria a dar o
referido governo, visto que elle «o mais interessado na emigração para o
imperio, _desejava facilital-a por todos os meios_»!

E accrescentava, que os que não queriam contractar no consulado o seu
serviço por um tempo razoavel, iam ter com os juizes de paz «que não
tinham empenho em olhar pelos interesses do locador e sim pelos dos
locatarios, que procuravam vexar aquella pobre gente que queriam tomar
ao seu serviço.»

Se olharmos com attenção para tão exorbitante differença de salarios, os
que eram offerecidos aqui pelos engajadores e os que eram estipulados no
Brazil aos colonos, encontraremos a razão de existirem para ahi
verdadeiros parasitas disfrutando fortunas colossaes.

O commercio da escravatura tambem tinha d'estes phenomenos! Um
negociante tomava conta de um carregamento de africanos, emquanto o
navio ia em procura de nova remessa. A _consignação_ era posta em
almoeda, e o consignatario, em tres ou quatro dias, ganhava a bagatella
de 40 ou 50 por cento!

Na verdade, não havia _commercio mais licito e mais lucrativo_!

Quaes seriam os lucros dos negociantes, que por sua propria conta e em
navios seus importavam escravos das costas de Africa?!

Nem é bom pensar n'isso.

Os lucros provenientes do commercio de escravos brancos, importados das
costas de Portugal, com o titulo _protector_ de colonos, não são
inferiores, convençam-se d'isso!

Os portuguezes, como começamos a ver e não nos cansaremos de examinar
são aqui contractados pelos engajadores, por um certo praso de tempo, o
sufficiente para que os colonos paguem a passagem e _mais despezas_.
Findo esse tempo, póde-se dizer que o portuguez exhausto não deve nada
ao engajador, locatario, roceiro, negociante ou capitão do navio que o
transportára para as plagas brazileiras; mas em _compensação_, é levado
para o hospital beneficente portuguez; e d'alli, se melhora, é conduzido
a Portugal, talvez que pelo mesmo navio que outr'ora o conduzira; porém,
d'esta vez, o capitão já não fia a passagem: o producto de uma
subscripção publica satisfaz as suas exigencias de traficante!

     [40]_Le Brezil._


V

Falla o consul de Pernanbuco:

«Ha nos contractos que aqui se me têem apresentado, não só falta de
clareza, mas condições inexequiveis e até illegalidades.

«Os ultimos contractos que aqui me appareceram foram os de uns sessenta
colonos, vindos do Porto no brigue portuguez _Trovador_. Estes
contractos vem em publica fórma e sem reconhecimento do respectivo
consul. Não sei portanto se são falsos ou verdadeiros.

«N'estes contractos vem incluidos alguns menores sem o consentimento de
seus paes ou tutores. O escrivão commetteu um delicto por que deve
responder.

«São arduas algumas das condições, e que se não podem cumprir sem pôr em
perigo a saude e vida dos colonos, e outras pouco explicitas e nada
claras. Pela segunda condição, por exemplo, são os colonos obrigados a
trabalhar nove horas por dia, sendo em descampado, e dez e meia sendo em
logar abrigado. Aqui o dia tem regularmente doze horas, e não é possivel
que um europeu ature n'este clima, exposto aos ardores do sol, o
trabalho de nove horas no espaço de doze, sem que a saude se lhe
deteriore, maximé com comidas a que não estão habituados. Expostos ao
sol e chuva, não póde exceder o trabalho de sete a oito horas.

«Tambem é excessivo o trabalho de dez horas e meia em logar abrigado,
porque hora e meia não é tempo sufficiente para refeição e descanso. De
oito a nove é o mais que se póde trabalhar. Se não melhorarem estas
condições dos contractos, nunca irá por diante a colonisação e as
victimas serão innumeras.

«Pela sexta condição se estabelece que antes de terminado o praso poderá
cada colono rescindir o contracto, pagando 120$000 réis, moeda fraca,
como multa, custo da passagem e dinheiro despendido com o passaporte e
preparativos para a viagem. Isto é muito vago, e póde ser muito injusto.

«Uma passagem na prôa, do Porto para esta cidade, regula por 24$000 réis
e o muito 28$800 réis; o passaporte não chega a 3$000 réis, o que
reduzido a moeda fraca, não póde chegar a 61$000 réis. Como é pois que
em preparativos, que bem mesquinhos são, e multa se inclue quasi outro
tanto? De quanto é a multa? Seria bom que se declarasse a importancia de
cada objecto; mesmo que seja levado em conta o tempo dos serviços
prestados.

«Um contracto contra que estou reclamando por maus tractos, celebrado
pelo consul do Rio de Janeiro, entre um menor e um desembargador,
estabelece que o locador se obriga a prestar os seus serviços por espaço
de dezoito mezes, para satisfação do importe de sua passagem de S.
Miguel para o Rio, ganhando 2$000 rs. por mez! E o locatario se obriga a
dar-lhe _educação_, bom sustento, lavar e _vestir_. Como é que o locador
ha de exigir o cumprimento d'estas condições? Que se entende por
educação? Que se entende por vestir?» etc.

Esta _educação, bom sustento, lavar e vestir_, era naturalmente o
tratamento que os senhores de escravos costumam dar aos seus
_moleques_:--chicote e umas calças de ganga: da cintura para cima, a
pelle branca tomava em poucos dias as côres _atapuyadas_!

Este outro importantissimo documento é do nosso consul no Maranhão:

«O objecto principal d'este meu officio é particularmente fazer conhecer
a v. ex.ª o estado de colonisação n'esta provincia, afim de que o
governo de sua magestade fidellissima tome as providencias que julgar
acertadas.

«No geral todos os individuos que vem para colonias não sabem ler nem
escrever, e isto faz que elles não possam adquirir outro modo de vida
menos perigoso do que o trabalho nas terras, que ao norte d'este imperio
está visto ser só proprio para os africanos, unicos que podem supportar
o calor abrazador d'este clima e a humidade doa terrenos. Os mesmos
salarios por que os colonos são engajados na Europa, onde lhes parece
que dentro em pouco devem fazer aqui alguma fortuna, raras vezes é
sufficiente para o seu alimento, visto que os generos de primeira
necessidade são aqui excessivamente caros, e portanto não lhes chega
para um alimento igual ao que têem na Europa, que seria o unico meio de
poderem melhor affrontar a intemperie de um clima improprio dos filhos
da Europa para o trabalho nos campos.

«Por quanto acabo de dizer pode deprehender-se que os colonos andam aqui
mal vestidos, e raras vezes tem recursos para attender á sua existencia,
que dentro em pouco fica em perigo, como o attesta o limitado numero que
existe, comparativamente com o que tem entrado. Diariamente se vêem
d'estes nossos compatriotas desgraçados, andarem cheios de mollestias e
privações, promovendo subscripções, de porta em porta, devendo porém
n'esta parte esclarecer a v. ex.ª d'onde muitas vezes provém tal
miseria. Alguns, com a ambição de em breve tempo juntar algum peculio,
entregam-se emquanto teem saude a um excessivo trabalho, d'onde lhes
resultam molestias, que mais se aggravam pelo desprezo em que as
consideram, e sobretudo por fugirem aos gastos de um tratamento regular,
que se só resolvem fazer quando estão proximos a entrar para a
sepultura.

«Se eu attendesse a quantas exigencias se me fazem, poucos seriam os que
por aqui ficariam, porque todos lamentam o engano em que cairam, e
suspiram pela volta aos lares patrios. A expensas minhas, envio no
patacho _Trovador_ uma familia composta de quatro pessoas, que sem
fallar no desvio de alguns de seus membros que por cá ficam, depois de
dois annos de estada aqui, voltam naturalmente em peiores circumstancias
do que vieram!»

No excesso da cegueira poderá haver quem diga, que é uma ficção o
commercio da escravatura branca. Se os documentos em que nos temos
baseado não confirmam o dito, o que vamos extractar desilludirá os
descrentes. É ainda do nosso consul em Pernambuco o seguinte trecho:

«É revoltante que por uma passagem de prôa, com o tratamento de
bacalhau, sardinha salgada e biscoito de milho, se esteja levando a
estes degraçados, do Porto para aqui, 60$000 réis fortes ou 120$000 réis
fracos, quando não ha navio que alli não tome um passageiro de prôa por
24$000 ou 28$800 réis. Muito bom seria que, tanto no Porto como nas
ilhas açorianas, se podessem tomar algumas medidas que pozessem cobro a
esta escandalosa agiotagem com a desgraça.

«Acaba de chegar de S. Miguel o brigue portuguez _Oliveira_, com 56
passageiros, e o governador da ilha (não satisfeito com me remetter
todos os seus passaportes em regra, obrigações e recibos da passagem de
cada um), depois de não ter consentido que ali se celebrassem contractos
de locação de serviços, obrigou o capitão do navio a assignar um termo
que me remette, no qual o capitão se responsabilisa a não deixar
desembarcar os passageiros, sem que no consulado celebrem o contrato do
modo do pagamento de suas passagens. N'estas passagens ha a mesma
agiotagem que nas do Porto, pois todas vem a 60 patacões ou 120$000
réis, dinheiro do Brazil.

«Similhantes passagens importam uma lesão enormissima, a não serem
consideradas como negocio de risco, e, considerando-as eu como taes,
estou resolvido a não deixar passar nos novos contractos a obrigação do
seu pagamento para os locatarios, mas sim conserval-a aos locadores;
porque d'esta fórma pódem estes fazer mais vantajosos contractos, visto
que o locatario não corre o risco de perder o importe da passagem que
adianta, com a prematura morte do locador; e me parece mesmo mais justo
e razoavel que lhe corra o risco o agiota, que foi levado a isso pelo
excessivo lucro.

«Os passageiros se obrigam em seus titulos a satisfazer a passagem
dentro de oito dias depois da sua chegada a Pernambuco, ao que
hypothecam suas pessoas e bens. As pessoas não podem ser retidas por
dividas, e os bens são uma caixa vazia. Se portanto o dono ou
consignatario do navio não quizer continuar a correr o risco, que
obrigue o devedor pelos tribunaes, e ficará pago com suas caixas, que é
quanto podem dar á penhora.

«Eram estas obrigações das passagens satisfeitas dentro em oito dias
depois da sua chegada, que tornavam os contractos aqui uma especie de
venda de suas pessoas; porque, considerando-se obrigados a satisfazer
uma somma que não tinham nem podiam ganhar em tão curto praso, se
entregavam por uma bagatela a quem suppunham que os vinha resgatar.

«Parece-me que da maneira que levo dito poderei indirectamente levar as
cousas a que de futuro se contentem os agiotas com lucros menos
excessivos, porque, sendo as passagens regulares, não faltará quem, com
vantagem dos passageiros, lh'as satisfaça logo á sua chegada» etc.

Nada conseguiu o consul, como mais tarde demonstraremos.


VI

Antigamente quando os pretos escravisados desembarcavam no litoral do
Brazil, os _senhores de engenho_, antes de entrarem em ajuste com os
traficantes, procediam a uma rigorosa escolha dos negros que mais
poderiam convir ao serviço da lavoura, assim como qualquer alquilador
escolhe as bestas para o serviço dos alugueis.

Pois bem, o que antigamente acontecia aos pretos, succede hoje com os
brancos, nossos compatriotas.

Em principios de 1857, foram _regeitados_ 174 colonos, idos da cidade do
Porto, na barca _Santa Clara_, para a colonia de Campos Junior & Irmão,
na cidade de Campinas, no Brazil.

Mais alguns casos se haviam dado, e para evitar o escandalo, o governo
portuguez, a pedido do consul geral na côrte do imperio, deu algumas
providencias tendentes a estabelecer um accôrdo com o governo
brazileiro.

Vamos apresentar aos leitores alguns documentos que esclarecem a
questão, bem como qual fôra o resultado das negociações entaboladas a
este respeito entre os dois governos.

É do nosso ministro acreditado na côrte do imperio, e alli residente em
1858:

«Respondendo ao despacho de v. ex.ª datado de 12 de março ultimo, direi
com a devida submissão quanto ao seu conteúdo e ao da cópia do officio
do ministerio do reino que o acompanha, sobre a conveniencia d'um
accordo com este governo, tendente a prevenir a repetição da _regeição_
de colonos mandados angariar no continente de Portugal e ilhas
adjacentes por parte de qualquer individuo ou companhia no Brazil (como
o que se deu ha pouco tempo em Santos), que pela circular do mesmo
ministerio do reino aos respectivos governadores civis, citada na dita
cópia, foi sabiamente tomada a unica medida decisiva possivel na minha
humilde opinião contra a má fé e abusos de tal ordem.

«No entretanto disponho-me, como devo, estudar o modo de fazer a
proposta do accordo por v. ex.ª determinado, comquanto me pareça á
primeira vista não ter probabilidades de felicidade, por isso que no
assumpto de que se trata, nós temos sómente a pedir, não temos que
offerecer. Poderemos talvez chegar ao resultado justamente pretendido,
ampliando e completando com certo apparato a medida acertadissima
encetada já pelo ministerio do reino,» etc.

Um mez depois escrevia o mesmo diplomata o seguinte:

«Terminei o meu officio de 10 do mez proximo findo, quanto á
conveniencia d'um accordo com o governo d'este imperio, tendente a
evitar a rejeição de colonos mandados assalariar d'aqui n'esse reino e
ilhas adjacentes, aventurando com o devido respeito o meu juizo sobre a
pouca probabilidade de conseguir ajuste de tal ordem, e acrescentei que,
para obedecer a v. ex.ª, estudaria comtudo o modo de fazer a respectiva
proposta, comquanto me parecesse poder chegar-se ao resultado pretendido
por meios de mais facil adopção por parte do Brazil.

«No proprio interesse da sua colonisação reside a necessidade forçosa de
moralisar todo e qualquer contracto de locação de serviços, cujo fim
seja chamar ao imperio braços livres e gente branca, do que não póde
prescindir sem comprometter a sua existencia, arriscadissima já pela
incuria imperdoavel dos que com perfeito conhecimento de causa se não
tem occupado como deviam e podiam de promover uma emigração util.

«Assim o disse eu ha poucos dias ao sr. visconde de Maranguape, ministro
dos negocios estrangeiros, o qual procurei expressamente a fim de chamar
a sua attenção para o facto verificado em Santos com os colonos
portuguezes para ali conduzidos na barca _Santa Clara_, mandados ajustar
no Porto, e _rejeitados_ depois á sua chegada. E continuando disse que
referia o occorrido a s. ex.ª, para pedir-lhe, como effectivamente lhe
pedia, em nome do governo de sua magestade, providencias que evitassem
repetições de similhante natureza, certo de que, se não fosse bastante,
o que eu não punha em duvida, encarar o caso pelo lado da humanidade
para dar-se-me razão inteira, viriam em apoio da minha representação as
considerações moraes, as de conveniencia e de interesse, que bem sabia
s. ex.ª não serem de modo algum indifferentes para a prosperidade actual
e futura sorte do Brazil, dependente da maior ou menor affluencia de
emigrantes.

«Assim pois, conclui eu, «será v. ex.ª o primeiro a conhecer a
necessidade de algum compromisso por parte do governo imperial, para
tranquilisar o governo que represento, a respeito dos nossos
compatriotas, os quaes fiados na fé dos contractos, deixam a patria,
muito embora com vistas exclusivas de vantagem propria, e vem tão
efficazmente, tão visivelmente concorrer para o engrandecimento do
imperio».

«Para estas considerações, aliás de primeira intuição, não ha resposta,
e por conseguinte não fez o mesmo ministro outra cousa senão abundar nas
minhas idéas, com expressões que me pareceram sinceras, e em perfeito
accordo com os nossos desejos. E como eu lho havia declarado a clausula
mandada inserir por circular do ministerio do reino nos contractos de
locação de serviços para o Brazil, que de futuro hajam de fazer-se entre
nós, disse-me s. ex.ª que em harmonia com aquella disposição, _mas sem
allusão a ella_, proporia aos seus collegas uma disposição _com todo o
caracter de espontanea_, por meio da qual ficaria satisfeito o governo
de sua magestade, e acautelados os verdadeiros interesses do Brazil. O
que comtudo não poderia ter logar desde já e emquanto não estivesse em
andamento a actual sessão legislativa depois de apresentados os
relatorios dos diversos ministerios, com os quaes elle e seus collegas se
achavam muito occupados,» etc.

Na serie de documentos que temos presente, não podemos encontrar as
disposições _espontaneas_, que o governo brazileiro pretendia preparar,
quando estivesse em andamento a tal sessão legislativa!

Queremos dizer com isto, que as reclamações do governo de Portugal foram
desattendidas, naturalmente, porque ao governo _humanitario_ do Brazil,
convinha, primeiro do que tudo, consultar os _roceiros_ a respeito das
nossas pretenções, que necessariamente haviam de offender os seus
interesses!


VII

O governo brazileiro a tudo promettia providencias; mas não lhe fazia
conta maltratar os fazendeiros.

Vamos apresentar mais uma prova d'esta nossa asserção.

«Em virtude de certa denuncia, communica o nosso ministro na côrte do
imperio ao governo portuguez, representou-me o vice-consul encarregado
do consulado geral de Portugal, contra o procedimento havido com alguns
colonos, subditos de sua magestade, em uma fazenda do municipio de
Iguassú, não mui distante d'esta capital.

«Não perdi tempo em solicitar do governo imperial pela nota da cópia
junta as averiguações e providencias indespensaveis para remediar o mal
verificado. E aproveitei a occasião _para instar pela quarta ou quinta
vez, pela solução de uma representação identica_ em favor de outros
colonos, tambem portuguezes, para ser dirigida a este governo em meado
do anno preterito!!!» (1858)

Este outro documento que vamos transcrever, é a nota a que se refere o
nosso ministro na corte do imperio:

«Não posso dispensar-me de levar ao conhecimento de v. exª, na cópia
inclusa, o officio que ora me foi entregue por parte do consulado geral
de Portugal, n'esta côrte. Da mesma cópia v. ex.ª verá o comportamento
attribuido ao rendatario de certa fazenda no municipio de Iguassú,
Francisco José de Freitas, para com os colonos portuguezes ao seu
serviço, bem como a immoralidade com que, segundo alli se affirma, tem
procedido o referido Freitas a respeito da filha de um dos ditos
colonos, menor de 13 annos.

«Não escaparão por certo a v. ex.ª as circunstancias, constantes do
citado officio, de haver sido denunciado no dito consulado o facto acima
exposto, por pessoas inteiramente desinteressadas, e do misero estado em
que da dita fazenda se evadiram dois d'aquelles colonos, os quaes por
isso mesmo tiveram de ser transportados em rede para o hospital.

«Quanto a mim abstenho-me de qualquer reflexão sobre taes occorrencias,
bem certo de que não podem ser senão sobremodo desagradaveis as que
affluirão no animo de v. ex.ª, com a simples leitura do já referido
documento junto.

«Limito-me pois a pedir a v. ex.ª com a maior instancia, sem perda de
tempo, as providencias promptas e energicas que o caso exige,
permitta-me v. ex.ª que o diga, no proprio interesse do Brazil,
comprovada a verdade da já alludida denúncia.

«Contra factos identicos, não menos escandalosos, verificados em
Taubaté, o anno proximo passado, tive a honra de reclamar medidas de
severidade por parte do governo imperial, e com quanto seja de 28 de
julho preterito aquella minha representação, sobre a qual tomo a
liberdade de chamar a séria attenção de v. ex.ª, _não recebi resposta
d'ella até hoje_, decorridos perto de sete mezes. Lisonjeando-me de que
serei mais feliz n'esta occasião, aproveito-a para renovar os
protestos,» etc.

A resposta do governo imperial é a que segue:

«Tive a honra de receber a nota... pela qual o sr. José de Vasconcellos
e Sousa, remetteu-me copia do officio que lhe dirigiu o consul geral de
Portugal n'esta côrte, expondo-lhe os reprehensiveis actos attribuidos
ao arrendamento de uma fazenda do municipio de Iguassú, Francisco José
de Freitas, para com certos colonos portuguezes, que tem a seu serviço,
e á filha menor de um d'elles.

«Sciente das observações que a este respeito fez o sr. Vasconcellos e
Sousa na sua citada nota, e convencido da urgente necessidade de
verificar o fundamento de semelhantes accusações, cumpre-me prevenil-o
de que pelo ministerio do imperio, ao qual n'esta data dirijo-me, se
procederá aos precisos exames e se tomarão as medidas correccionaes e
preventivas que o caso exigir, _sendo prudente não comdemnar desde já a
parte accusada_ (se elle é roceiro!)»

«Quanto ao trecho da mesma nota, em que o sr. Vasconcellos se queixa da
falta de resposta por parte d'esta secretaria d'estado á sua reclamação
de 28 de julho do anno proximo passado, em favor dos colonos de Taubaté,
peço licença para observar-lhe que, dependendo essa resposta de
informações que teem de ser enviadas por authoridades das provincias de
S. Paulo é inevitavel a demora que nota o sr. de Vasconcellos,
attendendo-se ás distancias e outras circumstancias bem conhecidas,
proprias de um paiz tão extenso e pouco povoado como o Brazil.
Entretanto tornarei a chamar a attenção do sr. ministro do imperio sobre
este objecto,» etc.

Mas as providencias nunca se deram; pelo menos a esta crença nos induz o
silencio usado pelo governo imperial a respeito da questão.

A razão apresentada pelo ministro brazileiro da _extensão do paiz_, se
não podia insentar o governo do imperio de culpabilidade, com respeito
ao negocio de Taubaté, por quanto em dois ou tres mezes devia ter dado
as explicações pedidas pelo representante de Portugal; menos poderia
desculpal-o com relação ao conflicto de Iguassú, que, como vimos, fazia
parte do districto do Rio de Janeiro.

O documento que passamos a transcrever não é menos interessante. É elle
assignado pelo conde de Thomar, e tem a data de 27 de outubro de 1859:

«Em 15 do corrente apresentou-se n'esta legação um rapaz de doze para
treze annos, por nome José Fernandes, o qual disse ter vindo da ilha
Terceira, acompanhado de um individuo, que se disse seu tio, chorando e
mostrando alguns ferimentos nas pernas, os quaes o mesmo rapaz asseverou
terem sido feitos com _chicote_ mandado applicar por sua ama, pelo
motivo de elle não poder fazer todo o serviço, que lhe era exigido, e
que elle reputava seguramente superior ás suas forças. Vendo o estado em
que se achava aquella creança, ordenei que se conservasse na legação,
até que eu, colhendo as devidas informações, resolvesse o que fosse mais
conveniente.

«Mandei que o consul com a maior urgencia indagasse sobre aquelle facto,
e me informasse devidamente. Convenci-me por tudo o que me foi presente,
que o rapaz poderia ter commettido algum descuido no desempenho das suas
obrigações, mas esse descuido nunca poderia auctorisar o emprego do
_chicote_ contra uma creança d'aquella idade, castigo cruel reservado
para os negros mais desmoralisados. Resolvi portanto fazer annullar o
contracto da venda de serviços por dezoito mezes, feito pelo mencionado
menor. Desembolsei para isso 100$000 réis fracos, e tenho aquella
creança em minha casa até que lhe possa dar outro destino.

«Aproveitei este acontecimento para entrar melhor no exame de todas as
circumstancias, que acompanham o embarque de muitos portuguezes de todas
as idades e differentes sexos para este imperio; e bem assim do modo por
que são elaborados os contractos da locação de serviços dos subditos de
sua magestade.

«Ordenei portanto ao consul geral, que enviasse a esta legação o
passaporte original d'aquelle rapaz, e copia do contracto de locação dos
seus serviços, informando ao mesmo tempo de tudo que soubesse a tal
respeito.

«Verifiquei, pois, pelo dito passaporte original, passado no governo
civil de Angra, que o dito menor é da ilha Terceira, e que veiu
aggregado a seu cunhado Alexandre Gonçalves e sua mulher; no dito
passaporte se declara que o dito rapaz é menor de 13 annos.

«Sendo assim menor de 13 annos, e tendo pae como elle proprio declarou,
podia dar-se um tal passaporte sem a declaração do expresso
consentimento do pai?

«Estando sujeito ao recrutamento, tomaram-se acaso as devidas precauções
para que não deixasse de pagar o tributo de sangue, sendo em occasião
opportuna chamado pela sorte?

«Chegando aquelle menor a este imperio figura em um contrato de locação
de serviços por desoito mezes, mediante a somma de 100$000 réis fracos,
assignado pelo locador, o conselheiro João José de Carvalho, e pelo
consul em nome e por parte do menor locatario. A referida quantia de
100$000 réis é a somma exigida pelo capitão da _Nova Rival_, que o
conduziu, como importe da passagem e comedorias! É assim que os capitães
dos navios vendem temporariamente os subditos de sua magestade!» etc.

Quando os nossos compatriotas não podem aturar os castigos corporaes que
_seus senhores_ lhes mandam infligir pelos negros, vem a miseria, a
fome, n'este paiz onde o ouro anda aos pontapés, n'esse paiz onde jámais
se realisará a promessa do sr. Augusto de Carvalho, de--_cento por um_.


VIII

Não descurava o conde de Thomar tambem do horroroso flagello da febre
amarella, que já em 1860 produzio os seus maleficos estragos; mas foi
bradar no deserto.

O remedio apontado, que é prohibir a emigração para os portos
infeccionados, ainda não foi adoptado, naturalmente pela difficuldade
que offerece a creação de qualquer taxa, a exemplo do que se pratica no
Lazareto com os passageiros vindos dos portos infeccionados d'aquella
terrivel molestia.

É que os nossos legisladores deixariam de ser _verdadeiros patriotas_,
se alguma vez cahissem na patetisse de fazer uma lei que não esbulhasse
o pobre povo do que tanto lhe custa a ganhar.

A lei que pozesse termo á emigração para o Brazil, especialmente na
quadra de janeiro a junho, era uma lei humanitaria, que jámais poderia
ser atacada pelos verdadeiros liberaes.

A obrigação dos governos é desviar os administrados do precipicio, que
os seus fracos conhecimentos do mundo lhes não deixam vêr.

São insignificantes os resultados tirados da publicação das relações do
obituario, que os nossos consules nos enviam do imperio. E a razão é
simples: é que a nossa população d'onde sahem os emigrados não sabe lêr;
ou se sabe não está ao alcance de lêr os jornaes mais importantes, onde
apparecem publicadas essas listas, que muito poderiam influir no animo
dos que em tão horrorosa quadra entendem dever deixar a patria.

A imprensa que mais se entranha no coração do povo, essa, com rarissimas
excepções, pouco ou nenhum caso faz d'isto, por causa do _medo_...

Comtudo publica em seu logar as noticias _importantes_ do baile do sr.
commendador Fulano, ou do feliz parto da esposa do sr. Sicrano!

Esta medida de publicar as relações nominaes dos subditos portuguezes,
fallecidos no Brazil, com a declaração da molestia de que tinham
succumbido, fôra lembrada pelo conde de Thomar, em 1860, com o fim de
evitar a emigração.

Mas parece que tão bom alvitre não tivera a recepção que era para
esperar. Mais uma razão da falta de vontade do nosso governo em querer
auxiliar o conde em tão util propaganda.

O seguinte trecho, que vamos extrahir do seu officio de 7 de maio de
1860, resente-se d'esta falta:

«Sinto que o governo não julgasse aproveitavel a idéa que suggeri na
minha correspondencia, fazendo publicar diariamente na folha official e
nos jornaes sobre que podesse exercer alguma influencia, a relação dos
portuguezes mortos n'este imperio, declarando-se sempre a molestia de
que são victimas, e a sua edade.

«É isto muito facil, pelo menos quanto ao Rio de Janeiro, porque nada
mais haveria a fazer senão transcrevêr o obituario, que diariamente
publicam os jornaes brazileiros, que mando para a secretaria a cargo de
v. ex.ª.

«Affigura-se-me que este systema seria preferivel ao de publicar em um
só diario de Lisboa, uma longa lista de nomes. A circumstancia que se
notaria, _de que a maior parte morrem de febre amarella, e quasi todos
na melhor e mais apropriada edade para fazer fortuna e para trabalhar_,
seria, no meu entender, a cruzada mais poderosa que se poderia promover
contra a emigração. Daria isto ainda logar a occupar-se frequentemente a
imprensa portugueza de tão importante objecto, porque tinham sempre
thema para discorrer; estou quasi certo de que algum bom resultado se
havia de tirar d'este meio.

«Aqui mesmo faz muita impressão a leitura diaria d'aquelle artigo
(obituario) sendo talvez o primeiro que chama a attenção dos leitores.

«Consta-me que muitos dos infelizes ultimamente chegados foram logo
victimas da _febre amarella_; nem póde deixar de assim acontecer,
porque, sendo a bahia do Rio de Janeiro o logar mais mortifero, é tambem
aquelle aonde menos promptamente se póde acudir com os soccorros.

«Parece incrivel que o governo d'este paiz, tão interessado na
introducção de colonos, se não tenha lembrado de adoptar alguma medida
para fazer com que os navios em que são transportados os colonos,
cheguem aqui em estação mais propria, ou que ao menos se demorem os
colonos pouco tempo na dita bahia, etc.

«Reconheço que existe algum obstaculo, porque os capitães especuladores,
altamente interessados na venda dos serviços dos ditos colonos,
encontrarão maiores difficuldades para a verificarem, etc.

«Mas a vida perdida de tantos homens na flôr da sua edade, não valerá a
pena de pensar n'este importante objecto? É minha intenção chamar a
attenção do governo imperial sobre este ponto, na occasião em que se
discutir a respectiva convenção.»

Nada se chegou a conseguir, porque o illustre diplomata pouco tempo
depois retirava-se para Portugal.

Sobre o mesmo assumpto já o referido ministro tinha chamado a attenção
do nosso governo, em seu officio de 30 de março de 1860, nos seguintes
termos:

«Por esta occasião chamarei de novo a attenção de v. ex.ª sobre os que
morrem de _febre amarella_. São na maior parte portuguezes ultimamente
chegados das ilhas e do reino.

«Não é possivel conceber como se procura tão perigosa e doentia estação
para desembarcar no Brazil gente transportada da Europa. É negocio que
demanda uma providencia, pois exige a humanidade, que se não deixem
assim correr ao matadouro moços pela maior parte de 15 a 25 annos.»

Que providencias se têem tomado? Uma unica, a nosso ver, pouco
proficua:--a de se publicar na folha official a lista dos subditos
portuguezes fallecidos no Brazil. Mas perguntamos: Quem é que lê a folha
official? A resposta é facil. Os empregados publicos, por obrigação, e
os ricassos, que tendo requerido certas honrarias, assignam o _Diario_,
que n'um momento os ha de transformar de pygmeus em ridiculos barões!

Se os que podiam remediar o mal, curassem menos de futilidades,
lembravamos-lhe o seguinte expediente:

Mandar publicar diariamente por conta do governo, em todos os jornaes do
paiz, um mappa circunstanciado da mortalidade dos subditos portuguezes
fallecidos no imperio.

Estamos certos que nenhum jornal deixaria de publicar gratuitamente tão
importante documento, se directamente lhe fosse enviado pelo governo;
porque é preciso dizer que, a maioria dos jornaes portuguezes guerreia a
emigração, e se não lança mão d'este grande meio de combate, é porque
nem todos possuem o _Diario do Governo_, especialmente os das
provincias.

Para essa minoria de jornalistas, que fazem da imprensa o ariete com que
costumam remover as suas difficuldades financeiras; para esses que não
vêem na imprensa um meio de moralisar e ensinar os povos, mas um meio de
especulação; para esses que substituem por annuncios de namorados, a 20
réis a linha, as noticias de factos importantissimos: para esses, a paga
do espaço occupado pelos mappas de que vimos fallando.

A despeza material não é muita, se attendermos á importancia moral da
receita.

E quando mesmo se pagasse a toda a imprensa este trabalho, que
importancia tem estas despezas comparadas com as que os governos fazem
na compra da opinião dos especuladores, que, tão inconscientemente,
apregoam na tuba da fama, as glorias ficticias de seus patronos?!

O governo inglez não prohibe nem aconselha a emigração; mas offerece
gratuitamente aos editores os relatorios de exames a que manda proceder
nos paizes indigitados pelos aliciadores aos filhos da Inglaterra.

Estes relatorios que custam milhares de libras ao governo, e que, por
terem sido elaborados por homens competentissimos, contam as verdades
sobre a inconveniencia da emigração para certos e determinados
territorios, são immediatamente impressos e distribuidos nos grandes
centros da população ingleza, que assim fica inteirada das artimanhas
dos aliciadores.


IX

Os roceiros do Brazil, a quem faltam os mais comesinhos principios da
humanidade, desde que no imperio, leis proficuas á humanidade, porém
ruinosas para a sua prosperidade material, aboliram o commercio da
escravatura, destacaram ignobeis agentes para a Europa, com o fim de
encetarem o commercio da _escravatura branca_, se não mais horrivel,
igual ao de negros que a lei recentemente libertára.

Por seu turno o negociante tambem coadjuva os roceiros: animando a
emigração, auxilia os engajadores; e se não representa o seu proprio
papel, os porões de navios de que são proprietarios, vem lembrar o
ominoso tempo da _escravatura preta_.

Mas lancemos mão do bistori e descarnemos o corpo cangrenoso, para que
nossos leitores, observando-lhe as pustulas venenosas, affastem de si o
puz mortifero.

Engajador é peor que negreiro; porque este, nas costas da barbarie, em
troco de um ente quasi inerte, de fórmas humanas, entregava ao _regulo_,
seu senhor, qualquer bugiaria. Os parentes, se os tinha, riam-se da
traficancia com um riso selvagem, collocavam em pedestal o objecto
offertado, dançavam e cantavam em de redor d'este idolo, emquanto outros
selvagens acorrentavam seus proprios irmãos. Tudo isto era estupido e ao
mesmo tempo tragico; da parte do negociador _civilisado_ manifestava-se
um cynismo que nem a todos os _civilisados_ residentes no Brazil
causaria asco; o negocio era simples, não levava muito tempo a
fazer:--dá cá, toma lá--; eis as phrases trocadas entre o _selvagem_
europeu e o selvagem africano. Não havia lucta de consciencia da parte
do que vendia, nem tão pouco da parte dos que eram vendidos. O negreiro,
o que comprava, amoldava os sentimentos, se é que os tinha, conforme as
occasiões; comtudo, este não era peior que o roceiro a quem eram
destinados os negros. Mas o engajador, que em nosso tempo veiu
substituir o negreiro, é mais cynico. Assim como acontecia ao negreiro,
o engajador leva em mira o mesmo fim--o interesse; mas emquanto que o
negreiro supportava as fadigas das longas viagens e os rigores de um
clima pestifero, o engajador, em nossas terras, é recebido nas salas, é
protegido das influencias monetarias, chama-se-lhe cidadão prestante,
offertam-se-lhe brindes valiosos, conferem-se-lhe commendas, etc. etc.

O engajador não se afadiga muito. Um dia por semana, se tanto, lhe basta
para o _seu negocio_. Esse dia que Deus déra para descanso, segundo as
tradições biblicas, emprega-o elle em seduzir seus irmãos, por occasião
da missa conventual, junto da ermida do aldeão do norte. É alli, junto
do altar de Deus, ao pé do symbolo sacrosanto do martyr do Golgotha,
sentinella silenciosa postada no adro transformado em mercado de gente
humana, que o engajador encarece as riquezas ephemeras do Brazil, para
em troca receber maior numero de adhesões. A lucta de consciencia
estabelece-se então com todos os horrores. É aqui que o engajador se
torna peior que o negreiro que vende gente a _civilisados_, na persuasão
de que os negros são bichos; é aqui que o engajador faz ao mesmo tempo o
papel de ladrão e assassino, porque os contractos de locação de
serviços, que com os portuguezes estabelece, são extraordinariamente
lesivos para estes; e do assassino, porque os portuguezes, seduzidos
para trabalhar no Brazil, irão morrer lá infallivelmente.

«São homens preversos (os engajadores), verdadeiros parasitas, refere o
consul no Maranhão em seu relatorio de 7 de dezembro de 1874, que se
entretêem em illudir com os mais gratos sorrisos de uma felicidade que é
toda ephemera aos seus incautos irmãos, e não trepidam em commetter
todos os desmandos, uma vez que aufiram o lucro estipulado;
identificando-se assim com os proprietarios dos navios que hoje fazem
commercio com a emigração e procuram tambem nutrir-se com a boa fé dos
infelizes, avidos de serem ricos. Achando echo no remanso das familias o
embuste, a mentira e os falsos testemunhos d'esses homens que lhe
asseguram o mais facil e prompto alcance da sua cobiça, tem elles sabido
prejudicar a fortuna domestica e a do seu proprio paiz.

«De todas as emprezas fundadas não póde haver seguramente nenhuma mais
vil e ignominiosa do que seja esta, que tem por fim seduzir uma
innumeravel multidão de portuguezes ignorantes, e por isso facilmente se
deixam dominar pelas ficticias narrações das abundantes minas de oiro,
que se encontram por toda a parte, pelas excellencias e fertilidades
d'este solo!»

O consul do Rio de Janeiro é de opinião que os armadores de navios, para
conseguirem _lastro_, «dão-se tambem a tão barbara propaganda de
arrancar á patria e á familia esses infelizes, enganados por vãs
promessas, os quaes, ignorantes do alto preço dos objectos aqui, se
deixam fascinar pela grandeza relativa dos salarios porque alli
contractam seus serviços.»

Em 1856 dizia a mesma auctoridade que «tendo-se construido muitos
navios, tanto na cidade do Porto, como nos estaleiros ao norte do Douro,
uma parte d'esses navios fôra destinada ao porto do Rio de Janeiro. Os
negociantes proprietarios d'esses navios, buscaram todos os meios de
lhes proporcionar _bons fretes_, e como um dos principaes, talvez o mais
lucrativo, _é a importancia do que pagam os passageiros_, resolveram
fiar a maior parte das passagens, para serem pagas no Rio de Janeiro,
pelo meio ha muito em pratica da locação de serviços.»

O carregamento d'estes navios, foi, em dois mezes, de 22 de setembro a
23 de novembro do referido anno, de 3:114 colonos!

O commerciante comprava navios. O dinheiro que havia de empregar nas
emprezas lucrativas e honradas, era destinado a escravisar os seus
proprios irmãos e compatriotas.

Esses negociantes a quem podemos chamar _negreiros_ de nova especie, bem
sabem que o braço europeu não pode substituir nos tropicos o africano.
Mas que lhes importa a elles isso?!

O negociante de escravos brancos não deve atterrar os infelizes, porque
n'isso vae o seu interesse. Vinte mil portuguezes entrados, pouco mais
ou menos, em cada anno, nos differentes portos do Brazil, representam a
valiosissima somma _de mil contos de réis_, só de passagens, que os
proprietarios de navios e os engajadores dividem entre si!

A somma não é para rejeitar, e os senhores d'engenho, que vêem no futuro
os seus lucros, garantem a uns e outros aquelle rendimento, por isso que
o producto do trabalho dos colonos serve, em primeiro logar, para
pagamento das passagens e _mais despezas_!

Que importa aos traficantes que os pobres colonos subscrevam contractos
lesivos? Chegam os lucros obtidos nos primeiros tempos de trabalho para
pagar aos engajadores e aos donos dos navios? Nada mais é preciso!

Que importa os maus tratos inflingidos pelos _senhores_ aos nossos
compatriotas? que a miseria prostre os que não podem sugeitar-se ao
trabalho e a esses tratos?

Lá estão as casas de benificencia, instituidas por portuguezes
benemeritos, que, afinal, estão sempre promptas para receber em seu seio
os desafortunados, e a reenviar á patria, com o auxilio dos seus
rendimentos, os que sobrevivam a tanta miseria. E a fallar a verdade
merece a pena ir ao Brazil, só fiado em taes auxilios: estes
estabelecimentos não servem para outra cousa, segundo o modo de ver dos
optimistas!

E com quanto contribuem os _negreiros_ para esses estabelecimentos
(elles contribuem porque é preciso aparentar caridade!)? Com algumas
cedulas de mil réis: uma migalha dos juros do dinheiro extorquido aos
incredulos das miserias no Brazil!


X

Tratámos dos lucros materiaes do traficante da escravatura branca, e
agora apresentaremos a leves traços os lucros moraes que elles auferem
do seu commercio.

Um traficante de carne humana, em nossos tempos, tem mais influencia de
que um principe, nas epocas passadas do chamado obscurantismo. E na
verdade se de obscurantismo chamavam ás epocas em que se vendiam os
negros, que chamarão á epoca presente em que livremente se exerce o
trafico infame da venda de nossos compatriotas?...

E não se diga que não; isto é, que o traficante não dispõe de influencia
junto dos nossos governantes para que a empresa da escravatura branca
produza os effeitos ambicionados.

A proposito da emigração publicámos ha tempos uma serie de cartas no
_Jornal da Noite_,[41] em que alem de outras proposições avançamos a
seguinte:

.........................................................................

«Affiançou-se-me mais: affiançaram-me que das repartições superiores,
d'onde dizem que todos os dias baixam _providencias_ contra a emigração
clandestina, se ordenára á policia que evitasse, quanto podesse, ir a
bordo na occasião da sahida dos paquetes para o Brazil!»

Depois d'isto escripto foram-nos mostrados os documentos que provam a
asserção: as taes influencias é que obrigaram os altos poderes do estado
a obstar que as leis fossem cumpridas!...

A portaria circular de 10 de agosto de 1870,[42] passada a favor de José
Maria Gavião Peixoto, colonisador no imperio do Brazil, faz crer que
interesses menos licitos lhe deram origem, porque Gavião Peixoto, tendo
abusado da credulidade de alguns trabalhadores do Alemtejo, com os quaes
contractára serviços para serem prestados no Brazil a razão de 150 réis,
foram-lhe relevadas as faltas commettidas no alliciamento da pobre
gente!

Um negociante de carne humana no Brazil telegrapha para o negociante de
carne humana em Portugal, e previne-o que é de absoluta necessidade,
para que haja bom exito na empresa de escravisar nossos irmãos, que o
consul Sicrano ou Beltrano seja removido d'este ou d'aquelle ponto, pelo
facto de repugnar á sua consciencia de homem de bem o horroroso trafico
dos seus desventurados e illudidos compatriotas!

Se o traficante não consegue a remoção pedida, consegue que os serviços
do empregado digno sejam esquecidos, se não desconsiderados.

Ha exemplo de remoções; ha desprezo dos poderes publicos aos serviços
prestados a Portugal por empregados dignos; ha finalmente, recompensas
dadas a quem devia ser castigado como indigno!

Exemplos:

Portugal fôra nobremente representado por um portuguez illustre e
honrado, em Manáus, na provincia do Amazonas. O presidente respectivo
despresava sempre as reclamações do vice-consul; desconsiderava
Portugal, por palavras e acções, chegando os seus excessos até ao ponto
de mandar espadeirar alguns portuguezes alli residentes; e por que o
empregado digno protestasse contra as offensas praticadas a Portugal e
seus filhos, teve em paga a demissão! Nomeou-se outro vice-consul, a
contento do insultador! Mais tarde esse novo empregado attesta uns
serviços ficticios prestados a Portugal, pelo tal presidente, falsidades
reconhecidas hoje, e os poderes do estado dão-lhe um titulo
nobliarchico, em paga dos insultos e das espadeiradas! Viemos á imprensa
protestar contra o escandalo; quezemos isentar o governo, julgando-o
illudido pelo vice-consul; mostramos-lhe a falsidade dos documentos
passados por este empregado, aos quaes o governo se escudára para dar ao
indigno magistrado brazileiro immerecida honraria; levamos as nossas
queixas ao parlamento;[43] mas nada se fez em favor da moralidade
offendida!

A nós que presamos a honra d'esta nação, chamaram-nos impertinente; aos
portuguezes que prottestaram comnosco, mandou-se-lhes naturalmente dizer
que mandassem para cá mais algum dinheiro, producto das subscrições alli
permanentemente abertas, já para os monumentos, já para os asylos, já
para os inundados, já para o armamento geral do paiz, por que os
portuguezes residentes no Brazil são verdadeiros patriotas; mas em
_compensação_ conservou-se no logar de representante de Portugal aquelle
que não fizera mais do que espesinhar-lhe as suas passadas glorias!

É que o homem tinha cá das taes influencias, e nós chegámos a uma época,
que se diz de progresso, em que valem mais as influencias deshonrosas do
que a dignidade da nação e aquelles que por ella pugnam!

     [41] Veja-se a nota n.º 5.

     [42] Veja-se a nota n.º 6.

     [43] Tudo historico. Veja-se--_Commendador Barão_.


XI

Os traficantes tambem ameaçam os empregados dignos, que lá no imperio
guerream a emigração.

Aqui está um documento curioso que prova isso mesmo. Omitimos os nomes
dos presonagens principaes, para que não soffra alguma tyrannia o seu
honrado auctor. Estamos em tempo de liberdade de consciencia... mas toda
a cautella é pouca!

É este o documento:

«Não obstante constar do referido relatorio, para o qual tomo a
liberdade de chamar a attenção de v. ex.ª, todos os factos que deram
logar ao delicto, communicava um consul de Portugal residente no Brazil,
a proposito das veniagas d'uma influencia de lá; ainda assim julgo do
meu dever revestil-os das considerações que se lhe adherem e pelos quaes
verá v. ex.ª quão arduo e espinhoso, se torna aqui o exercicio de
funcções consulares, quando se quer ser um verdadeiro interprete da
lei.»

E começando por apontar os taes figurões, que tornavam arduo e espinhoso
o cargo de consul no Brazil, continua:

.........................................................................

«Não é esta a primeira vez que este meu gratuito, inimigo procura
maguar-me indirectamente. Apesar da sua impotencia e da nenhuma
sympathia que gosa na classe a que pertence tem tentado, colligado a
mais tres ou quatro desafectos que aqui tenho, alienar o bom conceito
que felizmente goso, e com prazer declaro a v. ex.ª, que a semelhante
respeito nunca me senti tãobem, pois as suas invectivas, não merecendo a
consideração de pessoas sensatas, passam como se não existissem, e
elles, em vista d'isso, lemitam-se a dizer, como supremo desforço, _que
iam pedir a minha demissão, que para isso tem muita influencia n'essa
côrte, etc._

«Já que fallei em desafectos seja-me licito dizer algumas palavras que
se me offerecem se v. ex.ª m'o permittir.»

.........................................................................

«Começarei pelo mais poderoso ............ Este homem, portuguez,
naturalisou-se brazileiro ............... negociante antigo e rico
d'esta cidade, foi um dos que mais me obsequiou logo que aqui cheguei, e
por alguns annos.

«Constituiu-se meu inimigo, por que tendo um sobrinho, rico fazendeiro a
quem se metteu em cabeça estabelecer uma colonia de nova especie, por se
lhe ter malogrado a outra ha alguns annos, começou de mandar vir d'esse
reino pobres e desprotigidas creanças de dez a quinze annos de edade
para a colonia, as quaes de certo estariam hoje todas na eternidade se
não fosse a opposição inergica que fiz aos seus deshumanos instinctos,
arrancando-lh'as e empregando-as no commercio,» etc.

O traficante ameaçava. Elle lá tinha as suas razões; assim como o consul
tambem lá tinha as suas para prevenir o ministro; mas da doutrina da
prevenção deprehende-se facilmente que o empregado zelloso temia que os
desforços dos seus inimigos fossem attendidos. E se não fosse esse
temor, para que era baixar a tantas minuciosidades?

Podiamos sobre este mesmo ponto dizer mais alguma cousa, mas tememos
affectar interesses de terceiros.

Ponhamos, pois, ponto aqui, affirmando de novo a extraordinaria
influencia dos traficantes da chamada escravatura branca, perante as
auctoridades superiores do paiz.


XII

A lei portugueza de 20 de julho de 1855, tende a proteger por alguma
fórma os nossos desafortunados compatriotas que, no engodo de melhor
sorte, deixam a patria em troca de um paiz onde vão soffrer as mais
horrorosas privações.

Effectivamente, ha alli medidas, que, até certo periodo de tempo, deviam
fazer conter em respeito os engajadores, se não fôra a protecção que as
auctoridades brazileiras em todo o tempo lhes dispensou.

Os contractos de locação de serviços entre os engajadores e os colonos
deviam ser feitos perante as auctoridades do nosso paiz. Além d'outras
providencias secundarias, estabelecia-se a medida rigorosa de auctorisar
os consules a fiscalisar os navios chegados a qualquer porto do Brazil,
a fim de evitar o desembarque de qualquer colono portuguez, que não
tivesse attendido áquella providencia do governo.

Os capitães dos navios portuguezes são obrigados a apresentar perante as
auctoridades uma relação dos colonos que conduzam a bordo, sob pena de
infracção, e pagamento de multas exorbitantes.

Porém esta lei repressiva, não evitando a emigração, deu aso a abusos
inauditos. É de 1857 que os seus effeitos começam a sentir-se.

Até alli alguem confundia o carregamento de colonos portuguezes com os
que outr'ora se faziam dos colonos africanos. A lei de que vimos
fallando, que o governo brazileiro _não quiz reconhecer_, veio
estabelecer, em toda a sua plenitude, o commercio clandestino da
escravatura branca.

Os dados estatisticos, fornecidos pelos consules residentes no imperio,
sobre o numero dos emigrantes portuguezes desembarcados nas costas do
Brazil, falham muito desde a publicação da lei de 1855 em diante.

Comtudo a corrente da emigração continuava por uma fórma assustadora.

Alguns commandantes de navios sujeitavam-se a pagar as multas, e esses
eram em pequeno numero; outros valiam-se de suas influencias para
faltarem aos compromissos marcados por lei.

Houve armadores de navios portuguezes que substituiam a nossa bandeira
pela brazileira, para evitar a fiscalisação das nossas auctoridades
consulares!

Os colonos eram mettidos no porão dos navios como escravos; das praias
do litoral eram conduzidos para as roças dos _senhores de engenho_:
d'estes infelizes nem todos os consules davam noticia, porque a sua
acção não podia chegar até lá!

Vamos demonstrar que não elaboramos em erro:

Em 29 de dezembro de 1856, foram presentes ao consul do Rio de Janeiro,
pelo capitão do vapor _D. Pedro_, as cópias das relações de 297
passageiros; mas não apresentava os passaportes, porque a visita da
policia do porto lh'os tomára, segundo as ordens do governo imperial!

Em 2 de março de 1857, dizia o referido consul ao ministro do reino,
«que nos navios brazileiros havia mais ou menos irregularidades, porque
os capitães contavam com a impunidade, visto que os consules não tinham
a menor ingerencia n'estas embarcações.»

Em principios do anno referido sahiram do Rio os seguintes navios
brazileiros:--_Palmyra_, _Rufina_, _Indiana_, _Açoriana_ e _Helena_, com
destino ás ilhas dos Açores e Madeira, para d'este ponto transportarem
colonos para o Brazil.

O consul, prevenia por esta occasião o governo de S. M., a fim de que se
déssem as ordens necessarias para serem obrigados os capitães a executar
as determinações da lei de 20 do julho de 1855, em terras de Portugal,
«visto que os consules pouca ingerencia tem a bordo dos navios
portuguezes, depois de entrados nos portos do imperio, e _absolutamente
nenhuma_ a bordo dos navios brazileiros.»

Mais tarde, em dezembro do referido anno, accrescentava sobre o mesmo
assumpto:

«Já tenho ponderado a v. ex.ª por vezes que esperando-se que os
passageiros das ilhas que tiverem de embarcar venham agora em navios
brazileiros, será sempre difficil que nos portos do Brazil os consules
de S. M. possam bem fiscalisar o que diz respeito á exactidão do numero
que conduziram, e bem assim sobre a realisação dos contractos, conforme
as ordens do governo de S. M., e isto porque os consules estrangeiros
não pódem exercer jurisdicção a seu bordo, por ser isso contrario ás
leis do paiz e regulamentos em vigor (do imperio).»

O sr. José Henriques Ferreira, consul em Pernambuco, assim se expressava
em seu officio de 6 de junho de 1857, com respeito a colonos
transportados para o interior sem sua sciencia:

«A maior parte dos colonos que abordam a esta provincia procede da
cidade do Porto e ilhas açorianas. Os capitães dos navios, chegados
aqui, embarcam geralmente os colonos, mesmo de bordo, para os engenhos
do interior, sem lhes permittirem que pisem em terra.

«Uma das primeiras cousas pois que cumpre prevenir são os _engajamentos_
feitos em Portugal para o interior do Brazil, porque alli não ha para os
colonos garantia possivel, ainda que o governo do paiz tenha os melhores
desejos. Collocados os engenhos a grandes distancias, e em terras pouco
povoadas, não chega alli a acção do governo. As auctoridades locaes
estão concentradas, ou n'um individuo ou n'uma familia, que de tudo
dispõem a bel-prazer, sem que o governo tenha meios de poder obstar á
sua vontade e prepotencia, porque todas as avenidas estão occupadas pela
sua clientella, e assim põem e dispõem da fazenda e vida de suas
victimas, sem receio. Obstar portanto a que semelhantes contractos se
celebrem em Portugal é, como tenho a honra de dizer a v. ex.ª, uma das
primeiras medidas a tomar.»

O brigue _Trovador_, sahido do Porto, com destino a Pernambuco, além de
conduzir maior numero de passageiros do que os manifestados, foram
egualmente conduzidos de bordo para os engenhos, sem que a tão grande
irregularidade podesse obstar o consul.

O bergantim portuguez _Alegre_ entrado em dezembro de 1857 no porto do
rio de Janeiro, conduzia tambem colonos a mais do que os manifestados.

Em março d'aquelle anno, entrava no porto do Rio do Janeiro, procedente
de Vianna do Castello, o patacho _Constante_, com um carregamento de 233
colonos. D'este numero só 46 levavam passaporte!

Dos navios brazileiros, a que já nos referimos, chamados _Palmyra_,
_Rufina_, _Indiana_, _Açoriana_ e _Helena_, sahidos da bahia do Rio de
Janeiro, em 1857, com o fim de conduzirem colonos das nossas ilhas para
o imperio, só consta officialmente ter regressado um--o _Helena_--: e,
ainda assim, pela impossibilidade que havia em esconder os colonos a
bordo de qualquer navio fundeado no porto, onde grassava com intensidade
a febre amarella.

Este navio conduzia 94 passageiros; mas o capitão só mencionára na
relação fornecida ao consulado, 33 individuos com passaporte. Os outros
colonos tinham sido apanhados a gancho!

Eis como a respeito dos engajamentos clandestinos se expressa o nosso
consul residente em Pernambuco, em 21 de janeiro de 1858:

«Tenho a honra de remetter a v. ex.ª o auto de investigação, a que
procedi n'este consulado contra o capitão do brigue _Trovador_, Antonio
Theodoro da Silva, aqui chegado em 28 de novembro com uma carregação de
passageiros engajados. Por esta occasião cumpre-me dizer a v. ex.ª, que
o mesmo capitão já em sua penultima viagem não satisfez as obrigações
que lhe são impostas, porque desembarcou seus passageiros de bordo para
os engenhos sem que os apresentasse n'este consulado. Que da mesma
investigação e mais documentos que a acompanham se vê a irregularidade
dos passaportes, maxime os passados no governo civil do Porto e
illegalidade dos contractos. Que o escrivão Megre Restier, reconheceu
signaes e assignaturas de contractos feitos contra as disposições da lei
de 20 de julho de 1855. Que o navio conduziu maior numero de passageiros
do que comportava a sua tonelagem. Que a relação dos passageiros dada
pelo capitão á sua chegada a este porto, não confere com a que foi
remettida a este consulado pela intendencia da marinha do porto. Que o
capitão tendo conduzido 95 passageiros, apenas apresentou n'este
consulado 81, e que além do mau passadio exerceu sobre elles violencias,
e os trazia pessimamente accommodados, em razão do grande numero e do
grande carregamento de varias mercadorias.»

A galera brazileira _Josephina_, entrada no porto do Rio de Janeiro, em
dezembro do mesmo anno, conduzira das ilhas 130 passageiros sem
passaporte; e se nos fiarmos no que dizem os jornaes d'esse tempo, o seu
numero seria elevado a 500!

O patacho portuguez _Sousa & Companhia_, fundeou no porto do Rio de
Janeiro, em 6 de novembro do mesmo anno, com 259 colonos procedentes da
ilha de S. Miguel. De tão excessivo numero só 73 apresentaram
passaporte!

Em 24 de fevereiro de 1859, communicava o encarregado dos negocios
consulares no Rio, ao representante do governo portuguez:

«Apresso-me em fazer sciente a v. ex.ª de que tendo o governo civil do
Porto officiado a este consulado geral, em data do 10 de janeiro do
corrente anno, que por denuncia alli recebida, participava que nas
barcas portuguezas _Duarte 4.º_ e _Monteiro 2.º_, vinham alguns colonos
que se declaravam passageiros livres, talvez insinuados pelos caixas e
capitães de navios, para não serem compellidos a prestarem a fiança
exigida pela carta de lei de 20 de julho de 1855, pedindo por
consequencia toda a fiscalisação na chegada d'estas embarcações,
procedendo ao respectivo auto, caso fosse verdade, para lhe ser enviado
e os culpados á acção da justiça.

«Em consequencia do que, e para melhor poder averiguar este facto, afim
de dar o devido cumprimento á communicação que aquelle governo fez,
officiei logo ao chefe de policia, pedindo-lhe de dar as suas ordens aos
encarregados das visitas do porto, para que no acto da entrada
intimassem aos capitães d'aquellas duas embarcações, que não
desembarcassem os passageiros sem que eu me apresentasse a seu bordo.

«Emquanto ao _Duarte 4.º_, este navio entrou a barra quando ainda os
referidos encarregados das visitas não haviam recebido do chefe de
policia as ordens a respeito, e por consequencia os passageiros
desembarcaram a seu salvo, e não foi possivel poder entrar nas precisas
indagações.

«Emquanto porém ao _Monteiro 2.º_, apresentei-me hontem a seu bordo e de
110 passageiros que esta barca conduziu 36 são colonos, e segundo o
interrogatorio a que procedi, estes declararam que haviam sido
clandestinamente engajados, como v. ex.ª verá do auto de inquerito que
junto tenho a honra de enviar-lhe.

«Á vista d'este depoimento intimei o capitão que nenhum d'estes colonos
desembarcasse até segunda ordem. Estes colonos foram arranjados no Porto
para o barão de Friburgo, e comquanto contra este barão nenhuma queixa
aqui ainda apparecesse de mau trato que porventura elle tenha dado aos
que tem ao seu serviço, todavia são obrigados a servirem nas suas
fazendas por tres annos! É muito tempo por insignificantes
vantagens--30$000 réis no primeiro anno! Devo dizer a v. ex.ª que poucos
são os navios que deixam de trazer colonos para o barão de Friburgo, tal
qual estes vem, mas estava-me reservado o entrar n'estas investigações
para merecer talvez as iras do mesmo barão, que todavia saberei
desprezar, quando tenha a consciencia de ter cumprido com o meu dever.»

Pouco tempo depois, communicava ainda o mesmo consul, que o brigue
portuguez _Esperança_, de que era capitão José Pereira Rezende,
manifestára apenas 49 passageiros, quando a bordo conduzira 283 colonos!

O patacho _Panoma_, capitão Manuel Pereira Dias, manifestára 68 em logar
de 372!

«D'estas duas embarcações, humanamente fallando, diz o consul, os
interessados n'esta especulação assás lucrativa, excederam dos limites.»

E accrescentava:

«A bordo d'estes navios, além da inpossibilidade do arrolamento dos
passageiros, é difficil fazer-se um registro exacto d'elles, isto é,
nomes, naturalidades, filiação, idade, freguezias, etc.; por que
juntam-se logo os visitadores e engajadores, que agglomerados no navio
difficultam um rigoroso registo, o qual só na chancellaria d'este
consulado é possivel fazer-se, como effectivamente se faz, _d'aquelles
passageiros que não são desviados_ de n'elle se apresentarem.»

Com os navios do Porto militam iguaes circumstancias e acontece o mesmo
que com os das ilhas, porque todos trazem mais ou menos passageiros sem
passaporte e alguns clandestinamente engajados, como succedeu com a
barca _Monteiro 2.º_» etc.

«D'estes engajamentos clandestinos feitos no Porto, os capitães muitas
vezes ignoram, porque dizem elles, os donos dos navios mettem-lhe a
bordo os engajados como passageiros que pagaram lá ou veem pagar cá as
suas passagens, combinando com o engajador para escrever com
antecedencia á pessoa que n'esta côrte deve recebel-os, a fim de que,
logo que chegar o navio se apresente a bordo, _obtendo para isso
previamente licença da alfandega para o prompto desembarque_ dos
referidos colonos, como effectivamente acontece.»!

Se as clausulas expressas na lei de 20 de julho de 1855, não foram desde
logo despresadas, é certo que a fiscalisação rigorosa que ella mandava
exercer, veio dar grande curso á emigração clandestina.

Acontecera o mesmo com relação ao trafico da escravatura. A lei que
prohibira tal commercio, fôra por muitos annos despresada; e se a
rigorosa fiscalisação por parte do governo imperial, veio por fim a
banir completamente o horroroso trafico, não confiamos na boa vontade
d'esse governo com relação á repressão da emigração clandestina; porque
o empenho dos homens de estado do Brazil era banir de seus codigos o
trafico da escravatura, para demonstrar ás outras nações uma virilidade
ficticia, e apoiar clandestinamente outro commercio mais horroroso--o da
_escravatura branca_--; na persuasão de que sendo este exercido em toda
a sua plenitude, viria a preencher a lacuna aberta pela abolição do
commercio da--_escravatura preta_.

Dissemos que a lei de 20 de julho de 1855, viera, por um lado, proteger
os emigrados portuguezes; porque, além de outras providencias salutares,
estabelecia a clausula de não serem válidos os contractos de locação de
serviços, que não fossem feitos perante as nossas auctoridades.
Demonstrámos tambem, que essa lei viera dar maior curso á emigração
clandestina, porque aos engajadores ou roceiros do Brazil não convinha
que os colonos tivessem como protectores os agentes do nosso governo,
que são, para assim dizermos, os procuradores de tão infeliz gente. E
que o governo imperial protegia os engajadores e os roceiros, que,
mancommunados com os capitães e proprietarios de navios, pretendiam
illudir a vigilancia dos consules, ao fazerem o desembarque dos colonos.

As providencias pedidas pelo governo ás auctoridades administrativas do
continente e ilhas, exaradas na portaria de 27 de julho de 1857, com o
fim de evitar a emigração clandestina, não podiam sortir o effeito
desejado, especialmente nas ilhas, como se póde vêr pelo seguinte
documento:

«Representando o governador civil do districto da Horta, segundo me foi
communicado pelo ministerio do reino, que, apesar das providencias
adoptadas pelas auctoridades administrativas do archipelago dos Açores,
e de se haver dado conhecimento ao poder judicial, sempre que ha motivo,
de alguma infracção da lei de 20 de julho de 1855, ou dos regulamentos
de policia em vigor, assim mesmo é frequente ali a emigração clandestina
para o Brazil, não só por causa da tendencia dos habitantes para a dita
emigração, mas tambem por ser impossivel guardar o immenso litoral de
todas as ilhas para obstar á fuga, recommendo a vossa mercê que, dando
cumprimento ás diversas circulares que sobre este assumpto teem sido
dirigidas a esse consulado, haja de empregar a mais assidua vigilancia á
chegada dos navios com colonos aos portos do districto consular a seu
cargo, averiguando os que vão sem passaporte, o modo porque se evadiram,
quem lhes deu coadjuvação para a fuga ou quem os seduziu, tomando nota
dos seus nomes, naturalidades, residencia, filiação e empregados, e bem
assim instaurar o competente inquerito e processo consular, que deverá
ser logo remettido ao governo civil a cujo districto pertencer o porto
de procedencia do navio, dando finalmente parte a esta secretaria
d'estado de tudo que houver praticado a similhante respeito.»


XIII

Os proprios commandantes de navios portuguezes, fiados na protecção do
governo brazileiro, reagiam contra as nossas leis e os agentes da
auctoridade que se esforçavam para fazel-as cumprir.

O documento que vamos transcrever, mostra até que ponto chegára o abuso
da emigração clandestina.

Tem a data de 8 de novembro de 1859, e é firmado pelo conde de Thomar,
nosso ministro, então residente na côrte do Rio de Janeiro:

«Acabo de chegar de bordo da barca _Nova Lima_, acompanhado do consul
geral e de um empregado do consulado. Para grande mal grande remedio.
Assumi uma grave responsabilidade: sujeito-me ás suas consequencias se o
meu procedimento não merecer a approvação de sua magestade.

«Depois de interrogar um grande numero dos subditos de sua magestade a
bordo do dito navio, sem passaporte, embarcados clandestinamente em
differentes pontos da costa, e principalmente para o lado da villa do
nordeste da ilha de S. Miguel, convenci-me da culpabilidade do capitão e
do dono do navio, e julguei que não devendo lucupletar-se com prejuizo
de terceiro, e contra as determinações expressas da lei, ordenei que o
consul intimasse á minha ordem, como representante de sua magestade,
para não deixar desembarcar de bordo do seu navio, portuguez algum que
não estivesse munido do passaporte, e em nome de El-Rei declarei a todos
que haviam sido seduzidos, que estavam livres, e que nada deviam ao
capitão.

«Não faz v. ex.ª ideia da satisfação que mostraram os risonhos
semblantes d'estes infelizes, até ali abatidos e tristes.

«Para não deixar esta pobre gente em desgraça, passei á secretaria da
marinha e requisitei um navio de guerra desarmado para os accommodar
emquanto não tomar o serviço que mais lhes agradar, debaixo da tutela do
consul geral.

«Ha de fazer-se alguma despeza com o sustento de estes infelizes,
durante alguns dias, mas creio que se adoptou a unica medida, que será
efficaz para reprimir este trafico de escravatura branca.

«Nenhum capitão, de futuro, ha de embarcar a bordo do seu navio colonos
sem passaporte, porque não ha de querer correr o risco da perda da
importancia da passagem e comedorias. Livramo-nos sobre tudo do nojento
espectaculo de ver os que foram nossos colonos a comprar temporariamente
os subditos de sua magestade em leilão, no navio, como se tem feito.

«Espero as resoluções de sua magestade sobre este importantissimo
assumpto. Não dará este acontecimento logar a pensar se será conveniente
ter n'este paiz um navio de guerra nacional? Se aqui existisse um tal
navio teria dado logo á minha disposição meios de obrar com energia
contra os que tão escandalosamente transgridem as leis do paiz e as
beneficas e humanitarias ordens do governo de sua magestade, para
reprimir tão infame trafico, etc.

«Lancei em rosto ao capitão e mais empregados da barca a hediondez do
seu procedimento; em resposta só me disseram, que elles eram punidos
pelo que a outros tinha sido tolerado, tirando d'ahi grandes lucros.

«No embarque de tanta gente houve seguramente ou connivencia, ou pelo
menos grande omissão das auctoridades administrativas de S. Miguel. É
minha opinião que o governo deve dar um grande exemplo; sem elle é muito
de receiar que continue o trafico para outras provincias, porque eu não
posso estar em toda a parte, e os consules por certo não terão força,
nem quererão assumir uma grande responsabilidade.»

O que effectivamente acontecia, e o que não podia deixar de acontecer
mesmo com relação ao porto do Rio de Janeiro, onde a nobre energia do
illustre diplomata seria improficua, desde que os navios não fossem
portuguezes, o que elle proprio confessa ao governo de sua magestade,
alguns dias depois, no seguinte trecho de um documento que temos á
vista:

«Se os actos de energia se repetirem, como pretendo repetir com outros
navios que se esperam dos nossos mares insulanos, eu tenho algum receio
de que não só se venham a suscitar algumas reclamações por parte do
governo do Brazil, como de que a navegação que ora é feita das ilhas dos
Açores para o Brazil em navios portuguezes, venha a ser feita em navios
d'outras nações, contra os commandantes dos quaes toda a minha energia e
boa vontade para fazer executar a lei portugueza será inefficaz.»

É preciso que se diga, para honra do nobre representante de sua
magestade, que a importancia das passagens dos colonos transportados na
barca _Nova Lima_, fôra garantida ao dono do navio, como se vê em seu
officio dirigido pouco depois ao nosso governo.


XIV

O governo brazileiro, atemorisado, ao que parece, com o acto de energia
praticado pelo nosso representante na côrte do Rio de Janeiro, tentou
dar todas as satisfações; mas não fez mais do que illudir-nos ainda uma
vez.

Assim é que devendo dar um exemplo de moralidade, contra a emigração
clandestina, condemnando o commandante ou proprietario da barca _Nova
Lima_, seguindo as disposições do regulamento brazileiro, de 1 de maio
de 1858, que no seu artigo 7.º estipula que «o capitão ou mestre que
trouxer até 20 passageiros mais do que determinam os artigos 1.º, 3.º e
4.º, soffrerá por cada um a multa igual ao importe da passagem, se
transportar mais de 20, a multa será do dobro do importe da mesma
passagem», devendo por consequencia o capitão da _Nova Lima_ pagar
56:858$ réis, moeda brazileira, só pagou 7:478$000 réis!

Mas não ficou ainda aqui a questão. Deu-se pouco depois um grave
conflicto diplomatico, entre o nosso ministro e o governo brazileiro,
por causa do acto energico que já mencionámos.

«Este meu procedimento, dizia pouco depois o conde de Thomar, com
relação aos colonos da _Nova Lima_, tão altamente elogiado pelos nossos
compatriotas, e que já mereceu a plena approvação de sua magestade, não
podia agradar, nem ao governo imperial, nem aos brazileiros interessados
na importação dos colonos.»

Era, portanto, necessario, custasse o que custasse, evitar que as nossas
auctoridades residentes no imperio, communicassem com os navios,
immediatamente á sua chegada a qualquer porto brazileiro.

D'isso se encarregou o governo imperial, como vamos demonstrar, com o
fim de provar ainda mais uma vez, que as auctoridades brazileiras,
auxiliam escandalosamente o horroroso trafico da escravatura branca:

«Cumpre-me chamar a mais séria attenção de v. ex.ª sobre o objecto das
notas juntas, communicava o conde de Thomar ao governo, que mostram a
discussão que fui obrigado a sustentar, e ainda continuo sobre um
objecto da maior gravidade, pelas consequencias que no futuro póde ter.

«Permitta-me v. ex.ª chamar á sua memoria tudo o que se passou a
respeito da barca _Nova Lima_. Como v. ex.ª verá das referidas notas,
foi mister, para conhecer bem o pensamento do governo imperial, levantar
uma questão de direito internacional e sobre elle exigir cathegoricas
explicações.

«Pódem afinal julgar-se satisfactorias quanto ao representante de S. M.,
mas uma certa reserva quanto aos consules, e a limitação quanto aos
commandantes dos navios de guerra de Portugal induziram-me a augmentar
as minhas suspeitas. _A pretenção que teve o governo em querer fazer
applicar aos navios carregados com colonos os regulamentos da alfandega,
para assim impedir a entrada dos consules, antes das visitas de saude e
policia, e da alfandega_, tende a dar logar que, na fórma do § 2.º do
artigo 145.º, do regulamento de 22 de junho de 1836, transcripto na
minha nota de 31 de janeiro, os colonos portuguezes possam desembarcar
depois da visita de saude, _sem que os consules portuguezes possam
constatar o numero de passageiros e a legalidade do passaporte e titulo
que os auctorisou a sahir de Portugal, e ao mesmo tempo a legalidade ou
illegalidade do procedimento dos capitães dos navios portuguezes_.»

Dera aso ás reclamações do conde de Thomar e ás quaes se refere no
documento que deixamos transcripto, as seguintes informações do
ministerio da fazenda do imperio:

«Ao ministerio dos negocios estrangeiros, declarando á vista do parecer
da directoria geral das rendas, que _não é permittido ao ministro de S.
M. F., nem aos consules portuguezes, ou aos commandantes de navios da
marinha de guerra de Portugal_, não estando embarcados em escaler da
marinha de guerra do imperio, _o ingresso sem licença_ da alfandega nos
navios do commercio portuguez, surtos nos portos do Brazil, _mesmo
quando o julgarem urgente e necessario para fiscalisar as leis do seu
paiz ou ordens do seu governo_ (sic); mas a licença será sempre
facilitada a esses funccionarios da nação portugueza independente de
minuciosas formalidades, e logo que aquelle ministro o exija por si, por
qualquer terceiro ou empregado verbalmente, ou por escripto, ao
inspector da alfandega ou quem suas vezes fizer; ficando assim
respondido o aviso do mencionado ministerio, de 28 de novembro ultimo.»

Uma das notas a que o nosso ministro se refere, e que passamos a
transcrever, illucidará mais a questão, do que as palavras que por
ventura escrevessemos.

É esta a nota:

«O abaixo assignado, enviado extraordinario e ministro plenipotenciario
de sua magestade fidelissima, dirigiu a s. ex.ª o sr. João Lino Vieira
Cansansão de Sinimbú, ministro dos negocios estrangeiros de sua
magestade o imperador, a sua nota de 25 de novembro ultimo, rogando ser
informado pelo governo imperial dos casos em que a elle ministro, aos
consules de Portugal e commandantes de navios de guerra da sua nação,
não embarcados em escaler da marinha imperial, era vedado o ingresso nos
navios do commercio portuguez, surtos nos portos do Brazil, quando assim
o julgassem urgente e necessario para fiscalisar a execução das leis do
seu paiz e as ordens do seu governo.

«Não respondeu, nem mesmo accusou até hoje a recepção da mencionada nota
s. ex.ª o sr. ministro dos negocios estrangeiros, mas assegurou em
conferencia verbal ter dado conhecimento do conteúdo da dita nota ao
ministro da fazenda, para ser habilitado a responder, o que faria logo
que taes esclarecimentos lhe fossem presentes.

«Em taes circumstancias não pôde deixar de causar grande surpreza ao
abaixo assignado vêr devolvido pelo ministerio da fazenda, com a data de
27 do dezembro ultimo, o objecto da supracitada sua nota, sendo uma tal
resolução publicada no _Jornal de Commercio_, parte official do
ministerio da fazenda de 13 do corrente, sem que na conformidade dos
estylos, usos e conveniencias diplomaticas, e sobretudo em virtude das
intimas relações de amisade que existem entre os dois governos, e das
que tão cordealmente teem sido mantidas entre o abaixo assignado e s.
ex.ª o sr. Sinimbú, se désse á legação de sua magestade fidelissima a
menor noticia de tal resolução. Quer o abaixo assignado lisongear-se de
que nos extractos publicados pelo _Jornal do Commercio_ haja algum
equivoco ou omissão, porque não póde acreditar-se que as pretenções do
governo imperial subam ao ponto de querer que o direito internacional e
das gentes, a que se soccorrem os representantes do Brazil na Europa
para sustentar as suas reclamações, tenha de receber modificações ou
alterações quando se trata da sua applicação no imperio do Brazil. É
tanto mais fundamentada esta esperança do abaixo assignado, quanto nota
uma grande differença entre a acto official, que respeita ao ministro de
sua magestade fidellissima, os consules de Portugal e commandantes de
navios de guerra da mesma nação, e o que respeita aos ministros de
outras nações alliadas.

«Para obter pois a certeza a tal respeito, roga o abaixo assignado a s.
ex.ª o sr. ministro dos negocios estrangeiros, que tenha a bondade de
responder em termos cathegoricos á sua nota de 25 de novembro ultimo, e
bem assim que se digne mandar o texto da lei, decreto, aviso, de
qualquer acto emfim, em virtude do qual nem o ministro de sua magestade
fidelissima, nem os consules de Portugal e os commandantes dos navios de
guerra da mesma nação (não embarcados em escaler da marinha imperial)
pódem ter ingresso nas embarcações de commercio portuguezas, sem licença
das alfandegas do imperio.

«Por fim pede o abaixo assignado a s. ex.ª o sr. ministro dos negocios
estrangeiros haja de mandar-lhe copia do officio dirigido á alfandega da
côrte em data de 27 do mez proximo passado sobre este grave e importante
assumpto» etc.

O ministro dos negocios estrangeiros do imperio, respondendo ao
representante de Portugal, dizia que tendo dado o conteúdo da nota de 25
de novembro ao seu collega da fazenda, a fim de sobre o assumpto, obter
informações indispensaveis, resultára que este ministro, segundo a
pratica adoptada de publicar todos os seus actos, incluira na parte
official do dia 13 as referidas informações, que suprehenderam o conde
de Thomar. E declarava mais, com uma ingenuidade impropria de um
ministro de estado, que lhe parecia, que as informações do ministerio da
fazenda, sobre assumptos diplomaticos, publicadas na parte official do
_Jornal do Commercio, não deviam importar aos olhos da legação de s. m._
pelo simples facto de serem informações!

Dizia mais que não é permittido a pessoa alguma o ingresso em navio
mercante dentro do porto antes das visitas de saude e policia.

«Essa prohibição continúa até verificar-se a visita da descarga, que é
quando se concede aos navios livre pratica.

«Que verificada a visita de saude póde o ingresso a bordo ter logar,
_mas sómente_ com licença da alfandega. Sem licença, só é elle
permittido nos casos de agua aberta repentina, etc: aos officiaes que,
na conformidade dos regulamentos de marinha, forem nos escaleres dos
navios de guerra nacionaes que estiverem de registo no porto; aos
officiaes das estações estrangeiras; e que nos referidos regulamentos
_não consagram a hypothese de virem os agentes diplomaticos a bordo dos
navios mercantes das suas respectivas nações_.»

D'esta maneira procedia o _humanitario_ governo do Brazil, com o fim de
evitar que o representante de Portugal oppozesse de futuro a sua energia
contra os traficantes da escravatura branca!

Mas é preciso dizermos, que o nosso illustrado representante replicára
nobremente, derrubando com inexcedivel habilidade o castello de cartas
tão inconscientemente architectado pelo ministro brazileiro.

Sentimos não poder dar na integra tão precioso documento, por ser muito
extenso. Comtudo, copiaremos alguns dos principaes trechos que mais
illucidam a questão:

«Recebidas na secretaria dos negocios estrangeiros em 27 de dezembro do
anno findo as mencionadas informações, replica o conde de Thomar, não se
dirigiu o sr. ministro dos negocios estrangeiros ao abaixo assignado por
julgar s. ex.ª conveniente proceder a mais algumas averiguações, em
ordem a dar uma explicação tão completa como era para desejar.


«Obtidos os esclarecimentos procedentes das novas investigações,
julgou-se habilitado s. ex.ª o sr. ministro a dar as explicações
pedidas, e depois de passar em revista a legislação do imperio sobre o
ponto em questão, conclue s. ex.ª que os respectivos regulamentos são
omissos quanto aos agentes diplomaticos, mas querendo mostrar quanto no
imperio se attende aos privilegios e prerogativas d'aquelles altos
funccionarios, explica s. ex.ª a verdadeira _permissão_ que elles
precisam ter da alfandega, para ir a bordo dos navios do commercio das
suas respectivas nações.


«Antes de passar ávante, julga o abaixo assignado chamar á memoria de s.
ex.ª o pedido feito na sua nota de 25 de novembro; dizia o abaixo
assignado o seguinte: «Sendo, como é, a missão do abaixo assignado,
manter e estreitar cada vez mais as relações de amizade, que felizmente
existem entre as duas corôas e os dois povos, deseja e roga o abaixo
assignado a s. ex.ª o sr. ministro, que haja de dar-lhe a verdadeira
significação do periodo da sua nota supra transcripta, designando
claramente quaes os casos em que o governo imperial entende que o
representante de sua magestade fidelissima e os consules portuguezes,
não estando embarcados em escaler da marinha de guerra do imperio, ou no
do commandante do navio da marinha de guerra de Portugal, que possa
estacionar nas aguas do imperio, são impedidos de ir a bordo dos navios
do commercio portuguezes, surtos nos portos do Brazil, sempre que assim
o julgarem urgente e necessario para fiscalisar as leis do seu paiz ou
as ordens do governo de S. M. F.»

«Parece ao abaixo assignado, que nenhuma prova maior podia dar da sua
lealdade e do desejo que tem de evitar questões entre os dois governos,
do que a de rogar fossem designados pelo governo imperial os casos de
impedimento para o ingresso das auctoridades portuguezas, nos navios do
commercio da sua nação, surtos nos portos do Brazil.

«Tambem parece ao abaixo assignado que não havia a menor necessidade da
publicação dos actos do ministerio da fazenda de 27 de dezembro ultimo,
sobre negocio diplomatico pendente, sendo que veio uma tal publicação de
alguma fórma confirmar suspeitas e receios de que as informações do
conhecimento do abaixo assignado não deixavam de ter fundamento.

«Em opposição ás francas e leaes declarações de s. ex.ª o sr. ministro,
cujas rectas intenções o abaixo assignado se compraz de ter reconhecido
em todas as occasiões, constava ao abaixo assignado, que os empregados
da fiscalisação, _prottestaram que não se repetiriam procedimentos
eguaes aos que tiveram logar contra a barca «Nova Lima»_, porque tinham
nas suas attribuições meios de impedir que as auctoridades portuguezas
fossem a bordo verificar o numero e qualidade dos passageiros,
conduzidos em navios do commercio portuguezes.»

Restava ás auctoridades portuguezas residentes no imperio, o poderem
fiscalisar os navios portuguezes chegados a qualquer porto brazileiro;
mas o governo do imperio calcava aos pés os tractados, e não tinha
duvida em criar uma situação anomala entre as duas nações, para que se
não repetissem casos identicos ao da _Nova Lima_. Assim podia muito bem
exercer-se o commercio da escravatura branca, que o governo do Brazil,
sómente para guardar apparencias, dizia combater. Não lhe valeu de nada
a esperteza, devido isso á nobre energia do conde de Thomar.

Mas não fica ainda aqui a questão. O illustre diplomata estranhou que a
publicação dos actos officiaes, feita pelo ministerio da fazenda,
occupando-se singularmente das auctoridades portuguezas, não podia
deixar de ser aproveitada para rogar ao ministro dos negocios
estrangeiros uma resposta cathegorica sobre o ponto alludido; por quanto
devia ter reconhecido quanto era melindroso em assumptos internacionaes
faltar áquellas conveniencias que era mister guardar entre as nações e
os governos alliados, em modo a não praticar actos que podessem ser
traduzidos em menor consideração e como importando a não concessão de
direitos ou prerogativas que a outros se concediam.

Cumpria-lhe mais dizer, que acceitava as explicações dadas com o fim de
justificar-se o ministro brazileiro da demora da resposta á nota de 25
de novembro.

«Pede comtudo o abaixo assignado licença a s. ex.ª para observar que a
segunda sua nota, com data de 14 do corrente, não teve por fim mostrar
surpresa pela falta de resposta á mencionada primeira sua nota de 25 de
novembro ultimo, mas sim mostrar surpreza, e muito grande de que
achando-se pendente uma reclamação diplomatica sobre um assumpto de
direito internacional, fossem publicados por outro ministerio, que não o
dos negocios estrangeiros, actos officiaes resolvendo esse assumpto
internacional, sem que ao menos pelo ministerio competente tal resolução
fosse transmittida á legação de S. M. F., d'onde partira a reclamação,
como aliás exigem os estylos, usos e conveniencias diplomaticas.»

E accrescentava:

«......... E se acontece que essa publicação é feita a cargo do
presidente do conselho, que representa o pensamento do gabinete, não
deixará s. ex.ª o sr. ministro dos negocios estrangeiros de convir que
esta circumstancia ganha e dá grande força para justificar a sorpreza
que causou ao abaixo assignado ver a alludida publicação antes de ser a
resolução devidamente participada á legação de S. M. F. pelo ministerio
dos negocios estrangeiros, conforme os usos, estylos e conveniencias
diplomaticas invocadas por s. ex.ª o sr. ministro.

«Pareceu ao abaixo assignado que, feita tal publicação pelo ministerio a
cargo do presidente do conselho, o qual sobre o parecer da dictoria
geral das rendas declarava, que nem ao ministro de S. M. F., nem aos
consules de Portugal, nem aos commandantes de navios de guerra da mesma
nação, não estando embarcados em escaler da marinha de guerra do
imperio, era permittido o ingresso, sem licença da alfandega, nos navios
de commercio portuguezes surtos nos portos do Brazil, mesmo quando o
julgarem urgente e neccessario para fiscalisar as leis do seu paiz ou as
ordens do seu governo; vendo além d'isto que, para tornar effectiva
aquella resolução, se expediram ordens á alfandega, recommendando a bem
das relações que existem entre o governo do Brazil e os das diversas
nações alliadas, que facilite aos ministros estrangeiros n'esta côrte,
sempre que a requisitarem, entrada nos navios de commercio das suas
nações, que tiverem chegado a este porto, independente de minuciosas
formalidades; pareceu, repete o abaixo assignado, que uma tal publicação
continha uma resolução definitiva; muito embora ficasse desde logo
convencido de que a proposição absoluta e nos termos em que estava
concebida era insustentavel e mesmo contraria aos regulamentos do
imperio. Pareceu outro tanto n'esta ultima parte s. ex.ª o sr. ministro
dos negocios estrangeiros, e por isso não se dando por satisfeito com a
doutrina expendida nos actos officiaes publicados pelo ministerio da
fazenda, julgou não os dever aproveitar nos rigorosos termos em que
estavam concebidos, para responder á nota da legação de sua magestade
fidelissima de 25 de novembro do anno proximo passado, tendo a bem
proceder a outras investigações que o habilitassem a dar a explicação
pedida, tão completa como era para desejar; mas pareceu ao mesmo tempo a
s. ex.ª que os mencionados actos officiaes só deviam ser considerados
como informações, e traduzindo agora na sua nota o resultado das novas
investigações, como resolução difinitiva, dignou-se transmittil-a á
legação de sua magestade fidellissima.

«Effectivamente em resultado das novas investigações a que se procedeu,
começa o sr. ministro dos negocios estrangeiros a dar as explicações
pedidas, e referindo a legislação do imperio, entende que, segundo as
suas disposições, não é só o ministro de sua magestade fidelissima, nem
os consules portuguezes, ou os commandantes de navios de guerra de
Portugal, não embarcados em escaler da marinha de guerra imperial, mas
que todos os ministros, todos os consules das nações alliadas e os
commandantes dos navios de guerra das mesmas nações, todo e qualquer
individuo emfim, são vedados de entrar nos navios mercantes surtos nos
portos do Brazil antes da visita de saude e da policia. Accrescenta o
sr. ministro dos negocios estrangeiros que essa prohibição de ingresso,
antes da visita de saude, continúa até verificar-se a visita de
descarga, que é quando se concede aos navios a livre pratica.

«Antes do continuar no desenvolvimento do objecto principal em questão,
permitia v. ex.ª que o abaixo assignado chame a sua attenção sobre o que
dispõe o artigo 145.º § 2.º do regulamento de 22 de junho de 1836. Diz
assim:

«Os passageiros porém poderão desembarcar logo que se conclua a visita
da saude, dirigindo-se em direitura á barca de vigia do ancoradouro,
havendo-a, ou ao ponto para isto destinado pelo inspector para serem
examinados, ficando n'elles retidos, quando tragam algum objecto sujeito
a direitos.»

«Affigura-se ao abaixo assignado, que a continuação da prohibição do
ingresso até á visita da descarga, depois da qual sómente se concede aos
navios a livre pratica, sómente é applicavel ao navio cujo carregamento
esteja sujeito a pagamento de direitos, e que possa dar objectos para
contrabando.

«Não espera o abaixo assignado que os emigrantes portuguezes conduzidos
a bordo de um navio portuguez possam ser excluidos do favor concedido
pelo citado artigo aos passageiros em geral, e que em logar de serem
considerados como pessoas, sejam considerados como cousas ou
mercadorias. Em tal caso podendo, como não podem os emigrantes
portuguezes deixar de ser considerados como passageiros, tem o abaixo
assignado fundados receios de que a exigencia do governo imperial tenda
a estabelecer um impedimento indirecto ao exercicio da soberania da
corôa de Portugal a bordo de um navio portuguez.

«Segundo os regulamentos portuguezes nenhum capitão de navio portuguez
póde conduzir mais passageiros ou differentes d'aquelles que constarem
da relação que sob o sello real é remettida pelas respectivas
auctoridades aos consules de Portugal, e com ella deve necessariamente
conferir outra relação feita pelo capitão do navio, e o effectivo dos
passageiros a bordo.

«Se o consul de Portugal fôr impedido de ir a bordo (porque a licença é
facultativa) antes da visita da saude e da policia, e antes da descarga,
os passageiros, em virtude do § 2.º do artigo 145.º citado, verificada
apenas a visita de saude, podem desembarcar, ficando assim o consul de
Portugal impedido pelas resoluções do governo imperial de executar a lei
de Portugal a bordo de um navio portuguez, o qual não póde deixar de ser
considerado territorio de Portugal, porque, não obstante estar surto nos
portos do imperio, sómente fica sujeito á jurisdicção local no que
respeita ás relações internas.

«Não póde o abaixo assignado, em vista da boa intelligencia e intima
amizade que existe, e convem estreitar cada vez mais entre os dois
governos e entre os dois povos, presumir que se queira procurar um meio
indirecto de promover a emigração de Portugal clandestinamente,
impedindo-se por tal forma as auctoridades portuguezas de em tempo
devido constatar a legalidade do procedimento dos capitães de navio.

«Não póde o abaixo assignado convencer-se de que um tal rigor tenha por
fim salvar das penas comminadas pelas leis do reino aos capitães
subditos de sua magestade fidelissima, que porventura as tenham
infringido.

«É tal a confiança que o abaixo assignado tem nas rectas intenções do
governo imperial, que está plenamente convencido que nenhum obstaculo
apparecerá da parte do mesmo governo e das auctoridades do imperio, que
possa justificar os receios do abaixo assignado.

«Voltando á questão principal, reconhece tambem o sr. ministro dos
negocios estrangeiros na sua nota, que os regulamentos do imperio
estabelecem excepções para ter logar o ingresso nos navios mercantes sem
licença da alfandega, sendo muito singular que entre essas excepções se
encontre a dos commandantes dos navios de guerra, muito embora limitada
a uma vez sómente.

«Appella o abaixo assignado para resolver, se, em vista do exposto na
sua nota, é sustentavel a generalidade em que se acha concebido o acto
official do ministerio da fazenda, com relação ás auctoridades
portuguezas alli mencionadas. Para mostrar ainda as grandes omissões que
no sobredito acto se conteem, e que s. ex.ª o sr. ministro dos negocios
estrangeiros se propoz supprimir na sua nota, bastaria attender ás
seguintes palavras: «não é permittido... o ingresso sem licença da
alfandega nos navios de commercio portuguez, surtos nos portos do
Brazil.» Estas phrases dispensam toda a demonstração.

«Em objectos de tanta gravidade e que involvem assumptos de direito
internacional, parece ao abaixo assignado não deverem publicar-se por
extracto os actos officiaes. Quer o abaixo assignado persuadir-se que no
original a que se referem os mencionados extractos se encontrará o que
não podia por certo escapar á fina penetração do sr. presidente do
conselho, sentindo o abaixo assignado que s. ex.ª o sr. ministro dos
negocios estrangeiros não quizesse ter a bondade de mandar copias das
instrucções ou aviso expedido á alfandega, porque haveria assim occasião
de verificar com muita satisfação o fundamento ou persuasão e crença do
abaixo assignado.

«Reconhece o sr. ministro dos negocios estrangeiros que os regulamentos
citados por s. ex.ª são omissos quanto aos agentes diplomaticos. Não
deseja o abaixo assignado discutir com s. ex.ª sobre os motivos porque
os mencionados regulamentos foram omissos a tal respeito: não póde com
tudo dispensar-se de dizer que aos motivos excogitados por s. ex.ª se
poderia oppor o de julgar-se inadmissivel vedar o ingresso ao
representante da nação a que pertence o navio depois da visita de saude
e da policia, não podendo ser-lhes applicaveis, por summamente
injuriosas e offensivas ao caracter d'esses mesmos representantes junto
de S. M. o imperador e do seu governo, as precauções e medidas
rigorosas, que os regulamentos estabelecem para segurar os direitos do
fisco e evitar os contrabandos.

«Foi tudo isto reconhecido e a tudo isto quiz attender o governo
imperial, quando, resolvendo comprehender os agentes diplomaticos na
prohibição da ida a bordo sem licença da alfandega, apesar da
reconhecida omissão dos regulamentos, suavisou a sua resolução
declarando que a permissão da alfandega quanto aos agentes diplomaticos
não importa quebra de privilegio, nem desattenção ás prerogativas de que
gozam aquelles altos empregados, sendo que uma similhante permissão,
segundo entende o governo imperial, não é outra cousa mais que a
annunciação da intenção do agente diplomatico ir a bordo.

«Se o abaixo assignado comprehende bem o pensamento da resolução do
governo imperial, o agente diplomatico tem de prevenir o inspector da
alfandega, sempre que quizer transportar-se a bordo de um navio impedido
da sua nação, pela demonstrada necessidade que tem o dito inspector de
remover ou fazer remover todos os embaraços que os agentes diplomaticos
poderiam encontrar da parte dos guardas da fiscalisação e das rondas do
mar, e de lhes serem prestadas todas as devidas attenções, em
conformidade dos privilegios e altas prerogativas de que gosam os
agentes diplomaticos.

«Se a exigencia do governo imperial tem este fim, felicita-se o abaixo
assignado de estar de accordo com a resolução agora annunciada, porque
está convencido de que o abaixo assignado nem agente algum diplomatico
terão jámais em vista concorrer para que os empregados do imperio deixem
de cumprir os seus deveres» etc.

Como pódem observar os leitores, a lição dada n'este ponto pelo
representante de Portugal ao governo brazileiro, era habil e ao mesmo
tempo severa. Não merecia outra resposta a evasiva do inhabil diplomata
brazileiro.


XV

O conde de Thomar terminava a sua nota reclamando, que a resolução
imperial communicada á legação de S. M. F., fosse publicada na parte
official do ministerio dos negocios estrangeiros, ou como o governo
imperial julgasse mais conveniente, _em termos geraes e comprehendendo
os representantes e mais auctoridades de todas as nações, a fim de
supprir as ommissões, que existiam na denominada informação do
ministerio da fazenda, a má impressão que causara tal publicação,
attenta a singularidade da applicação_, etc; não annuindo o governo
brazileiro a que fosse publicada na parte official, por isso que tal
annuencia importava o desdouro do ministerio dos negocios estrangeiros
do imperio: prestar em publico as mãos á palmatória do nosso esclarecido
ministro; mas consentiu que o conde de Thomar mandasse fazer a seguinte
publicação pela legação portugueza, em qualquer jornal, o que elle fez:

«Pela legação de S. M. se faz saber a todas as auctoridades portuguezas,
residentes no imperio do Brazil, que, em vista das reclamações e
discussão entre a mesma legação e o governo imperial, se accordou que os
_actos officiaes_ publicados pelo ministerio da fazenda com data de 27
de dezembro do anno findo (1859) sobre a ida do ministro de S. M. F.,
dos consules de Portugal e commandantes de navios de guerra da mesma
nação, a bordo dos navios de commercio portuguezes, surtos nos portos do
Brazil, sómente devem ser considerados, como _informações_ do ministerio
dos negocios da fazenda ao ministerio dos negocios estrangeiros, e não
como resoluções difinitivas; devendo unicamente considerar-se como taes
as que pelo referido ministerio dos negocios estrangeiros foram
communicadas á legação de S. M. F.; as quaes serão publicadas pelo
governo imperial na fórma do estylo seguido pelo ministerio dos negocios
estrangeiros do imperio, e de que se dará opportunamente conhecimento em
circular.» etc.

O aviso que devia ser publicado pelo governo brazileiro, na parte
official, aviso obrigado pela energica conducta do conde de Thomar, bem
como as _resoluções definitivas_, que só podiam ser publicadas pelo
governo imperial, segundo confessa o respectivo ministro dos negocios
estrangeiros, _depois de apresentada textualmente tal pendencia ao corpo
legislativo_, dois mezes depois, _cuja publicação solemne e official lhe
parecia não só sufficiente, como a mais apropriada para preencher as
vistas do conde de Thomar_, são estas:

«Á alfandega recommendando, a bem das boas relações (_sic_) que existem
entre o governo do Brazil e os das diversas nações alliadas, que
facilite aos ministros das mesmas nações residentes n'esta côrte, sempre
que o requisitarem por si ou por qualquer terceiro ou empregado, a
entrada nos navios de commercio de suas nações que tiverem chegado a
este porto, independente de minuciosas formalidades.»

É facil de comprehender que a _informação_, que atraz deixamos
transcripta, é uma resolução definitiva. E se o não era, que
segnificação dariamos então ao aviso que ahi fica.

Este novo systema de estylos diplomaticos, que nós cognominaremos--_á
brazileira_--, estariam ainda hoje em uso, se, em logar de um portuguez
illustre e corajoso, estivesse n'aquelle tempo encarregado dos negocios
de Portugal qualquer compadre diplomata!

Transcrevamos agora as taes _resoluções definitivas_:

«... A publicação alludida (as taes informações) occupou-se
singularmente das auctoridades portuguezas, assim respondia o ministro
brazileiro, porque foi sobre a questão suscitada por estas que se
requisitaram informações do ministerio da fazenda.

«Se a duvida houvesse sido levantada collectivamente por todos os
agentes estrangeiros acreditados no imperio, de certo que não só as
informações mencionadas a todos comprehenderiam, como tambem seria a
todos opportunamente communicada a resolução, que tomou o governo
imperial.»

A resolução _definitiva_ que o governo brazileiro tomára, de prohibir
que os agentes diplomaticos podessem ir a bordo dos navios de commercio
portuguezes, é assim explicada pelo ministro dos negocios estrangeiros:

«... Se ao commandante da estação naval d'uma potencia amiga se
permitte, na hypothese figurada (depois das visitas da saude e policia,
e antes da descarga), mandar um official a bordo do navio mercante d'uma
nação, é certo que não só esta faculdade lhe é concedida, pela natureza
das funcções policiaes que tem sobre os navios mercantes da sua
nacionalidade, como porque de exercel-a não resulta o menor
inconveniente.

«Um official de marinha tem uniforme que indica a sua graduação, escaler
em que leva o distinctivo do seu pavilhão, e pois não ha receio de que
se lhe faltem ás attenções devidas. No mesmo caso porém, não está o
agente diplomatico, que, embarcado em um escaler mercante, e não levando
comsigo o distinctivo do alto cargo que occupa, expõe-se á contingencia
de supportar exames e investigações» etc.

A questão era de continencias. Não havia, pois, motivo para reclamações!

O governo imperial, com as suas _resoluções definitivas_, prestava culto
á etiqueta: era cortezão!

Aquellas _informações_ prestadas pelo ministerio da fazenda ao dos
estrangeiros, bem como o aviso dirigido á alfandega, nada tinha com a
emigração clandestina! Era negocio de algumas descargas de artilheria,
vivorio e outras attenções devidas aos altos cargos dos agentes
diplomaticos!


XVI

O procedimento do conde de Thomar, com relação á questão da barca _Nova
Lima_, fez com que as auctoridades brazileiras começassem a fazer
executar o regulamento do 1.º de maio de 1858, que era letra morta no
imperio. Mas durou pouco tempo o seu afan.

Passado o tempo estrictamente necessario para que as nossas auctoridades
fossem illudidas, as cousas tornariam ao mesmo estado em que se achavam.
Comtudo, é preciso darmos noticia d'um acto justo, praticado pelas
auctoridades brazileiras, no illusorio interregno. Assim cumpriremos o
dever que nos impozemos de ser justo na apreciação de todos os factos
que dizem respeito ao assumpto que discutimos, e apresentaremos mais uma
vez á vindicta publica o miseravel procedimento dos traficantes.

«Tendo em 17 de dezembro do anno findo (1859) o delegado da repartição
das terras publicas, endereçado o officio, que por cópia respeitosamente
levo ás mãos de v. ex.ª, communicava o nosso consul na Bahia ao ministro
dos negocios estrangeiros, em 12 de março de 1860, enviou-me tambem o
regulamento de 1.º de maio de 1858, exarado na gazeta denominada _Gazeta
da Bahia_, e a cujo officio respondi nos termos da cópia junta.

«Na hypothese de que os agentes consulares brazileiros, residentes em
Portugal, inteirassem os capitães de navios que se destinam aos portos
do Brazil d'aquellas disposições, deixei de opportunamente occupar a
attenção de v. ex.ª com o assumpto do citado regulamento, em virtude do
qual, _nada se havia obrado n'esta provincia, senão até quasi ignorada a
sua existencia_ (sic): occorre porém que, em 8 de fevereiro findo,
(passados quasi dois annos depois da sua publicação), se recolhera a
este porto o brigue portuguez _Athenas_, procedente da cidade do Porto,
trazendo a seu bordo quinze passageiros; fôra por este facto o navio
visitado, segundo as disposições do mesmo regulamento, e o respectivo
capitão Antonio Ferreira Guimarães Freitas, processado e condemnado por
haver deixado de as cumprir.»

Vamos transcrever o extracto d'este documento, para provarmos tambem,
que se não fôra a intervenção do nosso ministro, residente na côrte do
imperio, a respeito da importante questão que divulgamos, o regulamento
brazileiro de 1.º de maio de 1858, jámais começaria a ter vigor.

É preciso combinar as datas para serem mais justas as apreciações sobre
o que temos avançado. Devendo aquelle regulamento começar a vigorar logo
immediatamente á sua publicação, meados de 1858, só d'elle se lança mão
em fins de 1859, na questão _Nova Lima_, e ainda assim por temor do
energico diplomata conde de Thomar; e em fevereiro de 1860, na questão
do brigue portuguez _Athenas_.

Devemos notar que a execução do referido regulamento era só contra os
navios portuguezes, não obstante a infracção dos commandantes de navios
de outras nacionalidades contra as leis que regulavam o assumpto.

Mas o commandante do navio _Athenas_ fôra obrigado a pagar a multa de
metade do importe das passagens (453$600 réis), porque sendo obrigado a
dar a cada colono o espaço de 30 palmos quadrados, apenas lhe dera 21;
por não ter dado camas ou macas aos passageiros; porque a altura da
coberta do navio, embora fosse de 9 palmos, este espaço era tomado pela
bagagem que devia estar no porão; porque as bandejas ou tinas pequenas
de madeira em pessimo estado não podiam ser consideradas utensilios da
mesa; porque o capitão não apresentára as relações determinadas pelos §§
1.º e 2.º do artigo 25 do citado regulamento; e, finalmente, porque as
condições hygienicas não foram convenientemente observadas.

É um facto innegavel que as condições de transporte de colonos para o
Brazil, na actualidade, nada tem melhorado, não obstante os regulamentos
portuguezes e brazileiros; o que prova até á evidencia a falta de força
dos nossos governos em fazer cumprir as leis, e a connivencia do governo
brazileiro com os aliciadores, porque está provado que, se fossem tambem
cumpridas as suas leis, a emigração de portuguezes para o Brazil, já
teria deixado de existir.

Mas é preciso concluir as informações sobre a questão do brigue
_Athenas_.

O consul residente na Bahia, julgára excessivo o castigo inflingido ao
capitão, e o conde de Thomar expressa-se da seguinte fórma, em seu
officio de 2 de abril de 1860, dirigido ao duque da Terceira:

«Em officio n.º 3 de 9 de março findo, participou o consul na Bahia, que
em 8 de fevereiro chegára áquelle porto o brigue portuguez _Athenas_,
procedente da cidade do Porto, trazendo a seu bordo 15 passageiros, e
que sendo competentemente visitado, e verificando-se que estavam por
muitos motivos infringidas as disposições do regulamento do 1.º do maio
de 1858, fôra o capitão do referido brigue, Antonio Ferreira Guimarães
Freitas, condemnado pela respectiva commissão a pagar metade do valor da
passagem de cada um emigrante, regulando cada um a 60$480 réis, moeda
brazileira.

«Accrescenta o consul, que aconselhára ao mencionado capitão e
consignatario de por si recorrerem á presidencia da provincia,
reservando-se para com acerto obrar n'este assumpto, segundo as minhas
instrucções, que solicitava.

«Tendo eu a inteira convicção de que todo o rigor que as auctoridades
brazileiras mostram contra os capitães de navios portuguezes pelo facto
de infringirem os regulamentos sobre transporte de colonos, só póde dar
em resultado _mostrarem-se mais humanos aquelles capitães e ser tambem
mais difficil e menor o numero dos nossos compatriotas, que pela mais
completa illusão, correm ao matadouro_, julguei dever responder ao
consul da Bahia que, visto os legaes fundamentos da condemnação, não
interpozesse a sua authoridade e bons officios, e que declarasse sómente
ao capitão e consignatario, que poderão usar de per si dos recursos
legaes, não devendo tambem contar com a protecção da legação de s. m.,
visto que pelo facto de conduzir compatriotas seus contra as disposições
da lei se tornavam indignos de tal protecção.

«Devo prevenir a v. ex.ª de que é esta a minha resolução a respeito de
todos os capitães que se acharem em eguaes circumstancias. Não póde
realmente dar-se protecção a capitães de navios portuguezes, _que se
tornam assim os verdugos da humanidade, e ainda dos seus proprios
concidadãos_.»

São desnecessarios os commentarios a documentos como este tão cheios de
dignidade. Elles por si dizem tudo.

O conde de Thomar devia ser altamente guerreado, porque ao governo
brazileiro não convinha alli tão grande difficuldade á emigração
clandestina. E effectivamente, os seus desgostos manifestados em mais de
um documento, que em seguida examinaremos, mostram até certo ponto, que
podiam mais do que o seu nobre intento de ser util á patria. E não vão
taxar-nos de contradictorios; porque deve comprehender-se que motivo
algum ha que possa demover um patriota illustre a deixar de ser util ao
seu paiz. Mas que faria o nosso ministro residente no imperio,
desacompanhado das auctoridades, que só elogiavam o seu procedimento,
descurando de applicar ao mal o verdadeiro antidoto, que esse ministro,
como homem competentissimo, aconselhára para debelar a emigração
clandestina, molestia chronica que tanto ha arruinado a patria?

Havemos de provar se o não está já, que as auctoridades do nosso paiz,
pódem, mais ou menos, ser tambem accusadas de negligencia e conniventes
com os aliciadores. Ora, contra tão reprovado procedimento, era
completamente inutil a boa vontade de um só homem.


XVII

Os governos do nosso paiz, pódem, mais ou menos, ser accusados de
negligencia, com respeito ao assumpto que tanto nos interessa.

Quando o nosso ministro residente no imperio tratava, desde 1859 a 1860,
de combater, por todos os meios ao seu alcance, a emigração clandestina,
usando dos actos energicos de que temos dado noticia aos leitores,
dirigia elle o seguinte officio ao nosso ministro dos negocios
estrangeiros, em data de 23 de junho de 1860:

«Tenho a honra de passar ás mãos de v. ex.ª o relatorio da repartição
dos negocios do imperio, apresentado ás camaras na presente sessão
legislativa.

«É um interesssante documento, que habilita o leitor a conhecer o estado
de organisação d'este paiz. Chamo sobretudo a attenção de v. ex.ª sobre
o artigo _Emigração_, pag. 56; n'este artigo encontrará v. ex.ª a
estatistica que mostra o numero total de emigrantes entrados no Brazil,
durante o anno passado.

«Eleva-se o dito numero a 19:675[44], sendo 9:342 portuguezes; 3:165
allemães; e 7:188 de diversas nacionalidades.

«Julgo desnecessario repetir agora as muitas considerações que por vezes
tenho feito sobre este importante objecto.

«_Devo persuadir-me de que tenho encarado mal esta questão_, porque o
ministro do imperio se _julga auctorisado_ a communicar ás camaras
legislativas, _que o governo portuguez já não cria embaraços á
emigração_, como ainda ha pouco acontecera, _levado por informações
inexactas, que felizmente se acham hoje desvanecidas_.

«Não comprehendo realmente este modo de avaliar a questão; por um lado
está em opposição com tudo o que me tem sido dirigido pela secretaria
dos negocios estrangeiros, hoje a cargo de v. ex.ª; por outro lado
parece incomprehensivel que o ministro do imperio faça referencia a
factos do governo portuguez, não existindo similhantes factos.

«Quaes foram as informações inexactas, que felizmente se acham hoje
desvanecidas, deixando por isso o governo portuguez de crear embaraços á
emigração?

«Convirá v. ex.ª que para manter a minha dignidade careço de ser
devidamente informado a tal respeito.»

A questão era muito importante para deixar de ter o seguinte desmentido
official, que não utilisaria muito ao governo brazileiro, já porque elle
era useiro e vezeiro em trapassas similhantes, já porque effectivamente
o governo portuguez era muito amigo de palavras e verdadeiro inimigo de
obras.

O desmentido é este, e tem a data de 1 de agosto de 1860:

«Li com a necessaria attenção o que v. ex.ª refere no seu officio de 23
de junho ultimo, ácerca da asserção feita pelo ministro do imperio, no
relatorio da sua repartição, em que diz que o governo portuguez já não
cria embaraços á emigração, como ha pouco acontecera, levado por
informações inexactas que elle pretende acharem-se hoje desvanecidas.

«Não me surprehendeu menos do que a v. ex.ª este modo de avaliar os
factos, tanto mais que não consta n'esta secretaria d'estado que por
ordem do governo se tenha facilitado a emigração, mas antes se cuida em
evital-a pelos meios possiveis» etc., etc.

E concluia:

«Á vista pois de tudo isto já v. ex.ª póde vêr que o ministro foi
inexacto no que expendeu no seu relatorio com referencia ao assumpto.»

Parece, com tudo, que havia alguem que, communicando-se com o governo
portuguez, pretendia, n'essas communicações, taxar de inexacto o conde
de Thomar.

Vejamos se podemos descobrir o culpado.

Em 12 de junho de 1860, officiava o nosso ministro dos negocios
estrangeiros ao representante de Portugal na côrte do imperio, pedindo
reclamasse do governo brazileiro a punição do commandante da galera
_Harmonia_, por ter recebido clandestinamente a seu bordo, colonos para
o Brazil, nas aguas de S. Miguel.

O conde de Thomar fizera a reclamação immediatamente, e o ministro dos
negocios estrangeiros do imperio respondera em 17 de junho do referido
anno, promettendo providencias que não dera.

Mas a nossa questão é conhecer um dos culpados de connivencia na
emigração clandestina.

«Pareceu-me na verdade extraordinario que, tendo eu recebido ordem de S.
M. para reclamar contra o procedimento do capitão da sobredita galera
brazileira _Harmonia_, referia o conde de Thomar, pelo facto de se ter
recusado a dar entrada no porto de Ponta Delgada, e a manifestar se na
conformidade dos regulamentos fiscaes e da policia, com o premeditado
fim de embarcar, como embarcou clandestinadamente colonos, _recebesse eu
do consul geral a informação de que os passageiros transportadas na dita
galera, em numero de 209 pessoas de ambos os sexos, vinham incluidas em
128 passaportes_, passados pelos governadores civis das ilhas do Faial e
S. Miguel» etc.

Parece que transcrevemos já o sufficiente para desconfiarmos da lisura
do nosso consul geral; mas continuemos:

«Convença-se v. ex.ª, acerescentava o nobre diplomata, de que n'este
negocio de transporte de colonos para o Brazil, _tudo conspira contra o
pensamento do governo e da legação de S. M. n'esta côrte_. Os interesses
de varias repartições e empregados publicos, os interesses individuaes
de portuguezes e brazileiros, e por, fim o interesse do governo d'este
imperio, _teem grande força para deixar continuar e até proteger um
trafico que se vai mostrando altamente nocivo ás vidas dos subditos de
S. M. e aos interesses da nossa patria_.»

Teria o nosso consul algum interesse menos honroso em auxiliar o trafico
infame?

Falle mais este documento da mesma origem d'aquelle outro que acabamos
de transcrever:

«Em additamento ao meu officio de 24 do mez proximo passado, cumpre-me
levar á presença de v. ex.ª a resposta dada pelo consul geral ao que lhe
foi ordenado em data de 17 do proximo passado, com o fim de explicar a
discordia notavel entre as suas informações a respeito dos passageiros
transportados na galera brazileira _Harmonia_, e as que tinham chegado a
esta legação por parte do governo com ordem de reclamar contra o capitão
da sobredita galera pelo escandaloso procedimento de sobre a véla
embarcar clandestinamente passageiros em frente de Ponta Delgada, e não
obedecer ás intimações que pela auctoridade competente lhe haviam sido
feitas.

«Como sempre previ, o consul geral não devia encontrar a menor
difficuldade em munir-se de documentos officiaes para provar a exactidão
das suas informações e para ficarem tidas como inexactas as que pelo
governo de S. M. foram mandadas a esta legação, e que serviram de
fundamento á reclamação perante o governo imperial contra o capitão da
galera _Harmonia_.

«Em todo este negocio vigoram os motivos que tenho expendido em muitos
dos meus anteriores officios, e que se reduzem a estarem os interesses
de todos contra o pensamento do governo e da legação de S. M.

«Do officio do consul geral, junto, se deprehendem muitos factos que não
escaparão á fina penetração de v. ex.ª, para entrar, se quizer, no fundo
da questão da colonisação» etc.

O facto dos escandalos praticados pelo governo brazileiro, a respeito da
barca _Harmonia_, foi, sem duvida, a principal razão da sua retirada do
imperio, em fins do anno de 1860.

«Verifica-se tudo o que eu tinha previsto nos meus antecedentes
officios, communicava o conde em 6 de setembro de 1860. _Vão de accordo
as respostas do governo imperial com as que me foram dadas pelo consul
geral_, etc.

«É negocio este, em que me parece desnecessario insistir, a não me
habilitar o governo de sua magestade» etc. etc.

Foram estas as ultimas palavras proferidas pelo conde de Thomar, na
qualidade de nosso representante no Brazil, a respeito do assumpto
importantissimo da emigração; porque, escusado será dizer, que o governo
de sua magestade, jámais habilitaria o seu delegado a pôr termo ao
commercio horroroso da escravatura branca.

Seria falta de energia ou connivencia?

Eis ahi está uma pergunta a que não será difficil responder.

     [44] A colonisação por meio da escravatura, era de 43:000 negros
     para o Rio de Janeiro, e de 90:000 para todo o imperio,
     annualmente. A desproporção é manifesta.


XVIII

Em paiz algum se tem descurado mais do que no nosso o importantissimo
assumpto que nos occupa. Com tudo parcerá áquelles que olham
superficialmente para estas cousas, que os nossos estadistas já tem
feito muito, e que se os remedios applicados não tem produzido o effeito
desejado, não é por culpa d'aquelles a quem compete remediar o mal.

Effectivamente, ninguem ha com maiores tendencias para fazer projectos,
ás vezes bem deliniados; mas tambem não haverá, de certo, quem mais
depressa se esqueça d'elles.

Com respeito á emigração não se póde dizer que os nossos governos se
tenham esquecido. Unicamente podemos accusal-os de fallarem muito,
demasiadamente, sobre o assumpto... e de não terem feito nada,
absolutamente nada, para evitar o mal que nos prostra.

Vem já de longe este afan de se querer regular a emigração para o
Brazil.

A lei de 20 de julho de 1855 estabelece medidas salutares a favor dos
emigrados; mas para que as disposições d'essa lei possam ser effectivas,
falta-lhe o respectivo regulamento. Fallou-se muito da necessidade de
organisar esse regulamento, em vista das instantes reclamações dos
nossos consules residentes no imperio, que quasi diariamente se
queixavam dos horrores da emigração. Mas os nossos governos ouviam as
queixas, lacrimosos, e respondiam com bonitas phrases de consolação, que
já mais remediariam tão grande mal... mal que, cada dia que passa,
augmenta de intensidade, e já nos assombra hoje. Essas queixas tem-se
repetido desde ha 20 annos, o que equivale a dizer que os homens
d'estado d'este bello paiz tem ensopado muitos lenços e escripto phrases
recheadas de sentimento, verdadeiramente liberaes, phrases que consolam
quem as lê, mas que nada significam para quem estuda seriamente esta
questão.

Desde a sua instalação na côrte do Rio de Janeiro instára o conde de
Thomar pela conveniencia de se formular um tratado ou regulamento da
emigração; e formulou-o. Esse projecto foi incumbido ao conselheiro da
legação, o dr. Antonio José Coelho Louzada, ao qual já em outro logar
nos referimos.

Eis o que o benemerito representante de Portugal na côrte do Rio de
Janeiro, communicava ao nosso governo, a tal respeito:

«É possivel que o governo de sua magestade, não classifique de perfeito
aquelle trabalho, e que obra humana póde ser classificada assim? Mas
asseguro a v. ex.ª que o conselheiro Lousada, por um lado se conformou
com os verdadeiros principios reguladores de tal assumpto nos paizes
mais civilisados, por outro lado aproveitou a especialidade da posição
dos dois paizes e dos seus subditos, não deixando jámais de ter em vista
as lições da experiencia diaria, a qual, na minha opinião, cumpre
principalmente ter em vista n'este delicado objecto. Assim é minha
opinião tambem que o conselheiro Lousada é digno dos maiores louvores
pela coadjuvação que me prestou, e que muito ha de concorrer para
facilitar as ultimas resoluções do governo de sua magestade, as quaes eu
sollicito com a maior urgencia.»

O projecto subio á approvação do governo, mas, n'esses intrincados
labyrinthos chamados secretarias d'estado, foi completamente retalhado
pelos inexperientes conselheiros-amanuenses, naturalmente de accordo com
a diplomacia, porque a diplomacia é sempre consultada n'estes casos; e o
que é para admirar, é que não obstante o trabalho do dr. Lousada sahir
desmantelado dos cadinhos officiaes, o governo brazileiro ou os homens
d'estado que então dirigiam os destinos do imperio, com aquelle tacto
politico-economico que todos lhe conhecemos, ainda acharam extemporaneas
as diligencias empregadas pelo conde do Thomar, e quiçá do governo
portuguez, a respeito do regulamento em questão!

E se não vejamos.


XIX

São passados tres annos (1860 a 1863) depois das diligencias do conde de
Thomar, e o sr. José de Vasconcellos e Sousa que substituiu aquelle
diplomata recebia plenos poderes do governo portuguez, para entrar em
negociações com o governo do Brazil, afim de se regular de vez a
emigração.

O resultado d'essas negociações são assim explicadas pelo sr.
Vasconcellos e Sousa:

«A disposição do governo imperial para com o de sua magestade, para com
Portugal, e ousarei dizer para comigo individualmente, não póde ser mais
favoravel. Isto, não obstante, não prescinde o mesmo governo de attender
sériamento com affinco ao que considera necessidade imperiosa,
satisfazendo ao mesmo tempo á opinião manifestada, já do proprio
partido, já da opposição; e insta comigo, por meio de todos os seus
membros, para que seja regulada, quanto antes, e primeiro que tudo, a
questão da emigração e o modo d'ella, de tal sorte que cesse de ser
duvida, por demais assustadora para o Brazil, a vinda de gente
portugueza para este imperio» etc.

O officio datado do 8 de janeiro de 1863, expedido pelo ministro dos
negocios estrangeiros, ao representante de Portugal no Brazil, tirava
todas as duvidas, que por ventura houvesse contra o nosso governo, de
pretender demorar a discussão de um assumpto tão importante para os dois
paizes.

Não tinha, pois, de que se queixar o governo do Brazil. O projecto de
convenção ia ser-lhe presente pelo nosso delegado.

O sr. José de Vasconcellos communicava pouco depois ao nosso governo:

«Tenho a honra de passar ás mãos de v. ex.ª a inclusa copia da nota
confidencial, que n'esta data entreguei em mão propria ao marquez de
Abrantes, ministro e secretario d'estado dos negocios estrangeiros de S.
M. o imperador do Brazil, acompanhada do projecto da convenção dos
colonos, convidando-o para a respectiva discussão e ajuste definitivo,
etc.

«Das mãos do marquez de Abrantes tem de passar o dito projecto ás mãos
do ministro da agricultura e da justiça, e sómente depois de ouvidas e
accordes as suas opiniões sobre elle, entraremos, o dito marquez e eu na
respectiva discussão.

«Depois de um longo preambulo, declarou-me que o resultado do exame da
materia o tinha convencido de que antes do revogada certa lei de
colonisação (a de 11 de outubro de 1837), era impossivel negociar uma
convenção de emigração, a cujos principios de liberdade, e mesmo de
rigorosa justiça, se oppunham formalmente as disposições da dita lei,
etc.

«A final, e depois, de muito boas palavras, affirmou-me que o governo
imperial não havia mudado de principios nem de intenções, que havia de
fazer a convenção, e que o seu primeiro cuidado seria apresentar ás
camaras, em janeiro proximo futuro, um projecto de lei que revogasse a
que fica citada, e habilitasse o governo a entrar n'uma negociação
franca de emigração, garantida pela nova lei.

«Assim o espero devéras, mas não encubro a v. ex.ª o meu desapontamento
grandissimo, e sério desgosto, tanto mais natural e profundamente
sentido, quanto, em minha consciencia o digo, e v. ex.ª não ignora, que
fiz o que era humanamente possivel para evitar similhante demora!
Digne-se v. ex.ª notar, que o unico embaraço para a emigração desde já,
é justamente a citada lei de 1837, sobre a qual eu chamei sempre a
attenção do marquez de Abrantes, e a do sr. ministro da agricultura e
commercio, todas as vezes que fallamos em colonisação, que não tem sido
poucas.

«_Em tudo isto ha uma prova notavel de boa fé_, e de desejo sincero de
estabelecer a emigração em base solida, sustentada em principios que não
possam ser destruidos com as peias das leis _barbaras_ de outra
epocha.»[45]

Parece-nos demasiadamente ingenua a boa fé do sr. José de Vasconcellos e
Sousa, com respeito ao assumpto, se attendermos ao seguinte trecho do
seu citado officio:

«... Disse-me mais, que assegurasse a v. ex.ª que, tanto esta convenção
(de emigração), como a de propriedade litteraria, esta dependente
d'aquella, seriam concluidas logo depois da proxima reunião do corpo
legislativo (em 1864).»

Perguntamos porque razão estava uma dependente da outra? Que tinha que
vêr a convenção litteraria com a que regulava a emigração de colonos
portuguezes para o Brazil? Acaso a lei referida, de 1837, serviria
tambem de obstaculo á conclusão d'este tratado?

Não. Eram tudo evasivas, evasivas que não podiam ser tachadas de
_notavel boa fé e de desejo sincero_ em estabelecer os principios do
direito de propriedade litteraria, de que temos sido e continuaremos a
ser esbulhados.

     [45] Officio de 8 de junho de 1863.


XX

Escusado será dizer que no anno de 1864 não foi presente ao corpo
legislativo brazileiro, como se havia promettido, o projecto de lei que,
segundo a opinião dos ministros do imperio, devia derrogar essa outra de
1837, que impedia a negociação de uma convenção sobre emigrados, _a
cujos principios de liberdade, e mesmo de rigorosa justiça, se oppunham
formalmente as disposições de tão barbara lei_!

E o que é mais notavel, é que que essa lei estupida e deshumana,
reconhecida como tal pelos primeiros homens d'estado do Brazil, ainda
não foi derrogada. É ainda a lei que regula o trabalho dos pobres
emigrados alli residentes!

A eliminação da lei de 11 de outubro de 1837 organisada por assim
dizermos debaixo da influencia de legisladores que mais pensavam na
continuação do horroso trafico da escravatura africana, escapou aos
legisladores de 1871, que decretavam livre o ventre da mulher escrava!

E o que é mais, é que estamos em 1878, e as leis de que fallamos
continuam, uma, fazendo do preto um cidadão, e a outra fazendo do branco
um escravo!

É assim o mundo; e o Brazil, especialmente, ainda nos apresenta d'estes
phenomenos!

Dar-se-ha caso que os economistas brazileiros conservem ainda a lei de
1837 com o fim de evitar que se discuta o tratado de emigração proposto
por Portugal em 1863, e a tão fallada convenção da propriedade
litteraria?!

Se assim é, como o demonstra a irrefutavel logica dos factos que
analysamos, não digam que o Brazil protege a emigração.

Mas que tem que ver Portugal com a teimosia dos estadistas brazileiros?


Será necessario pedir licença ao Brazil para publicarmos qualquer lei
tendente a evitar o horroroso commercio da escravatura branca?

Parece que sim, porque o governo imperial não ficou satisfeito com a
publicação da lei de 1855, e, talvez que por essa circumstancia, o
governo portuguez, para não descontentar mais o governo brasileiro,
descurou completamente a approvação d'um regulamento tão indespensavel
como o exigido no artigo 12.º.

Por outra fórma se não póde deixar de considerar o seu procedimento, se
attendermos ao addiamento da questão, censurado pela imprensa em meados
de 1872 e immediatamente considerada pelo governo, para guardar
apparencias; porque foi outra vez despresada até fins de 1874, em que de
novo fôra lembrada, para tornar a ser esquecida, como é facil de prever,
se attendermos a que as medidas propostas na legislatura de 1876, pelos
membros da commissão nomeada em 1873, não tiveram echo no parlamento,
preterindo-se a discussão d'este assumpto gravissimo por outros de uma
importancia secundaria, e quem sabe mesmo se essencialmente prejudiciaes
aos interesses do paiz.



CAPITULO VI

Ainda as questões do Pará. Os pasquins de cá e os pasquins de lá. As
«Farpas» e a «Tribuna». «Lo Spirito Folletto» e o «Punch». Desforços da
«Tribuna». A popularidade da «Tribuna». Pasquins brazileiros.


I

Os acontecimentos do Pará, em 1874, a que como já dissemos, tambem se
refere o auctor do livro o _Brazil_, obriga-nos a entrar de novo no
assumpto.

Mas antes de o profundarmos cumpre-nos declarar que se não publicámos,
como prometteramos, o segundo livro annunciado no final das _Questões do
Pará_, foi por que tendo nós pedido documentos que julgamos
indispensaveis para fazer a historia d'aquella horrorosa tragedia, a um
amigo nosso residente no Pará, e tendo elle accedido do melhor grado ao
convite, o portador a quem os confiára, chegado que foi a Lisboa,
entendeu dever exonerar-se do compromisso que voluntariamente se
impozéra, ou, o que é mais extranhavel, subtrahio-os!

Ó heróico poeta, como tú conhecias o mundo quando assim pensavas:

      Dizei-lhe que tambem dos portuguezes
      Alguns traidores houve algumas vezes.

Mas... prescindamos dos documentos e examinemos as considerações que aos
referidos tumultos fez o auctor do livro o _Brazil_; e para que com
conhecimento de causa sejam julgadas as nossas palavras, citaremos
d'esse livro os trechos sobre que entendemos dever fazer alguns reparos.

Um jornal do Porto escrevera opportunamente a respeito das desordens do
Pará:

«A colonia portugueza do Pará, é continuamente insultada por alguns
jornaes d'aquella terra, insultos quasi sempre acompanhados de
improperios soezes e estultos á nossa bandeira nacional, sem se
lembrarem sequer, esses desgraçados! que foi á sombra d'ella que os seus
avoengos viveram por tres seculos!»

O sr. Carvalho responde o seguinte no seu livro:

«Ao escriptor portuense confessamos que assistem razões muito ponderosas
para se pronunciar por este modo. Peza-nos sómente, devéras o dizemos,
que ao traçar tão bem cabidos reparos, _não carregasse um pouco mais a
mão_...

E continúa logo:

«...... Ainda assim pedimos-lhe que nos conceda estendel-os tambem a uns
certos hydrophobos de cá, que, ha tempos a esta parte, se deixam tomar
da mania de vomitar doestos e calumnias contra o Brazil.»

O que é logico é que se o escriptor portuense seguisse o conselho do
snr. Carvalho, de _carregar um pouco mais a mão_, como tantos
jornalistas fizeram, quando appreciaram á luz d'este seculo os actos de
selvageria praticados no Pará, não poderia deixar de ser cognomisado de
hydrophobo!

O auctor do _Brazil_ assim desculpa os nossos insultadores:

«Este imperdoavel abuso da liberdade de imprensa no Brazil, explica até
certo ponto a razão de ser dos seguintes pasquins--_O Alabama_, da
Bahia--_O Commercio a retalho_ (digno sucessor do _Tribuno_), de
Pernambuco--e _A Tribuna_, do Pará.

«Em Portugal, vá-se dizendo tambem para desconto de peccados, surgem a
espaços no seio do jornalismo uns dignissimos émulos d'aquelles leprosos
d'além-mar. Exemplos:--_O Raio_--_O trinta mil diabos_--_O chicote dos
ladrões_, etc., etc.

«Lá e cá o publico sustenta-os e folga com elles. Esta a verdade, tal
qual é.»

Não é isto exacto.

Resumamos os acontecimentos horrorosos de que tem sido alvo a colonia
portugueza no imperio de Santa Cruz, e que tem dado justa causa a
declarar-se a _hydrophobia_ na imprensa de Portugal.

Entre os hydrophobos de cá e os hydrophobos de lá, ha, com effeito,
muita differença.

Alguns brazileiros, não satisfeitos com os insultos que nos dirigem,
lançam mão do punhal e do trabuco homicida, para satisfazer o odio de
raça que os devora; os portuguezes, só depois dos insultos é que usam do
direito de represalia, pedindo á imprensa o que lhes nega o governo
brazileiro.

No que os brazileiros enchergam calumnias, não ha mais do que factos
verdadeiros, que, por serem ás vezes tão extraordinarios, não parecem o
que effectivamente são.

É preciso illucidar um pouco mais isto.

Houve exaltação da parte da imprensa portugueza, exaltação
justificadissima, em face do espesinhamento do nosso pavilhão, por
subditos brazileiros, n'uma das praças publicas da cidade do Pará, em
principios de 1873. Essa exaltação recrudesceu quando as auctoridades
brazileiras deixaram impune o acto vandalico dos desordeiros. Esta
impunidade armava contra nós os paraenses. O seu jornal, a _Tribuna_, já
não se contentava só com insultos, publicava proclamações incendiarias,
chamando o povo ás armas contra os portuguezes residentes na provincia.
Da cidade do Pará eram destacados para o sertão alguns agentes d'aquelle
infame papel, para lerem aos _tapuyas_ o grito de guerra; outros
dirigiam-se ás praias do Guajará, junto da cidade de Belem, aonde ha
sempre grande movimento de _canoas_ vindas do interior, e alli, no meio
dos tripulantes e dos passageiros, todos indigenas, eram lidos
infamantes libellos contra os _marinheiros_ ou _gallegos_, epithetos com
que em todo o imperio distinguem os filhos de Portugal! Estas doutrinas
subversivas da ordem publica, apregoadas por espaço de dois annos
consecutivos, á luz do dia e na presença das indifferentes auctoridades
do Pará, produziram a explosão de setembro de 1874, que podia ter
produzido resultados mais funestos, se não fôra a _Agencia Americana
Telegraphica_, de que eramos representante na referida cidade. Com tudo,
muitos portuguezes foram assassinados, e outros gravemente feridos,
ignorando-se hoje ainda qual o verdadeiro numero das victimas. E note-se
que tudo isto era devido á propaganda da _Tribuna_: eis em que davam os
risos!

Em Pernambuco e no Ceará davam-se casos quasi identicos.[46]

Não podia a imprensa de Portugal deixar de occupar-se de um assumpto tão
grave, invectivando as auctoridades brazileiras de conniventes nos
attentados praticados contra os filhos d'uma nação que conservava com o
Brazil as relações mais intimas; e dizemos conniventes porque á
propaganda nada se oppoz.

Não satisfeitos os desordeiros com o sangue das victimas, que já tingira
as terras brazileiras, não contentes porque ainda achavam que era pouco,
começaram por insultar a guarnição da corveta _Sagres_, que n'este tempo
largava ferro na bahia do Pará.

O nosso homem do mar, acostumado a ser bem recebido em todos os paizes
do mundo, e illudido a respeito da colonia residente no Brazil, de quem
se dizia «que o portuguez era insultado porque insultava»; pesaroso
pelos proprios insultos, _que não podiam ser levados á conta de
represalia_, procurou os insultadores, a quem infligiu o merecido
castigo.

Novas proclamações incendiarias pozeram em sobresalto os habitantes do
Pará.

Mais tres portuguezes caem feridos de morte, ás mãos dos _soldados_
assassinos do imperio de Santa Cruz.

Espalha-se o terror, em vista d'este facto assombroso, de serem os
agentes da auctoridade publica os assassinos mais convictos, porque apoz
o crime, iam declarar aos seus superiores, _que acabavam de prestar um
serviço á patria assassinando gallegos_.[47]

E a _Tribuna_ continuava impunemente a incitar os animos á chacina!

Os destroços que ella faz são incalculaveis; do interior da provincia
chegam á cidade noticias atterradoras.

O presidente da provincia, que por excepção á regra se condoeu da sorte
dos colonos, não confiando na força publica, que elle bem sabia estar do
lado dos desordeiros, pede providencias ao governo central, que nada
attende!

O promotor publico, a quem o presidente recommenda a querella da
_Tribuna_, nunca acha motivo para a processar; e os adeptos do pasquim,
enthusiasmados pelo procedimento do seu patrono; vão em massa, na frente
das musicas e deitando foguetes, agradecer-lhe _tão relevante_ serviço.
Esta auctoridade que representa os sentimentos do governo central,
porque jámais lhe retirára a sua confiança, ufana-se com a manifestação
e vem á janella expressar os seus agradecimentos aos perturbadores da
ordem publica!

Na mesma cidade e ao mesmo tempo que alguns de seus habitantes chegavam
ao apogeu do delirio, ao grito de--_mata gallegos_--a colonia portugueza
prepara-se para a catastrophe. Os mais fortes aguardam resolutos os
desordeiros e os mais fracos refugiam-se nos barcos fundeados na bahia
do Pará.

Um negociante recebe refugiados em casa, e intrincheira-se; outro, fecha
o seu estabelecimento, sóbe com sua mulher e filhos para o pavimento
superior da propria habitação, prepara o rastilho que havia de conduzir
a uma barrica de polvora o incendio e logo a destruição de tudo que era
seu--vidas e cabedal--, destruição que elle prefere á que a si e aos
seus preparavam os communistas d'esta parte da America.

E o jornal infame continuava as suas proclamações.

Este terror é levado pelo telegrapho e pela imprensa a todos os cantos
do mundo civilisado, e Portugal, a quem mais doía tanta desgraça,
condemnou em phrases sentidas que nunca poderiam abonar a civilisação do
Brazil, a repetição das scenas barbaras, que desde a noite de 6 de
setembro até fins de novembro de 1874, faziam lembrar o sangrento dia de
S. Bartholomeu, em França, ou os repetidos massacres antropophagos dos
_botocudos_, contra as primitivas colonias do imperio americano.

Depois reunem os tribunaes brazileiros, para julgarem os crimes
commettidos contra os portuguezes, residentes no Brazil. Esses tribunaes
condemnam a penas irrisorias, que importam uma absolvição, os assassinos
de nossos irmãos: mais uma razão para a imprensa portugueza se sentir da
indifferença do governo brazileiro.

O tribunal que devia julgar os assassinos de Jurupary, em cuja causa se
achava compromettida a honra do Brazil, não se constitue, porque os
cidadãos independentes, note-se que não é a plébe, preferem pagar a
multa de relaxado, a ser juizes n'uma causa em que infallivelmente
deviam condemnar os seus compatriotas assassinos de estrangeiros
inermes![48]

A imprensa portugueza vê isto, e não póde soffrer o impulso de firmar
bem, ainda mais uma vez, a sua opinião, a respeito de tanta selvageria.
Mas note-se que a tal _hidrophobia_ propagou-se a toda a imprensa de
Portugal, sem excepção do _Trinta mil diabos_ e outros, o que não podia
deixar de ser.

O governo do imperio não póde ser culpado de tantos desmandos, porque
estava longe do theatro dos acontecimentos. Dizem-nos isto com toda a
irrisão, e ainda mais:--Uma prova da sua innocencia, e de que reprova os
actos vandalicos de alguns dos seus administrados, está no seu
procedimento, expresso no seguinte telegramma do Rio de Janeiro,
reproduzido no livro do sr. Augusto de Carvalho:

«O governo imperial accedeu, auctorisando-o, ao pedido de indemnisações
pecuniarias, para as familias dos subditos portuguezes assassinados no
Pará.

«O presidente da provincia procede com todo o rigor contra a _Tribuna_.»

Mas a imprensa de Portuga! continuou a fazer justissimas accusações ao
governo do Brazil, porque as promettidas indemnisações pecuniarias não
foram dadas, e porque a _Tribuna_, não obstante o _rigor_ com que
segundo se dizia, tinha sido tratada, continuou por muito tempo o seu
fadario infame.

Os hydrophobos de cá, na phrase do escriptor brazileiro, vomitam doestos
e calumnias contra o Brazil, quando não pódem soffrer silenciosos tanta
barbaridade.

Esses hydrophobos, especializados pelo sr. Carvalho, _O Raio_, o _Trinta
mil Diabos_, o _Chicote dos Ladrões_, jornaes satyricos, de que ninguem
faz caso, foram creados _unicamente_ para ridicularisar, e ás vezes
infamar, as cousas portuguezas.

Mas o _Alabama_, da Bahia; O _Commercio a retalho_, de Pernambuco; e a
_Tribuna_ do Pará, e tantos outros só foram creados para insultar a
colonia portugueza residente no Brazil e chamar ás armas contra ella.

Não póde haver termo de comparação entre uns e outros pasquins.

Com os de cá, folga a nossa ralé; a gente séria condemna-os, e por isso
a sua apparição é passageira e sem importancia.

Com os de lá, não acontece o mesmo; a ralé e até as pessoas mais gradas,
crêem nas doutrinas subversivas que esses apostolos do mal apregôam.

A prova da importancia d'esses pasquins, está na duração d'elles, e ás
vezes na proficiencia com que são elaborados os seus artigos principaes.
Que o diga o presidente da provincia do Pará na sua proclamação.[49]

O _Alabama_, póde dizer-se que é o orgão da mocidade estudiosa que se
demora na academia da Bahia!

A _Tribuna_ e o _Alabama_, calumniavam-nos ao mesmo tempo que diziam aos
seus compatriotas, ser uma virtude civica matar um _marinheiro_!

A differença é muito grande.

Tambem se póde deprehender das palavras do sr. Carvalho, que os
_hydrophobos_ de cá, são outros, que não os pasquineiros especialisados
acima.

Se a invectiva se refere a nós declaramos terminantemente que a nossa
_hydrophobia_ se declarou no meio do alarido das victimas que nós vimos
cahir á acção do punhal e do trabuco dos assassinos revolucionados
n'essa terra da promissão, e dos quaes nos livrámos, por mercê de Deus,
sem desamparar nunca o nosso posto da honra.

Se a invectiva se refere a outros, por exemplo, ao auctor das _Farpas_,
a unica publicação poupada pelo auctor do livro que analysamos, e a
unica que mais tem rediculisado o imperio e as suas cousas, para que é
que foi pedir ao auctor do folheto uma carta de recommendação para o seu
livro?

     [46] Veja-se a nota n.º 7 no fim do volume.

     [47] Historico.

     [48] Historico. Veja-se _Questões do Pará_.

     [49] Veja-se _Questões do Pará_.


II

A stulticia de quererem defender os excessos dos pasquins brazilheiros e
cumparal-os com os de cá não é só do auctor do livro o _Brazil_. Já a
_Tribuna_ do Pará e outros jornaes brazileiros, desculpavam os seus
injustos desforços d'uma fórma um pouco comica. O sr. Augusto de
Carvalho não fez mais do que seguir-lhes as pisadas. Assim falla a
_Tribuna_ do Pará:


«Não sabendo, não tendo mesmo com que dessimular o seu embaraço,
despeito e confusão, enxergou na expressão--VIL PEDRO PRIMEIRO--(a
_Tribuna_ chamava-lhe assim por ser portuguez!) com a qual acoudindo a
uma justa represalia, fulminámos a _Tribuna_ de Lisboa,--_um attentado
contra a familia imperial_, entretanto que não tem visto os insultos
affrontosos, que todos os dias recebe o povo brazileiro na pessoa de D.
Pedro II.

«O que disestes a Ramalho Ortigão e Eça de Queiroz, sobre as _Farpas_,
etc.?»

É preciso que a verdade seja dita sem rebuço: as _Farpas_, é a
publicação portugueza, que mais feriu os brios da nacionalidade
brazileira, _na pessoa do seu imperador_; verdade seja que os que mais
se queixavam, escreviam _vil Pedro primeiro_ ao pae do segundo
imperador, e o que é sobre tudo mais irrisorio, os _imperialistas_ do
_segundo_ e os calumninadores do _primeiro_ intitulavam-se
_republicanos_!...

Mas republicanos ou imperialistas condemnaram a critica mordaz do auctor
das _Farpas_: nós os ouvimos; rindo-nos do desgosto ridiculo de tal
combáda que não se lembrava de certos papeis comicos representados em
Coimbra, perante a universidade, e no Porto, em face dos esplendorosos
festejos promovidos por seus hospitaleiros habitantes, a sua magestade o
imperador.

E são por ventura isoladas as ironias innosentissimas dos criticos
europeus, na passagem de sua magestade imperial pelos differentes
estados da Europa?

Não. Nem os desgostos manifestados pelos brazileiros, nem as
conveniencias puramente mercantis, tem actualmente podido influir no
animo d'aquelles que veem em todos os movimentos do illustre imperador
uns motivos para rir. E não somos só nós que assim pensamos; e para o
que vejamos:

O jornal humoristico illustrado, de Milão, _Lo Spirito Folletto_, do dia
15 de março, de 1877, um dos mais importantes, no seu genero, em toda a
Europa, traz a caricatura do imperador vestido de gibão, com uma penna
atravessada na cinta que o singe, e á cabeça uma porção de alfarrabios.
Atraz do illustre viajante vae um negro, empurrando um carrinho de mão,
carregado de todos os emblemas das sciencias e das artes. Por baixo da
caricatura está a seguinte inscripção:

«_Una volta un imperatore, per fare une ingresso in una cittá, «si
faceva precedere» de una buona batteria di cannoni. Don Pedro invece «se
fa seguire» dagli arnesi della scienza. Evviva dunque... il progresso._»

E mais adiante no _Spiritelli_!

«--Sapete perchè viaggia tanto all'estero l'imperatore del Brasile,
abbandonando per mesi e mesi il suo trono?

«--Per fare propaganda repubblicana!

«--Oh bella!... Ma come, in che modo?

«--Provando come due e due fanno quattro, che dal momento che il Brasile
sta in piedi durante le sue lunghe assenze, starebbe in piedi anche se
d'imperatore non ce ne fosse. É vero, o no?»

Em outro numero apresenta o imperial viajante a dormir, n'um camarote do
theatro da Scalla, ironia pungente ao facto de sua magestade se deixar
adormecer como qualquer mortal, numa funcção de gala para que tinha sido
convidado.

Tem d'estes espinhos a realeza. Ella não sabe que é preciso aturar tudo
e todos, os festejos e aquelles que os fazem?

E não se diga que são insignificantes taes actos. Estas manifestações,
dadas por um povo ao representante do outro povo, reflectem-se em um e
outro; mas se esse representante é indifferente a essas manifestações de
respeito, e os que as promovem se escandalisam do indifferentismo,
louvae estes, porque tal desgoto representa ainda concideração ao povo
representado pelo indifferente.

Na Italia usaram da satyra para fulminar a indifferença. Hade por isto
revolucionar-se o povo brazileiro contra os colonos italianos residentes
no imperio?

Não. A força da logica manda que no Brazil se _revolucionem_ contra sua
magestade o imperador.

Não era, nem nunca foi intento nosso discutir o viajante imperial; mas
desde que no Brazil se fazem revoluções contra portuguezes por motivo de
sua magestade ser recebido em Portugal nas _palminhas das mãos_, não
devemos deixar passar em claro a dupla offensa que o povo amigo e irmão
nos faz.

Mas não fica ainda aqui a satyra. Da Italia passou á Inglaterra... com
sua magestade imperial.

O _Punch_, de Londres, que não desejava ver abalados os seus creditos de
ironico, descreveu assim uma digressão do senhor D. Pedro d'Alcantara:

«_Extractos de um diario imperial._--4. h. da manhã.--Muito zangado por
ver que dormi de mais. Levantei-me, vesti-me á pressa, banhei-me na
Serpentine, e fui dar um passeio ao Parque.--5 h.--Fui a
Alexandra-Palace, e apanhei os empregados de sorpreza, apezar de lhe ter
mandado dizer que havia de lá ir hoje. Zangado por ver que não tinham
uma opera prompta.--6 h.--Tomei uma chavena de café, e fui ao Jardim
Zoologico. Acordei os leões, montei a cavallo nos elephantes e assisti
ao banho matinal dos hippopotamos. N. B. Ufanei-me de me ter anticipado
a elles.--7 h.--Fui procurar o principe, e estive de cavaco ao lado da
cama de sua alteza real. Depois fui á Polytechnica, e, como os
empregados ainda não estavam a pé desci eu sózinho dentro do sino de
mergulhador.--8 h.--Fui a Kew, e almocei com o dr. Hooker. Durante a
nossa refeição um celebrado botanico teve a bondade de fazer uma
leitura.--9 h.--Fui ao hospital de S. Thomaz, puz em polvorosa todos os
enfermeiros, visitei o Museu etc. Não tive tempo de esperar uma
allocução dos directores.--10h.--Fui á City, e vesitei a casa da camara,
o Stock-Exchange, Billingsgate, e a Torre. Tive uma longa conversação
com mr. Punch, _Fleet Street_, 85.--11 h.--Fui a Albert Hall e toquei
orgão. Depois fui ao Museu de South-Kensington e assisti a leituras
sobre desenho, cosinha, e trabalhos de agulha. Meio dia--Fui ao Palacio
de Crystal, e vi os peixes. Em attenção aos meus variados compromissos,
os directores mostraram-me os fogos de vista de dia.--1h.--da tarde. Fui
a Orleans-Club, e subi o rio. 2h. Fui á moeda e vi o machinismo do
correio--3 h.--Fui á camara dos pares e assisti a uma partida de
_cricket_.--4 h.--Corri ao Aquario de Westminster. Um pouco fatigado,
mas restaurei-me com um _lunch_ em Grosvenor Gallery.--5 h.--Depois de
visitar a Real Academia assisti a um «chá das 5 horas» em
Belgravia-South-Kensington.--6h.--Visitei a abbadia de Westminster, a
cathedral de S. Paulo, e o oratorio de Brompton.--7 h.--Jantei no hotel,
e tomei café em Battersea-Park--8 h.--Fui a Egyptian-Hall ver Zoè, e
estive alguns minutos na camara dos communs.--9 h.--Vi o que pude de
Convent-Garden, Lyceu, e Her-Magesty, e regalei-me com o artistico
representar de m. Jefferson em Haymarket.--10 h.--Telegraphei
inscripções aos meus ministros no Brazil, dancei uma quadrilha em
Willis-Rooms, e recusou-se-me respeitosamente entrada no
Beefsteack-Club, onde soube com muito pezar que não entravam
estrangeiros.--11 h.--Ciei em Albion e depois fui a um baile em Carlton
Gardens.--Meia noite--Procurei os srs. Gladstone, Tennyson e Thomaz
Carlyle, e depois de gozar tres deleitosos cavacos, voltei para o
hotel--1 h. da manhã--Escrevi umas poucas de cartas, li o _Times_,
arranjei o meu despertador para as tres, e fui-me deitar.»[50]

A fina ironia das _Farpas_ não é superior á que deixámos transcripta.

Ponham os criticos de parte os preconceitos de nacionalidade, e hão de
concordar comnosco.

Pois bem, em paga da hilaridade singella, que não importa
desconsideração aos brazileiros, dizem os _hydrophobos de lá_, em
resposta ás ironias dos inglezes, dos italianos e dos portuguezes.

«Vinde colonisar as nossas terras, ó inglezes civilisados e italianos,
que vós sois mais uteis do que os portuguezes assassinos e ladrões!»

Ás finas ironias das _Farpas_, onde especialmente se distingue a mala
inseparavel de D. Pedro de Alcantara respondem:--_O vosso rei é um
bebado e um devasso!_ E querendo responsabilisar os colonos pelos
escriptos de Ramalho Ortigão, escrevem:

«A emigração é um direito baseado na phylosophia, sustentado pelo
progresso da humanidade.

«Sim, senhor, não vamos ao contrario d'esse principio eterno do
desenvolvimento da arte e da sciencia, da civilisação por tanto.

«Mas não ha direito que não tenha por espelho o dever em seu fiel
cumprimento.

«O emigrado suppõe a idéa de utilidades. É um axioma.

«O emigrado é um individuo, e como tal, para fazer valer seus direitos,
corre-lhe a obrigação de não faltar aos seus deveres.

«Ora, desde que esquece estes perde aquelles.

«O direito suppõe a justiça, o dever suppõe a moral.

«Desprezada a moral pelo individuo temos um ente perdido e perigoso, que
despreza da mesma forma a justiça por meio de um crime.

«Um criminoso não póde ser util a sociedade alguma.

«Assim, pois, o emigrado immoral e affeito ao crime é um individuo
inutil.

«Isto posto, indaguemos qual a utilidade, que nos póde sobrevir da
colonia portugueza.

«Estudemos pela theoria dos factos apoiados nos grandes mestres, a
historia e o tempo.

«Em que consiste o merecimento do braço portuguez?

«Somos forçados a retirar os olhos cobrindo o rosto; pois o quadro que
nos offerecem a lavoura, a arte e a industria de nossa terra, é o mais
digno de lastima, por mercê da _actividade_ portugueza.

«Como causa, quaes os effeitos da intelligencia d'essa colonia?

«Entre nós, provavelmente, ás sciencias, á litteratura, ás bellas artes
nada tem aproveitado; antes as letras, os verdadeiros talentos de nossa
patria teem soffrido atroz violencia (_sic_), indigna opposição da parte
d'ella.

«E quaes teem sido as provas da grandeza d'alma portugueza?

«As provas do sentimento, da moral, da virtude, da honestidade do
cidadão portuguez temol-as de sobejo ainda que esqueçamos o quanto sabe
ser elle ingrato; porque iremos encontral-o em toda a parte--como um
ente dissoluto; em todas as situações--como um hypocrita; na mais infima
á mais elevada posição--como um cynico perante a lei, diante de Deus um
atheu e dos homens uma vibora.

«Não se presta o colono portuguez ás luctas da agricultura nem sua
cabeça percebe o hymno que se entoa nas officinas, nos templos do
trabalho honesto, porque fecha os olhos, cerra os ouvidos á voz da
consciencia, aos gritos da virtude e aos arrojos da concepção humana.

«São portanto colonos estupidos, immoraes, por conseguinte inimigos do
dever, que aberrando de um direito perdido aggridem a justiça e exaltam
o--crime.

«Incontestavelmente é uma raça inutil.

«Por ventura nos póde convir uma colonia, que, em vez de alimentar,
serve de tropeço ao desenvolvimento material de nosso vasto paiz».[51]

Nós não queremos discutir este amontoado de disparates, mas respondemos
com o seguinte documento official aos taes _hydrophobos_ de lá que em
nada se parecem com os de cá:

«Do relatorio do ministerio da fazenda do imperio do Brazil, apresentado
este anno (1877) á assembléa geral legislativa, extraimos a seguinte
nota do numero dos contribuintes sujeitos ao imposto industrial no Rio,
regulado alli por lei de 15 de julho de 1874, excluidos os
estabelecimentos taxados com relação aos meios de producção e os de
sociedades anonymas--isto no exercicio de 1875-1876.

«Os contribuintes são:

Portuguezes     7:394
Brazileiros     1:791
Francezes         466
Inglezes          127
Allemães          127
Italianos         214
Hespanhoes         58
Belgas             13
Hollandezes         1
Suissos            23
Americanos         17
Orientaes           1
Chins               1
Africanos          16
Gregos              4
Dinamarquezes       7
Cubanos             1
Suecos              3
               ------
               10:264

«O valor locativo em moeda do Brazil, do local que servia para o
exercicio da industria era de réis 6.052:661$198, e o valor total do
imposto foi de réis 1.010:090$359, tudo moeda fraca.

«As sociedades anonymas sujeitas ao imposto de industria e profissões,
no dito exercicio de 1875-1876, foram 36, sendo 15 brazileiras, 15
portuguezas, 5 inglezas e 1 americana, cujos dividendos subiram a réis
8.553:000$000, pagando de imposto 1,5 por cento, ou 128:000$000 réis.

«O numero de estabelecimentos industriaes (note-se bem--_industriaes_)
sujeito ao referido imposto, no mesmo anno, foi de 182, sendo:

Brazileiros      45
Portuguezes     109
Francezes        11
Inglezes          3
Allemães          5
Hespanhoes        5
Suissos           3
Italianos         1

«Estes estabelecimentos empregavam 976 operarios, e d'elles 100 eram
laborados á força humana, 7 por meio de força irracional, 66 pela do
vapor e 9 pela da agua. O imposto que pagaram foi de 18:637$436 réis.

Vê-se por estes dados qual é a parte importante que a nacionalidade
portugueza tem na industria e commercio do Rio de Janeiro.

«Note-se, no entanto, que em todo o Brazil o imposto das industrias e
profissões é avaliado em 2:600:000$000 para o exercicio corrente de
1877-1878.»[52]

Elles, os hydrophobos, ignoram isto, coitados! Nós fazemos-lhes esta
justiça.

É por causa d'essa ignorancia que os desgraçados afinam por este
diapasão.

«_Deus já nos vae ajudando._--A bordo do vapor inglez _Jerome_ sahido
d'este porto no dia 26 do corrente mez, escafederam-se para a _terrinha_
trinta e tres gallegos, qual d'elles o mais estupido e vilhaco.

«Por emquanto está o Pará livre d'estes trinta e tres canalhas que nos
favorecem com a sua ausencia!

«Oxalá que arribassem todos os _ladrões_ e aventureiros, que chegando
aqui sem vintem, sem officio nem beneficio, compram logo fiado uma
taberna, assignam muitas vezes letras, sem saberem o que assignam e
depois para pagarem, andam roubando aqui acolá, commettendo quanta
infamia e praticando toda a sorte de escandalo e desacatos; e quando
vêem os gallegos infames que não podem com a carga, atiçam fogo na
bodega e raspam-se para a _terrinha_ roubando e desgraçando a muita
gente!

«É d'esta _escoria_, d'este _povoléo_ ordinario que veem de Portugal!
Gente boa não vem de lá.

«Desengane-se quem quizer, cada um bicudo que chega ao Brazil ou é um
refinado vadio troca tintas, ou um calceta fugido do Limoeiro, ou das
enxovias do Carmo. A canalha bicudal tem mais medo das solitarias do
Carmo do que do diabo.

«Nós queremos estrangeiros civilisados, laboriosos e honestos, emigrados
amigos do trabalho; o que não podemos supportar são _portugallegos_ que
veem aos centos, todos _ladrões, infames, desatinados, salteadores,
assassinos e moedeiros falsos, etc. etc._

«Contra estes _ladrões_ todo o rigor das nossas leis e a maldição do
povo brazileiro caia sobre elles.

«Longe, bem longe de nós e de tudo quanto é honesto e civilisado está
_esta tróça estupida de gallegos_. Deixem-nos, vão para o inferno, para
a costa d'Africa, para as zonas torridas e humidas de Pedro Botelho,
comtudo que favoreçam-nos com a sua ausencia.

«O que querem estes malvados e faccinoras _gallegos_ n'uma terra, onde
ninguem os póde vêr?!...»[53]

O que deixamos trascripto, como se pode deprehender, refere-se a
portuguezes que sahiam do Brazil, contra quem, ainda que sem motivo,
podiam allegar represalias; mas o que vamos transcrever é uma amostra
das recepções que n'aquelle paiz hospitaleiro costumam fazer aos colonos
que pela primeira vez pisam o solo brazileiro, contra quem parece que
não devia haver razão de queixa:

«_Pilha de ladrões e velhacos._--A bordo da barca portugueza
_Camponeza_, vinda da _terrinha_ e aqui ancorada no dia 8 do corrente,
chegaram 26 badamecos gallegos e velhacos, sujos e réos de policia.
_Elles_ que de lá vem é porque fizeram alguma... Ou fugindo do serviço
das armas, deixando o pae e a mãe compromettidos, ou arrombando as
prisões do Limoeiro e as enxovias do Carmo, onde é a vivenda continua da
matúla indigna e safada.

«Pelo ról dos passageiros não consta que viesse um só, entre tantos
ladrões, um habil pintor, um perito dentista, um intelligente
agricultor, um laborioso agronomo, um engenheiro, emfim, um homem de
educação e de bons instinctos. Veiu sim, uma matúla estupida de ladrões,
assassinos, vagabundos, jogadores, não bastando ainda os muitos que por
aqui estão!

«E não se envergonha a estupida colonia portugueza de apresentar em uma
terra estranha patricios seus, filhos do _decantado_ Portugal, como os
que vieram agora na barca _Camponeza_ e outros muitos que constantemente
vêem baldeados nos porões dos navios!

«E ainda dizem que os portuguezes são nossos _civilisadores_...

«Barbaridade! affronta!...

«Desengane-se a negra gallegada que aqui como em toda a parte ella não
passará de uma _gentinha_ miseravel, estupida, dedicada ao roubo, ao
assassinato e á introdução da moeda falsa.»

Finalmente, não chegava navio algum da Europa que transportasse colonos
portuguezes, que ficassem isentos d'uma recepção tão delicada e...
hospitaleira!

Transcrever taes artigos seria, alem de fastidioso, impossivel, ainda
mesmo em meia duzia de grossos volumes.

A represalia contra as _Farpas_, não podia ser mais inconsequente.

     [50] Traducção do _Diario da Manhã_.

     [51] A _Tribuna_, do Pará.

     [52]_Jornal do Commercio_, de Lisboa, de 19 de julho de 1877.

     [53]_A Tribuna_ do Pará.


III

Para salvarem da responsabilidade, que tão justamente cabia á sociedade
paraense, diziam os optimistas, e entre estes o auctor do _Brazil_, que
a _Tribuna_ não era bem acolhida por aquelle povo; mas o pasquim assim
respondia aos calumniadores:

«Conhecedores como somos, d'este estado morbido da nossa sociedade,
exultamos de prazer quando recebemos o nome de algumas senhoras
paraenses que mandaram inscrever-se entre os assignantes da _Tribuna_.

«Este passo certifica-nos que o patriotismo existe mesmo no coração
d'aquellas que se acham unidas por laços indissoluveis aos subditos da
terra, cuja pressão combatemos.

«Essas corajosas senhoras, que lêem e applaudem a _Tribuna_, tão mal
vista pelos--_namorados dos Portuguezes_ (os paes brazileiros que
desejam casar as filhas com compatriotas nossos), abriram um exemplo
que, é de suppôr, despertará o patriotismo do seu sexo, que faz os
nossos encantos, e a quem deveras desejamos maiores venturas que as
gosadas hoje.

«A _Tribuna_ não póde deixar de agradecer-lhes essa honra, de que sempre
nos ensoberbeceremos, servindo-nos de estimulo para proseguirmos no
caminho que tomamos sobre nossos hombros.

«Agora, que rendemos o preito devido ás nossas formosas e patrioticas
assignantes, o leitor nos permitta tratemos de alguns factos.»

Na data em que isto se publicava--20 de maio de 1872--, a _Tribuna_
fazia uma tiragem de 1:000 exemplares, e para mostrar que o apello fôra
attendido pelos _patriotas_, aquelle numero subiu a 3:000, passado
apenas um anno!

Tambem diziam:--o jornalismo do imperio não faz caso do pasquim; e a
_Tribuna_ fulminava assim os insultadores da sua _dignidade_:

«Estranha o bandido d'além mar, em um aranzel publicado no _Diario da
Bahia_, que o _Jornal do Pão de Assucar_ tenha tido a honra de permutar
com o nosso periodico.

«Estes labregos não se conhecem!

«O _Jornal do Pão de Assucar_, por ser redigido por um homem de bem,
_foi que pediu a permuta á Tribuna_, e ella acceitou. _Nós permuttamos
com quasi todos os jornaes do imperio_, dos logares os mais longiquos, e
de todos estes jornaes só ao _Globo_ foi que da nossa parte pedimos
permuta; quanto aos mais nós não fazemos mais que acceital-o se o jornal
é digno d'essa consideração (_sic_), se não é damos-lhe um pontapé como
fizemos ao _Imparcial_ de Guimarães, porque aqui não jogamos perolas a
porcos, nem damos esmolas aos cães.»

Se não fôra demasiado extenso publicariamos n'este logar a lista dos
jornaes do imperio que trocavam com o pasquim incendiario do Pará.


IV

Alguns de nossos leitores terão reparado já na insistencia de só
querermos apresentar á vindicta publica a _Tribuna_, deixando incolumes
os pasquins _Regeneração_ e _Constituição_, que tambem se publicam na
cidade do Pará; aquelle, orgão official do clero, e este do partido
conservador. Não é esse o nosso intento, assim como o não é de
isentarmos os pasquins que se publicam nas outras capitaes das
provincias, ao sul da do Pará.

Assim, pois, vamos apresentar ao leitor _O Argus_, _O Estandarte_, _O
Progresso_, _A Malagueta_, _A Voz do Bacange_[54] e o _Publicador
Maranhense_ do Maranhão.[55]

Do Ceará a _Tribuna Popular_. De Pernambuco, o _Commercio a retalho_ e a
_Luz_; e antes de mencionarmos os das outras provincias, transcreveremos
alguns especimens hospitaleiros d'estes pasquins... com os quaes se não
ri a população.

Falla o _Commercio a retalho_:

«Vive o povo brazileiro sobre a pressão do mais horroroso pauperismo!

«Certamente causa espanto, que o povo brazileiro viva na miseria, sendo,
entretanto, o Brazil tão rico!

«O que contribue directamente para que o povo, habitando n'um paiz tão
fertil, viva opprimido pela miseria, são duas causas--a estupida,
anti-patriota gestão dos negocios publicos, e o commercio a retalho ser
exclusivo dos portuguezes!

«Se desde que organisou-se o governo brazileiro, este tivesse tratado de
preparar o paiz, por meio de reformas liberrimas e economicas, por certo
que hoje não teriamos de lamentar tantas vexações e desgraças: não
teriamos de ver só portuguezes no commercio.

«Se desde que chegamos ao numero de poder tratar dos negocios da patria,
nossos antigos não fossem cedendo o campo commercial aos portuguezes,
incontestavelmente não veriamos hoje uma mocidade activa, intelligente,
sem occupação em demanda de empregos publicos, não achando um logar no
commercio, prestando-se a imposições do governo.

«Em condições tão excepcionaes, resta aos brazileiros conquistar a todo
o transe o commercio a retalho.

«Continuar a testemunhar o espectaculo pungente de uma mocidade entregue
á triste condição de andar pelas secretarias, subir incessantemente
escadas de influentes do governo, para adquirir empregos, é impossivel.

«Quando um povo chega ao deploravel estado de ver o primeiro ramo da
riqueza do seu paiz entregue a estrangeiros, que escarnecem d'elle, como
os portuguezes dos brazileiros, não póde conter-se.

«E, para conquistarmos o commercio, não é preciso desatinos,
conquistemos sublime e francamente por meio da união, da associação,
concorrendo para as casas dos nacionaes e esquecendo as espeluncas dos
passadores de cedulas falsas» etc. etc.

E conclue:

«Escolha o povo: ou nacionalisar o commercio a retalho para salvar-se
d'esta miseria, ou succumbir sendo victima d'ella, tendo sobre a campa o
vergonhoso epitaphio--covardes! Povo de escravos!»

Nós cá não somos tão máus como o _patriota_ João Cancio e
Romualdo--redactores da asneira; nós cá bradaremos aos pasquineiros e a
quem lhe dá trella:--ó mandriões! agarrai na enchada e desbravai a
terra! e quando ella vos der ouro, vinde então estabelecer o commercio a
retalho brazileiro ao lado do commercio a retalho portuguez!...

Mas não ha gastar cera com tão ruins defuntos. Vamos ao que importa.

Na Bahia publica-se o _Alabama_ e o _Labaro Academico_.

A sua irmã _Tribuna_ expressa-se n'estes termos a respeito do _orgão_
dos estudantes da academia em S. Salvador:

«_Labaro Academico_».--Pelo paquete do sul entrado no dia 15 do corrente
em nosso porto, recebemos o n.º 8 d'esse illustre periodico, redigido
por abalisadas pennas.

«A illustre redacção do _Labaro Academico_ sobremodo nos penhorou, que
não podemos deixar passar desapercebidas as phrases lisongeiras, que com
profusão nos dirige, com as quaes illustramos as columnas do nosso
periodico.

«Diz elle que _dois elementos nos esmagam, dois elementos nos aviltam_.

«Pois bem! Unamo-nos em um amplexo fraterno, e trabalhemos para o nosso
_desideratum_, isto é, regeneremos o nosso paiz--a nossa liberdade.

«O _Labaro_ que trate de expellir o _primeiro_ de nossas ridentes
plagas, emquanto nós nos esforçamos para exterminar completamente o
_segundo_ da nossa sociedade, isto é, a colonia portugueza, esse cancro
que corroe as nossas riquezas, a nossa dignidade, os nossos direitos e o
que temos de mais caro--a familia.

«Seja o nosso grito o mesmo que o do bardo de Albion:--_Away, away!_

«Assim se expressa o _Labaro_ acerca da nossa _Tribuna_:

«A _Tribuna_ periodico popular que se publica em Belem, capital da
provincia do Pará, assim se exprime a nosso respeito:

.........................................................................

«Agradecendo as palavras lisongeiras que nos dirigem os illustrados
redactores da _Tribuna_, cumpre-nos dizer que como vós, nós tambem temos
um _desideratum_ a realisar; é a regeneração do nosso paiz--a nossa
liberdade.

«Dois elementos nos esmagam, dois elementos nos aviltam.

«Nós tratamos de expellir o primeiro das nossas ridentes plagas,
procuramos quebrar as cadeias que jungem este colosso Americano ao poste
da servidão e degradação a que nos tem arrastado a realeza.

«Vós procuraes arrancar da nossa sociedade um cancro que corroe as
nossas riquezas, a nossa dignidade, os nossos direitos e o que temos do
mais caro--a familia.

«Trabalhai, que o povo brazileiro vos abençôa e applaude, porque sois os
defensores de seus direitos, e a posteridade registrará na historia os
vossos nomes.

«Nós tambem trabalharemos sempre e sempre, e se pararmos extenuados pelo
cansaço, outros tomarão o nosso logar. Away, away.»

No Rio de Janeiro, finalmente, o jornal a _Republica_, que fôra redigido
por uma pleiada de escriptores celebres no Brazil, comprehendia os
principios democraticos ataçalhando a colonia portugueza e oppondo-lhe a
barreira de preconceitos mal entendidos, quando a sublime idéa manda
derrubar as barreiras que ante si construiram os despotas das
nacionalidades!

Não temos presente nenhum exemplar d'este periodico, mas a _Tribuna_
paraense, accusando a recepção, da _Republica_ assim se exprime a seu
respeito, em 6 de janeiro de 1874:

«Já não estamos sós:--Pernambuco tem o _Commercio a Retalho_, e no Rio,
a _Republica_ trata de despertar a attenção publica sobre o elemento
portuguez tão numeroso e hostil á nacionalidade brazileira.»

A _Nação_, do Rio de Janeiro, jornal semi-official do _governo_
presidido pelo visconde do Rio Branco, álem de outros artiguinhos
capciosos, publicou o seguinte, que o pasquim paraense transcreveu:

«_Guita! Guita!_... Segundo os diccionarios portuguezes significa esta
palavra--_barbante cordelinho de linha_.--Os _gaiatos_ de Lisboa, porém,
conhecem pelo nome de _guitas_--os soldados de policia. É esse o termo
que se pretende hoje popularisar entre nós!

«E são esses estrangeiros (os portuguezes) os que procuram animar
desordens, aconselhar o desrespeito á auctoridade, justificar quanto
excesso e escandalo se pratica!

«O grande _Jornal do Commercio_ tambem toma parte n'essas brilhantes
manifestações, embora com a manha que lhe é habitual. Deixa de fallar
nos attentados dos seus queridos compatriotas, e vem dizer que os
agentes de policia estão praticando excessos condemnaveis e promovendo
desordens, quando toda esta cidade sabe que a prudencia da policia tem
ido até á fraqueza.

«O que é certo é que os brazileiros que servem na guarda urbana têm sido
aggredidos, insultados e espancados por estrangeiros turbulentos e sem
educação; e o que é certo tambem é que esse estado de cousas não póde
continuar.

«Estamos muito atrazados ainda, mas regeitamos a civilisação dos
carroceiros do lixo.[56]

«Ah! se a centessima parte d'esses factos se desse em qualquer das
provincias do norte, no Pará, por exemplo!...»

Agora vejamos quem são os taes _guitas_ do Rio, que a _Nação_ parecia
defender.

Falla um correspondente da _Tribuna_, estabelecido na côrte do imperio:

«Amigos--não sei o que escrever, ou para melhor dizer, não ha novidades
a não ser chuva, e muita chuva, que tem sido causa de graves e
lamentaveis desgraças, mas sempre a _maldita e vil gentalha gallega_
aproveitando-se das desgraças alheias para o seu nefando fim--o roubo!

«Como verão das noticias que abaixo seguem extrahidas do _Jornal do
Commercio_ e do _Diario do Rio_, um soldado de policia (seja dito de
passagem que _dois terços dos soldados do corpo de policia d'esta triste
e desgraçada côrte é gallegada_!!!) aproveitando-se da occasião em que
fazia guarda á casa do conselheiro Menezes _guardou_ um relogio com
corrente de ouro e um paliteiro de prata! Foi preso, encontrando-se-lhe
o roubo!!»

Conclusão:

Se a policia era insultada pelos _estrangeiros carroceiros do lixo_, a
_Nação_ tirava a desforra, defendendo os _seus_ compatriotas; mas se a
policia roubava os relogios e os paliteiros de prata, o correspondente
da _Tribuna_ dizia _de passagem_, que dois terços de soldados do corpo
de policia era _gallegada_!

Isto não se commenta.

Assim, pois, ahi fica demonstrada a differença que existe entre os
hydrophobos de cá e os hydrophobos de lá.

     [54] «Em remotas épocas foram aqui atrozmente insultados os
     portuguezes, por alguns jornaes, taes como (segue os nomes
     citados).» _Relatorio do consul do Maranhão_, de 7 de dezembro de
     1874.

     [55] Dos jornaes mencionados só existe hoje o _Publicador
     Maranhense_, jornal official do governo da provincia!

     [56] Portuguezes ou _gallegos_, é claro!



CAPITULO VII

Melindres historicos. A corveta «Sagres» no Pará. Uma boa recepção! As
proclamações da «Tribuna». Os telegrammas da Agencia Americana. Os
officiaes da «Sagres» e o capitão Marcelino Nery. Recompensa do governo
brazileiro ao insultador dos portuguezes. Os factos perante os nossos
excessos. Uma carta de além tumulo.


I

Para que seja fiel a historia dos tumultos no Pará, em 1874, e para que
não haja quem venha negar factos consummados, é preciso dar noticia de
alguns documentos que para ahi existem dispersos, e que desappareceriam
se não fôra o nosso cuidado de esclarecer a verdade; dando logar o
desapparecimento a que futuros historiadores, a titulo d'um patriotismo
inconcebivel, desvirtuassem, com seus falsos raciocinios, os lamentaveis
acontecimentos occorridos no ultimo semestre d'aquelle anno, n'uma das
provincias mais ricas do imperio americano.

Quantos haverá ahi que nos censurarão o vasculharmos esses documentos,
que, no entender dos optimistas deveriam ficar esquecidos, para
salvaguardar conveniencias mercantís!

E deverá o homem digno esquecer a verdade, para attender a essas
conveniencias?

Não, responderão aquelles que, como nós, só vêem no futuro o juiz
imparcial de seus actos.

«Sabel-o-ia a historia, se os aios e confessores de principes e de reis,
em vez de serem bonzos, fakires e derviches de um credo intolerante e
sangrento, e que tem no seu proprio symbolo o germen da sua total
aniquilação, fossem chronistas severos e verdadeiros da corrente das
idéas, e das leis immutaveis do progresso, na marcha logica e fatal do
desenvolvimento da humanidade».[57]

É assim que o illustre escriptor que vimos de citar condemna os
melindres dos optimistas systematicos; e nós somos da mesma opinião.
Embora se diga que já não existem esses bonzos, fakires, e derviches, o
que é certo, é que no referir da historia, ainda ha condescendencias
improprias de historiadores imparciaes, e por consequencia d'esta época
de liberdade, condescendencias que hão de concorrer poderosamente para
que á historia do presente, que devera ser um edificio mais solido do
que a historia do passado, faltem os alicerces que a tornariam
indestructivel.

Se os receios de que se acercam os que se dizem auxiliares da historia
do presente, que ha de ser coordenada no futuro, tivessem por base o
temor dos principes e dos reis, escudados na força clerical, que
n'outras épocas exercia o seu poderoso influxo, á força dos martyrios da
polé, a que não poderam resistir os Galileos da sciencia; era até certo
ponto razoavel a condescendencia filha do medo; mas que os receios
tenham a sua origem nas contemplações inconfessaveis, isso é que é
imperdoavel a quem faz a apologia da liberdade, que veio em auxilio da
razão, sem a qual não póde ser escripta a verdadeira historia.

Concordando plenamente com o illustre litterato, que viemos de referir,
é preciso provar tambem que não somos bonzos nem derviches do
mercantilismo, que, como os reis e principes de antigas épocas,
pertende, na actualidade, avassalar a razão.

Eis o que temos feito e continuaremos a fazer. Pena é que nem todos nos
sigam o exemplo.

     [57]_Os salões_ do sr. visconde de Ouguella.


II

Ás noticias atterradoras do Pará em outubro de 1874 que fizemos
transmittir pelo telegrapho, responde o governo portuguez, mandando para
as aguas do Tocantins, o aviso de guerra _Sagres_.

O governo brazileiro, tambem reforçava, com a canhoneira _Mearim_ e a
corveta _Trajano_, a sua esquadrilha do norte.

A Allemanha mandava a corveta _Victoria_.

Vejamos como a _Tribuna_ recebe a _Sagres_, em seu numero de 17 de
novembro, e quaes as calumnias que proclama sobre a sua guarnição.

Transcrevemos na integra a recepção por que ella déra causa ao conflicto
entre um dignissimo official da nossa armada e a redacção do pasquim,
conflicto que não deve ficar no escuro para bem da historia.

Falla o papel incendiario:

«Amanheceu ancorada em nosso porto no dia 11 do corrente, esta immunda
esterqueira da marinha de guerra portugallega.

«No dia seguinte, ao da chegada os jornaes da nossa imprensa, que seguem
o triste e desgraçado fadario de especular com a colonia portugallega,
bajulando-a por todos os lados, davam essa noticia da forma seguinte:

«_O Liberal do Pará._

«_Corveta Sagres._--Amanheceu hontem ancorado em nosso porto este
elegante vaso de guerra da marinha portugueza.

«_Diario do Gram-Pará._

«_Corveta Portugueza_:--Está desde ante-hontem á noite ancorada em nosso
porto a corveta _Sagres_, da armada real portugueza. O gentil navio
trouxe 19 dias de viagem de Lisboa, tocando em Cabo-Verde. Commmanda-o o
sr. capitão tenente Francisco Teixeira da Silva considerado pelos seus
honrissimos precedentes como um ornamento de sua classe. A _Sagres_
arquêa 813 tonelladas, tem machina de vapor da força de 300 cavallos
dynamicos, é armada com 4 canhões e tripulada por 138 praças.

Seja bemvinda ás aguas do Amazonas a gentil corveta.»

«_Diario de Belem_:

«_A corveta Sagres._--Esta corveta da marinha de guerra portugueza,
amanheceu hontem fundeada em nosso porto. Trouxe de Lisboa por S.
Vicente 13 dias de viagem.

«É do porte de 813 toneladas, da força de 300 cavallos, monta 6 peças e
traz 138 praças de guarnição.

«É commandada pelo sr. capitão tenente Francisco Teixeira da Silva, um
dos ornamentos da marinha portugueza, e vem estacionar em nosso porto
com o fim de proteger os seus compatriotas, aqui expostos ao furor de
uma horda de canibaes.»

«Ora, será a colonia portugallega tão bruta, não haverá no meio d'ella,
ao menos um portugallego, que tenha um pouco de senso, para vêr
n'aquellas palavras a mais negra irrisão?

«Ora digam-nos agora, portugallegos, não será uma grande caçoada, uma
negra irrisão, chamarem a vossa corveta _Sagres_:--_gentil_, _elegante_,
_protectora etc._, _etc._?

«Safa! que ser-se cego assim já é demais, e fazer-se tanto assim dos
outros tolos é abusar-se muito!

«Pobres portugallegos!

«Ficae certos, que nós somos vossos inimigos, havemos contra vós queimar
até o ultimo cartucho, e derramar até a ultima pinga de sangue, porque
nos fazeis todo o mal possivel; mas não vos illudimos, de vizeira alçada
fallamos a linguagem da franqueza e do positivismo, não nos encobrimos
com o manto infame da hypocrisia e falsidade sómente para vos sugar os
cobres, como esses miseraveis especuladores do _Diario de Belem_,
_Gram-Pará_ e _Liberal do Pará_.

«Ficae certos, que quando chegar a hora tremenda da revolução, estes
vossos _amigos_ de hoje serão os vossos mais cruentos inimigos, para que
elles não sejam victimas da indignação de seus proprios patricios.
Elles, os vossos _amigos_ hão de querer rehabilitar-se perante o povo
brazileiro, e para isso mais depressa que nós vos mandarão _cear com
Belzebuth_!

«Esperem, esperem e verão como os factos e os tempos se encarregarão de
corroborar estas nossas opiniões.

«Crêde-nos que, quando cahir entre nós o raio flammejante da revolução é
para fazer uma unica e nobre divisão: de um lado--brazileiros, do outro
lado--portugallegos.»

No mesmo numero, a proposito de um baile no _Cassino_:

«_Sympathicas leitoras._--Na carencia de divertimentos, festas e
prazeres bateu-vos á porta a festa do glorioso prelado de Sebaste, S.
Braz, o milagroso advogado das molestias da garganta.

«Bailes não houve... Alto lá, musa: olha que já me fizeste pregar uma
mentira ás benignas leitoras!

«É verdade que eu bem podia vender este _peixinho_ ás minhas delicadas
leitoras, porque eu não vi nenhuma nos salões do _Cassino_, mas em
descargo de minha consciencia e respeito ás minhas caras leitoras, não
quero, não posso, não devo mentir.

«Portanto, houve no sabbado baile no _Cassino_; baile, que os seus
maiores _dilectantis_ esperavam ser de... _grande gala_, pois para isso
foi convidada toda a officialidade da _Sagres_.

«Mas oh! bellas leitoras, grandissimo _fiasco_! Só vi alli meia duzia de
moças e outro tanto de moços brazileiros que retiraram-se logo, onde
entre elles veiu-se escorregando o vosso chronista, porque a _coisa_ não
cheirava lá muito bem.

«Gostei, leitoras, gostei de não vos ver alli n'aquelles agallegados
salões do _Cassino_.

«Pois não! Quem mais dignos de dançar comvosco se não os vossos
patricios, creaturas de corpos leves e ageitados, limpos e aceiados?

«Haveis trocal-os pelos corpos dos portuguezes immundos, insupportaveis
e pezados como um cêpo?

«Ora essa é o que faltava!

«Arranjem-se p'ra lá... como poderem, comtanto que as nossas amaveis
leitoras não estão resolvidas a dançar um _fado_ em lugar d'uma polka, e
aguentarem com esses alarves desenfreados.

«E depois de termos os brilhantes salões do _Club Militar_, o que irão
fazer as queridas e patrioticas leitoras nos agallegados salões do
_Cassino_?

«Quem é que troca ouro por couro?

«Gostei, leitoras, crêde-me que vós me enchestes as medidas, gostei de
ver a prova de patriotismo que déstes não comparecendo no lusitano baile
do _Cassino_. Os portuguezes quando vos pódem metter as botas não vos
guardam deferencia--é bastante sêrdes brazileiras para elles vos
calumniarem. Compenetrae-vos d'isto e procedei sempre como agora, que o
vosso chronista agradecido e _cahido_ vos beijará respeitosamente as
setinosas mãos.»

Este artigo é demasiadamente comico, para dever merecer os nossos
reparos; comtudo acceitamos a prova de patriotismo das leitoras de
_setinosas mãos_!


III

Agora venha a calumnia. Tem a palavra ainda a _Tribuna_:

«Hontem fôra apprehendida pelo patrão do escaller da alfandega, dous
saccos com carne secca que segundo ouvimos dizer iam com destino á
taberna do Pechincha (portuguez) ao largo das Mercês.

«Não teriam desembarcado da _Sagres_?»

Ainda mais:

«Como mudam os tempos! Outr'ora os ventos do largo nos traziam os aromas
exquisitos, os perfumes inebriantes das flôres silvestres, d'essas ilhas
virgens que nos demoram ao N.

«Hoje, trazem-nos o halito impestado d'essa gente portugallega, as
emanações putridas e abafadas d'esse fóco de peste que se chama
_Sagres_, os miasmas d'esse trapo bicolor impregnado de sangue africano
e coberto de maldições horrendas!»

Mais:

«_Visita presidencial._--Sabbado pela uma hora da tarde, o ex.mo sr.
presidente da provincia, acompanhado do chefe do mar, inspector do
arsenal de marinha, chefe de policia, guarda-mór da alfandega e o consul
portuguez, foi fazer uma visita ao chaveco _Xagres_, ora ancorado em
nosso porto, estupidamente appellidado de _crubêta_ pelos estupidos
portuguezes. Não sabemos porque não lhe chamam _náo_.

«Ao atracar o escaller em que ia o presidente, o commandante da
alambasada maruja deu signal a esta que subisse ás _biergas_, e logo, á
guisa de preguiça quando se arrasta por algum cipó, eil-os se agarrando
pelas enxarcias, meia duzia de gallegos sabujos, que são os de que se
compõem _a crubêta belha e remendada_.

«Logo que chegaram ás _gabias_, começaram a dar _bibas_ ao _pabilhão
auri-berde_, ao _imperadore_ do _Vrasile_ e não sabemos que mais...

«D'est'arte fizeram uma parodia burlesca e mais ridicula do que as
outras nações, em caso identico, costumam fazer.

«Ao retirar-se o presidente, como é estyllo em taes circumstancias,
salvaram o castello e a canhoneira _Mearim_, ficando (oh! vergonha das
vergonhas!) recolhida ao profundo silencio a _crubêta Xagres_, por
achar-se impossibilitada...[58]

«Que fiasco, portuguezes!

«Comquanto tivessemos Portugal como a nação mais miseravel da Europa,
não lhe dispensando a minima importancia, todavia não tinhamos ainda
formado uma idéa tão exacta da sua impotencia e nullidade na ordem das
cousas.»

     [58] Não salvou porque o regulamento não manda salvar quando hajam
     só quatro boccas de fogo.--A _Mearim_ não salvou pela mesma razão.


IV

O artigo que vamos transcrever deu causa ao conflicto do dia 21 de
novembro de 1874:

«Apesar do desapontamento da colonia portugueza, que esperava um navio
de guerra de primeira classe para metter-nos medo, em vez da falua
_Sagres_, que só tem servido para ridiculos, consta-nos que o commercio
já nomeou uma commissão, afim de promoverem uma subscripção para os
bailes que pretendem dar no salão do _Albino_, ao largo da Trindade, e
no _Hotel Central_, á estrada de Nazareth.

«Tiveram a honra da nomeação para a commissão os honrados negociantes
José Solambada, Joaquim Gallinheiro, Bento de La-Rocque, Alivio Ladrão,
José Coelho, (o balão) e Manuel dos Tomates, com os quaes nos
congratulamos á vista de tão acertada escolha.

«Medeiros Branco, Frias e o _compadre_ Antonio Muchila foram
encarregados para fazerem as poesias analogas ao acto, nas quaes
cantarão as _Glorias de Alcacer Quibir_ e as do _Rei chegou_, depois do
que o _Club Philarmonico_ tocará a _caninha bierde_.

«Ai! que folia! que pagode!

«_Sagres_, é o gentil buque-luso com quatro canhões, dois por banda,
montados em rodisios de cana da India, fundeada em nosso porto,
hasteando galhardamente _el pavilhon_ das _gloriosas quinas
portuguezas_, tendo attrahido á flôr d'agua até os _bacus_, _tralhôtos_
e _candirus_ para a admirarem! Caramba!

«Os canhões são tão grandes como aquelles que os argentinos mandaram
fundir, os quaes não cabendo nos seus arsenaes, tiveram de metter os
arsenaes dentro dos canhões! Pumpum!

«Veiu a bordo da _Sagres gentil_, um grosso tonel de azeitonas arvorado
em _mestre_, assemelhando-se muito pela figura grutesca a um d'esses
patrões de falua do Tejo.

«Quem sabe se não mandaram esse _loup de mer_ para cá com o unico fim de
amedrontar-nos com sua figura obesa e ratona?

«Portugal tem garbo em presentear-nos com _salchichões_ d'esses!

«Pedimos ao sr. Furman que não se esqueça de phothographar essa
raridade, pois todas as vezes que vem á terra faz a população morrer de
riso.

«Os janotas de pince-nez la _del buque_ com effeito nada arranjarão
aqui, porque já são mortos Villarés e Chicos Ruivos... restando apenas o
Caleijão.[59]

«Consta-nos mais que a guarnição tem-se agradado tanto da terra, que
toda ella quer desertar para aqui reforçar o trafico das carroças e
pipas d'agua» etc.

Isto e muito mais foi publicado no n.º 259 da _Tribuna_, já referido;
mas esta ultima parte dos insultos á guarnição da corveta, e
especialmente aos _janotas de pince-nez_, os segundos tenentes da armada
real, Carlos Krusse e Marques Costa, deu aso aos novos tumultos do dia
21 que ainda a moderação mais evangelica não poderia evitar.

Carlos Krusse, explica assim as novas occorrencias, em uma carta enviada
do Pará á _Democracia_ de Lisboa com a data de 28 de novembro de 1874:

«_Sr. redactor._--Depois de commigo se haver dado um caso, que os
jornaes da localidade occultam, e que o papel _Tribuna_ procura
deturpar, não ficarei silencioso á partida de noticias para ahi. Devo
aos portuguezes a narração verdadeira do facto commigo dado. Para os da
nossa colonia do Pará é trabalho inutil expôr o que todos elles sabem.
Para Portugal são precisas algumas palavras.

«Li um artigo que, com a epigraphe _Projectos de baile em honra del
buque Sagres_, vem publicado no jornal a _Tribuna_ de 17 de novembro do
corrente, e vendo o periodo--Os janotas de pince-nez--procurei no
escriptorio da redacção um tal homem, ou cousa que o valha, que se
responsabilisa pela folha.

«Mandou-me entrar esta repugnante creatura, e depois de lhe pedir com a
maior prudencia o ultimo numero do jornal que publicou (o que me queria
offerecer, e que, não acceitando, paguei por 800 réis) mostrei-lhe o
artigo que ambiguamente me podia dizer respeito.

«Leu, e ao terminar, pedi-lhe me declarasse se era de mim que tratava,
para lhe exigir prompta satisfação. Declarou-me terminantemente por duas
vezes, (tantas por mim exigidas) defronte dos seus empregados, que nada
comigo tinha relação, e que mesmo a palavra _mestre_, no artigo
empregada, se não referia a official algum da corveta, mas sim a alguem
da prôa.

«Agora este ente repugnante, vergonha da classe militar (ex-capitão
paraguayo) e dos homens de bem, quer, em seus covardes escriptos,
mascarar de prudencia o que n'elle foi falta de coragem, para sustentar
o que havia escripto e desafrontar-se, quando pouco depois de eu ter
entrado na redacção, justifiquei a minha tardança em ali ir, na falta de
leitura d'um papel, que lhe disse ter «por unico programma a calumnia e
a infamia, contra um povo, contra uma nação de que supponho não conhece
a posição geographica».

«A colera reprimida d'essa abjecta creatura obrigou-a a mentir perante o
presidente da provincia, queixando-se de que eu lhe havia assaltado a
casa!

«Um unico homem, não manejando arma alguma, usando de todo o
cavalheirismo, assalta a espelunca de um negro, dentro da qual estão
mais cinco ou seis?

«Isto faria rir, se não provocasse dó.

«Na occasião em que procurei esta cousa de fórma humana, este menino da
_Tribuna_, confesso-lhe sr. redactor, que imaginei que ao encontrar um
testa de ferro acharia tambem n'elle os brios de homem.

«Reconheço hoje que tratei com um garoto de praça publica, que nos faz
caretas ao voltarmos-lhe as costas, e a quem devolvo os epithetos,
calumnias e infamias, que me dirigiu e que ahi leram.

«Que precisaria um homem que declara agora uma coisa, e que logo publica
um pasquim negando os factos passados na sua officina, presenceado pelos
«seus dignos empregados e ouvidos pelos muitos grupos que fóra escutavam
e que na minha saída vi?»

«Poder-se-ha usar com homem de tal caracter os meios empregados entre
cavalheiros, entre homens de bem?

«Não.--Disse-m'o uma grande parte da colonia portugueza aqui,
aconselharam-me todos os meus camaradas.

«Que resta? O desprezo, a entrega de tal procedimento á apreciação do
publico e o desforço que se toma para com um garoto quando o acaso
depare occasião.

«Não responderei mais, como fazem todos os officiaes da _Sagres_, ao que
diga de futuro a tal _Tribuna_, e só peço com fervor a chegada de uma
occasião propria para o ultimo e unico desforço.

«Convença-se Portugal, de uma vez para sempre, que o seu apreciado
Revalescière _Prudencia!_ não serve, quando os acontecimentos chegaram a
tomar o corpo que attingiram os do Pará.

«Uma satisfação das affrontas dirigidas ao soberano e á nação, exigida,
se preciso fôr, com a força de quatro corvetas, não aqui, mas no Rio de
Janeiro, affigura-se-me ser a ultima, mas necessaria solução!

«Desculpe, sr. redactor, o apressado d'estas linhas, que teem tanto de
mal escriptas quanto de verdadeiras, e creia no respeito que merece a
quem é--De v. etc. _C. Krusse_.»

Marcelino Nery que se humilhára perante o bravo official, levantou a
caricata grimpa pela seguinte forma, n'um avulso--_Boletim da Tribuna_,
quando o portuguez digno lhe dera as costas como a vil sicario:


AOS BRAZILEIROS

«Acabamos de soffrer a mais revoltante affronta, que não foi, como
devera ser, punida para não darmos logar a que ignobeis detractores da
honra nacional cuspissem infamias cruelissimas á face d'este povo nobre
e heroe na paciencia com que tolera os ultrages da colonia portugueza.

«Povo paraense! Ao meio dia de hoje foi a nossa officina invadida por um
individuo, cujo nome, occupação e qualidade não indagamos, nem desejamos
saber e que cheio da mais sôez prosapia e pela forma porque achava-se
ajaezado, disse e acreditamos ser official da carveta _Sagres_.

«Armado sem duvida e no firme proposito de pôr em pratica um crime
hediondo, e na louca persuasão de pratical-o e ficar impune, esse
individuo, depois de invadir a nossa officina e encontrar da parte de
seu proprietario um cavalheirismo a toda a prova, recuou de sua
tentativa e tomou o expediente de proromper, n'uma grita crapulosa, em
insultos e injurias contra a honra nacional, contra os brios paraenses,
a ver, se arrastando ao extremo da indignação ao capitão Nery, o
provocava a um desforço legal que desse-lhe brecha a converter-se de
bebado em audacioso malfeitor.

«Foi preciso que o capitão Nery se revestisse da maior prudencia e em
termos habeis repellir de dentro de sua propriedade um insolentissimo e
arrojado lacaio com fumaças de nobre... que procurava ser castigado a
vergalho, se por ventura em outro paiz se desse semelhante affronta.

«Saibam os portuguezes e o mundo inteiro--que se não fossemos generosos,
se não tivessemos nobresa de alma, se fossemos selvagens, o infame
deixaria os miolos ao estampido do revolwer sobre o chão que pisamos: só
a tiro se poderia castigar a selvageria de um javardo agaloado, que teve
a suprema audacia de invadir a nossa officina.

«Ninguem dirá que, dentro d'ella um bandido ou bebado pagou com a
existencia atrevimentos escarrados em nosssa honra e patria.

«O facto, que expomos, foi levado ao conhecimento do ex.mo sr.
presidente da provincia, que prometteu immediatas e energicas
providencias com que contamos.

«_Percheiro_ que transmitta esta noticia invertendo a acção e os
actores.»

A consciencia dizia-lhe que no _boletim_ deturpára a verdade dos factos;
por isso nos impunha aquella especie de ameaça, para que os não
illucidacemos em nossas partes telegraphicas, o que já mais elle ou
qualquer _tribuno_ façanhudo conseguiriam.

     [59] Sodomitas.


V

Por isso e por obrigação do nosso cargo fizemos passar para o sul as
seguintes partes telegraphicas:

«(21-11-74) _Tribuna_ violentissima contra guarnição corveta; official
mais offendido pedio satisfação á redacção. Opinião publica reclama
termo estado cousas póde ter graves resultados.»

Antes de proseguirmos vamos dar uma explicação:

O official da Sagres só pedio satisfação quatro dias depois, por que só
então lhe constára o insulto. E se não demos parte, no dia 7, da
linguagem indecente da _Tribuna_, era por que nunca faziamos caso
d'ella, mas se n'este momento a destinguimos foi pela necessidade que
tinhamos de noticiar os acontecimentos gravissimos que se annunciavam.

Aquelle telegramma passou pelo cabo ás 2 h. da tarde, pouco mais ou
menos. Marcelino Nery, fôra-se queixar ao presidente, da supposta
affronta do official portuguez; e como aquella auctoridade o recebera
indifferentemente, o capitão paraguayo, para amedrontar o presidente e a
população fez publicar o tal boletim que reproduzimos, ao anoitecer
d'esse mesmo dia.

Eis o telegramma em que davamos parte d'esta publicação:

«(21-11-74) _Tribuna_ publica boletim aos brazileiros contra official
fôra pedir satisfação. Reina panico.»

«(22-11-74) Mercado falta dinheiro. Espere serviço.»

No dia 22 de tarde, á hora a que expediamos esta parte, dizia-se que os
_tribunos_ fariam reunião na praça de D. Pedro II. Foi este boato que
deu aso áquella prevenção, para sul, de--_espere serviço_; e a prova
eil-a:

«(23-11-74) Constava _tribunos_ fariam _meeting_. Chuva continuada
evitaria? Policia estava a postos.»

A chuva foi torrencial durante toda a noite; não obstante, nós e a
policia estavamos a postos.


VI

Foi no dia 21 de novembro que o presidente Azevedo expedira para o seu
governo o importantissimo telegramma que mencionámos a paginas 7 das
_Questões do Pará_, dia em que egualmente fôra expedida para Londres a
não menos importante parte, que egualmente transcrevemos no referido
livro a pag. 10.

Mas não ficou aqui a questão. Ainda fizemos expedir mais telegrammas,
que, julgamos indespensavel transcrever aqui.

E se os não publicámos ha mais tempo, foi porque esperavamos fazer sahir
á luz um outro livro, que não publicámos, por que como já dissemos, nos
subtrairam a collecção de todos os jornaes que se publicaram no Pará, no
ultimo semestre de 1874, em cujos artigos, de origem brazileira,
escudariamos as nossas proposições; collecção que pode ser examinada a
todo o tempo por escriptores brazileiros, que mais tarde pretendam
escrever a historia dos tumultos do Pará n'aquelle anno.

Mas vamos á historia dos telegrammas.

Os espiritos conservavam-se agitados, especialmente, desde o dia 21 de
novembro.

Esperavam-se, a toda a hora, providencias do governo central, com
respeito ao telegramma do presidente. Até que afinal, o governo deu um
ar da sua graça, declarando ao seu representante no Pará, que
_procedesse dentro dos limites da lei_!

Os _tribunos_ que até alli tinham zombado de tudo e de todos,
continuaram a zombar, não só da lei, como da decisão do governo, cuja
noticia correra logo de bocca em bocca, não obstante a tal decisão ser
_secreta_ como _secreto_ tinha sido o telegramma do dia 21 de novembro,
que nós devassamos!

Quem padecia mais com as indicisões do governo central era o commercio;
por isso expedimos, no dia 25, a seguinte parte telegraphica, resultado
das repetidas conferencias que tivemos com seus representantes:

«Bancos restringiram operações. _Tribuna_ sahida hoje mesma linguagem.»

A _Tribuna_ não podia deixar de se mostrar fanfarona, á vista dos medos
do governo.

O presidente, não podendo fazer cousa alguma _dentro dos limites da
lei_, foi para o jornal official proclamar ao povo contra os excessos da
_Tribuna_ e seus apaniguados.

Compare-se esse documento publicado nas _Questões do Pará_, com o
extracto que d'elle fizemos em nosso despacho telegraphico expedido para
o sul em 26 de novembro, e ver-se-ha que a consciencia e não o _espirito
de nacionalidade_, presidira sempre aos nossos actos de agente fiel da
companhia Americana.

É este o despacho:

«_Jornal Official_ diz chegou occasião lamentar estado provincia que
retrograda gigantescamente. Japão civilisa-se, Pará passa terra
selvagens. Ideias tríbunicias defendidas por influencias. Edificações
paralisadas, decrescimento rendas, commercio desanimado, telegrammas
para Europa suspendendo pedidos. _Tribuna_ cessaria publicação, mas
agenciaram subscripções; emissarios foram intimar publicação.
Conclue--governo disposto manter tranquilidade. Não tolera empregados
devem ser ordem, estejam collocados á testa movimentos tribunicios. Fez
sensação artigo. Reuniões influentes casa _Tribuna_.»

Por aqui póde vêr o sr. Augusto de Carvalho e os seus dignos
correligionarios optimistas, que com a propaganda da _Tribuna_ do Pará,
não riam nem folgavam os leitores, como riem e folgam com a leitura dos
nossos jornaes burlescos.

Em 27 de novembro ainda não tinham socegado os espiritos. A prova d'isso
está nos telegrammas do presidente do Pará, publicados na folha official
do Rio de Janeiro, e que já transcrevemos em outro logar.[60]

     [60] Veja-se o opusculo _Coisas Brazileiras_.


VII

Já viram os leitores, que, comnosco estavam interessados na questão: o
presidente, os jornaes de todos os partidos, exceptuando a
_Constituição_ e a _Tribuna_, o corpo commercial e por ultimo, os
officiaes da _Sagres_, que expediram pela agencia americana para o
_Diario Popular_, o seguinte telegramma que não chegou ao seu destino, e
para cuja publicação estamos auctorisado:

«(27-11-74.) _Diario Popular._--Lisboa. _Tribuna_ insolentissima.
Officiaes _Sagres_ prohibidos ir terra. Humilhantissima posição.
Providencias immediatas.--_Maia._»

O seguinte despacho fôra expedido por nós em 28 de novembro:

«_Constituição_ responde ao _Jornal Official_, refutando. Opina
publicação _Tribuna_, mudando linguagem. _Gran-Pará_ acompanha _Jornal
Official_.»

E, effectivamcnte, a _Tribuna_ acceitou os conselhos da
_Constituição_!...

Eis como o deputado, Wilkens de Mattos, esclarece a questão, no _Diario
de Belem_ de 2 d'agosto de 1874.

E preferimos esta á nossa opinião, porque em summa...somos portuguez!

Falle o sr. Mattos:

«O estylo é o homem, e os artigos da _Constituição_ photographam
fielmente a indole de seus redactores.

«Provocado por ella de um modo improprio de cavalheiros, insultado em
uma linguagem que só se depara nos vocabularios dos homens da mais
infeliz camada da sociedade, corri á imprensa para lançar de sobre mim a
responsabilidade que a _Constituição_ me emprestava, e para externar
minha opinião a respeito da questão, que tanto tem agitado e prejudicado
a sociedade paraense, e levantado grande celeuma contra nós no
extrangeiro. Era um dever imprescindivel, a quem, como eu, presa sua
terra natal, respeita a opinião publica e quer manter um caracter
illibado; mas a _Constituição_ por motivos que me são estranhos,
surprehendeu-me mais uma vez com a sua linguagem, que me furto ao
desprazer de qualificar. Ninguem, que não esteja dominado de um odio
brutal e de prevenções irracionaes, deixará de lastimar a linguaguem de
que, a meu respeito, fez uso o jornal, que se diz orgão do partido
conservador d'esta provincia, jornal que foi creado tambem para
regenerar a imprensa paraense, cuja linguagem, classificada de polluta,
elle tanto censurou e condemnou no começo de sua estrêa.

«A _Constituição_ pensou que me abateria e me faria recolher ao
silencio, ou provocaria de minha parte represalias na mesma phraseologia
com que me aggredio. Enganou-se. Os seus insultos servirão para provar
contra ella, que não occulta o seu rancor, o seu espirito abocanhador
sempre que tem de derigir-se a quem _ousa_ decahir de suas graças.

«A _Constituição_ mente assim ao seu programma, compromette o seu
presente e cava a ruina de seu futuro.

«Devia ella manter-se em terreno decente, usar de linguagem intelligente
e circumspecta, propria de cavalheiros, ainda mesmo combatendo seus
adversarios politicos, ou aquelles que, sendo conservadores, não
concordam com a sua politica. Se a _Constituição_ não respeita as
opiniões de seus adversarios ou divergentes, se ella não a procura
vencer por meio da intelligencia, empregando a linguagem comedida e
decente, como quer ser tratada e considerada?

«Não pense que o insulto lhe dará nunca ganho de causa. Esse meio é
reprovado nas sociedades cultas, e só lhe pode attrahir o despreso.

«Lastimo, pois, mais uma vez a trilha errada que procurou a
_Constituição_, e apesar de gravemente offendido por ella, faço cordeaes
votos para que seja a sua redacção mais feliz nas suas inspirações, afim
de não prejudicar a sociedade em que milita.

«A _Constituição_ sabe bellamente, que na camara temporaria, de que
tenho a honra de fazer parte, nunca se tratou de discutir os males que a
propaganda e lingoagem da _Tribuna_ teem causado a esta provincia. Se
alí se tivesse tratado d'isso, póde estar a _Constituição_ certa, de que
externaria eu com toda a franqueza a mesma opinião, que já externei pela
imprensa, no meu ultimo artigo. Esperaria, é verdade, e unicamente por
um rasgo de cortesia, que os meus collegas, representantes do Pará,
primeiro se manifestassem a respeito; mas quer elles o fizessem, quer
não, não ficaria occulto nas dobras do silencio, muitas vezes
conveniente áquelle que não tem a coragem de seus actos, e que prefere
jogar em perpetuo carnaval.

«Não ha consideração alguma que me inhiba de manifestar-me com a isenção
d'espirito e com a franqueza a que tem direito os mais caros interesses
desta abençoada terra em que tive o berço, e de suas relações com uma
nação amiga, da qual descendem os brazileiros, e com a qual se acham
estreitamente ligados pelos laços mais estimaveis.

«Os augustos chefes das duas nações são parentes mui proximos. Portugal
exercita com o Brazil avultado commercio; envia-nos os seus productos em
troca dos nossos. A mesma religião, a mesma lingua; os mesmos costumes.
Porque hesitar diante da propaganda que nos faz passar como um povo que
vae perdendo a civilisação e ensaia actos barbarescos? Não vejo rasão.

«A _Constituição_ convida-me a declinar os nomes dos seus redactores que
cultivam relações pessoaes e exercem influencia sobre o proprietario da
_Tribuna_. Para que esse convite?

«A _Constituição_, de certo, não quererá que eu me constitua delator.
Nunca o conseguirá. Deve ella ter consciencia de que eu estou de posse
de muitos de seus segredos, e deve fazer-me a justiça de crêr-me incapaz
de fazer publico uso d'aquillo que outr'ora me foi informado. Negar é um
impossivel, que alguns de seus actuaes redactores fizeram publicar na
_Tribuna_ escriptos seus. Alludo apenas a esta circumstancia, porque não
ha quem a ignore.

.........................................................................

«Não é em um artigo escripto ao correr da pena, que o deverei fazer.

«Não tenho embaraço algum a pronunciar-me clara, sincera e
positivamente, não só contra a propaganda da _Tribuna_, mas ainda e
sobretudo contra a linguagem de que tem sido victimas muitos dos
subditos de S. M. Fidelissima, que são honrados negociantes e ricos
proprietarios n'esta capital; propaganda e linguagem que teem mareado o
bello conceito que já gosavamos, nós os paraenses, na Europa e nos
Estados-Unidos.

«Eu que caminho para o ultimo quartel da vida, que não estou atado ao
orçamento da provincia, que nada pretendo d'ella, que tenho procurado
servir ao paiz com o zelo e capacidade, que Deus me concede, lastimo do
fundo do coração, que ainda haja paraense que não queira reconhecer o
immenso mal moral, economico e politico, que será aggravado de dia em
dia, causado á provincia pelas doutrinas erroneas, e linguagem
condemnaveis do _obscurantismo_, do inimigo da paz e socego das
familias, e do progresso desta estrella, cujo brilho se procura
embaciar! Lamento isto do fundo d'alma.

«Meus sinceros parabens á _Constituição_ pela _lisongeira e expontanea_
defeza que a _Tribuna_ lhe faz em seu ultimo numero.

«Não leve ella (_a Constituição_) a mal que eu lhe diga: quem póde o
mais, póde o menos.

«Quem teve forças para obter que a _Tribuna_ moderasse a sua linguagem,
poderia, se tivesse querido, conseguir ou tolerar, que esse periodico
deixasse de apparecer, ainda que fosse temporariamente.

«Não veja n'isto uma insinuação, ha franqueza, e firme convicção.

«Desde que a _Constituição_ aberrando do seu programma primordial, acha
prazer em jogar-me doestos e injurias, devo declarar-lhe: que não sei
esgrimir com _mascarados_, nem usar de armas que infamam a quem as
emprega.

«Na arena em que o homem educado deve sempre encontrar-se, no uso do
raciocinio, na applicação honesta dos factos, respeitando-se a verdade,
não hesitarei em encarar a _Constituição_; mas, diante do insulto e do
trato indigno de cavalheiros, não me encontrará.

«Fica ao seu sabor escolher; prosiga, porem, como quizer, que, de uma
vez para sempre deve convencer-se, que não responderei ás injurias nem
aos insultos: porque quem insulta á sombra de anonymo é só digno de
despreso.»

                                                 «_Wilkens de Mattos._»

Depois d'isto digam os optimistas que somos pessimista systematico
contra as cousas brazileiras.


VIII

Se aos brazileiros se concede a liberdade de condemnar os excessos
commettidos na sua patria, aos portuguezes que soffreram e continuam a
soffrer as consequencias d'esses excessos, não deve ser negada essa
liberdade.

Assim pois, continuemos a transcripção dos despachos telegraphicos que
fizemos expedir do Pará para conhecimento do mundo inteiro, que então
desejava estar inteirado do incremento da revolução contra portuguezes:

«(2--12--74) Commissão, praça composta de brazileiros, portuguezes,
inglezes, allemães e francezes em nome do commercio do Pará, officiaram
hontem ao presidente da provincia, confirmando decadencia, crise
medonha, sobresalto, devido a propaganda injusta, criminosa contra nação
amiga. Louvam procedimento do presidente da provincia. Firmeza,
linguagem energica, artigos na _Folha Official_, renascerá confiança.»

O original de onde extrahimos este telegramma vem publicado nas
_Questões do Pará_. Por haver quem diga que fomos exaggerado nos
despachos é que os transcrevemos, para que sejam comparados com os
documentos que lhes deram origem.

Est'outro, é de 5 do referido mez:

«O _Jornal Official_ publica hoje manifestação commissão da praça. Traz
resposta do presidente da provincia. Mesmas idéas, 26 de novembro.
Publíca portarias, suspensão, contracto conego (Sequeira Mendes) quatro
contos collegio Cametá. Demissão dos empregados que professam idéas da
_Tribuna_. Esta continúa.»

Quando o presidente por estes actos, tocára no estomago repleto, os
revolucionarios anemicos recuaram um pouco.

Tirar quatro contos de réis ao chefe da propaganda só de uma vez, era
cousa seria!

E afinal, tinham razão. A propaganda em logar de lhes dar, aos
revolucionarios, alguma cousa _de peso_ tirava-lhes; é verdade que lhes
crescia a popularidade; mas isto de popularidade em troca de uns
estomagos vasios, não era muito para agradar.

Eis a principal razão porque o _orgão popular_ moderou a sua linguagem
até á retirada da _Sagres_.

N'esta occasião publicára-se a carta do sr. Krusse, em Portugal, e o
governo portuguez mandava immediatamente retirar aquelle navio de guerra
da bahia da Guajará.


IX

Estavamos então em fins de janeiro de 1875.

A corveta devia partir do Pará para Lisboa, com escalla pelo Rio de
Janeiro, na madrugada do dia 3 de fevereiro do referido anno.

Aqui está a despedida _Tribuna_ em seu _boletim_ do dia 2:

«Foi o vapor inglez _Ambroze_, de proximo ancorado em nosso porto, que
nos fez chegar ás mãos o n.º 80 do immundo pasquim, _Brazil_, onde vêm
transcripta uma carta d'aqui enviada pelo fétido lapuz _Krusse_, o
javardo de _pince-nez_ de bordo da nauseabunda _Sagres_.

«Não lê o povo brazileiro o infamissimo pasquim _Brazil_, por isso nós
vamos fazel-o ouvir, com attenção, o que dizia, _ipsis verbis_ n'essa
carta.

«Falla, nojento gallego _Krusse_:

(Segue a carta que atraz reproduzimos.)

«Está sciente o povo brazileiro, do que dizia na tal carta, não é
assim?...

«Ora bem, pois agora fallemos nós.

«Antes que do porto de Belem desferre a immunda esterqueira portugueza
_Sagres_, onde chafurdando-se em putridas materias engorda e vive o
fétido e asqueroso gallego _Krusse_, cumpre-nos, em consideração ao
nobre e heroico povo brazileiro, dizer duas palavras sobre a carta
acima, que esse cynico bandido e miseravel assassino da honra alheia
mandou publicar na degradante imprensa portugueza.

«Hoje, que está no dominio publico o quanto val Portugal, o que é a
_Sagres_, o que são os seus officiaes, principalmente esse garoto de
_pince-nez_, bebado e ladrão _Krusse_, relativamente a esta magna
questão de nacionalidades--não podemos, por certo, temer que nos apanhem
os seus infamantes insultos.

«Não. Não nos insulta esse aborto da natureza, essa podre excrescencia,
essa massa informe de sebo e de chulé, esse monturo de percevejos, essa
larva hedionda podridão dos excrementos humanos a que deram o nome de
_Krusse_. Não! Como um vil, covarde, infame e miseravel cão que é, nem
ao menos lhe poderiamos dar a honra de lamber-nos o fim da espinha
dorsal.

«Já viram todos, o que dissemos a respeito de ter esse salteador
invadido a nossa officina com louco intento de extorquir-nos uma
satisfação, não só em um boletim como em um numero do nosso periodico,
relatando com a nossa proverbial franqueza, imparcialidade e justiça
tudo aquillo que em abono de fé e verdade se passou entre mim e o
asqueroso biltre _Krusse_.

«E era isso uma satisfação que tinhamos de dever dar ao povo brazileiro.
Demol-a, e os nossos dignos compatriotas conscios da nossa conducta e
reputação que ha cinco annos teem sabido estudar, não trepidaram em
lançar sobre esse gallego bebado e safado todo o pezo da mais justa
odiosidade. Principalmente quando esse garoto de _pince-nez_ tentou
contestar-nos, debalde adulterando a verdade e invertendo o facto, em um
artigo que mandou publicar no _Jornal do Pará_ numero 274.

«Ahi porém, não poude elle á vontade vasar o seu venenoso pús. Escreveu
então para a infamissima imprensa portugueza, e ahi está elle no seu
elemento como em um fétido corpo está o percevejo.

«Pois, se esse grutesco bobo de _pince-nez_, tão cynica e infamemente
faltou a verdade na imprensa brazileira, como podia deixar tambem de
mentir e insultar na torpe imprensa de sua terra? Por acaso pode elle
lembrar-se d'aquillo que realmente se deu em nossa officina! Póde elle
dizer a verdade?

«Não, nunca. O bandido que assalta de dia a nossa officina offuscado
pelos vapores intensos da _jeropiga_; o ladrão que assalta de noite uma
outra casa de uma pobre e indefeza senhora, travessa das Gaivotas, e
d'ahi é como um vil e pirento caxorro lançado na rua a pezo de cabo de
vassoura, mesmo por um seu patricio;[61] um homem, emfim, como _Krusse_
miseravel, mais vil e repugnante que a podre lama de um charco,--é capaz
para tudo, maxime para faltar tão descaradamente á verdade de um facto,
que depõe altamente contra o seu caracter de sabujo lacaio de
_pince-nez_ da _Sagres_.

«Por isso, a carta d'esse patife gallego não nos demoveria a traçar em
tempo estas linhas, se n'ella não deparassemos com alguns trechos
acremente offensivos e provocadores á nossa dignidade e caracter, ao
governo brazileiro e á integridade do imperio.

«Primeiro, porque queremos mostrar ao governo brazileiro, a que ponto
chegou entre nós a louca e insensata audacia dos portuguezes bandalhos
como o tal _Krusse_, quando se arroja a dizer, que Portugal _necessitava
exigir uma satisfação com a força de quatro corvetas, não aqui, mas no
Rio de Janeiro_!

«Segundo, porque queremos provar ao publico em geral, que não fazemos
_carêtas pelas costas_ a homens de bem, quanto mais á gente da casta do
estupido, boçal e mariola _Krusse_.

«Terceiro, porque queremos bradar alto e bom som a esse mais vil e
infame canalha da canalha portugueza:--Gallego _Krusse_, se é que
_pedias com fervor a chegada d'uma occasião propria para o ultimo e
unico desforço_, eil-a que se offerece, anda cá vil sicario, não percas
tempo.--

«Quarto, finalmente, porque queremos que fique publico e notorio ao
mundo inteiro, qual de nós merece o negro estygma de covarde; porque,
para quem como o faccinora _Krusse_, _pede com fervor a chegada d'uma
occasião propria para o ultimo e unico desforço_,--ainda é tempo e tempo
assás opportuno e de sobra para tomal-o.

«Portanto, vem, miseravel sodomita _Krusse_, gatuno de _pince-nez_,
burlesco e caricato truão agaloado da _praça d'armas_, cynico, immoral e
nefando _official_ dos immundos beliches dos marinheiros da _Sagres_,
escoria das escorias portuguezas, vem, salafrario.

«Vem, se tens amor a esse trapo nojento das quinas, pendurado no penol
d'esse carro da lama que se chama _Sagres_; vem, se não queres vêl-o
mais vilipendiado do que tem sido por todas as mais nações que n'elle
escarram, com o teu negro titulo de covarde infame; vem, _janota pé de
chumbo_, vem, se te não gira nas veias ignobeis o sangue ignominoso dos
cafres européos, vem tomar o teu _ultimo e unico desforço_.

«Vem, lazarento gallego, não para luctares comnosco, porque és tão
miseravel e despresivel, que a arma ou a mão mais indigna que te batesse
ainda seria nobre de mais para ti.

«Temos porém, uma unica arma, que é a que mais se aproxima ao
merecimento de tua baixeza:--é um chicote para cavallo, com o qual te
mandaremos fustigar as ancas, sem que traga isso pezar algum ao braço
que te castiga e ao instrumento que te imprime seus degradantes e
indeleveis sulcos.

«Vem, descarado canalha, cigano d'uma figa! tomar o teu _ultimo e unico
desforço_.

«Se não vieres, então, tu, infimo bisborria, serás entregue á vindicta
publica e á execração do futuro que te bradarão incessante:

«--Maldito! covarde! infame! desgraçado! és portuguez e basta,
miseravel! escarneo da humanidade! vergonha eterna dos homens, não da
tua raça vil, mas das outras, que na mesma classe que tu, sabem presar a
nobreza da farda, a immaculação da honra, brios e dignidade do pavilhão
glorioso e heroico que defendem.»

                                                    «_Marcellino Nery._»

É a bilis de mais de dois mezes, que a premanencia do sr. Krusse no Pará
evitára que sahisse do nauseabundo esofago _tribunicio_.

Expliquemos a peripecia:

Acompanhavamos quasi sempre os officiaes, nos seus passeios pela cidade
do Pará, e passavamos muitas vezes, occasionalmente, pela praça de D.
Pedro II, onde era o escriptorio da _Tribuna_.

O hydrophobo Marcelino Nery, desde os acontecimentos de 21 de novembro,
nunca mais sahira á rua! e, de binoculo em punho, observava da sua
janella, pela extensa praça, se para o seu escriptorio se dirigia algum
official da corveta. Não eram estas as intenções da officialidade; mas
Nery que não estava d'isso ao facto, e temendo alguma desafronta,
serrava a janella no momento em que os officiaes por alli passavam!

O _boletim_ acima transcripto tem, alem da data--2 de fevereiro--as
seguintes palavras--_ás 7 horas da manhã_--, para que quem o lesse
ficasse sabendo, pelo que estava escripto, que o papel tinha sido
destribuido vinte e quatro horas antes, ainda quando o sr. Krusse podia
_acceder_ ao pedido do _bravo_ anti-paraguayo encerrado; mas a verdade é
que o tal _boletim_ só foi destribuido na cidade quando já a hora
adiantada da noite do dia 2, havia recolhido toda a guarnição para bordo
da corveta!

E não vá dizer a historia para o futuro, que o sr. capitão Marcelino
Nery, não era um digno heroe do exercito brazileiro que nos sertões
envios das margens de Riachoello combatera com denodo pela cara patria!

     [61] Invenções calumniosas da _Tribuna_, invenções que ella dava a
     estampa repetidas vezes contra os portuguezes.


X

Foi naturalmente n'esta epocha que o sr. Augusto de Carvalho, escrevera
na sua historia o _Brazil_, aquella affirmativa, de que a _Tribuna_
suspendera a publicação; mas dos trechos transcriptos d'este periodico
em outro logar d'este livro, verá o leitor que em 1876, isto é um anno
depois da publicação do _Brazil_, ainda o papel incendiario se
publicava; e só suspendeu a sua publicação, quando o governo de S. M.
Imperial, como _recompensa_ dos relevantes serviços prestados á
civilisação do Brazil, dava ao denodado capitão Nery, a directoria de
uma colonia militar ao sul do imperio, com o fim, naturalmente, de
incitar os pamphletarios a novos commettimentos contra a colonia
portugueza!


XI

Alguem ha que nos accusa de exaggerado no nosso livro _Questões do
Pará_, por termos avançado proposições da mais alta gravidade contra o
imperio brazileiro. Essa gente não acha sufficientes os documentos que
comprovam as nossas verdades. Talvez que até mesmo continuassem na sua
incredulidade em presença dos factos. Não admira. O publico é ás vezes
inconsequente; porque acredita nos bruchedos, nas pantomimas das
mulheres que deitam cartas, ou nas artimanhas dos jesuitas. Quando se
trata de cousas tão importantes, despresa o proloquio--_ver e crer..._;
e só faria uso d'elle, se algum ratão se lembrasse de dizer, que ia
atravessar o Tejo com umas botas de cortiça.

Houve incredulos em todas as épochas. Muita gente tem morrido com a
esperança de que o sr. rei D. Sebastião hade voltar ainda a estes reinos
em manhã de nevoeiro. Não ha tambem quem acredite que a agua de Lourdes
fizera o milagre da Misericordia e quejandos? E que importa aos
sebastianistas e aos devotos da nova _Revalescière_ as risadas do
publico sensato? Não será, de certo, por causa d'isso que deixará de
haver quem espere pelos sapatos do defunto rei e quem se recuse a tomar
o seu banho na agua milagrosa!

Ha factos extraordinarios na vida de todos os povos; mas nenhum haverá
de certo que se assemelhe em phenomenos ao povo brazileiro.

Hade haver pouco mais de 50 annos, quando o imperio, pela bocca do seu
primeiro _defensor perpetuo_, declarava a todo o mundo, que tendo os
brazileiros chegado á sua maior edade, pedia a emancipação; diziam os
paraenses, tambem pela bocca dos seus escolhidos:

--Nós somos portuguezes! Portugal é a nossa patria!

Não conveio muito este protesto aos libertadores do Ypiranga; por isso
alguns navios de guerra foram incumbidos de incender no coração d'este
povo o amor á liberdade que lhe promettia a nova patria!

Em 1825 reconhecera Portugal a independencia do Brazil, e o Pará, todo
lacrimoso, entregava-se, com medo das palmatoadas, nos braços da risonha
deusa!

De 1833 a 1842 mudaram completamente as scenas. O povo que alguns annos
antes sacrificaria a vida pela metropole, assassinava e roubava os
portuguezes no meio da rua, á luz esplendida d'este seculo, que lhe dera
a liberdade![62]

Estas scenas, repetidas mais de uma vez depois d'aquella epocha fatal,
não foram ensinadas pelos portuguezes, no longo periodo do seu dominio.
Os selvagens, que outr'ora vagueavam por estas paragens,
horrorisar-se-iam de semelhantes barbaridades, commettidas por quem já
se dizia civilisado. Reconhecera então o governo do Brazil, que os seus
agentes haviam exorbitado as ordens da propaganda, sustentada no
_Paraense_ e outros pasquins, em que tambem um conego incitava os
naturaes á matança dos portuguezes. Por isso lançou mão de um meio
extremo, esmagando aquelle povo, que tão mal havia comprehendido o grito
dado nas margens do historico ribeiro. Centenas de paraenses foram desde
logo mettidos nos porões dos navios e alli assassinados barbaramente.

O governo brazileiro foi sempre amigo dos extremos. Depois de observar
attentamente, e na maior paz de espirito, os assassinatos commettidos á
sombra d'uma impunidade ridicula, chega-lhe a vez de representar o seu
papel de barbaro. Não é de meias medidas. Os seus administrados, á
semelhança de certo rei da França, inventam ou modificam uma machina de
exterminio. E o governo, quando se cansa de ver correr sangue innocente,
manda chegar os assassinos ao terrivel instrumento, e assim lhes rouba
com a vida o terrivel papel de carrasco. O resultado é ficar o Brazil
sem colonos e sem selvagens que podiam ser civilisados, o que é mau!

Mas depois d'aquelles horrorosos acontecimentos pareceram socegar os
animos; porém lá estava a ferida aberta. Os descendentes das victimas do
governo brazileiro tinham ouvido por entre as juntas das cobertas dos
navios um terrivel anathema, que era ao mesmo tempo a morte da provincia
mais rica do imperio. Esse anathema de exterminio contra os colonos
tinha sido ouvido tambem pelos portuguezes, que entenderam desde logo
dever explorar a industria extractiva de certos productos riquissimos,
que, até ha bem poucos annos, parecia no Pará uma mina inexgotavel.

A agricultura que nos paizes virgens offerece sempre um lucro mais
duradouro e mais proporcional ao capital e ao trabalho empregado, porque
a exploração dos productos extractivos é mais eventual e retarda por
consequencia a prosperidade do territorio onde ella se exerce; a
agricultura, repetimos, foi desde logo desprezada. O facto era logico.
Uma revolução, em qualquer dia de expansão paraense, era facil, e a
borracha, a castanha, o cacau e muitos outros productos podiam fazer uma
viagem até á Europa, na companhia de seus donos, sem que a estes desse
muito cuidado as terras e as arvores que costumam dar semelhantes
fructos. Outro tanto não aconteceria com os terrenos comprados pelos
colonos, com os productos agricolas ainda por colher ou com os engenhos
montados para a sua fabricação, que cairiam irremediavelmente nas mãos
dos communistas.

No Pará, depois da sua famosa independencia, houve sempre
revolucionarios a incitar os animos, já propensos á desordem, contra
portuguezes. E o que é extraordinario é que esta gente, que não quer
admittir em seu seio os colonos que mais podem concorrer para o seu
engrandecimento, é apologista da republica!

Em 1873, por occasião da prisão dos revolucionarios que no Pará pizaram
a nossa bandeira, andavam os apologistas da sublime idéa ameaçando os
estrangeiros e promettendo lançar fogo aos estabelecimentos! A musica,
que marchava na vanguarda dos communistas tocava o hymno da marselhesa,
e do meio d'aquella bachanal saía ao mesmo tempo o grito de--viva o sr.
D. Pedro II! e tocava o hymno imperial!

E note-se que são sempre assim os que sonham com a republica no Brazil.
Quanto mais republicanos mais inimigos dos estrangeiros. Esta gente,
salvas mui raras excepções, que já mais poderão fazer do imperio uma
republica, não dá ás palavras e ás cousas a mesma significação que nós
lhes damos. As suas idéas estão sempre em manifesta contradição. Ha
povos no Brazil, que podemos comparar a um collegio de rapazes a quem a
palmatoria muitas vezes não faz conter nos limites da ordem.

O que é facto inquestionavel, é que muito ha que dizer ainda a respeito
do odio selvagem que aos portuguezes votam os brazileiros. A
conveniencia mal entendida da maior parte dos portuguezes calar os
soffrimentos recebidos no imperio, é em parte a origem de tantos males,
que, divulgados, serviriam de correctivo salutar. O portuguez soffre ha
seculos o barbarismo d'aquelle povo, e não só se resigna com o martyrio
que lhe infligem, mas até procura viver no meio d'elle, pugnando ao
mesmo tempo pela prosperidade d'um paiz tão despresado pela maioria de
seus naturaes. O francez, o inglez, o allemão que reside no Brazil, não
tem rebuço em formular as suas queixas contra os indigenas. Estes
colonos não são, comtudo, os que mais soffrem. A prudencia do portuguez
chega ao ponto de dizer bem do imperio, pouco depois de haver recebido
d'elle os mais acerbos desgostos. As excepções são rarissimas, e nós
orgulhamo-nos de não pertencer á regra geral.

Pouco tempo depois de havermos publicado as _Questões do Pará_ recebemos
uma carta de um subdito francez, nosso particular amigo, o qual foi
muitos annos negociante no Pará, e ainda hoje pertence a uma firma
respeitabilissima, que assim se expressa a respeito das verdades no
mesmo livro contidas:

«_Amigo_:--Tenho recebido os jornaes, que já emittiram opinião a
respeito do seu livro. Admira-me que houvesse um[63] que o taxasse de
exagerado, principalmente no que diz respeito ao caixeiro da casa
ingleza. Bem se vê, que o jornalista conhece pouco o Pará. Vou
contar-lhe alguns casos que alli se deram commigo.

«Quando pela primeira vez appareceu a _febre amarella_ na provincia do
Pará, os habitantes da cidade de Cametá amedrontaram-se por tal fórma,
que influiram com a camara municipal para que fosse collocada uma guarda
na bocca do Tocantins, com o fim de não deixar passar os barcos e as
canôas procedentes da cidade de Belem. Constando ao sub-delegado, que eu
tinha mandado um bote ao Pará apresentar ao presidente da provincia uma
queixa contra tão grande escandalo, expediu logo aquella auctoridade uma
ordem de prisão contra mim. O delegado da policia, logo que soube do
facto, mandou chamar o sub-delegado a quem perguntou o que havia feito,
ao que respondeu confirmando o mandado de prisão. Então aquella outra
auctoridade policial lhe fez ver, que seria prudente cassar a ordem,
quanto antes, dizendo que eu não era portuguez, mas sim francez, com que
se podesse zombar. Sabe que fallei sempre perfeitamente o portuguez e
d'ahi a illusão. O subdelegado foi logo a correr a fim de ver se era
tempo de cassar a ordem de prisão, o que felizmente poude conseguir.
Sabendo eu o occorido mandei logo outro bote ao Pará, com a noticia a
meu..., o qual representou ao mesmo consul. Este apresentou-se ao
presidente da provincia, na companhia do commandante d'um navio de
guerra francez que então estacionava nas aguas do Pará. A auctoridade
superior da provincia depois de ouvir attentamente o consul, disse que
ia dar as suas ordens e que desde já lhe dava sua palavra de honra, que
se eu estivesse preso, mandaria ir em ferros o subdelegado. Então o
presidente fez um officio á camara municipal, ordenando-lhe em termos
muito severos, que desse entrada franca ás embarcações do Pará e que não
tornasse a acontecer outra similhante arbitrariedade. Este officio foi
mandado distribuir depois de impresso, aos habitantes da cidade de
Cametá!

«Mas outro caso lhe vou contar. Sahia do porto do Pará uma escuna
americana, que nos fora consignada. O capitão, por esquecimento, tinha
deixado ficar a matricula no consulado. O consul pediu ao guarda-mór
para fazer voltar a escuna. Este quiz primeiro consultar o presidente
que ficou d'accordo. Passado uma hora, mandou-me o presidente chamar, e
disse-me o seguinte:--«Mandei-o chamar, por que tenho estado a pensar no
que acabei de fazer, que foi annuir a mandar chamar a escuna americana
para receber os papeis que lhe esqueceram. Desejava saber o que pensa v.
a tal respeito, porque estou a receiar de ter alguma responsabilidade
n'este acto que acabo de praticar.» Respondi-lhe que a responsabilidade
era toda do consul, porquanto o navio tinha sido chamado a requesição
sua. Esta resposta deixou o presidente muito satisfeito, porque dizia
elle _que o ministerio brazileiro recommendava muito ás presidencias
para não origínarem questões com as tres potencias_:--Estados-Unidos,
Inglaterra e França! Isto que eu lhe digo é a pura verdade; mas com tudo
ainda pode haver quem duvide, assim como duvidam do seu livro.» etc.

Como se vê, estas tristes verdades depoem tanto contra a civilisação de
um povo, que effectivamente é preciso estar prevenido para as acreditar.

Ha tempo escreveu um correspondente do Pará para um jornal da
capital[64], o seguinte:--«O auctor das _Questões do Pará_, ou por não
querer tornar o livro volumoso, _ou por ignorar muita cousa_, em razão
de ter aqui residido pouco tempo, _diz muito menos do que podia e devia
dizer_.»

Valha-nos ao menos estas demonstrações sinceras dos que ainda soffrem.

     [62] Revolução de 1835 contra portuguezes.

     [63]_O Districto d'Aveiro._ Veja-se a critica ás _Questões do
     Pará_, no fim do volume.

     [64]_A Democracia_, de 14 de julho de 1875.


XII

Um jornal paraense a--_Regeneração_--accusa-nos de calumniador das
senhoras paraenses no que escrevemos em outro logar[65]. É uma falsidade
o que se pertende affirmar com visos de verdade.

Calumnia é o que segue, publicado na _Tribuna_ do Pará:

«_Que fecundidade espantosa!_--Na Correspondencia de Portugal,
transcripta no _Diario de Belem_ de 7 do mez passado, se lê esta
noticia:

«Foi publicado o relatorio da Santa Casa da Misericordia, e por elle se
vê que no fim do anno economico de 1872-1873, estavam a cargo da
misericordia 13:370 _expostos_, dos quaes apenas pouco mais de 100 na
casa dos _expostos_.»

«Com effeito, 13:370 _engeitados_ no anno de 1873 estavam a cargo da
misericordia de Portugal!

«É mais um documento, que offerecemos aos nossos leitores, para com elle
provarmos a perversidade de que é dotado o coração portuguez, que expõe
os filhos á miseria, á desgraça e á morte!

«Os povos barbaros por certo que não procedem com tanta deshumanidade
para com os seus, como a raça portugueza procede para com os proprios
filhos, negando-lhes um nome, e preferindo uma morte desgraçada, ou uma
educação errante e infame, do que sugeitar-se á creação!

«Mulheres malvadas, corruptas e endemoninhadas, ainda não conhecemos
segundas! Soffram muito embora o rigor da miseria e da deshonra, mas por
caridade, não exponham á morte os filhos, que não tem culpa da mais
abominavel depravação.»

O pobre redactor d'este jornal, ignora a razão porque em Portugal, e em
quasi todos os paizes civilisados, as mulheres infelizes engeitam os
filhos. Engeitam-os, porque... não são _escravas_, e porque não teem
_senhores_ que as deshonrem, com a mira no lucro proveniente da _cria_,
que, como as bestas, devia ser posta em almoeda no mercado de carne
humana!

Cá, as mulheres illudidas, e não _malvadas_, _corruptas_ e
_endemoninhadas_ escondem da familia o fructo da sua deshonra nos asylos
que os previdentes governos instituem, a bem da humanidade e da moral
publica.

Lá, a escrava deshonrada e aquelle que a deshonrou, fazem gala da
deshonra perante a familia que devia ignorar a infamia.

Nós estivemos em casa de uma familia brazileira, onde havia tres mulatas
pejadas, que ostentavam diante de uma _sinhá e uma sinhasinha_ o seu
estado interessante; e ha quem diga que as ingenuas creanças não
ignoravam que o seu proprio _papai_ era o auctor dos futuros _moleques_!

Mas ninguem ignora que no Brazil, dão-se casos d'estes aos milhares; e
que as _sinhás_ no meio d'esta escola immoralissima sabem os segredos
mais intimos, que as proprias mulheres deshonradas, entre nós, ignoram
muitas vezes.

Á sociedade que, como a nossa, institue hospicios especiaes para os
engeitados, chamam-lhe moralisada. Á que faz da casa de familia
bordel-hospicio, chamam-lhe corrupta.

Mas... passemos adiante, não vão para ali dizer, que a resposta ao
imbecil que escreveu aquellas linhas, _antes das nossas injurias_, é
represalia.

O periodico citado dizia mais, «que havia dois principios que soffriam
guerra de morte dos portuguezes no Brazil: um é a dignidade nacional,
outro é a religião catholica e apostolica romana representada em seus
ministros. O pamphleto do _Percheiro_[66] põe isto á evidencia. Tal é o
ponto de contacto que nos aproxima da _Tribuna, cujos excessos de
linguagem estão plenamente justificados pelo atrevimento de Percheiro e
seus adeptos_[67]» etc.

A quem tiver lido os _excessos de linguagem_, empregados por nós nas
_Questões do Pará_, recommendamos este topico publicado na _Tribuna_, em
17 de novembro de 1874; isto é, no mesmo numero em que era insultada a
officialidade da corveta _Sagres_; e, note-se bem, _quasi um anno_ antes
da publicação d'aquelle livro:

«Cemiterio em Lisboa, 12 de outubro de 1874.

«Miseravel Percheiro.

.........................................................................
.........................................................................

«As tuas proezas e infamias teem echoado até n'esta fria morada dos
mortos!

«Estás pondo tudo em pratica, teus crimes e vicios, n'essa terra
abençoada para onde fostes ganhar o pão... o pão para ti e _para tuas
duas filhas_...

«O que tens feito para essas infelizes? Nada! Fizeste-te _corretor de
infamias_... apenas!

«Julgava-te regenerado e enganei-me!

«Julgava que teu coração de marmore ou de sangrento tigre tivesse sido
tocado pelas lagrimas ardentes d'essas duas innocentes, de quem és,
desgraçadamente, pae!

«Julgava que ao pungir ferrenho do remorso, tu te houvesses abraçado ao
pé da cruz da Redempção! e envolto no lábaro sagrado do arrependimento,
banhasses a fronte maldita nas aguas lustraes da salvação!

«Julgava que, na terra hospitaleira da Santa Cruz, tu te tivesses
tornado homem de bem... enganei-me... hoje como outr'ora és o mesmo,
sempre _ladrão_, sempre _assassino_! és maldito!

«Sim, _assassino_!

«Tu fizeste por longos annos a desgraça da vida feliz que
consagrei-te--perante o altar do Senhor:

«Fizeste-me derramar lagrimas de sangue á toda a hora do dia e da noite
em quanto folgavas no deboche e no jogo.

«Sacrificastes durante minha existencia os deveres, que a nossa união
sagrada te impozera, e sacrificaste-os aos pés das mais torpes
meretrizes nos antros da crapula, nas urgias.

«Converteste cada momento de minha existencia em seculos de martyrios
insanos, até esse momento em que quizeste pôr termo aos meus
soffrimentos; até esse momento em que, barbaro, arrancaste dos meus
braços minhas e tuas filhas; até esse momento em que finalmente... me
assassinaste!

«Assassino!... tuas filhas e meu sangue innocente em que ensopaste as
mãos, são os remorsos vivos que sempre te hão de perseguir, quer durmas,
quer véles e eu te juro, que d'aqui mesmo, d'esta campa aberta por tuas
proprias mãos, te farei sentir que não me esqueço de ti... assassino! e
de tuas infamias...

.........................................................................

«Generosos brazileiros! uma esmola pelo amor de Deus para as filhas do
_corrector de infamias_ Percheiro, que morrem á fome em Lisboa!

.........................................................................

«Adeus! recebe a maldição d'aquella que entre os vivos foi--

                                                         _Tua esposa_...»


Agora digam-nos, se depois de devassado o tumulo e desrespeitada a nossa
dôr, a mais profunda que havemos soffrido, em 35 annos d'uma existencia
attribuladissima, e, por mercê de Deus, honrada; haverá quem, com
justiça, possa dizer, que _os excessos de linguagem da «Tribuna» estão
plenamente justificados pelo atrevimento_ de havermos publicado as
_Questões_... um anno depois de tanta infamia?!

Ah! como sois inconsequentes!

Depois do nosso livro, é que o governo brazileiro se lembrou de comprar
a consciencia do capitão Nery. Pena foi que essa transacção se não
_fizesse antes_ de _começar a tragedia do Pará_. Preferiamos isso á
gloria que nos assiste de havermos contribuido, _com os nossos
excessos_, para a pacificação dos animos em tão uberrima provincia.

E olhae que vos não pedimos mais do que a continuação do vosso desprezo,
em paga do nosso serviço, ó illustres optimistas!

Se á vil calumnia e á detracção raivosa, não póde escapar quem diz
verdades, não deve esperar recompensa dos homens quem pratica o summo
bem.

     [65]_Questões do Pará._

     [66]_Questões do Pará._

     [67] Veja-se a _Regeneração_ de 6 de junho de 1875.



CAPITULO VIII

O julgamento dos assassinos dos portuguezes em Jurupary. O tribunal da
primeira instancia em Chaves e o da Relação no Pará. Desenlace
providencial contra decisões horrorosas dos tribunaes brazileiros.
Processo contra Marcelino Nery. Pasquins da «Tribuna» antes e depois da
condemnação. Novos pasquins em 1876 chamando ás armas contra os
portuguezes. O clero accusado de cumplice dos pasquineiros. Um portuguez
condemnado irrisoriamente por um tribunal da primeira instancia e
absolvido depois pela Relação no Pará. A diplomacia portugueza e a
condemnação á morte de um portuguez na Bahia. Um benemerito defensor do
portuguez.


I

Na sessão do jury do termo de Chaves, comarca de Marajó, inaugurada em
24 e encerrada em 28 de agosto de 1875, foram julgados Severo Antonio de
Farias, José Antonio de Magalhães, Bertholdo José Florindo, Manuel
Ricardo de Faria, Americo Valentim Barbosa e Pedro Augusto Cardoso,
auctores e cumplices do assassinato na ilha do Jurupary, em a noite de 6
de setembro de 1874, dos desventurados subditos portuguezes Zeferino
Manuel Pereira de Araujo e José Antonio Pereira Rodrigues. Severo Farias
e José de Magalhães foram condemnados no gráu maximo do artigo 271 do
codigo criminal, pena de morte; e Manuel de Faria e Bertholdo Florindo,
incursos no art. 35 do mesmo codigo, 13 annos de galés; Americo Barbosa
e Pedro Cardoso foram absolvidos.

O presidente do jury, obedecendo ao preceito do art. 79 § 2; da lei de 3
de dezembro de 1841, appellou do _veredictum_ do jury para o tribunal da
Relação do Pará.

Presidiu o jury o dr. juiz municipal e de orphãos do termo de Soure,
Raymundo Theotonio de Brito, 1.º supplente do juizo de direito da
comarca de Marajó, e um dos illustrados membros da magistratura
brazileira. Serviu de promotor publico o cidadão João Anselmo Pacifico
de Cantuaria e de escrivão o serventuario vitalicio Manuel Pio de Sousa
e Silva.

A sessão começou ás 10 horas da manhã de 25 e terminou no dia seguinte
ás 8.

Não se tendo apresentado defensor aos reus, o presidente do tribunal
nomeára para este fim o cidadão Emygdio Antonio Coelho.

Foi isto pouco mais ou menos o que nos transmittiu o _Diario de Belem_,
do Pará.

Agora algumas palavras nossas para illucidar os leitores sobre o
assumpto.


Severo Antonio de Farias, Americo Valentim Barbosa e José Antonio de
Magalhães foram assim pronunciados pelo chefe de policia:

«Considerando que a confissão dos reus, sendo como foi espontanea, sem
constrangimento algum, clara, e de harmonia com o mais constante dos
autos, prova o delicto nos termos do artigo 94 do codigo do processo
criminal, etc.

.........................................................................

«Considerando portanto, que para verificação do roubo foi que se
commetteram os homicidios, é fóra de duvida que os tres reus mencionados
praticaram o crime previsto no art. 271 do codigo criminal.

.........................................................................

«Em vista do exposto, pronuncio os tres primeiramente indicados, como
incursos no artigo 271 com referencia ao artigo 269 do cod. crim.[68]»
etc.

Ouçamos agora a confissão de Americo Valentim Barbosa:

«Perguntado seu nome, idade, naturalidade, etc.

«Respondeu chamar-se Americo Valentim Barbosa, de 26 annos de idade,
solteiro, natural d'esta provincia (Pará), sapateiro, residente no
districto de Affuá, e que não sabia lêr nem escrever.

«Perguntado se no dia 6 de setembro esteve na ilha de Jurupary em
companhia de Severo e de José Magalhães e o que ali fizeram?

«Respondeu que, estando em casa de Manuel Ricardo na ilha dos
Porquinhos, foi notificado pelo inspector do quarteirão Severo Antonio
de Farias para uma diligencia que elle interrogado ignorava, e
obedecendo á intimação embarcou em uma canôa de Coelho juntamente com
Severo e José de Magalhães, conhecido por _calangro_, e em caminho no
largo avisaram a elle interrogado que a diligencia consistia em matar e
roubar os negociantes portuguezes Zeferino e seu socio, estabelecidos na
ilha de Jerupary, para onde seguiram, visto como elle interrogado não
pôde mais fugir(!). Disse mais que ali chegando, foram a casa dos
mencionados portuguezes e depois de beberem vinho sem a menor alteração
e traiçoeiramente esfaquearam aquelles portuguezes, um dos quaes, de
nome Zeferino, ainda usando de uma arma, disparou n'elle
interrogado[69]» etc.

Este réo considerado como auctor, pelo juiz formador do processo, por
isso que as provas o fazem incurso no artigo 271 com referencia ao
artigo 269 do cod. crim., foi absolvido pelo jury de Chaves!

Não fallaremos mais de Severo e Magalhães, visto que estes réos foram
julgados segundo as leis que regulam a justiça.

Tratemos, pois, de Manuel Ricardo de Farias e Bertholdo José Florindo,
condemnados a 13 annos de prisão.

«Considerando ainda, falla o chefe da policia na pronuncia, que o réo
Bertholdo José Florindo tinha occultos em sua casa, e no matto visinho a
elle, varios objectos roubados, como se vê do auto de busca a folhas
vinte tres, não ignorando que foram obtidos criminosamente, tanto que os
escondeu, manifestando por esta fórma sua má fé e cumplicidade em um
delicto tão grave;

«Considerando que o mesmo Bertholdo confessa em seu interrogatorio a
folhas setenta e uma, e auto de perguntas a folhas vinte, corroborado
pela declaração de sua mulher, a folhas dezoito, que alguns d'aquelles
objectos lhe foram offerecidos por Americo, e outros, elle os entregou
para guardar, pedindo-lhe que não descubrisse que elle havia commettido
os crimes de Jurupary, e nem que se achava occulto ou homiciado na ilha
dos Porquinhos;

«Considerando, portanto, que o reo Bertholdo não só recebeu como
occultou objectos que sabia serem roubados, como confessou;

«Considerando que em casa do réo Manuel Ricardo de Farias tambem foi
encontrada parte dos objectos apprehendidos, como se vê a folhas vinte e
tres, além de que deu asylo em casa ao _homicida_ Americo, sabendo dos
crimes que elle havia commettido, como se vê a folhas trinta e duas da
sua propria declaração, impedindo ainda que Americo se entregasse á
prisão, como se vê a folhas trinta e uma, o que tudo bem mostra sua
manifesta cumplicidade;

«Considerando ainda que o réo Manuel Ricardo Farias em companhia do
proprio _assassino_ Americo fôra occultar parte dos objectos, que
conservava na visinhança de casa, no igarapé Chato, para que se tornasse
impossivel descobril-os, folhas trinta e dois v.» etc.

Acabamos de ver que Manuel Farias e Bertholdo Florindo não são mais do
que cumplices dos tres auctores do crime praticado contra os dois
infelizes portuguezes. As suas proprias declarações estão d'accordo com
o depoimento das testemunhas e com a confissão dos assassinos.

Não ha provas de que estes desgraçados acompanhassem na expedição a
Jurupary os tres réos Severo, Magalhães e Americo.

Como é então que o jury, sendo justo na classificação do
crime--cumplicidade--em que achou incursos os réos M. Farias e B.
Florindo, absolve Americo, que, com quanto o não quizessem classificar
de assassino, visto que lhe foi acceita a confissão de ter sido
_obrigado_ a matar os portuguezes, é inquestionavelmente mais cumplice
do que aquelles, se attendermos a que Americo acompanhou a Jurupary os
reus Severo e Magalhães, em quanto que Farias e Florindo estavam em casa
á espera do resultado da empreza de matar os portuguezes?!

É que o jury attendeu á circumstancia _muito_ plausivel de Americo ter
sido o alvo escolhido pelo infeliz portuguez Zeferino, que, quasi
exanime, teve a força precisa para disparar a arma contra o seu matador!
O tiro não acertou, mas o pobre Americo ficou atordoado, e o jury
levou-lhe esta attenuante á conta da sua absolvição!

Pedro Augusto Cardoso estava incurso no artigo duzentos setenta e um do
codigo criminal, contra o qual existem no processo todas as provas da
sua cumplicidade. Comtudo a verdade deve dizer-se: Cardoso é o menos
cumplice; mas o jury igualou-a a Americo, absolvendo-o!

A toda esta mascarada dizia uma folha da capital:[70]

«A desafronta foi plena e terrivel!»

E o juiz que presidiu ao jury, como vimos no começo d'este artigo,
appellou da decisão arbitraria, e o tribunal da Relação do Pará impoz
aos cumplices que o jury absolvera, a pena de treze annos de prisão com
trabalhos!

     [68] Veja-se o processo no _apendice_ ás _Questões do Pará_.

     [69] Obra citada.

     [70]_Diario de Noticias._


II

Com a epygraphe _Tribunaes brazileiros_ publicamos nas _Questões do
Pará_ o seguinte:

«No interior campêa a immoralidade a tal ponto, preparam a
_nacionalisação do commercio a retalho_ por tal fórma, que causa horror
pensar em semelhante labyrintho.

«João Lopes d'Oliveira e seu irmão Narciso, moços portuguezes,
commerciantes, foram accusados de ter assassinado um _cabouco_, com dois
tiros de espingarda, na comarca de Serpa (no Amazonas).

«Instaurou-se-lhes o competente processo, e chamados a julgamento, o
jury condenou-os na pena de galés perpetuas.

«A base para tal condemnação foi terem deposto 16 ou 18 testemunhas,
que, por unanimidade, _confirmaram_ o crime dos accusados, simplesmente
por terem _ouvido dizer_, que aquelles portuguezes tinham assassinado o
seu compatriota brazileiro!

«Não ha só uma testemunha de vista.

«A decisão do jury foi annullada pelo tribunal superior, que mandou
reunir novos jurados. Reunidos estes a decisão foi em tudo igual á
primeira!!!

«Esta causa está affecta ao tribunal superior, que decidirá sobre tão
grave occorrencia; por isso reservar-me-hei para mais tarde dizer as
ultimas palavras sobre esta questão...»

É chegada a occasião de cumprirmos a nossa promessa.

Ultimamente o verdadeiro assassino do _cabouco_, minado talvez pelos
remorsos, e sentindo apertar-lhe a garganta a mão fria e descarnada da
morte, chamou um padre que o ouvisse de confissão, e declarou-lhe o seu
crime. O assassinado era compatriota do assassino. Morto o miseravel, o
confessor, cumprindo um dos sagrados deveres do seu ministerio,
communicou este acontecimento ás justiças brazileiras, que, a final se
resolveram a por em liberdade os dois innocentes portuguezes, que ha
dois annos estavam presos!


III

Poucos dias antes da nossa retirada do Pará, julgára-se em primeira
instancia o processo por injurias publicadas na _Tribuna_ paraense, em
que figuravam como auctor o negociante portuguez, Manuel Augusto Valente
d'Andrade e réu, o capitão do exercito brazileiro, Marcellino Nery,
proprietario d'aquelle pasquim e já bastante conhecido dos leitores.

O juiz de direito, doutor Quintino, sentenciára o infame pamphletario a
quatro mezes de prisão.

Tinha o heroe do _commercio a retalho_, publicado, além d'outros
epithetos injuriosos contra o commerciante Andrade, o de ladrão,
moedeiro falso, assassino, etc.; injurias que sustentára, sem provas, em
pleno tribunal, tendo antes allegado, para esquivar-se ao julgamento, a
incompetencia do juizo, que não lhe foi aceite.

Mas suppunha-se que o processo seria annullado pelo tribunal superior,
para onde, segundo o direito que lhe conferiam as leis, ia appellar o
condemnado, como effectivamente appellou. Portanto, em vista d'este
recurso, podia o pasquineiro passear livremente por alguns mezes na
presença dos injuriados e o seu periodico continuaria a insultar os
caracteres mais probos residentes na provincia. Foi justamente o que
aconteceu, porque a Relação poz uma pedra em cima do processo.

Mas antes d'isso os interessados pelo credito do Brazil, se não o
proprio governo do imperio, faziam espalhar por todo o mundo, a noticia
da suspensão do pasquim incendiario e a condemnação do seu proprietario.
A nossa imprensa então exultou de alegria por tão fausta nova, que era
quasi que como uma satisfação devida pelo Brazil ao velho Portugal
insultado.

Porém, era tudo uma ficção. A _Tríbuna_ continuava com os seus
improperios, rindo-se do magistrado que no Pará tem sabido fulminar o
clero irrascivel, e, ainda que com menos exito, os _tribunos_
descomedidos. E desgraçadamente o cabo submarino estava n'esse tempo
interrompido entre o Pará e Pernambuco e nós não podiamos dizer á Europa
que tinha sido mais uma vez ludibriada a justiça.

Passaram-se seis mezes de provações, até que a Relação accordou do
lethargo em que parecia envolta, e no dia 9 de julho de 1876, confirmou
a sentença da primeira instancia. A este caso applicaremos aqui, para
honra e gloria d'aquelle tribunal, o seguinte annexim popular:--_Mais
vale tarde do que nunca_.

O testa de ferro do conego Sequeira Mendes, queixava-se de que a Relação
não soubera _limpar o escarro que Percheiro lhe imprimira nas faces_,
querendo fazer suppor aos incautos, que fôra devido ao nosso livro a
confirmação da sentença; mas cremos que é mais uma injustiça irrogada
aos anciãos, que decidiram contra a causa dos communistas.

Esclareçamos este negocio da mais alta transcendencia para os nossos
compatriotas residentes no imperio e quiçá do proprio Portugal, no
intuito de apresentarmos ao nosso publico dois documentos curiosissimos,
que mais tarde hão de fazer parte da historia do Brazil. Mas antes de
transcrevel-os é preciso prevenir os leitores contra as phrases n'elles
contidas, em que se accusam _manifestas nullidades do processo_ ou
_ultrages contra manifestas disposições da lei, por suppostas injurias_
publicadas na _Tribuna_ paraense contra o portuguez Andrade, phrases
mentidas, alli postas com o fim de illudir os incautos, as quaes já mais
poderão desmentir as provas constantes no processo. O que se allegava,
repetimos, era unica e simplesmente a incompetencia do juizo. O réu não
queria ser julgado pelo juiz do 2.º districto criminal (Quintino) e sim
pelo do 1.º (Meira de Vasconcellos). O homem lá tinha as suas razões...

Um dia antes da confirmação da sentença, distribuia-se na praça publica,
em avulsos, o seguinte aviso, que é d'uma ingenuidade a toda a prova,
para não dizermos outra cousa:


AO BRIOSO POVO BRASILEIRO

«Prevenimos aos nossos dignos compatriotas, que, em sessão de 6 do
corrente do Egrégio Tribunal da Relação, foi marcado o primeiro dia
util, que é ámanhã, sexta-feira (9 de julho de 1875) para o julgamento
de appellação que para o mesmo tribunal fizera o sr. capitão Marcellino
Nery, do processo de responsabilidade de imprensa, que lhe movera o
portuguez Manuel Augusto Valente de Andrade.

«Confiamos sobremaneira nos venerandos desembargadores do Tribunal da
Relação, que perante as manifestas nullidades do processo, não farão
mais do que justiça.

«O povo brazileiro deve correr a essa sessão, para com a sua presença
assistir ao julgamento de appellação d'um brazileiro digno processado
infelizmente por um audacioso portuguez.

«Haja mais amor e patriotismo entre os brazileiros e corramos a assistir
á sessão do julgamento, ámanhã ás 11 horas da manhã.»

Esta ordem dada aos adeptos do communismo no Pará, surtira optimo
effeito; porque, segundo fomos informado, o recinto do tribunal
enchera-se de curiosos, mais ou menos interessados no assumpto, que
havia de ser decidido n'aquelle dia. E, ainda uma vez para honra do
tribunal da Relação do Pará, devemos dizer, que a multidão de _tribunos_
alli reunida, com o estudado fim de impôr medo, não produziu o effeito
desejado, por quanto, os juizes se elevaram á altura dos seus deveres.

Nós somos justo, e por isso, quando se nos proporcione o ensejo, havemos
de dar a Cezar o que é de Cezar.


IV

Registemos agora o segundo documento.

Vae fallar o representante, _in nomine_, do papel incendiario, em
avulsos distribuidos com profusão pelas ruas do Pará, poucas horas
depois da sua condemnação, á luz do dia, na presença das auctoridades,
em pleno seculo 19.º:


PROTESTO

«Hontem a _Tribuna_ fez circular um avulso em que vinha o recurso, feito
por meu illustre advogado á Relação do districto, da sentença contra mim
proferida pelo juiz de direito bacharel Quintino, procedido d'um artigo
que assim começava:

«Hoje terá logar o julgamento do processo, em grau de appellação,
promovido contra o nosso prestimoso amigo capitão Nery, por um vilissimo
portuguez e por suppostas injurias publicadas na _Tribuna_ ácerca d'um
irmão do auctor que se acha em Portugal.

«Esse processo, que é um montão de ultrages contra manifestas
disposições da lei, estamos intimamente convencidos que cahirá ante a
indefectivel justiça dos provectos e venerandos juizes, que o tem de
julgar.

«Essas nullidades immoraes não resistirão á sabedoria do Egregio
Tribunal da Relação, unico baluarte erguido entre a lei e o arbitrio,
entre a moral e a corrupção, entre os potentados do dinheiro e os que
soffrem fome e sêde de justiça na sociedade paraense.»

«Quanto se enganou a redacção da _Tribuna_!

«O julgamento teve com effeito logar, e aquella monstruosidade juridica,
que dá a mais triste cópia da _moralidade_, _justiça_ e _conhecimentos_
theoricos e praticos do _jurisconsulto_ formador do processo e culpa,
resistiu á _sabedoria_ dos _provectos_ juizes!

«Hoje deve a sociedade paraense estar desenganada, pois que a lei entre
nós não tem sacerdotes, mas sim, com honrosas excepções, vis
mercenarios...

«Entre o direito e o arbitrio, entre a moral e a depravação, entre a
prepotencia e os que soffrem fome de justiça não existe barreira, por
isso que até na Relação esses principios oppostos confundem-se e acima
de todos os preceitos da lei alli se eleva a subserviencia, a paixão
mesquinha e a vingança miseravel!

«Que desgraçado espectaculo!

«Apezar de todas as nullidades e absurdos a pronuncia foi sustentada!

«Até onde te quererão arrastar, oh! minha querida terra!

«Desgraçados! não veem que cada um d'esses actos, que só tem
qualificativo na brutalidade dos juizes selvaticamente iniquios, é um
barril de petroleo com que alimentam um incendio sinistro!...

«Jámais me persuadi, que magistrados encanecidos no serviço da justiça e
collocados n'uma posição independente tivessem a inaudita leviandade de
renunciar a dignidade e a consideração publica e manchassem as mãos
n'uma sentença odiosa, que os submette á indignação do povo, porque este
vê n'essas togas, maculas hediondas...

«Inspirados por paixões ruins não mediram o alcance da sancção que
proferiam a um escandalo impudente!...

«O juiz que põe a preço a consciencia é tão prejudicial ou peior ainda
que ladrão de estrada...

«Demais, a corrupção que désce dos tribunaes para o seio do povo é mais
perigosa ainda que o odio que ferve na immensa caldeira aos gritos da
_populaça_ espalhada pelas praças publicas.

«São os espectaculos repugnantes, que os magistrados offerecem ao
desespero do povo, que forçam ao povo a pôr em scena tragedias de
sangue...

«Estas considerações, porém, não couberam na comprehensão d'aquelles,
que por uma sentença immoral _legalisaram_ um ultrage vergonhosissimo
feito á justiça e ás expressas disposições da lei!

«Assim, pois, ninguem póde mais contar com a lei nem com a justiça
n'esta terra!! a depravação está superior a tudo!!

«E, que coincidencia singular! no mesmo dia e no mesmo logar em que
immoralmente saltava-se por sobre a lei para ferir-me como victima d'uma
imprensa livre e independente (sic), era tambem desmoralisado o acto
d'um juiz, cuja beca jámais se emporcalhou no charco immundo em que
tripudiara o ex-juiz de Bragança, onde miseravelmente prostituiu uma
infeliz, cuja cegueira não impediu o libinidinoso monstro, apparentado
d'um faccinora, e que com exemplos abominandos estimula a perversidade
de dous filhos libertinos, bebados e jogadores.

«Sim! no mesmo dia e logar em que sem o minimo respeito nem ao publico
nem ao veneravel presidente do tribunal, o hospede d'um ladrão da praça
applaudia e secundava a odienta e crapulosa opinião d'um gratuito e
vilissimo inimigo, ha pouco tempo fornecedor de artigos para o meu
periodico, n'esse mesmo dia o sr. dr. Meira de Vasconcellos (sic) era
estupidamente ludibriado pelos vendilhões da lei, por tógas com _honras_
de LIBRÉ da casa Mauá e dos _nobres_ LATROCRATAS da praça do Pará (Os
portuguezes).

«Debalde procuram limpar o escarro que Percheiro imprimia-lhes nas faces
impudentes!...[71]

«Confesso pia e publicamente que até o ultimo instante nunca me faltou a
confiança em semelhantes juizes, pois nunca, até então, nem havia
atravessado o pensamento a idéa de que elles desceriam a tamanha
abjecção... (de condemnar pela primeira vez o infame... depois da
publicação das _Questões_!).

«Animou-me sempre a esperança de encontrar na Relação provectos e
venerandos apostolos da justiça; enganei-me, porém, e enganei-me
redondamente: alli a especulação é a lei, a depravação um culto exercido
ha longos annos.

«Já houve quem dissesse que o ladrão é mais nobre ainda que o juiz
mercenario; porque aquelle arrisca a vida, e este põe em risco a vida
dos que julga e a propriedade dos que ficam por julgar.

«Na realidade assim é.

«Por Deus! quando me chegou a noticia d'essa decisão degradante, que
annulla todo o respeito e consideração, devidas a juizes probos, tive
impetos de entrar n'aquelle templo, desgraçadamente profano, e correr a
vergalho esses mercenarios, que o transformam em scenario de comedias
obscenas, desempenhadas por ciganos...

«Ordens arbitrarias não se cumprem; no entretanto cumprem-se sentenças
absurdas e brutaes!...

«Rasguem, bohemios, raça nomada! rasguem a lei, mas rasguem que o povo
veja! rasguem, mas não mintam! rasguem, mas rasguem em publico, e toquem
fogo nas tiras e com ella, vão por ahi além em busca de dinheiro, ou de
vergonha!... Rasguem, que ella para nada serve, rolando sob vossos
pés!... Rasguem, mas que o povo veja!...

«A _Tribuna_ é communista!

«Ai! dos mercenarios se ella o fosse (sic).

«Está lavrada a sentença?

«Pois bem! vou cumpril-a e com coragem e orgulho, porque taes miserias
não abatem o homem de bem; ao contrario cria-lhes sympathias, ao passo
que cobrem de infamia e opprobrio aquelles que as proferem.

«Querem matar a _Tribuna_?!

«Pois não! todo o dinheiro, que ahi por ventura corra, é pouco, e sois
pequenos demais!... ella continuará sempre; e quando acaso venha a
succumbir na lucta, a idéa resistirá, e de suas cinzas surgirá a
revolução do nobre pensamento que pleiteamos, eu e meus amigos, na
imprensa do Pará.

«O que a _Tribuna_ tem escripto, o que hontem escreveu, o que continuar
a escrever, é todo para a historia, para cuja justiça eu appello,
instruindo o meu appello com a sentença que meus inimigos (os
portuguezes) compraram a um tribunal de meu paiz e contra a qual servirá
este de protesto solemne, pois protesto soberanamente contra tamanha
iniquidade e formidavel objecção.[72]»

O celebre dr. Samuel Mac-Dowal, (redactor da _Regeneração_), foi o
advogado do réu. E quem fez o protesto que para ahi deixamos
transcripto, e que o intelligente capitão assignou de cruz, o qual,
diga-se a verdade, faria chorar as pedras, se as pedras podessem vêr as
lagrimas do crocodilo paraense, foi tambem o sr. Samuel, orador da
associação catholica e acerrimo defensor dos jesuitas do Pará![73]

Mas não obstante a condemnação a _Tribuna_ continuava a publicar-se e a
dirigir os mesmos insultos á colonia portugueza e aos tribunaes; e na
testa do pasquim figurava ainda como responsavel o mesmo Marcellino
Nery, capitão do exercito. As auctoridades cruzavam os braços, sem terem
força para repellir os insultos dos pasquineiros, que, julgando-se mais
fortes, preparavam scenas peiores do que as presenceadas por nós em
fevereiro de 1872 e setembro de 1874. E o clero parece que lhe não era
estranho.

     [71] Nunca fomos injusto para com o tribunal da Relação do Pará.

     [72] Este documento tem a data de 10 de julho de 1875 e é assignado
     por Marcelino Nery.

     [73] Consta-nos á ultima hora que este sujeito deixou já o partido
     catholico e se fez... liberal!


V

O _Diario de Belem_, accusado de defensor do bispo D. Antonio e do seu
clero, e portanto, insuspeito na questão gravissima, que de novo se
levantava contra a colonia portugueza residente no Pará, assim fallava
em 30 de maio de 1876, a respeito de uns pasquins destribuidos por este
tempo na cidade de Belem, chamando o povo á revolta contra os colonos:

«A ordem publica póde achar-se compromettida de um dia para o outro, se
a policia continuar o somno de indifferença em que se refocilla: com o
fogo não se brinca.

«Na semana ultima quasi não houve dia em que se não derramassem no seio
d'esta capital os mais asquerosos pasquins, primando uns pela descarada
impudicicia que ostentam, emquanto proclamam outros o assassinato em
massa dos portuguezes e dos mações.

«Se não acreditamos, com o _Liberal_ e com a _Provincia_, que para
estygmatisar tão grandes monstruosidades, seja necessario dar-lhes
_curso forçado_ estampando-os nas columnas da imprensa diaria para
estender a sua circulação e perpetuar a nossa vergonha, é do nosso
primeiro dever perguntar á policia se--de _tantos pasquins que se
distribuiam até no theatro e no largo da Cathedral_ (!) conforme nos
asseguram pessoas de confiança, se de um só não pôde descobrir os
auctores ou distribuidores? É muita cegueira!

«Não vamos até ao ponto de fazer insinuações[74]; mas da natureza
d'esses documentos, dos interesses que elles procuram servir, da
linguagem que empregam, de tudo isto se manifesta que não teria a
policia grande trabalho para conhecer-lhes a procedencia.

«São publicações essas, prohibidas pelas nossas leis e constituem crimes
policiaes ao alcance e da esphera da policia. O que faz portanto o sr.
dr. chefe da policia, magistrado aliaz sizudo e circumspecto?

«Não queremos especular com assumptos d'esta natureza, nem é nosso
intuito doestar pura e simplesmente ao honrado sr. Caldas Barreto, ou
fazer insinuações desairosas a este ou aquelle individuo; mas só cegos
não verão que esse que corre estampado nas columnas do _Liberal_ e da
_Provincia_, traz bem caracterizada a linguagem da _Tribuna_ e nutre os
mesmos intuitos...

«Estude-se depois o caracter d'essa impressão, compare-se-a com a dos
differentes jornaes que se publicam n'esta capital, e se reconhecerá que
o typo é o mesmo que servio em alguns editaes das juntas da
qualificação![75]

«Nós chamamos pois a attenção da policia para estes pasquins, que
formigam principalmente no theatro, onde se presume que a policia está,
sempre que ha representações.

«Queremos ser hoje, como sempre, justo. E pois nos dirigimos á policia,
concitando-a para que interrompa o somno que a prostra desde tanto tempo
e vele pela ordem publica, que ahi anda á matroca e á mercê dos
interesses de occasião.

«Temos a maior sympathia pelo sr. Caldas Barreto; mas fazemos do dever
uma religião, e elle antes de tudo.

«Póde a policia continuar indifferente a tantos abusos?»

Como os leitores vêem o _Belem_ não defende o bispo, porque, jornalista
sizudo, _faz do dever uma religião_; e por isso chamava a attenção das
somnolentas auctoridades contra os pasquineiros desenfreados, que a todo
o transe proclamavam o exterminio dos portuguezes e maçons.

Era, pois, mais grave do que os optimistas suppunham a situação dos
nossos compatriotas residentes no Pará. Decididamente o governo do
Brazil protegia os desordeiros, e o governo de Portugal recebia tudo
isto como a devida satisfação promettida por aquelle a este paiz na
gravissima questão do Jurupary. E não contente ainda, decretava mercês
honorificas a esses que no Brazil assulavam a populaça contra nossos
irmãos!

Nunca a corrupção subira tão alto!

     [74] Nem as deveria fazer porque faria mal ao bispo.

     [75] A typographia do conego Sequeira Mendes e da _Constituição_,
     orgão do partido conservador da provincia, era a que fornecia os
     impressos ao governo!


VI

Eis como o _Liberal do Pará_ fulminava o pasquim, transcrevendo-o no seu
numero de 20 de maio de 1876:

«Os jesuitas querem a todo o transe perturbar a ordem publica, açulando
os odios de raça e o fanatismo das classes ignaras, para vêr se
conseguem arrastal-as a scenas de carnificina, que nos degradem perante
o mundo civilisado.

«A gente da _Boa Nova_[76], fez hontem distribuir uma segunda edição do
_Brado ao Povo_.[77]

«Evocam-se as recordações de um passado infame e vergonhoso, appella-se
para a faca, e grita-se com toda a força:

«Á arma branca!

«Ou a igreja ou a maçonaria!

«Alerta! Renove-se o 35! mas purifique-se o povo no sangue d'esta raça
maldita!»

«É especialmente contra os maçons e os portuguezes que se levanta o
grito sanguinario, echo das paixões ferozes, de que os jesuitas se acham
dominados.

«A seita maldita quer sangue: impelle-a a mão occulta d'aquelle, que
devera ser o exemplo da caridade e do amor do proximo.

«Todas as noutes distribuem-se pasquins infamissimos, que tem o cunho
jesuitico.

«A policia não póde nem deve ser indifferente a esses meios anarchicos,
de que estão-se servindo os roupetas para espalhar o terror nas familias
e nos estrangeiros, que descançam tranquillos á sombra da nossa
hospitalidade e das nossas leis.

«Em nome do povo paraense protestamos contra essa infamia, e exigimos a
punição dos seus sanguisedentos auctores.

«Leia o publico o pasquim, e veja de quanto é capaz a sanha dos que
fazem da religião um instrumento de odio e vinganças:


AO POVO BRAZILEIRO

«Desperta! gigante e alerta!

«Que estupida somnolencia é essa que te esmaga?

«Onde estão os teus brios?

«Que tens feito do teu heroismo?

«Por ventura já não te bate no seio um coração educado nas idéas dos
nobres sentimentos?

«Por ventura descreste de tua liberdade e de tua força?

«Em summa, não vês a execração a que te arrasta a indifferença?

«Duvidas de ti? ou a lepra dos homens grandes communicou-se tambem aos
teus musculos de gigante?

«Não! não é possivel!

«Tu has-de ser sempre um povo brioso e heroico!

«Volve os olhos ao passado e interroga o 35 e decide-te no que te cumpre
fazer.

«Quem te tem negado o meio de subsistencia?

«Quem te impede de obteres o pão para tua mulher e filhos?

«Quem tem levado a miseria ao seio da tua familia?

«Quem tem escarnecido da tua liberdade?

«Quem tem vilependiado teus brios?

«Quem tem escarrado infamias á face dos teus?

«Quem tem com a mão sacrilega revolvido as cinzas de nossos paes para
melhor vomitar injurias?

«Quem tem corrompido a nossa sociedade fazendo que n'ella substitua-se a
virtude pela depravação?

«Quem, finalmente, tem, depois de estrangular-nos á fome, despojar-nos
de nossos direitos e reduzir nossa familia a penuria e a mendicidade,
deshonra o nosso nome, o nome de nossos paes e o de nossas irmãs?

«Interroga a tua consciencia que ella te dirá:

«--Que são aquelles mesmos que deram lugar as scenas sinistras de 1835.

«Interroga aquella época que ella te responderá:

«--São esses malfeitores que Portugal exporta para o Brazil.

«Pergunta ao teu brio o que deves fazer: pede conselhos ao 35: e te
decide, ó gigante!

«E são elles hoje que, estreitando o circulo de bronze com um circulo de
fogo, ameaçam destruir-te para sempre.

«O primeiro passo que deram para levar ao cabo o seu canibalismo foi
insultar a religião que bebemos com o leite dos seios de nossas mães.

«Depois de insultarem a Deus e a sua igreja, a esposa de Jesus Christo,
esses bandidos infamam os seus sacerdotes porque estes são nossos
irmãos, e superior a impiedade cynica d'essas bestas féras collocam a
liberdade, a patria e a familia.

«Abandonar a causa de nossa santa religião á furia d'esses impios
scelerados é descurar e despresar a propria liberdade, é vender a
patria, é renegar a honra e a familia.

«E ha brazileiro, por mais infimo que seja, que tenha a covardia de
deixar-se escravisar, de vender sua patria, de renegar a honra de sua
familia?

«Oh! jámais!

«E, pois ergue-te gigante! e pede ao 35 que te dê coragem para a um por
um d'esses bandidos agarrares pelo pescoço e esmagal-os sob os pés.

«Álerta!

«Queres conhecel-os? queres saber quem são os facinoras que te insultam
e imfamam, insultando e infamando a religião de teus paes e seus
sacerdotes, nossos irmãos, brazileiros como nós?

«Queres conhecel-os, ó povo? ou saber onde é que elles se infurnam e
tramam contra ti, tua familia, tua patria, tua religião, tua honra e teu
Deus?

«Em nome do 1835 te respondo:

«--É na maçonaria.

«Sim, é ahi.

«É ahi que elles tramam contra liberdade, honra, familia e crenças do
povo brazileiro.

«É ahi, porque a maçonaria é o receptaculo e valhacouto:

«--dos incendiarios;

«--dos ladrões,

«--dos assassinos «que Portugal exporta para a nossa terra.

«--Eram e são maçons os quadrilheiros presos em S. José.

«Foi da maçonaria que saiu o assassino de Barraquim:

«Foi da maçonaria que saiu o estrangulador de Balthazar;

«Foi a maçonaria que afastou a policia dos estranguladores do porto do
Cantão.

«É a maçonaria que tem protegido os incendiarios, bancarroteiros e
moedeiros falsos.

«É na maçonaria que se tem combinado a perseguição ao prelado e os
insultos ao clero paraense.

«Porque é ella o baluarte erguido contra a justiça publica para proteger
os facinoras, malfeitores e scelerados que nos vem de Portugal para
realisarem o pensamento arrojado do famigerado Jalles.

«E pois, ó povo, álerta.

«1835 te ordena que tomes a tua faca, e opponhas resistencia contra
esses impios salteadores, commissionados pela maçonaria e reunidos no
theatro para ultrajar a tua religião, porque estão fartos de ultrajar a
tua familia, tua honra, tua patria e escarnecer de tua liberdade.

«Ergue-te e sê heroico!

«Ao punhal d'esses sicarios, ao arcabuz d'esses bandidos, á gritaria
obscena e injuriosa, para a qual tem sido impotente a policia e o
governo, oppõe a tua faca de mato.

«Lava o insulto que a Deus é feito em teu nome, teu nome, ó povo, que
elles odeiam!

«Percheiro e Carvalho tambem são agentes da maçonaria (?); e são maçons
Pinheiro Chagas e Castilho.

«Alerta! renove-se o 35! mas purifique-se o povo no sangue d'essa raça
maldita!

«Aos pés de cabra e rabo de macaco!

«Á arma branca!

«Eia povo! coragem!

«Decida-se d'esta lucta: ou ser brazileiro, ou venda-se a familia, a
honra e a patria.

«Ou a igreja ou a maçonaria; ou ser independente ou escravo, nacional ou
portuguez.

«Viva o 1835!»

Viva a civilisação! diremos nós, em pleno 1878.

     [76] Jornal do bispo.

     [77] Veja-se _Questões do Pará_.


VII

No pasquim ha uma referencia a respeito da estrangulação de Balthazar,
nosso compatriota. A este infeliz nos referimos nas _Questões do Pará_,
e a proposito da condemnação de um innocente, supposto criminoso,
publicámos o seguinte artigo, ha tempo:

«Ha dias, quando um pobre doido, filho do Brazil, procurou a morte, sem
duvida, em algum momento mais lucido, para pôr termo aos seus
soffrimentos, quiz-se tornar responsavel de tão grande desastre a dois
pobres enfermeiros, que, estando encarregados de guardar o doente,
talvez se tivessem descuidado um pouco no cumprimento de seus deveres.

Parte da nossa imprensa fez a justiça de dar ingresso em suas columnas a
uma carta queixosa do inconsolavel irmão da supposta victima, e um
jornal se recusou acceitar explicações dos accusados! Em presença de tão
_horroroso_ crime tomára o ministro brazileiro todas as providencias
perante o nosso governo, quando já as auctoridades do logar onde se dera
o facto haviam cumprido os seus deveres.

N'este ponto, hade o nobre diplomata permittir que lhe digamos, que
Portugal em nada se parece com o governo do imperio, que s. ex.ª tão
dignamente representa.

Não sabemos ainda qual será o desenlace d'esta _tenebrosa tragedia_; mas
promettemos esclarecer os nossos leitores quando for tempo opportuno.

Fallamos n'isto a proposito de um verdadeiro drama, que acaba de
representar-se da outra parte de lá do oceano, em terras brazileiras.

Compare o leitor as providencias das nossas auctoridades, a favor da
hospitalidade devida aos estrangeiros, com a que costumam dispensar-nos
as auctoridades do Brazil.

Ahi vae a historia.

Ha pouco tempo assassinaram no imperio um infeliz portuguez. A policia
brazileira, composta de cidadãos que devem comprehender a hospitalidade,
tratou de averiguar o caso pela forma mais extraordinaria que é possivel
imaginar-se.

Antes de tudo é preciso que se saiba, que a tal policia só sabe
_descobrir_ os criminosos, quando o crime é commettido em pleno dia, na
presença de muitas testemunhas. Dado o caso, porém, de ser perpetrado no
meio das sombras da noite, se a victima é um portuguez, trata a policia
de arredar de cima do seu patricio qualquer suspeita. As suas vistas
voltam-se logo para os _gallegos_. Um brazileiro é incapaz de ser
criminoso, embora proteste contra isto o _Cearense_. Foi justamente o
que aconteceu no caso em questão.

No logar do delicto encontrara-se apenas um indicio que não sabemos se
seria o sufficiente para o verdadeiro descobrimento dos criminosos. Esse
indicio era um lenço marcado com um M. Este lenço foi levado
immediatamente para o quartel de policia; mas d'ali a 3 ou 4 horas
sabia-se em toda a cidade d'aquelle precioso achado!

Vejamos agora as outras diligencias a que as auctoridades procederam.

Em primeiro logar mandou-se intimar para que comparecessem no
commissariado todos aquelles cujo nome ou appelido começasse por aquella
inicial. O systema, além de ser arbitrario, não podia produzir o effeito
desejado, porque a policia tinha sido a primeira a divulgar o segredo de
tão optima descoberta.

A experiencia cremos que levou oito dias, porque foram chamados todos os
Manueis! e, o que é notavel, é que nenhum cahiu na patetice de dizer que
o lenço era seu!

Mas como no meio de tanta barafunda podia ter escapado algum Manuel, um
jornal incendiario se lembrou de accusar Manuel Saldanha, commerciante
e... portuguez. Foi chamado o homem, não obstante as auctoridades
brazileiras darem pouca importancia aos pasquins! E para que se não
dissesse, que as mesmas davam menos importancia a um portuguez, foi este
desde logo recebido com a maior deferencia... pelo carcereiro!... O
motivo d'uma recepção tão desigual, fora _simplesmente_ porque o
portuguez se chamava Manuel como qualquer brazileiro. Mas ao cabo de
dois dias saira da prizão o nosso compatriota, declarando como todos os
outros, que o lenço fatal lhe não pertencia, accrescentando que desde ha
muito cheirava rapé e que uzava lenços riscadinhos de Alcobaça!

O proprietario do jornal accusador, do jornal incendiario, que ha quatro
annos consecutivos advogava o exterminio da colonia portugueza, e a cuja
sombra se commettiam tantos crimes, chama-se Marcelino Nery; e dois dos
seus principaes redactores chamam-se, um, Manuel Cantuaria, e outro,
Manuel José de Sequeira Mendes; com tudo foram poupados á experiencia
policial. Pois não deviam ser dispensados das suspeitas da policia;
porque, além d'esta gente fazer uso do lenço branco e do almiscar, de
cujo olor se achava impregnado o delicado _marotinho_, bastantes provas
tem dado da sua capacidade para taes commettimentos.

Mas a questão era mais séria do que julgára Manuel Saldanha: porque,
para evitar que a policia, contra a sua vontade, fosse, por qualquer
acaso, encontrar os verdadeiros criminosos nas fileiras communistas,
encarregou-se a _Tribuna_ (a comedia passava-se no Pará) de assestar as
suas baterias contra o pobre _marinheiro_. E o promotor publico do Pará,
para fazer a vontade aos seus predilectos do _orgão popular_, processou
o portuguez, que foi immediatamente mettido na cadeia.

Pouco tempo depois constituia-se o tribunal que não tem querido julgar
os assassinos de Jurupary, e Manuel Saldanha apparece sentado no banco
dos assassinos. A unica prova, que consta de tão monstruoso processo, é
um lenço cujo dono se ignora.

O juiz presidente desenrola-o, e em pleno tribunal assoa-se a elle.
Pouco depois os jurados seguem-lhe o exemplo. A _prova_ fatal foi afinal
cair nas mãos do orgão da justiça publica, que se serviu exclamar,
apontando para o lenço e para a fatidica letra:

--Srs. jurados! vêde e ouvi... (dirigindo-se para o supposto réu) Como
se chama?

--Manuel...

--Basta, não precisamos de mais provas...

E o portuguez foi sentenciado a galés perpetuas para a ilha de Fernando
de Noronha!

O jury que, alguns mezes antes, absolvera dois soldados do exercito
brazileiro, assassinos confessos de dois compatriotas nossos, procedia
assim contra uma pobre victima, cujo crime foi ter nascido em Portugal e
chamar-se Manuel!

O que infelizmente está reconhecido, é que o odio de raça passou dos
Tapuyas e dos Tomayos aos Tupinambas e aos Botocudos; e que estes o
transmittiram aos brazileiros, que hoje predominam n'aquella parte da
America. A unica differença a favor da raça predominante; é não fazer
uso da antropophagia; mas em compensação assassina os portuguezes, e
quando algum se livra do punhal e do trabuco, não escapa á sanha dos
tribunaes.

Mirem-se n'este espelho os nossos compatriotas que veem no imperio um
manancial de riquezas e uma terra civilisada e hospitaleira.»[78]

Agora illucidemos a questão que o tempo, magnifico juiz de nossas
acções, poz nos devidos termos:

O portuguez Manuel Saldanha, appellou da injusta sentença para o
tribunal da Relação do Pará, que annulou o processo e mandou pôr em
liberdade a victima!

O brazileiro doido, que tentou suicidar-se, era unico irmão de um barão
ou visconde, e senhor de uma fortuna avultadissima.

Logo que a este titular _chegára_ a noticia do desastre succedido ao
irmão, escreveu uma carta sentimentalissima a um jornal de Lisboa em que
accusava de cumplicidade os enfermeiros; e o tal jornal, ao mesmo tempo
que consolava o _desventurado_ aristocrata, negava as suas columnnas á
defeza dos enfermeiros que tencionavam provar a sua innocencia!

Começou o processo, e quando elle ia esclarecer a tragedia, o illustre
titular sahia immediatamente d'este paiz!...

Sobre o processo poz-se a pedra do esquecimento, que, por
_conveniencias_, negaram ao infeliz Vieira de Castro!

Altos mysterios da justiça!...

Vejam os nossos inimigos de alem-mar como nós cá tratamos os seus
compatriotas.

Nós é que não concordamos com a protecção escandalosa; e desde já
protestamos contra os previlegios: o sancto principio da hospitalidade
não manda proteger os calumniadores de nossos irmãos, por que os
calumniadores são opulentos e quem sabe se criminosos.

     [78] A _Tribuna_, de Lisboa.


VIII

Manuel Soares Pereira, é um emigrado portuguez, residente ha muito tempo
no imperio do Brazil, e que assistiu como voluntario, á lucta travada
entre esta nação e o Paraguay, prestando por essa occasião relevantes
serviços aos feridos nas refregas; porque Soares tivera a sublime idéa
de se inscrever na legião dos irmãos da caridade--que nos acampamentos
da guerra aspiram a dar vida e consolações aos moribundos, emquanto que
os soldados d'outras legiões apontam ao peito da humanidade os
_Chassepots_ da destruição.

Aos soldados de todas as legiões--aos que ferem e matam e aos que
curam--costumam dar os governos que promovem os ferimentos, a matança e
os curativos, uns _pendericalhos_ em paga d'esses serviços, que os
mandões da guerra igualam, mas que a humanidade separa, como sendo a
arte dos que ferem e matam uma perfeita antithesis á que exercem os que
consolam e curam.

Soares Pereira, não obstante, como já vimos, pertencer a esta ultima
legião, foi sentenceado á morte, pelos tribunaes do Brazil, porque tendo
elle exercido um cargo humanitario, que os taes mandões da guerra não
retribuiam, entendeu dever _desertar_ da legião, onde por muito tempo
servira voluntariamente, e onde o deixariam morrer de fome, em paga de
uma pratica assidua de acções meritorias.

Desertar dissemos, porque como deserção é que se qualificára a sahida
voluntaria de Soares Pereira, do exercito do Paraguay, sahida nunca
impedida pelas auctoridades guerreiras do Brazil, estacionadas n'aquella
região, em 1867, e por aquelles que lhe visaram depois o seu passaporte
de subdito da nação portugueza, documento este que o nosso compatriota
apresentára, no seu transito, sem receios, e conscio de que era um
cidadão no goso pleno dos seus direitos.

Passaram-se sete annos depois d'aquella data. Isto é, em 1874, o
supposto desertor, estabelecido então na cidade da Bahia, requereu uma
certidão á repartição competente, para mostrar onde lhe conviesse, os
serviços prestados ao Brazil, como enfermeiro na guerra do Paraguay.

A resposta foi ser preso o requerente, _para averiguações_. Feitas as
taes averiguações, concluiu-se que Soares Pereira fôra considerado
desertor do exercito, no qual já mais se alistára como soldado, do que
são sufficientes provas os documentos que temos á vista e que fazem
parte do _Livro Branco_, apresentado ás côrtes em 1877. Não obstante, é
Pereira mettido _na mais terrivel masmorra do forte de S. Pedro, da
Bahia, onde esteve cinco dias sem alimentos, e de onde o faziam sahir
depois para os trabalhos forçados, durante 18 mezes, antes de ser
julgado_,[79] e só depois d'este periodo é que foi sentenceado á morte!

A 26 de março de 1876, é que foi proferida a sentença, pelo conselho de
guerra reunido na cidade da Bahia.

A diplomacia portugueza, começou no imperio, em fevereiro de 1875, a sua
lucta; e pelo desenlace de 26 de março, acabamos de vêr que ella não
pôde evitar mais aquella vergonha para os tribunaes do Brazil, quando
julgam portuguezes.

E porque nada conseguiu a diplomacia até este momento? Porque o nosso
vice-consul na Bahia, o sr. Gregorio Anselmo Ribeiro Marques, que já em
fevereiro de 1875, cinco mezes depois da prisão, começára a apontar o
monumental escandalo, não viu secundados os seus esforços pelo nosso
embaixador na côrte do Rio de Janeiro.

Vamos demonstrar esta asserção com os documentos que temos á vista.

     [79]_As Nações Civilisadas do Universo_, por M. A. Ferreira, da
     Bahia.


IX

Já notámos que passados cinco mezes depois da prisão de Manuel Soares
Pereira, isto é, em 4 de fevereiro de 1875, é que começaram as
providencias da diplomacia.

Expedindo o nosso vice-consul na Bahia a sua primeira nota ao presidente
d'esta provincia brazileira, em que pedia «esclarecimentos dos motivos
que determinaram a prisão do referido individuo[80]», não remediava que
a prisão illegal continuasse; porquanto, o presidente allegava era seu
officio de 11 do mesmo mez e anno, que aquelle subdito de Portugal
_sentára_ praça no 16.º batalhão de infanteria de linha, escudando-se
este magistrado, para fazer valer a sua affirmativa, á _certidão de
assentamento_, que o general das armas d'aquella provincia lhe remetteu,
na qual nada notava com respeito ao acto importantissimo do juramento de
bandeira, que era indespensavel para tornar legal o assentamento; o que
não impediria, ainda assim, quando o fosse, de que taxassemos de
inconsequente o prolongamento da prisão, sem julgamento, de um subdito
de nação _irmã e amiga_; e de barbara, a obrigação imposta
arbitrariamente a esse mesmo subdito, de ser levado aos trabalhos
_forçados_, a que a justiça condemna os criminosos convictos.

Não satisfeito com a resposta e com a tal certidão, tudo desconforme, á
vista das mais comesinhas noções do direito, o nosso vice-consul,
expedindo segunda nota em data de 4 de março do referido anno, não só
accusava a falta de juramento de bandeira, que se não exigia dos
voluntarios nacionaes (para a guerra do Paraguay) e menos se exigiria de
um estrangeiro; mas o que era para notar, não se provava, que o nosso
compatriota estivesse «desembaraçado pelo consulado para levar a effeito
aquelle juramento, documento de que se não poderia prescindir, em vista
da doutrina consignada na resolução do governo imperial, expedida pelo
ministerio dos negocios estrangeiros, na data de 4 de julho de 1852», e
de outras noções do direito internacional, muito bem apontadas nas notas
expedidas, mais tarde, pelo sr. Andrade Corvo.

Á vista d'isto, o presidente replicou immediatamente, que submetteria á
consideração do governo imperial o expendido pelo vice-consul.

E o governo imperial respondeu assim, _pela bocca do nosso ministro_, na
côrte do Rio de Janeiro:

«Legação de Sua Magestade Fidelissima, Rio de Janeiro, em 12 de abril de
1875.--Ill.mo sr.--Em resposta ao officio que v. s.ª me dirigiu em data
de 8 de março ultimo, cumpre-me dizer-lhe que, em vista das disposições
da lei brazileira, de 20 de setembro de 1860, e do que foi declarado
pela de 20 de junho de 1865, não póde ser attendida a pretenção de
Manuel Soares Pereira, a que se refere o citado officio de v. s.ª Isto
mesmo acaba de ser decidido pelo governo imperial em deliberação tomada
sobre o referido assumpto, etc., etc.--_Mathias de Carvalho e
Vasconcellos_.»

Teria o vice-consul exorbitado? ou enganar-se-ia o governo imperial?

Parece que sim, que este se enganou, e com elle o nosso illustre
diplomata, o sr. Mathias de Carvalho e Vasconcellos, que sem protesto,
acolhera a decisão injusta do governo, junto do qual estava acreditado,
para tratar de proteger os interesses da nação portugueza, sua patria.

Vejamos se sae ou não exacta a nossa asserção.

     [80] Nota de 4 de fevereiro de 1875.


X

A informação do ajudante general, a que recorrera o ministro da guerra
brazileiro, para negar a justiça que requeria Manuel Soares Pereira, por
via do consul, diz que os corpos de voluntarios da patria, organisados
de conformidade com as disposições do decreto de 7 de janeiro de 1865,
para a guerra do Paraguay, estiveram sempre sujeitos ás leis militares,
etc.; etc., e que a lei de 20 de setembro de 1860 comprehende os
engajados e voluntarios de qualquer natureza, como praças do exercito, e
por consequencia sujeitos ao julgamento pelo crime de deserção, etc. Que
o juramento de bandeira, era uma mera formalidade, que não podia impedir
o assentamento de praça, o que a nosso ver, não impediria tambem que nos
assentassem praça lá no Brazil, sem o previo consentimento, para sermos
julgado desertor, e depois sentenciado á morte, se por desventura lá
apparecessemos!...

Mas com respeito á proposição do vice-consul, de que não se deveria
julgar a praça assente ao portuguez, sem que este apresentasse documento
do consulado, com o qual se provasse estar desembaraçado, para então
poder alistar-se no exercito estrangeiro, não disse nada o ajudante do
general.

Foi lapso, naturalmente!

O vice consul é que não se conformou com a informação do tal ajudante,
nem com a decisão que á vista da mesma dera á causa o ministro
brazileiro respectivo; e despresando o systema adoptado pelo
representante de Portugal, de não metter _prego nem estopa_ no batel
escavacado da nossa dignidade, novo protesto elevou até junto do sr.
Mathias de Carvalho, para ver se livrava o desgraçado portuguez das
garras aduncas da tal _justiça_, que, como a dos _tugs_ levava em mira
_engordar_ a sua presa, para ser mais agradavel á deusa Kaly o supplicio
final da _laçada_!

É a 16 de abril de 1876, que o vice-consul expede terceira nota ao
presidente da Bahia, rebatendo as doutrinas erroneas da informação do
ajudante do general, doutrinas que o sr. Mathias de Carvalho, como já
vimos, deixára passar, sem a devida replica.

Em 19 responde-lhe o presidente; e a 20 submette o vice-consul, nota e
resposta, á legação de Portugal no Rio de Janeiro.

Examinemos estes documentos, para, a seu turno, fulminarmos a
systematica abstensão do embaixador de Portugal em face d'esta questão
gravissima.

«A legislação citada pela repartição do ajudante general, diz o
vice-consul, é toda applicavel aos subditos do paiz, que tendo servido
na armada ou no exercito, quer como voluntarios, quer como guardas
nacionaes; e quando as disposições do artigo 5.º da lei n.º 1:101,
podessem ser extensivas a estrangeiros, só seriam applicaveis áquelles
que fossem legalmente admittidos, exhibindo o desembaraçado do consulado
de sua nação; por quanto é essa a opportunidade que tem o respectivo
agente consular para lhes fazer sentir, não só as obrigações a que se
tem de sujeitar, como averiguar se o subdito de sua nação tem para com
essa algum compromisso que o inhiba de sua protecção; este principio,
sendo universalmente reconhecido, o foi tambem pelo governo imperial na
sua resolução expedida pelo ministerio dos negocios estrangeiros na data
de 4 de junho de 1852, e jámais controvertido por nenhuma das
disposições da legislação invocada pela repartição do ajudante general;
principio este ainda recentemente firmado pelas disposições do artigo
66.º, do regulamento annexo ao decreto imperial, n.º 5881.»

E n'esta conformidade, pedia o relaxamento da prisão de Manuel Soares
Pereira, e insistia na reclamação encetada; «e que na nota alludida
resalvava os direitos que lhe podessem competir pela reclamação que
houvesse de fazer dos damnos e prejuizos soffridos por aquelle seu
compatriota, desde o dia da sua prisão até áquelle em que fosse posto em
plena liberdade.»

O presidente da provincia nada podia decidir, visto que o assumpto já
havia sido submetido ao governo central. Portanto a resposta d'este
magistrado ao vice-consul foi:--«que levaria ao conhecimento do ministro
a nova reclamação».

Conservaremos a ordem dos documentos, estabelecida no _Livro Branco_;
por isso vamos transcrever o que segue, emquanto o governo brazileiro
não replica á 3.ª nota consular:

«Legação de Sua Magestade Fidelissima. Rio de Janeiro, 17 de novembro de
1875.--Ill.mo sr.--Remetto a v. s.ª o incluso requerimento de Manuel
Soares Pereira, a fim de que me imforme sobre a verdade do seu conteúdo.
Quanto á petição que o acompanha, convém que v. s.ª aconselhe ao
peticionario o meio legal que deve observar para que o recurso de que se
trata chegue competentemente ao seu alto destino.--Deus guarde,
etc.--_Mathias de Carvalho e Vasconcellos._==Ill.mo sr. Gregorio Anselmo
Ribeiro Marques, encarregado do consulado de Portugal na Bahia.»

Transcrevemos na integra os documentos assignados pelo nosso embaixador
a respeito de tão desgraçada questão, para que todos julguem da justiça
das nossas appreciações.

Antes de mais nada examinemos a data d'aquelle documento,--17 de
novembro de 1875--e a do ultimo oficcio do vice-consul,--20 de abril de
1875--em que este funccionario remettia a sr. Mathias de Carvalho a
copia da 3.ª nota a favor de Soares Pereira, e signifiquemos o nosso
assombro por vêrmos que o embaixador do Portugal não deu, n'aquelle
extensissimo periodo--_oito mezes_--, a mais insignificante providencia
a respeito da questão; é verdade, que, findo esse tempo, reenviava o
requerimento e a petição do desgraçado portuguez, em que se pedia ao
ministro o salvasse do martyrio da _prisão_ e dos _trabalhos forçados_,
a que, contra todos os principios do direito, o obrigavam as _humanas_
auctoridades da Bahia... porque esse requerimento não ia pela via
_legal_, que o infeliz _não sabia observar_! E o que é mais assombroso
ainda, é vir o nosso embaixador, depois de estar informado dos
acontecimentos, pedir esclarecimentos sobre _a verdade do conteúdo_ do
requerimento e petição!

Isto não se commenta.

Mas o portuguez Manuel Soares Pereira, que permanecia na prisão _havia
já 13 mezes!_ quando o não mandavam trabalhar para um logar, na
distancia de 40 kilometros, naturalmente «porque estando preso no humido
xadrez, podia adquirir a terrivel molestia de _beriberi_, que tanto
ataca as mulheres paridas e os homens de vida sedentaria», desculpa
ironica e ao mesmo tempo pittoresca, que á barbaridade dava o seu
magnanimo salvador, o sr. Manuel Alves Ferreira, o portuguez Soares
Pereira diziamos, tinha obrigação de esperar pelas providencias da
diplomacia!

Que importava que essas providencias viessem depois da sentença injusta,
passados uns poucos de mezes de supplicios, peores que a morte, já
quando o infeliz estivesse em marcha para a forca?!

Mais vale tarde do que nunca!

Um portuguez desprotegido não vale tanto como qualquer compadre de sua
magestade o imperador do Brazil, ou de outra qualquer real
personagem!...

Um portuguez pobre, sempre é um portuguez pobre; e os embaixadores de
Portugal junto dos governos das nações estrangeiras, não devem
importar-se _com esta qualidade de gente_!


XI

O ministerio da guerra só respondeu á nota do vice-consul, datada de 16
de abril de 1845, em 25 de setembro; isto é, cinco mezes depois! não
obstante julgar aquella repartição, que ao consul não assistia razão
plausivel para reclamar justiça do governo brazileiro a favor do subdito
portuguez, despoticamente encarcerado na enxovia, desde 22 d'outubro de
1874, contra as expressas determinações dos codigos militares e civis.

O governo, conformando-se na sua replica, com a letra da circular de 4
de junho de 1852, confirmada pelas disposições do artigo 66.º do
regulamento annexo ao decreto n.º 5.881, lembrados pelo vice-consul,
concordava com a opinião d'este nosso representante na Bahia, que
julgára indispensavel a apresentação do _desembaraçado_, para Soares
Ferreira poder assentar praça.

Mas como era preciso achar um ponto de discordancia, porque o facto da
prisão do portuguez estava consumado, e planeado o julgamento imbecil,
que o havia de sentencear á morte, e porque as auctoridades brazileiras
nunca costumam reconsiderar quando se trata de _marotos_,[81] era
preciso que o sophisma viesse enredar a razão.

Procuremos as proprias palavras do governo imperial.

Diz elle, na sua replica:

«Ora a hypothese do aviso do ministerio dos estrangeiros (circular de 4
de junho de 1863) é figurada para o caso de engajamento, em que a parte
se apresenta realmente como estrangeiro; entretanto que no caso de que
se trata, o individuo occultando a sua qualidade de estrangeiro,
assentou praça de voluntario da patria como se brazileiro fosse: não ha
por tanto paridade, e fica por terra o argumento que o encarregado do
consulado quiz d'ali tirar.»

Antes de desmentirmos a supposta affirmativa, de que o portuguez
_sentára praça de voluntario como se brazileiro fosse_, devemos dizer
que nos assombra a ingenuidade do governo imperial em acreditar que se
fizessem assentamentos de praça, sem as devidas formalidades, que, se
fossem observadas, dariam em resultado conhecer-se a nacionalidade do
que se offerecia para o serviço do exercito.

E que razão haveria para o portuguez occultar a nacionalidade?

A negação do _desembaraçado_ da parte do consulado?

E qual seria o consul que negaria esse documento na occasião da guerra
do Paraguay, em que brazileiros e portuguezes se auxiliavam mutuamente,
como se a causa fôra commum?

Mas se Soares Pereira se apresenta como enfermeiro para que é teimar em
chamar-se-lhe praça do exercito?

Por que foi _segundo sargento do 14.º corpo de voluntarios da patria_,
dizem.

Venha o documento em que se prove que elle sentára praça no referido
corpo.

Não ha, por que esse corpo foi dissolvido, dizem.

Mas isso não é razão.

É, replicam os sabios brazileiros!

Então _suppõe-se_ que Soares Pereira sentára praça, e com essa
supposição levam o _maroto_ ao tribunal, depois de 16 mezes de prisão e
de trabalhos forçados, com a grilheta aos pés!...

«Quanto ao artigo 66.º do regulamento ultimamente expedido para o
recrutamento, dizem do ministerio da guerra, na já alludida resposta,
_alem de não poder ter effeito retroactivo_, refere-se tambem ao caso em
que o estrangeiro se apresenta como tal para assentar praça de
voluntario no nosso exercito.»

Comprehende-se á vista d'isto, que o governo brazileiro castigava o
portuguez, por não ter declarado que era estrangeiro, e ao qual esse
governo considerava desde então como naturalisado cidadão brazileiro,
contra as formalidades exigidas pelas leis que regulam o assumpto, de 23
de junho de 1855 e de 12 de julho de 1871!

Isto regista-se e não se commenta.

Aquella tirada de que o artigo 66.º não podia ter effeito retroactivo,
quando se tratava de esclarecer determinações ambiguas de datas
anteriores, e, o que é mais, quando se tratava de proteger o subdito de
uma nação _irmã e amiga_, é... digamos a verdade sem rebuço, é
irracional; porque faz lembrar aquella passagem da fabula em que o leão,
por se julgar o rei da força, trocidava a presa, emquanto os pequeninos,
ávidos de fome, se affastavam do bruto para não terem a sorte do veado!

     [81] Maroto, na Bahia, significa portuguez!


XII

Em resposta ao officio da legação, com data de 17 de novembro, que atraz
deixamos transcripto, e no qual se pedia informação ao vice-consul sobre
o requerimento incluso, escreve o seguinte este empregado do governo, em
seu officio de 29 de novembro do referido anno:

«1.º Que em resposta á contestação de que a v. ex.ª dei conhecimento em
meu officio de 20 de abril proximo passado (sic), recebi da presidencia
d'esta provincia o officio datado de 14 de outubro ultimo, transmittindo
copia do aviso do ministerio da guerra, datado de 7 d'aquelle mez, e não
obstante a doutrina do citado aviso referir-se a que o individuo em
questão occultava a sua nacionalidade, assentando praça como voluntario,
esse facto só se poderia verificar do primitivo assentamento da praça no
14.º corpo de voluntarios, em que o mencionado individuo diz ter-se
inscripto como enfermeiro; _entendi pois não treplicar sobre o assumpto,
em vista do que v. ex.ª se dignou communicar-me em officio de 12 de
abril do corrente anno_,[82] o qual só me veio parar á mão
posteriormente ao meu citado officio de 20 do referido mez.

«2.º Que tendo feito noticiar verbalmente ao peticionario a resolução do
ministerio da guerra, e recommendando-lhe que, quando tivesse de
responder ao conselho de guerra, me avisasse para dar-lhe defeza,
presisto n'esse intento, não obstante o peticionario parecer não haver
confiado nos meus melhores desejos, o que desculpo, em vista da situação
em que se collocára.

«Que já em tempo fiz ver ao peticionario que o seu recurso para a
munificencia imperial me parecia inopportuno, se por ventura tivesse de
responder ao conselho de guerra.

«Concluo, ponderando a v. ex.ª, que o peticionario nenhuns meios tem, e
que o advogado já me preveniu de que, para a defeza do peticionario, o
que convinha essencialmente era obter uma certidão do primitivo
assentamento de praça no 14.º corpo de voluntarios; se, pois, v. ex.ª
approvar o meu intento, muito conveniente seria obter-se no ministerio
da guerra aquella certidão», etc. etc.

O vice consul não devia estranhar que o desgraçado tivesse pouca
confiança nas diligencias officiaes, se attendesse a que essas
diligencias a nada obstavam, naturalmente pelo pouco ou nenhum interesse
que lhe prestava o embaixador portuguez na côrte do Rio de Janeiro.

Assim, pois, Soares Pereira não teria mais remedio se não recorrer a
outros meios, unicos que o salvaram, como havemos de demonstrar.

Mas continuemos a transcripção dos documentos para provarmos o desmazelo
do embaixador, e a insaciavel vontade das auctoridades brazileiras em
prejudicar-nos, ainda nas causas mais justas.

Em resposta ás informações do vice-consul, de 29 de novembro, acima
transcriptas, communicava a legação de Portugal no Rio de Janeiro o
seguinte:

«Remetto a v. s.ª a certidão do que consta no archivo da repartição
fiscal de guerra ácerca do subdito portuguez Manuel Soares Pereira.

«Quanto á petição por este dirigida a sua magestade o imperador _que
remetto_ junta, reporto-me ao que já disse a v. s.ª no meu officio de 17
do referido mez de novembro, etc. _Mathias de Carvalho e Vasconcellos_.»

E mais nada. Nem um conselho sequer para encaminhar a questão a um
desenlace feliz e justo! Nem um conselho sequer, não: o embaixador
portuguez, com o seu desprezo manifesto em todos os seus officios,
dá-nos a prova desconsoladora de que pugnava mais pela desgraçadissima
causa sustentada tão infelizmente pelas auctoridades do Brazil contra um
subdito da nação portugueza, aconselhando sempre o vice-consul... ao
desprezo da causa que importava a salvação de um homem e a dignidade de
Portugal! E dizemos que aconselhava ao desprezo, porque outra cousa não
é devolver o requerimento que Soares Pereira lhe endereçára, afim de que
o vice-consul informasse a legação de uma cousa sobre que a mesma
legação já estava informada havia _oito mezes_; e outra cousa não é
senão desprezo devolver a petição que ao imperador fizera a victima, lá
porque a petição _não ia pelos tramites legaes_!

Pois, para que mais servem os embaixadores juntos dos governos das
nações amigas, se não para tratar de advogar os interesses de seus
compatriotas?

Venha pelos tramites legaes; isto é: metta na caixa o requerimento!

E quando chegaria o requerimento ao seu destino?

Naturalmente depois da fuzilaria ter feito o serviço que lhe incumbira o
justiceiro tribunal da Bahia!

Se a um facto quasi identico, succedido ha pouco na India, em que a
causa de um portuguez era menos justa, o peticionario recorresse pelos
tramites legaes, ou se el-rei D. Luiz apontasse ao peticionario os taes
tramites, para se não sujar com o acto nobilissimo que praticou
salvando-o; o portuguez estaria naturalmente a esta hora com a cabeça de
menos... á espera do decreto que lh'a poupasse!

Apontar a via dos tramites legaes a quem tinha sede de justiça, n'uma
epoca de depravação, que se assimelha á que predominava no imperio dos
Caligulas e dos Neros era desenganar o padecente de que justiça não
seria feita. Foi justamente o que Soares Pereira pensou, recorrendo aos
meios da reacção energica pela imprensa, contra os actos de selvageria
dos tribunaes brazileiros; e foi isto que o salvou, como vamos
demonstrar.

     [82] No qual, como já vimos, o embaixador portuguez, sem estudar a
     questão, por que n'isso não tinha o minimo interesse, escrevia as
     seguintes phrases:--«que em vista das disposições das leis
     brazileiras etc., _não póde ser attendida a pertenção_ de Manuel
     Soares Pereira» etc.!!!


XIII

É chegado o dia 27 de março de 1876, em que o tribunal militar da Bahia
condemna Manuel Soares Pereira á pena de morte pelo supposto crime de
deserção.

Perante o tribunal não se apresenta defensor para o réo, e sim um
procurador que levava uma defesa escripta para ser lida!

O auditor de guerra vendo a defesa sem assignatura, disse que não
produziria seus effeitos, porque não estava em termos, visto que devia
terminar por artigos, etc. etc.

Depois de algumas observações foi admittida a defesa, assignando o
procurador que a tinha levado.

Esta não foi lida, nem o procurador _arvorado em advogado_, disse uma
palavra em defesa da victima.

Seguiu-se o conselho, e o auditor de guerra, conhecendo a critica
posição do reu, que se achava sem defensor, offereceu o encargo da
defesa ao sr. Manuel Alves Ferreira, negociante portuguez residente na
Bahia, auctor dos avulsos--_Ás nações civilisadas do universo_, em que
desmascara a inepcia da diplomacia e a barbaridade das auctoridades
brazileiras contra um subdito de nação amiga e irmã, e de cujos avulsos
extraimos os esclarecimentos que vamos indicando, avulsos que salvaram o
condemnado.

Manuel Alves Ferreira não póde acceitar o encargo «porque não se achava
preparado para esse fim.»

Os cuidados promettidos pelo vice-consul eram assim postos em practica!
A promessa que elle fizera n'um officio que para ahi deixámos
transcripto não podia ser mais fielmente executada!

Eis como esta auctoridade informa do succedido em 27 de março á legação
do Rio de Janeiro, em seu officio de 6 de abril, dez dias depois da
condemnação de Soares Pereira:

«Corre-me o dever de participar a v. ex.ª que não obstante a defesa
escripta (sic) conforme a copia junta, que promoví em favor do subdito
de s. m. f..., ao qual se refere o officio de v. ex.ª de 25 de janeiro
ultimo, foi o dito individuo condemnado á pena capital a 27 de março
ultimo.

«Em 28 do mesmo mez solicitei da presidencia desta provincia copia da
respectiva sentença, a respeito da qual me foi respondido o que consta
dos officios datados de 31 de março e de 5 do corrente mez, etc. (de que
não se passaria a certidão pedida!).

«Dignando-se v. ex.ª no citado officio reportar-se ao que me havia
dirigido em 17 de novembro, ácerca da petição de graça, vou solicitar de
v. ex.ª o favor (sic) de instruir-me se deverá elle ser encaminhado pela
legação a cargo de v. ex.ª, e se se deverá aguardar a decisão definitiva
do tribunal superior.

«Devo igualmente certificar a v. ex.ª que sobre o facto da condemnação
foi, em 29 de março ultimo, publicado aqui um escripto na gazeta
denominada _Diario da Bahia_[83], além de outros; tudo isto tem servido
para commentarios que se tornam desagradaveis, e, a meu ver, de nenhuma
utilidade para o paciente.» etc.

N'este ultimo ponto se enganava o vice-consul, porque foi devido
unicamente aos escriptos de energica defesa, publicados por Alves
Ferreira, que a diplomacia acordára do lethargo que a deshonrava,
salvando assim o nosso infeliz compatriota Soares Pereira das selvaticas
garras da justiça brazileira. É o que havemos de provar.

     [83] 1.º avulso--_Ás nações civilisadas do universo_.


XIV

Mas antes d'isso cumpre transcrever o officio do embaixador portuguez,
datado de 24 de abril, em resposta ao do vice-consul, que acima deixámos
apontado, com a data de 6 de abril, o qual é concebido nos seguintes
termos:

«Se a sentença que condemnou o subdito portuguez Manuel Soares Pereira
deve ser submettida ao tribunal superior, é preciso aguardar a decisão
d'esta instancia antes de recorrer a uma petição de graça.

«_Não é por intermedio da legação_ de s. m. que se apresentam taes
recursos, _ainda quando se trate de subditos portuguezes que tenham
direito á protecção das suas auctoridades_ (sic). Esses recursos _tem
regras de processo que cumpre observar e vias competentes_ por onde
devem ser encaminhados ao seu alto destino.

«_No caso_ em que Soares Pereira apresente _em occasião propria_ (?) a
sua petição de graça, espero que v. s.ª me dará então conhecimento
d'este facto, etc. (assignado) _Mathias de Carvalho e Vasconcellos_.»

Isto é de mais!...

Mas não nos desconsolemos com o procedimento do nobre embaixador: porque
se elle não deu grande attenção ás sollicitações justissimas de mais de
um anno, que lhe eram dirigidas pelo vice-consul na Bahia, prestou
melhor attenção ao energico avulso a que já nos referimos.

Eis como a legação o encaminha para junto do governo de s. m. imperial:

«Legação de sua magestade fidelissima. Illm.º e exm.º sr. duque de
Caxias.--Tenho a honra de passar ás mãos de vossa magestade um impresso,
publicado na Bahia, referente ao procedimento havido com o subdito
portuguez Manuel Soares Pereira.

«Solicitando a esclarecida attenção de v. ex.ª para o que se allega na
dita publicação, estou certo que v. ex.ª se servirá ordenar as
providencias que a natureza do assumpto reclama, etc., (assignado)
_Mathias de Carvalho e Vasconcellos_.»

E mais nada. Depois d'isto s. ex.ª o embaixador portuguez fazia as malas
e retirava-se para a Europa!


XV

Para na actualidade se conseguir qualquer cousa dos poderes publicos é
preciso empregar dois meios, bem dissimilhantes entre si: um d'elles é o
favoritismo de que lança mão a venalidade, em prol da propria
venalidade; outro é a reacção energica, empregada por gente digna contra
os actos de flagrantissima injustiça dos potentados.

São mais felizes aquelles, quando campea a corrupção que nos avassalla;
e não deixam de ser considerados, ainda que com menos exito, os actos de
reacção que deixamos indicados.

No caso sujeito, o portuguez illustre, cujo nome nos honramos muito de
inscrever n'este logar, o sr. Manuel Alves Ferreira, conseguiu com os
seus protestos--_Ás nações civilisadas do universo_, que o governo
portuguez tomasse a peito a defeza do nosso compatriota, condemnado
injustamente pelas justiças brazileiras, e que havia sido desprezado
pela legação de Portugal no Rio de Janeiro como já vimos.

Foi o seu primeiro protesto publicado em quasi todos os jornaes
portuguezes, e entregue ao imperador e aos passageiros do vapor
_Hevelius_, em viagem para a Europa; protesto que chegou ás mãos do
ministro dos negocios estrangeiros de Portugal, e que deu origem ao
telegramma d'este alto funccionario do estado, ao então encarregado da
legação portugueza no Rio de Janeiro, no qual se participava que o
governo de sua magestade não se conformára com as circumstancias do
julgamento de Manuel Soares Pereira, despacho que dera igualmente logar
á reclamação diplomatica da embaixada, que não vemos extractada no
_Livro Branco_, apresentado ás côrtes em 1877, do qual extrahimos os
documentos officiaes aqui mencionados, mas á qual se refere o officio do
encarregado dos negocios de Portugal, com data de 9 de junho de 1876.

O acto mencionado--de reacção--, secundado de mais alguns protestos de
Alves Ferreira, deu em resultado a reforma, em ultima instancia, da
sentença do conselho de guerra da Bahia, modificando a pena capital, em
que tinha sido condemnado Soares Pereira, a cinco annos de prisão com
trabalhos!

Já não era pouco; mas era preciso mais.

As bem elaboradas notas diplomaticas do sr. Andrade Corvo, e os avulsos
de Alves Ferreira, fizeram o resto: isto é, conseguiram o _perdão_ da
munificencia imperial.

Já era muito!... e já era muito, porque aos innocentes tambem... se
perdoa!


XVI

Mencionemos agora as providencias empregadas por Alves Ferreira, nos
seus avulsos; e extratemos para aqui as informações que a respeito dos
soffrimentos impostos pelas auctoridades do Brazil ao nosso compatriota
Soares Pereira, aquelle dignissimo portuguez divulgou no imperio, para
vergonha do proprio imperio.

Primeiro protesta Alves Ferreira nos jornaes da Bahia contra a
selvageria do tribunal militar; e não contente com isto, faz imprimir o
seu primeiro avulso, apello _As nações civilisadas do universo_, que
distribue com profusão.

Neste avulso relata o seguinte:

«Em janeiro proximo passado, escreveu o _Diario da Bahia_, dizendo que
no quartel do forte de S. Pedro, d'esta cidade, achava-se preso ha 15
mezes um portuguez sem ter commettido crime algum.

«Á vista da noticia dirigi-me ao dito quartel e ahi encontrei Manuel
Soares Pereira, portuguez, ao qual perguntei o motivo de sua prisão.

«Respondeu o seguinte:

«No principio da guerra do Paraguay, formou-se na cidade da Cachoeira,
onde me achava um batalhão de voluntarios; seu coronel convidou-me a
acompanhar o mesmo batalhão na qualidade de enfermeiro, offerecendo-me
vantajosa remuneração.

«Seduzido pelo que me prometteu de viva voz, sem fazermos contracto
algum nem me mostrar a lei em que ia viver, acompanhei o batalhão até ao
Rio de Janeiro. Ali cahiram muitos soldados de bexigas, a quem assisti
com dedicação, tanto que, sendo visitada a enfermaria por S. M. o
Imperador, elle mesmo me louvou e animou, ordenando-me a pedir o que
fosse preciso para os enfermos. Pedi leite e agua, que era do que mais
falta se sentia, sendo tudo fornecido immediatamente. Em seguida marchou
o batalhão para os campos do Paraguay, onde servi sempre com dedicação
na qualidade em que embarquei. Dissolvido o batalhão, por ter morrido
muita gente, passei para outro, que teve o mesmo fim, pelo mesmo motivo,
e assim por diante, até que me encostaram ao 16 de linha, de cujo
batalhão me ausentei pelos seguintes motivos:

«O coronel que me convidou a acompanhar o batalhão, não tendo cumprido o
que verbalmente me prometteu, nunca me pagou o ordenado de enfermeiro
mas sim de sargento.

«Os que lhe succederam fizeram o mesmo, até que um dia appareceu uma
ordem no campo para que fossem rebaixados a soldados razos todos os
estrangeiros que tivessem qualquer posto no exercito; (!) fui eu
incluido n'esta ordem, sendo rebaixado a soldado raso, continuando
sempre como enfermeiro.

«Quiz retirar-me, não consentiram; dizendo eu que não era engajado, não
me attenderam; tive pois de me sujeitar á força.

«Os meus soffrimentos aggravaram-se; o soldo que me prometteram de
enfermeiro nunca me pagaram; foi reduzido ao de sargento; deste ainda
reduziram para o de soldado, e nem este me pagavam; ficaram-me devendo
nove mezes.

«Recebi cartas de minha familia, que reside n'esta provincia, dizendo-me
que estava reduzida á ultima miseria, que a viesse soccorrer para não
morrer de fome.

«Larguei tudo, embarquei para o Rio de Janeiro, tomei passaporte de meu
consul e vim cuidar dos meios de subsistencia de minha familia.

«Aqui vivi alguns annos de negocio, comprando a credito a pessoas que em
mim se confiavam.

«Um dia mostraram-me um decreto em que o governo convidava a vir receber
o soldo e a gratificação a todos que, tendo servido na guerra do
Paraguay, não estivessem quites com o governo.

«Apresentei-me no quartel, procurei receber o que me deviam de soldo e
gratificação; mas o que encontrei foi esta prisão, onde estou ha quinze
mezes e onde sou tratado como galé ou sentenciado, fazendo todo o
serviço que é imposto aos maiores criminosos já sentenciados.

.........................................................................

«Fiz dous memoriaes ao imperador, que não sei qual o caminho que tomaram
nem que despacho tiveram.

«Já vê V. que estou aqui na terra alheia inteiramente desamparado!!»

«Á vista disto dirigi-me ao encarregado do consulado, o sr. Gregorio
Anselmo Ribeiro Marques, para saber o que havia a tal respeito.

«Elle disse-me que tinha reclamado do ministro da guerra a soltura do
subdito de S. M. Fidelissima; mas que, _julgando-o_ s. ex.ª desertor, o
mandára submetter a conselho de guerra e que este seria breve.

«Estranhei-lhe o tempo de prisão que tinha soffrido um subdito de S. M.
Fidelissima, sem ser julgado.

«Appareceram varios escriptos no _Diario da Bahia_ de 1, 9, 17 e 18 de
fevereiro do corrente anno, e 19 e 23 de março corrente, todos em
relação a esta desgraçada questão.

«Custaram-me estes escriptos um insulto por uma gazeta de 22 de março,
na qual me chamavam parasita e o mais que o despeito e pouca educação
costumam dar.

«Resignei-me, porém, dizendo commigo que o autor do tal escripto
queria-se despir para me enfeitar.

«Em 22 do corrente fui avisado, por pedido do pobre desgraçado, que
responderia a conselho a 23.

«Avisei d'isso o encarregado do consulado de Portugal, o qual me mandou
dizer que tanto o advogado como o procurador do consulado estavam
avisados para darem as providencias.

«Apresentei-me no conselho de guerra, esperando pelo advogado, mas qual,
o advogado nunca appareceu.

«Correu o processo na quinta-feira, que não poude ser terminado, sendo-o
hoje com a condemnação de _pena de morte_ para este infeliz portuguez.

«Em todo o tempo que este infeliz se acha preso no quartel, ainda não
recebeu soccorro de _quem quer que seja_, nem o receberá, pois actos que
não são vistos por todos, que não _pescam commendas e cruzes_, não são
dignos de serem feitos pelos _grandes homens_.

«V. V. S. S., porém, que parecem pensar de outra maneira, darão a esta
questão a publicidade que entenderem; para que no mundo inteiro se
conheça este caso.

«Vou publicar esta carta no _Diario da Bahia_, não só para que S. M. o
imperador veja e se recorde das promessas feitas ao infeliz, como para
vêr se ha alguem que conteste as verdades que esta encerra» etc.

E á ultima hora do dia 28 de março de 1876:

«Acabo de chegar da prisão onde se acha o infeliz Manuel Soares Pereira.
Quando me viu, perguntou-me se o conselho havia reunido e qual a
deliberação.

«Estranhei a pergunta, pois entendia que deveria ter assistido á
continuação do julgamento, e que lhe teriam lido a sentença.

«É verdade, que, chegando eu hontem ao logar onde funccionava o
conselho, só alli encontrei o pessoal do mesmo; entendendo eu que já se
deveriam ter retirado o réu e o procurador advogado, pois á hora que lá
cheguei se levantava o mesmo conselho.

«Pude unicamente saber por dois officiaes do mesmo, da deliberação que
tomaram.

«Quem commentará isto?

«A carta dirigida aos senhores redactores do _Brazil_, aqui publicada,
foi tambem no _Diario da Bahia_ de 29 de março de 1876, e entregue o
mesmo _Diario_ no mesmo dia, a S. M. o imperador, no porto da Bahia de
S. Salvador.

«Depois de preso, esteve o infeliz cinco dias sem receber ração. Se não
morreu de fome, deve-o aos companheiros de prisão, que lhe deram por
esmola um boccado da escassa comida.

«Passados cinco dias, aos gritos que a fome incitava no desgraçado, foi
este posto em custodia, ou encostado para receber o alimento.

«Depois de tres mezes, abriram-lhe praça em uma companhia, e como tal
recebe a ração no _Xadrez_.

«Tudo isto me foi asseverado pelo padecente; mas os interessados em
encubrir o occorrido, podem negar o que affirma o estrangeiro; elles têm
_testemunhas do quartel_, como as que deram para condemnar á morte o
desgraçado:--quem poderá _provar_ o contrario?»


XVII

No segundo avulso que temos presente, conta Alves Ferreira mais alguns
pormenores a respeito do infeliz condemnado, e publica a carta que
expedia aos directores da Caixa de Soccorros de D. Pedro V, afim de que
o ajudassem a salvar o desgraçado.

O seu magnanimo coração leva-o ao ponto de despender grossas quantias na
publicação dos protestos, que elle offerecia gratuitamente ás pessoas
que desejassem orientar-se das occorrencias.

Ouçamos o que elle conta no referido avulso, datado de 11 de abril de
1876:

«Nos ultimos dias do mez passado requereu o infeliz portuguez Manuel
Soares Pereira ao ex.mo sr. general das armas certidão da sentença
proferida pelo conselho de guerra.

«Teve o seguinte despacho:--

«_Requeira pelos tramites legaes._

«Em principio do corrente fui ao quartel do Forte de S. Pedro e pedi em
nome do condemnado licença ao sr. commandante da companhia para que o
homem pudesse pedir certidão de algumas peças do processo.

«Concedeu licença o sr. commandante da companhia.

«Sahi, fiz o requerimento; voltando levei-o ao desgraçado, este o
assignou.

«Entreguei-o immediatamente ao sargento, para este o entregar ao
commandante da companhia, para depois ao commandante do batalhão e
depois ao general das armas, etc.

«Voltei em outro dia, fui saber do condemnado o que havia a respeito.

«Disse-me que lhe haviam apresentado de novo o requerimento para que
elle escrevesse por baixo da assignatura esta palavra--Soldado--para lhe
darem as certidões pedidas.

«Negou-se o negociante, dizendo que tal não faria, pois é negociante e
não soldado.

«Em seguida, procurei o sr. tenente-coronel commandante do batalhão,
pedindo a s. s.ª que me fizesse o favor de encaminhar o requerimento,
afim de se extrairem as certidões n'elle pedidas.

«S. s. disse-me que não daria certidão alguma, que o homem tinha sido
condemnado e que _ninguem pode obter certidão de uma sentença depois de
proferida_: disse-me ainda outras coisas _muito bonitas_, que virão a
luz logo que as circunstancias o permittam: por ora não; _elles tem em
seu poder o meu protegido_...

«Á vista das propostas do sr. commandante fiquei n'uma luta comigo
mesmo; ora duvidando da minha razão, ora da de _muita gente_.

«Dizia assim: o ex.mo sr. general das armas não saberia que não era
premittido dar as certidões pedidas? Se o sabia porque despachou:
Requeira pelos tramites legaes?

«Se não podiam dar as certidões de maneira alguma para que foram dizer
ao homem, que se queria as certidões escrevesse por baixo do nome a
palavra--soldado?

«Não posso ser mais extenso; este é pago a tanto por linha; meu dinheiro
é pouco, e temo que haja muitos outros infelizes nacionaes e
estrangeiros, que precisem de meu auxilio.

«As pessoas de qualquer parte do mundo que quizerem ler um impresso a
respeito d'esta desgraçada questão podem mandar pedir, que lhe será
fornecido gratuitamente pelo correio, dirigindo-se para esse fim a
_Manuel Alves Ferreira_, 65, Grades de Ferro--Bahia.»

Isto é nobillissimo. Regista-se e pede-se aos poderes do estado não
premiem estes serviços, para que se não confundam com _outros_ que para
ahi vemos galardear.


XVIII

É esta a carta que elle dirige á directoria da caixa de Soccorros de D.
Pedro V:

«_Ill.mos srs. directores_--A esta hora devem estar vossas senhorias e
todas as mais sociedades portuguezas d'essa cidade da posse de um
escripto que dirigi ás nações civilisadas do universo, no qual exponho o
que _posso dizer_ ácerca da condemnação á pena de morte do infeliz
negociante portuguez Manuel Soares Pereira.

«Por elle terão julgado do procedimento do homem que o governo portuguez
tem n'esta terra para velar pelos subditos de S. M. Fidelissima, das
obras de muita gente fina e dos trabalhos que tem passado um desgraçado
portuguez.

«Tenho acompanhado a questão, diversos outros casos se tem dado, os
quaes vv. ss. podem vêr relatados no _Diario da Bahia_ e _Diario de
Noticias_ de hoje.

«Peço a vv. ss. e a todos os amigos da humanidade para lerem e meditarem
sobre todos estes escriptos. Além do que n'aquelles jornaes e avulsos
escrevi, ha o seguinte:

«Soube ás 5 e meia horas da tarde de hoje, que tinham retirado o
condemnado da prisão do quartel do Forte de S. Pedro: não sei para onde
o levaram, nem que fim lhe deram.

«Como tenha saido hoje d'este porto para essa cidade um vapor nacional,
é possivel que tenham embarcado o homem para o affastar d'aquelle que
pelo infeliz se interessa.

«Seja qual fôr a razão pela qual o tiraram da prisão, _seja para que
fim_; o que eu peço a vv. ss. é que velem pela sorte do desgraçado, se
para ahi o levarem, já que eu não posso mais velar.

«Se eu verificar que embarcaram o pobre negociante, avisarei
immediatamente pelo telegrapho, para que vv. ss. tenham dado as
providencias, quando esta ahi possa chegar.

«Animo-me a fazer este pedido confiado no titulo da vossa sociedade:
pois se é dedicada a soccorrer os infelizes portuguezes não poderão em
tempo algum achar uma melhor occasião de o fazer.

«Não deixem que prevaleça o mal se mal ha: para que não venha a soffrer
mais aquelle que tanto tem soffrido e que muita gente o julga digno de
recompensa e não de castigo.

«Os accusadores d'este infeliz hão de dizer a vv. ss. que elle é
desertor do exercito brazileiro.

«Se vv. ss. quizerem verificar o valor d'essa accusação, peçam ao
governo imperial o contracto de engajamento feito entre este estrangeiro
e o mesmo governo, e verão se apresentam algum contracto.

«Peçam mais o termo do juramento de bandeira e verão se lhes mostram
esse termo.

«Não o mostrarão por certo, pois não ha contracto lavrado nem termo de
juramento de bandeira.

«Dirão vv. ss. e dirá todo o homem sensato: «Como condemnaram á morte um
estrangeiro por falta de cumprimento de contracto feito com o governo
quando não apresentam o mesmo contracto?»

«Eu, meus senhores, não posso responder; vv. ss. sabem que nem tudo se
póde fallar na terra alheia...

«Agora, que o infeliz se acha longe de mim e dos pequenos soccorros que
lhe poderia prestar, preciso de uma mão poderosa que lhe assista, e essa
será a mão da caritativa e patriotica sociedade Caixa de Soccorros D.
Pedro V.

«Se não tiverem embarcado o infeliz, continuarei a protegel-o.

«Vou pois ver se _descubro_ o logar em que o metteram.

«Peço a vv. ss. licença para publicar esta carta e desculpa da pobreza
da linguagem.

«No mais sou de vv. ss. amigo e obrigado.

                                             «_Manuel Alves Ferreira._»

Omittamos os nossos elogios a estes actos de verdadeira philantropia,
porque o melhor elogio está traçado pelo proprio nas linhas que ahi
deixamos.


XIX

Vejamos o que Alves Ferreira informa sobre o paradeiro da desgraçada
victima do insano odio de raça das auctoridades da Bahia.

São estas as palavras do seu nobilissimo defensor:

«Foi retirado da prisão do forte de S. Pedro e levado para as horriveis
masmorras da fortaleza do Barbalho o desgraçado portuguez Manuel Soares
Pereira. Quereis vel-o, tendes animo?

«Entrae, mas devagar; cuidado com os precipicios abertos na ponte, que
vos pódem devorar...

«Que vêdes? Uma horrivel masmorra, suja, fria e humida, e lá no fundo um
desgraçado que largou patria e familia em busca da felicidade!... da
felicidade!...

«Olhae para o infeliz; que vêdes? A figura do desespero, o homem
angustiado!

«Vêde o fato que o cobre:--farrapos immundos!

«Escutae-o: parece delirar...

«O que diz?--Meus filhos... meus filhos... quem velará por vós?

«Vou morrer, vou já, já... agora, elles ahi vem; é aqui no Barbalho que
se executam os sentenciados...

«Meus filhos, meus filhos, quem velará por vós?

«Eu morro: mas qual é o meu crime, qual o meu peccado?»

«Socega irmão; teus olhos são duas postas de sangue, teus soffrimentos
horriveis; mas não ha remedio; tem paciencia, soffre!

«Socega irmão, socega infeliz, Deus vela por ti; não morrerás de bala,
nem de corda: para te matar basta o ar que respiras n'essa immunda
masmorra.

«Socega irmão, não morrerás de bala; homens como tu que se sacrificam
para salvar a vida aos desgraçados que se expõem, como tu, entre
centenares de pestiados, não terão uma morte infamante...

«Não morrerás de bala; teus filhos são brazileiros, filho de um honrado
portuguez, de um homem da caridade, que expôz a vida para salvar seus
irmãos, os brazileiros, no leito da dôr...

«Descança, irmão, Deus vela por ti.

«Dá-me esse livro que te emprestei; toma esta obra, se podéres lê; has
de alliviar teus soffrimentos, é esta que devem lêr os desgraçados como
tu.

«Lê; vês o titulo? é o martyr do Golgotha.

«Se morreres vae em paz para a patria onde todas as obras tem o seu
premio.

«Morre, amigo, pois morres para viveres; homens como tu não morrem, tuas
virtudes são conhecidas, a posteridade te louvará.

«Vae em paz, recebe o premio de teus sacrificios das proprias mãos de
Deus.»

Vacilla a penna que empunhamos, ao transcrever o que ahi fica. Dá de mão
a este livro, optimista systematico; não leias isto que entristece:
procura as leituras que deleitam, que nós não procuramos seduzir-te. Nós
queremos o teu despreso que é a nossa gloria. Nós queremos que tu rias e
saltes o _cancan_ desenfreado, que a devassidão te aconselha, como o
unico remedio contra a anemia que te definha o corpo e a alma. Salta que
a corrupção te dará em premio os meios de que precisas para a boa
execução das pantomimas na praça publica. Sustentai bem o vosso papel,
que lucrareis melhor recompensa. Nós cá, sentimos, soffremos com os
vossos risos; e por que nos convencemos da quasi inutilidade dos nossos
exforços, escrevemos mais para a historia os factos dignos d'ella do que
para vóz, ó _grandes_ pygmeus!


XX

Continua Alves Ferreira a dar conta dos pormenores a respeito do seu
protegido, no terceiro avulso _Ás nações civilisadas do universo_,
datado de 10 de maio de 1876:

«Foi tirado em uma padiola das horriveis masmôrras da fortaleza do
Barbalho, em estado grave de saude, e conduzido para o hospital militar,
o honrado negociante portuguez Manuel Soares Pereira.

«Hoje em companhia do sr. dr. José Barbosa Nunes Pereira, redactor do
_Jornal do Commercio_ que se publica n'esta cidade, visitamos,
escoltados por um alferes e varias praças, este infeliz estrangeiro,
havendo bastante difficuldade para conseguirmos este fim.

«Qual será o motivo da molestia?...

«Será o pessimo _ar_ que tem respirado nas horriveis masmorras que lhe
tem feito correr!...

«Serão _pezados serviços_ a que tenham obrigado o desgraçado?...

«Serão os tratos que lhe possam ter dado?...

«Será dos _alimentos_?

«Será _tambem_ de alguma _bebida alcoolica_, que lhe dessem em
_demasiada quantidade_?...

«Ah! posteridade... posteridade, como julgarás esta questão?...

«Perante a fria historia, quem será réu n'este malfadado proccesso?...»

O Brazil: é preciso repetir o anathema em quanto houver folego de vida.

Não ha conveniencias que possam obscurecer a verdade terrivel.

Continua Alves Ferreira:

«Hoje vesitei o infeliz negociante estrangeiro Manuel Soares Pereira
n'uma das horriveis masmorras da fortaleza do Barbalho. Perguntei o que
se havia passado ultimamente com o desgraçado, e este respondeu-me o
seguinte:

«Tendo-me conduzido d'aqui em uma padiola para o hospital militar,
estive ali sempre, de sentinella ao lado! não me mexia que não fosse
presentido por ella.

«Um dia, na occasião em que mudavam a sentinella, disse um cabo a nova
sentinella: «Vê lá; este homem vai morrer no sabbado de alleluia, se
elle fugir vaes tu em seu lugar.

«No hospital não me quiseram dar medicamentos, e, como o mal não
cessasse, pedi ao sr. doutor que me mandasse dar um purgante, o qual me
foi dado no outro dia, e no mesmo dia em que o tomei, quando estava
produzindo os seus effeitos, fui expellido do mesmo hospital e devolvido
para esta prisão....

«Aqui, n'esta prizão, não me dão alimento de qualidade alguma, nem eu
tenho dinheiro para o comprar; se não tenho morrido á fome, devo-o á
verdadeira caridade, que me tem valido n'esta desgraça.

«Meu negocio evaporou-se, não possuo um real: n'estes dezoito mezes de
prizão tudo se perdeu; não só o que era meu, como o de meus credores,
que de tão boa bontade de mim se confiaram: elles sabem porém, que eu
não sou velhaco, que se lhes não paguei a culpa não foi minha, foi da
desgraça que tanto me tem perseguido.»

«Será verdade, meu Deus, que queiram matar o homem desgraçado á
fome?....

«Será esta a sentença imposta pelo conselho de guerra?....

«No caso affirmativo, poderiam pol-a em execução antes que subisse ao
tribunal superior!...

«Haverá tal pena no codigo ou lei militar do Brazil?...

«E vós nações civilisadas, tereis esta penna em vossos codigos?....

«Dever-se-ha esperar que a caridade publica sustente aquelle a quem as
auctoridades do paiz chamam soldado e como tal o tem preso?....

«Será soldado aquelle que nunca jurou bandeira?....

«Poderá o governo brazileiro engajar subditos de outra nação para fazer
a guerra a uma terceira, sem licença previa do governo do paiz do qual
queira engajar tropa?....

«Será cidadão brazileiro, o estrangeiro que nunca se naturalizou no
paiz?....

«Se o homem não podesse perante a lei soffrer as penas que lhe tem sido
impostas, quem serão os responsaveis pelos horriveis trabalhos por que
tem passado este desgraçado estrangeiro e pelos perjuizos que na saude e
propriedade tem soffrido?....

«Infeliz estrangeiro!... que sorte desgraçada te esperava na terra da
Santa Cruz?!....

«A vós, almas caridosas de qualquer parte do mundo, pede um boccadinho
de pão, para não morrer de fome, o desgraçado portuguez preso nas
masmorras da fortaleza do Barbalho!»

As esmolas vieram minorar um pouco os soffrimentos do desgraçado; mas
este apello á caridade publica não soára bem aos ouvidos da
officialidade que condemnára o desgraçado á morte!


XXI

Vão terminar os soffrimentos de Soares Pereira, e com a noticia
circumstanciada d'elles, por mercê dos esclarecimentos prestados pelo
seu benemerito protector, o livro que contra a emigração de portuguezes
para o Brazil nos propozemos escrever.

Como já dissemos, a pena de morte fora-lhe modificada em cinco annos de
prisão com trabalhos. Deu-se isto em 31 de maio de 1876.

Depois de dez mezes de galés; isto é, em 28 de março de 1877, foi
perdoada a Manuel Soares Pereira esta pena, sendo ao mesmo tempo
_dispensado_ do serviço do exercito!

Vamos transcrever a ultima peça desse processo escandaloso--o protesto
do supposto desertor; e terminaremos esta questão que nos fastidia.

Eis o documento, publicado no setimo avulso de Alves Ferreira--_Ás
nações civilisadas do universo_:

«Diz Manuel Soares Pereira, que tendo sido preso como desertor do 16.º
batalhão de infanteria, em outubro de 1874, condemnado á morte em 26 de
março de 1876, e a cinco annos de galés em 31 de maio do mesmo anno de
1876, sendo perdoada esta pena em 28 de março do corrente anno, fôra
afinal em 31 do mesmo mez dispensado do serviço do exercito;

«Que estando preso e sem meios de se defender, recebera todo o castigo
que lhe quizeram impor, e o fardamento e etapa que lhe quizeram dar;

«Que achando-se actualmente em liberdade, sabia que pelos livros do
mesmo batalhão é credor de certa quantia de fardamento e soldo, e que
não se julgando nunca soldado no Brazil, não pode, em consciencia
receber hoje essa quantia.

«E portanto, se continuarem a julgal-o credor d'ella offerece-a para uma
obra pia, isto é, para o hospicio Pedro II, o qual é no Brazil um asylo
de alienados.

«Reserva, porem, para si o direito, se o tiver, de haver do governo
brazileiro os seus ordenados como enfermeiro, os quaes nunca lhe foram
pagos, pelo que lhe prometeu de bocca o sr. commandante do 14.º batalhão
de voluntarios cachoeiranos.

«Reserva mais o direito que possa ter pela sua dedicação, provada por
irrefutaveis documentos de dedicação, que mostrou nos hospitaes da
Cachoeira, Rio de Janeiro e na esquadra, no dia da batalha naval, e nos
hospitaes e campos de batalha no Paraguay, como enfermeiro voluntario, e
sem contracto.

«Reserva ainda, para si, o direito d'uma indemnisação pelos perjuizos
causados ao seu commercio, pois sendo na occasião em que fora preso,
estabelecido na Baixa Grande, povoação d'esta provincia, perdera todos
os generos do seu commercio, parte do que lhe deviam do mesmo negocio,
tudo causado pela longa prisão que soffrera, e pela noticia que no logar
correra, de ter sido executado n'esta cidade.

«Guarda mais, para si, o direito a uma indemnisação pelos prejuisos
causados na sua saude, em consequencia da fome, maus tratos e pesados
serviços a que o obrigaram.

«Guarda tambem para si o direito a uma indemnisação pela injuria de lhe
botarem o ferrete dos galés, fazel-o n'este estado correr toda a cidade
e parte da provincia, dando-lhe por companheiros assassinos
sentenciados.

«Reserva mais o direito a uma indemnisação pelo que n'esta occasião não
lembra, mas que de direito seja.

«Appella, pois, para os altos poderes do estado, aos quaes apresentará a
sua petição em fórma, logo que suas circumstancias o permittam.»

Hade ter igual resultado ao obtido pela familia dos desgraçados
negociantes portuguezes, assassinados na noite de 6 para 7 de setembro
de 1874, na ilha de Jurupary.

É assim que o governo brazileiro mostra empenho em reunir debaixo do
explendido céu do Cruzeiro, os individuos de todas as nacionalidades,
que queiram alli encontrar patria commum!

      *      *      *      *      *

Ponhamos ponto final aqui; mas antes d'isto permitta-nos o leitor que
façamos a seguinte declaração, que é ao mesmo tempo um protesto contra a
propaganda dos optimistas--de que somos inimigo figadal do imperio
brazileiro:

Não somos inimigo do Brazil. Nós somos tão amigos d'esta nação, como o
pode ser o medico consciencioso, junto do amigo, gravemente enfermo, a
quem tenta salvar, applicando ao mal os meios que a sciencia
aconselha... não excluindo o energico visicatorio.


FIM



NOTAS



N.º 1 MAPPA DO MOVIMENTO DA POPULAÇÃO NO REINO E ILHAS


Mappa da população e seu movimento no continente do reino e ilhas
adjacentes no anno de 1870

Districtos              Concelhos       Freguezias      Fogos
Angra                    5               38             18:008
Aveiro                  16              180             69:411
Beja                    14              102             35:721
Braga                   12              519             81:691
Bragança                12              313             39:894
Castello Branco         12              147             41:513
Coimbra                 17              186             74:144
Evora                   13              109             25:622
Faro                    15               66             46:975
Funchal                 10               52             28:482
Guarda                  14              337             55:685
Horta                    7               39             16:436
Leiria                  12              116             43:748
Lisboa                  25              207            111:151[84]
Ponta Delgada            7               44             28:805
Portalegre              15               95             26:600
Porto                   17              361            113:060
Santarem                18              141             51:706
Vianna do Castello      10              288             55:773
Villa Real              14              256             55:350
Vizeu                   26              365             92:721
                       ---            -----           --------
                       292            3:961          1.111:496


                        População
Districtos              Sexo Masculino  Sexo Feminino   Total
Angra                    31:541          40:325          71:866
Aveiro                  119:945         137:499         257:444
Beja                     69:692          68:376         138:068
Braga                   145:259         178:051         323:310
Bragança                 76:467          77:093         153:560
Castello Branco          80:368          85:047         165:415
Coimbra                 135:268         151:257         286:525
Evora                    50:105          48:354          98:459
Faro                     93:827          91:485         185:312
Funchal                  55:186          61:277         116:463
Guarda                     --              --           216:735
Horta                    26:802          36:295          63:097
Leiria                   89:675          91:436         181:111
Lisboa                  236:957[84]     217:734[84]     454:691[84]
Ponta Delgada            57:062          65:336         122:398
Portalegre               47:758          48:049          95:807
Porto                   199:747         237:903         437:650
Santarem                 99:514         103:647         203:161
Vianna do Castello       96:353         113:143         209:496
Villa Real              101:915         109:650         211:565
Vizeu                   176:285         193:593         239:878
                      ---------       ---------       ---------
                      1.989:726       2.155:550       4.362:011

    [84] Estes algarismos foram tirados do censo de 1 de janeiro de
    1864, por isso que o mappa do respectivo governo civil sómente
    trazia o movimento da população.


Movimento da população

                        Nascimentos  Sexo Masculino
Districtos              Legitimos       Illegitimos     Total
Angra                   878             245             1:123
Aveiro                  --              --              4:029
Beja                    --              --              2:514
Braga                   --              --              4:650
Bragança                --              --              2:846
Castello Branco         --              --              2:754
Coimbra                 --              --              4:199
Evora                   --              --              1:771
Faro                    --              --              3:592
Funchal                 --              --              2:392
Guarda                  --              --              --
Horta                   --              --                860
Leiria                  --              --              2:650
Lisboa                  5:484           2:227           7:771
Ponta Delgada           --              --              2:422
Portalegre              --              --              1:806
Porto                   --              --              7:102
Santarem                --              --              2:936
Vianna do Castello      --              --              2:601
Villa Real              --              --              3:684
Vizeu                   --              --              5:960
                        -----           -----          ------
                        6:362           2:472          67:602


Movimento da população

                        Nascimentos  Sexo Feminino
Districtos              Legitimos       Illegitimos     Total
Angra                   815             215             1:030
Aveiro                  --              --              3:825
Beja                    --              --              2:412
Braga                   --              --              4:436
Bragança                --              --              2:685
Castello Branco         --              --              2:716
Coimbra                 --              --              3:893
Evora                   --              --              1:693
Faro                    --              --              3:275
Funchal                 --              --              2:281
Guarda                  --              --              --
Horta                   --              --                867
Leiria                  --              --              2:460
Lisboa                  5:290           2:087           7:377
Ponta Delgada           --              --              2:170
Portalegre              --              --              1:689
Porto                   --              --              6:840
Santarem                --              --              2:850
Vianna do Castello      --              --              2:592
Villa Real              --              --              3:671
Vizeu                   --              --              5:858
                        -----           -----          ------
                        6:105           2:302          64:620


Movimento da população

                        Nascimentos
Districtos              Total           Casamentos
Angra                   2:153             451
Aveiro                  7:854           1:617
Beja                    4:926           1:122
Braga                   9:086           1:822
Bragança                5:531           1:042
Castello Branco         5:470           1:209
Coimbra                 8:092           1:675
Evora                   3:464             662
Faro                    6:867           1:385
Funchal                 4:673             952
Guarda                  7:568           1:509
Horta                   1:727             318
Leiria                  5:110           1:028
Lisboa                 15:088           2:837
Ponta Delgada           4:592             817
Portalegre              3:495             635
Porto                  13:942           2:923
Santarem                5:786           1:087
Vianna do Castello      5:193           1:243
Villa Real              7:355           1:366
Vizeu                  11:818           2:105
                      -------          ------
                      139:790          27:805


Movimento da população

                        Obitos
Districtos              Sexo Masculino  Sexo Feminino   Total
Angra                     835             886           1:721
Aveiro                  2:453           2:563           5:016
Beja                    2:828           2:755           5:583
Braga                   3:490           3:791           7:281
Bragança                2:822           2:684           5:506
Castello Branco         2:472           2:519           4:991
Coimbra                 2:988           3:143           6:131
Evora                   1:755           1:615           3:370
Faro                    2:605           2:624           5:229
Funchal                 1:478           1:455           2:933
Guarda                    --               --           5:983
Horta                     520             658           1:178
Leiria                  2:289           2:327           4:616
Lisboa                  7:026           6:815          13:841
Ponta Delgada           1:413           1:385           2:798
Portalegre              1:723           1:614           3:337
Porto                   4:701           5:095           9:796
Santarem                3:032           2:677           5:709
Vianna do Castello      1:945           2:114           4:059
Villa Real              2:547           2:444           4:991
Vizeu                   3:911           4:181           8:092
                       ------          ------         -------
                       52:833          53:345         112:161



Movimento da população

                        Nascimentos    Obitos       Por cada 100
                        excedentes     excedentes   habitantes
                        aos obitos     aos          Nascimentos     Obitos
Districtos                             nascimentos
Angra                     432             --        2,99            2,39
Aveiro                  2:838             --        3,05            1,95
Beja                       --            657        3,57            4,04
Braga                   1:805             --        2,81            2,25
Bragança                   25             --        3,60            3,59
Castello Branco           479             --        3,31            3,02
Coimbra                 1:961             --        2,82            2,14
Evora                      94             --        3,50            3,42
Faro                    1:638             --        3,71            2,82
Funchal                 1:740             --        4,01            2,52
Guarda                  1:585             --        3,49            2,76
Horta                     549             --        2,74            1,87
Leiria                    494             --        2,82            2,55
Lisboa                  1:247             --        3,32            3,04
Ponta Delgada           1:794             --        3,75            2,20
Portalegre                158             --        3,65            3,48
Porto                   4:146             --        3,19            2,24
Santarem                   77             --        2,85            2,81
Vianna do Castello      1:134             --        2,48            1,94
Villa Real              2:364             --        3,48            2,36
Vizeu                   3:726             --        3,20            2,19
                       ------            ---        ----            ----
                       27:629            657        3,20            2,59

Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 29 de novembro de
1872.==_Luiz Antonio Nogueira_.



N.º 2


Diario das Camaras dos senhores deputados

O sr. PIRES DE LIMA:--Desejava conversar em boa paz com alguns dos srs.
ministros, que infelizmente não estão presentes, mas como o governo está
representado por dois membros do gabinete, isso me basta. S. ex.as não
deixarão, por certo, de informar os seus collegas do que eu vou dizer.

São assumptos importantes aquelles sobre que tenho o proposito de
discorrer, e parecem-me dignos da attenção da camara.

A emigração dos portuguezes para o Brazil tem nos ultimos tempos
attingido proporções verdadeiramente collossaes e gigantescas, o que é
uma grande calamidade, calamidade assustadora especialmente para a
industria agricola, que é a principal fonte da nossa riqueza.
(_Apoiados._)

No districto administrativo de Aveiro, que eu conheço um pouco, ha
freguezias onde os trabalhos dos campos estão exclusivamente entregues
ás mulheres, porque os homens todos, com excepção das creanças e dos
velhos, têem saido para a America.

Ainda não ha muitos dias que um collega nosso me disse haver recebido do
seu circulo uma carta, na qual se lhe pedia instantemente, que
interpozesse a sua influencia junto do governo, para se suspenderem
todas as obras publicas! O signatario da carta, agricultor importante,
queria que por algum tempo se interrompessem os trabalhos das estradas
reaes, districtaes e municipaes, e julgava que só d'este modo poderiam
os proprietarios ter braços para cultivar as terras.

Este facto é significativo. Quando os lavradores chegam a esquecer o
grande amor que têem ao desenvolvimento de viação publica, póde-se
conjecturar que taes são as difficuldades que os assoberbam, quão grande
é a falta de trabalhadores, e excessivamente elevado o preço dos
salarios.

Eu desejando muito que antes fossem para o Alemtejo e para as nossas
possessões ultramarinas os homens validos que vão tentar fortuna no
Brazil...

É grande a corrente da emigração, e para a engrossar não concorrem pouco
algumas das nossas leis, _e mais ainda o modo por que se lhes dá
cumprimento_.

E estas causas podem ser combatidas facil e vantajosamente pelos poderes
publicos.

É necessario que fallemos com franqueza.

A lei do recrutamento é pessima, _a sua execução é detestavel_.

Ha muita gente que foge para o Brazil para não ser soldado.
(_Apoiados._)

O governo póde e deve propor a emenda das disposições absurdissimas da
lei do recrutamento, e o governo póde _e deve corregir os abusos e
demazias escandalosissimas que os empregados publicos commettem todos os
dias na execução d'esta lei_. (_Apoiados._)

Enxameam as provincias engajadores convidando colonos a ir para o
Brazil, e a troco de dez ou quatorze libras facilitam-lhes passagem para
os portos d'aquelle imperio, arranjando-lhes todos os papeis necessarios
para a viagem e inclusivamente _passaportes falsos_.

Isto sei-o eu e sabemol-o nós todos. (_Apoiados._)

É grande este mal, mas para o combater não é necessario addicionar
nenhum artigo ao codigo penal, basta que o governo faça aos empregados
admoestações, e aos agentes do ministerio publico recommendações
severas, e obrigue uns e outros a cumprir os seus deveres.

Acabou com a nossa diligencia a escravatura dos pretos na Africa, não
cresça com a nossa preguiça a escravatura dos brancos na Europa.

Extinguiu-se a industria da moeda falsa, extinga-se tambem a industria
dos passaportes falsos, tão deshonrosa como aquella, e incomparavelmente
mais damninha e prejudicial do que ella.

Lembre-se o governo de que os passaportes falsos não só facilitam a
passagem para o Brazil aos mancebos sujeitos á lei do recrutamento, mas
auxiliam a evasão de criminosos, cuja impunidade é quasi certa nos
vastos sertões do novo mundo, etc., etc.

                                      (_Sessão de 26 de março de 1877._)



N.º 3


O DRAMA «OS AVENTUREIROS» E A CRITICA

Tivemos a satisfação de ouvir lêr ao sr. Gomes Pércheiro algumas scenas
do seu drama os _Aventureiros_, que nos revelariam um esplendido
engenho, se nós não soubessemos de ha muito quanto elle é vantajosamente
conhecido.

O drama do sr. Gomes Pércheiro é o fructo das suas mais aturadas
lucubrações, um trabalho consciencioso, uma these philosophico-social,
que combate habilmente a emigração que está roubando ao nosso
fertilissimo solo braços robustos.

Os _Aventureiros_ estão escriptos por mão de mestre, n'um estylo fluente
e brilhante, e n'uma dicção pura e vernacula. Este drama terá um notavel
exito pelos episodios que constituem o seu enredo, e porque é portuguez
de lei.

Não é nosso mister sermos louva-minheiros; nem jámais o seriamos do sr.
Gomes Pércheiro, moço illustrado, e cuja reputação não carece de elogios
banaes para a nobilitarem.

                         (_Diario do Commercio_, de 5 de dezembro 1877.)

      *      *      *      *      *

Hoje pela 1 hora da tarde, na presença de numeroso e selecto auditorio,
o escriptor que se tem assignalado na imprensa pela sua propaganda
constante e por vezes energica contra a emigração, leu um drama seu,
original em 5 actos, intitulado _Os Aventureiros_, e cuja idéa
fundamental é ainda a activa propaganda contra as illusões que arrastam
tantos portuguezes a abandonar a patria, em procura de fementidas
miragens de riqueza, que tão frequentes vezes se convertem nas tristes
realidades da miseria, da doença, da saudade, do abandono, do desespero
e da morte.

Não é n'uma simples audição que se póde julgar d'um trabalho d'aquelles,
que comtudo se nos afigurou de notavel merecimento, indo direito e
seguro ao seu fim, atravez da ficção da acção dramatica, a qual tem
scenas e lances de muito interesse e de muita verdade, comquanto no
ultimo acto, escolho de todos os dramaturgos, que se estreiam,
enfraqueçam um pouco os dotes scenicos da peça, e no conduzir do enredo
e no desenho dos diversos typos haja hesitações, que muito
insignificantes são para uma primeira tentativa em genero litterario tão
difficil. Seguramente Gomes Pércheiro corrigirá alguns dos pequenos
senões da sua obra, que o publico admirará e applaudirá então, colhendo
d'ella muito proveitoso ensinamento, n'uma questão que preoccupa hoje
tanto as attenções dos que pensam e dos que sentem um dos grandes males
do nosso paiz.

                   (_Revolução de Setembro_, de 21 de dezembro de 1877).

      *      *      *      *      *


D. MARIA II.--Lêu-se hontem no salão d'este theatro, como tinhamos
annunciado, o drama do sr. Gomes Pércheiro, _Os Aventureiros_. Encargos
do serviço publico obstaram a que o director d'esta folha assistisse; os
trabalhos do jornal que são todos durante o dia, impediram tambem outro
dos nossos redactores.

DO DIARIO DE PORTUGAL que mais extensamente dá conta do caso, extrahimos
com a devida venia o seguinte:


«O assumpto do drama é a emigração.

Não é possivel com uma só audição fazer completa idéa das qualidades
scenicas do drama, o que porém se nos affigura como certo, é que abunda
em todo elle a verdade, e que é escripto com profundo conhecimento do
assumpto.

A emigração figura-se para o sr. Pércheiro um vicio social, que elle
combate do modo mais energico.

O assumpto é difficilimo de tratar, não obstante parece-nos que o auctor
esteve á altura d'elle.

Feita a leitura, alguns dos cavalheiros presentes exposeram com a mais
notavel franqueza, a sua opinião extremamente lisongeira para o sr.
Pércheiro.

Pela nossa parte felicitamol-o pelo seu trabalho.

Assistiram á leitura os srs: E. Biester, dr. Cunha Belem, Rodrigues da
Costa, Luciano Cordeiro, Hermenegildo d'Alcantara, padre Seabra, Cró
Ferreri, dr. Loureiro, Salvador Marques e Thomaz Sequeira.»


Folgamos de que tanto agradasse a obra do sr. Pércheiro, e damos-lhe os
nossos parabens.

                   (_Revolução de Setembro_, de 21 de dezembro de 1877).

      *      *      *      *      *

A transcendencia do assumpto e a extremada delicadeza do convite do sr.
Gomes Pércheiro levaram-nos ao salão do theatro normal para assistirmos
á leitura do drama--_Os Aventureiros_...

O illustre dramaturgo, lidador incansavel nos grandes torneios da
civilisação, homem d'um só rosto e d'uma só vontade, tem em vista
combater no palco, como já tem combatido no livro e no jornal, a funesta
tendencia da emigração para o Brazil e a especulação torpe dos
_engajadores_, que, fazendo mentidas promessas, mostram aos
incautos--atravez d'um prisma côr de rosa--um futuro mais ou menos
longinquo em que a blusa do operario se ha de trocar pela casaca do
commendador.

E, forçoso será dizel-o, o sr. Gomes Pércheiro tracta gentilmente o
assumpto: o novo drama, primicias scenicas do auctor, divide-se em cinco
actos.

Os dois primeiros passam-se n'uma aldeia do Minho, o terceiro a bordo
d'um paquete inglez e os restantes na terra de Santa Cruz.

Os vultos mais salientes do drama são--um abbade, typo paternal que,
comprehendendo a sua missão sublime, sem esquecer o cuidado que lhe
merece a vida espiritual das suas ovelhas, envida todos os esforços para
curar o cancro da emigração, que rouba tantos cidadãos á patria, tantos
braços á agricultura e tantos homens á vida. A figura está desenhada
magistralmente. Após este vulto sympathico surge um outro egualmente
gracioso: uma menina da alta sociedade, educada com todo o esmero
christão, escondendo a esmola no seio do pobre, sem que a esquerda tome
conhecimento do que a direita deu, tendo em menos conta as honrarias da
terra e sacrificando as suas joias para salvar o pae de difficuldades
financeiras. Os traços são vigorosos e correctos.

Em meio d'este Eden apparece a antiga serpe encadernada no commendador
_Manquitó_, typo repugnante, fugido d'um presidio do Brasil,
_engajador_, ou o que vale o mesmo, negociante de carne humana.--A scena
entre o abbade e este vampiro, que esconde a sua preversidade e o seu
punhal nas dobras da capa da hypocrisia, é muito para se ver.

A scena a bordo é copiada _aprés nature_. Os colonos vendo succumbir uma
companheira d'infortunio, não podendo supportar os incommodos da viagem
e o alimento grosseiro que lhes é ministrado, o capitão inglez
dizendo--_I speak portuguese very well_--e continuando a dar o mesmo
bacalhau com batatas, é um quadro deslumbrante de verdade.

Se nos perguntarem pelo _ensemble_ do drama, emittiremos a nossa humilde
opinião: é uma bella estatua que saiu da fundição com algumas pequeninas
arestas que devem ser cuidadosamente limadas. Os primeiros quatro actos
têem scenas de grande effeito: o quinto talvez tenha das taes arestas, o
que não admira, porque _aliquando bonus dormitat Homerus_. Além d'estes
insignificantes senões que desapparecem ao terceiro ensaio, tem a peça
os seguintes _defeitos_:

_Inspira-se n'um sentimento nobre, patriotico, humanitario e
economico;--fere os interesses de certos argentarios que adquiriram
fortuna, Deus sabe como; não blasphema de Christo, ou do seu Vigario,
nem, ao menos, dá dois piparotes n'um ABUTRE DE SOTAINA!_

Felicitamos o sr. Gomes Pércheiro, mas pedimos vénia para lhe dizermos:
o drama _Aventureiros_ não vae á scena, pelas circumstancias
apontadas,[85] e s. parece ignorar que vive no moderno Portugal, onde o
theatro tem enchentes com os _Lazaristas_ do sr. Ennes e está ás moscas
com a _Caridade_ do sr. Cascaes. É esta a nossa opinião, _salvo simper
meliori judicio_.

                                  (A _Nação_ de 22 de dezembro de 1877.)

    [85] Se, á similhança do que fizemos á policia, aqui ha mezes,
    fizermos o mesmo á empreza do theatro de D. Maria II, obrigando-a a
    cumprir á risca o contracto que manda fazer do nosso primeiro
    theatro normal um templo e não uma espelunca, onde, se assim
    continuarem as cousas, não tarda que a opera comica indecente
    substitua a comedia ou o drama que moralisa; se nós lhe desfiarmos
    um a um os artigos do contracto feito com o governo, é provavel que
    então nos venham pedir o drama para o representar, sem as condições
    vergonhosas que fazem d'aquelle estabelecimento uma casa de prego...
    já se sabe. Deixemos approximar a época de 1878-1879, e fallaremos a
    proposito em logar mais apropriado.

      *      *      *      *      *

Estamos em divida para com o estimavel escriptor, que teve a penhorante
amabilidade de convidar-nos para assistir á leitura da sua peça no
theatro de D. Maria.

Circumstancias estranhas á nossa vontade inhibiram-nos de agradecer no
numero anterior essa prova de deferencia e de dar conta das impressões
que nos produziu a leitura do drama do sr. Pércheiro.

Não é facil, n'uma rapida audição, apreciar devidamente um trabalho
d'aquella ordem, e analysal-o com minudencia, apontando todas as
bellezas, que n'elle sobresaem ou os senões que, n'um ponto ou outro,
lhe possam ensombrar o merecimento.

Serve de these ao drama a emigração, considerada sob o ponto de vista
social e economico, e o sr. Gomes Pércheiro, que já na imprensa tinha
larga e proficientemente tratado o assumpto,--levando-o para o theatro,
como meio efficassissimo de propaganda, dota a scena nacional com um
excellente drama e presta ao paiz um relevante serviço.

_Os Aventureiros_ são antes de tudo uma peça de propaganda, escripta com
profundo conhecimento do assumpto e aturadissima observação.

Os infames manejos que se empregam para o engajamento dos colonos, os
soffrimentos d'estes durante a viagem para a America, as tristes e
dolorosas realidades que substituem as miragens fascinadoras com que
lhes embalaram a phantasia e a cubiça, a vida do colono no sertão com
todos os seus traços dessoladores e crueis, são ali postos em relevo,
com as mais vivas côres, a maior verdade e desassombro. O 3.º e 4.º
actos, excellentes quadros de genero, copiados _d'aprés nature_, devem
produzir funda sensação, porque ao vigor das situações dramaticas,
alliam o interesse de scenas perfeitamente desconhecidas do nosso
publico, e accentuam com a maior naturalidade os horrores porque passam
os miseros expatriados.

Pelo lado litterario a peça do sr. Gomes Pércheiro parece-nos digna do
applauso de critica. A linguagem sempre correcta e facil, aquece-se de
enthusiasmo nos lances que assim o pedem e obedece em geral ás condições
de naturalidade e observação que predominam no drama. Os dialogos estão
bem travados, os caracteres bem sustentados e descriptos com traços
frisantes.

O drama do sr. Gomes Pércheiro deverá ser representado n'algum dos
nossos primeiros theatros, porque a isso tem incontestavel direito e
para então rezervamos mais demorada apreciação d'esse excellente
trabalho, pelo qual desde já enviamos ao auctor as nossas sinceras
felicitações.

                                             (_O Contemporaneo_ n.º 45.)

      *      *      *      *      *

.........................................................................

Tivemos ha dias a leitura d'um novo drama por um escriptor novo que se
propõe a trazer para o theatro a these da emigração para o Brazil, dos
seus estimulos, dos seus vicios e dos seus resultados, que tem tratado
na imprensa.

A these é delicada, perigosa, irritante. Levada até á condemnação geral
da emigração, é uma vasta, uma complexa, uma difficilima these.

A questão da emigração prende-se a uma infinidade dos mais elevados
problemas das sciencias economicas e da philosophia politica.

Em Portugal está por estudar inteiramente. Os estudos sociologicos tem
pouquissimos cultores sérios porque são pouquissimos os que por uma
larga disciplina scientifica, desafogada de paixões de escolla ou dos
banaes sentimentalismos do criterio romantico e revolucionario, podem
entrar com serena firmeza na revisão delicada das leis e dos phenomenos
do organismo social.

A economia politica não ganhou ainda aqui os direitos de cidade... e as
sympathias dos editores, apesar da graciosa concessão de duas ou tres
escolas onde se lê Baudrillat e Garnier.

Sem offensa para os respectivos professores, que não são os culpados dos
desdens d'uma administração superior perfeitamente alheia e hostil ao
progresso e ao espirito scientifico, e da indifferença d'um publico que
não percebeu ainda muito claramente as vantagens de saber lêr escrevêr e
contar, ser economista em Portugal é não querer ser cousa alguma.

Não é por esse caminho que a gente se faz nomear amanuense de secretaria
nem membro correspondente da Academia das Sciencias. Ora todos nós mais
ou menos precisamos ser amanuenses.

O sr. Pércheiro, porém tem-se contentado com o esforço de lançar alguma
luz ácerca do que é a emigração para o Brazil, nas cabeças rudes e
ingenuas do nosso povo e nas cabeças rudes mas não egualmente ingenuas,
dos nossos politicos e governantes.

Baldado, mas generoso empenho.

Elle viu as cousas de perto; teve occasião de as ver e não se tem
cançado de nos dizer o que viu.

É um horror.

Uma parte d'este horror podia contemplal-a e estudal-a toda a gente nos
relatorios officiaes dos nossos consules do Brazil, mas os relatorios
servem só para dar que fazer á imprensa nacional.

Não se fazem, evidentemente para serem lidos e estudados pelos nossos
homens publicos, pelos nossos politicos, pelos nossos deputados, pelos
nossos governos.

Lembra-me que ha tempos teve o meu amigo Eduardo Coelho a patriotica
ideia de os fazer ingerir suavemente, em pequenas doses, com toda a
prudencia, pelo publico.

Entregou este processo therapeutico a um seu intelligentissimo
collaborador o sr. Leite Bastos.

Durante muitos dias o _Diario de Noticias_ extractou brilhantemente
aquelles documentos. Liam-se cousas medonhas e absurdas alli: concussões
d'auctoridade, cruesas das leis, gritos d'infelizes, infamias de
contractadores de colonias, etc. etc.

Os emproados collegas da politica militante conservaram-se mudos e
indifferentes.

E toda a gente achou massador o _Diario de Noticias_!

_Ditosa condição, ditosa gente._

Como agora toda a gente acha impertinente o sr. Pércheiro.

Que, diga-se a verdade, o sr. Pércheiro tem umas certas culpas.

Se é impertinente ou não, importa-me pouco.

O que eu queria, era que sr. disciplinasse melhor pelo estudo detido,
pela serena observação da realidade contemporanea, pela modesta revisão
dos elementos de critica e de sciencia que o assumpto exige, as suas
aptidões e a sua propaganda.

O sr. Pércheiro é todo paixão. Não se domina; não tempera a tensão
violenta e absorvente a que os seus sentimentos certamente generosos, em
revolta contra as miserias e vergonhas do dia, lhe arrastam a
intelligencia e a palavra.

Esta invasão das faculdades reflexivas pelo tumulto das paixões, ou pela
excitação absorvente do sentimento da propria personalidade, perde
muitas intelligencias e muitas propagandas boas. Quem propaga, lucta, e
quem lucta precisa não dar aos adversarios o flanco do amor proprio para
que elles o irritem e desnorteem.

Para tudo é preciso n'esta vida uma pouca de diplomacia.

Não a diplomacia hypocrita, mas a diplomacia do senso real das cousas.

Vamos porem ao drama.

Intitula-se os _Aventureiros_, e, agrupando certos episodios--e certos
caracteres, que pódem dizer-se descolados da lenda sinistra do
recrutamento de colonos e da negociação e exploração d'elles, procura e
póde affoitamente dizer-se que consegue imprimir nos espiritos dos
ouvintes o quanto essa lenda tem de monstruosa e cruelissima realidade.

Dadas as premissas, e essas são attestadas pelos processos d'esse
recrutamento e pela mais rudimentar observação d'elles, as conclusões
saltam expontaneas e irrecusaveis.

Francamente, o drama lido pelo sr. Pércheiro no theatro de D. Maria
excedeu a espectativa mais exigente. Ha scenas vigorosamente traçadas;
formosos caracteres; insinuações dramaticas e scenicas muito habeis e
valentes que podia não se esperar d'um principiante. A peça tem um tom
geral de verdade sentida e de consciencia fartamente revolta, que se
impõe facil e despretenciosamente.

Tem varios defeitos: está claro. Precisa certas correcções,
indiscutivelmente.

Ha arestas sumidas que é necessario avivar; traços que convém acentuar
melhor; quadros que devem retocar-se severamente ou para apagar
asperesas ou para remodelar figuras importantes que se apagam e
escondem, no desenvolvimento da acção. Esta não está firme e segura.
Affrouxa aqui ou ali, denuncia-se prematuramente além; quebra-se n'um ou
n'outro ponto.

O sr. Pércheiro não é um escriptor feito e largamente educado pelo
estudo, pela leitura e pela experiencia nos segredos e exigencias da
arte.

Não é um litterato. A fórma resente-se, mas antes fique no que é do que
se lance em artificios triviaes. Em summa, o drama é viavel e a estreia
auspiciosa.

«Ha de dar dinheiro», que é o criterio supremo dos empresarios, e ha de
dal-o sem ser uma exploração de escandalos obscenos; sendo uma obra de
intenções discutiveis na doutrina, mas incontestavelmente honestas e
sympathicas na inspiração. Eu sou tanto mais insuspeito n'este juizo ao
correr da penna e ao impulso das impressões primeiras, que não gosto de
dramas de propaganda, porque a paixão da propaganda vicia e supplanta a
verdade do drama, isto é a verdade da arte.

A arte não é tribuna. É altar ou é throno. Não discute; cria.


(_Commercio Portuguez_, de 22 de dezembro.)

                                                           _Fernão Vaz._

Examinemos.


A respeito da emigração diz o critico, que «a these é delicada,
perigosa, irritante. Levada até á condemnação geral da emigração, é uma
vasta, uma complexa, uma difficilima these.»


E accrescenta:


«A questão da emigração prende-se a uma infinidade dos mais elevados
problemas das sciencias economicas e da philosophia politica.»


Agora vejamos o que elle diz a respeito do drama:


«Francamente, o drama lido pelo sr. Gomes Pércheiro excedeu a
espectativa mais exigente. Ha scenas vigorosamente traçadas; famosos
caracteres; insinuações dramaticas e scenas muito habeis e valentes que
podia não se esperar d'um principiante. A peça tem um tom geral de
verdade sentida e consciencia fartamente revolta, que se impõe facil e
despertenciosamente.»


Se se attender a laudatoria que ahi deixamos transcripta, vê-se que nós
comprehendemos o papel que o acaso nos distribuira para bem tratarmos _a
vasta, complexa e difficilima these que se prende a uma infinidade dos
mais elevados problemas das sciencias economicas e da philosophia
politica_. Pela logica racional do critico ninguem pode chegar a colher
estes resultados (do drama?) sem estudar muito e muito.

Nós sabemos isto melhor do que o sr. Fernão Vaz; permitta-nos a
franqueza... e se quizer, a jactancia.

Mas se é claro que para produzir um trabalho que _excedeu a expectativa
mais exigente_, foi preciso empregar o estudo, para que é dizer, «que
era preciso que nós disciplinassemos melhor pelo estudo detido, pela
serena observação da realidade contemporanea, pela modesta revisão dos
elementos da critica e da sciencia que o assumpto exige» as nossas
aptidões e a nossa propaganda?!

Se o drama _Os Aventureiros_ é tudo quanto o sr. Fernão Vaz diz--uma
cousa por ahi alem--um conjuncto de tanta cousa boa, _que só se obtem_
pelo largo estudo; para que vem dizer-nos:--o sr. Pércheiro não é um
escriptor feito e largamente educado pelo estudo?

O que faz o homem largamente educado pelo estudo?

Faz pilulas e... critica como a costuma fazer o sr. Fernão Vaz.

Vamos dar logar á critica de um moderno Juvenal, e reservar-nos-hemos
para dizermos alguma cousa a respeito do Altar-throno, da arte e da
tribuna.

Falla o critico ao sr. Vaz:

      *      *      *      *      *


Fernão Vaz e o drama de Gomes Pércheiro

Hoje, quinta feira, dia do _high-life_, abro a minha sala humilde,
ignorada--sala _au rez-de-la-chaussée_, está dito tudo,--para cavaquear
com os meus amigos.

--Já leste um folhetim de Fernão Vaz? perguntou-me um amigo velho.

--Ainda não.

--Pois lê; e deu-me uma folha portuense.

--Isto é _porto_, disse eu.

--Pois enganas-te de meio a meio.

Torno a ler o nome do jornal, soletro-o ao meu amigo, e insisto--é
_porto_,--já te disse.

--Já vejo que tens o paladar estragado, retorquiu-me,--isso não é
_porto_ é _mata ratos_ d'esse que se vende, a toda a hora, na cidade do
burrié e da fava torrada.

Como o tal meu amigo tem uma linguinha de prata, calei-me e li o
folhetim de cabo a rabo ou, como diria o meu mestre de latim, _ab initio
ad finem usque_.

--Que tal?

Eu que queria desviar qualquer conversa desagradavel ao sr. Fernão Vaz,
respondi-lhe: a folha é bem escripta.

--Não te faças Ignez d'horta; que a folha é bem escripta sei
eu--tracta-se do folhetim.--Aposto que não sabes de quem me lembrei,
quando li essa estopada folhetinista? D'Antonio Feliciano de Castilho.

--Ahi vaes tu desenterrar um morto. A que vem Castilho, quando se tracta
d'um folhetim?

--A que vem!? eu t'o digo.--Um dia, certo jornalista fallava, diante
d'esse cego que via mais que todos os videntes, de um litteratiço como
muitos que por ahi enxameiam a cada canto, e, fiel ás leis do elogio
mutuo, dizia todo ancho: Fulano é inquestionavelmente um moço de
merecimento, é o _Janin portuguez_. Castilho, que era dotado d'aquelle
espirito mordaz que todos lhe conheciamos, com um surriso epigrammatico,
volta-se para o tagarella e pespega-lhe com esta nas bochechas: «Tem
razão; fulano é um moço de esperanças, é o _já-nem portuguez_.» Agora
applico: o folhetim de que tanto gostas ou finges gostar, é uma
desinteria palavrosa e nada mais.

Ao ouvir taes cousas, confesso: _vox faucibus haesit_. Tive medo: metti
a viola no sacco e deixei-o fallar.

--O teu homemsinho dá quatro piparotes na grammatica; faz quatro figas
ao senso commum e não te conto nada. Falla-nos em estudos sociologicos,
nos mais elevados problemas das sciencias economicas e da philosophia
politica, atira-nos á cara com Baudrillat, que nunca viu; com Garnier,
que não conhece e passa carta de tolo a tudo que é portuguez.

Vendo que a indignação do meu amigo subia n'um _crescendo_ vertiginoso,
não me atrevi a interrompel-o.

--Gomes Pércheiro, rapaz sympathico e estudioso, cujos sentimentos
patrioticos ninguem póde contestar, que em assumptos sobre emigração
é--um especialista--tem escripto muito e muito bem e ultimamente fez um
drama, ou antes um cauterio para curar a chaga da emigração. Queres
agora saber o que diz o tal folhetinista? «O sr. Pércheiro, porém,
tem-se contentado com o esforço de lançar _alguma luz_ ácerca do que é a
emigração.» Isto não se tolera. Pois um homem que, no dizer do teu
folhetinista, «viu as cousas de perto; _teve occasião de as ver_» (que
novidade! viu porque teve occasião) «e não se tem _cansado_ de nos dizer
o que viu» só lança _alguma luz_? Que me dizes?

--Que tens uma linguinha...

--Eu tenho linguinha?... Ouve: o teu homem, depois de fazer os seus
salamaleques aos redactores do _Diario de Noticias_, á conta do tal
elogio mutuo, sae-se com esta: «Que, diga-se a verdade, o sr. Pércheiro
tem umas certas culpas.» Pois o Pércheiro tem culpa das _concussões
d'auctoridade, cruezas das leis, gritos d'infelizes, infamias de
contractadores de colonos_, de que falla o citado auctor?!

--Mas que tenho eu com isso?

--Não me interrompas; ouve até ao fim.--O aristarco, depois de dizer que
Pércheiro é todo paixão e de lhe dar a entender que tem uma grande
dóse d'amor proprio, falla na _diplomacia do senso real das
cousas_--palavrões que ninguem percebe--e diz: «Vamos ao drama.
Intitula-se os _Aventureiros_, e agrupando... certos caracteres, que
podem dizer-se descolados da lenda sinistra de recrutamento de colonos,
etc.»--Como não assististe á leitura do drama, quero dar-te uma ideia
dos _caracteres descolados_--Um abbade que préga contra a emigração; o
sobrinho que arranca da porta da egreja um annuncio pomposo, convidando
os pobres camponezes a abandonarem a patria e o lar; um celebre
commendador _Manquitó_, typo repugnante que negoceia em escravatura
branca; uma mulher infame que seduz com mentidas promessas inexperientes
donzellas, fazendo-lhes ver um futuro brilhante longe dos seus e da
terra que lhes foi berço, etc. etc.; eis os personagens que preparam o
entrecho do drama, que lhe servem de prologo: chamar a estes personagens
_caracteres descolados_ é caso para estourar de riso!

«Francamente, continúa o crítico, o drama lido pelo sr. Pércheiro,
_excedeu_ a expectativa mais _exigente_. Ha scenas vigorosamente
traçadas, formosos caracteres... tem varios defeitos: está claro.» Não
me dirás porque está claro? perguntou-me o meu amigo.

--Porque vae rompendo a manhã, respondi-lhe eu.

--Não zombes: já ouviste que o drama excedeu a expectativa mais
exigente, pois agora ouve lá esta: «O sr. Pércheiro não é um escriptor
feito e largamente educado pelo estudo, pela leitura e pela experiencia,
nos segredos e exigencias da arte.» Se isto não é um desconchavo, não ha
desconchavos no mundo.

_Simul esse et non esse!_--_To be and not be!_ «Em summa» nota bem, «o
drama é viavel» quer dizer, atura-se «ha-de dar dinheiro... sem ser uma
exploração de escandalos obscenos.» O que aqui vae! Agora vaes ver o
gosto do critico: «Não gosto de dramas de propaganda, porque a paixão da
propaganda vicia e suplanta a verdade do drama.» Se o theatro não é
propaganda; se a rir, ou mesmo a chorar, não se castigam na scena os
costumes, não se infiltra o sentimento do bem e do amor da patria, etc.,
de que serve o theatro?

_Finis coronat opus_ e regista mais esta: «A arte não é tribuna. É altar
ou é throno. Não discute; cria.»

Entendeste? Nem eu.

E, pegando no chapéu, retirou-se aquelle zoilo da gloria critica do sr.
Fernão Vaz e eu fui-me deitar.


(A _Nação_ de 10 de janeiro.)

                                                      _Fulano d'Anzoes._


O sr. Fulano d'Anzoes, parece que não comprehendeu a significação do
dito--_diplomacia do senso real das cousas._

Nós lh'o explicamos.

O sr. Fernão Vaz, como o sr. d'Anzoes terá reparado, ama a Deus e ao
démo. O Deus que o sr. Vaz ama é uma _troup_ de... nem nós sabemos como
a havemos de qualifical-a...

No baixo imperio romano houve uns sujeitos que á emitação dos grandes
mestres, tambem faziam em publico, nos saraus _litterarios_, as suas
leituras de coisas, abórtos de rethorica e adjectivos, sem arte, sem
súco algum.

A estes sujeitos chamavam palhaços ou pantomimos da litteratura do
tempo. Na actualidade, em Portugal, tambem ha d'isto. È este o Deus que
o sr. Fernão Vaz adora; porque é este que faz o reclame á
_proficiencia_, á _capacidade_ ou ao _intellecto_ dos proselytos da
_troup_.

O démo somos nós, que nos orgulhamos de não pertencer á tal... tropa; e
ella... a tropa faz-nos a pirraça de nos não querer lá, por causa das
_nossas culpas_ e das _nossas impertinencias_... de que ainda não
começamos a penitenciar-nos nem nos penitenciaremos.

Mas por que, pertencendo Fernão á tal _troup_, nos diz que o nosso drama
_escedeu a espectativa mais exigente_? Pela mesma razão que diz que não
_somos litterato_, que o nosso drama _tem defeitos_, que elle é
_viavel_, (assim como quem não quer a cousa) e que elle finalmente, _ha
de dar dinheiro_, assim como poude dar... a _Filha da senhora Angot_ e
quejandos.

Chama-se a isto acender uma vela a Deus e outra ao démo, ou mais
claro:--chama-se a isto a _diplomacia do senso real das cousas_!

Nós desculpamos o sr. Fernão Vaz. Não se cria popularidade impunemente.
Fallar assim do nosso drama e a proposito d'elle (sic) dirigir dois ou
trez salamaleques ao seu amigo Eduardo, que por causa de uma tola
popularidade embirra com as _Questões do Pará_, _Coisas Brazileiras_,
_Commendador e Barão_, _Questão dos Chouriços_ ou _photographias
politicas_ e outras obras que custam dinheiro e que o tal coisa costuma
receber e não pagar com uma simples cortezia jornalistica, assim como
embirra com os pobres _Aventureiros_; fallar assim, repetimos, perante a
_troup_ dos _réclames_ e de mais a mais n'um jornal, cujos fundadores
vivem, mais ou menos, interessados no commercio da escravatura branca, é
conveniente, é contemporisar com a cousa, e quem não contemporisar hoje
em dia não apanha popularidade e não fica sabendo o que
seja--_diplomacia do senso real das cousas_.

O sr. Fulano d'Anzoes faz uma offensa ao sr. Fernão Vaz, quando lhe põe
em duvida a vastidão dos seus conhecimentos economicos e o seu contacto
com Baudrillat e outros economistas, não esquecendo Montesquieu, Say,
Smith, Otho e... e Garnier, tudo lá de fóra. É injusto, porque o dono do
pseudonimo Fernão Vaz está em contacto com a commissão de economistas,
nomeada ha pouco pelo sr. Carlos Bento... cá de dentro!

Punhamos ponto final na questão, tratada da nossa parte com
simplicidade, isto é, pobresinha de estylo, de rethoricas e de
adejectivos; mas antes d'isso façamos uma pergunta ao sr. Vaz, sobre o
que entende elle por _theatro altar_ e _theatro tribuna_? isto é, qual a
conveniencia de um e a inconveniencia do outro, no templo, que pode
admittir uma e outra cousa, sem prejuiso da arte?

Os homens que _estudam_ lá fóra, e que, com a _sua sciencia_ desejam
resolver este problema complexo, não fixam as suas largas vistas n'uma
sociedade que desconhecem, por exemplo, na nossa. Estudam o meio em que
vivem e por elle _fazem_ obra. Victor Hugo leva ao _altar_ do theatro o
seu Ruy Blaz, para que o adorem; e Alexandre Dumas filho manda a sua
Margarida Gauthier para a _tribuna_ do theatro prégar ás turbas a
regeneração da mulher.

Ambos estes _vultos da sciencia_ podiam ter dito:

Victor Hugo:--o publico francez tem escollas em abundancia, onde aprende
a ler, para depois vir cá fóra beber a moral nos milhares de livros que
nós escrevemos. O theatro deve ser _altar_ e não _tribuna_. Dumas
replicaria:--a instrucção não chegou ainda onde devia chegar; mas ainda
que chegasse, o livro não convence tanto como a tribuna (esteja ella
aonde estiver), isto é, como a palavra fallada. Assim pois regeneremos a
sociedade no theatro, façamos do theatro _tribuna_.

O sr. Fernão Vaz _estudou_ o meio em que vive ou _estudou_ o meio em que
vivem Hugo, Dumas e outros?

Se estudou o nosso meio encontra uma sociedade que não sabe cousa
alguma, por que não sabe ler, e a quem não sabe ler diz-se-lhe _por
todas as fórmas, com a palavra fallada_, o que é necessario que ella
aprenda; isto emquanto a nossa sociedade não souber o A B C e mais
alguma cousa. É verdade que ainda depois encontrará a opinião dos mais
sensatos, dos _mestres_, a dizer sempre:--_o theatro deve ser tribuna_.

Mas nós não queremos tal exclusivismo: assim pois, que o theatro _seja
templo_ onde haja _tribuna_ e _altar_.



N.º 4


Lei brazileira n.º 108 de 11 de outubro de 1837, dando varias
providencias sobre os contratos de locação de serviços dos colonos

O Regente interino em nome do Imperador, o senhor D. Pedro II, faz saber
a todos os subditos do imperio que a assembléa geral legislativa
decretou e elle sanccionou a lei seguinte:


ARTIGO 1.º--O contrato de locação de serviços celebrado no imperio ou
fóra, para se verificar dentro d'elle, pelo qual algum estrangeiro se
obrigar como locador, só póde provar-se por escripto se o ajuste fôr
tratado com interferencia de alguma sociedade de colonisação reconhecida
pelo governo no municipio da côrte, e pelos presidentes nas provincias.
Os titulos por ellas passados, e as certidões extrahidas dos seus livros
terão fé publica para prova do contrato.

ART. 2.º--Sendo os estrangeiros menores de vinte um annos perfeitos, que
não tenham presentes seus paes, tutores ou curadores, com os quaes se
possa validamente tratar, serão os contratos auctorisados, pena de
nullidade, com assistencia de um curador, o qual será igualmente ouvido
em todas as duvidas e acções que dos mesmos contratos se originarem, e
em que algum locador menor fôr parte, debaixo da expressada pena.

ART. 3.º--Para este fim em todos os municipios onde houver sociedades de
colonisação haverá um curador geral dos colonos, nomeado pelo governo na
côrte e pelos presidentes nas provincias, sob proposta das mesas da
direcção das mesmas sociedades.

Nos outros municipios servirão os curadores geraes dos orphãos. Nas
faltas, ou impedimentos de uns e outros, nomearão as sobreditas mesas de
direcção para auctorisação dos contratos e os juizes respectivos para os
casos das acções que se moverem, pessoa idonea que o substitua.

ART. 4.º--Não apresentando os menores documento legal da sua idade será
esta estimada no acto do contrato á vista da que elles declararem e
parecer que podem ter, e ainda que depois o apresentem este não valerá
para annullar o contrato, mas se estará pela idade que no acto d'este se
houver estimado para os effeitos sómente da validade do mesmo contrato.

ART. 5.º--É livre aos estrangeiros de maior idade ajustarem seus
serviços pelos annos que bem lhes parecerem, mas os menores não poderão
contratar-se por tempo que exceda á sua menoridade, excepto se fôr
necessario que se obriguem por maior praso para indemnisação das
despezas com elles feitas, ou se forem condemnados a servir por mais
tempo em pena de terem faltado ás condições do contrato.

ART. 6.º--Em todos os contratos de locação de serviços, que se
celebrarem com os mesmos menores, se designará a parte da soldada que
elles devam receber para suas despezas, que não poderá nunca exceder da
metade: a outra parte, depois de satisfeitas quaesquer quantias
adiantadas pelo locatario, ficará guardada em deposito na mão d'este, se
fôr pessoa notoriamente abonada, ou não sendo, prestará fiança idonea
para ser entregue ao menor, logo que acabar o tempo de serviço a que
estiver obrigado, e houver saido da menoridade. Fóra d'estes casos será
recolhido no cofre dos orphãos do municipio respectivo.

Nos municipios onde houver sociedades de colonisação reconhecidas pelo
governo, serão taes dinheiros guardados nos cofres das mesmas
sociedades.

ART. 7.º--O locatario de serviços que, sem justa causa, despedir o
locador antes de se findar o tempo por que o tomou, pagar-lhe-ha todas
as soldadas, que devêra ganhar, se o não despedira. Será justa causa
para a despedida:

1.º Doença do locador, por fórma que fique impossibilitado de continuar
a prestar os serviços para que fôr ajustado;

2.º Condemnação do locador á pena de prisão, ou qualquer outra que o
impeça de prestar serviço;

3.º Embriaguez habitual do mesmo;

4.º Injuria feita pelo locador á dignidade, honra, ou fazenda do
locatario, sua mulher, filhos ou pessoa de sua familia;

5.º Se o locador, tendo-se ajustado para o serviço determinado, se
mostrar imperito no desempenho do mesmo serviço.

ART. 8.º--Nos casos do n.º 1.º e 2.º do artigo antecedente, o locador
despedido, logo que cesse de prestar o serviço, será obrigado a
indemnisar o locatario da quantia que lhe dever. Em todos os outros
pagar-lhe-ha tudo quanto dever, e se não pagar logo, será immediatamente
preso e condemnado a trabalhar nas obras publicas por todo o tempo que
fôr necessario, até satisfazer com o producto liquido de seus jornaes
tudo quanto dever ao locatario, comprehendidas as custas a que tiver
dado causa.

Não havendo obras publicas, em que possa ser admittido a trabalhar por
jornal, será condemnado a prisão com trabalho, por todo o tempo que
faltar para completar o do seu contrato: não podendo todavia a
condemnação exceder a dois annos.

ART. 9.º--O locador, que, sem justa causa, se despedir, ou ausentar
antes de completar o tempo do contrato, será preso onde quer que fôr
achado, e não será solto emquanto não pagar em dobro tudo quanto dever
ao locatario, com abatimento das soldadas vencidas: se não tiver com que
pagar, servirá ao locatario de graça todo o tempo que faltar para o
complemento do contrato. Se tornar a ausentar-se será preso e condemnado
na conformidade do artigo antecedente.

ART. 10.º--Será causa justa para rescisão do contrato por parte do
locador:

1.º Faltando o locatario ao cumprimento das condições estipuladas no
contrato;

2.º Se o mesmo fizer algum ferimento na pessoa do locador, ou o injuriar
na honra de sua mulher, filhos ou pessoa de sua familia;

3.º Exigindo o locatario, do locador, serviços não comprehendidos no
contrato.

Rescindindo-se o contrato por alguma das tres sobreditas causas, o
locador não será obrigado a pagar ao locatario qualquer quantia de que
possa ser-lhe devedor.

ART. 11.º--O locatario, findo o tempo do contrato, ou antes
rescindindo-se este por justa causa, é obrigado a dar ao locador um
attestado de que está quite do seu serviço; se recusar passal-o será
compellido a fazel-o pelo juiz de paz do districto. A falta d'este
titulo será rasão sufficiente para presumir-se de que o locador se
ausentou indevidamente.

ART. 12.º--Toda a pessoa que admittir, ou consentir em sua casa,
fazendas ou estabelecimentos, algum estrangeiro, obrigado a outrem por
contrato de locação de serviços, pagará ao locatario o dobro do que o
locador lhe dever, e não será admittido a allegar qualquer defeza em
juizo, sem depositar a quantia a que fica obrigado, competindo-lhe o
direito de havel-a do locador.

ART. 13.º--Se alguem alliciar para si indirectamente, ou por interposta
pessoa, algum estrangeiro obrigado a outrem por contrato de locação de
serviços, pagará ao locatario o dobro do que o locador lhe fôr devedor,
com todas as despezas e custas a que tiver dado causa; não sendo
admittido em juizo a allegar sua defeza sem deposito. Se não depositar,
e não tiver bens, será logo preso e condemnado a trabalhar nas obras
publicas por todo o tempo que fôr necessario, até satisfazer ao
locatario com o producto liquido dos seus jornaes. Não havendo obras
publicas em que possa ser empregado a jornal, será condemnado a prisão
com trabalho por dois mezes a um anno.

Os que alliciarem para outrem, serão condemnados a prisão com trabalho,
por todo o tempo que faltar para cumprimento do contrato do alliciado,
com tanto porém que a condemnação nunca seja por menos de seis mezes,
nem exceda a dois annos.

ART. 14.º--O conhecimento de todas as acções derivadas dos contratos de
locação de serviços, celebrados na conformidade da presente lei, será da
privativa competencia dos juizes de paz do fôro do locatario, que as
decidirão summariamente em audiencia geral, ou particular para o caso,
sem outra fórma regular de processo, que não seja a indispensavelmente
necessaria para que as partes possam allegar, e provar em termo breve o
seu direito; admittindo a decisão por arbitros na sua presença, quando
alguma das partes a requerer, ou elles a julgarem necessaria por não
serem liquidas as provas.

ART. 15.º--Das sentenças dos juizes de paz haverá unicamente recurso de
appellação para o juiz de direito respectivo. Onde houver mais de um
juiz de direito, o recurso será para o da primeira vara, e na falta
d'este para o da segunda, e successivamente para os que se seguirem.

O de revista só terá logar n'aquelles casos, em que os reus forem
condemnados a trabalhos nas obras publicas para indemnisação dos
locatarios, ou a prisão com trabalho.

ART. 16.º--Nenhuma acção derivada de locação de serviços será admittida
em juizo, se não fôr logo acompanhada do titulo do contrato. Se fôr de
petição de soldadas, o locatario não será ouvido, sem que tenha
depositado a quantia pedida, a qual todavia não será entregue ao
locador, ainda mesmo que preste fiança, senão depois de sentença passada
em julgado.

ART. 17.º--Ficam revogadas as leis em contrario.

Mando portanto a todas as auctoridades, a quem o conhecimento e execução
da referida lei pertencer, que a cumpram e façam cumprir e guardar tão
inteiramente como n'ella se contém. O secretario d'estado dos negocios
da justiça, encarregado interinamente dos do imperio, a faça imprimir,
publicar e correr. Dada no palacio do Rio de Janeiro, em 11 de outubro
de 1837, 16.º da independencia do imperio.--_Pedro de Araujo
Lima_--_Bernardo Pereira de Vasconcellos_.



N.º 5


Não podem ir n'este logar as cartas que publicámos no _Jornal da Noite_;
porque a questão que alli tratámos está pendente ainda do tribunal.
Brevemente as publicaremos em opusculo ou nas notas ao drama os
_Aventureiros_, visto que parte do assumpto das mesmas são a base de um
episodio que no mesmo drama romantisámos.



N.º 6


Portaria-circular de 10 de agosto de 1870

Sua magestade El-Rei viu o officio do governador civil de Lisboa, de 12
de julho ultimo, acompanhando as informações do delegado de policia do
porto de Lisboa e differentes documentos com relação ás transgressões
dos preceitos da lei de 20 de julho de 1855, que se dizem praticadas por
José Maria Gavião Peixoto.

E sendo-lhe tambem presentes os requerimentos em que o referido José
Maria Gavião Peixoto pretende mostrar, que a rejeição no governo civil
dos contratos por elle celebrados com subditos portuguezes por serviços
de locação, não só é injusta, mas ainda prejudicial aos seus interesses:

Houve por bem mandar declarar ao governador civil que não ha motivo
sufficiente para rejeitar os contratos celebrados nos termos dos que
remetteu por copia no seu indicado officio, pois que n'esses documentos
se acham em geral satisfeitas as prescripções das leis e regulamentos de
policia, e nos pontos em que d'elles se afastam, não se contrariam o
intuito das leis represivas da emigração; que cumpre ter muito em vista,
que a pretexto de fiscalisação dos contratos e da proteção aos
contratados se não tolha a liberdade individual garantida pelas leis de
cada um poder dispor de sua pessoa e bens conforme lhe aprouver; e que
do rigor exagerado na fiscalisação póde resultar o que os factos acabam
de mostrar, o empenho e cuidado de illudir a lei e os regulamentos
policiaes, fazendo-se passar como simples passageiros ou emigrantes os
que na realidade são contratados, circumstancias estas que nem sempre
será facil descobrir, porque nem todos os contratados terão a
sinceridade de confessar a transgressão como succedeu com os individuos
que se dirigiam para o Brazil no vapor _Talisman_, que foram detidos pelo
delegado de policia do porto de Lisboa; e finalmente, que sendo de
reconhecida conveniencia que o governo saiba por informações officiaes
quem sejam os proprietarios no imperio do Brazil que melhor cumpram os
seus contratos e mais vantagens offereçam aos colonos, a fim de se usar
de mais ou menos rigor, segundo as informações e circumstancias
aconselharem, por este ministerio se vae solicitar do dos negocios
estrangeiros a expedição das ordens necessarias aos agentes consulares
no referido imperio, a fim de prestarem por esta secretaria informações
periodicas e escrupulosas sobre este importante assumpto.


Paço, em 10 de agosto de 1870.==_José Dias Ferreira._



N.º 7


«_Cidade de Goyanna._--Consta que nos dias 1 e 2 do corrente fôra
distribuido na cidade de Goyanna um manifesto chamando os goyannenses ás
armas, para expellirem os subditos portuguezes alli domiciliados.»

                                       (Redacção do _Jornal do Recife_.)

.........................................................................

«É assombroso o caracter de que se revestem os negocios da Goyanna
contra os portuguezes ali estabelecidos. Já não é o cacête, nem o
punhal, nem o chumbo, nem a garrafa as armas d'estes reis que tentam,
procurando por este motivo, saquear os seus estabelecimentos, são ainda
mais incendiarios, incendiarios sim, porque assim o fizeram no
estabelecimento do portuguez Antonio Garcia, trazendo d'este modo a
perturbação e a confusão ao seio das familias.

«Tudo annuncia funestas consequencias e estes brazileiros, vis algozes
da honra e esbanjadores da fortuna alheia, nem ao menos respeitam as
suas patricias, a quem esses portuguezes juraram perante o altar de Deus
ser seus esposos, nem aos filhos d'estes, brazileiros legitimos,
querendo fazer de seus esposos e paes, victimas da mais horrenda
atrocidade.

«Em breve armarão na praça publica o patibulo para onde, se o governo
não der promptamente energicas providencias, têem de subir os pacatos
portuguezes ali residentes, tornando-se isto delicias para os seus
inimigos.

«E o governo dirá, por mais que tenha sabido: Não tive noticias.

«Ha bem pouco, foram pronunciados os auctores de taes attentados e estes
mesmos que se acham foragidos cruzam as ruas ao meio dia em ponto,
porque assim o governo quer.

«O proprio jornal _Democrata_, que d'antes defendia a causa portugueza,
hoje á imposição de homens a quem o povo considera como chefes d'estes
motins, se converteu em pasquim, para, dilacerando as vestes da deusa de
Guttemberg, injuriar aos portuguezes.

«Mizeria do Brazil! O aprecie o paíz estrangeiro.

«Hoje chega-nos a noticia de que nos dias 1 e 2 d'este mez soltaram
fogo; distribuiram um manifesto, chamando os goyannenses ás armas para
expellir os portuguezes, querendo repetir as barbaras scenas de 1872.

«Triste estado!

«Por ora ficaremos por aqui.»

                                                  _Um amigo da familia._

(No mesmo numero do _Jornal do Recife_.)



QUESTÕES DO PARÁ

(1875)

CRITICA


DIARIO ILLUSTRADO

«O nosso amigo o sr. D. A. Gomes Pércheiro, moço intelligentissimo,
acaba de chegar do Pará e vae, como testemunha presencial dos ultimos
acontecimentos que alli se têem passado, publicar um livro intitulado
_Questões do Pará_, que deve lançar muita luz sobre este assumpto, como
póde ver-se dos seguintes capitulos de que o livro se compõe:

Verdades da Agencia Americana, sobre os acontecimentos do Pará em
1874.--Prova-se que o conego Manuel José de Sequeira Mendes é
tribuno.--A educação dos paraenses.--Verdades amargas sobre a
educação.--Os tribunaes do Pará.--Como são julgados os assassinos dos
portuguezes.--O _Diario de Belem_.--O chefe de policia do Pará.--A
religião dos paraenses.--A maçonaria.--O funccionalismo publico do
Pará.--A salubridade e os medicos do Pará.--Como os brazileiros tratam
os colonos agricultores.

_Apendice_:--Relatorio do chefe de policia sobre os assassinatos de
Jurupary.--Inquerito das testemunhas.--Pronuncia dos assassinos dos
portuguezes.

Acabamos de assistir á leitura d'este importantissimo trabalho e podemos
assegurar ao auctor que a sua publicação ha de ter um exito
felicissimo.»


(_13 de abril._)


«A sociedade compõe-se, na sua maxima parte, de pobretões. É um
principio incontestavel, que eu quizera que não fosse o fim dos meus
amigos.

E os pobretões podem abrigar n'alma tantos desejos como os ricassos.

Ha só um ponto em que necessariamente divergem d'aquelles. Se, desde que
Horacio versejou, sabemos que ninguem está contente com a sua sorte, o
ponto de divergencia salta a todos os olhos: o ricasso deseja soltar-se
da riqueza; o pobretão deseja prender-se n'ella.

Outro gallo cantára a todos se _não ter onde cahir morto_ assegurasse a
immortalidade; porém não ha tal; pódem todos não ter onde cahir mortos,
mas para esse fim, que é em verdade fim, o municipio não nega um pedaço
de rua, o amigo não recusa uma nesga de quintal, e o senhorio não furta
quatro taboas do sobrado que arrendou.

Mas é sem duvida triste que um ser pensador venha ao mundo sem mais
propriedade do que o seu nariz.

E louvor merece portanto qualquer esforço que elle empregue para alargar
essa propriedade; o que não quer dizer--alargar as ventas.

Quando alguem pensa em empregar esse esforço, passa-lhe diante dos
olhos, em exhibição seductora, uma ala de sujeitos que estiveram alguns
annos no Brazil e trouxeram de lá mundos e fundos.

Está logo despertado o desejo de partir para as terras de Santa Cruz.

E o homem embarca.

Diante está uma rota de 1:500 leguas, não é verdade? Embora.

O navio que o conduz abalrôa com outro, a meio caminho; e o viajante tem
a sorte da faca de matto do sr. Raphael Zacharias da Costa. Tambem aqui
ha uma differença: as companhias de seguros deram pela faca 31:500$000
réis e não darão 30 réis pelo ex-viajante, que só poderá tornar a fazer
figura em algum quadro de peça magica, ao lado de conchas e buzios. Nem
se lhe póde desejar «a terra lhe seja leve»!

Não abalrôa o navio com outro, mas bate em um rochedo, e as
consequencias são as mesmas.

Não succede nem uma nem outra coisa, mas um temporal varre o homem da
tolda da embarcação, e o resultado continúa a ser o mesmo. Só se alguma
baleia tiver a condescendencia que teve no Mediterraneo a de Jonas, e
lhe facultar o bandulho para o transportar durante tres dias; ou algum
golfinho tiver a amabilidade de o levar ás cabritas como succedeu a
Melicerto nos mares de Corintho.

Vencem-se porém todos esses perigos, e o homem chega são como um pero ás
praias do novo mundo, que diga-se a verdade, é mais velho do que todos
nós.

O espectaculo é para embasbacar. A natureza sorri. Ciciam as florestas.
Os papagaios seduzem-nos com as suas variegadas côres. E as araras!...

O nosso ambicioso desembarca.

Trata elle da vida; ganha o dobro, o triplo, o quadrupulo do que podia
ganhar na Europa; e dispõe-se a amontoar dinheiro sobre dinheiro.

O peior é que todos os que vivem têem necessidades. O estomago é
imperativo; e a pelle não lhe fica atraz. Aquelle manda que o encham,
não com o pomo da arvore da sciencia do bem e do mal, mas com um bife. A
pelle determina que a tapem, não com a folha da figueira, mas com um
casaco. E no Brazil todas as cousas tem um preço exagerado: exemplo--uma
barbeadella 10$000 réis, um biscouto 10$000 réis, um cochicho 10$000
réis. Não ha preço inferior. Este é o minimo, os outros são multiplos de
10$000 réis.

Chega um dia e com o dia chega uma febre. Ali tudo tem côr; e essa febre
é amarella. E era uma vez um homem.

Os castellos de fortuna baquearam. Os sonhos de riqueza abalaram.

Succede com o arrojo emprehendedor o que succedeu, mal comparado, com
certo commerciante de ovos.

Estava elle sentado no chão, tendo junto de si um cesto carregado de
exemplares do genero do seu commercio. Phantasiava, e dizia: «Vou vender
estes ovos e com o producto d'elles compro isto; duplico. Vendo depois
isto e compro aquillo; quadruplico. Vendo depois aquillo e compro
aquell'outro; octoplico o capital... Em tantos annos estou rico, tenho
um grande rendimento, moro em palacio, ando de carruagem, recebo
zumbaias de toda a gente, eu quero lá ouvir mais fallar em ovos!» Na
força do seu enthusiasmo, e no excesso do seu desprezo pelos ovos dá um
encontrão no cesto, e lá se vae o alicerce da sua futura grandeza! Nem
poude aproveital-o em _omelette_, porque não tinha lume e frigideira á
mão.

Mas consegue o pobre diabo, que foi tentar fortuna para a America,
resistir á febre amarella e ás febres de outras côres; e, com muitos
trabalhos, muitos sacrificios, muitas privações, chega a augmentar o seu
cabedal? Está do mesmo modo perdido.

Se os fados o conduziram á provincia do Pará, atiram-lhe com os diplomas
de _marinheiro_, _galego_, _bicudo_, e _pé de boi_.

Nas outras provincias é muito de suppôr que não haja menos liberalidade
na concessão d'estas mercês.

Um livro intitulado _Questões do Pará_, publicado ha pouco pelo sr.
Gomes Pércheiro, instrue muito a este respeito.

Ao stygma que se julga lançar nos portuguezes com aquelles nomes,
addicionam-se a nenhuma segurança da vida de cada um, a falta de
protecção das leis, e a indifferença dos poderes publicos para tudo o
que é portuguez.

Esquecem ali que é o nosso sangue que lhes gira nas veias!

No Pará, ao sopro pestilento da _Tribuna_, movem-se os braços dos
assassinos e cravam o punhal no coração do artista honrado e do
negociante laborioso, que teve o seu berço em Portugal e foi áquellas
paragens contribuir para o progresso e engrandecimento do imperio
brazileiro!

E são de individuos que constituem a força publica, são de soldados, as
mais das vezes esses braços.

É ali espancado um cidadão portuguez por cousa nenhuma.

Não ha muito que um logista esteve ás portas da morte, porque não
satisfez a correr a um soldado a exigencia de um phosphoro para acender
o cigarro.

E mata-se um europeu no Pará por qualquer cousa.

Ha tempos appareceu afogado em um rio um portuguez por nome Antonio. Não
se averiguou convenientemente a causa da sua morte. Houve entretanto
processo e o juiz d'elle saiu-se com a seguinte sentença:

«Sendo a sentença do infeliz portuguez Antonio dada por um juiz superior
a todos os juizes, nenhum recurso existe mais; e por nada mais poder
fazer, condemno a todos que trabalharam no presente processo a pagar as
custas em _Padre Nossos_ e _Ave Marias_ por alma do finado, entrando
n'este numero eu, que já resei o meu, etc.»

O governo do imperio deve olhar seriamente por este estado de cousas,
para que se não torne a dizer, como a respeito do Pará disse o jornal
francez a _Liberté_:--é necessario que a Europa volte a civilisar
aquella parte do Brazil.

Á vista do exposto, vamos para o Brazil?

Os que tiverem essa tentação, devem, antes de partir, lêr o livro do sr.
Gomes Pércheiro, que dá muito ensinamento.

E se, depois de o lerem, não tiverem forças para fazer cruzes á
tentação, sua alma, sua palma!

Podem ainda ter uma esperança--voltar á patria embalsamados.

                                                       GASTÃO DA FONSECA

(_Folhetim de 9 de junho de 1875_).

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JORNAL DO PORTO

Já saiu á luz o livro do sr. Gomes Pércheiro intitulado _Questões do
Pará_, que ha tempos lhes annunciei.

É um livro valioso para o conhecimento da importante questão de que se
occupa. Não é uma obra litteraria, e para o não ser, bastava o escassez
do tempo em que foi escripta, visto que o auctor tinha mais por empenho
esclarecer a questão do que primar pelo estylo.

Comtudo estão colligidos esclarecimentos muito dignos de ser conhecidos
e estudados, e os que teem a peito saber a verdade dos factos deverão
percorrer aquellas paginas, escriptas uma ou outra vez com paixão, mas
encerrando muitas informações verdadeiras e interessantes.


(_8 de maio_--_do correspondente_).


Eis o titulo de um livro saído ultimamente dos prelos lisbonenses e do
qual é auctor o sr. Domingos Gomes Pércheiro.

N'este livro procura o sr. Gomes Pércheiro narrar singela e
despretenciosamente os factos ainda não mui remotos, occorridos na
provincia do Pará e estigmatisados pela imprensa séria e imparcial no
Brasil e Portugal.

O sr. Pércheiro, na sua qualidade de testemunha occular de muitos dos
factos compendiados no seu livro, adduz documentos e procura
comproval-os com transcripções feitas de varios periodicos paraenses.
Derrama por este modo muita luz sobre tão deploraveis occorrencias,
tornando-se por essa circunstancia muito interessante a sua leitura.

Precede o citado livro uma extensa carta do sr. Ferreira Lobo, escriptor
lisbonense.


(_2 de junho_).

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DEMOCRACIA

Tem tido grande extracção o livro do sr. Domingos Gomes Pércheiro ácerca
das questões do Pará.

De facto, n'aquelle excellente livro repleto de muitos conhecimentos e
de considerações do mais alto interesse social, a questão do Pará está
perfeitamente elucidada sob todos os pontos de vista.

Quem lêr o livro ficará sabedor de todas as circunstancias que
imprimiram e ainda estão imprimindo n'aquella questão um caracter de
generalidade, que muito interessa, attendendo a que a colonia portugueza
no Brazil é não só a mais numerosa, mas a ella se prendem os destinos e
o bem estar de muitas familias e commercio de Portugal.


(_24 de junho_).

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CAMPEÃO DAS PROVINCIAS

Esteve ante-hontem n'esta cidade, vindo do Porto em regresso para Lisboa
o sr. D. A. Gomes Pércheiro que fôra no Pará director da Agencia
Americana, que presenceara ali todos os attentados de que foram victimas
os portuguezes, e que muito conhecedor das circunstancias actuaes do
imperio, procura desviar d'ali a nossa emigração procurando encaminhal-a
para a nova Africa, manancial riquissimo de valiosos productos, mas
descurado completamente do auxilio e dos esforços dos governos.

O serviço que o sr. Pércheiro está fazendo ao paiz é muito valioso, e
ninguem haverá ahi que o não considere devidamente. Sobre a obra do sr.
Pércheiro--_Questões do Pará_, publicaremos dentro de pouco o nosso
juizo.


(_2 de junho_).


Com esta epigraphe publicou o sr. D. A. Gomes Pércheiro um livro,
narrando os acontecimentos do Pará, e attribuindo-os em grande parte á
inacção e desmazello dos governos portuguez e brazileiro. Nota o auctor
que é ainda grave o estado da provincia, e que urge acudir-lhe com os
antidotos aconselhados pela experiencia, para que a enfermidade não
ganhe forças e não seja depois impossivel obstar a conflagração geral,
que ali ameaça rebentar.

O sr. Pércheiro não faz só considerações sobre o flagello que assola o
Pará. Não se basea em rumores vagos. Não architectou hypotheses devidas
á sua imaginação de portuguez amante do seu paiz. Fez mais. Exhibiu
documentos officiaes de grande valia, e mostrou com a imprensa séria do
Brazil, que se senão oppozer um dique á onda das vinganças que devasta
aquella parte do imperio, os portuguezes terão de evacuar o territorio,
onde exercem uma actividade proveitosa para a colonia e para a nação
brazileira, rompendo antigas ligações, e cavando um abysmo infranqueavel
entre dois povos, que deviam estremecer-se como irmãos. É que a cupidez
e o desvario vão accendendo no peito da escoria as chama de Cain.

Teve o sr. Pércheiro uma posição difinida no Pará. Foi ali o encarregado
da _Agencia Americana Telegraphica_ encerrada por haver communicado para
a Europa as occorrencias que se davam na provincia, embora a verdade dos
factos não podesse lisongear os poderes publicos superiores de Portugal
e do Brazil. É portanto o seu depoimento auctorisado, por que presenceou
uma parte dos acontecimentos que a imprensa portuguesa registrou com
entranhado sentimento, ao reclamar dos dois governos providencias
energicas, que pozessem cobro ao morticinio de nossos compatriotas,
verificado a mais de duas mil leguas de distancia.

Foi portanto o sr. Pércheiro testemunha presencial de bastantes factos,
que o levaram fatalmente ás conclusões que se conteem na sua excellente
publicação, que nós aqui mencionamos como um titulo de capacidade para o
auctor, que foi para o Brazil a fim de ganhar fortuna, e que regressou á
patria com a alma cheia de nobre indignação, mas sem ter logrado
realisar o seu esperançoso intento.

Houve no Pará um caracter grave e amante da ordem, que se propunha a
conter os discolos e a trazel-os a bom caminho. Desejava porém que o
governo o auctorisasse a usar de poderes descripcionarios, que elle
promettia temperar, com a moderação inherente aos seus habitos e ás
faculdades do cargo que exercia. Foi o dr. Pedro Vicente d'Azevedo,
antigo presidente da provincia, quem dirigiu ao governo geral o seguinte
telegramma:

«Os negocios da _Tribuna_ aggravam-se; posso acabar este estado de
coisas se me dá _carta branca_. Serei prudente. Espero resposta hoje.»

Pois este convite directo promettendo esmagar a conspiração tenebrosa
urdida contra os que honradamente trabalham teve a resposta que se
segue:

«Proceda dentro dos _limites da lei_.»

Mas a lei era letra morta no Pará. Os assassinos reuniam publicamente
contra os portuguezes inermes, porque os nossos compatriotas exerciam o
commercio, e não se desviavam do trafego honrado, por o qual tinham
abandonado a patria e a familia. E como a sua applicação era mais
proveitosa que a dos naturaes da provincia, reunia-se a ralé da
população, não para exceder o estrangeiro em actividade, não estimulada
pelo exemplo, mas para cevar paixões ignobeis, para dar a morte aos que
se lhes avantajavam na preserverança de suadas canseiras!

Assim o governo geral quebrava a vara do poder nas mãos do seu agente,
ordenando-lhe que se houvesse com legalidade, quando para salvar a gente
séria, a vida e a propriedade de pessoas respeitaveis, era mister
declarar a provincia em estado de sitio! Não comprehendemos como n'um
caso desesperado o poder central senão abalançou aos meios heroicos,
indicados pelas circunstancias. Teria expurgado aquelle territorio dos
vandalos que o infestam, e teria provado á Europa, que no Brazil se
conhecem e applicam as leis da verdadeira hospitalidade.

(_5 de junho._)

.........................................................................

Recordando as _lindezas_ e importancias da minha terra natal, sahe-me
dos bicos da penna, o nome de um livro, e o nome do seu auctor que este
solo viu nascer e acalentou. O livro é: _Questões do Pará_; o nome do
seu auctor, bem conhecido, escusava-o a sua reputação; mas orgulhoso das
glorias da minha terra não desejo omittil-o:

Domingos Antonio Gomes Pércheiro.

Se estas pobres linhas, sem pertenção a escripto, lhe chegarem ás mãos,
peço venia para que a sua modestia me perdôe e consinta que eu apresente
o meu parecer sobre o seu livro. O meu parecer humilde, como humilde é
quem o faz. _Questões do Pará_ é um livro bem raro, que falla e defende
a patria; não trata de frivolidades, não faz grimpa de philosophias, não
ostenta empoladas utopias, molestia de que a nossa literatura moderna
está contagiada. Occupa-se de Portugal e de seu irmão o Brazil.
Individualisa-se e soffre com as nossas desgraças.

Historia essas scenas de canibalismo americano, contra os desgraçados
portuguezes, que, tendo em vista o trabalho santo, vão procurar uma vida
n'aquellas plagas inhospitas. Indigna-se contra taes horrores, e
reverbera então o latego sobre os novos Cains.

É um livro verdadeiro, um auxilio para a historia contemporanea.

É um pregão que fará convergir a indignação dos povos cultos contra taes
selvagerias. Uma consolação para os desgraçados portuguezes que ainda
luctam com o clima, insuperaveis difficuldades e guerra dos brazileiros.
Não tem arrendados de estylo, e menos ainda bellezas poeticas, porque
lh'as não consentiu a brevidade, nem a gravidade do assumpto. Digne-se o
distincto auctor acceitar os meus emboras e felicitações, que, sendo
verdadeiras, só peccam pela pequenez do nome que assigna.

.........................................................................

(3-5-76)

                                               _J. Martins M. da Silva._

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JORNAL DA NOITE

Hontem démos noticia do livro publicado pelo prelado da diocese do Pará,
e por o não termos podido ler ainda, só referimos o que no prefacio
escrevera o reverendo auctor. Hoje temos de fazer outro tanto com o
livro do sr. Pércheiro, cujo texto nos é desconhecido. Quanto sabemos a
respeito d'elle, o aprendemos na carta do sr. Ferreira Lobo que precede
o livro.

O volume do sr. Pércheiro é offerecido aos seus illudidos compatriotas
que vêem no Brazil uma nova terra da promissão. Mais nada. Esta
dedicatoria só valle um livro porque está recommendando aos mancebos o
trabalho na patria onde a remuneração poderá ser modesta, mas é perto do
lar domestico, em plena liberdade, com a benevolencia dos nossos
affectuosos costumes a affoitar o animo, sem epidemias frequentes, e
sempre com a certesa de não morrer de fome, porque não fallece ninguem
entre portuguezes, seja natural ou estranho.

E depois em Portugal tambem os humildes enriquecem. Ha exemplos e
numerosos. Muitos d'esses negociantes, senhores de estabelecimentos
consideraveis, partiram da terra pobrissimos, foram caixeiros de outros
commerciantes, e pelo trabalho é que mereceram consideração, pelo zelo
estima, pela probidade respeito e auxilio de toda a gente. Depois veiu a
riqueza, isto é, a cupula do edificio.

Se na patria havia emprego para a actividade de muita gente, d'aqui por
diante ainda deve ser mais facil encontrar meio de adquirir fortuna.
Basta observar a abundancia de capitaes, o seu movimento e direcção, a
grande quantidade de emprezas que se vão formando por cooperação e
interesse de todas as classes, e as facilidades de communicação por mar
e terra, para transporte de pessoas e de mercadorias, ou para
transmissão de ordens e de avisos...

Emfim... Mas o nosso proposito não é escrever ácerca da emigração.
Desviou-nos para este assumpto interessantissimo a dedicatoria do livro.
Desculpe o leitor a digressão. Ha, porém, coisas que seria conveniente
dizer a todos e repetil-as quotidianamente.

O sr. Pércheiro, segundo informa o esmerado escriptor já referido, foi
ha tres annos para o Pará, e voltou ao cabo d'elles de cabeça levantada
e mãos vasias. Tendo, porém, observado como por lá eram tratados os
portuguezes, ergueu n'este livro um brado de indignação contra a
prepotencia de que são victima os nossos irmãos do Brazil.

Accrescenta o sr. Ferreira Lobo, nosso estimado collega na imprensa, que
este volume não é primor litterario; que o proprio auctor lhe conhece os
defeitos de fórma; que foi escripto na viagem e sem auxilio de livros, e
por isso saiu agitado, revolto e caprichoso como as vagas que baloiçavam
a mesa sobre a qual foi delineado; que finalmente foi inspirado por
sentimento de patriotismo, de independencia, de dedicação, e de coragem.

As questões do Pará que dão o titulo ao livro, não são as mesmas que
inspiraram o livro do prelado d'aquella diocese. Referem-se
principalmente á luta entre portuguezes e brazileiros, á campanha do
commercio a retalho, mas, segundo vimos folheando o volume, não deixou
de alludir a essas discordias o auctor. E assim devia ser porque as
questões entre o bispo e o governo do Brazil tem ligação com o odio de
certos brazileiros aos portuguezes.

Vamos ler com muita curiosidade a obra do sr. Pércheiro, e
agradecemos-lhe o favor de offerecer um volume á nossa redacção.


(_12 de maio._)

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JORNAL DO COMMERCIO

Por todos os portuguezes deveria ser lido este livro, a proposito do que
fez o _Jornal da Noite_ as seguintes sensatas ponderações: (Transcreve o
artigo do _Jornal da Noite_.)


(_14 de maio._)

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O livro subordinado a esta epigraphe, devido á pena do sr. Gomes
Pércheiro, tem tido extraordinaria extracção. Não podia deixar de assim
ser, porque é um trabalho utilissimo e de muito ensinamento para
aquelles que teimam, com prejuiso para as nossas colonias, em ver no
Brazil actual, exausto e quasi cadaverico, o antigo emporio de riquezas
agricolas, que era a alma do commercio e da industria ainda nascente, e
que á porfia pareciam querer fazer do imperio o maior collosso da
civilisação americana.

A lei que no Brazil estabelecera a egualdade de nascimento, fazendo de
todos os homens uma só familia, surtiu optimos effeitos moraes no mundo
liberal, por ver-se que uma nação ainda adolescente comprehendia já a
sublimidade da idéa que começára a robustecer-se com as glorias obtidas
no Paraguay. A carta da emancipação dos escravos veiu dar ao Brazil
facil accesso para sentar-se á mesa do progresso, junto das nações mais
velhas que lhe tinham sido mãe.

Mas depois d'isto faltava fazer muito ainda. Era preciso não adormecer
ao som dos hymnos inebriantes das glorias passadas; era preciso que
governantes e governados estudassem pelo seu passado qual havia de ser o
futuro do seu imperio. Era preciso que esse immenso territorio fosse
devastado, permitta-se-nos a expressão, pela immensa tempestade do
progresso, que se lhe abeirava, para dar-lhe o seu quinhão civilisador;
e que leis protectoras se fizessem com o fim de dar livre accesso ao
explorador, que mais tarde havia de ceifar as suas mattas insondaveis e
poeticas, mas cuja poesia fará retrogradar o Brazil para os seus
primitivos tempos. Era preciso substituir no trabalho esse ente, que
ainda não estava educado para ser livre, mas que uma idéa humana fizera
egual aos outros homens; e não deixar oxidar a roçadoura, a enxada e a
pá, e amortecer os animos febris pelo desbravamento das terras incultas,
que, como estão, não podem servir de engrandecimento para o imperio. Era
preciso que governos e governados, de norte a sul, attraissem, com seus
bons tratos o estrangeiro ávido pelas riquezas do seu feracissimo solo.

Leis, filhas de um aturado estudo philosophico, sobre as condições
religiosas do imperio, deviam ter substituido as que existem, e que não
podem mais servir para uma sociedade nova, e muito especialmente para um
paiz que precisa recolher em seu seio homens de todas as crenças. A
questão religiosa, que ainda não terminou no imperio, e que tanto mal
tem feito ao seu progresso, não teria existido.

Os homens talentosos do Brazil, á similhança do que se faz nos paizes
cansados, estudam apenas o incomprehensivel problema da politica e
parece quererem contemporisar com o movimento jesuitico.

A par d'isto retraem-se os capitaes, os colonos portuguezes, no norte do
imperio, repatriam-se. A falta de braços, faz-se sentir. A lavoura
definha-se; por que além da falta de braços, os terrenos limitrophes das
povoações estão explorados e os governos não tomam a iniciativa de abrir
tunneis, permitta-se-nos a phrase, n'essas immensas montanhas de matta
virgem, cujos troncos seculares com sua immensa folhagem nos não deixam
ver tão grande manancial de riquesas. As estradas que existem para o
interior dos sertões são apenas os carreirinhos do indio, da onça, do
veado, da paca e do tatù.

No valle do Amazonas vive-se da industria extractiva. A agricultura foi
despresada. Mas a industria extractiva vae morrer, por que os governos
não desimpedem as immensas vias de communicação--os rios--que cortam em
todas as direcções aquelles immensos territorios, tambem cobertos de
plantas.

Que se faz para attrair o estrangeiro? Que pensam os homens eminentes do
Brazil?

Nada vemos. E contudo, o mais simples observador nota que o grande
imperio está passando por uma crise assustadora.

Suggeriu-nos estas phrases, ao lermos o livro _Questões do Pará_, cuja
leitura recommendamos, a idéa do engrandecimento do imperio do Brazil.


(_26 de junho)_

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JORNAL DE LISBOA

É notavel este livro pela questão importantissima de que se occupa, e
pelos esclarecimentos que presta, fundados em documentos, e nas palavras
do auctor testemunha presenceal dos factos.

Dotado de grande energia e independencia o sr. Pércheiro apresentou as
questões do Pará como as viu e entendeu, e as suas palavras, por vezes
duras como as verdades amargas, hão de molestar muitos dos que as lerem.

O auctor trata de justificar as verdades das noticias que transmittiu
como agente da Agencia Americana.

Interessa-nos muito a questão do Pará, e sobre ella escrevemos
modernamente o nosso pensamento n'um artigo que vimos reproduzido no
jornal o--_Brazil_, destinado ao novo mundo.

Inutil é pois repetir n'este jornal as ideias que elle publicou; d'outra
sorte escreveriamos detidamente ácerca do livro que annunciamos, e cuja
leitura recommendamos aos nossos leitores.

Ao sr. Pércheiro agradecemos a offerta do seu livro.


(_15 de maio_)

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A TRIBUNA

_Questões do Pará._--Publicou-se e acha-se á venda nas differentes
livrarias uma brochura com o titulo _Questões do Pará_, de que é auctor
o sr. D. A. Gomes Pércheiro.

O sr. Pércheiro era o representante da _Agencia telegraphica americana_
no Pará, e por ella foram enviados os telegrammas que nos informam dos
assassinatos de Jurupary, e de outras occorrencias, que se lhes
seguiram. Notaremos que, depois d'isso foi fechada a succursal d'aquella
agencia no Pará, certamente porque o governo brazileiro entendeu ser
mais commodo continuar a perseguição e a chacina, sem que nós, e o resto
da Europa podessemos ser informados das façanhas da selvageria.

Agora só de longe em longe, e passado tempo, nos chega noticia do que
vae por aquella provincia brazileira.

A brochura do sr. Pércheiro contem esclarecimentos minuciosos, e é um
excellente commentario aos documentos publicados no _Livro Branco_. Logo
se vê que o sr. Mathias de Carvalho tem carradas de razão em dar
louvores ao governo do seu imperial compadre, pelo zelo, diligencia e
sollicitude com que vela pela ordem publica e pela segurança dos
portuguezes no Pará.


(_n.º 71, de maio_)

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CORRESPONDENCIA DE COIMBRA

Este livro deve ser estudado e meditado. É a historia circumstanciada
d'essas desgraçadas questões do Pará, entre portuguezes e brazileiros,
incitados estes ao odio e á matança de nossos irmãos pelo pasquim da
imprensa chamado _Tribuna_.

Como quem de perto conhece a vida brazileira, mostra com argumentos os
perigos da emigração, e achamos util que este livro se colloque ao lado
dos escriptos do sr. Augusto de Carvalho que outro fim não tem senão
desinvolver a propaganda de emigração de portuguezes para o imperio
brazileiro.

Já o dissemos e repetimos: a emigração é um acto de liberdade que
ninguem contesta, mas impossivel no estado actual das circumstancias de
Portugal e Brazil.

O livro do sr. Pércheiro é obra de um bom coração portuguez que colloca
ao serviço da patria e da verdade a sua voz auctorisada.


(_16 de maio_)

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Sabeis o que foi a America?

Ha pouco mais de tres seculos era um mundo escondido pelos mares. Vivia
entregue ás leis da natureza e em quanto a civilisação viera do oriente
ao occidente em marcha continua, derribando e elevando, sempre
vencedora, sempre triumphante, a America nem sequer a olhava pelo cimo
das aguas, e nem as correntes dos mares lhe levavam os eccos alegres dos
nossos festins ao progresso!

Lá vivia, entregue ás leis dos sentidos, ao codigo do mais forçado, á
vontade do mais prepotente.

Os seus habitantes afundavam-se nas matas gigantescas, que similhavam os
alicerces dos ceus. Tinham a quina, o café, o assucar, a canella;
sentavam-se á sombra do cedro, do secular palisandro e da alta palmeira.
Pesava sobre elles o mysterio das grandes florestas virgens, que fazem
suppor maiores mysterios; encantava-os o trinado do sabiá, mas, quando
se abeiravam das costas, não sabiam cortar um tronco de cedro, e
atirando com o fraco lenho sobre o dorso do mar, que rugia, não sabiam
collocar-se sobre elle, e domando as ondas, os obstaculos, a
desesperança vir até onde, pelo menos os devia incitar a phantasia.

Olhavam com medo e terror o Amazonas, e como os pomos das arvores lhe
satisfizessem as primeiras necessidades da vida dormiam em somnolencia
permanente os dias da existencia.

A terra era fertil; os naturaes indolentes.

Mas a velha Europa tinha caminhado muito. As loucuras, os gozos, os
prazeres que a Asia lhe havia enviado como despojos da conquista pediam
novos manciaes de oiro, novos thesouros inexgotaveis, que saciassem a
libertinagem da matrona.

A Europa já tinha arrancado perolas dos seios das ondas; sonhou com
diamantes.

E quando os sabios, curvados sobre os problemas das sciencias physicas,
apontavam para paragens longiquas, os aventureiros lançavam-se logo a
procurar a nova terra.

O navegador chegou a ser um poeta.

Faltava-lhe a sciencia, mas tinha a _inspiração_.

E a inspiração bastava, e foi guiado por ella que Colombo deixou o porto
de Palos em 3 de agosto de 1492.

Pouco depois vinha Colombo depor um mundo aos pés do rei Fernando e da
rainha Isabel.

      *      *      *      *      *

Os portuguezes foram tambem á conquista. O acaso impelliu Pedro Alvares
Cabral a descobrir o Brazil, e o rei D. Manuel podia dar mais luzimento
á corôa e mais brilhantismo ao seu reinado.

Começava então o seculo XVI; e iniciava-se pelo descubrimento do Brazil
o gigante da Reforma e da Renascença.

D. Manuel não deu grande importancia ao facto: tantas eram as
descobertas do seu reinado, que a dependencia de metade de um mundo nem
o fazia estremecer!

Mas quando as caravellas chegavam carregadas de oiro e pedrarias, e se
buscava ahi o peculio para satisfazer ás sumptuosidades religiosas do
rei D. João V e á sequiosidade de dinheiro da curia romana, começou a
estremecer-se o Brazil.

Praticámos o nosso dever de povos civilisados. Aquelle povo ignorante,
que nada conhecia, mandamos-lhe atravez dos mares as nossas industrias,
as nossas sciencias, as nossas artes.

A emigração era uma cruzada abençoada. Os emigrantes iam prégar a
religião do trabalho e a sciencia da vida do progresso. Tomaram o livro,
e ensinaram a ler o selvagem; agarraram na enchada, e instruiram o
natural em cavar a terra.

Ensinaram-lhe a construir lanchas, e a lançal-as sobre as aguas dos
rios.

Crearam-lhe novas necessidades, mas deram-lhe meios de as satisfazer.

Derribaram-lhe as choças, e edificaram-lhe habitações firmes e solidas.

Ensinaram-lhe o commercio; arrotearam-lhe os terrenos; secaram-lhe os
pantanos; duplicaram-lhe a agricultura; exploraram-lhe o minerio.

Deram-lhe instituições, codigos, leis; mostraram-lhe a associação;
prégaram-lhe a liberdade e a beneficencia.

Depois fizemos a nossa primeira revolução liberal. Marchámos contra o
despotismo e mostramos-lhe os direitos do povo em 1820.

O gigante do seculo estranhou a audacia, mas temeu a força popular.

Transigiu, ou por outra transigimos.

Mas da liberdade conquistada fizemos participante a colonia brazilica.
Estendemos até lá as idéas que a França nos havia ensinado, e quando em
Ypiranga o regente soltou a primeira phrase de indepencia, quasi que
voluntariamente lhe levantámos a tutella.

Queria governar-se... Muito bem; em 1825 reconhecemos-lhe o direito,
demos-lhe a emancipação, e um rei, filho dos soberanos portuguezes, para
que a dirigisse.

Não lhe oppozemos grandes obstaculos, nem tentamos sujeital-a pela
força.

Ficou livre, e ficámos livres; mas n'esta mutua liberdade que nós
reconheciamos, parece que nos deviamos estreitar em amisade de irmãos,
em desenvolvimento de interesses, em aspirações de idéas.

Assim não acontece.

      *      *      *      *      *

O povo brazileiro declara guerra de exterminio ao povo portuguez.

A indolencia teme a concorrencia da actividade; o homem perguiçoso e
somnolento aborrece o homem trabalhador.

No Pará é que se dá o combate sem treguas. O negociante, o artista, o
industrial, o trabalhador, que vão das nossas terras, abandonando a
patria e a familia, affrontando todos os perigos, em busca de pão,
veem-se odiados, espesinhados e assassinados pela horda de infames, que
querem recuar quatro seculos, voltando á selvajaria primitiva.

Incita-os á vingança um pasquim jornalistico, que todos os dias manda de
caza em caza, de animo de espirito em espirito o odio contra nossos
irmãos.

Em 1875, ainda o fanatismo de braços com o interesse incita as turbas á
matança. Os portuguezes são os christãos novos, os judeus e os
albigenses em que cevam rancores os parasitas e ociosos.

Senhores homens da _Tribuna_: expulsae os portuguezes, como á colonia
hebrêa faziam os reis catholicos de Hespanha. Confiscae-lhes mesmo as
riquesas; chamae a vós as suas propriedades; roubae-lhes o commercio que
elles souberam elevar e desenvolver, que assim tereis condignamente
satisfeito ao fim da missão jornalistica de assalariados vendilhões.

      *      *      *      *      *

Os portuguezes residentes no Pará estão sujeitos ao afiado da faca
assassina. São seguidos na sombra e mortos cobardemente nas
encruzilhadas.

É crime ser commerciante; o trabalho é um delicto. Assim o entendem os
_tribunos_.

Ganhar honradamente o pão de cada dia, é uma atrocidade; a industria é
uma infamia; o homem que trabalha é um _gallego_.

E, oh supremo desaforo! se os portuguezes se reunem em associação, os
_tribunos_ só comprehendem as sociedades de bandidos!

As portas dos nossos compatriotas são marcadas com signaes, para que o
punhal possa entrar sem receio de errar o golpe.

A justiça verga-se; é egual para os naturaes, a quem absolve os crimes:
esmagadora, despotica e tyrannica para com o portuguez que commetteu a
menor transgressão á lei.

No seio das familias ensinam-se as creanças a odiar os filhos de
Portugal. As imaginações infantis apresentam-se quadros horrorosos, em
que se incute esse odio, em que elle se perpetúa sempre, e cada vez
produzindo mais funestas consequencias e terriveis episodios.

O lar é escola de malquerenças; e em vez de ensinarem aos filhos a
veneração e o amor pelos portuguezes, que lhes conquistaram a liberdade
e a civilisação que estão gosando, educam-nos nos principios repellentes
da inveja e do despreso.

E a colonia portugueza, laboriosa, activa, trabalhadora, soffre
resignada todos os ataques, todas as injurias e todos os doestos.

O imperio está imperturbavel, e contemporisa.

      *      *      *      *      *

Houve um portuguez que presenciou todos estes factos, e que os lançou em
livro, contando-os com todas as particularidades.

Foi o sr. Gomes Pércheiro, agente no Pará da _Agencia americana
telegraphica_.

É um cidadão benemerito, que não trepidou diante de obstaculos, para
abrir os olhos aos nossos compatriotas, que, indo em procura de trabalho
e fortuna, encontraram o punhal do assassino.

Accusado o auctor d'este livro de falso e exagerado nos seus despachos
telegraphicos, veio deffender-se á imprensa, provando á evidencia, com
documentos incontestaveis, que não mentia ao seu dever nem faltou á
verdade dos acontecimentos.

Não fez estylo: escreveu os factos, simplesmente, e pediu sobre elles o
_veredictum_ da opinião. Mostra-nos o que é e o que vale o Brazil na
actualidade; desmascara muitos hypocritas e farçantes; ensina-nos o que
representa a educação brazileira; conta-nos o que significa a sua
justiça.

É um livro bom, que todos deviam lêr, para se não deixarem possuir de
falsas illusões e de miragens mentirosas.

O portuguez não tem só a vencer a intemperie do clima; tem a luctar com
a traição dos naturaes. Quando escapa á febre, nem sempre pode fugir ao
punhal.

Portugal não pode dar braços, porque necessita d'elles; como não pode
prohibir que cada qual procure a região que lhe aprouver, deve persuadir
pelo conselho e vencer pelo exemplo.

O livro do sr. Gomes Pércheiro é exemplo, e bem palpitante e provativo.

É a historia desinvolvida de todos os acontecimentos do Pará, de todos
os assassinatos, roubos e torpezas da _Tribuna_.

Toda a nossa imprensa se tem empenhado n'esta questão, e condemnado os
mercenarios jornalistas que além-mar estão fazendo propaganda traiçoeira
e vil.

Aquelle farrapo de banalidades só insere calumnias e infamias contra a
colonia portugueza, mas o livro _Questões do Pará_ vem desfazer todas
essas calumnias, e com pleno conhecimento de facto desarma os _tribunos_
e os que lhe pagam a escripta.

O sr. Pércheiro, publicando o seu livro, prestou um bom serviço a
Portugal, e oxalá que da sua leitura se colham os devidos resultados.

                                                      _Sergio de Castro_

(_20 de junho_)

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DIARIO POPULAR

Este livro trata de questões em que todos nós os portuguezes somos mais
ou menos interessados. Todos os annos vão de Portugal, seduzidos por
pomposas promessas, e na crença de que o Brazil é um paiz onde o ouro
anda aos pontapés, e que basta uma pessoa abaixar-se para ficar rica de
um dia para o outro, centenas e centenas de portuguezes, deixando os
nossos campos incultos e trocando por lucros, quasi sempre inferiores
aos promettidos e sempre arriscados e falliveis, a modesta remuneração
na sua patria, junto dos parentes e amigos, debaixo do ceu a cuja luz
abriram os olhos e do meio das arvores a cuja sombra brincaram quando
meninos. Dissipar as illusões dos credulos, abrir os olhos aos incautos,
prevenir os desavisados, é um dos propositos que teve em vista o sr.
Gomes Pércheiro escrevendo este livro. Sob o ponto de vista, o capitulo
de _como os brazileiros protegem os colonos portuguezes_ é digno de ser
lido e meditado.

O livro, escripto em linguagem clara e corrente, offerece larga copia de
esclarecimentos sobre a maneira por que são acolhidos e tratados os
portuguezes no Pará e contém documentos mui curiosos a este e outros
respeitos.


(_17 de maio_).

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O PAIZ

Foi publicado ha poucos dias um livro em 8.º, de 272 paginas, intitulado
_Questões do Pará_. É escripto pelo sr. D. A. Gomes Pércheiro, que viveu
alguns annos na indicada cidade do imperio do Brazil, e precedido de uma
carta do sr. Ferreira Lobo, contador do tribunal de contas, e auctor de
mui importantes trabalhos em assumptos de organisação de fazenda.

O livro de que nos occupamos foi escripto ao correr de penna, mas relata
com bem vivas côres a serie de vexames por que passam os nossos
compatriotas que a sede do ganho tem levado áquella região do Brazil.

O auctor mostra o viver dos nossos patricios em todas as situações,
sempre objecto de exploração por parte dos naturaes, que andam dominados
do falso principio da _nacionalisação do commercio a retalho_.

O portuguez, ou antes o _marinheiro_ ou o _gallego_, como ali denominam
o filho de Portugal, é sempre o bode expiatorio nas questões de policia,
de impostos, de administração de justiça, de contractos, etc. Prejudicar
o portuguez por qualquer fórma é acto meritorio para os naturaes do
Pará!

Não são gratuitas as asserções do sr. Pércheiro, porquanto, no _livro
branco_ apresentado ás côrtes, encontra-se a confirmação official de
tudo quanto parecer exaggerado no livro de que fallamos.

É conveniente que todos leiam a obra do sr. Pércheiro: muitos sonhos
dourados hão de desvanecer-se, e as tendencias emigratorias tomarão
outra direcção. É lastimavel que offerecendo a nossa Africa occidental
localidades salubres, por exemplo, e bem perto, nas ilhas de Santo Antão
e Brava, do archipelago de Cabo Verde, os nossos emigrantes despresem o
territorio portuguez, onde encontram protecção da auctoridade, segurança
das vidas e da propriedade e recompensa dos seus esforços, vão
sacrificar-se do outro lado do occeano aos tratos que os proprios
brazileiros ostensivamente condemnam, e em terras bem menos salubres que
algumas das nossas provincias ultramarinas.

É necessario desvendar os olhos d'esses infelizes, que abandonam patria
e familia, por suppostas riquezas que se traduzem em dissabores,
attentados pessoaes, oppressões, e, as mais das vezes, doenças cujo
resultado se não é a morte é o soffrimento chronico.

O sr. Pércheiro prestou um bom serviço com o seu livro, cuja leitura
muito recommendamos.


(_30 de maio_).

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O PORTO

_Questões do Pará_, por D. A. Gomes Pércheiro. Já no penultimo numero
d'esta folha alludimos a este livro. A leitura forçadamente rapida a que
procedemos arranca-nos uma doce illusão: o sr. Gomes Pércheiro
convence-nos,--mercê de serios documentos,--de que «os nossos irmãos de
além mar» não encontram nas terras de Santa Cruz os fraternaes carinhos,
nem ainda a hospitalidade, que seria licito esperar de um povo a quem
demos a mão para arrancar ás trevas da ignorancia e fazel-o compartilhar
dos guizados, bem ou mal temperados, que hoje se servem na meza da
Civilisação.

Aos incautos por demasias de concupiscencia, que lhes sobrepujam a
reflexão e o proprio instincto conservador, offerecemos em artigo
especial um excerpto do livro--_A emigração para o Brazil_ a que
alludimos e que do coração a todos recomendamos.


(_3 de junho_).

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O PRIMEIRO DE JANEIRO

Com este titulo recebemos um volume, de que é auctor o sr. D. A. Gomes
Pércheiro, com uma carta do distincto escriptor o sr. J. J. Ferreira
Lobo.

O novo livro não é obra para recreiar o espirito, mas tem a rara virtude
de ensinar muito e dizer verdades que nenhum portuguez deveria ignorar.
Tendo residido algum tempo no Pará, o auctor diz sem pretenção e em
linguagem fluente de que modo os nossos compatriotas ali são tratados,
tanto na vida particular como pelas auctoridades e perante os tribunaes.
Cada asserção que avança, comprova-se com o testemunho de pessoas, cujos
nomes aponta e com o extracto dos jornaes da localidade. Não é pois uma
verrina sem base, é a exposição de factos de cuja veracidade todos se
pódem certificar, além de que no _livro branco_ apresentado ás côrtes,
se confirma quanto o sr. Pércheiro assevera.

Os que levados pela sede do oiro, abandonam familia e patria, para se
dirigirem áquella região, quizeramos nós que compulsassem antes o livro
de que vimos fallando, e bem póde ser que a corrente da emigração que
hoje toma rumo para ali, derivasse para as nossas possessões onde não
faltam riquezas a explorar, onde a segurança individual é milhor
garantia, e onde finalmente perante a justiça todos são portuguezes.

Agradecemos o exemplar com que fomos obsequiados.


(_2 de junho_).

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A LUCTA

Temos sobre a mesa um volume de 272 paginas, escripto pelo sr. Gomes
Pércheiro, que foi agente da _Americana telegraphica_, no Pará, as quaes
paginas são precedidas por uma introducção do sr. Ferreira Lobo, que
felicita o auctor «pelo seu brado de indignação contra a prepotencia de
que estão sendo victimas no Brazil os nossos irmãos pela patria».

Vê-se já que se não trata de um romance, mas sim de uma questão
importantissima para os interesses e dignidade nacional.

Recommendamos a sua leitura aos que desejarem ser instruidos sobre os
successos do Pará, resultantes de causa que ainda não cessou, e que
encheram Portugal de receio pelos seus filhos e o mundo de horror pelos
assassinatos e pilhagem commettida contra as leis da hospitalidade, ou
antes contra o direito das gentes.

Rogamos ao auctor que mande um exemplar á commissão de emigração; póde
ser que ella o leia, e d'ahi lhe resulte vontade de fazer mais alguma
coisa, se é que este _mais_ se póde applicar a quem ainda não fez nada.

O livro do sr. Pércheiro tem mais outro merecimento; é mostrar o atrazo
d'aquelles povos, a sua pouca instrucção, a sua pessima organisação
politica e judicial, e emfim a corrupção que por lá vae n'aquelle corpo
ainda branco, de modo que póde dizer-se fructo apodrecido antes de
sasonado.

D'estes e que taes livros desejavamos nós que se propagassem bastantes
em Portugal, e quizeramos tambem que os srs. parochos das aldeias dessem
d'elles lição aos povos, para lhe debellar a mania ambiciosa que os leva
á humilhação em terra estranha.

Felicitamos o sr. Pércheiro pelo bom serviço que prestou ao seu paiz.

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A AURORA DE LIMA

_Questões do Pará_--Precedidas de uma carta do distincto escriptor o sr.
Ferreira Lobo. É um livro de 272 paginas, nitidamente impresso, cujo
auctor é o sr. D. A. Gomes Pércheiro.

O livro foi escripto ao correr da penna, mas relata com bem vivas côres
a serie de vexames por que passam os nossos compatriotas residentes no
Brazil.

É digna de lér-se a obra do sr. Pércheiro.

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JORNAL DE COIMBRA

Quando sua magestade el-rei no seu discurso por occasião da abertura das
camaras dizia em poucas palavras que o remedio aplicado pelo seu governo
na questão dos insultos e maus tractamentos praticados pelos brazileiros
nas pessoas dos nossos portuguezes fora energico e que o estado de
coisas caminhava para melhor, ficou todo o paiz persuadido que realmente
o governo brazileiro por instancias do nosso tractara energicamente
d'obstar aos maus tratamentos que os nossos patricios recebiam em todo o
paiz, particularmente no Pará.

Infelizmente sua magestade, se não foi illudido pelo governo portuguez,
foi-o de certo pelo governo brazileiro, pois que as perseguições contra
os nossos patricios continuam, e não vemos que o procedimento do governo
tenha evitado tão grande mal.

E não são de pequena importancia os sucessos naquellas longinquas
paragens, pois que os nossos irmãos não só se vêem oprimidos pelos
homens de baixa esphera e pela _ralé_ da sociedade, mas os proprios
tribunaes judiciaes mostram-se benevolos contra os assassinos dos
portuguezes. A justiça, que n'um paiz liberal está sempre superior a
todas as influencias mesquinhas, ali acha-se eivada d'um exclusivismo
condemnavel, perseguindo com o maior rigôr alguns crimes practicados
pelos portuguezes, ao passo que absolve sem o menor escrupulo os
indigenas que matam os nossos patricios.

Não são gratuitas as nossas asserções, pois que no livro do sr.
Pércheiro encontramos os seus documentos justificativos.

O clero debaixo d'uma capa hedionda, que só elle sabe envergar,
manifesta-se inimigo terrivel dos portuguezes; e infelizmente não
succede isso só no baixo, mas no alto clero.

Os tribunaes não são de certo os que menos revelam a sanha contra os
portuguezes. Artigos auctorisados d'alguns jornaes illustrados e que
reconhecem esta grande perseguição manifestam claramente a sua opinião
fazendo o parallelo entre o castigo aplicado aos delinquentes
portuguezes e brazileiros.

E d'este modo emquanto o governo portuguez descança á sombra da sua
_popularidade_ os nossos irmãos são martyrisados no Brazil!

Não fazemos extractos d'este livro, porque se os fizessemos teriamos de
transcrevel-o todo, pois que em cada pagina se exemplificam as nossas
asserções.

Effecttivamente cada facto ali mencionado é um exemplo claro e manifesto
do modo cruel por que os nossos patricios ali estão sendo tractados; e
cada audiencia que tenha em mira julgar um caso qualquer em que o
infeliz portuguez represente, é um novo escandalo de que os proprios
brazileiros illustrados se envergonham.

O sr. Pércheiro fez por tanto ao paiz um grande serviço, patenteando aos
olhos de todos as perseguições que os portuguezes ali soffrem, por culpa
do nosso governo, por culpa do nosso representante n'aquelle selvagem
paiz, e por culpa do governo brazileiro que ou não se sente com força
d'evitar os grandes malles que ainda hoje se repetem como lemos no
_Brazil_, ou não quer acabar de vez com aquella infame montaria.

Chamamos portanto mais uma vez a attenção do nosso governo para uma
questão de tal magnitude, e esperamos que sua magestade el-rei para se
não ver obrigado a repetir as palavras que proferiu no seu primitivo
discurso, mas que infelizmente não foram confirmadas, será o primeiro,
como o primeiro cidadão que é, em acabar de vez com as desgraças por que
estão passando os nossos patricios.

O livro do sr. Pércheiro é, pois um livro importantissimo e de certo fez
um grande serviço a Portugal, publicando-o.

Resta-nos agradecer em nome do paiz os grandes serviços prestados aos
nossos irmãos, e em nome da redacção a preciosa offerta com que aquelle
cavalheiro a acaba de brindar.


(_8 de junho_).

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TRIBUNO POPULAR

Segundo vae referido na secção de livros, o sr. D. A. Gomes Pércheiro,
agente que foi no Pará da _Agencia americana_, publicou um livro, que
tem por titulo--_Questões do Pará_, e teve a bondade de nos offerecer um
exemplar, que muito lhe agradecemos por vir fortalecer as opiniões
sempre aqui manifestadas ácerca dos tristes acontecimentos do Pará.

Abrimol-o e lêmol-o com a anciedade a que nenhum portuguez poderá
furtar-se quando ouve fallar nas questões do Pará, e topa com um livro
dedicado a este deploravel assumpto.

Muito se tem escripto nos jornaes portuguezes, e o que estes não teem
podido referir, conhecem-n'o os que lêem as folhas e correspondencias
brazileiras. Pois tudo isso é nada, em presença do que o sr. Pércheiro
conta no seu livro.

Dos desacatos, assassinatos, roubos, insulto e outras tantas tentativas
praticadas contra os nossos compatriotas sabemos nós e sabe toda a
gente; que á testa d'esta cruzada selvagem se achava um jornal infame,
tambem não era ignorado; que emfim as justiças eram conniventes ou
impotentes contra aquelle estado, via-se pela impunidade dos criminosos,
pela repetição dos crimes e pela emigração dos nossos compatriotas, que
em massa deixavam aquellas paragens, onde á sombra de uma bandeira, que
por antonomasia se diz amiga, se deixava correr desenfreada a mais
infame violação de todas as leis, de todos os deveres e de todas as
praticas de reciproca hospitalidade.

Pois em vista dos factos, dos documentos que se encontram n'este livro,
pasma-se da horrorosa desigualdade com que os portuguezes e seus
assassinos e roubadores são tratados pelas auctoridades e justiças
publicas, sendo victima do rigor demissorio quem assim não procedesse!

Se a desigualdade consistisse no castigo dos portuguezes delinquentes,
de agradecer era, para que o exemplo aproveitasse como lição de que só a
probidade suscita respeito entre estranhos. Mas quasi se chegam a
premiar os crimes commettidos contra portuguezes, vendo-se que havia
cruzada de destruição organisada contra elles, á qual não eram
indifferentes as proprias justiças.

D'aqui deduzimos nós, e como nós em parte o auctor, que da vigilancia
dos nossos governos, da culposa e indesculpavel indifferença do ministro
portuguez na côrte do Brazil, e da quasi connivencia d'esta procede todo
o mal.

É muito recente o procedimento da Allemanha por causa de um subdito seu,
maltratado pelos carlistas, e depois por causa dos acontecimentos de
Guetaria. Pois os crimes praticados pelos paraenses contra os
portuguezes, incitados publicamente por um periodico, são infinitamente
mais do que o preciso para, se houvesse patriotismo n'este paiz, termos
rompido as relações com o imperio brazileiro, se elle não désse as
satisfações indispensaveis, garantindo a segurança dos nossos
compatriotas, e punindo os crimes praticados contra elles.

Mas o ministro de Portugal actualmente no Rio de Janeiro, desde que se
enlaçou com uma poderosa familia brazileira, tornou-se incompativel para
proceder com energia n'estes conflictos.

O auctor era agente no Pará da _Agencia telegraphica americana_;
presenceou os factos, e pelos narrar com fidelidade foi arguida a
_Agencia_ de parcial.

Mas pelos documentos officiaes, que pública, conhece-se que as
auctoridades eram conniventes, e se alguma apparecia com desejos de
fazer justiça, tinha por premio a prompta demissão, ou não encontrava
força para desempenhar os seus deveres, como succedeu com o presidente
dr. Pedro Vicente de Azevedo, e com o chefe de policia Samuel Uchôa.

Dos mesmos documentos officiaes constam declarações dos proprios
assassinos, pelas quaes se vê que as incitações da _Tribuna_ os demoviam
áquelles crimes.

Emfim as cousas chegaram a tal ponto, que um soldado, que assassinou
publicamente um portuguez, esperando-o de dia e dando-lhe um tiro,
apesar de o confessar, e o crime estar provado, foi condemnado a sete
annos de prisão simples, tendo o advogado circumscripto a sua conclusão
a pedir que a pena de morte fosse reduzida a vinte annos de degredo com
trabalhos!

Em 1857 appareceu afogado um portuguez. Querem ver a sentença que deu o
juiz municipal ácerca do desaparecimento do cadaver? Ahi vae:


«Sendo a sentença do infeliz portuguez Antonio, dada por um juiz
superior a todos os juizes, nenhum recurso existe mais; e por nada mais
poder fazer, condemno a todos os que trabalharam no presente processo a
pagar as custas em _Padre Nossos_ e _Ave Marias_ por alma do finado,
entrando n'este numero eu que já rezei o meu; e cabendo o maior numero
ao sub-delegado, e ao escrivão para não processarem os mortos. O
escrivão devolva este ao sub-delegado, deixando traslado no cartorio do
despacho de fl. 4, a 14 verso, e d'esta para ser remettida ao bispo,
quando elles não paguem as custas.

Cametá, 26 de julho de 1857.--_Lourenço José de Figueiredo_.»


Não é preciso dizer mais.

O livro do sr. Pércheiro presta um bom serviço aos portuguezes, que
antes de irem para o Brazil quizerem ver a triste sorte que os espera.

Diz mais o sr. Pércheiro que o clero do Pará, ou o jezuitismo, que é o
mesmo, se associa aos inimigos dos portuguezes, por causa da maçonaria,
onde elles estão quasi todos filiados. Isto não é novo.

Por fim aconselha os portuguezes a emigrarem para a Africa, aonde ha
grandes riquezas a explorar, e a justiça se administra egual para todos.


(_5 de junho_).

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GAZETA DO DIA

É um livro ousado, atrevido, abertamente, francamente verdadeiro, como
não estamos costumados a ler muitos na nossa terra. As cousas mais
graves e melindrosas dizem-se ali sem reticencias equivocas, sem rodeios
covardes: os factos são narrados na sua cruel nudez, as pessoas
apontadas com desusada e corajosa valentia.

Em todo o livro respira-se a franqueza rude dos tempos primitivos. Nem
mesmo os caracteres mais abjectos são ligeiramente mascarados. O sr.
Pércheiro não os deixa adivinhar, mostra-os, com toda a energia, com
toda a vehemencia, e ao mesmo tempo com toda a confiança e sangue frio
que dá a consciencia da verdade. Muitos censurar-lhe-hão a excessiva
franqueza em nome d'um _savoirvivre_ que se baseia no proloquio--«nem
todas as verdades se dizem.»--Que nunca o intrepido auctor d'esse livro
se arrependa de as ter dito. É condição humana o procurar a verdade, e
dever de todos o dizel-a. Além d'isso as verdades enunciadas pelo sr.
Pércheiro, proveitosas para todos, só para elle poderão ser nocivas.
Honra pois ao amor da verdade que vence o egoismo, á coragem que supéra
o interesse individual á indignação que esquece as conveniencias
triviaes. O livro do sr. Gomes Pércheiro é o maior protesto contra a
alliciação exploradora dos engajadores, é o mais efficaz antidoto á
febre da emigração que arranca quotidianamente a Portugal milhares dos
seus mais robustos filhos, para se estiolarem miseravelmente nas terras
doentias e quasi selvagens do norte do Brazil. Tem esse protesto a
eloquencia grandiosa dos factos e da verdade. Mostre-se bem ao homem que
vae deixar a sua patria para no sólo brazileiro ir consumir a sua vida,
o thesouro precioso da sua actividade, os annos floridos da sua
adolescencia, em busca de riquezas maravilhosas que lhe sorriem em
sonhos; o que é a terra para onde vae; o que soffrem lá os seus irmãos;
o modo porque são reconhecidos e pagos os seus trabalhos sem treguas, a
sua dedicação sem limites.

Os martyres catholicos acabaram no dia em que a sciencia arrancou do
espirito moderno as crenças do maravilhoso, que ali se aninhavam nas
trevas da ignorancia, com todo o brilho seductor dos contos de fadas.

Tirem do espirito do emigrante a miragem fascinadora que d'essas
ardentes plagas os chama pela boca dos alliciadores; façam-lhes vêr em
toda a sua verdade, em que se resume o paraizo que de longe tão seductor
é; que a emigração para o Brazil terminará immediatamente e os milhares
de braços que para ali vão cavar a terra que muitas vezes lhes é
sepultura, empregar-se-hão na cultura do nosso fertil sólo, ou irão
explorar outro sólo, tanto mais rico que o Brazil, mais hospitaleiro e
civilisado do que elle, que é nosso, e que por nós tão descurado está:
os terrenos de Africa. Ha de ferir muitas susceptibilidades, levantar
muitos odios o livro _Questões do Pará_.

Bem o sabia o seu auctor, e mais gloria lhe cabe sabendo-o, não ter
recuado. Vendo de perto a tempestade, vivendo no meio d'aquelles
tumultos continuos, que tantas vezes teem feito correr o sangue
portuguez, sem que as auctoridades brazileiras tenham força, energia, ou
vontade para obstar áquelles crimes quasi quotidianos. Soldado d'essa
campanha cruenta, que no Pará os portuguezes teem a toda a hora de
sustentar, contra o indigena selvagem assalariado pelos tribunos
ignobeis, que erguem n'aquellas paragens a esfarrapada bandeira da
reacção, o sr. Gomes Pércheiro viu, sentiu e soffreu todas as infamias
que aponta, todas as abjecções que castiga, n'um estylo incorrecto ás
vezes mas sempre vigoroso, fustigante como o chicote, lacinante como o
bistori. Foi mais do que espectador, foi actor tambem n'essa terrivel
tragedia.

As _Questões do Pará_ são paginas cruamente verdadeiras á historia do
Brazil. Talvez o sr. Pércheiro se deixe ás vezes levar pelo justo rancor
que lhe despertaram os crimes que presenceou, a indolencia que viu da
parte dos governos em os prevenir, prejudicando assim um pouco a
imparcialidade do historiador. Talvez a serenidade do narrador seja ás
vezes supplantada pela vehemencia do pamphletario. Não lh'o podemos,
porém, censurar, ao vermos que essa vehemencia nasce da indignação santa
contra os implacaveis inimigos dos nossos desgraçados compatriotas, que
nas terras do Pará morrem assassinados covardemente, vilmente, por um
bando de selvagens postos ao serviço do egoismo, da ignorancia, da
malvadez e da reacção.

O livro do sr. Pércheiro é de salutar lição para aquelles que no canto
placido e benefico da sua patria, se sentirem aguilhoados pela febre da
ambição de thesouros imaginarios; é de santo conforto para aquelles que
empenhando a vida nas luctas sanguinolentas de que o Pará tem sido
theatro, ouvem a voz energica de uma consciencia sã, bradando
eloquentemente o pró da sua causa, combatendo energicamente, até ás
ultimas trincheiras os seus terriveis inimigos.

Nas _Questões do Pará_, arrancam-se muitas mascaras, põem-se a nu muitas
chagas, desvedam-se muitas infamias que até hoje estavam envoltas nas
mais amplas trevas. É grande pois o serviço por esse livro prestado, e
nós que acima de tudo prezamos a verdade, a sinceridade e a justiça,
aguardando o seguimento das _Questões do Pará_ que o sr. Pércheiro nos
promette, louvamol-o hoje pela corajosa franqueza do seu livro, livro
que ha de ficar como documento interessante, curioso, e mesmo
indispensavel para a historia da emigração portugueza para o Brazil no
meiado do seculo XIX, e que mais que é um bom livro, é uma boa acção.

                                                      _Gervasio Lobato._

(_25 de junho._)

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Questões do Pará

Com este titulo acaba o sr. Gomes Pércheiro de publicar um livro, que
hade ser lido com soffreguidão em Portugal e no Brazil. Chegado
recentemente do Pará, onde esteve envolto na lucta que ali se trava, o
sr. Gomes Pércheiro conhece perfeitamente a historia das questões, que
trazem acceso o animo dos paraenses. Delegado de uma agencia
telegraphica, tinha, por obrigação de officio, de investigar os
successos, de lhes averiguar as causas, de penetrar emfim nos segredos
d'essa guerra cruenta e infame que um grupo de brazileiros está movendo
aos portuguezes que vão ás terras de Santa Cruz procurar hospitalidade e
trabalho.

As suas revelações não pódem portanto deixar de ser curiosas, e nós
lemos o livro com o maior interesse. Empenhados ha muito n'uma lucta
energica contra os propagandistas da nacionalisação do commercio, tendo
seguido ha dois annos as peripecias da guerra movida no Pará aos
portuguezes, muitas vezes lamentámos não conhecer os fios secretos dos
tramas, cujas manifestações exteriores de longe presenciavamos e
condemnavamos. Era tão desnatural aquella guerra, eram tão oppostas aos
principios hoje admittidos geralmente em todo o mundo civilisado as
idéas apresentadas pela _Tribuna_, que muitas vezes procurámos ler nas
entre linhas do ignobil pasquim uma indicação que nos revelasse qual era
o motor secreto da sua propaganda, quaes os verdadeiros intuitos d'essa
cruzada absurda e ridicula.


O livro do sr. Pércheiro conduz-nos aos bastidores d'esse theatro, onde
infelizmente não se representa só a farça em que Arlequino e Pulcinella
e Pantalon são Marcellino Nery, João Cancio e Romualdo, onde tambem se
representa a tragedia de Jurupary, onde o sangue inunda o tablado, onde
scenas de deploravel selvajeria espantam quem das praias do velho mundo
contempla ao longe esse estranho e imprevisto espectaculo.

No livro do sr. Pércheiro fructo de rapida e febril improvisação,
sente-se ainda todo o ardor do combate, o vigoroso resentimento de quem
não conta só infortunios e aggravos alheios, mas que sabe tambem por
experiencia propria quanto doem a calumnia e o insulto, vibrados por
quem devia acolher o estrangeiro que trabalha com a hospitalidade que
hoje em parte nenhuma se lhe recusa. O sr. Pércheiro foi effectivamente
uma das victimas da _Tribuna_. Contra elle teve sempre engatilhados o
orgão dos nacionalisadores os seus mais torpes improperios. O seu nome
era um dos que voltavam em todos os numeros do jornal de Marcelino Nery
lardeados de injurias. Deve honrar-se com isso o sr. Pércheiro; uma
verrina da _Tribuna_ vale mais do que trinta attestados de bom
procedimento moral, civil e religioso.

Historiando as questões do Pará, o sr. Pércheiro, se não póde evitar que
o seu livro cheire a polvora, por assim dizermos, se não póde cohibir
violencias de estylo, que a sua situação amplamente desculpa, mostra
comtudo o desejo de ser imparcial, e verdadeiro, porque esteia a cada
passo a sua narrativa em documentos que a comprovam, e os capitulos
puramente historicos do livro quasi que se compõem de extractos dos
jornaes paraenses, onde podemos seguir, dia a dia, o desenvolvimento dos
successos.

Nos capitulos em que trata de analysar a situação dos portugueses e a
attitude dos brazileiros, é certo que por mais de uma vez se sentem as
represalias de um espirito ulcerado pelas injustiças de que foi victima,
as coleras de uma alma patriotica offendida no que ella tem de mais
caro, o bom nome, o pundonor e os brios da sua terra natal. Os
jornalistas insultadores que escrevem á solta no Pará não atacam esta ou
aquella parte da população portugueza, aggridem collectivamente o nosso
paiz, no seu presente, no seu passado, nas suas instituições, no seu
caracter nacional.

Difficil seria portanto a um escriptor portuguez, que esteve no Pará
envolto na lucta e que recebeu em cheio esses insultos vibrados á sua
patria, responder com a moderação á violencia, e pagar os vituperios a
Portugal com os louvores ao Brazil. A propria injustiça era desculpavel,
e comtudo o sr. Pércheiro procura não ser injusto. Não sabemos o que
haverá de exageração apaixonada no que o sr. Pércheiro diz da educação
dos brazileiros.

Nós não desejamos acompanhal-o a esse terreno, nós que sempre procurámos
marcar bem a distincção entre a população brazileira, generosa,
fraternal para nós, ainda que nem sempre isenta de antigos preconceitos,
da tribu de insultadores e de assassinos que formam a escoria do Brazil,
e que não pódem com justiça ser considerados como os representes de um
nobre paiz.

Mas ainda que admittamos que haja n'esses capitulos a apaixonada
exaggeração, que é ainda como que um echo da pugna a todo o transe, em
que o sr. Pércheiro esteve envolto, não podemos deixar de reconhecer que
ha ali revelações que teem um grande cunho de verdade, e que explicam
muitos factos que aliás seriam incomprehensiveis. O odio aos portuguezes
é tradicional no Pará. Ha mestres que o incutem no animo das crianças.
Ha familias que o legam aos seus filhos como um deposito sagrado, e
assim se inocula no animo das gerações novas um sentimento absurdo e
vil, que prepara os leitores fanaticos da _Tribuna_, e os assassinos de
Jurupary.

Em resumo o livro do sr. Pércheiro respira todo o ardor da lucta,
sente-se n'elle impresso o cunho dos resentimentos, ouve-se ainda o echo
das violencias do combate, mas é no fim de tudo um livro fluentemente
escripto, e que não póde deixar de ser consultado por todos os que
desejarem conhecer a historia d'essas deploraveis questões, que tem sido
fataes aos nossos compatriotas, fataes tambem á prosperidade do Brazil.
São por assim dizer as memorias de um combatente, que foi testemunha
occular, testemunha bem informada dos factos que narra, e que em
Portugal só são muito perfuntoriamente conhecidos.

Se essas revelações impedirem muitos dos nossos compatriotas de ir
procurar fortuna em tão inhospito paiz, terá o sr. Pércheiro prestado a
Portugal e aos portuguezes um verdadeiro serviço.

                                                      _Pinheiro Chagas._

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ACTUALIDADE

_Questões do Pará_ por D. A. G. Pércheiro. N'este livro que temos á
vista e que seu auctor nos offertou, procura-se, em linguagem correcta e
por vezes elevada, tornar conhecida a indole dos factos desastrosos que
ultimamente tem desacreditado aos olhos do mundo civilisado uma das mais
ricas e importantes provincias do Brazil.

O sr. Pércheiro foi agente da Agencia Telegraphica Americana, no Pará e
por isso, teve, pela sua posição, de acompanhar todos os movimentos da
opinião publica.

A sua narração é serena e conscienciosa, apesar de ter vivido n'aquelle
meio de encontradas paixões.

Os partidos não conseguiram cegal-o com a grandeza apparente de suas
promessas, e por isso o seu livro tem muita importancia e a sua leitura
é de grande utilidade para aquelles que quizerem imparcialmente avaliar
a lucta travada no Pará.

Ahi encontra o leitor esclarecimentos de toda a ordem: actos officiaes,
artigos da imprensa brazileira, manifestos, documentos judiciaes, etc.

Recommendando a sua leitura não fazemos mais do que praticar um acto de
justiça.


(_23 de junho._)

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COMMERCIO DO PORTO

Esta obra, sahida ha pouco tempo dos prelos d'uma typographia da
capital, trata das questões que ultimamente se deram na provincia do
Pará, questões que os leitores muito bem conhecem, e que não carecem
agora dos nossos commentarios, pois que já sobejamente os fez a imprensa
digna e séria dos dois paizes interessados.

A obra do sr. D. A. Gomes Pércheiro, analysando factos mais ou menos
importantes, revela muito patriotismo, muito interesse e dedicação pelas
coisas do nosso paiz. O sr. Pércheiro parece-nos um combatente energico,
leal e corajoso. Este é, por sem duvida, o seu mais bello titulo de
gloria.

Terminamos agradecendo o exemplar com que fomos brindados.


(_26 de junho._)

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DIARIO ILLUSTRADO

Realisou-se no domingo, em Bemfica, uma festa verdadeiramente
esplendida. Por iniciativa do reverendo prior celebrou-se pela vez
primeira, n'aquella freguezia a solemnidade de _Corpus Christi_. O
professor de instrucção primaria da localidade, escolheu o mesmo dia
para a distribuição dos premios aos seus alumnos mais distinctos. A
distribuição effectuou-se na egreja parochial, antes da festa.
Assistiram os srs. administrador e camara municipal do concelho,
inspector dos estudos, professores das povoações circumvisinhas e
algumas das pessoas mais gradas da terra.

A concorrencia foi numerosissima. Os estudantinhos sairam da escola á
frente do seu professor e acompanhados pela philarmonica Euterpe. Os
convidados distribuiram os premios. Os alumnos premiados foram onze. Os
premios foram comprados a expensas do professor.

O nosso amigo, o sr. Gomes Pércheiro, offereceu a cada um dos onze
alumnos um exemplar da sua obra--_Questões do Pará_--com esta
dedicatoria: «_Aos meninos que estudam e foram approvados na escola de
Bemfica, em 1875. Este modesto trabalho ensina um pouco a saber o que é
o amor da patria, por isso o offerece o auctor._»


(_30 de junho._)

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Juizo critico do «Districto de Aveiro», seguido de duas cartas do auctor
das «Questões do Pará»

Temos aberto diante de nós um livro, que nos fizeram ha tempos a honra
de remetter, e que tem por titulo--_Questões do Pará_ por D. A. Gomes
Pércheiro. É uma interessante exposição de factos, que lança muita luz
sobre a situação em que se acha a colonia portugueza na provincia do
Pará, e desfaz algumas illusões espalhadas geralmente sobre a protecção
de que alli gosam os nossos compatriotas.

Entristece-se o espirito ao ler o livro a que nos referimos. Dando mesmo
de barato que a paixão entrasse em algumas apreciações, exageradas
evidentemente, pondo ainda de parte o estylo declamatorio de alguns
periodos que se nos figuram deslocados, e resumindo unicamente a analise
aos factos que os documentos citados comprovam, vê-se claramente que no
Pará se move crua guerra aos portuguezes, e se desconsidera
estranhamente a nação a que pertenceram os antigos descobridores do
Brazil.

E o mais desconsolador é que se a guerra existe principalmente nas mais
baixas camadas sociaes, estimuladas pela inveja torpe dos lucros que
aufere a actividade do commercio portuguez, é nas classes inferiores que
a desconsideração mais se revela, não faltando testemunhos a apregoal-a,
nem havendo peijo em que ella se declare por actos publicos e
significativos.

Os actos praticados pelos afiliados nas idéas d'um papel incendiario e
nojento que, para vergonha do jornalismo, pretende no Pará tomar as
fórmas de jornal, seriam apenas crimes vulgares, como os de qualquer
José do Telhado que nós costumamos deportar para as nossas possessões
africanas, se os não revestissem circumstancias que lhes alteram
substancialmente a significação.

Ha um homem, que parece que se chama Sequeira Mendes, que é conego,
pessoa importante da provincia, proprietario de um jornal, deputado
provincial, grande influente politico, que não duvida, ostensivamente
mesmo, declarar-se protector d'essa horda de malvados. Provavelmente
precisa d'elles para os seus manejos partidarios. E por isso trata de
affastar d'elles o castigo que a justiça,--não nos atrevemos a dizer a
lei, porque nem sempre a lei é a expressão da justiça,--lhes devia já
ter applicado.

Isto prova tambem que a opinião publica é adversa aos portuguezes, e que
uma revalidade de nação para nação substituiu o affecto que devia ligar
por todos os titulos o Brazil a Portugal. Até a exploração partidaria,
dá testemunho de que essa revalidade existe, e produz as suas ominosas
consequencias. Um dos factos que mais incontestavelmente attestam este
deploravel estado de coisas é a indulgencia criminosa com que o jury
brazileiro absolve os que attentam contra os haveres e contra a vida dos
portuguezes, e, em opposição, a severidade que desenvolve sempre que o
culpado é um portuguez. Isto prova-o o sr. Pércheiro com trechos
copiados dos proprios jornaes brazileiros. Não é pois uma simples
allegação, caso em que nos recusariamos a acceital-o. Demonstra-o o que
se passou com o assassinato do calafate portuguez Antonio Candido Valle
por um soldado de infanteria n.º 11, igualmente o demonstra o que se
passou com a condemnação do portuguez Domingos dos Santos Coelho.

N'um artigo do jornal brazileiro _America do Sul_, citado pelo sr.
Pércheiro, apresentam-se os factos a esta luz, e não se desfarça mesmo a
significação que elles tem. Depois de referir e analysar os dois
julgamentos, concilie por esta fórma: «_Esperemos: O que nos
parece--dizemol-o «ab imo pectores»--é que actualmente, no sanctuario da
justiça, não se julgam crimes mas sim nacionalidades. Pois é mau, muito
mau, se assim acontece._»

Ora isto é muito grave. Quando nem a serenidade da justiça escapa á
influencia d'um odio assim pronunciado, se elle tem já tanta força que
faz dobrar a inflexibilidade da lei, é porque o seu poder é grande,
enorme.

Outro facto cita o sr. Pércheiro que causa a mais desgraçada impressão,
porque mostra que nas proprias repartições do estado se revela a maxima
desconsideração por tudo o que é portuguez. Citamos as proprias palavras
do auctor do livro:

«Ha já alguns annos, o caixeiro d'uma casa ingleza, moço portuguez,
apresentou-se na secretaria do governo e entregou ao continuo um
documento, que, depois de assignado pelo official maior, daria livre
pratica a um navio, que tinha annunciado a sua sahida para as quatro
horas da tarde. Era uma hora quando o empregado portuguez fez a entrega,
promettendo voltar ás tres horas. Chegado ali a esta hora, pouco mais ou
menos, o continuo recebeu-o mal, e demorou o nosso amigo até fechar-se o
expediente. Vinha sahindo o empregado superior, a quem o empregado da
casa commercial se dirigiu, e em termos finos lhe communicou o fim da
sua ida ali. O official maior, fez ver que estava fechado o expediente,
não attendendo ás razões culpaveis do seu subordinado, e á circumstancia
de que um navio não devia demorar a sua viagem pela falta de uma simples
assignatura.

«Não fez caso o empregado. Estava tratando com um portuguez e isso
bastava!

«Não se conformou com isto o pretendente, e sabendo que o presidente e
outros empregados d'alta cathegoria estavam reunidos n'uma sala proxima,
entrou e fez ver tudo que acabava de acontecer-lhe, não lhe esquecendo
dizer que elle era caixeiro da respeitavel casa ingleza de F. e que seus
patrões fariam, com toda a certeza, sahir n'aquella mesma tarde o navio
que se pretendia despachar.

«Coisa admiravel! o presidente apenas ouviu as palavras--_casa
ingleza_--deu um pulo na cadeira, tocou com estrondo a campainha, ao som
da qual acudiu o continuo, que recebeu ordem para chamar o tal official
maior. O presidente chegou mesmo a levantar-se da sua cadeira, e
dirigindo-se para a janella, fez d'ali signal ao empregado superior.

«Na volta o presidente fez ver a este empregado, que o caso que acabava
de dar-se era estranhavel, por quanto ainda ha pouco tempo lhe tinha
mostrado um officio confidencial do ministerio competente, no qual se
recommendava a maior attenção com todos os negocios trocados entre as
differentes repartições do estado e as altas potencias, como a
Inglaterra, a França, os Estados Unidos, etc!... O alto funccionario
respondeu simplesmente, que o caixeiro pretendente era portuguez, e por
isso pensava que a casa commercial era tambem portugueza!!»

Este facto parece incrivel. Recusa-se o nosso espirito a acceital-o. Mas
devemos confessar que elle desgraçadamente está d'accordo com outros de
que não é licito duvidar, e que se não são tão explicitos, revelam a
mesma tendencia. Devendo os portuguezes ser no Brazil os primeiros,
vê-se que são os ultimos. E não lh'o merecem decerto, nem pelo passado
nem pelo presente. Em toda a parte da monarchia portugueza, onde o
brazileiro se apresenta é recebido com mais que deferencia, ás vezes até
com favor.

Temos pena de que o sr. Pércheiro dominado por uma paixão, cujo
fundamento ignoramos, fosse tantas vezes d'uma critica tão irritada, que
obrigue o animo imparcial a dar ás suas palavras, quando as não
comprovam testemunhos insuspeitos, certo desconto. A boa critica não
póde aceitar como proposições geraes o que deve apenas admittir-se como
limitada excepção, quando existe. E seria mesmo mais vantajoso para o
credito que deve merecer o seu livro, que moderasse um pouco mais a sua
linguagem. Os vicios, os abusos não dão direito a quem os censura de
ser... quando menos exaggerados. E perdoe-nos o sr. Pércheiro, cremos
que em alguma parte o foi. A verdade não é decerto aquella. Não citamos
senão um logar em que esta reflexão nos accudiu, mas podiamos citar
outros. É a paginas 181.

Afora isto, era util que o livro do sr. Pércheiro se vulgarisasse, que a
população illudida, que deserta para as praias de Santa Cruz, tivesse
conhecimento verdadeiro do que por lá se passa, que, quanto a nós, é
este o melhor meio d'ella crear mais amor á terra em que nasceu, e não a
abandonar tão desassisadamente, arrastada pela sêde insoffrida de uma
opulencia rapidamente adquirida.

                                 (_Districto de Aveiro_, de 5 de julho.)

      *      *      *      *      *

_Sr. redactor do «Districto de Aveiro»._--Só hoje me veiu parar ás mãos
o n.º 360 do seu importantissimo jornal, no qual sob o titulo--_Nova
publicação_, vem publicado um extenso artigo de appreciação ao meu pobre
trabalho--_Questões do Pará_, appreciação que não devo deixar passar em
claro sem os devidos reparos, embora humildes.

Perdoe-me v. ex.ª que com a minha modestia, que o auctor do referido
artigo não quiz ver na carta--prologo feito ao meu livro, lhe diga, que
tão abalisado critico me faz algumas injustiças, contradizendo-se mais
de uma vez na sua appreciação, por fórma a querer sustentar ao mesmo
tempo--o preto e o branco--dos escriptores sem consciencia.

A circumstancia de ter sido tal appreciação publicada em jornal
portuguez e de não trazer o nome do seu auctor, me inhibe de collocal-a
ao lado dos escriptos parciaes, que sobre o meu insignificante trabalho,
hão-de mais tarde apparecer na imprensa brazileira.

Foi o meu livro escripto no corrente anno, desde 6 de março até 8 de
abril, dia em que sahi do Lazareto. A 12 d'este mez, apresentei o
manuscripto ao meu amigo Ferreira Lobo, ainda na incerteza de que
similhante trabalho visse a luz publica: taes eram os defeitos da fórma,
que, d'antemão, lhe reconhecera. Animou-me o distincto escriptor, que
venho de referir, com a sua carta que antecede as _Questões do Pará_.
Reconheceu-lhe, mais abalisado do que eu, esses defeitos, filhos da
exiguidade do tempo e da occasião em que fôra delineado o meu trabalho,
das nenhumas aspirações da minha parte ás honras de litterato e ainda
menos ás de historiador, para o que sempre reconhecera faltar-me o
estylo atreito aos homens talhados pela natureza, como o meu illustre
critico, para escrever livros de tão alto merecimento.

Provo ainda n'este logar, que não aspirava eu a tão elevadas honras, com
a minha annuencia ás idéas do auctor do prologo, no seguinte:

«Pede comtudo a sinceridade e a franqueza de que me preso que lhe diga,
antes de terminar, que não é o seu trabalho um primor litterario. O
amigo foi o primeiro a apontar-lhe os defeitos da fórma. Mas não se
desconsole com isto. No desordenado da phrase e no descuidado da
exposição transparece muito claramente a verdade de tudo que o amigo
assevera. Não ha artificios nem arrebiques. O seu escripto foi traçado
quasi todo durante a viagem, sem auxilio de livros. É agitado, revolto,
caprichoso como as vagas que balouçavam a mesa sobre que foi delineado»,
etc.

As minhas idéas, quando tratava de publicar o livro, eram outras.

Era meu intento unicamente protestar sem perda de tempo, na esperança de
obter do nosso governo remedio salutifero, embora energico, contra a
tyrania de que continuavam a ser victimas os nossos irmãos em terras
brazileiras.

Eis porque aproveitei para melhor coisa o tempo que me poderia levar a
rever a obra ou a fazer-lhe o prologo, onde, com as minhas proprias
palavras, apontasse os defeitos litterarios, que ella encerra,
satisfazendo assim as justas exigencias dos homens de lettras, em cujo
numero conto o meu sapiente sensor.

Tratava-se, pois, n'aquelle momento, de coisas mais importantes para mim
do que fazer estylo; por isso, a 15 do referido mez de abril, era o meu
trabalho entregue na typographia Lallemant, que, passados apenas 15
dias, me apresentava a 17.ª folha, a ultima, com a qual fechava uma
impressão de 3:000 livros! Mas é preciso que eu aponte as contradições
em que cahiu o distincto articulista do _Districto de Aveiro_.

Não cabe bem a quem não aspira ás honras de litterato fazer critica; mas
perdoe-me v. ex.ª a liberdade. Digne-se levar estes meus reparos á conta
dos que não sabem, e que milhor illucidados, podem aprender mais alguma
cousa com outras lições.

Diz o abalisado articulista sobre o meu livro:

«É uma _interessante_ exposição de factos, que lança muita luz sobre a
situação em que se acha a colonia portugueza na provincia do Pará, e
desfaz algumas illusões espalhadas geralmente sobre a protecção de que
ali gosam os nossos compatriotas.

«Entristece-se o espirito ao ler o livro a que nos referimos. Dando
mesmo de barato que a paixão entrasse em algumas apreciações,
_exaggeradas evidentemente_. (No torniquete em que eu me vi não quizera
eu ver s. ex.ª, a não ser para me dar rasão), pondo ainda de parte o
estylo declamatorio de alguns periodos que se nos figuram deslocados.
(Nada tem com o caso da veracidade dos factos. Os defeitos já foram
reconhecidos pelo auctor, antes de se lhe fazer critica); e resumindo
unicamente a analyse aos documentos que os factos comprovam, vê-se
claramente», etc.

N'este trecho vê-se que a minha exposição deixou de ser
_interessante_... Mas continuemos:

«E o mais desconsolador é que se a guerra existe principalmente nas mais
baixas camadas sociaes, estimuladas pela inveja torpe dos lucros que
aufere a actividade do commercio portuguez, é nas classes inferiores que
a desconsideração mais se revela, _não faltando testemunhos_ a
apregoal-a, etc».

Aqui muda de diapasão. A minha exposição torna a ser _interessante_,
porque _esses testemunhos_ forneço-os eu, sem apresentar documentos que
os comprovem. São simples allegações da minha parte, postas no meu
livro, talvez que com o fim de fazer melhor venda ao meu peixe!...

Mas o abalisado crítico crê e não crê nas minhas allegações! Recusa-se
acceital-as em alguns pontos, não obstante confiar n'ellas quando trato
do conego Sequeira Mendes, já no meu livro, já em artigos que n'elle
transcrevo, artigos por mim publicados nos jornaes do Pará. E mais se
fia ainda no que digo com respeito ao facto do caixeiro da casa ingleza,
chegando a honrar-me com as seguintes phrases antes de transcrever para
o seu artigo a parte do meu livro onde conto o occorrido:

«Outro facto cita o sr. Pércheiro que causa a mais desgraçada impressão
porque mostra que nas proprias repartições do estado se revela a maxima
desconsideração por tudo o que é portuguez. Citamos as proprias palavras
do auctor do livro» etc.

Depois do meu contendor transcrever o que eu digo ser--facto--mas ao
qual não junto documento algum que o _comprove_, termina com o seguinte,
ainda em meu abono: «Este facto parece incrivel. Recusa-se o nosso
espirito acceital-o. _Mas desgraçadamente está de accordo com outros_
(que não comprovo com documentos), _de que não é licito duvidar» etc.!_

Conclue-se, que a minha exposição foi _interessantissima_.

Mas com respeito aos tribunaes, deixou de o ser: as provas que allego
encontra-as s. ex.ª nos trechos dos jornaes que cito. _As minhas simples
allegações recusa-se a acceital-as._ A exposição do jornalista Carvalho,
redactor da _America do Sul, nosso digno compatriota_, o qual não
compareceu, como eu, na audiencia onde se julgava o assassino do infeliz
portuguez calafate, mereceu-lhe mais credito, porque aquelle cavalheiro
é habil e soube fazer estylo!...

A descarga geral é no fim. Ali não ha mais contemplações. O valente
guerreiro arranca, uma a uma, todas as folhas de louro, que já começára
a arrancar, da corôa que logo no principio da batalha me conferira, e,
desapiedado, até pisa a haste em que ellas se prendiam!

Oiçamol-o:

«Temos pena que o sr. Pércheiro, _dominado por uma paixão, cujo
fundamento ignoramos_, fosse tantas vezes d'uma critica tão irritada,
que obrigue o animo imparcial a dar ás suas palavras, _quando as não
comprovam testemunhos insuspeitos_, certo desconto.»

Queria o illustrado articulista que eu estivesse a rir e a dispensar
zumbaias aos brazileiros, em presença dos portuguezes assassinados, dos
tribunaes que absolviam os assassinos e do povo que se ria d'estas
absolvições!

Já disse atraz, e agora repito, que as contradicções do articulista são
manifestas; porque deixei provado que s. ex.ª acceita as minhas
revelações, completamente despidas dos taes _testemunhos insuspeitos_,
que fantasiou sem duvida para ter occasião de fazer estylo.

Mas continuemos:

A boa critica não póde acceitar como proposições geraes, o que deve
apenas admittir-se como limitada excepção, quando existe.»

Aqui confesso que não comprehendo o meu sensor: tal é a minha
ignorancia!... Porque eu não quero por um momento suppor, que seja
possivel ao meu illustre contendor fazer ainda hypotheses sobre as
_limitadas excepções_, que vê na gente brazileira, que eu digo nos odeia
em sua maioria, e sobre a qual eu jámais deixarei de sobrecarregar as
culpas, que os inconscientes querem levar á conta da ralé.

Vejam como são as coisas. Suppunha eu que tinha sido demasiadamente
liberal nas excepções que fiz no meu livro; mas enganei-me!

Alguns portuguezes, para desiludirem-se, precisam ir passar alguns annos
na _amavel_ companhia dos _tribunos_ em terras brazileiras.

Convido o illustre crítico a dar um passeio até Jurupary e mais terras
do civilisado Pará e outras provincias. Na volta me dirá se eu tenho
razão para ser apaixonado, e julgará da exactidão das minhas affirmações
de paginas 181 e outros pontos do meu livro, que não rectifico, porque
com ellas desejo evitar que os portuguezes incautos procurem mulheres
brazileiras, que, salvas mui poucas e honrosas excepções (permitta-se-me
a repetição, eu sou incorregivel!) não pódem ser as esposas, nem tão
pouco as mães que ambicionamos para nossos filhos. Muitas razões poderia
eu adduzir para comprovar esta minha asserção; mas falta-me o tempo e o
espaço.

Finalmente, é preciso fazer comprehender aos portuguezes que emigram
para o Brazil, que a sua desgraça está no cruzamento das raças lusitana
com a brazileira, que tanto nos odeia; assim como está tambem no fausto
que lá ostentamos, tão dessimilhantemente dos outros colonos europeus.


Bemfica 19 de julho de 1875

                                                      _Gomes Pércheiro._

Breves palavras apenas. Queixa-se, ou antes argue-nos o sr. Pércheiro de
sermos contradictorios na apreciação do seu livro, porque n'uma parte o
elogiamos, e n'outra fomos menos benevolos com elle,--por julgarmos
algumas das suas apreciações verdadeiras, e a outras não acceitamos sem
attestação de documento.

Somos então sempre contradictorios, e d'este modo a contradicção é
inseparavel da nossa pobre crítica, porque temos por costume invariavel
elogiar o que nos agrada, e censurar o que nos não parece bom. E o peior
é que não nos arrependemos, nem pretendemos emendar-nos de tão feio
peccado. Quando nos obrigarem a sahir da nossa obscuridade, ha de ser
assim. Tenha-nos embora o sr. Pércheiro por impenitentes. Não nos
queixaremos.

Não o supposemos embusteiro, pareceu-nos exaggerado, pelo menos em
alguns periodos. A paixão desvaira ás vezes os milhores e mais rectos
entendimentos. O sr. Pércheiro, no nosso modo de vêr, estava apaixonado
quando escreveu o seu livro. Nós é o que não podiamos estar quando o
lêmos, a não ser em favor do sr. Pércheiro, que, na unica vez que
tivemos a honra de o receber, nos pareceu um cavalheiro amabilissimo.

Ora o que é escripto com paixão precisa de certo desconto. É o que nós
dissemos e dizemos, a respeito das _Questões do Pará_. E nem por isso
deixa o livro de ser uma interessante exposição de factos, pelos
documentos que contém, pelo que a boa crítica póde d'elle receber sem
escrupulo, pelas noticias que dá com respeito a algumas questões pouco
conhecidas entre nós.

Dizemos isto a medo de sermos novamente arguidos de contradicção, visto
insistirmos na nota de apaixonado, que melindrosamente repelle.

O sr. Pércheiro diz que não rectifica o que a pag. 181 escreveu a
respeito das senhoras brazileiras. Nem nós lh'o pedimos. É uma questão
de consciencia. Ha de permittir-nos porêm que continuemos a suppor
excepção o que apresenta como regra. Como excepção ha d'isso em toda a
parte. Tambem por cá... Como regra, temos o testemunho em contrario de
muitas familias vindas de lá, que logramos a fortuna de conhecer.

Nós partimos em tudo isto d'um principio; que para affirmar nos nossos
compatriotas a convicção de que se não devem aventurar loucamente aos
azares da emigração americana, não é preciso representar-lhe o Brazil
como um paiz de selvagens ou pouco menos; e que d'outra sorte, não
fazemos mais que corresponder á denominação rusticamente injuriosa de
_galegos_, com que alguns brazileiros julgam affrontar-nos,
affrontando-se ao mesmo tempo a si.

Se isso é realmente offensa, preferimos ficar offendidos, a parecer-nos
com elles, offendendo-os pela mesma fórma, e com egual justiça.
Lisongeia-nos mais o papel de victimas. É questão de gosto talvez.

Podiamos assegurar ao sr. Pércheiro que nos foi desagradavel a certeza
de o havermos molestado sem querer. É porém sestro nosso e de muita
gente. Ainda ha pouco o nosso antigo amigo, o sr. Teixeira de
Vasconcellos, n'um caso identico, se queixava de que todos os auctores
lhe pediam que fosse franco a respeito do que escreviam, e todos se
julgavam depois offendidos quando elle tomava o pedido ao pé da letra.
Acontece sempre isto.

Por isso nós costumamos, e cada vez estamos mais firmes n'este
proposito--deixar á redacção d'outros jornaes a noticia das novas
publicações com aquellas palavras sacramentaes de louvor, que afinal
nada significam. Com isso ninguem se offende. Alguns acham pouco o
incenso. Mas d'ordinario todos gostam.

Resta dizer ao sr Pércheiro que o redactor principal do _Districto de
Aveiro_, não costuma assignar os artigos d'esta secção. Esta pratica,
que é de muitos outros jornaes do paiz, equivale a uma assignatura.

E faremos uma rectificação, visto ser necessaria. Nós não escrevemos: «é
nas classes _inferiores_ que a desconsideração mais se revela;»
escrevemos: «é nas classes _superiores_ que a desconsideração mais se
revela.» No entretanto foi como o sr. Pércheiro cita que o periodo sahiu
á luz. Travessuras dos compositores e descuidos da revisão, a que
estamos habituados. Nem d'ordinario já rectificamos. Deixamos esse
cuidado ao bom senso de quem lê.

                                                   _Districto de Aveiro_

      *      *      *      *      *

_Sr. redactor._--Antes de entrar na apreciação da resposta com que v.
exª me honrou em o n.º 366 do seu enteressantissimo jornal, permitta que
lhe agradeça o favor da publicação da minha carta, que motivou esta
resposta. Dito isto, peço egual favor para a inserção d'esta. Perdoe-me
v. ex.ª o abuso. É que eu com a alludida resposta, e outras que se lhe
possam seguir, ficarei _vencido_, mas nunca _convencido_: tal é o meu
obscurantismo a respeito das coisas do Brazil. Para demonstrar a v. ex.ª
que não fico convencido, é que escrevo mais estas desconcertadas linhas.
Creia que, se não fôra esta razão, deporia a minha penna de chumbo, que
jámais poderá vencer a de ouro, tão habilmente dirigida por mão de um
digno contendedor como v. ex.ª

N'essa resposta a que eu alludo, e á qual vou fazer algumas
considerações, suppõe v. ex.ª que me escandalizam as opiniões contrarias
ao meu livro e que me agradam as palavras _sacramentaes_ dos jornalistas
sem consciencia. Permitta que lhe diga, que, ainda mais uma vez tornou a
ser injusto comigo, injustiça que se estendeu a litteratos mui
distinctos, que se serviram apreciar o meu modesto trabalho.

Eu não me escandaliso com a opinião de criticos tão abalisados como v.
ex.ª; poderei escandalisar-me com as injustiças e apontar as
contradicções. E v. ex.ª foi injusto comigo e contradisse-se em alguns
pontos da sua apreciação ao meu livro. Desculpe a teimosia. Eu tambem
sou peccador como v. ex.ª Acredite-me com franqueza, que não dispenso as
palavras _sacramentaes_ de que falla, nem tão pouco as de censura com
que me distingiu, visto que, para umas e outras eu já estava prevenido,
ainda antes do meu trabalho ter saido a lume. Antes do apparecimento do
artigo de v. ex.ª já eu tinha recebido os jornaes do Pará, onde, a par
das injustiças, vi publicados alguns artigos bastante insultuosos. Já vê
v. exª que eu esperava flores e espinhos ao mesmo tempo. Mas eu sou tão
differente dos outros homens (e sinto que v. ex.ª me não tivesse ainda
comprehendido), que julgo importarem em pouco as palmas e as pateadas a
quem tem a consciencia tranquilla. E a minha, mercê do Altissimo, não o
póde estar mais. Comtudo agradeço umas e outras.

Folgo devéras, que não tenha visto em mim um embusteiro e apenas as
parecensas com quem foi exaggerado e apaixonado, isto com referencia a
alguns periodos do meu livro. Esta confissão agrada-me; mas é perciso
desfazer no animo de v. ex.ª essas ideas, que tão injustamante me
arroga. Eis o que ainda vou tentar.

Não ha exaggeração da minha parte, quando digo que a maioria dos
paraenses nos odea; porque, para comprovar esta minha asserção, me sirvo
das proprias palavras da _folha official_:

«Ao passo que o Japão se vae civilisando, o Pará, em vista dos ultimos
acontecimentos, está passando no estrangeiro como terra de selvagens!

«Pena é que as ideas intituladas _patrioticas_ (o exterminio dos
portuguezes), não tenham encontrado apoio sómente em meia duzia de moços
inexperientes.»

E basta. Isto significa um mundo de desgraças, que justificariam os meus
_exaggeros_ e a minha _paixão_.

O governo, representante do povo brazileiro, odeia-nos tambem porque
despresa a nossa causa, que é justa. Tomando o seu exemplo, os tribunaes
são quasi sempre facciosos, quando julgam o portuguez delinquente. Mil
factos o comprovam. E no nosso paiz não ha exemplo que os juizes julguem
nacionalidades. Haja vista ao processo do infeliz Vieira de Castro!...

Não se póde pôr em duvida a minha proposição:--_é ephemera a civilisação
no Brazil_; porque qualquer paiz civilisado levantar-se-hia contra a
propotencia sem egual, se parte d'esse paiz como acontece no norte
d'aquelle imperio, quizesse em pleno seculo XIX, repetir um novo S.
Berthelemy. E o povo brazileiro, permitta-me a repetição, é responsavel
pelos desmandos dos paraenses, porque até hoje ainda não vimos que os
seus representantes tomassem medidas energicas contra o estado de
effervescencia revolucionaria, que existe no Pará, ha mais de tres
annos. Nenhuma voz soou ainda no parlamento brazileiro, interpelando o
governo a respeito dos acontecimentos dos dias 6 e 7 de setembro do anno
findo; voz que ao mesmo tempo fulminasse um dos seus membros, accusado
com bastante fundamento, de estar á testa dos disculos. Este silencio
anima os desordeiros, que, contando com a impunidade, preparam novos
desacatos para d'aqui a pouco mais de um mez. E se elles se repetirem, o
que é muito provavel, porque as proclamações da _Tribuna_, sempre
attendida, cada vez são mais incendiarias, não terei razão de dizer que
o Brazil é um paiz de selvagens, porque á testa dos communistas vemos a
indifferença das auctoridades, os deputados do imperio, o clero e muitas
outras influencias?

Por muito menos que as barbaridades dos paraenses, não vimos nós, hade
haver 4 annos, um dos actuaes ministros, então deputado, interpelar o
governo por causa da pastoral do actual patriarcha de Lisboa? Não foi ha
dias censurado um prégador que, segundo se diz, insultára, em termos
mais convenientes do que os dos _tribunos_, algumas nações amigas? Não
me poderá v. ex.ª responder que os actos de repressão d'estes homens
foram ditados pelo meio da força, e sim pelo cumprimento do dever, que
todo o homem publico deve ter em vista. E o que fazem os deputados ou os
senadores brazileiros? Alguns, em pleno parlamento, já nos têem
insultado.

As doutrinas do jornal _A Tribuna_, que segundo dizem os defensores do
Brazil, não é acceite pela maioria dos paraenses, echoam livremente em
toda a parte: e desgraça é dizel-o:--semilhante jornal é o mais lido na
provincia, e mais de cem jornaes brazileiros trocam com este pasquim,
insulto permanente a tudo quanto é portuguez!

E desapprova v. ex.ª o epiteto de selvagem com que distingo aquella
gente; epiteto que, a fallar a verdade, será um pouco mais insultoso que
o de _gallego_ com que os brazileiros nos distinguem, porque _gallego_,
a meu simples entender, é synonimo de trabalhador, que mais honra do que
o do indolente. Mas de certo que o epiteto de selvagem não é mais
insultuoso que o de _ladrão_, _assasino_, _falsario_ e muitos outros com
que egualmente nos mimoseiam. Saiba v. ex.ª que, pelo ultimo paquete,
recebi eu muitas d'estas distinções! Pretenderá esta gente, com
semelhantes blasphemias, arredar-nos do banquete da civilisação? Mas eu,
chamando-lhes selvagens, não os prohibo de se civilisarem; com esta
distincção já mais os affastarei dos paizes cultos, onde em todas as
épocas têem apparecido, sem serem repudiados, alguns d'esses entes, no
meio da admiração e do rogosijo publico!

Não chamei ás mulheres brazileiras, adulteras e prostitutas; não digo
que o seu imperador é bebado e devasso; não distingo com os epitetos
mais infamantes o seu exercito e a sua marinha, cujas forças eu apenas
digo serem ephemeras, porque, effectivamente um pequeno exercito
europeu, faria do Brazil independente uma colonia de qualquer nação da
Europa.

Inflama-se v. ex.ª porque chamei selvagem á maioria dos paraenses,
epiteto que se poderá estender á maioria dos brazileiros, se elles de
futuro não protestarem contra o insulto de que temos sido e
continuaremos a ser alvo! O serem selvagens não lhes tira a honra de
serem respeitadores da vida e da propriedade alheia. Dizia Thevet, que
os _Tupinambas_ morreriam de pejo se vissem um seu visinho ou o seu
proximo carecendo d'aquillo que elles possuissem. Os delinquentes eram
castigados. Muitos selvagens se distinguiam pelo seu genio guerreiro.
Outros havia, antropophagos, que apresionavam as victimas, que afinal
eram os roubadores do seu paiz, e as comiam, depois de assadas nos
espetos de _marapinima_!

Já vê o meu illustre contendor, que nem a todos chamo _botocudos_,
titulo que bem podia caber aos assassinos de Jurupary. No Brazil ha
homens civilisados, especialmente no sul, que se horrorisam com os actos
de selvageria praticados pelos paraenses, a quem não distinguem com o
doce nome de compatriotas. Mas o que é quasi geral, especialmente desde
o Rio de Janeiro para o norte, é que os brazileiros, como acontecia ás
raças que antigamente predominavam na America do sul, odeiam os
portuguezes. Isto é que é irrefutavel. É uma verdade bastante amarga, eu
sei; mas... _quem não quer ser lobo_...

Insiste v. ex.ª sem duvida, por causa das boas relações que entertem com
_muitas_ familias brazileiras, em fazer _excepção_ do que, a respeito do
aceio das senhoras d'esse paiz, eu sustento ser _regra_; e para
contrapor a sua á minha opinião, diz que isto é questão de
_consciencia_. E eu, permitta-me que lhe diga, que é tambem questão de
_experiencia_; e no caso sujeito, parece-me que não vale menos uma do
que a outra. Para confirmar o que digo a tal respeito a pag. 181 do meu
livro, não irei, de certo, em procura de algumas familias, que ambos
conhecemos, as quaes exceptuarei sempre, mas que continuarão, por causa
da _experiencia_, que me faz _consciencioso_, a ficar em minoria.

Dizia M. de Tullenere, citado mais de uma vez por Ferdinand Diniz, no
seu livro _Le Brezil_, o seguinte respeito das brazileiras:

«Uma senhora vae á missa acompanhada por numerosos escravos adornados
com riqueza; e muitas vezes, em voltando para casa assenta-se n'uma
esteira, onde come com a mão, peixe salgado e mandioca.»

Ora, eu não creio que fique limpa quem, ataviada assim da festa, come o
peixe por similhante systema.

Aos francezes, inglezes e allemães, quando fallam assim dos outros
povos, respeita-se-lhes a linguagem, talvez porque são poderosos. Ás
mais pequenas exigencias, ás vezes injustas, segue-se-lhes a força dos
canhões! E nós, somos tão miseraveis, tão pequeninos, que nem ao menos
podemos dizer as verdades, como justo desforço contra tanta tyrania! É
assim o mundo. Quanto tens, quanto vales. Sacrifique-se a consciencia,
porque dizem ser forte o Brazil, que nos insulta! sacrifique-se a
consciencia, porque a familia brazileira, mais do que qualquer outra,
está relacionada com a portugueza!

Disse na minha primeira carta, que o meu illustre critico tinha sido
injusto comigo, e essa injustiça eu já a demonstrei. Disse mais que
tinha sido contradictorio, e o que ainda vou transcrever da sua
apreciação ás minhas _Questões do Pará_, corroborará mais o que já
disséra. Transcreverei apenas o primeiro e o ultimo paragraphos do seu
referido artigo, e assim juntos, é mais facil a apreciação.

Diz o 1.º:

«É uma interessante exposição de factos, que ministra muita luz,» etc.

Aqui o meu livro é recommendado aos leitores do _Districto de Aveiro_.

Resa assim o final:

«Afora isto, (as pag. 181 e outros logares?), era util que o livro do
sr. Pércheiro se vulgarisasse» etc.

As pag. 181 e _outros logares_ que o leitor do jornal ignora, porque v.
ex.ª não se dignou apontal-as, não devem ser lidas.

Conclusão logica:

_Afora o livro do sr. Pércheiro, era bom que o livro se vulgarisassse!_

Aponte v. ex.ª os taes logares, que eu e o paiz lhe agradeceremos tão
elevado serviço. Então, o leitor prevenido inutilisará as paginas sobre
que v. ex.ª fulminou o anathema, e poderá ler, sem escrupulo de peccar, o
restante das minhas _Questões do Pará_.

Era esta a obrigação do bom critico, que, como o historiador, tem que
ser muito minucioso para não ser injusto.

Terminarei agradecendo antecipadamente a inserção d'esta, pedindo ao
mesmo tempo mil desculpas pela divergencia da minha humilde opinião, o
que jámais me impedirá de ser.

                                                             De v. etc.

30 de julho de 1875.


                                                      _Gomes Pércheiro._


A declaração que faz o sr. Pércheiro logo ao principiar a sua carta:
«que com a resposta que demos á sua primeira carta, e _outras que se lhe
possam seguir_, ficará vencido mas não convencido,» dispensa-nos de
continuar n'esta amigavel controversia. O nosso fim nunca foi vencer.
Poderia ser, se tanto, convencer.

Seria pois inconveniente, e por demais inutil, toda a insistencia em
qualquer opinião que ao sr. Pércheiro desagrade, não se achando
interessado o nosso amor proprio em justificar o que escrevemos, nem
pondo nós empenho em nos resalvar das contradicções que o illustre
escriptor tão lucidamente descortinou logo no nosso primeiro artigo, e
que nós temos a infelicidade de ainda não perceber.

Affirmando que as _Questões do Pará_ era uma publicação interessante,
será incontestavel que não podiamos sem incorrer em contradicção,
pôr-lhe deffeitos; e escrevendo: «_afora isto_, o livro merece
vulgarisar-se,» talvez dissessemos uma inepcia, porque _isto_ não deverá
referir-se só aos defeitos que notamos, mas a todo o livro! Isso porém é
que nós não queremos averiguar.

Com relação á civilisação do Brazil estamos n'uma situação de espirito
muito analoga áquella que nos collocou a leitura do trabalho do sr.
Pércheiro. É possivel que nos achemos tambem n'isto em flagrante
contradicção. Concordamos que, não só a população inconsciente e
irresponsavel, mas tambem os homens que pela illustração devem
encaminhar a opinião, sejam injustos, apaixonados, malevolentes mesmo
com relação a Portugal: todavia não deduzimos d'ahi argumento para
provar a selvageria do paiz. Vemos n'isso uma deploravel aberração,
dictada por uma animosidade sem motivo. Nada mais. E isto parece pouco
ao sr. Pércheiro. E será talvez.

Não importa. Separemo-nos em bons amigos. Cada um fica na sua opinião, e
fica bem visto que ambos estamos tranquillos da nossa consciencia.

                                                   _Districto de Aveiro_

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JORNAL DE HORTICULTURA PRATICA.

Chegou-nos ha dias um livro que acabamos de percorrer e que trata de um
assumpto que realmente precisava de ser tratado seriamente e por penna
imparcial e sabedora dos factos.

Não vae decorrido muito tempo que o telegrapho communicava aos diversos
jornaes do paiz os insultos de que estavam sendo alvo os portuguezes
residentes no Pará, objecto de que então toda a imprensa do paiz se
occupou, pedindo ao governo para providenciar e fazer respeitar
n'aquellas paragens o pavilhão das quinas que, segundo se affiançava, os
paraenses intentavam enxovalhar em pleno dia.

Suscitaram-se todavia algumas duvidas sobre a veracidade dos factos
relatados e portanto foi muito bem vinda uma publicação devida a um
cavalheiro que residiu no Pará durante tres annos e que por conseguinte
teve occasião de estudar e prescutar todos os factos escandalosos que
diariamente ali se repetiam.

O livro a que alludimos é subordinado ao titulo _Questões do Pará_ e é
seu auctor o sr. D. A. Gomes Pércheiro.

O sr. Pércheiro tomando o seu escapello, anatomisa minuciosamente os
_prós_ e os _contras_ que alli vão encontrar aquelles que vêem no Brazil
um novo _El dorado_ e se ligarmos credito, como devemos, ás suas
palavras é certo que não se lhes antolha um futuro muito risonho.

Uma grande parte dos trabalhadores succumbem logo ao abordar aquelles
portos insalubres em que predominam quasi constantemente as febres, o
cholera e outras molestias que desapiedadamente desvastam a humanidade,
e os que por ventura logram a felicidade de escapar ás garras da morte,
depois de muitos annos de privações que nunca soffreriam na sua terra,
conseguem reunir no cantinho do bahú uns 400 ou 500 mil réis, que o
tratamento das molestias adquiridas no Brazil lhes absorve, quando
exhaustos de forças e na decrepitude da vida, regressam á sua terra
natal.

Oh! como é miseravel a vida do artista e do trabalhador portuguez no
Brazil! exclama o sr. Gomes Pércheiro e accrescenta; «Os portuguezes que
de futuro emigrarem para o Brazil, com o fim de se dedicarem ao
commercio, perderão infallivelmente o seu precioso tempo...», o que o
auctor demonstra com razões bastante acceitaveis sendo uma das
principaes o definhamento que de dia para dia vae tendo ali a
agricultura em consequencia da falta do braço escravo que as leis
libertaram.

O livro do sr. Gomes Pércheiro precisa de ser estudado; uma simples
leitura não é o bastante e o nosso governo prestaria bom serviço
mandando pela sua parte tambem estudar o assumpto no campo da pratica.
As estatisticas da mortalidade e a descripção minuciosa das privações
que sofrrem os nossos irmãos que vão em busca da fortuna, seriam talvez
o verdadeiro dique a oppôr-se á emigração.

O clero tambem podia cooperar para isso, porque a sua missão não é só a
de rezar padre-nossos e ave-marias.

Nós julgamos necessario que se evite quanto possivel a emigração, mas
por meios licitos e sem menosprezar a liberdade do paiz. Não queremos
que se apregoe a mentira; queremos que se diga a verdade e que se colham
algarismos exactos que fallem com toda a sua eloquencia.

Dito isto cumpre-nos agradecer ao sr. Gomes Pércheiro o delicado
offerecimento que nos fez da sua obra, a que toda a imprensa tem
dispensado o mais lisongeiro acolhimento e congratulamol-o porque é a
mais valiosa recompensa a que um escriptor póde aspirar.


(_Agosto_)

                                            _Duarte de Oliveira Junior._

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O PROGRESSISTA

Quando uma fila de carruagens pesadissimas atravessou pela primeira vez
os campos ao empuchão violento do fogo e da agua, a poesia assustou-se e
chorou como perdido o encanto das viagens. Soberbas de serras e montes,
amenidades e melancholias de longas e incultas planiceis tudo isto se
perdia para os olhos e para o coração de quem viaja; perdiam-se além
d'isso os sobresaltos, que dá uma floresta com fama de ser um abrigo de
salteadores, perdiam-se os mesmos salteadores, os seus roubos e
assassinatos.

A poesia não tinha razão; filha do genio e do enthusiasmo, o seu pranto
era um delirio.

Gostaes de contemplar as serras, de subir aos montes? Tomae o cavallo ou
o bordão; ide lá. Quereis ter sensações, julgaes que um susto ou mesmo
um roubo, em meio do desmaiar das damas e do brigar dos homens, é uma
cousa bella para soffrer e recordar? Pois escrevei aos salteadores de
que tiverdes noticia, dizei-lhes quando passaes que dinheiro levaes, e
será satisfeita a vossa vontade. Os wagons não teem mãos que vos prendam
e vos puchem para dentro; sois vós que pondes o pé no estribo e subis.

O viajar pelos caminho de ferro não será poetico, mas é commodo, e ás
vezes instructivo, o caminho de ferro é ás vezes a torre de Babel a
andar; são as cinco partes do mundo a conversarem sentadas n'um banco.

Senão vêde:

Uma noite de maio ia eu no caminho de ferro para Coimbra, tinha a um
lado um brazileiro ainda novo, e do outro um homem alto e grosso, com o
cabello e a barba já a branquearem-lhe; o brazileiro esperguiçava-se de
quando em quando, tirava as botas, e para que o viesse acalentar,
promettia dinheiro ao somno.

O meu outro companheiro encostava a cabeça, que abafara n'um bonet de
pelle de lontra, ao estofo da carruagem, e erguia e descahia
compassadamente as mãos sobre um dos joelhos.

«Está visto, disse-me o brazileiro, não posso dormir.

--Folgo muito, respondi eu, porque poderemos conversar. O sr. vae para
Coimbra?

«Para o Porto. O sr. é de Coimbra?

--Sou estudante.

«Oh! estudante; dizem que os estudantes é muito má gente.

--Muito obrigado pelo elogio; mas olhe, são mais as vozes que as nozes.

«Que fazem muita troça. Até fizeram troça ao imperador do Brazil, é
verdade? Pode dizer o que quizer, a mim não me importa o imperador, eu
não gosto do imperador, ainda que é o primeiro sabio do mundo. Não sei
se é, que eu não entendo d'estas cousas, sou negociante e ando a viajar
para me divertir, tenho gasto muito dinheiro: agora é gastar. Mas viu o
imperador gostou d'elle?

--Pouco. No Porto parece-me que não andou bem; era uma terra...

«Fez isso de proposito--interrompeu o meu companheiro de viagem. Se o
imperador tratasse cá bem os portuguezes, os brazileiros deitavam-n'o a
voar. Foi para agradar. O imperador anda a tremer de medo.»

A resposta indignou-me.--Não posso acreditar, repliquei eu: e o que
affirma seria, se assim fosse, uma acre censura para os brazileiros;
mas, repito, o que diz não póde ser.

«Pois póde, exclamou de repente o meu outro visinho. Póde e assim mesmo
é que é; o sr. é um idealista, que julga que os reis têem parentes,
idéas e sentimentos; está enganado, os reis têem um throno e nada mais;
percebe? Foi para agradar aos brazileiros, pois que duvida?

--O sr. é brazileiro? perguntei eu.

«Não sr. sou portuguez, mas tenho estado muitas vezes no Pará e vim de
lá ha seis mezes. Ora ouça...

Fiquei curioso e attento.

«Ha no Brazil dois partidos, começou o meu visinho, liberal e
conservador; as coisas prosperavam sob o governo do partido liberal, mas
algumas provincias começaram a pensar em se constituirem em republica; o
imperador chamou ao poder o visconde de Rio Branco, chefe do partido
conservador, e este para onerar as provincias que sonhavam com a
republica, mandou-lhes presidentes com instrucções para destruirem por
todos os modos o thesouro da provincia; tinham uma grande recompensa por
isso, e em breve tempo se desempenharam do encargo.

--Honrosissimo encargo!

«No Pará manifestou-se com grande força, sob o dominio do partido
conservador, um odio violento e tenaz contra os portuguezes, e este
odio, que está em todos os naturaes, achou um orgão n'um jornal de que
deve ter ouvido fallar _A Tribuna_.

«Esta _Tribuna_ é uma tribuna d'onde se prega o morticinio contra os
portuguezes. E quer saber quem é o redactor d'este jornal, e o chefe da
perseguição? é o conego Manuel José de Sequeira Mendes.

--Bello padre! exclamei eu.

«Por lá quasi todos são assim, crueis e devassos; o Brazil é uma nação
nova, mas corrompida até á medulla dos ossos. No parlamento todos os
deputados se vendem, e vendem-se a dinheiro de contado. Um francez que
tem no Pará uma fortuna collossal, (disse-me o nome) escreveu um dia que
dentro d'um certo numero de annos todos os deputados do Pará se lhe
tinham vendido. A asserção ficou sem resposta.

--Não imaginava tanto, mas fallemos do conego, chefe da perseguição.

«E deputado ministerial. O visconde de Rio Branco não combate a
_Tribuna_, não contradiz o grito--Mata gallegos--para não levantarem
outro--Republica.

--Mas porque é que no Rio de Janeiro não succede o mesmo?

«No Rio de Janeiro dominam os capitaes portuguezes.

--Porque não auxiliam os portuguezes do Rio os do Pará?

«Pela distancia. Umas provincias não podem ali influir sobre as outras.
Mas o estado dos portuguezes no Pará é terrivel. Ha tempo um escravo
matou um caixeiro portuguez; as leis do Brazil consignam para isto pena
de morte sem possibilidade de intervenção do poder moderador; pois o
jury absolveu o reu dizendo que o assassino tinha feito um acto
meritorio; que matar um portuguez, um gallego, era ser benemerito da
humanidade, etc. Esta inpunidade convida ao assassinato, e os
portuguezes são roubados e garrotados na rua e em casa sem que a justiça
proceda; ou se procede, termina pela absolvição, ou por penalidades, que
são um novo insulto. O governo...

--E a causa d'este odio?

«Olhe, nós não comprehendemos o que tinhamos a fazer no Brazil, como o
comprehendem os inglezes, os allemães e os francezes. Todos estes
trabalham, accumulam e retiram-se; não fazem no Brazil uma casa, não
fazem uma festa, não dão um jantar, não casam com uma brazileira; em
ajuntando, retiram-se, edificam palacios na sua nação, dão banquetes e
festas na sua nação, casam com as mulheres da sua nação, por isso não
dão na vista aos brazileiros; nós edificamos ali palacios, damos ali
banquetes e festas, ali casamos, etc...

Mas isso é conveniente ao Brazil; nós, dirigindo-nos assim,
enriquecemol-o; fazer o que me diz que fazem os inglezes, francezes,
allemães, é devastal-o.

É verdade. Mas aquella gente não tem razão, tem só olhos. De quem é este
palacio? E d'um marinheiro, ainda outro dia para ahi veio descalço. Ah!
estes gallegos não se matam d'uma vez! etc.

«E se os não matam d'uma vez, vão-os matando pouco a pouco.

«A imprensa toca todos os dias a rebate....................

--Que estado de coisas!

«Olhe foi denunciado á Europa por um portuguez de valor, ainda rapaz,
director da Agencia americana no Pará. A imprensa do Brazil accusou-o de
faltar á verdade; e dinheiro, mulheres, tudo foi tentado para o fazer
calar; elle deixou o Brazil, e veio para Portugal para responder d'aqui
á imprensa brazileira; verá dentro em breve um livro repleto de factos,
e Portugal poderá ver o que é o Brazil.

--A terra da promissão com que sonham os nossos desherdados da fortuna.

«Convertido em inferno pela mais baixa de todas as paixões--a inveja.»

      *      *      *      *      *

Passaram poucos dias, e, entrando no seminario de Coimbra, vi sobre uma
meza de estudo um livro intitulado--_Questões do Pará_, por D. A. Gomes
Pércheiro.

--Que livro é este? perguntei.

Leve e leia.

É d'este livro que vou dizer duas palavras ao leitor.

O livro d'hoje e o livro d'hontem não se parecem em nada, como tambem se
não parecem o homem d'hoje e o homem d'hontem. O livro d'hontem era
pesado, mas solida espada para o ataque, ou escudo para a defesa; o
livro d'hoje é liviano, innutil, a figura d'um _petit-maitre_, que tem
palavras sem ter idéas, que, como a velha de Nicolau Tolentino, aprende
a brir as risadas diante de um espelho; o livro d'hontem escrevia-se
depois do estudo e no impulso d'uma crença; o d'hoje escreve-se antes do
estudo e sob o dominio d'uma vaidade, que se quer vêr em letra redonda:
o livro d'hontem era um facto, o d'hoje um fato.

O livro do sr. D. A. Gomes Pércheiro não é o livro d'hoje, é um livro
excepcional, e, nos tempos do egoismo que correm, um milagre de
patriotismo.

A historia da litteratura não tem que inscrever nas suas paginas o nome
do auctor porque, escrevendo no decurso de uma viagem, e todo occupado
com o assumpto, o livro sahiu sem estylo, e mesmo menos ordenado do que
devia ser e do que convinha que fosse; mas fazer a historia do livro, e
resumir o que elle é, é traçar um elogio seguro e grandioso do auctor,
declaral-o benemerito da nação, digno do respeito e da gratidão de todos
os que forem portuguezes.

A historia do livro é esta.

Desenvolveram-se no Brazil violencias de odio contra os portuguezes; o
governo, a administração, o poder judicial, sempre o ultimo a
corromper-se, pozeram-se em affinidade com a bruteza d'estes rancores,
que se têem resolvido em roubos e assassinatos n'umas vesperas
sicilianas, lentas, mas de todos os dias e em que um padre prega do alto
da imprensa, como evangelho d'uma nação, o morticinio dos alliados
naturaes d'essa mesma nação, os unicos que podem enriquecel-a,
fecundal-a e fazel-a grande.

O sr. Gomes Pércheiro era empregado na Agencia americana do Pará; como
portuguez, e como homem, indignou-o a perseguição que se movia aos seus
patricios, e denunciou-a a Portugal e á Europa.

Foi de coragem, e foi heroico o acto, porque os interesses, coisa a que
tudo se sacrifica, foram sacrificados pelo sr. Pércheiro ao sentimento
da humanidade e do amor da patria, que pedia a expressão da verdade a
brados e repetida.

Como Rousseau, o sr. Pércheiro tomou a divisa--_vitam impendere vero_--e
a Agencia americana contou á Europa o que estava sendo o Pará.

A imprensa brazileira levantou-se e desmentiu as asserções do sr.
Pércheiro; sabemos mesmo, e permitta-nos o auctor das _Questões do Pará_
que o digamos, que estando para casar com uma rica herdeira do Brazil,
se empregou o credito da noiva para o dissuadir de dizer a verdade do
que se passava no Pará com os portuguezes.

Para poder dizer a verdade sem rebuço e sem melindre, o sr. Pércheiro
quebrou o ajuste de consorcio: para responder á imprensa que o
desmentia, o sr. Pércheiro fez-se á vela para Portugal, e no caminho
veiu escrevendo o seu livro.

Quantas são as obras que têem uma historia como esta? quantos os
escriptores que, quebrando por affeições e por interesses, atravessam o
occeano para virem dizer uma verdade?

Ha no sr. Pércheiro uma individualidade nobre e digna de respeito; o seu
livro não é, como já dissemos, um livro d'estylo, é um livro de factos;
conta-nos o triste estado dos portuguezes no Pará, documenta e prova o
que diz; o seu livro é uma lição para Portugal, devia ser um desengano
para os illudidos que vêem no Brazil uma nova terra da promissão. É
tambem a estes que o auctor o dedica.

Investigando as causas da emigração portugueza encontram-se talvez duas,
a idéa que o povo ignorante e pobre faz do Brazil, e o facto de ser
Portugal uma nação em que as industrias manufactoras não estão em
proporção sufficiente com a industria agricola. Ora a miragem, que é
construida de ignorancia, póde contribuir para destruir e esvaecer o
livro do sr. Pércheiro. A França teve um ministro de coração e de genio
que approveitava o clero para o fazer ensinar ao povo tudo o que podia
concorrer para a felicidade d'elle. O ministro chamava-se Turgot. O
governo portuguez podia, á similhança de Turgot, mandar distribuir o
livro do sr. Pércheiro pelas parochias e escolas ruraes em que a
emigração recruta mais gente, pedindo que o lessem e o dessem a ler, e
que fizessem sobre o assumpto predicas e conferencias, que dissuadissem
da emigração.

Mas o que fazia Turgot, que era um genio, seria uma utopia ridicula para
quem o não é: não sabendo já o que ha de fazer, para viver, o governo
portuguez manda vir do estrangeiro o Espirito Santo, disfarçado em
pombos, e bebe a inspiração nos arrulhos que elles soltam.

Seja como fôr, o livro do sr. Pércheiro não será perdido; irá dar a luz
a muitos espiritos, e mesmo quando assim não fosse, ficava de lição o
desprendimento generoso e nobre com que o seu auctor atravessou o
occeano e sacrificou interesses para proclamar a verdade.

                                                              _J. F. L._

(_19 e 20 de agosto._)



INDICE

CAPITULO I

A emigração de trabalhadores para o Brazil e os salarios de cá e de lá.
Os artistas e os salarios. O lado economico. O clima aos olhos do homem
pratico e do homem de sciencia. O clima e a febre amarella. A
mortalidade de Portugal e Brazil comparada. A ambição causante principal
da emigração. Remedios ao mal. A escolla. Colonias no Alemtejo. A
inspecção da emigração. A liberdade perante a emigração. Portugal,
Belgica e Hollanda. A riqueza do solo e suas respectivas populações
comparadas. Terrenos incultos.

CAPITULO II

Os advogados da emigração e a companhia Transantlantica. Remuneração ao
trabalho. O custo da escravatura preta e o custo da escravatura branca.
O definhamento da agricultura no Brazil, por causa da falta de braços.
Erros do jornalismo a respeito da emigração. O «Diario de Noticias» e o
sr. Fernão Vaz e o drama «Os Aventureiros». Um livro a favor da
emigração e o auctor das «Farpas». Elogios e sensuras. A praça do
commercio do Porto e uma penna de ouro.

CAPITULO III

As falsas doutrinas sobre emigração. A nova terra da promissão, ou o
paiz de romanos. Rocha Pitta e Augusto de Carvalho. O escravo e a sua
emancipação. As leis brazileiras sobre colonisação. A legislação
n'outros paizes. A religião brazileira é contraria á emigração europea.
A reforma religiosa nos seculos XVI e XVII concorreu para o
engrandecimento dos Estados Unidos da America. Os jesuitas e a
escravatura na America do Sul. Os jesuitas e os bandeirantes. Nobrega,
Anchieta e os indios. Desmandos dos jesuitas. Contradicções. Os
hollandezes em Pernambuco. Heroes, traidores e authomatos na restauração
de 1643. Fernandes Vieira e André Vidal de Negreiros. Horrores
historicos.

CAPITULO IV

A pastoral do bispo de Braga e a emigração. A Beneficente e a Caixa de
Soccorros de D. Pedro V. Prescripções hygienicas. Considerações do
advogado do consulado no Rio de Janeiro. A commissão da emigração e os
raciocinios estramboticos do auctor do «Brazil» a respeito dos crimes em
Portugal. Os crimes no Brazil. Os nossos raciocinios. Affluencia de
capitaes do Brazil nas praças portuguezas.

CAPITULO V

Os relatorios dos consules e a emigração. Um pedido á imprensa. A
colonisação no Brazil e a lei do trabalho de 11 de outubro de 1837.
Contractos de locação de serviço. Sevicias dos fazendeiros contra os
escravos brancos. Ainda a febre amarella e a imprensa. Roceiros,
engajadores e armadores de navios. A lei portugueza de 20 de julho de
1855 e a emigração clandestina. A diplomacia envolvida no assumpto. O
regulamento brazileiro de 1 de maio de 1858. Intrigas diplomatas.
Serviços do conde de Thomar, nosso embaixador na côrte do Rio de
Janeiro. O sr. José de Vasconcellos e as evasivas do governo brazileiro,
a respeito da convenção sobre a emigração e propriedade litteraria.

CAPITULO VI

Ainda as questões do Pará. Os pasquins de cá e os pasquins de lá. As
«Farpas» e a «Tribuna». «Lo Spirito Folletto e o «Punch». Desforços da
«Tribuna». A popularidade da «Tribuna». Pasquins brazileiros.

CAPITULO VII

Melindres historicos. A corveta «Sagres» no Pará. Uma boa recepção! As
proclamações da «Tribuna». Os telegrammas da Agencia Americana. Os
officiaes da «Sagres» e o capitão Marcelino Nery. Recompensa do governo
brazileiro ao insultador dos portuguezes. Os factos perante os nossos
excessos. Uma carta de além tumulo.

CAPITULO VIII

O julgamento dos assassinos dos portuguezes em Jurupary. O tribunal da
primeira instancia em Chaves e o da Relação no Pará. Desenlace
providencial contra decisões horrorosas dos tribunaes brazileiros.
Processo contra Marcelino Nery. Pasquins da «Tribuna» antes e depois da
condemnação. Novos pasquins em 1876 chamando ás armas contra os
portuguezes. O clero accusado de cumplice dos pasquineiros. Um portuguez
condemnado irrisoriamente por um tribunal da primeira instancia e
absolvido depois pela Relação no Pará. A diplomacia portugueza e a
condemnação á morte de um portuguez na Bahia. Um benemerito defensor do
portuguez.

Notas

Questões do Pará (critica)



Notas de Transcrição


O livro original tinha uma errata no fim, que apresentamos de seguida:

Errata original:

    Pag.  Lin.     Erros                   Emendas
     19    17      algofares               aljofares
     19    28      venenos                 venenosos
     21    20      reunii-os               reunil-os
     63    11      conscencioso            consciencioso
     74    33      honrosa das             honrosas da
     76    16      commer                  comer
     76    32      conscenciosos           conscienciosos
     78     8      contrastes              contractos
     79    34      auciliar                auxiliar
     97    30      conscenciosos           conscienciosos
     161   17      menos                   menor
     161   26      (se elle roceiro!)      (se elle é roceiro!)
     173   18      as repartições          das repartições
     232    5      axplendorosos           esplendorosos
     251   21      condemnada              coordenada
     268   25      trotou                  tratou
     272   28      despendida              despedida
     276   32      Acompanhavam-os         Acompanhavamos
     276   33      passavam-os             passavamos
     320    7      1775                    1875

"Outros erros ha de somenos importancia, que o leitor facilmente
corrigirá."

Erros corrigidos nesta transcrição:

Durante a transcrição foram encontrados outros erros, não constantes na
errata. Todos os que foram detectados foram corrigidos, sendo que os
mais significativos são apresentados na lista abaixo, e os outros,
menores, foram alterados sem qualquer indicação.

    Pag.   Erro                        Correcção
     16    até aos 94                  até aos 78
     18    menciado                    mencionado
     25    energico--o liberal         energico--e liberal
     35    VII (nº da secção)          VIII
     36    AO SUL DO TEJO              AO NORTE DO TEJO
     77    viagem d'esde               viagem desde
     116   VI (nº da secção)           V
     164   publição                    publicação
     165   declação                    declaração
     240   esta esta tróça             está esta tróça
     241   Componeza                   Camponeza
     241   Caponeza                    Camponeza
     257   V (nº da secção)            IV
     263   VI (nº da secção)           V
     264   VII (nº da secção)          VI
     266   VIII (nº da secção)         VII
     271   IX (nº da secção)           VIII
     272   X (nº da secção)            IX
     277   XI (nº da secção)           X
     278   XII (nº da secção)          XI
     278   Questões Pará               Questões do Pará
     280   borracha a castanha         borracha, a castanha
     280   compra pelos colonos        comprados pelos colonos
     284   XIII (nº da secção)         XII
     309   mencidade                   mendicidade
     317   em 1847                     em 1874
     320   em de 12 de abril           em 12 de abril
     332   XVI (nº da secção)          XIV
     374   pretende mostra,            pretende mostrar,
     389   que este, livro             que este livro
     395   parecer exagerando          parecer exagerado
     429   d'estylo, um livro          d'estylo, é um livro





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