Home
  By Author [ A  B  C  D  E  F  G  H  I  J  K  L  M  N  O  P  Q  R  S  T  U  V  W  X  Y  Z |  Other Symbols ]
  By Title [ A  B  C  D  E  F  G  H  I  J  K  L  M  N  O  P  Q  R  S  T  U  V  W  X  Y  Z |  Other Symbols ]
  By Language
all Classics books content using ISYS

Download this book: [ ASCII | HTML | PDF ]

Look for this book on Amazon


We have new books nearly every day.
If you would like a news letter once a week or once a month
fill out this form and we will give you a summary of the books for that week or month by email.

Title: Cartilha Maternal - Arte de Leitura
Author: Deus, João de
Language: Portuguese
As this book started as an ASCII text book there are no pictures available.


*** Start of this LibraryBlog Digital Book "Cartilha Maternal - Arte de Leitura" ***


*Notas de transcrição:*

O texto aqui transcrito, é uma cópia integral do livro impresso em 1876.

Mantivemos a grafia usada na edição impressa, tendo sido corrigidos alguns
pequenos erros tipográficos evidentes, que não alteram a leitura do texto,
e que por isso não considerámos necessário assinalá-los.

As «syllabas alternadas a typo liso e lavrado» do livro separam-se por |,
por exemplo au|xi|lia|ri|as

       *       *       *       *       *



CARTILHA MATERNAL

OU

ARTE DE LEITURA

POR

JOÃO DE DEUS

[Illustration]



  Les mères et les institucteurs, voilà
  ceux qui jettent dans le monde presque
  toutes les semences du bien et du mal.
              AMBROISE RENDU (Fils).

  _As sementes do bem e do mal, quem
  as lança no mundo quasi todas, são as
  mães e os mestres._



PORTO

TYP. DE ANTONIO JOSÉ DA SILVA TEIXEIRA
_62, Rua da Cancella Velha, 62_

1876

_Este systema funda-se na lingua viva. Não apresenta os seis ou oito
abecedarios do costume, senão um, do typo mais frequente, e não todo mas
por partes, indo logo combinando esses elementos conhecidos em palavras que
se digam, que se ouçam, que se intendam, que se expliquem; de modo que, em
vez do principiante apurar a paciencia numa repetição banal, se familiarisa
com as letras e os seus valores na leitura animada de palavras
intelligiveis._

_Assim ficamos livres do syllabario, em cuja interminavel serie de
combinações mecanicas não ha penetrar uma idéa!_

_Esses longos exercicios de pura intuição visual constituem uma violencia,
uma amputação moral contraria á natureza. Seis mezes, um anno e mais de
vozes sem sentido basta para imprimir num espirito nascente o sello do
idiotismo._

_Porque razão observamos nós a cada passo nos filhos da indigencia
meramente abandonados á escola da vida uma irradiação moral, uma viveza
rara nos martyres do ensino primario?_

_Ás mães, que do coração professam a religião da adoravel innocencia e até
por instincto sabem que em cerebros tão tenros e mimosos todo o cansaço e
violencia póde deixar vestigios indeleveis, offerecemos neste systema
profundamente prático o meio de evitar a seus filhos o flagello da cartilha
tradicional._



PRIMEIRA LIÇÃO


Consistindo a leitura na combinação das letras, basta ir aprendendo as
letras que se podem ir combinando; o mais é confusão; e não podendo haver
combinação sem vogal, comecemos pelas vogaes (deixando de fóra o _ypsilon_
para não surprender logo no principio o alumno com duas letras que se leem
do mesmo modo, tendo diverso nome e fórma). Chamemos essas letras pelos
seus nomes, _á_, _é_, _í_, _ó_, _ú_, que depois iremos determinando os seus
diversos valores.

  a           e

        i

  o           u

Estas letras aprendem-se facilmente: representando a quinta parte do
abecedario quanto ao numero, estão fóra de representar a vigesima, quanto
aos embaraços; porque são homogeneas, todas se pronunciam com a bôca
aberta, e filiam-se naturalmente na voz e na memoria. É por isso tambem que
apresentamos todas cinco duma vez.

Ora a verdadeira palavra do homem é a palavra escrita, porque só ella é
immortal. Mas emquanto o ensino da palavra fallada é o encanto de mães e
filhos, o ensino da palavra escrita é o tormento de mestres e discipulos.
Extranha diversidade em coisas tão irmãs!

Deus na sua providencia não o podia determinar assim. Ha-de haver meio
facillimo, grato, universalmente accessivel, de espalhar essa arte, ou
antes faculdade, sem a qual o homem não passa de um selvagem.

Esse meio ou esse methodo não póde ser essencialmente differente do methodo
encantador pelo qual as mães nos ensinam a fallar, que é _fallando_,
ensinando-nos palavras vivas, que entreteem o espirito, e não letras e
syllabas mortas, como fazem os mestres. Pois apressemo-nos tambem nós a
ensinar palavras; e acharemos a mesma amenidade.

Com aquellas cinco letras já se podem formar quatro palavras muito usuaes,
e que por uma feliz coincidencia se pronunciam todas do mesmo modo, isto é,
carregando na inicial.

Lede-as, e nunca soletreis; que mal sabeis como a soletração confunde o
principiante (quando lhe não deprava o raciocinio com sommas falsas).
Lede-as acompanhando fielmente com o ponteiro a letra que estais
pronunciando; e vereis a facilidade, o gosto e a admiração com que a
criança vos segue e vos imita, reconhecendo em sua consciencia a palavra
retratada no papel.

Convem deixar estabelecida nesta lição, a proposito da ultima palavra _ia_,
a regra que o _a_ no fim vale _â_ (_a_ fechado, igual ao que tantas vezes
no dia pronunciamos separadamente: _a_ casa, _a_ mesa, etc.), regra que
podemos figurar da fórma seguinte:

  ~~~a = â

Mas em portuguez as vogaes são quasi tantas como todas as consoantes
juntas. Por isso antes de passar a lêr, podeis lisongear o alumno
mostrando-lhe em qualquer livro ou pagina de boa letra o muito que elle já
sabe. E nesta mesma distracção o acabais de confirmar nesses cinco
elementos que são a alma da escrita e da leitura.

        ai

        ui

  eu           i|a



SEGUNDA LIÇÃO


Iniciámos no mecanismo da escrita o principiante com grande e justa
maravilha sua. Elle percebeu, sentiu mais ou menos lucidamente o engenho do
homem, que estudando os sons de que as palavras se compõem, inventou para
cada som um signal, e depois, conforme a palavra consta de taes ou taes
sons, assim na escrita põe taes ou taes signaes!

Mas aqui vem a proposito admirar como esta arte fundada numa base tão
singela tenha sido o martyrio de tantos innocentes e passe ainda na opinião
das multidões por uma sciencia ardua!

É verdade que tal correspondencia não é perfeita; mas essa imperfeição
pouco embaraça os filhos do paiz sendo bem dirigidos. A criança, acostumada
a ler palavras, não lê por exemplo _tódo_ nem _môdo_; lê _tôdo_ e _módo_,
como tem dito e ouvido dizer. Assim tambem acha o valor das consoantes
caprichosas.

Vamos agora combinar com as vogaes uma das consoantes mais perfeitas que é
o _v_; porém não lhe haveis de chamar _ú-consoante_, que é uma falsidade, e
vai desmentir todas as combinações. Chamai-lhe, como se usa modernamente,
_vê_, ou ainda melhor, e por ora, chamai-lhe o que elle _vale_,
simplesmente _v_... pronunciando sem despegar o beiço inferior dos dentes
de cima, sem vogal, sem voz, o simples sopro aspero e sonoro.

Ensinai a proferil-o; e depois não tendes mais que ir apontando na palavra
successivamente as letras que ides lendo, demorando-vos na pronuncia de
cada uma o tempo que quizerdes, porque essa consoante é tão prolongavel
como as vogaes.



          v

vá          vai

vi          vi|a         viu

vi|vi       vi|vi|a

vi|veu      vi|va

u|va

vi|u|va



TERCEIRA LIÇÃO


Cada um tem as suas traças de facilitar o ensino, e ajudar o principiante
nas difficuldades. Nós temos achado util cobrir e descobrir
alternativamente o _v_ nas palavras _vai_, _via_, etc, fazendo ler ora
_ai_, ora _vai_ e assim o mais, a fim de certificar o principiante do papel
que o _v_ representa na escrita.

Deste ou doutro modo estamos que vos não enfastiou a lição passada, onde
pela primeira vez combinámos vogaes e consoantes. Mas que differença haverá
entre vogal e consoante, e porque iriamos nós ao fim do abecedario buscar o
_v_ para esse primeiro exercicio?

Quando dizemos _á_, soltamos essa voz da garganta; mas se dissermos _má_,
soltamos essa voz, despegando os labios; e se dissermos _mal_, despegamos
os labios ao soltal-a e no fim damos com a lingua no ceu da bôca.

Donde se vê que as palavras se compõem de _vozes_ e tambem duns _modos_ de
começar ou acabar a voz.

As vozes pertencem á garganta, e representam-se nas vogaes; os modos
pertencem aos orgãos mudos, como labios, dentes, lingua etc., e
representam-se nas outras letras.

Vai uma grande differença da voz, ao modo de começar ou acabar a voz; vai
portanto uma grande differença de vogal a consoante.

Mas esses modos, uns consistem num toque ou despego rapido, num simples
movimento, numa funcção instantanea que se póde repetir, mas que se não
póde prolongar, como succede nas seguintes palavras:


  _b_o_c_a_d_o   _g_o_l_i_lh_a   _m_a_n_i_nh_o   _pr_e_t_o
    (_bqd_,        _gl lh_,         _mn nh_,      _pr t_).


Outros consistem numa disposição em que a gente póde insistir o tempo que
quizer, como nas seguintes palavras:


  _f_a_v_o      _s_i_s_o    _ch_á _j_a_rr_o
  _f...v..._   _ç...z..._   _x...j...rr..._


Ora quando a voz é modificada com aquelles modos instantaneos, de sua
natureza improlongaveis, a voz e o modo constituem para o principiante uma
somma difficil de reduzir aos seus elementos, e portanto confusa: pelo
contrario quando o modo é prolongavel, o principiante demora-se na voz ou
no modo o tempo que lhe apraz sem falsear a syllaba, sem desfigurar a
palavra; e o papel que a consoante representa na escrita é evidente e
distincto. por exemplo, contando os pontos por momentos, podemos levar
cinco momentos a pronunciar, _v.....á_, ouvindo-se afinal perfeitamente
_vá_. O mesmo não acontece em _dá_, _cá_, _pá_, _lá_, etc.

Logo, por onde haviamos nós de começar, pelas consoantes contínuas ou pelas
consoantes instantaneas? É claro que pelas consoantes contínuas,
prolongaveis, que deixam ao principiante apreciar melhor os elementos da
syllaba.

Ora, dessas consoantes a menos equivoca, ou antes, a inequivoca, a unica
que não tem equivalentes, a mais perfeita em summa, é o _v_: começámos pelo
_v_.

Mas em que consiste o _v_, como se pronuncia o _v_?

Nós, mesmo com a bôca fechada, podemos fazer uma especie de gemido,
respirando pelo nariz; mas se, em logar de respirar pelo nariz, fazendo
esse gemido, respiramos por entre o labio inferior unido aos dentes de
cima, pronunciamos _v_...

Este som depende do folego emittido com certa força; sem essa força,
emittindo o simples folego e conservando a mesma posição de labio e dentes,
em logar de _v..._ pronunciamos _f..._

Ora havendo tanta analogia entre estes dois elementos, sendo o _f_ um _v_
abafado, soprado, silencioso, passemos do _v_ ao _f_.

            f

fé

fui

fi|a         fi|a|va

a|fi|a       a|fi|a|va

fa|va



QUARTA LIÇÃO


Os modos de começar e acabar a voz chamam-se ordinariamente _inflexões_ e
_articulações_, por serem como uns eixos, umas juntas da voz que lhe dão
contorno e melodia. A palavra _lampada_, por exemplo, é muito airosa; mas
tirando-lhe a parte que nella tomam a lingua, os beiços e os dentes
reduz-se a um vozeio de mudo, monotono e desengraçado: _ãââ_.

Donde se vê que a voz é como a perola que realça no engaste; e que as
inflexões, intermeando e recortando a voz, apezar da sua obscuridade não
são menos preciosas na palavra que as proprias vozes. Só a voz se canta, só
a voz se alteia e expande, segundo o folego e garganta de cada um, a ponto
de encher um templo, de retumbar no valle do alto da montanha; pelo
contrario as inflexões a poucos passos de distancia somem-se: todavia uma
lingua só de vozes seria uma lingua barbara.

Ora nós já sabemos que as inflexões na escrita se representam pelas
consoantes; mas em logar de haver tantas consoantes como inflexões,
correspondendo a cada inflexão a sua consoante, não succede assim.

Vejamos as inflexões contínuas de quantos modos se escrevem:


  _f..._   (fé  afflição  phoca)          f  ff  ph
  _v..._   (vai)                          v
  _ç..._   (suisso  ceo  aço  maximo)     s  ss  c  ç  x
  _z..._   (aza  uso  existe)             z  s  x
  _x..._   (eixo  chega  ais  faz)        x  ch  s  z
  _j..._   (ja  geme  osga)               j  g  s
  _rr..._  (rua  erro  rhetorica)         r  rr  rh


Achareis, para representar as sete inflexões continuas, vinte e duas formas
que, descontando repetições, se reduzem a dezeseis; mas, destas dezeseis,
sete teem diversos valores, a saber:


     { _c_ seu           { _ch_ eixo           { _ç_ ceo
   s { _z_ uso         x { _z_  existe       c { _k_ cai
     { _x_ triste        { _ç_  proximo        { ... acto
     { _j_ tisna         { _kç_ sexo

   g { _g_elo      ch { _x_ chefe        z { _z_ zelo      r { e_r_a
     { a_g_ua         { _k_ chimica        { _x_ fiz         { _r_aio


Ora destas formas de valor incerto nenhuma convinha para os primeiros
exercicios. Das outras, uma tem valor certo e exclusivo, que é v: as mais
não teem valor exclusivo mas teem valor certo, que são f, ff, ph, ç, ss, j,
rr, rh; mas embora tenham valor certo, as compostas não seria bom methodo
antecipar ás simples; ç é uma letra anomala; ff comprehende-se em f. Isto
tudo supposto restam v f j.

Começámos pela mais perfeita, v, que maiuscula ou minuscula conserva a
mesma forma, nunca se annulla dobrando-se debalde ou escrevendo-se por amor
da etymologia, tem sempre o mesmo valor e só ella tem esse valor, presta-se
com as vogaes a muitas combinações familiares, e representa uma inflexão
_gemida_, isto é, duplamente apreciavel ao ouvido do principiante pela
continuidade e pela intensidade.

Do v passámos ao f, pela analogia da pronuncia. Passamos agora ao j.

Os antigos punham o valor da letra no primeiro elemento do nome que lhe
davam; razoavel systema de designações principalmente para as consoantes
instantaneas, que mal se podem proferir em separado sem lhes exagerar o
valor. _Jota_ e _xiz_ são os nomes que temos n'esse genero (preferiveis a
_éfe_ _éle_, etc. onde a inflexão vem encravada em duas vozes dum modo
obscuro); mas taes nomes constituem excepção, e impõem a necessidade de
fazer distincção entre o nome e o valor, o que o alumno embora perceba
facilmente, não deixa por isso de se embaraçar na prática, porque lhe
occorrem as duas cousas, nome e valor. Aquellas designações antigas
fundadas numa base até certo ponto filosofica, eram nomes geralmente
compostos, verdadeiros nomes, com toda a melodia da lingua, sem aquella
simplicidade d'algumas denominações nossas como _bê_, _dê_; por isso peores
de conciliar com a soletração. Ao _d_, por exemplo, chamavam _daleth_, ao
_a_ _aleph_, ao _l_ _lamed_. Em quantos annos chegaria o desgraçado alumno
a soletrar (claro está, inconscientemente, de memoria, á força de
repetições sem conto) _daleth aleph lamed_, _dal_?!

          (_daleth_
            _aleph_
             _lamed_,

  Somma... _dal_)

Em cinco e seis annos como ainda hoje a infancia israelita; com manifesto
prejuizo da sua educação logica.

Mas seria mais irracional essa soletração que por exemplo a nossa _cê á_,
_ká_? Não! ao menos alli, dada a chave do enigma, descoberto o segredo,
achavam-se as parcellas da somma, os elementos da syllaba á frente dos tres
nomes das letras. Em _cê á_, _ká_, é impossivel perceber donde veio _k_, a
inflexão guttural que soa na syllaba ká.

Todavia ensina-se assim a ler! Não ensinemos nós a ler assim. Chamemos ao
_jota j..._



            j

já

fu|ja

ve|ja

vi|a|ja     vi|a|ja|va



QUINTA LIÇÃO


A leitura, nestas palavras de vogaes e consoantes contínuas, é tão clara,
funda-se em elementos tão distinctos, estão os seus passos por assim dizer
tão bem marcados, a syllaba constitue sempre uma somma tão evidente, que o
principiante, compenetrado da base do systema orthografico e talvez até
exagerando a simplicidade da arte, deve-se a estas horas achar disposto a
receber as outras consoantes, combinando-as com o mesmo conhecimento de
causa.

A experiencia abona esta supposição. É notavel a facilidade e consciencia
com que o alumno, em tão poucas lições, começa a ler as syllabas compostas
de elementos confusos e quasi inseparaveis.

Mas que ordem havemos de seguir na combinação dos novos elementos? Assim
como na lição passada buscámos as formas pelas inflexões, vejamos de
quantas formas se escrevem as doze inflexões instantaneas da nossa lingua
(que foi nossa intenção mnemonisar nas palavras _bocado golilha maninho
preto_; _bkd_, _gl lh_, _mn nh_, _pr t_):


  _b_ (boa  abbade)                  b  bb

  _k_ (kilo  qual  chimica)          k  q  ch  c

  _d_ (addido  adhesão)              d  dd  dh

  _g_ (aggregado)                    g  gg

  _l_ (libello)                      l  ll

  _lh_ (ilha)                        lh

                 { ~     a_m_bos
  _m_  (meu    m { _m_   _m_eu       m
                 { ...   co_m_menda)

                 {  ~    a_n_da
  _n_  (não    n { _n_   _n_ão       n
                 { ...   a_n_nel)

  _nh_ (unha)                        nh

  _p_  (appropriado)                 p  pp

  _r_  (ar)                          r

  _t_  (attonito  theoria)           t  tt  th


Contando achareis, para representar as doze inflexões instantaneas da nossa
lingua, vinte e duas formas (não escogitando muito, pois por exemplo, gu
para representar _g_ guttural bem se podia considerar uma nova forma).
Destas formas já conheciamos por incertas c, ch, g, r; e conhecemos agora
como taes m, n: ora primeiro se hão de apresentar as certas. As formas lh,
nh, dh, th são compostas; e primeiro se hão de apresentar as simples.
Tiradas incertas e compostas, restam certas mas dobres, isto é, que ás
vezes se dobram inutilmente b, d, l, p, t; certas e simples, isto é, que
nunca se dobram k, q.

Por aqui haviamos de começar, se com o _q_ não se annullasse muitas vezes o
_u_, o que é absurdo; e se tivessemos palavra usual onde apresentar o _k_
sem dependencia de letra desconhecida; mas só temos kilo, onde entra l que,
portanto, ha de vir antes.

Mas b, d, p é o mesmo caracter invertido; approximemol-as: d, t, são irmãs
na pronuncia.

Disto resulta que podemos ter por boa ordem a seguinte: t, d, b, p, l, k,
etc.

Vamos ao t. Explicai, se quizerdes, a sua pronuncia ou simplesmente lêde-o
na syllaba: o alumno vos seguirá.

          t

tu        teu

tu|a      ti|a

a|ta      a|ta|va

fi|ta     fa|ti|a

fa|ti|o|ta



SEXTA LIÇÃO


Quando agrupámos as inflexões contínuas de duas em duas (_f...v..._,
_c...z..._, _x...j..._), quizemos indicar o parentesco de cada par; isto é,
que a primeira se pronuncía como a segunda, na mesma disposição de orgãos,
com a differença que na primeira ha só folego e na segunda ha essa meia voz
a que chamámos gemido.

O _j_ é um _x_ mais forte, um _x_ gemido, vozeado.

Mas ahi bem se explica a differença. Agora as inflexões _t_ e _d_ são mais
do que parentas, são irmãs. Por isso do t passamos naturalmente ao d.



          d

di|a

dó          doi

dá          deu         da|da

da|va       de|va

vi|da       du|ví|da

i|da        i|di|o|ta

ju|di|a     ju|deu

a|ju|da

fi|a|da     a|fi|a|da



SETIMA LIÇÃO


O leitor havia de notar na lição passada a palavra _duvída_ com accento.
Nós temos aos signaes prosodicos uma especie de aversão, chegando os nossos
mais esmerados escritores a não accentuarem muitas vezes até as palavras
equívocas. Mas esse é o facto. Em theoria ninguem sustenta esse exagero.
Donde se segue que podemos, e devemos, por exemplo, escrever sempre
_duvída_ ou _dúvida_, e nunca simplesmente _duvida_.

O principio de accentuar só as palavras equívocas é bambo. Tudo é equívoco
para quem não sabe. Nada mais equívoco para um extrangeiro, que as tres
primeiras vogaes de _cama casa_ e _cada_, identicas na escrita, diversas na
pronuncia (ã, á, â). Todavia nunca se accentuaram. Mas sendo essa a prática
constante, não se devem dar a ler escritas doutro modo. Porém as palavras
equívocas alguns accentuam-nas systematicamente, e muitos, embora sem
especial cuidado, teem occasião de as differençar na escrita. Queremos
dizer com isto que rejeitando e reprovando nas cartilhas uma accentuação
artificial armada a facilitar a leitura, iremos empregando os devidos
signaes nas palavras duvidosas, conforme a razão e os bons exemplos.

É inadmissivel a doutrina de escrever as palavras de maneira que, em
separado, os mesmos portuguezes não saibam o que ellas são.

Mas, voltando ao nosso caminho, vamos ao b, que se profere despegando os
labios, como p, m; e por isso chamam, a estas letras e inflexões,
_labiaes_.

          b

boi

bo|a

a|ba        ba|ba

be|ba

ba|ta       ba|ti|a

ba|teu      ba|ti|da

bo|ta       ba|ta|ta

a|ba|ta     a|ba|ti|a

a|ba|ti|da

a|ba|fa     a|ba|fa|va

a|ba|fa|da



OITAVA LIÇÃO


Na lição passada figurava em _boi_ e _boa_ a letra _o_ com um valor diverso
do que se infere de seu nome. É tempo de admittir essa novidade.

Nós temos julgado inutil dizer que o criterio fundamental da nossa prosodia
é—-_ler como se diz_: criterio sofistico, que não resiste á analyse mas que
felizmente a criança na sua simplicidade admitte de boamente. A criança
folga de rectificar uma leitura fundada no rigor dos dados, pelo que ouve e
costuma dizer. Um certo instincto prático, um sentimento de utilidade a
leva a achar muito bem fundado aquelle dictame futil. _Bói_ não se diz;
_bói_ não é nada, gostosamente corrige e diz _bôi_.

E o caso é que emquanto outros, acostumados a syllabas vãs, naturalmente
estropeiam as palavras mais logicamente escritas; o nosso alumno mettido
naquelle caminho prático, e habituado a intender sempre o que lê, tende
naturalmente a dar sentido e alma ás combinações da orthografia mais
duvidosa, achando uma palavra corrente.

Nós reservamos lições especiaes para as grandes variações de valor nas
vogaes; mas _ó_ e _ô_ não differem dum modo muito extranho.

Isto posto passemos ao _p_ que é irmão de _b_ no valor, e tambem se póde
dizer que na figura.

          p

pai

pá        pó        pé

pu|a      pi|a      pi|pa

pa|pa     pa|pa|va

pa|pa|da

pe|ta     pa|ta

pa|ta|da

pi|ta     pi|ta|da

to|pa

ta|pa     ta|pa|va

ta|pa|da



NONA LIÇÃO


Alguns chamam, ao _e_ de _saude_, mudo. Antes o chamem que o façam, pois se
o fazem não fallam portuguez. O _u_ em guerra é mudo, e na maxima parte das
palavras onde se escreve _gue_, _gui_, _que_, _qui_: e ainda n'outros casos
como havemos de ver. Porem a vogal _e_ representa sempre voz; e não ha
vozes mudas. Deviam-lhe chamar _e_ grave, que é já frase recebida,
significando baixo, não agudo, que não soa alto, que não soa muito.

Isto supposto, as inflexões instantaneas por onde acabam palavras
portuguezas são _l_, _n_, _r_: exemplo, _tal_, _talisman_, _ter_. Estas
inflexões, parece que todas se proferem despegando a lingua do céo da bôca:
porem, na sua qualidade de instantaneas não teem som proprio, e por isso,
vindo no fim, se despegarmos a lingua durante a emissão da voz, em vez de
_ter_, diremos _tere_; em vez de _tal_, _tale_, etc.: o que é vicioso.

Ora assim como _saud'_ não é portuguez, tambem o não são taes palavras
acabando em _e_ grave, que a consoante não representa nem a inflexão póde
comprehender.

A respeito do _l_, uma indicação podeis fazer muito clara e proficua, ao
vosso alumno, e é que deixe a lingua pegada ao céo da bôca. Por um dos
muitos mysterios da palavra, assim se profere elegantemente o _l_ final, ou
posterior á voz.

Não temos apresentado letras dobradas por falta de occasião; não, por
systema. É um facto de observação que o principiante não se embaraça com
isso, como ides ver.

                l

li           li|a      leu       lu|a

lu|va        lo|ja     lu|ta

la|bu|ta     bi|to|la

bo|la        be|lla

fa|lla       fi|ve|lla

lá           ó|lá      a|lli

vil          fel       fi|el     tal

fa|tal       fa|val

pa|úl        pa|pel

al|va        al|ta

fal|ta       vol|ta

pol|pa       a|pal|pa

a|pal|pa|de|lla



DECIMA LIÇÃO


Estas notas são escritas ao correr da impressão; e, recebendo agora do
Porto a primeira folha (que em Lisboa nem de graça, como chegámos a
offerecer a um editor notavel, demais a mais poeta e prosador, conseguimos
a publicação desta curiosidade) vemos nessa folha que na segunda lição,
onde se trata da combinação do _v_ com as vogaes, dissemos que vos podieis
demorar na leitura de cada letra sem distincção, por serem todas igualmente
prolongaveis. Assim é: mas esqueceu-nos advertir que haja cuidado em não
separar a inflexão da voz; senão, basta a minima pausa para terdes de as
ajuntar depois, o que vem a dar na mesma que soletrar. A advertencia era
por ventura escusada.

No ensino individual, que é só onde temos experimentado este systema, com
os resultados previstos (em lições manuscritas imitando letra redonda)
costumamo-nos collocar a um canto da mesa, mais o alumno, elle dum lado á
esquerda e nós do outro; pomos-lhe a lição diante convenientemente; e
emquanto, nas primeiras quatro lições, percorremos com o ponteiro pela
parte de cima as letras da palavra, imol-as simultaneamente pronunciando.
Ora como do intervallo das letras naturalmente se abstrahe, nem esse
intervallo é apreciavel na marcha do ponteiro, a palavra afigura-se aos
olhos do principiante como uma pequena escala, cujas notas se vibram na sua
ordem natural.

E o que é a leitura senão a pronúncia successiva dos elementos simples ou
compostos, certos ou incertos da palavra escrita? Por isso é que a leitura
é a verdadeira soletração; porque só na leitura se dá aos caracteres o seu
justo valor.

Ha duas soletrações, a antiga e a moderna. A soletração antiga vai chamando
as letras pelos seus nomes, para apresentar depois, não a somma desses
nomes, mas a somma dos valores dessas letras. Esta soletração é absurda, e
desmoralisa o raciocinio do principiante. Como quereis vós que uma alminha,
ainda com aquella luz tão pura que traz de Deus, entenda que _cê_, _agá_,
_á_, junto, sommado, é _xá_?!

Isto será ensinar a ler, mas é ao mesmo tempo embrutecer. Ora mil vezes
antes analfabeto que idiota.

Porem esta soletração, que aliás reina em Portugal e seus dominios, está
condemnada. A outra, a soletração moderna que procede por valores, é
incomparavelmente superior; mas ou é inexequivel ou escusada.

Modernamente, como se soletra _chá_? Deste modo: _x'_, _á_, _xá_. Mas se o
alumno sabe, pelo conhecimento das regras ou por intuição, o valor
hypotetico de _ch_, lê igualmente _xá_; e se não sabe, não pode soletrar á
moderna. É claro.

Daqui resulta que a soletração é a leitura. Ensinemos as regras; e a
pratica fará o resto.

Segue-se o _k_, pela ordem estabelecida; e como só o podemos apresentar em
_kilo_, aproveitemos a occasião de exercitar o principiante no _o_ final,
ensinando-lhe que o _o_ no fim vale _u_. Explicai-lhe o symbolo, se vos
parecer: a curva ondeada indica as mais letras da palavra acabada em _o_,
que faltam; as duas parallelas querem dizer _vale_.

  k

ki|lo



~~~o = u

vi|vo     vi|u|vo

vi|a|jo   ve|jo

fu|jo     fa|vo     fa|to

a|to      ba|to     ba|fo

a|ba|fo   ba|fi|o

a|ba|lo   fa|llo

lu|to     la|do     li|do

pa|to     pa|vi|o

pu|lo     pa|pal|vo

bal|do    bal|di|o

bo|lo     lo|bo     lo|do

o|vo      to|lo     tòl|do



UNDECIMA LIÇÃO


Não tinhamos outra palavra conveniente senão _kilo_, onde apresentassemos o
_k_, por ser esta consoante tão perfeita como rara.

Os gregos tinham uma inflexão irmã da que representa em portuguez o _k_,
mas aspirada; e figuravam-na por certa letra bastante similhante ao _k_, e
ainda mais similhante ao _x_.

Os romanos não tinham essa letra; e, como para elle _c_ valia _q_,
ajuntaram-lhe _h_ para significar aspiração, e nas palavras gregas de
origem, onde havia aquella inflexão guttural, escreviam _ch_ com
justificado motivo.

Mas isso, elles; nós só por imitação servil fazemos o mesmo; porque para
nós nem o _c_ vale _q_, e sim diversas inflexões; nem o _h_ significa
aspiração, que não ha em portuguez; nem _ch_ tem valor definido. Quanto
mais que em pontos de orthografia grega mais nos devia importar o grego que
o latim; e se ha maneira de falsear aquella excellente orthografia é
escrever dois caracteres representando um valor.

Donde resulta que em taes casos mais logica o etymologicamente se devera
escrever _k_. Todavia, recebendo esta letra na adopção do systema metrico
uma especie de cunho official, nem as _graças do poder_ lhe valeram a
benevolencia dos sabios: continúa em _kilo_ (significando mil) a ter curso
forçado; mas já em _chylo_ (succo de alimentos digeridos) insistem os
sabios a escrever _ch_, tendo a palavra igual origem e identica pronuncia.

É uma especie de antipathia, áquelle excellente caracter, que não se póde
attribuir ás suas quatro pernas. A mesma França, que toda se empenha em
disfarçar no apparato scientifico os absurdos da sua orthografia, expulsa o
_k_ de palavras a que elle pertencia _par droit de naissance_; reserva-o
para os termos arabes; e nos proprios de origem grega escreve _ch_ valendo,
note-se, ora _k_ ora _x_. Primores da coherencia etymologica!

Mas o alumno espera-nos. Ao _k_ seguia-se o _q_ segundo o nosso plano; mas
já sabemos que esta consoante, embora certa, offerece circumstancias
absurdas: servirá pois de introducção ás consoantes incertas; e vamos
entretanto a outras regras sem excepção, em respeito a vogaes.

Ensinámos na lição passada que _o_ final vale _u_. Ensinemos agora que _ou_
vale _ô_.

Nas provincias do norte diz-se _amôu_, _comprôu_; mas em Coimbra, Lisboa e
no mais Portugal não se profere tal ditongo. Escreve-se _ou_, mas o _u_ é
mudo, e o _o_ soa como em _avô_.

Este é o facto e, por consequencia, a lei fundada, não diremos na melodia
que é relativa, porem no uso mais autorisado e aliás mais vasto.

Com isto não queremos dizer que em tal ou tal logar, onde reine sem
contradicção aquella variante, o professor se empenhe em arrancar aos seus
discipulos talvez um hábito invencivel. A toada é singularmente ingrata a
ouvidos estranhos e illegítima; porém não é essencial que os filhos do povo
fallem classicamente; o essencial é fazel-os quebrar o circulo da
animalidade e dar-lhes, por meio da leitura e da escrita, o horisonte
infinito do homem. Em parte onde convier, exercitai-os no ditongo.

ou = ô

a|vô

vou          a|vi|ou

vi|u|vou     vi|a|jou

dou          a|tou       fi|ou

ba|bou       pi|ou

pa|pou       a|pu|pou

ta|pou       pu|lou

fa|llou      a|lli|vi|ou

a|ba|fou     ou|vi

ou|vi|a      ou|viu

ou|vi|do     lou|va

lou|vo       lou|vou

pou|pa       pou|po

pou|pou



DUODECIMA LIÇÃO


Já na lição passada nos referimos ao ditongo _ou_, usado nas provincias do
norte, e que bem se póde ter por vicioso. Agora diremos que nas provincias
do sul cerceiam o delicado ditongo _ei_, dizendo em logar de _lêi lêito dêi
dêitêi_, simples e desengraçadamente _lê lêto dê dêtê_. Tambem é vulgar
nestas provincias _mé_ pai, _té_ primo; e não menos, _jantí andí cantí_, em
vez de _meu pai_, _teu primo_, _jantêi andêi cantêi_.

Não imaginamos circumstancias que recommendem ao mestre contemplação alguma
com essas crassas deturpações da lingua. Os mais rudes acceitam a emenda
sem escandalo, e sem surpreza, lembrados duma ou outra pessoa culta que tem
ouvido.

Mas voltando ao _êi_, objecto especial desta lição, bom é notar que esse
ditongo nem sempre é expresso, mormente na orthografia antiga. Os antigos
escreviam regularmente _têa fêo cêa recêo_: os modernos escrevem geralmente
mais conforme a pronuncia. Seja como fôr, o estylo da lingua não admitte o
ditongo _êo êa_; e em taes casos, esteja o _i_ expresso ou não, ha de se
ouvir o ditongo _êi_ antes da voz final.

A razão popular, ainda mais que as academias, tende sempre a racionalisar a
orthografia ajustando-a com a falla; e por isso, como já indicámos, hoje o
mais ordinario é escrever-se _feio receio teia aldeia_. E ainda bem. Mas o
que parece equívoco da parte dalguns autores é escreverem, por exemplo
_grangeiar receiar_, porque em certas vozes (do presente do indicativo,
imperativo e conjuntivo) de similhantes verbos soa _êi_. Sempre ouvimos
dizer _cêio_ e _recêio_; mas ainda não ouvimos dizer _cêiêi_ e _recêiêi_. O
_i_, que o estylo da lingua insinua naquellas vozes, é um accidente do
verbo e não o mesmo verbo na sua forma primitiva. Se as alterações que
soffrem as vogaes durante a conjugação dos verbos devessem figurar no
infinito, não havia modo de os escrever. _Escrever_, por exemplo; segundo
_e_, grave; _escrevo_, segundo _e_, agudo: _velar_, _e_, grave; _velo_,
_e_, aberto; _vele_, _e_, agudo (o mesmo da primeira syllaba).

E sem fallarmos nos casos em que até as consoantes variam, como nos verbos
acabados em _gar_ e _car_, aqui se mostra que a lingua portugueza não
guarda nos derivados a prosodia radical, por outra, que não é uma lingua
etymologica, como era a latina: assim como não é uma lingua metrica, com
syllabas longas e breves, como o latim; e assim como não é uma lingua
declinavel, com sete, oito, nove, dez e mais formas do mesmo nome, pronome
ou adjectivo, como havia no latim. Ora não sabemos que traços mais
profundos de divergencia pode separar uma lingua de outra. Em que se fundam
pois os argumentos de analogia com que o pedantismo nos tem sempre querido
impor a orthografia latina? Bem fez a Hispanha que importando-lhe mais os
seus grandes interesses, do que os embaraços do filologo em descobrir a
origem e significação de _Cristo_ escrito sem _h_, tem hoje a mais perfeita
orthografia do mundo. E nisso se podem fundar boas esperanças da enorme
civilisação que espera aquelle generoso povo, tantos seculos á espessa
sombra da monarchia.

ei = êi

dê         lê

dei        lei      a|tei

pa|pei     la|vei

a|ba|lei   fei|ta

fei|to     fei|ti|o

dei|to     dei|tou

dei|tei    ba|bei

bei|ja     bei|jo

bei|jou    bei|jei

dei-a      dei-o

vei|a      vei|o

fei|a      fei|o

lei|a      lei|o

pei|a      tei|a



DECIMA TERCEIRA LIÇÃO


Não tratamos aqui dos valores da letra _e_.

Tratamos das vozes similhantes que essa letra representa; que são quatro:
_e agudo_, que se exprime no proprio nome dessa vogal, _é_; _fechado_, de
que fallámos na lição antecedente, _dê_, _dêi_; _aberto_, que não tendo
signal especial em portuguez, muitas vezes figura com o mesmo agudo, por
exemplo, _bello_, _pés_: e ha um outro, de todos o menos parecido com o
agudo ou nome da letra, chamado grave, do qual já tivemos occasião de
fallar.

Este _e_, que mal podemos declarar por escrito, mas que o ouvido distingue
perfeitamente, é frequentissimo no principio, no meio e no fim de palavras;
mas tambem frequentemente mal proferido, e até supprimido, mormente no fim.

Pondo nisso especial cuidado; não deixeis o vosso discipulo dizer _fal'_ em
logar de _falle_, assim como lhe não deixeis dizer _vile_ em logar de
_vil_, _papele_ em logar de _papel_, etc. Basta contar as syllabas, e não o
deixar fazer, de duas, uma; e de uma, duas.

Ha numa linguagem viciosa não sabemos que mostras de má educação ou de
rudeza. Devemo'-nos empenhar o mais possivel em aperfeiçoar o estylo dos
nossos discipulos.

E voltando ao _e aberto_, que não tem signal especial, cumpre notar que se
encontra nos classicos, muitas vezes, esse _e_ com um accento opposto ao
agudo, desta fórma: _prègar_, _prègador_ (palavras que precisavam de
especificação, pois ha tambem em portuguez, com _e_ grave, _pregar_ e o
derivado _pregador_). Não o applicavam os autores, ou pelo menos os
typografos, systematicamente; como faziam a todos os demais signaes; porem
os modernos, em vez de o aproveitar convenientemente, aboliram-no. D'ahi
resulta escrever-se _pé_ e _pés_, _sé_ e _céo_, com uma orthografia
excellente para enganar quem lê.

Não se póde confundir o _e_ de _pes_, plural de _pé_, com o de _péz_, cerol
(ou de _pé_, que é o mesmo): tambem se não póde confundir com o de _pê_
(nome vulgar da letra _p_); e muito menos com o _e_ grave.

Temos portanto, não fallando no grave, tres especies de _ee_ bem
accentuados na pronuncia (_pès_, _pé_, _pê_), que de facto se querem
accentuar na escrita; mas, empregando-se nesse intento apenas dois signaes,
por força algum _e_ se havia de confundir com outro.

E assim succede. Quando o autor receia que leiam _zelo_ (verbo), escreve
_zélo_; e quando receia que leiam _zelo_ (nome), escreve _zélo_: escreve
sempre o mesmo. E como havia elle de escrever melhor? Escrevendo _zêlo_
(nome) e _zélo_ (verbo)? Errava em ambos os casos; no primeiro, onde não
soa o _e_ de _pê_; e no segundo, onde não soa o _e_ de _pé_. Tomando a
responsabilidade daquella apparente innovação indo aos antigos buscar um
signal desusado? É claramente o melhor recurso. Mas vamos ao nosso _e_
grave, que é o que mais nos importa.

~~~e

a|ve        vi|ve      ti|ve

a|te        a|ju|de

ta|pe       to|pe      po|te

pó|de       pou|de

bu|le       bo|le      bo|te

ba|te       bo|de      bo|fe

bi|fe       fo|lle     fa|lle

la|ve       vol|te

fal|te      a|pal|pe

pe|lle      pe|de

pe|di       pe|diu

pe|llei     pe|llou

ve|lei      ve|lou

le|vou      de|dal



DECIMA QUARTA LIÇÃO


Ao _k_ segue-se a sua irmã na pronuncia e última das consoantes certas, o
_q_: mas com esta já principiam as grandes inexactidões na escrita e os
equivocos faceis na leitura.

_Não se escreve _q_ sem _u_; mas esse _u_, com _e_, _i_, quasi nunca se
lê._

É a regra que podemos estabelecer. D'ella podemos tirar o seguinte dictame:

_Visto _qúé qúí_ valer quasi sempre _qé qí_, lendo-se d'este modo, quasi
sempre se acerta._

Aconselhai o discipulo nesta conformidade; sem embargo de o deixardes ler
uma ou outra palavra como está escrita, para ver que não faz differença
essencial, e que embora leia _ficuêi_ _fícue_, facilmente percebe o seu
engano, e até se intende o que diz.

O alumno estranha com razão estas anomalias. Em satisfação á sua
intelligencia bom é dizer-lhe (o que temos por certo) que antigamente
lia-se sempre o _u_ depois do _q_; com o tempo algumas palavras mudaram,
continuando-se todavia a escrever do mesmo modo. Nem haja dúvida em
accrescentar que, se a palavra mudou na pronuncia, devia mudar na escrita;
e que uma vogal que se não lê não se devia escrever.

Se cada letra valesse um elemento da palavra fallada, nada mais facil que
aprender a ler. A lingua portugueza reduz-se a trinta e seis elementos;
para decifrar toda a nossa imprensa, bastaria fixar e distinguir trinta e
seis caracteres. Quem não teria essa capacidade e paciencia?

Infelizmente, á parte os methodos, e a insufficiencia dos mestres que
geralmente nas escolas são os mesmos discipulos, sobejam letras inuteis,
letras dum valor commum, letras de valor múltiplo, combinações quasi
fantasticas: e os proprios signaes, que haviam de marcar o tom da vogal,
d'uns ha falta, d'outros sobra, e n'outros dúvida por desacôrdo nos
autores, e quasi sempre no mesmo autor.

A este respeito diremos que em portuguez temos vogaes _nasaes_, _agudas_,
_fechadas_, _abertas_ e _graves_; ás quaes por sua ordem correspondem, e
muitas vezes se applicam, os seguintes signaes:


  nasal ou _til_ (~) de ordinario supprido por _m_, _n_:
                m_ã_o,  m_en_te,        m_in_to, m_on_te, m_un_do;

  agudo          (´)
                m_á_,   m_e_u,          m_i_a,   m_ó_,    am_u_o;

  circumflexo    (^)
                _a_mei, am_e_i,         ...      am_o_u,  ...

  aberto         (`)
                ...     m_è_ta (baliza) ...      ...      ...


A este signal chamam os francezes grave; e á sua imitação muitos nossos,
mas impropriamente, porque nunca se usou nas vogaes que nós chamamos graves
similhante signal nem outro algum. Essas vogaes são, por exemplo, as
últimas das seguintes palavras:

  am_a_, am_e_, ame_i_, am_o_, trib_u_

E aqui chamamos _grave_ o _a_, que chamámos _fechado_, a páginas 11.
Veremos a razão disso.

            q

que   qui = ke ki

fi|que        fi|quei

to|que        to|quei

a|ta|quei     pi|que

a|ta|que      pi|quei

du|que        lo|que

ba|que        ja|que|ta

a|ppli|que

a|ppli|quei

a|que|lle

a|que|lla

a|qui         a|qui|llo

qui|e|ta      qui|e|to

qual

qua|li|da|de



DECIMA QUINTA LIÇÃO


É evidente que havendo consoantes certas e incertas, n'um methodo, se havia
de começar pelas certas. Ora conhecidas e combinadas pelo nosso discipulo
essas dez consoantes, que na ordem alfabetica são:


          _b . d f . . j k l . . p q . . t v . ._
  restam: _. c . . g . . . . m n . . r s . . x z_


Porem que ordem seguiremos agora? Como vimos a páginas 19 e 23, todas estas
oito são de dois valores, excepto _s x_, que são de quatro. Ora a última
das certas, em que ficámos, foi _q_; ao qual se seguem naturalmente _c g_,
não só porque uma tem um valor identico; e a outra, um valor similhante,
guttural; mas porque ambas igualmente, com _e i_, offerecem especialidade.

Portanto o logar de _c g_ está marcado. Depois seguir-se-hão _m n_, que
teem igualmente dois valores? Não convém; ambas essas consoantes servem
muitas vezes de til, o que é duro de explicar; e accresce que _n_ se
combina com _h_; podendo-nos portanto servir de transição para as fórmas
compostas _lh_, _ph_, _ch_, etc. que devem ser as últimas.

Por outro lado, se advirtirmos que _z_ tem dois valores de _s_, assim como
_s_ tem tres valores de _x_; conviremos que estas tres consoantes se devem
succeder. Resta _r_, que tendo dois valores, as deve preceder.

Logo a ordem mais conveniente é

  _c g, r, z s x, m n_.

Veremos que o _h_ não passa dum accento, quando serve de alguma cousa.

Ora o _c_ tem dous valores; um, sibilante e prolongavel, _ç..._; outro
instantaneo guttural, _q_.

Como lhe havemos de chamar? Como o mestre quizer. O discipulo a estas horas
está bem no caso de não confundir o nome com os valores: quanto mais que
não se admittindo solletração, elle é forçado a empregar valores. Por isso
é que já em respeito a _k_ e _q_ deixámos em aberto esse ponto. Todavia é
mais racional que chamemos a essas gutturaes o que valem, _q'_; isto é,
designal-as pelo seu valor; ou querendo-se-lhes dar nome, derival-o d'esse
valor, e chamar, a uma e outra, _qê_. Similhantemente, dos valores de _c_,
deriva o nome _cêqe_. Embora a experiencia nos mostre a inutilidade dessas
designações formaes, e o methodo aconselhe de preferencia citar-se a letra
pelos simples valores, podemos admittir nomes _verdadeiros_, que indiquem
as funcções da letra.

Em todo o caso, o essencial é ensinar os valores e as regras. Antes da
lição que segue, deve passar-se, entre mestre e discipulo, este ou
similhante diálogo:

—_Que letra é esta?_—_Cêqe._

—_Porque se chama _cêqe_?_—_Porque vale _ç..._ e _q_._

—_Quando vale _ç..._?_—_Em vindo com _e_, _i_, ou cedilhado._

—_E em não vindo com _e_, _i_, ou cedilhado?_

—_Vale _q_._

O _ç_ (cedilhado) não confunde o alumno; antes, pela necessidade ou
inutilidade da cedilha, como se póde exemplificar em _aço_, _caco_ etc.,
lhe ajuda a fixar as alternativas d'esta consoante caprichosa.

c

= ç...    ce     ci

ce|bo        ce|bo|la

ce|do        cei|a      fa|ce

al|fa|ce     foi|ce

ba|ci|a      ci|da|de

= q

cá           cal        cal|do

cal|vo       cul|pa

ca|co        ca|cei

ca|ce        cal|cei

ca|ce|ta|da

ç

a|ço         bei|ço     bu|ço

ca|ça        ca|ba|ça

ca|be|ça     co|ça

cal|ça       cal|ça|da



DECIMA SEXTA LIÇÃO


Segue-se o _g_, igualmente de dois valores, como o _c_, um prolongavel e
outro instantaneo: o prolongavel é _j..._; e o instantaneo é _g'_,
guttural. D'estes dois valores deriva logicamente o nome _jêg'e_. Isto
supposto, dialoguemos com o nosso discipulo:

—_Que letra é esta?_—_Jêg'e._

—_Porque se chama _jêg'e_?_—_Porque vale _j..._ e _g'_._

—_Quando vale _j..._?_—_Em vindo com _e_, _i_._

—_E quando vale _g'_?_—_Em não vindo com _e_, _i_._

—_Mas ha palavras onde soa _g'é_, por exemplo _malagueta_; e ha palavras
onde soa _g'i_, por exemplo _guita_._—_Qual é o modo de escrever estas
syllabas?_—_E escrevendo _gúé_, e escrevendo _gúi_._

—_E, assim, fica bem escrito?_—_Não; porque o _u_ não se lê; mas entende-se
bem a palavra._

—_E se tirassemos o _u_?_—_Era peór; lia-se _malajeta_, lia-se _jita_, que
faz mais differença._

Ora os casos em que o _u_ se lê, nestas syllabas _gue_, _gui_, são
rarissimos: por isso podemos ensinar a desprezal-o, como fizemos a respeito
de _que_ _qui_, numa regra similhante:

—_Visto _gúé gúí_ valer quasi sempre _g'é g'i_, lendo-se d'este modo, quasi
sempre se acerta._

Na lição vai uma excepção, _guela_.

Mas deixai tambem o discipulo ler uma ou outra palavra como está escrita,
para ver que ainda lendo em rigor, a palavra transparece claramente. Esta
certeza desafronta-o dos equívocos em que póde cair.

Vê-se pois que admittimos nomes de letras, conformando-nos com a opinião
commum, que tendo tudo nome, tambem as letras o devem ter. Embora; e nesta
altura não ha inconveniente para o nosso discipulo: mas seja um nome
adequado, e não um nome falso. Chamando ao c _cêqe_, e ao g _jeg'e_ (ou
escrevendo como se usa, _gêgue_), conformamo'-nos com aquelle principio,
com o costume, e satisfazemos, pelo menos, ás mais imperiosas exigencias do
methodo. Comtudo ainda podemos ajustar mais aquellas denominações aos
valores das letras, dizendo _ceqe_ _jeg'e_, como diriamos duas vezes a
particula _de_: _de_ Francisco, _de_ Pedro: _de_ _de_; _je-g'e_, _ce-qe_.

Dizia-nos um dia o aio dos principes: bom é o methodo, mas de qualquer
maneira se aprende a ler.

Intendamo'-nos: de qualquer maneira se _pode_ aprender a ler; _de facto_,
não se aprende de qualquer maneira. Dos senhores de si, poucos são os que
tentam, e quasi todos esses desistem: os outros... que remedio! A questão é
de tempo e de tormento. E essa não é ainda a questão principal.

Todo o estudo involve, afóra a instrucção, educação de espirito; por isso a
geometria passa pela melhor das logicas. E no primeiro de todos os estudos,
quando o espirito está mais ductil e inconciente, como póde um processo
racional, ou insensato, ser indifferente aos habitos da intelligencia?

Voltemos ao nosso caminho. Querendo-se que o discipulo intenda os symbolos,
diz-se-lhe que os tres pontos designam o valor prolongavel: a consoante
simples, ou com apóstrofo, indica o valor instantaneo. É claro.

g

= j...    ge     gi

ge|bo         gei|to

fo|ge         ti|ge|la

vi|gi|a       co|llé|gio

= g'    gue   gui  = g'e g'i

jo|gue        pa|gue

fol|gue       ce|gue

gui|a         gui|ta

a|lu|guel     gu|e|la

ga|go         á|gua

e|gua         i|gual

ga|llo        gal|go

gol|pe        pul|ga

ce|go         a|cel|ga

gi|ga         ga|gue|ja



DECIMA SETIMA LIÇÃO


Vamos ao _r_, terceira das consoantes incertas e, como as duas primeiras
_c_ _g_, igualmente de dois valores, um prolongavel e outro instantaneo.

Ponhamos em diálogo a doutrina:

—_Que letra é esta?_—_Rêr._

—_Porque se chama _rêr_?_—_Porque vale _rr..._ e _r'_._

—_Quando vale _rr..._?_—_Em vindo no princípio ou dobrado._

—_E em não vindo no princípio, ou dobrado, o que vale, ou como se
lê?_—_R'._

Não é necessario trazer para aqui as vogaes, como se costuma: isso impõe ao
principiante uma distincção inutil, porque tanto vale o _r_ entre vogaes,
como entre vogal e consoante. Escusa tambem ensinar as excepções ao
discipulo: como o _r_, se profere tocando a lingua no ceo da boca, e o
_rr..._ consiste na repetição desse toque (gemendo ou vozeando ao mesmo
tempo), a affinidade desses dois valores, e o mesmo estylo da lingua leva o
discipulo a reforçar a inflexão, quando lhe destoa proferida simplesmente.
Difficuldade acharia elle em o não fazer, por exemplo, em _carne_ e
_melro_, ou vice versa em _tenro_ e _arlequim_: pois antes ou depois de
_l_, o _r_ é guttural. E o mesmo podemos dizer a respeito de _n_; mas
advertindo que, por exemplo em _tenro_, não é necessario que o _n_ sôe como
letra (ou inflexão); basta representar de _til_.

Estas observações dirigem-se ao mestre: e ainda ao mestre, á excepção de
alguma indicação prática, o mais que deixamos nestas notas não merece
especial reparo; nomeadamente as razões de ordem. Chamando a isto methodo,
cabe-nos mostrar que o é; mas para fazer breve e commoda jornada por uma
estrada recta e plana, não é necessario saber como a traçaram e
construiram.

O _r_ guttural é inflexão instantanea porque se reduz em última anályse a
um toque de lingua no ceo da bôca; é inflexão prolongavel porque se forma
repetindo esse toque indeterminadamente; e é voz porque o gemido (como lhe
temos chamado) com que proferimos _v_, _z_, _j_, e de que igualmente
depende o _r_ guttural, não é senão o fôlego elevado ao grau de vibração,
ao grau de voz. Propriamente fallando, a _voz_ só se emitte de bôca mais ou
menos aberta, e sem intervenção sensivel dos orgãos mudos. Mas á parte esta
intervenção e a propriedade do termo, n'aquellas quatro inflexões ha _voz_.
Tanto assim que bem podemos esboçar distinctamente qualquer melodia,
modulando-a n'alguma das inflexões _v_, _z_, _j_, _r_...

Estas são verdadeiramente as letras _semi-vogaes_: não—_aquellas_ cujo nome
_começa e acaba por vogal_. O que terá o nome com a cousa!

A letra _r_, pela sua frequencia e pelos seus accidentes de posição e
número, merece uma lição com consoantes certas, e outra com consoantes
incertas. Em seguida daremos, para desfastio do alumno, um pequeno diálogo.
Se o mestre não julgar inutil este exercicio, applique ás palavras _a_,
_o_, a regra do _a_, _o_, finaes; e diga que o _e_ simples lê-se _i_. O
alumno reconhece as maiusculas, e a pontuação não o embaraça. Appliquem-se
as regras conhecidas.

r

rei           ru|a       rai|o

rai|va        ri|jo      ra|to

fe|rro        ja|rro

te|rra        bu|rro

i|ra          va|ra      fe|ra

fu|ro         ju|ra      pu|ro

ar     ir     vir        for

flor          dar        ver

ver|de        per|da

par|do        per|to

pre|to        pra|to

bru|to        po|bre

i|rar         vi|rar

va|rrer       fe|rrar

ra|ro         re|ti|ro

rir           ro|er      ra|tar

re|par|tir

re|ci|bo      re|cei|o

ri|co         ró|ca      ru|ço

ca|rro        ga|rra|fa

ga|rra        gue|rra

ce|ra         ce|rol

ca|ra         ca|ra|col

cor|da        a|çor|da

ge|ral        gô|ro

a|go|ra       a|gou|ro

cer|to        car|ta

gar|fo        gri|to

gri|tar       có|rar

ce|ar         re|ce|ber

re|ge|dor     ro|gar

ce|rrar       co|rrer

a|ga|rrar     go|rar

ca|rre|gar

re|cor|dar



—Ó Pe|dro, que é do li|vro de ca|pa ver|de, que te deu o a|vô?

—Já o dei ao Jor|ge a guar|dar.

—Vai lá pe|dil|-o.

—Pa|ra quê?

—Pa|ra a ti|a Car|lo|ta ver a gra|vu|ra do ca|ça|dor.

—Ou|ve cá: a pobre da Cla|ra i|a a|brir a por|ta do quar|to, ca|íu,
que|brou a ga|rra|fa do pe|tró|leo, e fi|cou fe|ri|da. Vou a|go|ra á
bo|ti|ca; le|vo a|qui a re|cei|ta: á tar|de lo|go fa|llo ao Jor|ge, e di|go
que t'o dê.

—Pa|la|vra?

—Pa|la|vra, Ju|lio, fi|ca cer|to.

—Vê lá, cui|da|do!



DECIMA OITAVA LIÇÃO


Ao _r_ segue-se o _z_, embora esta consoante seja mais simples: porque o
_r_ dobra-se, e tambem se combina com outras consoantes; o que não succede
ao _z_: mas as razões de analogia não são menos attendiveis que as de
simplicidade.

O _r_ tem dois valores que se reduzem a uma fórmula bastante simples (_no
princípio_ e _dobrado_, _rr_). O _x_ tem quatro valores, que se esquivam a
regra. É portanto claro que o _r_ devia preceder ao x; mas devendo preceder
ao _x_, devia preceder aos caracteres a que o _x_ está associado por
identidade de valores.


  Na verdade, em _zaz_ vê-se que _z_ vale                _z x_
  Em _sisudos_ vê-se que _s_ vale                      _ç z x_
  Em _sexo auxilio exilio xale_ vê-se que _x_ vale  _kç ç z x_


Valem todas tres _z_, _x_; duas valem mais _ç_; e uma vale ainda mais _kç_.
É como uma escada de tres degraus que o methodo, que é todo escada, não
podia desmanchar.

Por isso a todas tres precede o _r_; e agora ao _r_, segue-se a mais
simples das tres.

A theoria relativa ao _z_, encerra-se nas seguintes perguntas e respostas:

—_Que letra é esta?_—_Zêxe._

—_Porque se chama_ zêxe?—_Porque vale_ z... _e_ x...

—_Quando vale_ z...?—_Em não vindo no fim._

—_E quando vale_ x...?—_Em vindo no fim._

Isto é o bastante.

O discipulo está agora atravessando um terreno escabroso. Por maiór
circumspecção com que vamos guiando os seus passos, não o livramos de caír:
salvo tecendo-lhe de proposito lições faceis, e desviando-lhe tropeços; mas
então o resultado seria um progresso illusorio.

Vistes nas lições do _r_ como por uma escala de combinações chegámos a
accumular dentro da mesma palavra muitas dúvidas. Assim convem preparar o
discipulo para a leitura usual e prática onde, a cada linha, encontra essas
accumulações. A amenidade do methodo não póde levar-se até á esterilidade.
Se as lições agora são mais embaraçadas, vá o alumno ensaiando a sua
reflexão. Adiante da palavra mais duvidosa, está a prevenção da regra e a
advertencia do mestre.

O magisterio é de sua natureza offício de abnegação e de paciencia. O
mestre que se ira corrompe o coração do alumno. E se o alumno, pela sua
tenra idade, é incapaz de aprender regras e de as applicar, então a sua
presença na escola apenas attesta a ignorancia dos paes e a incuria da
autoridade. Até aos sete e oito annos de idade todos andamos numa fervorosa
elaboração corporal, que só reclama alimento, movimento e somno; assim como
andamos nesse profundo e immenso estudo da lingua, e nessa insaciavel
investigação do mundo exterior, que absorve totalmente a faisca mais
brilhante que possa alumiar uma cabeça infantil. Complicar esse duplo
movimento quasi vertiginoso com o ensino primario—leitura, escrita e
contas—passa de absurdo a cruel.

Como os valores do _z_ são novos, só podemos indicar nos symbolos em que
logar o apresentamos.



z~~~z~~~    z

ze|lei       ze|lou

ze|lar       a|zi|a

a|zul        a|zei|te

a|ze|dar     va|zi|a

lu|ziu       lu|zir

fa|zer       ja|zer

ja|zi|a      ja|zi|go

a|zar        a|zou|gu|e

~~~z

az           faz        fiz

fez          vez        jaz

ju|iz        luz        diz

puz          pôz        paz

ca|paz       la|puz

quiz         giz        gaz

a|rroz       re|troz

ra|paz       fe|roz

traz         cruz       zaz



DECIMA NONA LIÇÃO


Vamos ao _s_, quinta das consoantes incertas, e segundo degrau da escada,
de que fallámos na lição passada.

Esta consoante é frequentissima: nella acabam metade das vozes dos nossos
verbos, todos os nossos pluraes de nomes, pronomes, participios, e de quasi
todos os adjectivos; não fallando nos infinitos casos em que figura no
principio e meio de palavra, já antes, já depois de vogal; e tambem antes e
depois de consoante, como em _sciencia_ e _psalmo_.

Póde-se estabelecer a regra que o _s_ no fim de palavra ou syllaba, vale
_x..._; por exemplo, _custas_. Mas cumpre advertir que isto, sendo
geralmente verdadeiro, não é exacto; porque o _s_ (assim como _z_ e _x_
finaes), vindo no fim de palavra á qual se siga immediatamente vogal, vale
_z..._; por exemplo, _os olhos_, que se lê como se estivesse escrito
_o_z_olhos_; e seguindo-se-lhe immediatamente consoante, que não seja _ç_,
_f_, _p_, _q_, _t_ (ou equivalente de _ç_ e _q_), então vale _j_; por
exemplo _as vozes_, que lemos como se estivesse escrito _a_j_ vozes_.

Mas estas advertencias são puramente theoricas ou antes, escusadas no
ensino; pois não se trata de ensinar a ler a estrangeiros, e sim a
portuguezes mais ou menos práticos na lingua. Pela nossa parte não
costumamos prevenir os nossos discipulos, para a lição do _s_, com mais
doutrina que a contida no seguinte diálogo:

—_Que letra é esta?_—_Sezêxe_.

—_Porque se chama _sezêxe_?_—_Porque vale_ ç... z... x...

—_Quando vale _ç..._?_—_No princípio e dobrado._

—_Quando vale _z..._?_—_Entre vogaes._

—_E quando vale _x..._?_—_No fim de palavra ou de syllaba._

Com este pouco temos o bastante para o nosso discipulo acertar as mais das
vezes, e senão, para o convencermos de que desmentiu a regra, o que em
geral nos é tão agradavel como se a observasse, pois nos dá occasião de o
fazermos raciocinar.

Por exemplo, trata-se da palavra _uso_, que o discipulo lê _uço_. Em logar
de emendarmos sem mais explicações, preferimos questionar.

—Que consoante é essa?—Sezêxe.—Quando vale _ç_?—No princípio e
dobrado.—Está no princípio ou dobrado?—Não.—Portanto não é _uço_.

E quando vale _z_?—Entre vogaes.—Está entre vogaes?—Está.

E o discipulo lê _uzo_.

Syllaba é a palavra ou parte da palavra que se diz duma vez, n'um tempo.
_É_, _sé_, _seu_, _seus_, são quatro syllabas, embora mais compostas umas
que outras. _Qual quer_ são duas syllabas, que podem formar duas palavras;
e tambem, só uma. O discipulo adquire práticamente, pelas nossas lições de
syllabas alternadas a typo liso e lavrado, uma idéa mais clara de syllaba,
do que é facil dar-lhe por definições.

Quanto a vogaes, é melhor fazer-lh'as conhecer pelo valor, exemplificando e
comparando, do que simplesmente pelo nome e de memoria.

s

só           sa|fa       sil|va

pa|sso       to|sse

li|so        qua|si

bois         di|as       teus

sou|be|sse

de|su|sa|dos

sós          seus        su|as

si|so        si|su|dos

is|to        es|te       es|ta

es|tá        es|te|ve

vis|to       ves|tes

fos|te       jus|to

pos|tas      bas|ta

pas|tas      pes|te

les|te       lis|tas

val|sa       sal|sa

fal|sos      pul|so

so|cio       su|cia

ca|so        a|ce|sa

fa|ces       cis|co

se|ge        si|go

se|guir      gu|lo|so

gui|sa|dos

so|gro       gro|ssa

so|ce|ga|sses

per|se|gui|sses

ser          sa|ír       sor|te

a|ssar       ru|sso

ri|sses      ri|sa|da

ro|sa        ri|so       ra|so

ru|sso       gro|ssos

gri|tos      gor|dos

sa|gaz       fi|ze|sse

zur|zi|sses

rê|zes       lu|zi|sse



VIGESIMA LIÇÃO


Assim como do _z_ passámos ao _s_, que contem os dois valores do _z_;
passamos agora do _s_ ao _x_, que contém os tres valores do _s_.

Estes valores, a que alludimos, são _ç_... _z_... _x_... Porque é verdade
que a paginas 19 attribuímos ao _s_ tambem o valor de _j_...; mas este
valor, embora no _s_ se observe muito mais frequentemente, é accidente que
soffrem as tres irmãs _z_, _s_, _x_, e não particularidade do _s_.
Expliquemo-nos.

Se lermos e escutarmos as seguintes frases:


    _fa_z a_gua_,     _fa_z p_onto_,      _fa_z d_amno_;
     _a_s a_guas_,     _a_s p_ontes_,      _a_s d_amas_;
  _cali_x a_ntigo_, _cali_x p_rateado_, _cali_x d_ourado_:


ver-se-á que _z_, _s_, _x_ de _faz_, _as_, _calix_ valem, primeiro,
igualmente _z_...; segundo, igualmente _x_...; terceiro, igualmente _j_...

Examinai e vereis que _z_, _s_, _x_, lendo-se immediatamente antes de
vogal, valem _z_...; e immediatamente antes de _ç_, _f_, _p_, _q_, _t_ (ou
equivalentes), _j_...: nos outros casos, _x_...

Porém como todos observam isto inconscientemente, e o mesmo ouvido se
encarrega de guiar o alumno, é escusado dar taes regras.

Abstrahindo pois daquelle valor commum e tão accidental, _j_..., podemos
sem rigorosa mas com bastante verdade chamar áquellas consoantes _zêxe_,
_sezêxe_, _kcecezêxe_. Taes nomes designam os valores das letras, e são
portanto definições, verdadeiros nomes, verdadeiros e mnemonicos, isto é,
bons de fixar pela identidade e gradação de elementos.

O nosso systema não se funda nos nomes das letras: os faceis e notaveis
resultados que elle tem dado em nossas mãos, e nas do editor, e que
igualmente promette nas de outrem não dependem destas particularidades: mas
é a razão que as dicta, e o methodo que as aconselha.

_Xiz_ é um nome apenas insufficiente, não falso nem disparatado; porque do
modo que o dizemos (_xix_...), principiando e acabando na inflexão _x_...,
até se podia considerar symbolico; pois em princípio e fim de palavra,
salvo o que deixamos dito, o _x_ vale _x_... Mas que é dos outros valores?
O nome não os indica; e não ha razões de preferencia: nem ha conveniencia
alguma em obrigar o principiante a ir buscal-os a explicações avulsas,
podendo-os achar no proprio nome da letra.

Vamos ás perguntas e respostas do costume:

—_Como se chama esta letra?_—_Kcecezêxe_.

—_Porque se chama_ Kcecezêxe?—_Porque vale kç... ç... z... x..._

—_Quando vale kç... ç... z...?_—_Não ha regra._

—_E quando vale x...?_—No princípio e fim de palavra.

Este mesmo valor já sabemos quanto é accidental no fim; e tambem não é
certo no princípio. Parece pois que muito de proposito escolheram os
mathematicos o _x_ para symbolo da incognita... Mas ahi tendes mais uma
razão para lhe darmos um nome que offereça por assim dizer, á escolha do
principiante valores tão diversos e tão incertos.

x

= kç

fi|xo         fi|xa        fi|xar

flu|xo        de|flu|xo

re|fle|xo     se|xo

= ç

au|xi|li|as|te

au|xi|li|ari|as

au|xi|li|a|sses

= z~~~

exis|te       e|xis|tir

e|xer|ci|ta|rás

e|xer|ci|ta|sses

e|xer|ce|sses

e|xa|cto

= ~~~z

xa|le         lu|xo

bai|xo        dei|xar

be|xi|go|sas

ei|xos        sei|xos

sex|ta        ca|lix

ex|pre|ssar



VIGESIMA PRIMEIRA LIÇÃO


Das oito consoantes incertas faltam-nos duas, _m_, _n_: mas como estas
servem tantas ou mais vezes de til que de letras, é chegado o tempo de
fallarmos das vogaes nasaes. Ha cinco especies de vogaes: _agudas_,
_fechadas_, _abertas_, _graves_, e _nasaes_.

_Agudas_ são as que se proferem como se chamam _á_, _é_, _í_, _ó_, _ú_; ás
quaes muitas vezes se applica e muitas mais se deixa de applicar aquelle
traço obliquo da direita para a esquerda chamado tambem accento agudo.

Abaixo, por assim dizer, um ponto em força e clareza estão as _fechadas_,
que se proferem com a bôca um pouco menos aberta.

O signal destas é o chamado impropria e alatinadamente circumflexo, que a
maxima parte das vezes se omitte, mas algumas se emprega onde era
necessario como em _dê_; onde convinha como em _rôgo_; onde era
desnecessario como em _flôr_ (porque _or_ final vale geralmente _ôr_, e
portanto bastava accentuar as excepções como _maiór_, _peór_); e tambem
modernamente em palavras, onde não convinha, como _vêmos_, _louvâmos_, que
em estylo culto e desaffectado se lêem nasalando as vogaes _e_, _a_; ás
quaes portanto mais competia til que accento circumflexo.

É de notar que não ha _u_ nem _i_ fechado; porque o ouvido não distingue
voz abaixo de _u_; nem differença de tom, e só de fôrça, dum _i_ a outro
_i_, como em _cai_ e _caí_.

_Aberta_, ha só uma vogal assim chamada, o _e_, de que fallamos a paginas
49.

_Graves_ são as vogaes que se proferem mais suavemente, como as ultimas de
_ama_, _ame_, _amei_, _amo_, _tribu_; onde, se comparardes, vereis que _o_
e _u_ se confundem para o ouvido.

Quasi o mesmo succede entre _a_ fechado e _a_ grave, que só differem na
fôrça; como por exemplo em _câda_. Mas attendendo a que esta differença é
quasi inapreciavel, e devendo ser o _tom_ a base desta classificação,
póde-se estabelecer que ha só tres vozes graves, _e_, _i_, _u_,
representadas em quatro vogaes, _e_, _i_, _o_, _u_; valendo estas duas
últimas o mesmo.

_Nasaes_ são as que se proferem, não asperamente fanhosas, como se
tivessemos o nariz tapado ou as fizessemos eccoar nas fossas nasaes; mas
dirigindo o fôlego como que ao ceo da bôca; podendo-se neste sentido chamar
igualmente, e por ventura melhor, palataes.

Resumindo: todas as vogaes podem ser nasaes e todas podem ser agudas.
Graves ha quatro _e_, _i_, _o_, _u_, representando tres vozes graves _e_,
_i_, _u_. Fechadas ha tres, _â_, _ê_, _ô_. Aberta ha só uma, _è_.

As nasaes assignalam-se com ~, _m_, _n_. Hoje só é applicado o til a duas,
_a_, _o_; mas a todas se encontra applicado frequentemente nas edições
antigas.

Limitemos a nossa questão ao til.

—_Como se chama este signal?_—_Til._

—_De que serve?_—_De indicar voz nasal._

—Á, é, í, ó, ú _são vozes nasaes?_—_São vozes puras._

—_Como são nasaes?_—Ã, ẽ, ĩ, õ, ũ.

Puras são todas as vozes não nasaladas, isto é, todas as _agudas_,
_fechadas_, _abertas_ e _graves_.

      ã

ẽ     ĩ     õ

      ũ

vã           lã           rã           sã

são          pão          dão

ve|rão       se|rão

cão          co|ra|ção

ra|zão       car|vão

se|zão       grão

grãos        sãos

cães         ca|pi|tães

sa|cris|tães

põi          dis|põis

pa|vões      fei|jões

fei|ções     a|cções

ra|tões      ra|zões

va|rões      ba|rões

la|drão      ra|ções



VIGESIMA SEGUNDA LIÇÃO


Estamos chegados á penultima das consoantes incertas, que é o _m_. Este
caracter umas vezes é letra, outras vezes signal nasal, outras vezes nem
uma cousa nem outra; e podemos accrescentar que outras vezes é ambas as
cousas.

Quando é letra representa um despego de labios similhantissimo aos que
representam _b_, _p_; como por exemplo em

_mal_, _mel_, _mil_, _mola_, _mula_.

É impossivel começar a ler estas palavras sem ser de bôca fechada. Os
labios despegam-se á primeira voz; vindo portanto o _m_ a representar um
facto puramente mecanico, por si só inapreciavel ao ouvido. Não é isto
particularidade do _m_, mas qualidade geral de todas as letras que valem
inflexões instantaneas.

O _m_ representa esta inflexão labial em tendo vogal adiante.

Quando é signal nasal, vale para a vogal antecedente o mesmo que til. Tanto
importa para a leitura escrever:


       _am_bos, _em_bora, _im_par, _om_bria, _um_bral;
  como  _ã_bos   _ẽ_bora   _ĩ_par   _õ_bria   _ũ_bral:


com a differença que esta orthografia era melhor, mais exacta e, por
consequencia, mais elegante.

Por economia de espaço, e conveniencias typograficas, talvez mais que por
espirito reformador duma orthografia incoherente, acha-se o til empregado
nas edições antigas, frequentissimamente, onde agora pomos _m_ ou _n_. Em
boa hora volte e seja universalmente recebida aquella substituição. Mas os
antigos, que escreviam (tambem mais logicamente) por exemplo _amárão_;
querendo differençar o _ão_ dominante do grave, á falta de signaes
convenientes escreviam _amaráõ_, desvirtuando assim ao mesmo tempo os dois
signaes agudo e nasal; pois nem o _a_ é agudo, nem o _o_ nasal. Daqui e,
provavelmente ainda mais, da costumeira de solletrar _á_, _ó_, _til_, _ão_;
parecendo ao principiante (e talvez ao mestre) que o til pertence ao _o_;
resulta vermos até na capital grandes letreiros: _Salaõ_, _Repartiçaõ de
Instrucçaõ_ etc. (o que diga-se a verdade não é muito airoso para o
pintor).

O _m_ tem sempre este valor nasal quando se lhe não segue vogal.

Mas ás vezes não tem valor nenhum, e só se escreve por divisa etymologica,
como por exemplo em

_co_m_menda_, _co_m_missão_, _conde_m_nado,_

que se lêem exactamente como se escrevessemos _comenda_ _comissão_
_condenado_.

Estas taes divisas etymologicas, ou estas taes etymologias teem o grande
inconveniente de fazer da escrita um privilégio, que nenhum homem liberal
supporta sem repugnancia, etc. E ainda se os partidarios
[ilegível............]! Mas elles não se entendem uns aos outros, e nem a
si mesmos se entendem. Devia acabar esta affectação ridicula.

Continuando, não podemos dizer que _mm_ estão no caso de _bb_, _cc_, _dd_,
_ff_, _gg_, etc., que valem sempre assim dobradas o mesmo que simples:
porque é tão commum o primeiro _m_ não valer nada como valer de til: por
exemplo:


             _s_omm_a, g_omm_a, _emm_alar, _emm_assar_
  equivale a  _s_õm_a,  g_õm_a,  _ẽm_alar,  _ẽm_assar_:


vingando aqui a regra, que _m_ sem vogal adiante vale de til.

Tambem o _am_ final se póde dizer que não offerece nada de extraordinario
quanto ao _m_. Ahi o _m_ vale til; é regular: a forma orthografica sim que
é viciosa; porque escrevemos _ã_ para lermos _ão_. Nem o _a_ nem o _m_
podem representar o _u_ que soa na leitura. É uma convenção caprichosa, e
pouco sustentavel.

Antigamente dizia-se, por exemplo, _amárũ_; depois, com o correr dos
tempos, _amárõ_; depois, _amárã_. Foi-se a musica da lingua, por assim
dizer, aclarando. Hoje ainda muito povo diz _amárõ_, _fállõ_; mas o estylo
correcto e literario é _amárão_, _fállão_.

Nisto devem os mestres não poupar insistencias, porque o tal _õ_ é
repugnante. E dizemos: não poupar insistencias, porque é necessario
insistir: a maior parte dos alumnos teem esse vício muito arraigado. Mas
quem diz _cão_, póde dizer _fícão_: seja a syllaba grave ou dominante, a
pronuncia é organicamente a mesma.

Tempo houve que geralmente se escrevia _ão_ no fim. Depois, talvez para
evitar equivocos, e poupar accentos (no que sempre nos temos mostrado
singularmente economicos), em vez de se progredir empregando, e até
inventando os signaes necessarios a bem duma orthografia exacta,
retrogradou-se. Quasi todos escrevem actualmente _amam_, _fallam_,
_quizeram_, etc.

A dizer a verdade a boa orthografia não depende tanto da logica dos
caracteres como da generalidade das regras; e se _am_ final vale sempre o
mesmo, embora mal represente o que vale, passe a incoherencia. Melhor
orthografia é _fállão_, _fallárão_, _fallarão_, etc. Mas por exemplo
_pensão_ é equivoco; e escrever _pénsão_, não é logico; porque não temos na
palavra _e_ agudo. A falta dum signal para a vogal dominante, é uma razão a
favor do _am_ final: todavia, razão que pouco pode aproveitar aos que
seguem (como nós aqui) a orthografia em _am_; pois escrevem sem escrupulo
_provém_, _contém_ e até _porém_. Logo que dúvida podiam ter em escrever
_pénsão_, _péndão_, _mándão_, etc.? Melhor seria.

Mas dissemos nós que o _m_ vale ás vezes de letra e de til. De facto
acha-se uma especie de influencia nasal retroactiva no _m_ (assim como no
_n_). Nós lemos _ama_, _temo_, _lima_, _Roma_, _uma_, como se estivesse
escrito _ãma_, _tẽmo_, _lĩma_, _Rõma_, _ũma_. _Amamos_, _amemos_;
_fazemos_, _façamos_; _vestimos_, _vistamos_; _pomos_, _ponhamos_; nestas e
outras vozes similhantes dá-se tambem o caso de nasalarmos a penultima
vogal, sem til nem _m_ que lhe pertença.

Mas destas e outras que taes advertencias não precisa o alumno. E
limitando-nos ao que importa, na forma costumada:

—_Como se chama esta letra?_—_Metíl._

—_Porque se chama _metíl_?_—_Porque umas vezes vale _m'_, outras vezes vale
de _til_._

—_Quando vale _m'_?_—_Com vogal adiante._

—_E quando vale de _til_?_—_Com vogal atraz._

—_Portanto, com_ a, e, i, o, u _atraz, como se lê?_—Ã, ẽ, ĩ, õ, ũ.

—_Tambem se lê _ã_ no fim de palavra?_—_No fim de palavra não se lê _ã_;
accrescenta-se _u_; lê-se _ão_._

m

meu          u|mas

mãos         li|mões

mo|ças       co|mer

a|mi|gas     ge|mer

mo|rrer      mães

ma|çãs       ir|mãos

quei|ma|du|ras

ro|mãs       me|xer

             am = ~

em           im           om

             um

vim          fim          sim

a|ssim       al|gum

al|guem      a|tum

em|fim       quem

tam|bem      som

com          Jo|a|quim

ri|em        lim|pem

je|ju|em     to|mem

a|fi|em      tre|mem

cai|em       co|mem

ar|dem       fu|mem

te|mem       lê|em

com|pa|ra|rem

em|ma|ssa|rem

em|ma|la|rão

~~~am = ão

i|am         dur|mam

a|mam        te|mam

fi|cam       ras|pam

le|vam       pu|xam

vi|am        zur|zi|am

to|cam       ar|mam

li|gam       su|mam

em|ma|gre|çam

com|pli|ca|ri|am



VIGESIMA TERCEIRA LIÇÃO


Chegámos finalmente ao _n_, última das consoantes incertas, que á
similhança do _m_ umas vezes é letra, representando inflexão; outras vezes
é simples signal nasal, valendo de til; outras vezes nem representa
inflexão nem vale de til; outras vezes vale de til e representa inflexão; e
ainda outras vezes, accentuado ou carregado com o _h_, vale a inflexão
conhecida, de que havemos de tratar.

Propriamente um caracter só é letra quando representa um elemento mais ou
menos distincto da palavra fallada. Ninguem diz que _vã_ se escreve com
tres letras, porque nem a anályse nem o ouvido distinguem senão duas partes
nessa palavra. Ora se em _vã_ ha só duas letras, tambem ha só duas letras
em _van_. Se chamamos letra a este último caracter, é referindo-nos ao
papel que elle muitas vezes representa, e para não estarmos com explicações
e rigores desnecessarios: mas fallando com exactidão, aqui o _n_ não passa
dum signal.

Quando é letra profere-se pegando a lingua ao ceo da bôca: pegando-se ou
despegando-se; estes termos são geralmente reciprocos no valor fysiologico
das letras; para se despegar, tem de se pegar. Mas se merecesse a pena
levar a anályse a uma certa altura, diriamos que mais consiste aquella
inflexão no apego que no despego, pois como se póde observar em _iman_,
_pollen_, _talisman_, em summa nas palavras onde o _n_ final vale inflexão,
este _n_ profere-se perfeitamente deixando a lingua pegada ao ceo da bôca:
o mesmo que dissemos do _l_, ao qual, apezar da differença para o ouvido,
se assemelha muito na pronuncia.

Por isso bom é recommendar ao alumno, na leitura do _n_ final, o que
dissemos a respeito do _l_.

Este _n_ final valendo inflexão (e sempre tambem de til, pela influencia
nasal retroactiva, que indicámos a respeito do _m_) é raro. Poucas são as
palavras que assim acabam. E é só nessas palavras que a ortografia moderna
o admitte. Caiu em desuso escrever _van_, _lan_, _manhan_. O _n_ final
valendo de til, foi com razão substituido pelo til.

Nesta qualidade de til, o mesmo que dissemos do _m_ lhe é applicavel.
Nasala a vogal anterior quando não tem vogal adiante, dando-se tambem casos
excepcionaes como succede com o _m_, porém esta é a regra. Nós lemos:

_an_da, _en_te, _in_do, _on_da, _un_to, do mesmo modo que: _ã_da, _ẽ_te,
_ĩ_do, _õ_da, _ũ_to.

Como letra, nasalando ao mesmo tempo a vogal anterior, temos milhares de
exemplos: todos lemos: u_fa_no, _pe_na, _ti_na, _to_na, _pu_na, como se
estivesse escrito u_fã_no, _pẽ_na, _tĩ_na, _tõ_na, _pũ_na.

Escrito só por etymologia, tambem não escaceiam exemplos. Em _annel_,
_anniversario_, _annunciar_, etc., o primeiro _n_ não tem nenhum valor.

Resumindo esta doutrina ao nosso discipulo:

—_Que letra é esta?_—Netil.

—_Porque se chama_ netil?—_Porque umas vezes vale_ n', _outras vezes vale
de_ til.

—_Quando vale_ n'?—_Em tendo vogal adiante._

—_E quando vale de_ til?—_Em não tendo vogal adiante._

—_Portanto com_ a, e, i, o, u _atraz_, _como se lê_?—_Lê-se_ ã, ẽ, ĩ, õ, ũ.

Adverte-se a excepção do _n_ final.

n

nós             nau             cli|na

no|mes          ma|nos

na|da           me|ni|nos

a|nões          per|nas

i|ma|gi|na|vam

car|ne          es|qui|na

a|fi|na|ção     não

som|no          i|man

       an = ~

en     in     on

       un

an|tes          sin|ge|lo

an|ca           se|gun|do

ban|co          an|dam

an|cias         brin|co

an|jo           tran|cam

en|ten|di|men|to



VIGESIMA QUARTA LIÇÃO


O nosso plano é o seguinte:


    I Vogaes                        _a, e, i, o, u._

   II Consoantes certas             _v, f, j, t, d, b, p, l, k, q._

           »     incertas           _c, g, r, z, s, x, m, n._

           »     compostas certas   _th, rh, nh, lh, ph_, }
                                                          } (_y_).
      Consoante composta incerta    _ch_,                 }

  III Alfabeto maiusculo.


Daqui se vê que ás consoantes incertas seguem-se as compostas. É pois tempo
de fallarmos do _h_; tempo e opportunidade, porque as duas últimas
incertas, _m_, _n_, são muitas vezes simples signaes prosodicos; e o _h_,
igualmente debaixo de todas as apparencias de letra, não passa dum signal.

Os gregos tinham vogaes e consoantes aspiradas, isto é, proferidas com
aquelle esfôrço, aquella sobejidão de fôlego com que os hespanhoes proferem
a inicial de _José_. Em portuguez, ha mais ou menos fôrça em vozes e
inflexões; tanto, que é nisso e por isso que muitas se destinguem e se
transformam dumas noutras: mas propriamente a chamada _aspiração_, certa
aspereza e violencia, como de voz ou inflexão _tossida_, só (que nos
conste) nas gargalhadas do snr. _Rivara_.

Ora na Grecia, onde só havia sete sabios, ninguem era obrigado, para ler e
escrever grego, senão a saber grego. Naquella mina inexhaurivel de
etymologias, não havia etymologias. Escrevia-se com a maxima exacção,
salpicando-se a escrita de signalinhos, e entre esses figuravam os de
aspiração, que eram umas virgulasinhas sobrepostas á vogal ou consoante
accidentalmente aspirada.

Os latinos, em logar dessas virgulasinhas, tinham _h_, caracter improprio e
indevidamente mettido na cathegoria das letras; mas elles, importando-lhes
pouco tirar aos derivados os ares de familia, íam seguindo a sua
orthografia, empregando o _h_, tanto em palavras de origem patria como de
origem grega.

E como o portuguez é filho do latim na opinião dos sabios, apezar de não
termos _aspiração_, cá temos tambem o _h_ em palavras do latim, do grego
(que não tinha culpa nenhuma da orthografia latina), e até em palavras de
origem ou orthografia nossa, como _sahir_, _cahir_, _chegar_, _fechar_;
servindo-nos o _h_ de _accento_.

De tudo isto resulta que os gregos tinham a sua orthografia, os latinos a
sua, e nós temos a dos latinos, sem o seu criterio e a sua coherencia.

A dizer a verdade não ha differença essencial entre _aspiração_ e
accentuação: ambas envolvem _fôrça:_ mas ha a differença sobeja para não
confundir nem os nomes nem os signaes.

O _h_ em portuguez não vale aspiração; umas vezes é accento, outras vezes é
signal etymologico, outras vezes é ambas as cousas.

Applica-se a todas as vogaes e á terça parte das consoantes, ou tanto
monta, a metade do abecedario. A sua indole é carregar, accentuar, apezar
das muitas excepções. Vejamos com as vogaes.

_Ahi_, _ah_, _huivo_ lê-se como se escrevessemos _aí_, _á_, _úivo:_ aqui
vale accento agudo.

_Heroe_, _honesto_, _hostil_ lê-se como se escrevessemos _êroe_, _ônesto_
_ôstil:_ aqui indica etymologia, valendo ao mesmo tempo de accento
circumflexo.

Em raras palavras começadas etymologicamente por _h_, deixa a primeira
vogal de ser mais ou menos fortemente accentuada.

Com as consoantes observa-se a mesma _regra_.

Em _th_, _rh_ a presença do _h_ é inutil; mas haveis de notar que as
inflexões _t_, _rr_... são extremas, isto é, admittem, sem transformação, a
pronuncia mais vehemente.

Por outro lado, se os etymologistas fossem etymologicos não escreviam
_catarrho_, que não é orthografia portugueza nem latina nem grega;
escreviam _catarho_, para se lêr do mesmo modo; vindo o _h_ a servir tambem
de accentuar o _r_.

_Nh_, _lh_ é accentuação de _n_, _l_. Proferi alternativamente _n_, _nh_, e
_l_, _lh_, sentireis a lingua, na pronuncia da forma dupla, adherir mais
extensamente ao ceo da bôca, e despegar-se com mais custo.

A respeito de _ph_, todos apagam uma luz fazendo ou proferindo naturalmente
_pf_... Esta dupla inflexão consiste em despegar os labios com um sôpro; o
que corresponde a accentuar, carregar, tornar sensivel ou _aspirar_ a
inflexão negativa _p'_. É verdade que para nós _ph_ não vale rigorosamente
_pf_...; mas a differença é insignificante, e pouco desdiz a forma.

Em _ch_ temos dois valores, um frequentissimo, _x_... e outro raro, _k'_.
Reforçai a inflexão _ç..._ e vereis, como facilmente se vos torna _x_...
Quando _ch_ vale _k'_, pode-se dizer que o _h_ indica o valor aspero,
forte, guttural da consoante _c_.

Assim, ou similhantemente, convem desculpar as formas duplas, justificar,
explicar o valor simples ou homogeneo dessas dualidades graficas. Porque
certamente que todos os caracteres da escrita tem um valor convencional e
arbitrario; mas, posto um valor, até a intelligencia infantil é impellida a
inquirir se se é coherente.

E pois fallámos do _h_, do _ph_, do _ch_, fallemos do _y_, essa especie de
companheiro de viagem que tantas vezes vem na caravana.

Os sabios chamam áquillo _i_ grego. Se é grego, excellente razão para o
excluir da nossa escrita.

Em grego havia uma vogal (que por signal não se sabe ao certo se valia _i_
ou se valia _u_) que na forma maiuscula um tanto se assimilhava ao _y_: na
forma minuscula, como quasi exclusivamente nos apparece o _y_, o caracter
similhante era o _gamma_, o _g'_. De modo que se um grego resuscitasse, e
aprendesse a ler portuguez, havia de se rir muito do _nosso_ i grego. Não
obstante ensinai a ler o vosso discipulo _y_, _ph_, mas recommendando-lhe
que nunca escreva tão affectadamente.

Os hespanhoes, em logar do nosso _nh_, _lh_, teem _ñ_, _ll_. É melhor
orthografia, mas ainda incoherente. Tanta razão ha de carregar ou dobrar
num caso como no outro. Os polacos carregam o _l_.

Para nós o til não tinha applicação ao _n_. Interpretando os latinos e
imitando os gregos o melhor seria carregar, accentuar simplesmente, com
algum signal particular ou o mesmo agudo, _n_, _l_ e até _r_, _t_, _p_,
_c_. Vamos á practica.

Deveis ter tido occasião de ensinar ao discipulo o que é, e de que serve o
accento agudo e circumflexo; senão, explicai-lhe, apresentando-lhe, como um
novo accento embora de diversa forma, o _h_.

—_Que é isto?_—_O accento agá._

—_De que serve?—De carregar vogal ou consoante._

—_Que vale_ n, l, p _carregado_?—N', nh'; l', lh'; p', pf...

—_Mas lê-se_ pf...?—_Lê-se só_ f...

—_E que vale o_ c _carregado_?—x... _e algumas vezes_, q'.

y = i

cy|pres|te

mys|te|rio

sy|me|tri|a

py|ri|lam|po

a|sy|lo      a|bys|mo

cys|ne       crys|tal

ly|ceu       ty|ran|no

es|ty|lo     sy|lla|ba



h =

har|pa       ho|mem

ho|je        hom|bro

hos|tias     ha|ver

th           rh

sym|pa|thi|a

rheu|ma|tis|mo

ca|ta|rrhal

nh

u|nha        pu|nham

ti|nha       ne|nhum

ni|nho       ma|nhã

vi|nha       gru|nhir

li|nha       te|nham

fro|nha      pi|nhão

ju|nho       a|ze|nha

le|nha       in|ha|bil

lh

ô|lho        es|pe|lhos

dá|-lhe      jo|e|lhos

bu|lha       o|ve|lhas

a|ze|lha     gre|lha

fi|lhos      ra|lham

gra|lha      tri|lhar

a|lho        pa|lhi|nha

i|lha        o|re|lhi|nha

ph = f

a|phta       pha|rol

ty|pho       gry|pho

pho|ca       phra|se

es|phe|ra

tri|um|pha|ram

ty|po|gra|phi|a

phar|ma|cia

phos|pho|ros

= ~~~~z        ch

chá          ca|cho|rro

chão         cha|fa|riz

cha|pa       che|gar

chei|o       col|chão

= k     Chris|to

chris|ma

ma|chi|nis|ta

eu|cha|ris|ti|a



VIGESIMA QUINTA LIÇÃO


Ensaiado o nosso discipulo em todas as minusculas por sua ordem, resta
apresentar-lhe as maiusculas. Bastava metade, pela similhança de


      C I J K O P S U V X Y Z
  com c i j k o p s u v x y z.


Mas uma cartilha sem alfabeto, sería um escandalo. Evitemol-o.

O alfabeto é um cahos.

Se olhais ao som, e quereis tomar por base o ouvido, achais as vogaes
misturadas com as consoantes: se olhais á pronuncia, e quereis tomar por
base os orgãos da palavra, achais gutturaes e labiaes, consoantes de valor
extremo e opposto no meio d'aquella babel.

A velha divisão de vogaes e consoantes não tem melhor fundamento.
Consoantes são as que se lêem com as _soantes_? Nesse caso a divisão
natural sería _soantes_ e _consoantes_. Mas nem as vogaes são unicamente
_soantes_, nem são unicamente as _soantes_.

A inflexão _x_... soa. Os caracteres que a representam são _soantes_.

Ainda soa mais a inflexão _rr_...; e nessa ha mais do que som, ha tom, voz.
Prolongai-a e, melhor, parai com a lingua, continuando o mesmo fôlego,
ouvireis um tom apreciavel na escala, que até se pode tomar por tónica
d'uma oitava: é a voz que o repique da lingua está abafando e embaraçando.

Porque toda a voz é essencialmente musical: a mais frouxamente proferida,
em se prolongando, afina ou desafina com a nota d'um instrumento.

Não ha differença essencial entre a palavra e o canto; e com razão chamaram
vogaes (ou vocaes) as letras que representam os principaes elementos da
palavra.

Mas, por isso, chamar consoantes a todas as outras, envolve impropriedade.
Todos os sons soam; dizer que as vozes soam, não é bastante: as vozes
_cantam_. E alem de impropriedade, é uma syntese exagerada.

Porque na palavra ha vozes, ha tons, ha sons e ha simples modificações _sem
tom nem som_, que se percebem na palavra como se percebe na nota da rabeca
a unha ou o arco. Nem a unha nem as sedas do arco são elementos fonicos:
fazem soar de certo modo, sem que por si soem. Ora a estes quatro elementos
da palavra, que formam como uma escala:

     I Cantantes ou vocaes;

    II Toantes (_rr_... _j_... _z_... _v_...);

   III Soantes (_x_... _c_... _f_...);

    IV Mudos (_bqd_, _gl_, _lh_, etc.):

correspondem naturalmente quatro especies de letras susceptiveis das mesmas
denominações segundo os seus valores.

Assim pois ha letras soantes e mudas, toantes e mudas; etc. _X_ é toante
(z...), soante (ç..., x...) e simultaneamente muda e soante (qç...).

Estas denominações e classificações tem utilidade, porque envolvem anályse,
dão um conhecimento mais perfeito da palavra e da escrita, e proporcionam
em muitos casos á doutrina do mestre uma precisão e clareza, que a
distincção geral de vogaes e consoantes mal pode permittir.

Mas se se quizesse apenas essa distincção, era dividir as letras em
_vogaes_ e _invogaes_.

Ora contando as vozes ou elementos cantantes da nossa lingua, que se
representam em mais do dôbro de maneiras, achamos dezesete. Ajuntando os
quatro elementos toantes, os tres soantes e os doze mudos (todos tambem
representados em muito maior número de caracteres) temos os trinta e seis
elementos a que nos referiamos a pag. 53.

Mas voltando ao alfabeto, não recommendamos que o façam aprender de cór
senão a discipulos que nutram a lisonjeira esperança de chegar um dia a
folhear diccionarios, que é do que serve.

Em todo o caso ahi o tendes, á escolha, minusculo e maiusculo entremeado
para confronto, e separado. Ainda nos parecia melhor, isto é, menos
indigesto, encorporado em palavras, onde ao pé da maiuscula apparecesse a
minuscula, e ao lado os nomes que nós damos ás letras.

Desses nomes ides ver alguns escritos dum modo mais sobrio ou mais usual
mas equivalente; pois, por exemplo, lendo _zêz_ como se costuma ler _zaz_,
no fim soa _x_... que é o mesmo valor, embora mais exacto, que pretendiamos
indicar no nome _zêxe_. Igualmente lendo á portugueza _cêqes_, soam tres
inflexões, _ç_... _q_... _x_..., que são os valores do _c_ simples, e
accentuado de _h_. Nós tambem lemos _zig-zag_, dando ao _g_ o valor
guttural: porque não havemos de escrever semelhantemente _gêg_, para
significar os dois valores desta toante e muda? Quizemos dar de barato aos
partidarios dos nomes volumosos; agora permittam-nos essas modificações
accidentaes.

Mas ao _c_ tinhamos chamado _cêqe_: chamando-lhe agora _cêqes_, ha uma
differença essencial. A razão é, como vêdes, para abranger no nome o novo
valor que lhe trouxe o _h_. Assim vão tambem accrescentados os nomes de
_p_, _l_, _n_: e dessa alteração convem dar conta e explicação ao alumno;
se é que não preferis considerar _nh_, _lh_, _ph_, _ch_ como formas
elementares, chamando-lhes _nhê_, _lhê_, _phê_ grego, _xêq_; o que é
rasoavel mas pouco conforme ao que entre nós se entende por alfabeto.

E agora vem a proposito fallarmos de _dh_, que a pag. 23 incluímos nas
formas compostas, e todavia não apparece na última lição. _Dh_ é uma
juncção casual, á similhança de _nh_ por exemplo em _inhabil inherente_ que
se lê _inábil inerente_. As palavras que principiam por _h_, compostas de
_ad_ e _in_, affectam estas excepções ao _nh_, e aquella forma _dh_, não
havendo em rigor nem uma nem outra cousa. Como porem mal se pode fallar ao
alumno em preposições, e não deixava de convir _praticamente_ considerar a
cousa como parece, a isso nos dispunhamos, cedendo depois á verdade
theorica.

Os quadros alfabeticos assim talhados, pelas cinco vogaes, em outras tantas
regras ou linhas, estão indicando as porções em que se ha-de estudar o
alfabeto. De alguma cousa havia de servir a posição alfabetica das vogaes.
O alfabeto é uma ordem puramente material; o seu estudo, aborrecido; e não
ha necessidade de molestar o alumno. Quantos terão renunciado á gloria de
saber ler, pelo fastio invencivel dessa enfiada de nomes barbaros e
desconnexos? É verdade que no princípio, que é quando o costumam ensinar, a
essa desconnexão ajunta-se a absoluta ausencia de sentido; mas em todo o
tempo a memoria se esquiva a encadear semelhante salsada.

Se acceitais a nossa nomenclatura, alternai com o discipulo as vezes
necessarias, ou fazei repetir alternadamente os discipulos, accumulando de
dia para dia os nomes decorados:


  _á_,  _bê_,   _cêqes_,      _dê_;

  _é_,  _fê_,   _jêg_,        agá,

  _í_,  _jê_,   _kê_ grego,   _lêlh_,     _me_tíl,  _nênhe_tíl;

  _ó_,  _pêf_,  _qê_,         _rêr_,      _sezêz_,  _tê_;

  _ú_,  _vê_,   _qce-cezêz_,  _i_ grego,  _zêz_.


Adoptai esses nomes, que são verdadeiros e methodicos: não vos preoccupeis
com o costume. O cozinheiro ri-se de ouvir chamar ao sal chlorureto de
soda; os chimicos deixam-no rir.

Mas antes do alfabeto damos uma lição de esdruxulos, em que não deixa de
convir ensaiar o discipulo.

Nós temos, em relação á syllaba dominante, tres generos de palavras, que
são:

  _Agudas_: onde se carrega na última (ou unica) syllaba: _dá_, _arroz_,
  _fareis_.

  _Inteiras_: onde se carrega na penultima: _dado_, _arrozes_, _farieis_.

  _Esdruxulas_: onde se carrega na antepenultima: _esdruxulo_, _penultima_,
  _última_, _pallida_, etc.

Os francezes não teem estas melodiosas palavras. Os hespanhoes teem-nas, e
com razão accentuam sempre a vogal dominante. Nós que em materia de
accentos só não poupamos o _h_, continuamos a escrever _ultima_, _publica_,
_replica_, e o leitor que _tire pelo sentido_.

Mais uma razão para darmos uma lição de esdruxulos ao principiante, que tem
o sentido distrahido na decifração de caracteres, alguns tão duvidosos.

Como acima alludimos aos elementos da lingua, e é por elles que se hão de
classificar as letras, ahi os damos seguindo nos _toantes_ e _soantes_ a
ordem fónica em escala descendente, e quanto aos _mudos_ a ordem
fysiologica dos labios para a garganta. Para exercicio especialmente das
maiusculas damos uma lenda vertida do francez.


        {      _á_, _ã_, _â_            }
        { _è_, _é_, _ẽ_, _ê_, _e_ grave }
  Vozes {      _í_, _ĩ_,      _i_  »    } Voz
        {      _ó_, _õ_, _ô_            }
        {      _ú_, _ũ_,      _u_  »    }

                     { _rr_...}        {repique de lingua.
            {Toantes { _j_... }        {lingua no ceo da bôca.
            {        { _z_... }  Voz e {dentes cerrados.
            {        { _v_... }        {labio inferior pegado aos
            {                          {  dentes de cima.
            {
            {
            {        {_x_...}           {lingua no ceo da bôca.
            {Soantes {_c_...}  Fôlego e {dentes cerrados.
            {        {_f_...}           {labio inferior pegado aos
            {                           {  dentes de cima.
            {
            {       { _m_ }
  Inflexões {       { _b_ } Labios pegados.
            {       { _p_ }
            {       {
            {       { _d_ } Lingua nos dentes.
            {       { _t_ }
            {       {
            {Mudas..{ _r'_ }
                    { _l_  }
                    { _lh_ }Lingua no ceo da bôca.
                    { _n_  }
                    { _nh_ }
                    {
                    { _g'_} Lingua contrahida na garganta.
                    { _q_ }

  Pa|la|vras es|dru|xu|las

  Pa|ssa|ro, dú|vi|da, nú|me|ro, hós|pe|de, o|cu|lo, pres|ti|mo, sa|bba|do,
  mé|di|co, pol|vo|ra, la|gri|ma, pa|lli|do, cé|le|bre, lam|pa|da,
  ti|mi|do, ca|ma|ra, má|cu|la, pa|ro|cho, pe|ce|go, bar|ba|ro, cáus|ti|co,
  úl|ti|mo. Ki|lo|me|tros, re|lam|pa|gos, alfan|de|gas, te|le|gra|phos.
  Con|dis|cipulo, ev|an|gelico.

    Al|pha|be|tos

    aA bB cC dD

    eE fF gG hH

    iI jJ kK lL mM nN

    oO pP qQ rR sS tT

    uU vV xX yY zZ

    ———————

    a b c d

    e f g h

    i j k l m n

    o p q r s t

    u v x y z

    ———————

    A B C D

    E F G H

    I J K L M N

    O P Q R S T

    U V X Y Z


    Hym|no de A|mor

      An|da|va um di|a
    Em pe|que|ni|no
    Nos a|rre|do|res
    De Na|za|ré,
    Em com|pa|nhi|a
    De São Jo|sé
    O Deus-Me|ni|no,
    O Bom-Je|sús.
      Eis se|não quan|do
    Vê num sil|va|do
    An|dar pi|an|do
    A|rri|pi|a|do
    E es|vo|a|çan|do
    Um rou|xi|nol,
    Que u|ma ser|pen|te
    De o|lhar de luz
    Res|plan|de|cen|te
    Co|mo a do sol,
    E pe|ne|tran|te,
    Co|mo di|a|man|te,
    Ti|nha a|ttra|hi|do,
    Ti|nha en|can|ta|do.
      Je|sús, do|í|do
    Do des|gra|ça|do
    Do pa|ssa|ri|nho,
    Sai do ca|mi|nho,
    Co|rre a|pre|ssa|do,
    Que|bra o en|can|to;
    Fo|ge a ser|pen|te;
    E de re|pen|te
    O po|bre|si|nho,
    Sal|vo e con|ten|te,
    Rom|pe num can|to
    Tão re|que|bra|do,
    Ou an|tes pran|to
    Tão so|lu|ça|do,
    Tão re|pa|ssa|do
    De gra|ti|dão,
    Du|ma a|le|gri|a,
    U|ma ex|pan|são,
    U|ma ve|he|men|cia,
    U|ma ex|pre|ssão,
    U|ma ca|den|cia,
    Que co|mmo|vi|a
    O co|ra|ção!
      Je|sús ca|mi|nha,
    No seu pa|ssei|o;
    E a a|ve|si|nha
    Con|ti|nu|an|do
    No seu gor|gei|o,
    Em quan|to o vi|a:
    De vez em quan|do
    Lá lhe pa|ssa|va
    Á di|an|tei|ra,
    E mal pou|sa|va
    Não a|frou|xa|va
    Nem re|pe|ti|a,
    Que re|do|bra|va
    De me|lo|di|a!
      A|ssim foi in|do
    E o foi se|guin|do.
      De tal ma|nei|ra
    Que noi|te e di|a
    Nu|ma pal|mei|ra,
    Que ha|vi|a per|t|o
    Don|de mo|ra|va
    No|sso Se|nhor
    Em pe|que|ni|no,
    (E|ra já cer|to|)
    E|lla lá es|ta|va
    A po|bre a|ve
    Can|tan|do o hym|no
    Ter|no e su|a|ve
    Do seu a|mor
    Ao Sal|va|dor!


FIM DA CARTILHA MATERNAL



NOTA


O leitor póde reparar em chamarmos ás vogaes simplesmente _á_, _é_, _í_,
_ó_, _ú_; e depois darmos ás invogaes nomes compostos de todos os seus
valores. A razão daquella excepção é não podermos sujeitar as vogaes ao
mesmo systema de denominações; para o que basta ver que o _e_ tem oito
valores:

  _ẽ_, pena;            _ê_, d'este, dê;

  _è_, dez;             _êi_, lêa, negocea;

  _é_, deste;           _e_ (grave), ave;

  _éi_, idéa;           _i_, ceou.

Tantos elementos vocaes não se prestam a nome. E que regras podiamos nós
estabelecer a respeito de cada um delles?

Mas accresce que o estylo da lingua leva o principiante a achar a
oscillação da vogal mais facilmente que, entre os valores da invogal
differentes e até heterogeneos, aquelle que convem.

E já que fallamos em regras, haveis de notar que a pag. 81, o _s_ figura
nas duas últimas linhas dum modo não comprehendido no diálogo. Completai as
regras explicando como o _s_ tambem tem o primeiro valor entre vogal e
invogal, e nas palavras compostas como _girasol_, _resalva_, etc., em
occasião opportuna.



A pag. 31, e ainda mais provavelmente a pag. 91 haveis de extranhar a
orthografia, em que damos a ler ao discipulo _pai_—_põi_, _dispõis_.

A respeito de _põi_ e _dispõis_, o _i_ está indicado nos verbos. Todos
escrevem _taes_, _atais_; _dedaes_, _dais_; _leaes_, _leais_ (verbo); não
ha pois razão de analogia para escrever _caes_, _saes_ (verbos), em logar
de _cais_, _sais_; nem _põe_, _dispões_ em logar de _põi_, _dispõis_, que é
tambem mais conforme á etymologia.

Pelas mesmas razões em nossa opinião é preferivel escrever _pae_. Todavia
ha em todos os espiritos e em todas as linguas duas palavras
soberanas—_Deus_ e _pae_: tivemos pressa em que o discipulo lesse esta
palavra tão frequente e tão amavel, antes da lição do _e_ final, e não
tivemos dúvida em seguir aquella orthografia, aliás muito usada.



A última palavra a pag. 39 devia estar accentuada; póde-se ler _tôldo_ e
_tóldo_. Preferindo o mais usual, convem traçar á penna o accento
circumflexo, que escapou; mas vai na reproducção litographica em ponto
grande das lições da Cartilha.


Declaração

É comproprietario desta obra, no Brazil, A. A. Lopes do Couto, _Livraria
Luso-Brazileira_, rua da Quitanda, n.º 24, Rio de Janeiro.

FIM DA NOTA





*** End of this LibraryBlog Digital Book "Cartilha Maternal - Arte de Leitura" ***

Copyright 2023 LibraryBlog. All rights reserved.



Home