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Title: Soldados da Revolução
Author: Quental, Antero Tarquínio de, 1842-1891
Language: Portuguese
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                             ANTHERO DE QUENTAL



                             ANTHERO DE QUENTAL


                           SOLDADOS DA REVOLUÇÃO



                                BARCELLOS
                    Typographia da _Aurora do Cavado_
                              Editor--_R. V._
                                  1896



    Tiragem apenas de 100 exemplares:
    20 em papel de linho.
    80 em papel d'algodão.
    N.º___



Em 1889 publicou o sr. Fernando Leal, o eminente poeta dos _Reflexos e
Penumbras_ e dos _Relampagos_, dous primores da nossa litteratura, _Os
Soldados da Revolução_ de Michelet, obra preciosa do grande escriptor
francez, precedendo-a d'um prologo superiormente bem pensado e bem
escripto, pagina brilhantissima que para Fernando Leal não desmerece
coisa alguma dos poderosos e scintillantes versos por elle firmados.
Sobre esse livro, e agradecendo ao auctor o offerecimento de um
exemplar, escreveu-lhe Anthero do Quental a carta que para este opusculo
trasladamos do n.º 79, 2.º anno, do 1 de dezembro de 1889, da _Revista
Popular de Conhecimentos Uteis_.

Antecedeu-a ahi o illustrado redactor da _Revista_ com as seguintes
palavras que gostosamente reproduzimos:

"Ácerca do prefacio do traductor, folgamos de poder, em vez da nossa
obscura apreciação, offerecer aos leitores da _Revista_ um valioso
documento inedito, que representa uma levantada e auctorisadissima
critica do alludido trabalho, feita por um dos nossos maiores pensadores
e escriptores. É uma carta escripta por Anthero do Quental a Fernando Leal.

"Os escriptos do grande poeta das _Odes modernas_ e do livro dos
_Sonetos_, do eminente publicista das _Causas da decadencia dos povos
peninsulares_, além do seu alto valor intrinseco, teem a realçar-lhes a
valia estimativa o facto de serem infelizmente cada vez mais raros. E,
se a raridade é um dos predicados que tornam precioso o mais precioso
dos mineraes, os escriptos de Anthero não possuem menos os outros
predicados que realçam o diamante: a rijeza e o explendor da fórma em
perfeita harmonia com a idéa.

"No inédito que publicamos, com quanto seja uma simples carta
particular, e por isso mesmo, admiram-se mais uma vez aquellas altas
qualidades de um espirito propenso á critica superior dos factos e á
synthese philosophica que d'elles deriva. E, na verdade, Anthero do
Quental é de todos os escriptores portuguezes, senão o unico, sem duvida
aquelle a quem melhor cabe o nome augusto de _philosopho_; embora n'um
recente escripto lh'o tenha negado, com audacia e a irreflexão naturaes
em verdes annos, um moço critico, aliás de grande talento, o sr.
Guilherme Moniz Barreto".

                                                          Rodrigo Velloso



SOLDADOS DA REVOLUÇÃO


Villa do Conde, 8 de fevereiro.--_Meu caro amigo._--Obrigado pelo prazer
que me deu com o seu prologo aos _Soldados da Revolucção_. É excellente:
pensado, sentido e _escripto_. O Fernando é dos poucos que ainda
sabem escrever em português. E quem sabe escrever e tem que dizer não
deve estar calado. Escreva pois, que isso ha de fazer-lhe bem. O
Fernando precisa _distrahir-se_: mas, para um homem do seu sentir, as
_distracções_ que servem aos outros não lhe podem servir. Só o pode
distrahir o trabalho, esse grande narcotico, esse dictame, dom dos
Deuses, sem o qual a vida dos homens que pensam intensamente seria
intoleravel. Escreva, pois como quizer, sobre o que quizer, prosa ou
verso, que já d'aqui lhe asseguro que nunca lhe ha de sahir cousa
somenos. A conclusão do seu prologo é a de um moralista, e a unica que,
no meio do naufragio de tantas esperanças, abrigará ainda as
consciencias sãs; _fais ce que doit, advienne que pourra_. Mas não se
entristeça de mais com o que vê. A burguezia deu o que podia dar,
não se lhe pode exigir mais. Uma classe nunca pode ser um apostolo: é
simplesmente um elemento, uma força, cujo _acto_ é determinado pela
energia inicial. O que dará a democracia? Quem poderá dizel-o! É o
escopulo onde até hoje teem naufragado todas as sociedades. Será que a
sociedade, em quanto dividida em classes, que reagem umas sobre as
outras e mutuamente se estimulam, e em quanto essas classes teem, como
taes, um fim a cumprir, uma aspiração, um ideal, será, digo, que a
sociedade, n'essas condições, constitua um _meio_ mais proprio para a
producção do civismo e para a tempera dos caracteres? e que, realisadas
aquellas ideias, cessando aquelle estimulo, o homem, que aquella lucta
levantára como que acima de si mesmo, tenha fatalmente de cahir na
condição primitiva, na do animal de que descende, só preoccupado com
materialidades e visionices? Não sei: mas o que é certo é que não ha
sociedade, por decadente e inferior, onde a virtude não seja possivel:
e, se a virtude é o fim ultimo da vida, por conseguinte da sociedade,
que não é mais que uma condição para que ella _possa_ dar-se, direi que
não ha sociedade completamente perdida, completamente inutil, visto que
o fim supremo nunca deixa de se realisar. A nós, espiritualistas e
estoicos, deve bastar-nos isso. Sejamos nós os que perante o Universo
_justificam_ a sociedade em que vivem, por podre que ella seja.
Cumpra-se por nós o fim da humanidade, impulso primario de todas as
sociedades, e aquella em que vivemos não terá sido, perante o Ser,
inutil nem esteril. E mãos á obra. Do bem, ainda o mais invisivel, não
se perde uma particula, nunca se poderá perder, atravez do infinito
do tempo, atravez do monstruoso rodopiar das fórmas e dos acasos.
Guarda-se e accumula-se, não sabemos como, na espiritualisação
permanente do Universo. É um _momento_ na grande obra do Ser infinito,
uma linha, uma pedra, uma areia, na estructura do seu grande edificio,
e, pequeno ou grande, lá ficará eternamente.

Mãos á obra, pois, amigo, e nada de desanimar. Faça o que puder, que
_Deus_ não lhe exige mais, fazendo-o de boa vontade e de todo a coração.
_Elle_ ter-lhe-ha o pouco que fizer em tanta conta como o muito dos que
podem mais. Comece por tractar seriamente da sua saude, considerando
isso um _dever_, visto que é condição para o cumprimento dos outros.
Depois verá. Entretanto, tome isso a serio e _distraia-se_ escrevendo,
que, por todos os lados, não será tempo perdido.

Quanto á associação editora dos literatos, acho que é um pensamento
sympathico, mas um dos mais irrealizaveis. O que propõe é a final uma
Cooperativa de producção. Ora este genero de associação, pela sua mesma
superioridade, exige condições nos trabalhadores associados que ainda
hoje se não dão em classe alguma. Todas as Cooperativas de producção
teem fracassado desastrosamente (e é por isso, entre parenthesis, que o
capitalismo prospera, porque não ha ainda quem o substitua), ainda entre
as classes trabalhadoras dotadas de mais senso pratico e moral e
espirito de disciplina. Mas de todos os _trabalhadores_ o litterario é
justamente aquelle a quem mais faltam aquelles diversos sensos. Os
calafates, ou ferreiros, ou trapeiros valem, n'este ponto de vista,
infinitamente mais que os melhores litteratos. Considerar isto é
considerar como chimerica qualquer tentativa no sentido do seu
artigo. E adeus.

                                                    Do seu do coração

                                                    _Anthero de Quental_


FIM





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