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Title: Ás Mulheres Portuguêsas
Author: Osório, Ana de Castro
Language: Portuguese
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  Anna de Castro Osorio


  Ás mulheres
  Portuguêsas



  LISBOA
  =LIVRARIA EDITORA=
  VIUVA TAVARES CARDOSO
  5--LARGO DE CAMÕES--6

  1905



Typ. a vapor da Emprêsa Litteraria e Typographica

178, Rua de D. Pedro, 184--Porto



Na incerteza pelo futuro, caracteristica muito acentuada do actual
momento historico, não ha ninguem, por mais ferozmente que se
ensimesme ou por mais alto que se alheie em sonhos e ficções, que se
não surprehenda, um dia, meditando, transido de duvidas, nalgum dos
multiplos problemas que agitam a alma moderna.

São tantos e tão variados, tão dolorosos por vezes, recordam tanta
lagrima, evocam tanta dôr soffrida pela mísera humanidade--que em vão
lhe quer fugir e se debate e grita de desespero, ou ri de inconsciente
goso, conforme é alevantada aos ares em triumfo ou mergulhada na
indifferente desgraça--que o nosso espirito se detem e pergunta, no
augusto silencio da propria consciencia--se vale a pena existir num
mundo assim?!

Todos os sinceros têm formulado esta interrogação: uns, fortificados
pelo pensamento, no desejo de remediar o mal, concebem a esperança de
trazer, embora com o sacrificio proprio, alguma melhoria á sociedade;
outros desanimam, a mesma dôr os mata ou anula para o trabalho paciente
do futuro.

Mas o desânimo e a renuncia é uma dupla falta--pelo que deixâmos de
fazer e pelo que consentimos que os egoistas e os sem escrupulos façam
impunemente.

Para todos é de responsabilidade a hora presente, na qual, a par de
muito crime e muita injustiça, um bello e salubre movimento se opéra
por todo o mundo.

Ninguem se poderá isentar dessa tremenda responsabilidade moral, que
tanto cabe ao homem como á mulher, a esta mais ainda porque nas suas
mãos, com a educação da infancia, que lhe pertence, está confiado o
futuro.

Á mulher, pois, ou seja pobre operaria que mal ganha para o pão de cada
dia, ou opulenta dama avergada ao pêso dos seus deveres sociaes; ás
mães que têm filhos a entrar na lucta pela existencia e que ansiados
esperam o conselho, que os guie para a felicidade e para o bem,
dos labios que lhes ensinaram as primeiras palavras e lhes deram
os primeiros beijos; como ás raparigas que, mal iniciadas nos seus
deveres, têm de arcar com um futuro de que nem chegam a comprehender
as responsabilidades; a todas, repetimos, corre o dever de se deterem,
ao menos um instante, a pensar no remedio a dar a tanto mal e a tanta
iniquidade.

Por isso é ás mulheres, e principalmente ás mulheres do meu paiz--que
tão insuficientemente são educadas para serem as companheiras e as mães
do homem moderno--que me dirijo.

Possa este modesto trabalho corresponder dalgum modo ás necessidades
espirituaes da alma feminina, que desperta emfim para uma nobre e mais
util missão social.



FEMINISMO


I

SER FEMINISTA

Feminismo: É ainda em Portugal uma palavra de que os homens se riem ou
se indignam, consoante o temperamento, e de que a maioria das proprias
mulheres córam, coitadas, como de falta grave cometida por algumas
colegas, mas de que ellas não são responsaveis, louvado Deus!...

E, no entanto, nada mais justo, nada mais rasoavel, do que este
caminhar seguro, embora lento, do espirito feminino para a sua
autonomia.

O homem português não está habituado a deparar no caminho da vida
com as mulheres suas iguais pela ilustração, suas companheiras de
trabalho, suas colegas na vida pública; por isso as desconhece, as
despresa por vezes, as teme quasi sempre.

Mas siga a mulher o seu caminho, intemerata e digna, sem recear o
isolamento como o ridiculo--que nem um nem outro atingem o verdadeiro
mérito e a sã razão.

Tenha o coração alto e o espirito alevantado; não faça do amôr o ideal
unico da existencia nem o seu unico fim. Pense no trabalho e no estudo,
e deixe que as suas faculdades afectivas se desenvolvam livremente, ou
se não desenvolvam mesmo, que isso deve ser indiferente á sociedade.
Cuidados de amôr devem ser cuidados tão absolutamente pessoais e
intimos, que não os assoalhar deveria ser a maior prova de pudôr.

Tal não sucede, porêm. Toda a gente publíca os seus afectos, puros
ou impuros, verdadeiros ou falsos; e, por mais absurdos, por mais
indesculpaveis que sejam, despertam mais simpathia e compaixão do que
verdadeiras desgraças sociaes. Na vida real, como no drama, no romance,
na poesia, ou na musica, só cai bem no gosto do publico o amavío
voluptuoso do amôr sentimental.

Assim o quer a sucessão de seculos, em que a mulher foi a reclusa do
convento ou da familia, tendo na vida um só fim--_agradar_.

Assim o estima o homem, que fez do amôr carnal o seu culto e da mulher
a sacerdotisa desse culto. Mas sacerdotisa que se torna em escrava,
deusa que se cobre de injurias e se lança ao monturo das velhas coisas
inuteis, logo que o capricho, a paixão dos sentidos, foi como o fumo
desfeito no céo sem nuvens.

O homem, passada a idade da poesia, segue triumphante o caminho da
existencia, sem mais lhe importar com a sua inspiradora. Da deusa ideal
dos seus sonhos faz a cozinheira habil, a dôna de casa ignorante e
util, mixto de costureira e governante, a mãe paciente e sofredora dos
filhos que são o seu orgulho.

A mulher, em geral, é, quando esposa, a companheira só para a vida
banal e mesquinha--que nem por sombras deve abordar os graves
pensamentos que preocupam o marido!...

Porque quando o homem, por acaso, encontra méritos intelectuaes que o
confraternisem com um individuo do sexo feminino, é rarissimo confessar
que a sorte lho deu para companhia da sua vida.

Mas quantas vezes se enganam na escolha, e, por castigo, na companheira
ignorante e inferior que procuram para seu descanço, não encontraram,
hipocritamente velados por uma habil ingenuidade, todos os baixos
instinctos dos seres inferiores?!

Quantos, procurando nas ignorantes criaturinhas que nunca se _poluiram_
com o estudo e com o trabalho, as previdentes mães de familia,
destinadas a fazer prodigios de economias, de método e de arranjo,
não depararam com desditosas mulheres roídas de ambições e vaidades,
tanto mais ásperas quanto maior é a sua impotencia para as realisar--a
fantasia só presa nas galanices e módas, inuteis para os trabalhos
caseiros como para outro qualquer, sofrendo e fazendo sofrer todos os
seus por não possuir o que deseja e vê ás outras, transformando os
lares em gehenas onde féras da mesma raça se espesinham e abocanham?!

Quando ao homem fôr dado encontrar facilmente a mulher sua igual,
comprehenderá quanto era louco preferindo-lhe esses pobres sêres que
não têm assumpto para conversa fóra do ultimo figurino, da vida alheia
e das criadas e seus costumes.

Comprehenderá então o que é o verdadeiro afecto entre esposos, e não
mais preferirá essas que hoje diz amar, mas que no intimo despresa,
como suas inferiores, que supõe.

E digo que supõe, porque está provado pela sciencia que
_intelectualmente_ não ha sexos privilegiados, mas unicamente
individuos e, quando muito, raças.

Foram os sabios que desmentiram esse grosseiro e velho erro de que
o cerebro feminino é menos pesado e consequentemente inferior ao do
homem. Foram elles, os mesmos que lhe tinham levantado barreiras sobre
barreiras e escreveram sobre cada porta da sciencia o fatal _non
possumus_, os primeiros a desmentir-se e a penitenciar-se próbamente a
cada manifestação da mentalidade feminina.

Foi a sciencia, fonte de toda a verdade e de toda a justiça, e na
qual devemos pôr os olhos como na unica libertadora, que fez cahir por
terra esse argumento tão falado da superioridade intelectual do homem,
fundando-a no peso do cerebro.

Se a _massa cinzenta_ contida no craneo feminino é menor, corresponde
harmonicamente ao tamanho do corpo, em regra mais pequeno.

Foi esse o primeiro passo, o mais importante e decisivo, para o
triumfo da ideia feminista. Até lá, quando a mulher pretendia estudar,
trabalhar, ser um ente de razão e de luz, cahia-lhe como avalanche de
gelo, a sufocar-lhe as aspirações, essa cruel e deprimente opinião. E
a pobre, se não era um espirito de excepcional brilho ou um caracter
de excepcional tempera, sentia-se amesquinhada aos seus proprios olhos
e desistia do enorme esforço requerido para subir onde a multidão das
suas pobres irmãs nem sequer se atrevia a pôr as vistas ambiciosas.

Ás vezes, ou porque fossem realmente _excepcionaes_, ou porque as
condições mesologicas as favorecessem extraordinariamente, dentre
as mulheres sahiam algumas que os proprios homens eram os primeiros
a reclamar e incensar, mas passando-lhes cautelosamente o diploma
de _raridades_, quasi fóra do sexo, sêres hibridos, masculinos pela
inteligencia e só fisicamente femininos.

De modo que essas aclamadas, e afastadas do caminho trilhado pela
turba-multa das ignorantes, exactamente porque eram superiores e se
julgavam intangiveis, abandonavam a causa das suas irmãs, que já não
era a sua, concedendo-lhes apenas, e isto nem sempre, a sua piedade
diluida em conselhos de resignação e submissão para desempenharem o
papel de escravas, nascidas sómente para a felicidade e regalo do
homem. Desta maneira, a causa feminina perdia as suas mais legitimas
defensoras, deixando nas mãos dos homens os melhores argumentos.

É como algumas esposas, que, por serem ditosas no casamento, porque
tiveram a fortuna--que não digo rara--de encontrar para maridos homens
inteligentes e justos, encolhem os hombros com indiferença á desgraça
das que tiveram destino contrario.

É uma prova de egoismo, que é uma deploravel qualidade, e é, peor do
que isso, o abandono duma causa justa que, se não toca individualmente
a cada mulher, interessa colectivamente o sexo a que pertencem.

Acabar com os _fenómenos_, com os _monstros femininos_, julgar todos os
individuos intelectualmente semelhantes sem distinção de sexo, aptos
igualmente a estudar e progredir pelo trabalho, foi sem dúvida o passo
definitivo para a libertação feminina.

As mulheres poderão, assim como os homens, distinguir-se pela sciencia,
pela industria, pela arte, pelo comercio, pela pedagogia, ou ficarem
tão-sómente dônas de casa,--mas fazendo do seu lar a primeira e a mais
nobre escola dos filhos.

Haverá, decerto, tal-qual entre os homens, umas que se superiorisam
num trabalho, outras em outro, mas serão todas educaveis, todas
melhoraveis, todas uteis, laboriosas e conscientes obreiras, ajudando á
melhoria da grande colmeia social.

As mulheres de hôje não têm desculpa se continuarem na ignorancia e na
inactividade, tudo esperando do homem, que as hade procurar para a sua
conveniencia.

As escolas estão abertas por igual aos dois sexos e não ha já quem,
nesta hora alta da civilisação, se atreva a banir dellas um individuo
que as queira frequentar sob o pretexto da diferença do sexo.

Tempos atrás, quando a mulher pensava em sahir do anonimato da sua
missão caseira, tinha apenas por campo aberto á sua actividade, a
literatura, visto que é a unica profissão onde o talento e o estudo
individual dispensam a educação preparatoria.

Hoje não é assim. Toda a gente aceita uma senhora que tem a profissão
de medica, pintora, esculptora, engenheira ou professora, tudo que
requer habilitações e estudos publicos, e que lhe tinham ensinado
a crêr que nunca poderia atingir por falta de genio criador e
persistencia no estudo.

Não se sobresaltem os homens com a concorrencia, que é antes auxilio.
Pequena, por mal da humanidade, hade ser sempre a percentagem dos
cerebros verdadeiramente superiores em qualquer dos sexos. Não é, pois,
justo que por falta de educação se percam aptidões que nem sequer
chegaram a manifestar-se, talentos de que nem sequer se suspeita...

Se os mais ardentes sectarios dos velhos preconceitos já chegaram
á conclusão egoista de que é preciso educar o povo para que se não
percam tantissimos talentos que podem beneficiar a humanidade, não
é justo--ainda que não seja senão pelo mesmo motivo--condenar á
ignorancia, na mulher, metade dessa mesma humanidade.

Dever-se-ha pensar que Clemence Royer, honra e gloria da França, sabia
entre os sabios, espirito todo precisão, clarêsa e método, não teria
sido o que foi se, por um mero acaso, tivesse nascido em Portugal ou
em outro qualquer paiz, onde, como no nosso, se descure a educação
feminina.

As mulheres conservam-se entre nós numa indiferença quasi total pelas
conquistas que dia a dia vão marcando um passo de avanço para o triumfo
definitivo do espirito sobre a materia, da inteligencia sobre a força,
da educação sobre a ignorancia, embora doiradas pela fortuna ou pelos
privilegios de classe.

Mas esperemos serenamente, porque á mulher portuguêsa hade chegar
tambem a sua vez de comprehender que só no trabalho póde encontrar
a sua carta de alforria. Não no trabalho esmagador, exercido como
castigo, mas no trabalho que enobrece o espirito, que dá o bello
orgulho dos que só contam comsigo e nunca foram um peso para ninguem.

E desde que se torne independente pelo seu proprio esforço, desde que
saiba agenciar o pão que come, a casa que habita, os vestidos que
veste, sem estar á espera do homem, fonte perene de todo o dinheiro que
hoje a sustenta--seja como pai, como marido ou irmão--a sua alforria
está decretada.

Uma vez será um artigo do codigo que se modifica (porque as leis devem
seguir e não preceder os costumes); ámanhã um preconceito que cahe no
desuso; depois um habito que se vence; até que obrigações e direitos se
igualem entre as duas metades do genero humano, hôje em guerra sob a
aparencia do amôr e do respeito social.

Os proprios homens as ajudarão nesse empenho, porque nenhum ha que não
seja feminista se a mulher victimada fôr a sua propria filha, aquella
para quem ambicionou maior soma de venturas e de bem estar.

Não ha pai que não aspire a deixar nas mãos de suas filhas, senão um
dote em dinheiro--cada vez mais dificil de juntar honestamente, com
as necessidades sempre crescentes da vida moderna--pelo menos um dote
em educação e aptidões de trabalho que as pônha ao abrigo de toda a
servidão.

Não haverá pai que se não insurja contra a lei, se vir o marido de
sua filha pôr e dispôr da fortuna que lhe deu, e sem que a dôna possa
sequer gastar o rendimento. Nenhum que se não indigne se o genro
a despresar ou maltratar, se lhe prohibir qualquer intervenção na
educação dos filhos, se a não atender nos seus conselhos e opiniões,
se a não consultar para os negocios decisivos da sua vida, se por
capricho ou vaidade se oposer a que exerça uma profissão honesta
que a dignifique a seus proprios olhos, se, emfim, o homem fizer da
esposa o que de facto a lei quer que seja--a menor sem vontade nem
discernimento, a _coisa_ de que o marido é o senhor, o ser humano
pertença absoluta doutro sêr, que devia ser seu igual.

Os homens mais autoritarios e rotineiros como maridos, são, como pais,
incapazes de apoiar um estado de coisas que apenas dá por garantia de
felicidade á mulher que casa, a bondade, a inteligencia e a tolerancia
do marido.

É evidente que, na maioria dos casos, mórmente no nosso paiz onde o
homem é bondoso por temperamento, ninguem se importa com a letra do
codigo feito para uma sociedade onde a esposa era ainda, ou apenas, uma
escrava submissa, sem azas para grandes vôos de vontade nem ansias de
libertação.

Nas mãos de um doido ou de um perverso, porém, o que poderá ser a
vida da mulher que se volta para a lei e a lei manda-lhe simplesmente
e implacavelmente: _que obedeça!_ Que se volta para a sociedade, que
lhe ordena hipocritamente: _disfarce e submissão!_ Que se volta
para a familia, e essa propria, temendo o escandalo, a violação das
conveniencias sociaes, lhe aconselha: _que se resigne!_

Portanto, _ser feminista_ é o dever de todos os pais. Porque _ser
feminista_ não é querer as mulheres umas insexuais, umas _masculinas_
de caricatura, como alguns cuidam; mas sim desejá-las criaturas de
inteligencia e de razão, educadas util e praticamente de modo a
vêrem-se ao abrigo de qualquer dependencia, sempre amarfanhante para a
dignidade humana.


II

UMA RESPOSTA[1]

Não imagina V. Ex.ª o prazer que me deu a sua carta, sabido como é que
da discussão inteligente e sincera têm sahido as mais claras verdades,
conhecido como é, por todos os propagandistas, quanto se ganha em fazer
interessar pelas nossas opiniões, ainda os adversarios que mais as
combatem.

E não sendo V. Ex.ª um adversario, mas um confesso adepto, embora
moderado, maior prazer o meu em lhe vir expôr serenamente as ideias
feministas, tais como as comprehendo e preconíso. Diz V. Ex.ª que é
_feminista_, embora moderado, que o é _como todos os ilustrados não
poderão deixar de o ser_, segundo a sua propria frase.

Eis o nosso primeiro triumfo, a nossa principal batalha vencida; tudo
mais, creia, é questão de tempo, de paciencia, de serena e pertinaz
energia, e de muito _bom senso_.

Ora aquellas qualidades não faltam ás mulheres, este é que ás vezes tem
faltado, e não estamos longe de confessar que faltará ainda por largos
annos á maior parte...

Mas, neste ponto, ninguem no nosso paiz poderá lançar á mulher a
primeira pedra; culpados dessa falta somos todos e talvez mais o homem
do que a mulher, talvez...

Voltando ao assumpto dizia eu, que está ganha a principal batalha
do feminismo; efectivamente assim é desde que todos os homens, que
se presam de inteligentes, reconhecem a mulher como um sêr _quasi_
autonomo, com direito a pensar, trabalhar e luctar pelo seu proprio
ideal. Nós não temos a fazer mais do que expôr ideias, e realisar pela
prática as conquistas a que nos julgâmos com direito.

Que victoria imensa não representa essa sua simples frase! Que soma
enorme de trabalho intelectual, que acumulação de esforços, para que
os homens inteligentes nos concedam a _outorga da sua restricta carta
constitucional_!...

E se pensarmos que esta primeira, mas definitiva conquista do espirito
masculino, representa quasi o trabalho de meio seculo, temos vontade
de dizer como o mais brilhante dos feministas francêses, Camille
Mauclair:--que as mulheres apresentando as suas ideias e luctando pela
educação que as superiorisa, lembram a paciencia das aluviões que fazem
recuar o mar e mudam o aspecto de um paiz.

Se á geração que nos precedeu alguem falasse em feminismo, que apenas
lá fóra começava a fazer-se perceber pela guarda avançada de exageradas
e desiquilibradas, como adeante das procissões solemnes vem sempre o
rapasío gralhando e correndo a foguetes, não haveria homem inteligente
que não soltasse uma gargalhada escarninha, nem, com certeza, rapaz
das escolas, que madrigalisasse pelos passeios publicos ou para os
balcões floridos das vizinhas, que não encolhesse os hombros com desdem.

Os que não rissem, por temperamento sombrio e sentimentalesco,
ergueriam os braços em clamôr chamando em auxilio da propria opinião
a ignorancia das pobres mães e descrevendo, com enthusiasmo lamecha,
o encanto duma carta amorosa com _erros de ortografia_ como ironisava
dôcemente Gonçalves Crespo, elle que na prática tão flagrantemente
mostrou estimar o contrario.

Homens de incontestavel mérito não se pejavam de dizer--que só
apreciavam as mulheres para os lavores caseiros, chegando a pôr em
duvida a competencia intelectual do sexo feminino, não obstante
as tradições gloriosas de _excepcionaes_, que tem vindo sempre a
acompanhar a humanidade na sua evolução social através dos seculos.

Se a um dos mais bem organisados cerebros da geração a que me refiro,
ouvi responder a quem citava o enorme talento de George Sand como
prova da igualdade intelectual dos sexos--_que essa não era mulher, era
o diabo!_...

Se é do meu tempo, se ouvi muitas vezes, eu mesma, a novos e a velhos,
a homens e a senhoras, troçar das _doutoras_, citar por troça aquelle
estupido dictado portuguez da _mulher que sabe latim_... já V. Ex.ª
vê o que representa para nós a sua simples confissão de _que não ha
hoje homem inteligente que não deva ser feminista_.

Agora permita-me que explique o meu pensamento, que, certamente por
deficiencia de clareza na fórma, não foi interpretado como desejava que
o fosse.

O que entendo por--desenvolver livremente as qualidades afectivas na
mulher,--é deixar-lhe o pleno direito da escolha, o direito sagrado de
amar ou não amar, de casar ou ficar solteira, sem que isso represente
uma vergonha ou, pelo menos, um ridiculo.

Entendo que o ser humano que pertence ao sexo feminino, não deve ser
coagido pela educação, nem pelos costumes, nem pelas conversas, nem
pelos pais--que têm a mania de talhar muito discricionariamente o
futuro dos filhos--a vêr no casamento um fim, um ideal completo e
único, quasi uma obrigação.

Assim como o homem pode ser professor, jornalista, sabio, artista,
empregado, operario, tudo emfim, sem que ninguem lhe pergunte pela
certidão do matrimonio, sem embargo de serem quasi todos chefes de
familia, não vejo inconveniente a que a mulher procure a sua colocação,
tenha o seu curso scientifico, estude, trabalhe para si, para o seu
futuro, para a sua vida autonoma, sem se lhe inquirir do seu _estado_...

Que essa mulher fique solteira, porque não encontrou o companheiro ao
qual lhe seria grato ligar o seu destino, ou que, encontrando-o, seja
sentimentalmente feliz, que temos nós com isso?

Por acaso nos preocupa a vida conjugal do politico A. ou do artista B.?

O maior erro do homem é, a meu ver, estar convencido de que a mulher
nasce e existe só para o seu prazer e encanto. Partindo deste
principio, é claro que não nos encontraremos nunca, visto eu pensar de
modo tão contrario.

A mulher, como o homem, nasce para si mesma. Tanto um como o
outro fazem parte da sociedade, de que são factores igualmente
imprescendiveis, que se não comprehenderia nem sequer existiria sem a
união dos dois sexos, mas na qual individuos isolados podem coexistir
igualmente, decentes, honestos e respeitaveis--quando muito pagando
maior contribuição, como querem alguns economistas francêses...

Quando digo que não temos nada com a vida _sentimental_ de cada um, não
quero dizer que a mulher case por ambição monetaria ou intelectual, se
é exatamente para a livrar dessa baixesa que a desejamos independente
pelo seu trabalho, quando o não seja pela fortuna, e mais independente
ainda pela razão que a torne um ente de consciencia justa.

Diz V. Ex.ª que é o _amôr_ que salva a mulher?!...

Efectivamente, _por muito amar_ se salvou uma--a biblica Magdalena.

Mas não é desse amôr que se trata, dirá, é do amôr puro e honesto da
mulher honesta por temperamento, educada e instruida, que escolhe
com toda a liberdade do seu coração e do seu espirito o homem que lhe
agrada.

Ora não é esta mulher assim elevada, assim honesta, assim livre na sua
escolha, a que, pelo mais futil motivo, irá mudar de afecto, enredar-se
em aventuras galantes, para as quais geralmente não tem vocação, e que
podem preencher a existencia duma frívola e ignorante criaturinha cheia
de vaidades e que no triumfo dessas vaidades tem os seus unicos gosos
intelectuaes.

O que não quer dizer que todas as mulheres instruidas sejam
honestas--quem o pudésse dizer, que seria essa a nossa maior
gloria!--mas tão sómente que a mulher, que por seu desgraçado
temperamento, educação ou influencia de meio, é deshonesta, o é, tanto
ou mais, quando ignara e frívola.

Um dos mais graves defeitos da raça latina é o de dar ao amôr a
importancia maxima da vida. Os romancistas não sabem nem podem falar
em outros assumptos, querendo ser lidos e comprehendidos. O theatro
explora-o em todas as gamas, desde o amôr ingenuo e sentimental até ao
amôr falsificado dos adulteros. Os poetas choram os seus e os alheios;
os musicos dão-lhe a fórma ritmica; os pintores e os esculptores
divinisam-no no marmore polido e na policromia das suas telas...

Rapazes e raparigas, antes mesmo de chegar á puberdade, não pensam
noutra coisa, e uns e outros julgar-se-hiam inferiorisados se
estivessem cinco minutos na mesma casa sem se defrontarem valorosamente
num complicado tiroteio de olhadelas amorosas.

Não será muito pensar num assumpto que só interessa a duas criaturas
e por um tempo relativamente curto na vida humana?! Sim, que não
interessa nem póde interessar senão a quem o sente e com elle é feliz
ou infeliz.

Senão vejamos: V. Ex.ª, que leu e respondeu ao meu artigo, sabe
porventura se eu sou casada ou solteira, feliz ou infeliz no casamento,
ou pensou sequer em tal?

Porcerto que não, nem isso importaria para lêr o que escrevo e
responder o que entende.

É a prova de que a vida psíchica de cada individuo é completamente
autonoma do seu estado civil.

A independencia da mulher não pode importar o _não reconhecimento da
autoridade do marido_, (um dos grandes receios de V. Ex.ª) porque essa
autoridade existe, senão de facto, pelo menos de direito, emquanto
existirem as leis que hôje nos governam, leis que a mulher deveria
conhecer quando vai casar, leis que a tornam uma menor sob a tutella
directa do homem.

O que será o futuro não o podemos prevêr, de tal maneira a educação da
mulher modificará a sociedade.

Diz V. Ex.ª que a mulher independente poder-se-ha _desafrontar_ do
marido que a atraiçôa atraiçoando-o por sua vez.

Poderá ser, mas isso o que prova? Apenas o que já disse--que,
infelizmente, o cultivo da inteligencia nem sempre acompanha a
honestidade e que essas mulheres se subalternisam tornando-se
criminosas como aquelles que condemnam, irmanando-se ás levianas que
hôje o fazem, a maior parte das vezes por inconsciencia.

A mulher _independente_ que tal fizer, não terá por motor a
independencia mas tão sómente o capricho ou o temperamento, e em
qualquer circumstancia, portanto, faria o mesmo.

Com respeito á _proscripção da mulher erudita da familia_, não é, não
pode ser, uma regra. Assim como ha homens que, não obstante serem
_intelectuaes_, são bons chefes de familia, o mesmo sucede ás mulheres.

Nem em Portugal temos o direito de pensar doutra maneira, tendo na
ilustre mulher, que é uma verdadeira erudita, D. Carolina Michaëlis de
Vasconcellos, o exemplo vivo do que se pode ser ao mesmo tempo como
mulher de sciencia, como esposa e como mãe exemplar.

Haverá mulheres que, pela sua profissão, se vejam obrigadas a estar
afastadas do lar e dos filhos uma parte dos seus dias?... É certo; mas
quantas os não abandonam hôje, sem esse imperioso motivo? E quantas,
tambem, estando sempre em casa, tendo por unica obrigação o seu amânho
ou direcção, não mandam as criancitas, ainda mal desmamadas, para a
_sujeição das mestras_?! Quantas?!... Quasi todas as mães sem oficio
nem emprego, as da pequena burguesia, essas mesmas que não querem
instruir-se mais, nem se querem tornar _independentes_,--exatamente
para não terem a maçada de trabalhar...

Se, em geral, a mulher portuguêsa filosófa--_que para trabalhar
escusava de casar!_... Já os senhores estão vendo o que lhes devem.

Depois, álêm dessas mulheres que mandam os filhos para os colegios
embora não tenham emprego fóra de casa, o que diz ás que têm as suas
visitas, os seus passeios, os seus divertimentos, e que por igual
são por esses motivos _imperiosos_ afastadas dos filhos, com menos
utilidade, parece-me, do que pela doença de um semelhante ou pela
retorta de um laboratorio?!

Poder-se-ha dizer que a mulher intelectual despresa os modestos
mesteres do seu lar, quando a propria Clemence Royer costurava a sua
roupa e entretinha os seus ocios trabalhando como qualquer críaturinha
que não saiba ao certo em que parte do mundo está situado o paiz que
tem a dita de lhe ser berço?

Não se póde dizer que a mulher erudita tem fatalmente de ser _uma
proscripta do lar_ exactamente quando o nome de um homem e duma mulher,
ligados pelo casamento, se uniram para a sciencia, num triumfo para
os dois sexos; exactamente quando as revistas francêsas nos trazem o
retrato de Mr. e M.^{me} Curie acompanhados muito _burguezamente_ de
seu filhito.

É possivel que eu esteja enganada e seja exatamente V. Ex.ª quem tenha
razão, mas como estamos de acôrdo em que se não regateie educação
ao sexo feminino e se acabe assim com o regimen de _prodigios_ e
_excepções_ que só á causa das mulheres tem prejudicado, é o principal.

Que o resto não nos deve preocupar muito nem devemos aventar hipóteses
faliveis, como tudo que pertence ao futuro e que não temos base segura
para julgar.

O homem de ámanhã hade procurar a sua felicidade e a maior porção de
bem estar compativel com a sociedade do seu tempo. Como o fará não o
sabemos, mas é certo que pensará de maneira diferente do de hôje, como
o de hôje, como V. Ex.ª mesmo, pensa decerto diferentemente do que
pensou seu pai e seu avô sobre os mesmos transcendentes assumptos.

Acabe-se com todas as prepotencias e todos os privilegios, tanto de
raça, como de classe, como de sexo, e deixemos que, individualmente,
cada homem e cada mulher, procurem ser felizes a seu modo, organisem os
seus lares como entenderem,--desde que esse conjuncto se harmonise numa
sociedade de mais justiça e tolerancia.


III

A INSTRUÇÃO

É fundamental este assumpto, visto que a nossa civilisação se baseia
não na força mas na inteligencia, não na rotina mas no progresso.

Todos sabem, e apregôam aos quatro ventos, que a mulher portuguêsa
é ignorante e futil, que a mulher portuguêsa tem todos os defeitos
dos incultos, não merecendo do homem a consideração que se tem pelos
iguais, mas a tolerancia que se dispensa ás crianças irresponsaveis.

_Coisas de mulheres_, dizem por vezes os homens, mostrando o seu
despreso; notando-se que os que mais clamam esta superioridade são,
quasi sempre, os mais inferiores...

Não é isso, porém, o que nos interessa; é certo que o homem português
tem tantos ou mais defeitos do que a mulher, mas se ella se
transformar, facilmente o corrijirá.

A mulher tem, em si mesma, bastantes elementos bons para se modificar,
sem se queixar do homem e esperar que lhe ensine o que elle mesmo não
sabe nem é da sua competencia saber.

O homem tem culpa em não elevar a mulher, em não fazer della a sua
companheira de trabalho e luctas, em temer a ilustração da mãe de seus
proprios filhos; o homem faz mal, porque rebaixando a mulher não se
lembra que se rebaixa a si proprio que nasceu della e dos seus labios
escutou as primeiras lições da vida. Mas a mulher póde reagir, póde
educar-se a si mesma, póde, pelo menos, mostrar desejo de progredir, de
se igualar ao homem pelo trabalho e pela inteligencia cultivada.

A mulher falha de educação é muito mais inferior do que o homem,
porque são os seus proprios defeitos que se tornam qualidades,
elevados pela cultura, encaminhados pela educação. O que na mulher
educada é espirito, é na outra grossería; o que numa é presciencia, é
na outra desconfiança; o que numa é desenvoltura e graça, é na outra
descaramento; o que numa é observação, é na outra bisbilhotice...

Vai-se a uma fabrica ou a uma oficina, passa-se por uma rua onde ha
desenas de homens, principalmente se forem do povo, não se ouve um
dito desagradavel, não se ouve um riso que moleste; mas onde estiverem
duas mulheres ás quaes a educação não depurou os defeitos, ou cujos
espiritos não estejam perfeitamente humilhados pela dependencia,
temos dois intoleraveis animaesinhos que riem, falam, troçam, olham
miúdamente, com o proposito ferino de irritar e de ferir.

Por isso, tanto ou mais do que o homem, necessita a mulher ser educada
e ilustrada, e é, a meu ver, por onde deve principiar a remodelação
duma sociedade que seja progressiva.

Educar a mulher--eis o problema maximo a desenvolver e pôr em prática.

A isso é que chamâmos feminismo, que não em pôr gravatas e colarinhos
de homem, que se podem usar como prova de simplicidade ou de
extravagancia, mas nunca como afirmação de opiniões.

Educar a mulher dando-lhe meios de poder auferir com o seu trabalho o
suficiente para a sua sustentação--quando é só--de auxiliar o homem,
esgotado pelo trabalho de sobre-posse que lhe exige a concorrencia e a
carestia da vida moderna,--quando casada,--parece-nos a maneira mais
prática de a tornar um ser livre, apta a escolher por motu-proprio o
caminho a seguir direitamente na vida.

Não temam os homens que a mulher instruida, por mais liberta, quebre
mais facilmente os laços de conveniencias com que a sociedade a
prendeu. Nem sempre foram os conventos, com todas as suas grades e
portarias, o mais puro exemplo da castidade feminina; ainda hôje os
harens, com todos os seus guardas e eunúcos, são para o ciume do macho
bem fragil garantia...

A mulher entregue ao seu proprio discernimento fará o que a
consciencia esclarecida e o respeito proprio lhe ensinam, e não o que o
mêdo lhe dictar.

Que mérito tem a criatura que não falta aos seus deveres porque está
guardada á vista, como um doido furioso?

É certo que no nosso povo está tão enraísado o habito de fazer
acompanhar as mulheres, como signal de grandêsa, que é mais uma
nobilitação do que uma prova de desconfiança.

Andar só é, ainda hôje, em muitas terras de provincia, uma vergonha
para a mulher, mostrando que o marido a não présa bastante para a fazer
acompanhar.

Lá diz a cantiga:

    --«Senhora D. Maria
    O seu _Dom_ não vale nada,
    Vai á fonte, vai ao rio,
    Vai á missa sem criada.»

Ir á missa _sem criada_ seria, realmente, para as nobres damas que
abrigavam em casa uma legião de serviçais--criados e filhos de criados,
como outrora tambem os escravos trazidos das terras conquistadas
a moiros e a negros--a maior prova de miseria, ou de decadencia
financeira.

A vaidade da fidalguia que é, ainda hôje, um dos caracteristicos do
genio português, nesta terra em que todos se dizem _filhos dalgo_ e se
sentem com direitos de _senhores_ para escravisar os mais pequenos, não
tolerava á mulher que aparecesse em publico sem _comitiva_... ainda
que constasse apenas duma pequena criadinha.

É esta _fidalguia_, mal interpretada, que faz com que o homem fuja
ao trabalho, como á mais deprimente das servidões, reflectindo-se
bem claramente na educação que se tem dado, até aqui, á mulher,
convencendo-a de que se inferiorisa se trabalhar para ganhar dinheiro e
auxiliar o homem.

O nosso paiz resente-se dum mal-estar e desiquilibrio que vem do
conflicto entre o passado que se desmorona, com todas as suas velhas
ideias e preconceitos, e o presente que ainda não conquistou todos os
espiritos ligados ás convenções, que já despresâmos no fundo.

A nossa geração sofre duplamente pelo embate dos sentimentos que se
entrechocam em nós mesmos e nas nossas proprias familias...

Todos apresentam as suas queixas, todos falam, mas tudo se diz no ar,
sem provas nem proposito firme de conhecer o mal e enveredar pelo
caminho que se nos afigura ser o melhor.

Quem quizer fazer alguma coisa entre nós é preciso revestir-se duma
paciencia sem limites e ter uma coragem excepcional, por isso que
tem de se defrontar com a indiferença de toda uma nação cançada de
aventuras, exausta por um longo periodo de desilusão e enganos. Tudo
contribue para o desleixo fisico e moral em que vivemos, desde o sol
dôcemente enlanguecedor, até á ironia dissolvente com que se recebem
todos os enthusiasmos e todas as emprezas que não tenham por fim o
lucro material.

E no emtanto não devemos desistir da lucta, devemos pelo contrario ir
juntando elementos e amontoando verdades até que a luz se patenteie a
todos os olhos e seja visivel a todos os cerebros.

Uma das nossas maiores vergonhas nacionaes é, por certo, o
analfabetismo, mas o que agrava essa vergonha é que, no continente,
é a grande maioria das mulheres que eleva pavorosamente a cifra dos
analfabetos.

E ha ainda quem lhes diga que fiquem _em casa a educar os filhos_, em
vez de pretenderem ganhar o seu pão honestamente pelo trabalho!

Mas ensinar o quê, se ellas não sabem o mais elementar, se muitas vezes
nem sabem ler e escrever!?

Dirão que só a mulher do baixo povo é tão completamente ignorante,
mas o que é certo é que pequenissimo é o numero das mulheres que,
embora saibam ler, se preocupem com as questões intelectuais e possam,
portanto, ser educadoras dos proprios filhos.

E todos sabem, principalmente os professores, quanto custa ensinar
crianças que não tiveram a abrir-lhe o caminho da inteligencia, o
cultivo amoravel da familia, principalmente da mãe.

Para ellas tudo é novidade, desde o que seja uma montanha até ao pão
que metem na bôca.

Os professores, mesmo sem querer, o fazem sentir ás crianças, e é
esse sem dúvida o maior castigo das mulheres ignorantes, que julgam
cumprir o seu dever de mães de familia governando a casa e vestindo com
elegancia os filhos.

Mas a triste verdade a confessar, e que é muito para meditar, é que--do
milhão de portuguêses que sabem ler e escrever a sua lingua, apenas um
terço são mulheres!

E ainda se queixam quando se diz que a mulher no nosso paiz é inerte,
ignorante e frivola!

A unica superioridade admitida no nosso tempo, por mais que se queiram
iludir os grandes da terra, é a da inteligencia. Os mais instruidos
são, evidentemente, os superiores, os fortes, seja qual fôr a sua
posição.

No tempo em que o mundo se levava á espadeirada, a força fisica era
superior á intelectual e os homens podiam tornar-se senhores pelo poder
musculoso do seu braço; hôje a força fisica vale muito como educação e
muitissimo para produzir saudaveis criaturas, mas vale muito pouco para
aferir superioridades. Aliás teriamos de acatar o moço de fretes, que
pega numas poucas de arrobas como quem pega num braçado de flôres, e
proclamá-lo superior, nosso indiscutivel chefe.

Ninguem irá buscar um hercules de feira broncamente estupido para o
comparar e achar superior ao sabio empalidecido e enfraquecido pelas
vigilias do estudo.

O que falta no nosso paiz é a instrução, principalmente a instrução
prática que faz progredir um povo. Quando é preciso traçar uma linha
ferrea, vêm engenheiros do estrangeiro; quando necessitâmos dum
porto, lá estão as companhias estrangeiras; quando uma cidade quer
abastecer-se de agua, lá estão os estrangeiros para lha fornecer;
quando é preciso montar um arsenal ou uma fabrica, lá estão os
especialistas estrangeiros.

Quasi tudo o que se faz no nosso paiz é práticamente dirigido por
estrangeiros e estrangeiras. Ainda destas a quantidade não é tão
grande, mas lá chegaremos, e quando quizermos utilizar as nossas
mulheres em muitos e variados mesteres, que o futuro por força lhes
hade entregar, já não encontraremos logares vagos.

Não nos deixemos embalar com o sonho do passado; pensemos no futuro,
que é o trabalho e a educação.

Fomos ha tres seculos um punhado de aventureiros que realisou a maior
aventura que ainda se havia visto, e imaginâmos que tudo será perdoado
a quem tanto fez e a quem tão maravilhosamente o soube cantar.

Mas os tempos são outros, as necessidades muito outras, e a vida já se
não leva a descobrir caminhos por _mares nunca dantes navegados_.

Hôje, que o nosso pequeno planeta está visto por todos os lados,
achâmo-lo pequeno e temos fome e sêde de mais alguma coisa. O homem não
se cança de saber, de procurar lêr o passado nas pedras fragmentadas
dos monumentos soterrados, como de procurar o futuro nos espaços
faiscantes de sóes; a tudo aspira pela inteligencia, tudo quer
comprehender e possuir.

A mulher entre nós não póde, por deficiencia de educação e excessivo
acanhamento, ser a util companheira de tal homem.

Na idade-média a mulher podia esperar o marido, que ia ás aventuras
fabulosas, sentada ao bastidor ou á róda de fiar, tecendo com suas
brancas mãos o linho que por si e pelas suas criadas fôra fiado.
Ignorante e passiva, era a digna esposa do senhor brutal que só
conhecia o direito da força.

No seculo XX a mulher tem de ser outra, porque outro é tambem o homem e
muito diferente o seu ideal.

Educar a mãe para ser a educadora dos filhos; educar a mulher em geral
para viver de si mesma, e para si, quando pertença á enorme legião
das que ficam solteiras e portanto,--_sem filhos a educar nem casa a
governar_, deve ser um dos nossos mais porfiados empenhos.

É este o verdadeiro feminismo.



AS MULHERES E A POLITICA

                                   _A mulher não hade fazer politica?
                                   Então não hade ocupar-se, já não
                                   digo da sua, mas da sorte de seu
                                   marido, dos seus filhos, ella que é
                                   toda dedicação?!_

                                   DR. BERNARDINO MACHADO.


Transcreve um diario radical,[2] não sei se irritado pelos ultimos
casos da politica portuguêsa, um artigo de Urbain Gohier, publicado no
jornal _L'Action_, em que as mulheres são verberadas violentamente, por
isso que se prova que em politica só se obedece aos seus caprichos, e
os seus desejos se antepõem aos mais urgentes negocios de estado, de
que dependem os destinos duma nação.

Porventura é isso novidade para alguem? Julgaram os homens, por
acaso,--tamanha será a sua ingenuidade?!--que podiam em vão dispôr de
metade da humanidade, redusi-la ao papel farfalhudo de _deusa do lar_,
_nuvem_, _anjo_, _demonio_, e todas quantas mais banalidades se têm
dito e escripto ha seculos, e dizer-lhe:--fica ahi! o teu destino é
agradar-me ou servir-me, conforme o meu capricho de senhor!?

Não penses; não queiras sahir dos meus braços, que é só onde podes
encontrar o luxo, a alegria, a vaidade satisfeita, a preguiça que te
pode conservar a belleza material, mas que te anúla por completo a
vontade e a inteligencia, que dispenso... Salvo se precisar da tua
graça e do teu espirito para chamar aos meus salões os que a minha
energia não conseguir domar, mas é conveniente que esse mesmo espirito
seja frivolo, feito de sorrisos e de _frases do dia_, facil para
qualquer mulher, medianamente inteligente, posta num meio em que as
emoções de arte aguçam os nervos, e o conforto, o luxo, e o convivio
com pessôas distinctas, adelgaçam intelectos e limam as arestas
plebeias, que denunciariam logo a humilde procedencia...

Pois a mulher que só vive de vaidades, que tem a sua orbita limitada
a seguir o _astro rei_ como palida lua sem luz propria; a mulher que
geralmente só tem um nome respeitado quando o homem lho dá; a mulher
que é educada para agradar ao homem, para arranjar pelo casamento uma
situação definida na sociedade; a mulher sem um fim determinado na sua
vida individual, sem um pensamento nobre a elevar-lhe as aspirações; a
mulher escrava pela força e submetida pelas leis, vinga-se como sempre
se vingaram os escravos--corrompendo.

O que desejam as mulheres auferir do homem que as não associou a
nenhum dos seus pensamentos e actos, que a aceita como um presente e
a conserva como um luxo? O que todo o inferior pretende tirar do que
se lhe quer impôr como _senhor_, numa revolta amarga de impotencia--a
maior soma de gôso proprio junto ao menor esforço para o conseguir;
o seu prazer, a felicidade egoista de quem não tem um nobre ideal a
orientar-lhe a senda da vida.

É pois criminosa a mulher, e muito, mas criminosa como a criança que
inconscientemente empurrasse para o abysmo o seu proprio irmão.

Responsavel é só o homem, que, cheio de orgulho, não procura na mulher
uma companheira, uma igual, mas uma inferior, embora finja endeusá-la
para a conservar na rotina e no servilismo. Tira-lhe a instrução e
a sciencia, como alimentos improprios para estomagos delicados, e
deixa-lhe o sonho e a fantasia, que as tortura na ânsia louca de
encontrar na vida real o imprevisto de sensações romanescas, que seduz
principalmente os ignorantes.

Culpado é só o homem que afastou a mulher proba e culta de todas as
luctas em que o destino de ambos se joga,--pois que a politica é, ou
deve ser, a arte de bem dirigir uma nação, e a nação pertence tanto
ao homem como á mulher--para se deixar governar por intrigantes quasi
sempre deshonestas, as mais das vezes inconscientes instrumentos
doutros ambiciosos.

Afastaram a mulher das altas preocupações do espirito, puzeram-lhe ao
pensamento e á vontade uma barreira de preconceitos e de ignorancia, e
queixam-se porque ella usa das armas que tem e gosa o fructo do orgulho
masculino!

Indignam-se contra as mulheres e são os proprios homens cultos que
transigem com ellas, nas suas crenças e prejuisos; elles, os que não
têm pejo de dizer publicamente que--embora se sintam libertados,
embora os seus espiritos pairem alto numa atmosfera de saber e de
certeza que os orgulha--consentem que as esposas continuem a crêr o que
elles descrêm, a vêr o que elles não vêem, a seguir o que elles não
seguem,--porque querem ser _tolerantes_!

Não comprehendem, ou não querem comprehender, o que é peor, que a
mulher representa mais do que o homem na constituição da familia,
porque é a ella que pertence o filho nos seus primeiros annos, porque á
mãe está confiada a filha até passar para as mãos do marido. E quantas
vezes o homem, num ingenuo sorriso de criança, encontra os laços que
no futuro lhe hão de manietar o espirito, ou, em caso de resistencia,
o fundamento para luctas que lhe despedaçarão a felicidade se teimar
em não se deixar vencer pela persistente e dôce propaganda das crenças
femininas.

A mulher não póde cortar abruptamente com um passado, que é toda a sua
vida espiritual.

É preciso que uma forte instrucção a liberte de caprichos infantis e
lhe dê a lucida e precisa noção do que deve ser a sua força moral.

Torna-se preciso que o homem já educado eduque a sua companheira; que o
homem livre escolha a mulher já livre; ou que o homem saiba transigir
com os laços seculares que muitas vezes ligam a mulher solteira á
familia e á tradição, mas só quando tiverem a certeza de que esses
espiritos, momentaneamente libertados pelo amôr, não voltarão mais
tarde, numa crise de fastio e abandono, aos ideaes com que fôram
embalados os seus aureos sonhos de menina...

Não é negando e demolindo que se fórma a nova alma feminina, que, por
sua vez, transformará o mundo; é elevando a consciencia e construindo
um novo templo de amôr e bondade humana, irredutivel e forte, onde o
espirito se inunde de luz e não possa mais mergulhar na treva.

O homem livre, o mais responsavel, aquelle que nos seus jornaes, nos
seus livros, nas suas conferencias, mais clama pela educação da mulher,
reconhecendo na sua falta toda a servidão das sociedades burguêsas;
esse mesmo, falto de logica quasi sempre, não se faz acompanhar da
sua esposa ou das suas filhas, não as póde apresentar como exemplo ás
outras mulheres, porque, em geral, são ellas as primeiras a abominar as
suas ideias.

Quando mesmo as não contrariem nem abominem, perfilhando-as algumas
vezes, são raras as que o queiram confessar publicamente, sabendo muito
bem que o homem português tem o terror instinctivo da mulher culta e
intelectualmente independente.

E só assim ella deixará de ser a pedra atada ao pescoço do homem, que
em vão se esforça por fugir á corrente da moda em que a maior parte dos
espiritos masculinos vem a naufragar.

Não é a mulher educada e orientada na consciencia dos seus deveres e
obrigações sociaes a que merecerá nunca a frase seguinte do jornal a
que me refiro:--_capricho que é um erro proprio da fórma de ser do
espirito feminino_.

O espirito da mulher não tem atributos proprios, como a sua
inteligencia e as suas aptidões não podem ser limitadas
autoritariamente, circunscriptas a um certo e inultrapassavel perimetro.

Ha mulheres caprichosas por defeitos de educação ou de temperamento,
consumidas de mesquinhas invejas e pequenas revoltas de impotentes,
como ha tantissimos homens sem energia, que nas suas proprias revoltas
são irritantes, falsos e untuosos, como costumam classificar as
mulheres.

Escolham os homens livres companheiras que egualmente o sejam;
determinem-se os campos, forme-se a familia pelas convicções de cada
um e não pelas convenções duma sociedade que não tem sinceridade nem
nobrêsa, e a transformação será completa.



SER PORTUGUÊS

                                   «_Como hade a mulher educar os
                                   filhos no civismo, se o não
                                   praticar?_»

                                   DR. BERNARDINO MACHADO.


Conserva-se a mulher portuguêsa numa entorpecida indiferença pelas
questões da actualidade, mesmo por aquellas que mais de perto a deviam
interessar.

Alem dos cuidados, mais ou menos caseiros, deveria a mulher
interessar-se pelas questões de civismo, como pelos varios problemas
sociaes, que tambem de perto e profundamente a tocam, não só na sua
vida individual como na sua influencia na familia.

O individuo pertence á familia, a familia á sociedade, e o que
interessa esta por força hade interessar aquelle, numa sociedade bem
organisada e equilibrada.

Não póde pois a mulher, principalmente quando é mãe, conservar-se na
abstenção culposa em que tem vivido até aqui a mulher portuguêsa.

Ao seu espirito desocupado passa tão despercebido que um pedaço das
colonias seja retalhado á patria, como um novo emprestimo ou uma
sobrecarga de impostos--que venham agravar as condições geraes da vida,
já de si tão dolorosas--sejam votados e postos em execução.

Qual a alma de mulher que vibra de enthusiasmo ao lêr uma pagina
vehemente de patriotismo? Qual a que se desespera e indigna vendo a
derrocada de caracteres que nos arrasta para um fim vergonhoso?!

Convenceram-na--e ella acreditou!--de que não deve pensar em
_politica_, porque isso lhe tira toda a modestia e ductil graça
tornando-a uma desagradavel _Maria da Fonte_; e, no entanto, não sendo
ouvida quando se trata de novos emprestimos, despesas extraordinarias
e desequilibrios orçamentaes, mais do que ninguem os sente e sofre
ella, na sua qualidade de reguladora das despesas da familia.

A mulher, e, o que é mais, a mãe, não se interessa pelos trabalhos
intelectuais que o filho tem a seguir, não estuda as questões
pedagogicas, não impõe a sua vontade, só se fôr para lamentar a
criança, que tem de se maçar com tantos livros... Não pensa nem dá
importancia á educação dos rapazes, isto é, dos homens que hão-de ser
os maridos das suas filhas, os pais educadores dos seus netos; não se
indignam nem protestam contra as injustiças e prepotencias que a seu
lado se praticam, como não se enthusiasmam por uma manifestação da arte
nacional ou por um acto de coragem e hombridade que levante, ao menos
por instantes, o nome português.

A mulher, a mãe, recebe com o mesmo sorriso carinhoso o filho que
passou num exame por empenhos, como se elle fosse um consciencioso
estudante; o que compra o emprego, sabendo que comete uma ilegalidade;
o marido que por comodismo ou por interesse aceita todas as imposições
dos superiores, sem um protesto de consciencia; o noivo que apresente
mais valiosos titulos de renda, seja qual fôr a sua procedencia.

A mulher, que hade no futuro ser acusada por todas as faltas civicas
do seu tempo, julga-se desobrigada porque delegou no homem todas as
responsabilidades e todos os encargos da governança publica.

Ora isto não é assim, porque, de todos os crimes civicos do homem, é a
mulher a verdadeira culpada.--«_Deante da esposa e talvez ainda mais
das filhas, quando civicamente educadas_--diz o sr. dr. Bernardino
Machado--_ninguem se atreveria a aparecer depois duma má ação na sua
vida publica._»

Grande é pois a responsabilidade da mulher no estado de depressão
moral, que é a caracteristica da sociedade portuguêsa dos nossos dias.

Não posso crêr que seja isto falta de sentimento, essa flôr delicada
que dizem ser apanagio do coração feminino e que é a ultima que nelle
fenece; não posso crêr que a generosidade, o altruismo, a coragem, que
em todos os tempos nimbaram de luz o espirito da mulher portuguêsa,
a tenham abandonado de todo, para sómente se manifestarem em algumas
almas masculinas.

Não, não é isso possivel, que seria contrariar todas as leis da
natureza, falsear todas as tradições, duvidar de tantissimos factos que
nobilitam a mulher do nosso paiz.

É que hoje, desinteressadas por educação e por habito das questões
que tanto preocupam o espirito masculino, não pensam que--em todos os
actos da vida nacional em que os seus nomes entrassem, protestando pelo
direito e pelo dever contra a injustiça, a força e a intriga politica,
seria uma afirmação dos seus sentimentos civicos e a próva de que
comprehendiam as questões de que depende a felicidade da sua Patria, o
futuro honrado dos seus filhos.

Com esse simples acto espontaneo da vontade, provariam que o seu sexo,
embora afastada das luctas que se dirimem dia a dia no jornalismo e na
politica de _dize tu direi eu_, que é a politica portuguêsa dos ultimos
tempos, acompanha e apoia os homens, quando justa e nobre é a sua causa.

Mostrariam conhecer os deveres e os direitos que assistem a todo o
cidadão livre, seja homem ou mulher, de protestar contra os actos que a
sua consciencia repudía, embora praticados á sombra das leis.

Tendo dado essa prova de individualidade mostrarieis ser, senhoras, as
mulheres que deveis ser para que os vossos filhos, no futuro proximo
que os espera--quem sabe de que vergonhas e miserias tecido!--tenham a
nobre coragem de se sacrificarem pelo resurgimento da Patria Portuguêsa.

Mas sabeis porventura o que é _sêr português_, vós que falais a lingua
que tem todas as energias do mar bravo e todas as doçuras dum poente
entre pinhaes rumorejantes?...

Sabeis o que é _sêr português_, vós que pizais indiferentes uma terra
tantas vezes embebida em sangue dos que luctaram até á morte para a
tornar uma Patria livre?...

Sabeis o que é _sêr português_, vós que respirais o aroma das flôres
que por toda a parte desabrocham em hilariantes coloridos, neste
abençoado canto do universo?!...

Sabeis o que é _sêr? português_, vós que recebeis a dulcida caricia
dum céo limpido, que passeais os vossos olhos sobre as aguas movediças
que levaram os nossos antepassados á aventura gloriosa de descobrir
novos caminhos e novos mundos maravilhosos, essas aguas que trouxeram,
em paga de tanto esforço e tanta heroicidade, o oiro, as pedrarias, a
riquêsa que deslumbrou o mundo e--ai de nós!--pela vaidade nos perdeu!?

Sabeis o que é _sêr português_, senhoras!?...

Pesa-me dizer-vos que, salvo algumas excepções, não o sabeis.

Que isto vos não cause enôjo, e que sobre a minha cabeça não cáiam as
vossas ironias e odios!

Se vós o não sabeis, pouca ou nenhuma culpa tendes, que de longe vem
o despreso pela vossa educação, que de bem longe vem o mal que nos
está ligando como cadaver embalsamado prompto a entrar para o tumulo
historico das nações que só vivem do passado.

Mas podeis ainda resistir. É tempo ainda de sacudir a apathia egoista
em que vos conservaes ante todas as angustias colectivas do paiz, e
mostrar ao mundo que o povo português não morreu ainda, porque as
suas mulheres, as mães, têm sempre no coração a imagem estremecida da
Patria, e ensinam os filhos a respeita-la, a ama-la mais do que á sua
noiva, mais do que aos seus proprios pais.

A nação amada pelas mulheres não morre nunca na historia.

Martirisada, dividida, conquistada, não morre emquanto as mães
transmitirem aos filhos, com o leite dos seus peitos, o sangue das suas
veias, o fogo das suas palavras, o despreso aos vencedores e o amôr á
terra que foi de seus avós, á terra onde existe a sua casa, que é o seu
lar.

Começam por ensinar-lhes no berço, acalentando-os com ellas, as lendas
e cantares da sua patria; acabam por lhes indicar o caminho por onde
enveredaram os que sofreram e morreram contentes pela sua gloria.

Falo-vos ao sentimento, eu sei, mais do que á razão, mas prouvéra a
Deus que fôsse o sentimento que guiasse ainda o nosso paiz! Quando
uma patria é nova, crente, esperançada e forte, firmando-se no amôr e
no enthusiasmo dos seus filhos, não se prende por conveniencias, não
recúa ante o perigo, não sabe contar os inimigos que a atacam, para os
vencer. Por isso avança, torna-se inolvidavel na historia, como nós o
fômos!

Só na decadencia se aprende a transigir, decadencia que tanto póde ser
material como moral, decadencia que é, a maior parte das vezes, filha
só do egoismo, do desejo inferior de gosar sem que o gôso dos outros
nos seja preciso para a felicidade propria.

E no nosso paiz transige-se para se estar bem com todos, transige-se
por preguiça de discutir, transige-se por uma emaranhada teia de
preconceitos, de pequeninas considerações que amolecem o ânimo,
quebrantam as vontades, e fazem das oposições uma coisa ridicula,
porque não têm éco nas almas, ou são, quando muito, um brado louco e
desacompanhado de quem vê uma grande multidão correr para um abismo e
nada póde fazer para a sustêr e salvar.

Mas não ensineis a vossos filhos essa excessiva transigencia, senhoras!
Deixai aos moços o enthusiasmo e a fé; não estanqueis a fonte de
coragem e energia e justiça que existe em toda a alma joven!

Levantai o espirito para mais nobres ideais, não vos amesquinheis numa
abstenção que não é modestia mas ignorancia, indiferença, covardia
das vossas almas que assim querem fugir á dôr forte e nobre do sêr
que aspira--a ascender, na escala zoologica, de simples animal de
instinctos para criatura de espirito e de vontade.

Não tenhais mêdo da dôr intelectual que retorce febrilmente os nervos
em convulsões de agonia e aperta a garganta inchada de soluços
num estrangulamento de desespero, vós, as mães, que sofresteis
corajosamente a dôr fisica de ter um filho! Tornai-vos conscias da
grande missão que é de vosso dever desempenhar, com a firme certeza de
que não ha paiz grande onde a mulher seja inferior.

Vós, mães e educadoras, que tendes a vosso cargo pequenas almas em
embrião a despertar para a luz, ensinai-lhes primeiro do que tudo, e
antes de tudo,--a serem portuguêses.

E ser português é amar a sua terra entranhadamente, religiosamente,
esta terra de que somos filhos e não podemos despresar sem nos
despresarmos a nós mesmos.

Ser português é aprender a sua lingua antes de nenhuma outra; é lêr
os livros que portuguêses têm escripto; é conhecer os seus artistas;
não despresar as suas industrias; comer o producto da sua terra; amar
as paisagens, ora recortadas em fundo grandioso de montanhas, ora
espraiando-se em campinas onde as searas ondulam em marés verdes de
esperança e os gados pastam com fartura; cantar as suas canções; folgar
com as festas do seu povo; amar a sua flóra tão simples e graciosa;
estudar a sua arte em todas as manifestações, desde a bilha de barro
abrindo-se em duas azas, recordando a amfora romana, tão gentilmente
posta sobre a cabeça da rapariga de Coimbra, até á magnificente fabrica
do mosteiro da Batalha, sem esquecer o mobiliario severo e nobre
dos nossos avós, a ourivesaria subtilmente trabalhada, os tecidos, a
ceramica, as rendas, que, em tudo, houve tempo em que fomos _alguem_.

Se o não somos hôje, cuidais que os artistas e a patria é que são os
responsaveis de tão grandes decadencias?

Não; uma, não póde nada, prisioneira do oiro nas mãos dos usurarios; os
outros, sem estímulo nem público que lhes pague as fadigas e os empurre
para o exito, ou lhes mostre pelo despreso a inferioridade do trabalho,
retiram-se do campo onde a mediocridade dá leis. São poucos os que á
força de vontade e coragem conseguem não esmorecer, trabalhando mais
para satisfação propria do que pelos lucros materiais.

Que a Arte não dá hôje gloria em Portugal, e muito menos riqueza.

Se não sômos o que já fômos é que uma educação fundamentalmente
portuguêsa falta por completo no nosso paiz.

A criança começa por interessar os olhos ingenuos nas estampas dos
livros estrangeiros--ou vindas do estrangeiro para adaptar a coisas
portuguêsas, o que é peor ainda!--por lêr traduções das historias que
nos outros paizes se fazem para os pequeninos; por vestirem luxuosos
vestidos cujos modelos vieram de fóra; por só apreciarem as flôres
exoticas cultivadas com mimos de estufa, despresando a simples e
honesta flora portuguêsa, tão espontanea e bella; por vêr as habitações
dum tão duvidoso gosto de importação, os brinquedos, a loiça, os
navios, os carros, os velocipedes, que tudo nos vem do estrangeiro e
nos dá o aspecto banal e miseravel de povo sem nacionalidade.

Só vós, senhoras, podereis levantar-nos desta situação por demais
incaracteristica e infamante!

Só vós podereis insuflar na alma dos moços o respeito pelo passado,
o horror da situação presente, e a esperança consoladora num futuro
melhor!

Num futuro que não está nos cursos complicados, nas repartições
da burocracia, nos feitos das vanglorias militares com _sobados_
africanos, mas nas oficinas, nas fabricas que nos poderão criar
industrias exportadoras, no cultivo da terra que nos dá o pão do nosso
sustento, o linho da nossa roupa, as fructas mais delicadas, o arroz,
a cortiça, o vinho, as conservas, e tantissimas coisas que já hôje se
exportam a mêdo e que poderão ser outras tantas fontes de riqueza, se a
ellas se dedicarem inteligencias e dinheiro que mal parados andam umas
e outro.

E nós, as mulheres, que temos nas nossas mãos a alma dos nossos
filhos, que é como quem diz o futuro e a esperança, ensinêmos-lhes a
despresarem o caminho das transigencias acomodaticias e a fugir do
fatalismo musulmano com que temos acolhido, de braços cruzados, todos
os desastres e toda a decadencia da nossa nacionalidade.

Preparêmo-los para que entrem na vida cheios de coragem e energia
para o trabalho, renegando as miserias e as vergonhas de agora, e
façam resurgir das ruinas duma sociedade que se anulou a si mesma, um
Portugal novo, conscio de si, altivo e digno.

Nas vossas mãos, senhoras, está a rehabilitação das humilhações e
vergonhas que ha dois seculos formam o triste fundo da nossa vida
pública.

Nas vossas mãos está a morte definitiva da Patria Portuguêsa ou o seu
resurgimento para o trabalho e para a vida.

Ponhâmos de parte as frivolidades que nos ensinaram a crêr que são
a maior graça do nosso sexo, e sejâmos _mulheres_ como o devemos
ser:--criaturas conscientes e autónomas, companheiras e aliadas do
homem, as verdadeiras educadoras de seus filhos.

Como a dama romana que mostrava os filhos como as unicas joias de
preço que possuia, tiremos nós mais gloria em mostrar os nossos como
cidadãos livres, sobrios e honestos, em vez de lhes darmos exemplos de
ostentação e grandêsa que se não coadunam com a modestia da nossa terra
e só provam a decadencia moral da sociedade em que vivemos.

Pensai nisto, senhoras, e ensinai-o a pensar a vossas filhas, porque
tem mais interesse para o seu futuro e para o dos seus noivos do que o
ultimo figurino, ou a ultima valsa tocada de ouvido ao piano.

Fazei de vossos filhos homens saudaveis de corpo e de alma, e das
vossas filhas as companheiras dignas desses homens, capazes de os
auxiliar no trabalho, alegres nas privações como modestas na grandêsa,
e tereis cumprido a mais bella missão da mulher, dado a mais alta lição
de verdadeiro e salutar patriotismo.



NO ANNIVERSARIO DUMA ESCOLA


Pela descripção da festa realisada este anno[3] na «_Escola 31 de
janeiro_» deveis saber que alguns homens dos mais notaveis pelos seus
talentos e caracteres se referiram a nós, mulheres, em varias passagens
das suas orações eloquentes. E para frisar essas passagens vos escrevo,
porque é do vosso interesse, do interesse de nós todas que se trata,--e
todas deveis saber o que valeis e quanto a sociedade espera e tem
direito a esperar da vossa cultura e ação inteligente.

Foi-me grato encontrar nas palavras da luminosa e bondosa alma que é o
dr. Manuel de Arriaga, um apêlo á mulher portuguêsa--_que tem sido até
hôje_, no seu proprio dizer, _o maior auxiliar da tirania_.

Mas um auxiliar inconsciente, dizemos por desculpa, se a inconsciencia
a póde ser, não o sendo a _ignorancia das leis_ perante o delicto a
punir.

Apraz-me conhecer a opinião do infatigavel batalhador sr. Heliodoro
Salgado, porque essa opinião coincide com a minha, expressa em muitas
paginas destas mesmas cartas, espalhada por artigos e correspondencia
particular que sobre o assumpto ha muito tenho escripto.

Comoveu-me o pedido do sr. dr. Teixeira de Carvalho, o energico e
brilhante espirito, feito _ás Mães Portuguêsas_.

Não fômos esquecidas, nessa manifestação de quanto póde a inteligencia
e a vontade aliadas no bem--exercicio de força que não tem por campo de
manobras os montes e as encostas duma região, mas o espaço infinito do
pensamento. Não tem horizontes que se fechem em recorte de montanhas
agrestes, é campo aberto a todas as energias e vontades, esplendente
de luz que não queima em fantasmagorias dolorosas de febre, mas que
ilumina as almas e aclara os espiritos, fazendo-os ascender ás regiões
superiores da verdadeira e pura Consciencia.

Se pudessemos ter assistido a essa reunião em que festejou a criança--a
pobre criança portuguêsa, tão tristemente educada, tão despresada
mesmo!--o amoravel apostolo da educação dr. Bernardino Machado,
mortificar-nos-ia o sentimento da propria inferioridade, que não nos
deixaria responder com a confissão das nossas culpas, mas tambem com
o nosso libello acusatorio aos homens livres, que têm consentido em
que as mulheres sejam as mais ardentes adversarias dos seus ideais, o
auxiliar passivo e inconsciente da tirania e do retrocesso.

É justa, se bem que implicada de censura amarga aos homens, a frase
do sr. Heliodoro Salgado:--_resgatêmos a mulher da ignorancia a que a
temos condenado e ella será a nossa cooperadora na revolução_.

Educar a mulher; torná-la util a si e aos seus, pelo trabalho
remunerado; escolher cada homem livre esposa que o seja, não só do
corpo mas tambem do espirito, não só humilde e paciente dôna de casa,
mas nobre e inteligente educadora, fóco de luz e de bondade superior,
irradiando na familia, como sol por onde se norteia a alma caminhando
para o futuro.

Se assim fosse, a revolução deixaria de ser um facto brutal e rude para
ser tão sómente uma evolução triumfante para a humanidade que marcha e
se resgata...

Não ha homem que se possa dizer livre, e que afoitamente possa
responder pela sua propria consciencia, em todas as horas de
desfalecimento e de dôr, quando a seu lado tenha--ignorante, mas
teimosa na crença; sem brilho na palavra, mas cheia de convicção no
olhar; sem convencer pela razão, mas abalando pelo comentario de cada
hora--a mulher que é a sua companheira, que foi talvez a sua paixão,
que é a mãe dos seus proprios filhos.

A mulher, sempre atrazada, por mingua de educação, no evolucionar das
aspirações e das novas crenças sociaes é o agente mais importante do
retrocesso e da rotina.

É ella que em politica, como em sciencia, como em tudo mais, é sempre
pelos velhos preconceitos, pelo estatuído, pelo comodismo egoistico e
enervante do _seguro_, pelo que ouviu tradicionalmente e não discute
nem quer ouvir julgar nem discutir...

Ora a tradição e o respeito pelo passado, se é uma virtude e um
estudo indispensavel para o conhecimento perfeito dos costumes e
reconstituição historica de uma época, como norma de vida e como crédo
intangivel é a negação de todo o progresso e de toda a civilisação.

Conversando ha dias com um pobre barqueiro, de rio acima, ouvimos-lhe,
no limitado e pitoresco vocabulario do seu chão estilo, esta
observação que é curiosa, pelo que nos revela mais do que pelo que
nos diz:--agora--dizia--está tudo mais _esperto_. O que antigamente
só podia fazer um homem velho no oficio e cheio de experiencia, fa-lo
hôje, quasi sem custo, um rapaz de dezeseis annos. Os senhores haviam
de vêr como rapazinhos governam ahi barcos, rio acima, conhecendo
todos os esteiros e manobrando dentro dos canaes das marinhas, como os
velhos só o faziam dantes ao cabo de muitos annos lidarem por aquelles
sitios. _É que está agora tudo mais esperto!_--Repetia, concluindo, a
frase que era o seu bordão.

Não é porque esteja tudo mais _esperto_, como queria o homensinho,
comprehendem muito bem, mas é porque está tudo um pouco mais
instruido. Um rapaz de dezeseis annos que sabe lêr o seu roteiro é
incomparavelmente superior ao velho ignorante que só na memoria póde
armazenar conhecimentos e esses mesmos com lentidão e insuficiencia
adquiridos pela prática.

A mulher portuguêsa tem vivacidade de espirito e assimilação facil; não
lhe falta o enthusiasmo nem a paixão; bastaria pois que a educassem e a
orientassem.

Mas de quem póde esperar esse forte impulso libertador, unico capaz
ainda de levantar a alma portuguêsa a toda a altura da exigente vida
moderna? Dos pais que não educam as filhas como criaturas humanas e sim
como bonecas de corda, de que é preciso vigiar o maquinismo, e que em
vez de lhes fornecerem educação que lhes garanta o futuro pensam com
afinco em lhes amoedar o dóte, que mais facil lhes torne o casamento?
Das mães, que não comprehendem o que hôje se chama educação feminina
e ainda se surprehendem e assustam com inovações de que ouvem falar
vagamente? Do homem, já amezendado na vida, comodista, defendendo por
egoismo o que lhe satisfaz as aspirações de senhor; querendo a esposa
muito sua humilde companheira, hôje prompta a servi-lo, ámanhã a ser a
criada dos seus filhos?...

De nenhum desses póde receber o salutar influxo que a torne a
companheira condigna do homem civilisado, que a sociedade prepara no
seio revoltoso das luctas e desesperos de hôje para um ámanhã mais
justo.

É dos rapazes novos--não daquelles que entraram na vida tarados para
o ramerrão comodista dos empenhos e empregos públicos, numa covardia
mórbida para a revolta e para a lucta--mas duma pleiade de moços a sair
das escolas, cuja alma sentimos palpitar numa _aspiração perfeita das
suas responsabilidades_, como disse o Snr. Teixeira de Carvalho. São
esses os que as podem encaminhar para a emancipação intelectual, esses
os que devem colocar-se ao lado das suas irmãs e, tornando-as as suas
verdadeiras companheiras, prepararem o seu proprio futuro de serenidade
e confiança no lar.

Então o homem póde entrar com segurança na vida e ferir as batalhas
mais sangrentas sem o receio de ver atraiçoada a sua obra na propria
casa, na sua familia, pela companheira da sua vida, e pelos filhos
educados no despreso e no odio ás suas ideias.

O que em Portugal se tem feito pela mulher é pouco e máu, mas o que se
tem feito pela criança é ainda menos e peor, se é possivel.

Por isso nos consola uma festa como a da _Escola 31 de Janeiro_,
iniciativa de rapases das escolas, sustentadas em annos consecutivos
de lucta pela esforçada coragem de dois ou três que não debandaram nem
desanimaram, passado o primeiro momento do arrebatado enthusiasmo da
alma meridional.

Era isto, que fizeram alguns rapases das escolas, isto que fazem hôje
e sempre os snrs. Luiz Derouet, Santos Franco e outros, não afrouxando
nunca na propaganda, não esmorecendo na campanha contra a indiferença
do público; era isto o que eu desejava que as mulheres fizessem. Não
as casadas, que têm a sua vida, os seus filhos, os seus encargos, mas
as raparigas que estudam e pensam; senhoras novas e inteligentes que
do pouco fizessem muito á força de energia e amôr pelas crianças,
raparigas modestas que desejassem fazer obra de honestidade e proveito
e não especulação caridosa para arranjar noivo mais depresa.

Seriam essas, as futuras mães e educadoras, quem desejariamos á frente
de escolas e institutos infantis, criados pela sua iniciativa, vivendo
do seu benefico influxo.

Ahi, no convivio da alma da infancia, tão obscura e complexa,
aprenderiam o seu papel de mulheres na familia.

Na _créche_, ellas aprenderiam a enfachar um pequenino corpo leitoso
e mole, que mais tarde a natureza lhe porá ao seio e que as suas mãos
inhabeis mal poderão tocar com mêdo de que se despedace. Aprenderiam
quais as doenças que mais adquire a primeira infancia; qual a maneira
de as evitar e combater, o que se chama a hygiene propriamente infantil.

Na _escola maternal_, aprenderiam, ensinando, como é facil educar e
instruir crianças de menos de seis annos, conservando-as sempre na
atmosfera alta da curiosidade e da aprendisagem.

Na _escola primaria_ comprehenderiam quanto é agradavel e facil ensinar
crianças, quando a familia ou a primeira escola as enviarem já com o
raciocinio desabrochado e com certas noções da vida e da natureza que
as rodeia.

Nos _hospitaes_ adiquiririam aquella prática de tratar os pequeninos
doentes, que tão custosamente obtêm as mães quando a alma lhes sangra
pelo soffrimento dos seus filhitos.

Nas _escolas-oficinas_, nas escolas práticas de cosinha, de costura e
de governo de casa, em toda a parte onde se trabalhasse pela criança, a
mulher solteira poderia formar o seu caracter, conhecer e fortalecer as
suas aptidões, fazer a si mesmo a educação que a tornasse util a todos
e lhe desse para o futuro a certeza de poder contar comsigo para provêr
á propria subsistencia.

A menina solteira no nosso paiz tem uma vida sem responsabilidades
sociaes e a maior parte das vezes sem utilidade nenhuma.

Anda na escola ou no collegio--as que não vão para os internatos--até
a saia lhe descer do joelho e roçar no cano da bóta. Aos primeiros
signaes da puberdade, os pais atarantam-se, num pánico de grandes
perigos a recear, e a pequena recolhe a casa.

Depois, se a fortuna o comporta, vem o professor particular ensinar
o que póde a quem não estuda nem deseja saber, desde a pintura sem
desenho até á musica sem rudimentos. As que não pódem ter professores
ficam em casa com o pouco que aprenderam, a esperar que os annos, na
sua fugitiva carreira, lhes tragam o noivo correspondente.

Vestem com elegancia, mas não sabem fazer os seus vestidos; sabem pôr
sobre os seus cabellos frisados o mais disforme e complicado chapéo,
mas não o sabem enfeitar por suas proprias mãos; não costuram nem
bordam a roupa da casa; não talham as suas camisas; não cosinham ou
sabem dirigir o jantar da familia; não tomam a si o encargo de criar e
educar os irmãosinhos mais novos. As mães poupam-nas o mais possivel.
_É o seu bom tempo_--dizem. _Deixá-las, lá virá época em que tudo
aprendem á sua custa!..._

Pobres dellas! Não viram, no seu exemplo, quantas amarguras representa
essa _aprendizagem á propria custa_, desde o mau humor do marido que vê
tudo feito por mãos inexperientes até ao desrespeito das criadas por
quem não as sabe mandar nem ensinar.

A rapariga portuguêsa não é um sêr util e respeitavel, de que os
rapazes sejam fraternaes companheiros, lendo os mesmos livros,
interessando-se pelos mesmos assumptos, conversando naturalmente em
qualquer ocasião e com qualquer pessôa que se encontrem.

Não, ella é uma criatura no papel passivo de pretendente, esperando
vagamente o numero da loteria--que lhe _dê o premio_.

Depois, conforme este seja, grande ou pequeno, isto é, marido rico
ou pobre, terá então que adaptar a trouxe-mouxe as suas qualidades
assimiladoras e resignar-se ao trabalho ou pavonear-se soberbamente no
luxo e na inactividade.

Para tudo está preparada, não estando habilitada para coisa alguma.

A rapariga portuguêsa é, em resumo, uma criatura encantadora, que veste
com garridice, que passeia nas horas de musica, que vai ás praias, aos
theatros e ás reuniões, que ás vezes lê os folhetins dos jornaes e tem
ataques de nervos, de quem os rapazes desdenham e troçam--mas que, por
fim, virão a ser as suas mulheres.

Quantas não têm o desejo de se tornar uteis, de ganhar _para os seus
alfinetes_, de terem uma ocupação que as enobreça aos seus proprios
olhos e as habilite a serem mais tarde livres pelo seu trabalho?!

Mas, entorpecidas pela educação, deprimidas pelos estreitos habitos da
vida portuguêsa, resignam-se a não serem mais do que as outras--umas
eternas aspirantes ao casamento.

Inteligente e dedicada como é, em geral, a mulher portuguêsa, que
grande e bella obra social não faria, quem a pudesse interessar pelas
duas questões capitaes de que depende o resurgimento da nossa patria e
o futuro da nossa raça:--o trabalho livre e remunerado para a mulher, a
educação, fisica e intelectual, da mísera criança portuguêsa.



A MULHER DE HA TRINTA ANNOS E A MULHER DE HÔJE


Se perguntarmos aos que ora entram com desplante na vida, julgando
que nada devem ao passado, que o presente é obra sua, e o futuro lhes
pertence, o que era a ilustração da mulher portuguêsa de ha trinta
annos, não haverá ahi rapaz ou rapariga de mediana educação que não
solte uma gargalhada escarninha, ou que, ao menos, não franza a bôca
num tregeitar de troça.

É que essa época de romantismo agudo avulta a nossos olhos a turba
desgrenhada das jovens que recitavam ao piano, com os olhos no
infinito; que dormiam de colete para adelgaçarem a cinta, defumavam
o rosto para obterem a palidez interessante que a moda reclamava ás
heroinas tisicas, que sonhavam com o menestrel choroso que por noites
luarentas as viria buscar para um eterno _duo_ de amôr, na _cabana_
ideal onde se vivia... do ar.

Essas eram as exageradas de todas as escolas, as desvairadas de todos
os tempos. Mas ao lado dellas, as sãs, as ajuisadas, que liam os mesmos
livros e conheciam as mesmas poesias, não se deixavam levar em excessos
de romantismos piegas, mas amavam os seus poetas e comprehendiam a
literatura do seu tempo.

Não ha por ahi senhora da geração de nossas mães, rudimentarmente
educada que fosse, que não tenha chorado com os romances de Camillo,
que não tenha discutido e amado Julio Diniz, que não conheça Garrett e
Herculano, que se não lembre com saudade da _Lua de Londres_, que não
tenha recitado Soares de Passos, Castilho, Palmeirim e Thomaz Ribeiro,
que não tenha cantado essas poesias, que entraram no ouvido de todos em
modilhas e cantatas, compostas por musicos ignorados.

Isto numa época em que a mulher não tinha, como a de hôje, facilidade
em se instruir, em que a instrução por essas provincias fóra era um
caso esporadico, em que os liceus lhe não eram franqueados e nas
escolas superiores se falava do exemplo de Publia Hortensia de Castro,
que cursou a Universidade vestida de homem, como dum caso fabuloso,
porventura menos provavel do que a sabedoria de Minerva, a deusa
mitologica da sciencia.

O que significa que a mulher joven ha trinta ou quarenta annos, sem
ter a alta cultura duma grande dama da côrte brilhante de D. Manuel,
era, sem dúvida, muito superior á de hôje, que não conhece os seus
escriptores nem comprehende os seus poetas.

Se bem que a Arte, embora na sua fórma mais intelectual,--a
literatura--não possa dar á mulher o grau de conhecimentos, a soma
enorme de noções exatas da sciencia que são necessarias para constituir
hôje a educação de qualquer criatura regularmente culta, é bem certo
que eleva as almas e constitue um dos mais nobres ideais da existencia
humana.

«A mulher desconhece os escriptores do seu tempo e deixou de se
preocupar pela literatura, porque não temos romancistas que a
interessem e os poetas deixaram de lhe falar ao coração...--costuma
dizer-se para desculpar uma falta que todos reconhecem e da qual
ninguem se confessa culpado.

Seguramente que a maior, se não a unica responsavel, é a mulher que
assiste, sem comprehender, ao avançar victorioso da civilisação, que
hade expulsar os ignorantes como párias inuteis numa sociedade que se
encaminha para a luz.

Poetas e prosadores deixaram, é certo, a azinhaga florida do romantismo
para seguirem pela estrada arejada de um novo ideal estético, para uma
fórma mais verdadeira e humana. Mas porque os não seguem as mulheres?
Porque se quedam numa indiferença que as distanceia do seu tempo, que
as torna tão alheias a tudo quanto interessa o homem do seu paiz, da
sua sociedade, do seu proprio lar?

Não lêr porque não ha quem escreva a seu gosto no nosso paiz é...
apenas uma desculpa. Temos hôje, como sempre tivémos, quem escreva
bem. Todos os annos, a par da grande alluvião de livros sem valôr que
ficam nos depositos das casas editoras para serem vendidos ao peso do
papel, ou dados como brinde a quem compra outros livros, publicam-se
os bastantes para saciar a curiosidade vulgar em quem tem o habito da
leitura.

O que falta não são os escriptores nem as suas obras.

Falta o público que dê no seu aplauso ou no seu desagrado o incitamento
de que precisa todo o artista para fazer obra em que pônha toda a alma,
toda a energia do seu espirito, na inspiração de progredir e vencer a
concorrencia, que então se dá material e áspera, mas compensadora para
os triunfantes.

Quem lê no nosso paiz? Uma minoria de intelectuaes, que preferem a
literatura estrangeira, e que a maior parte das vezes não compram
sequer os livros portuguêses, que poderão ler de emprestimo ou
oferecidos.

Lê o povo bastante, mas o povo das cidades, e principalmente os
operarios, os livros dos propagandistas, as brochuras que os chamam
á consciencia da sua grande miseria; ou lê os romances sensacionaes,
ultimamente, e por felicidade, substituidos pelos grandes romances
historicos ás cadernetas, ilustrados, que têm a enorme vantagem--quando
não tenham outra--de ser portuguêses e não habituar o povo a dizer
nomes disparatados e ridiculos que lhe servem nas traduções.

Não lê no nosso paiz, a grande maioria dos homens, porque não encontram
para isso tempo que lhes sobre dos seus afazeres ou da vida dispersada
por cafés e clubs, na conversa de conhecidos e amigos encontrados
sempre nas horas de sobejo.

Não lêem as mulheres, o que é muito peor. Porque é em toda a parte
o grande publico feminino quem lê os poetas e os romancistas, quem
assigna os _magasines_ e revistas, quem conhece as mais interessantes
brochuras de viagens, quem discute os seus autores, quem faz, emfim,
uma reputação literaria.

Entre nós, a não ser nos centros intelectuais de que as mulheres só
raramente fazem parte, não se fala em literatura, não se conhecem
os escriptores e não ha--o que é significativo--o menor desejo de os
conhecer.

Para muitas senhoras que lêem e gostam de lêr é um facto desconsolador
o pensarem que serão ridicularisadas e que os ignorantes as alcunharão
de _sabichonas_ e _doutoras_, se por acaso entram em conversa que
transponha os limites literarios dos folhetins dos jornaes ou da secção
das modas.

Mas será isto motivo bastante para se desinteressarem tão completamente
pela literatura do seu paiz?

Fugindo do ridiculo com que fôram tão cruelmente perseguidas as
romanticas de ha vinte annos, as mulheres deixaram de lêr com receio de
que as chamassem _literatas_--o epiteto mais desagradavel que podia ser
dito a uma senhora que era vista com um livro na mão.

Pararam, indecisas, isto é retrogradaram, porque em civilisação não ha
paragens que não sejam retrocessos.

E foi este o motivo porque se deu o afastamento cada vez mais
pronunciado da mulher portuguêsa pela arte e pelos artistas do seu
paiz e do seu tempo. É desolador este simptoma porque nos mostra como
é feita sem elevação moral, nem intellectual, a educação das mulheres
que hão de ser as educadoras das futuras gerações. Numas, as que se
dizem educadas, os seus conhecimentos são apenas um mostruario vistoso
de habilidades e conhecimentos superficiaes, que não iludem ninguem.
Outras, conservam-se na mais boçal ignorancia, na mais completa
indiferença pelas coisas do espirito.

Mas dando de barato que, por uma estranha repugnancia de espirito, os
escriptores de hôje não agradem ás mulheres, porque despresam tudo
quanto de grande e bello tinha a do tempo de nossas mães?

Por acaso deixaram os livros de Camillo de ser os mais humanos, os
mais portuguêses, de quantos tem escripto e sentido um grande talento
português? Por acaso já secaram, como fonte despresada em campo
maninho, os lindos olhos das mulheres do nosso paiz, que já não se
arrasam de lagrimas na partida de Simão Botelho para o desterro e na
morte da linda Thereza e da tragica e simples Marianna?!

Tão perdido vai o seu gosto artistico, que já os seus labios se não
abrem jocundos sobre as paginas de eterna graça, que o incomparavel
escriptor espalhou por toda a sua grande obra?!

Tão adversas a preocupações de espirito, que se não familiarisem com
todo esse mundo amoravel e risonho que nos deixou o romancista que
deveria ser, por excellencia, o preferido das mulheres, Julio Diniz?!

Tão esquecida que já não leia toda essa pleiade brilhantissima de
poetas e prosadores que foi a de Garrett e Herculano, até João de Deus,
Anthero, Crespo, Eça, e tantos outros que a morte levou; sem falar nos
que, por graça de Deus, ainda vivem e trabalham nesta Patria que devia
ser o nosso orgulho e é o tormento de quem a ama e a vê tão outra do
que devia ser?

Não, a falta não é dos escriptores, a falta é só da mulher que não está
educada bastantemente (apesar de certos criticos acharem que o está já
demais!...) para discernir e escolher o bom caminho que o mais vulgar
senso commum lhe indica: uma educação séria e fundamentada, começando
nas coisas práticas e uteis da vida, acabando na literatura e na arte
em geral, que é por assim dizer a alma falante d'um povo.

É urgente que se convençam de que a mulher ignorante é o mais triste
e aborrecido verbo de encher que a sociedade agasalha. Se é bonita,
elegante, e veste bem, começa por ser um prazer para os olhos e acaba
por se tornar um desprazer maior para o espirito, quando responde com
o mutismo da ignorancia convicta, ou com a tagarelice da ignorancia
atrevida, a uma simples conversa em que pessôas cultas jogam com ideias
e conhecimentos como as crianças com as irisadas bolas de sabão que
tanto as alegram.

Isto olhando-a pelo lado social, que na vida familiar os efeitos
da ignorancia feminina são ainda de mais tristes e deleterias
consequencias.



AS POBRES MÃES


Porventura evocará este titulo míseras mulheres desgrenhadas,
arrepanhando-se de dôr, ante a morte que lhes arranca dos braços os
filhos estremecidos...

Ou a visão dolorosa das que os vêm partir, na força da vida, frementes
de esperanças e ambições, chamados pela lei para a guerra odiosa...

Ou, ainda, pobres mulheres vagabundas, arrastando os seus farrapos
pelas ruas e caminhos, mendigando baixinho, numa vergonha ou num
pavôr, para os sêres informes que levam nos braços e pendurados ás
saias, culturas para a dôr e para a doença, crimes e loucuras em
fermentação...

E, entanto, não são essas as que merecem a epigrafe que encima estas
palavras.

É mais dôce o seu viver, mais calma a sua existencia...

É ao recolhimento da vida burguêsa que iremos buscar essas _pobres
mães_, que a sociedade moderna, no impulso avassalador e tiranico de
necessidades e exigencias novas, vai fazendo martires pelo sentimento e
pelo coração.

São essas mulheres naturalmente inteligentes, mas fundamentalmente
ignorantes, que sofrem pelo afastamento progressivo dos filhos do seu
amôr e do seu encanto, a par e passo que os vêm crescer em inteligencia
e saber.

É á _classe média_, a mais numerosa e _nacionalisada_, a mais apegada a
preconceitos e tradições, que vamos buscar o nosso exemplo, porque:--o
povo operario, caminhando revoltósa e tumultuariamente para o futuro; o
dos campos, muito perto ainda do primitivismo animal; a alta burguesia
e os restos desmantelados das velhas aristocracias, despaízadas pela
educação e pela existencia só de luxo e egoismo--não podem fornecer os
elementos comprovativos para a nossa these.

Um dos muitos axiomas fabricados para satisfação da nossa vaidade,
e que transmitimos gostosos pelo prazer de nos iludirmos e pela
preguiça em nos emendarmos, é a conhecida frase--que faz comover
sentimentalmente os mais áridos corações--_a mulher portuguêsa é uma
bôa mãe_.

Ora se olharmos a maternidade apenas como a funcção animal de conceber,
ter o filho, amamentá-lo e cuidá-lo materialmente, nos primeiros três
ou quatro mêses da sua existencia, a mulher portuguêsa é, realmente,
uma bôa mãe.

Tudo a predispõe para isso. A bondade natural da nossa raça, essa
bondade passiva feita da indolencia atavica de sangue oriental que nos
anda nas veias; a belleza efemera, quasi toda feita da frescura dos
poucos annos e da delicadeza das linhas que a maternidade ainda não
engrossou; o esmagamento duma longa série de gerações em que viveu no
recolhimento freiratico da antiga vida portuguêsa, e ainda hôje sem os
cuidados rudes de procurar a subsistencia, encargo exclusivo do homem...

Tudo predispõe a mulher, na doçura amolecedôra do nosso clima, para ser
uma cuidadosa mãe: cheia de mimos para os seus pequenos; temendo vê-los
chorar, como quem teme uma trovoada; muito ciosa das suas prerogativas,
quando se trata do enxoval de bébé, da moda dos vestidos, dos chapéos e
das bótas; sacrificando-se, em caso de doenças; tendo, emfim, todos os
carinhos e todos os merecimentos duma bôa _aia_.

Mais tarde, procurará dar ás filhas uma educação primorosa, segundo o
seu ponto de vista, não se poupando ainda a sacrificios para que toquem
no seu piano, saibam prendas de mãos, e um bocadinho de francês para
não se envergonharem numa sala...

Emquanto aos rapazes, cedo entregues aos professores que os levam a
exame, ficam--graças a Deus--livres de toda a responsabilidade de
educadora.

Para com as filhas é mais longa a sua missão, que não é desagradavel a
espiritos que ficaram ignorantes das mais singelas regras de alta moral.

Quando as raparigas chegam á idade de procurar marido, ahi dos dezeseis
para os dezoito, começa para a mulher o desempenho do papel, annos
atrás a cargo da sua propria mãe, quando a acompanhou a todos os
divertimentos, aguentou calôres e frios nos passeios da móda, cabeceou
pelas reuniões dançantes, fez sacrificios para lhe comprar vestidos
vistosos, despojou-se dos seus adornos para enfeitar as filhas,
porque--e esta frase é bem caracteristicamente portuguêsa e lança
toda a luz no módo de ser e nas aspirações da nossa pobre mulher--_já
agradou a quem tinha de agradar_.

Agora é a vez da filha ir para _a amostra_, até encontrar _senhor_.
Sujeitam-se a tudo: trabalham, quando não têm criadas, nos mesteres
mais humildes, para que as filhas desempenhem o seu papel de
princesinhas de contos á espera do principe encantado que as fará
soberanas de deslumbrantes reinos imaginarios...

A rapariga, assim preparada, casa emfim, realisa a sua ambição, está
finalmente _arrumada_--como é vulgarissimo dizer-se quando uma noiva
passa, sorridente e confiada, dos mimos da casa paterna para os braços
de um homem que na maior parte das vezes é quasi um desconhecido.

Pobres dellas!... O que julgam o _fim_ é apenas o _principio_--da sua
árdua missão de mãe de familia.

Deixou de ser uma criatura sem deveres nem responsabilidades, a quem
tudo se perdôa e desculpa, para ser a pedra basilar desse sagrado
templo que se chama o lar.

Vai sêr _a mãe_! Vai pertencer-lhe, só a ella, por longos e dolorosos
mêses, viver da sua vida, alimentar-se com o seu sangue, sentir pelos
seus nervos, um pequenino ser informe que é o seu filho, que será para
o futuro um homem ou uma mulher, que poderão ser uns criminosos ou uns
santos, doentes ou sãos, devido, em muito, aos cuidados, preocupações e
higiene moral e material da mãe.

Nascido para a vida, é ainda o objecto dos seus cuidados e amôr. Treme
pela sua fragil existencia, alimenta-o com o seu leite, acalenta-o no
seu regaço,--continúa a viver da sua existencia, póde assim dizer-se.

A mãe sente-se satisfeita com esses cuidados que dispensa aos
pequeninos seres, que lhe enchem de ternura e de encanto o coração;
e, cuida, justamente, que ninguem será capaz de os tratar e amar como
ella...

Mas esta mulher tão cuidadosa e carinhosa não é, não pode ser, uma
bôa mãe! Só o instincto a guia, e o homem de hôje é por tal fórma o
producto de costumes e civilisações sobrepostas, que deixou ha muito de
ser o _animal de instinctos_, segundo a natureza, para ser um producto
de arte e de trabalho e de paciente cultura.

Educar uma criança de hôje, não é manda-la para a escola para que saiba
lêr e escrever; é muito mais do que isso!

Ainda antes de nascer, já a criança deverá ser respeitada e amada,
cohibindo-se a mãe de muita coisa que a póde prejudicar, cuidando do
seu proprio somno, da sua alimentação, e da sua higiene, para que
a delicada planta humana desabroche vigorosa e possa resistir e
desenvolver-se propiciamente.

Conhecem, por acaso, a maior parte das mães, a responsabilidade duma
gravidez?

Sabe a mulher que casou com a educação que descrevemos, que do
conhecimento e da prática de simples noções de hygiene póde evitar
aos seus filhos terriveis males, quasi todo o estendal das doenças
infantis, que levam para a terra centenares de corpinhos inermes:
desde a enterite, que faz das mais lindas creanças pequenos cadaveres
ambulantes, até á atrepsía que, sob as côres rosadas da saude, disforma
o esqueleto, dobrando as pernas em arco, dando ás criancitas o andar
grotesco de _marrequinhos_ fóra da agua?

A propria tisica, a escrofulose, a anemia, como as inúmeras nevróses
que desvairam a raça humana, são quasi sempre evitaveis se uma vida
infantil regular e higienica tonificar o organismo e o preparar com a
resistencia precisa para o triumfo dos principios vitaes.

Partindo do cuidado, quasi só material, dos primeiros dois ou três
annos, a missão da mãe redobra a cada passo de dificuldades e requer
toda a inteligencia e a tenacidade duma grande obra.

É então que todos os desvelos serão poucos para vigiar a consciencia
que vai despertando, e que é necessario começar cedo a ser educada e
dirigida para o bem.

Não faltará quem se ria ouvindo falar em educação duma criança de três
ou quatro annos; e, no entanto, nada mais sério e nada mais util do que
saber aproveitar a franquêsa dessa idade, que ainda não sabe mentir,
para conhecer na criança o homem ou a mulher que será no futuro. É a
ocasião de poder aproveitar todas as qualidades de um caracter e até os
seus defeitos, e convertê-los em virtudes, sem torcer a vontade nem o
temperamento individual.

E a mãe, a _pobre mãe_, que é a mulher da qual descrevemos o casamento,
começa então a sentir que o seu filho se lhe escapa dos braços,
arredando-se-lhe do coração, alheando-se-lhe do espirito.

Dahi em diante, a criança, pela vida e pela alegria da qual ella
sacrificaria gostosamente a sua propria vida, dá cada dia um passo que
a tornará uma estranha para aquella que lhe devia ser a mais certa e
mais respeitada guia.

É quando, cheia de curiosidade, começa a abrir os olhos do espirito,
que se não fartam de luz, e pergunta tudo quanto existe, tudo quanto
lhe fere a atenção, sempre desperta e voluvel.

As coisas mais simples, como as coisas mais complexas, tudo procura
saber e tudo é preciso que se lhe explique duma maneira comprehensivel.
É o momento unico de lhe dar noções que nunca mais esquecem e que
pela fórma estejam ao alcance dos seus poucos annos e rudimentar
inteligencia, mas pela substancia resumem os conhecimentos e verdades
que lhe serão uteis pela existencia fóra.

Se a mãe não responde, a criança desinteressa-se de coisas sérias e
torna-se futil, ou vae fazer as suas perguntas ao pai, quasi sempre
mais culto, e que por esse motivo passará a ser considerado superior á
_mãe ignorante_. Se a mãe, não querendo passar aos olhos da criança por
inferior, diz uma coisa ao acaso, que não é precisamente a verdade, o
mal é ainda peor porque não tardará que a criança saiba, por estranhos,
o contrario do que lhe disseram.

E não imaginem que ella esquecerá, não! Na primeira ocasião saberá
mostrar a sua estranhesa.

Cresce: da escola _para sujeição_, onde a mãe a meteu por ser
impossivel tê-la em casa desde os três annos, passa a frequentar as
aulas públicas. Tem os seus compendios, que lhe falam de coisas de que
não tinha a menor noção; cada passo é uma dificuldade, cada palavra
um barranco, cada materia uma novidade, que o professor, entre tantos
discipulos a reclamar-lhe a atenção, não tem tempo de aclarar-lhe o
sentido. De lagrimas nos olhos, o livro na mão, a criança irá procurar
aquella que mais estima, e que mais tem tido chegada ao coração desde
que existe, para que lhe explique o que não comprehende. E a _pobre
mãe_ não saberá auxilia-la, terá de confessar a sua impotencia, a sua
ignorancia, diante do filho que se desespera!

Quantas vezes, indo encontrá-lo a cabecear sobre o livro que não
comprehende, a mãe não teria desejo de tirar-lh'o das mãos e, numa
clara leitura e uma inteligente explicação, fazê-lo aprehender o
sentido que lhe foge?!... mas... a _pobre mãe_ não o poderá fazer,
porque não sabe tambem! E quantas vezes a sua revolta de ignorante não
se torna uma defesa para a criança mandriona, que repetirá o que lhe
ouve:--_Para que serve saber isto ou aquillo? Sem estudar tambem se
come e bebe!..._

Se a criança é estudiosa e inteligente, em vez de pensar com leviandade
sobre o assumpto, com a aprovação da mãe, concentrará todo o seu
espirito no estudo e irá perguntar aos estranhos o que em casa não
poude saber.

A _pobre mãe_ será, aos olhos de seu proprio filho, uma _ignorante_,
uma _inferior_.

De dia para dia esta convicção se irá radicando no ânimo da criança, á
medida que fôr adquirindo conhecimentos, desenvolvendo a inteligencia.

O trabalho que se faz no seu espirito é lento, mas é seguro. Homens
e mulheres feitos, não deixarão de amar as mães--quem o duvída?--Mas
com esse amôr protector que se tem a uma bôa e dedicada ama que nos
acalentou e amimalhou na infancia, o amôr deprimente que se tem pelos
inferiores; não o sagrado afecto do filho, que o é, triplicemente, pelo
sangue, pela amamentação e pela inteligencia desabrochada ao calôr do
ensinamento materno.

O convencionalismo, a mentira social, encobre com falsos sentimentos
verdades que julga crimes, mas que a natureza, na sua rudesa primitiva,
não considera tais. Assim, quando a uma criatura em evidencia, pela sua
nova posição social, se descobre uma quasi vergonha que as faz esconder
a inferioridade dos pais, todos se indignam e lh'o lançam em cara como
sangrento insulto.

Parece-nos um _crime contra a natureza_, mas na realidade é um
sentimento bem humano e desculpavel nessas criaturas roídas de
ambições, na ânsia de fruir gosos inéditos para os nados e criados na
pobresa.

Quanta superioridade de ânimo lhes seria precisa para fugir ao
mesquinho ponto de vista duma sociedade, que, se por um lado exproba
esses sentimentos como um crime, por outro lado ri impiedosa dos
ridiculos familiares de que o individuo não é culpado. Quanta vaidade,
quanto orgulho amachucado, curtirão esses que querem aparentar
grandesa e se vêem acorrentados á ironia dos seus inimigos por uma
longa série de criaturas inferiores que irremediavelmente os prendem á
mediocridade!... É das mais tragicas e ao mesmo tempo das mais comicas
situações que a civilisação democratica dos nossos dias trouxe á
babugem das suas ondas, de envolta com os _parvenus_, tão invejados por
uns como despresados por outros...

Podemos considerar uma inferioridade de espirito esse sentimento de
_vergonha_ pelos seus? Certamente.

Mas não é nobre e alto do coração quem o quer ser. Nós todos, com os
nossos assomos de independencia, não somos mais do que o producto
do meio em que vivemos e nos criámos, os productos duma bem ou mal
orientada educação, um conjuncto de convenções e mentiras numa
sociedade construida sobre aparencias e falsidades.

Não condemnemos pois o filho que no seu intimo despresa
intelectualmente a mãe, que no entanto estima e até julga respeitar.

A mulher tem bastante intuição, mesmo quando é ignorante, para
comprehender o sentimento que inspira aos filhos. Embora se resigne
dôcemente, no seu apático papel de tutelada, essa convicção deve-lhe
ser amargurosa.

Para seu bem, e, mais ainda, para bem da sociedade que não póde já
dispensar-lhe o concurso, preciso se torna que a mulher sáia desta
situação que a inferiorisa, e a inutilisa como factor importante da
civilisação.

Comprehendendo a vida pelo estudo da grande mestra Natureza, é preciso
que a mulher se convença de que se não é _bôa mãe_ só porque se deu
vida a uma criança, que no seu seio se gerou e completou e com o
proprio leite se nutriu, rodeada de mimos e cuidados durante a infancia.

É preciso que a essa maternidade puramente material se alie a nobre
maternidade do espirito e da educação--unica que lhe dará a garantia
de possuir o respeito e o afecto confiado dos filhos, que sempre
encontrarão nella avisado conselho.

Procurando nos animais o exemplo que nos oriente, vemos que todos elles
desconhecem a mãe (porque o pai lhe é quasi sempre um estranho) desde
que a criança se tornou forte e dispensou o ensinamento e a guia que
nos primeiros passos lhe eram indispensaveis.

O mesmo succede ao homem, que se vai distanciando intelectualmente da
mãe desde que deixa de lhe ser conselho e auxilio dos tenros annos.

Todo o falado amôr poetico pela mãe, é apenas o producto duma convenção
sentimental adquirido pelo homem á medida que se foi civilisando.

Talvez até uma simples questão de moda trazida pelo romantismo, como os
_nefelibatas_ e _simbolistas_ nos déram ultimamente nos seus lirismos
as velhas criadas e as boas amas...

Durante o naturalismo forte da Renascença, a _mãe_ é completamente
esquecida pelos poetas e prosadores. Nas proprias telas a _mãe_
glorificada pelo pincel dos mestres é a _Virgem_, a mãe fóra da
humanidade!

Como reação ao culto da mulher amante, soberba da sua belleza e da sua
força, veio o culto, bem mais postiço, da mulher, só porque o acaso a
fez mãe.

A mulher póde e deve obstar, pelo esforço da sua energica vontade, á
grande amargura que a espera quando a alminha radiosa do seu filho vai
fugindo ao convivio do seu pobre espirito inculto para se lhe tornar
quasi um estranho.

A mulher, na classe a que me tenho referido nestas paginas, pode
educar-se a si mesma, que não lhe faltam meios para o fazer.

Se o não fizer abdica dos seus direitos, exactamente quando mais
alegrias compensadoras lhe trariam.

Agora que o homem começa a olhá-la como sua igual e companheira, toda a
responsabilidade lhe cabe no despreso intimo, embora inconfessado, que
a sua ignorancia lhe merece.



A MISERIA DO POVO


É incontestavel que um certo movimento altruista se propaga pelo
paiz--secundando, ainda que frouxamente, o que nos outros se faz--em
favôr dos _pobres_, principalmente da mulher e da criança.

Uma grande revolução se está preparando, e, como todas as grandes
revoluções que têm transformado as sociedades, começa por revolucionar
almas, formando um núcleo de espiritos que pelo bem dos outros se
sacrificam sem esperar pagas nem incentivos de grosseiros interesses.

O mundo antigo, cheio de preconceitos e de injustiças, sente-se
derruir, sem bases seguras onde se apoiar--esfacela-se lentamente até
uma derrocada ingloria e completa.

A pouco e pouco, aqui e ali, algumas bôas obras de solidariedade humana
têm surgido da iniciativa particular, sem que os governos tenham sequer
suspeitado da sua existencia.

E bom é que assim seja, porque só a iniciativa particular, persistente,
honesta nos seus processos, sem charlatanismos oficiaes nem interesses
politicos a desprestigiá-la, póde fazer mais em poucos mezes do que
cincoenta annos dos embaraçantes processos de todos os governos.

É della que tudo ha a esperar, é da acção especial dos governados
que confiâmos, pois que dos governantes pouco ou nada póde vir neste
sentido, nem é justo, verdade seja, que delles se espere tudo, como se
um povo não fosse mais do que ingenuo e eterno bébé sugando a mamadeira
que lhe apresenta a criadora.

Tudo esperar do poder central é mostrar que nada podemos
individualmente, ou que estamos satisfeitos com o pouco que nos
concedem.

Ora a verdade é que ninguem está satisfeito, porque nunca se viu
situação mais desoladora, vida mais atropelada e miseravel.

É o nosso paiz aquelle em que mais caro se come, se veste, se viaja,
e se tem morada; e aquelle em que menos se ganha, salvo pequenas
excepções, que é facil apontar. De dia para dia os generos de primeira
necessidade duplicam e triplicam de custo.

Não ha nada, desde o pão até á luz, que se não compre por alto preço;
nada que não custe ao pobre incomportaveis amarguras e suores.

É por isso que não ha paiz nenhum em que a tisica, a anemia e a
escrofulose tenham mais lauto banquete.

Fez-se, é certo, uma liga contra a tuberculose, patrocinada pelos
governos, auxiliada por contribuições obrigatorias na capital,
reclamada pelas mil tubas sonoras do jornalismo palaciano.

Não houve penna de escriptor, consagrado pelas gazetas, que se não
puzesse ao serviço da bôa causa; não houve paladino que não quizesse
descer á liça a romper lanças pelo triumfo da ideia que, partindo
modesta e util de baixo, serviu depois muito interesse, deu aso a muita
turiferação.

E no fim de tanto afan, tanto barulho, tanto elogio, o que ganhou de
positivo e imediato o povo português, na sua grande massa?!

--Come porventura mais barato?

--Tem casas higienicas, onde se abrigue por módicos preços?

--Tem hospitais para todos os seus doentes?

--Asilos para todos os seus velhos?

--Sanatorios para todos os seus escrofulosos e tisicos?

--Escolas para todos os seus filhos?

Nada disso tem, nada disso lhe deram ainda, apesar de tanto que se tem
apregoado os beneficios duma _liga_, que póde ser simpatica como esmola
particular e arbitraria duma ou mais pessoas, fazendo pouco porque
mesquinhos são os seus recursos, mas que se não deve querer fazer
passar por medida de salvação publica...

Todos reconhecem ser pouco o que se tem feito, tão pouco que se torna
inutil, para debelar um mal que vem da ruina dum povo e duma sociedade
sem orientação; dum mal que está no sangue e no espirito e que ameaça
assoberbar tudo e todos.

São incontaveis os escrofulosos, tisicos, anémicos e depauperados na
classe pobre. As mulheres definham e morrem como flôres criadas em
terra magra, sem ar nem luz; as crianças arqueiam os pobres arcaboiços,
onde mal se desenvolvem pulmões predispostos á receptividade do
microbio hostil; os homens avelhentam-se e enlividecem, numa aparente
senilidade aos vinte ou trinta annos. E tudo porquê?!

Porque a vida é terrivelmente cara em Portugal, e a maior parte da
gente não come o que necessita, vive em verdadeiras possilgas, não é
preservada devidamente do contagio das molestias que a rodeia, não é
iniciada nas mais rudimentares regras de higiene, não é educada de modo
a preferir a alimentação e o conforto das casas ao luxo do trajar e
demais exteriorisações vistosas.

O caminho a seguir por quem quizesse e pudesse remediar tanto mal, não
se limitaria a fundar sanatorios onde se gastam muitos contos de reis e
se abrigam, por empenhos, umas desenas de crianças--umas _predispostas_
apenas.

Para essas, mesmo, o bem não é grande e, principalmente, não é
duradoiro. Melhoradas pela higiene, pela alimentação e pelos simples
remedios reconstituintes, voltam desse conforto e abundancia para a
antiga e triste miseria das suas casas, tendo por destino a fatal
renovação da doença, logo que deixe de ser combatida, e será agravada
com o desespero de se vêrem privadas do bem a que já se haviam
gostosamente e metodicamente habituado.

O primeiro passo a dar, para melhorar esta situação angustiosa,
seria:--fazer baratear os generos alimenticios de primeira necessidade;
estabelecer e auxiliar cooperativas; reduzir os impostos de consumo,
que incidem principalmente sobre o pobre que compra a retalho, de modo
a que todos pudessem comer quanto é necessario para alimentar uma vida
saudavel.

Seria iniciar o sistema de cooperativas edificadoras, tão usado
lá fóra; auxiliar grandes companhias que se propozessem dar casas
higienicas e espaçosas por módico preço, aos pobres que não podem
continuar a viver como hôje vivem em antros infectos e caros.

É mais do que tudo urgente acabar com a exploração dos senhorios que
exigem por casas pessimas, loucas exorbitancias extorquidas asperamente
á economia da familia pobre.

Ter o seu lar, a sua casa, onde cada prego representa um esforço de
vontade e uma consolação de posse; a casa para onde entram os noivos
com a alma florida de esperanças, onde nascem os filhos e se podem
abrigar os velhos pais doentes; a casa onde põe todo o seu amôr o
operario laborioso, que nas horas vagas cultiva no jardim os cravos
e as rosas singelas, planta as hortaliças e levanta a parreira amiga
que lhe dá a sombra e o vinho; a casa que a mulher limpa e adorna com
esmero, porque é a _sua_, a companheira e amiga de todas as horas; a
_casa familiar_, que deixa de ser uma coisa inanimada e indiferente
para se tornar no grande sonho abençoado dos que vão para longe, e dos
que ficam abrigados á sua dôce sombra; é para o trabalhador português
uma ambição tão desmedida, que poucos a chegam a realisar.

É desta indiferença do povo que não vive _comsigo_ nem se sabe recolher
ao interior da sua habitação, ao seu lar, tornado o seu pequeno e
querido universo, que não se identifica com as suas coisas e não lhes
toma amôr, é deste viver disperso de povo meridional, que vive do ar e
do sol, e num dia de passeata alegre pelos campos encontra compensação
para todas as suas miserias; que o senhorio tem abusado elevando
disfarçadamente, cada semestre um pouco, as rendas--que são hôje um
verdadeiro crime social.

Se fossem precisos exemplos para afirmar uma coisa que toda a gente
sabe, Setubal seria, para tudo quanto dizemos, um dos mais flagrantes.

Dotada com um luxuoso sanatorio, nem por isso a doença e a miseria a
poupam mais.

A grande miseria da população (de vinte e três mil habitantes) é
composta por operarios, dum e doutro sexo, que trabalham nas fabricas
de conservas de peixe, de pescadores, e de gente de medianos recursos.

Com a afluencia de trabalhadores de fóra, as moradias têm subido a tal
preço que uma só familia não tem recursos para as pagar, acumulando-se
duas e três em antigos predios insalubres, dentro de ruas estreitas e
nauseabundas, onde mal entram o ar e o sol--os grandes purificadores.
Ha casas, se tal nome merecem, onde se não póde andar de cabeça
erguida, sob pena de a partir no tecto, e onde a escuridão é quasi
absoluta. Casinhotos terreos, ahi pelos suburbios, em que as divisorias
são feitas com cortinas de chita, e pelos quais um mísero cavador paga
por mês, _dois mil réis_, isto ganhando--quando ganha--quatrocentos
réis diarios.

Ha miseraveis velhinhas pedindo pelas portas para pagarem _dez
tostões_ mensais pelo abrigo duma barraca forrada de folha de flandres
ferrugenta, despresada pelo fabrico de conservas.

Não ha muitos invernos que numa barraca alugada pelo mesmo preço
exorbitante a uma familia de pescadores, choveu tanto, em noite
de temporal, que o marido e a mulher tiveram de abrigar-se sob um
chapéo de chuva, metendo os filhos debaixo da cama para não ficarem
completamente encharcados.

Chega a dar vontade de rir, mas do riso que é de lagrimas e de
amarguradas censuras tecido; o mesmo riso que se nos esboça numa
lástima vendo uma criança deslocar-se em acrobatices de circo.

Quantas gerações de miseria e servidão produziram a indiferença
resignada com que se sofre uma existencia de _tais alegrias_
entrétecida?!

Depois, se numa destas habitações se dá um caso de doença contagiosa,
vem a policia, a pretexto de desinfeção, rouba aos pobres a sua unica
cobertura, queima-lhe a unica enxerga, despedaça-lhe a pouca loiça,
borrifando paredes, sobrados e moveis com sublimado corrosivo!...

Urgente seria organisar a fiscalisação sanitaria, de modo que a
desinfeção fosse uma coisa séria e prática e não um vexame ou um
ridiculo como é,--méra providencia policial quando se tóca a rebate
numa ameaça de epidemia.

O que faz então o pobre, victima destas _providencias_ policiaes? Para
não ficar mais desnudado do que dantes, arrecada, esconde tudo quanto
serviu aos doentes, não sabendo--na sua extrema ignorancia e desoladora
miseria--que arrecada sôfregamente a morte, que não pára nem descança
de trabalhar nesse fertil campo.

Não seria prático, simples, justo, e até quasi nada dispendioso,
que nos proprios hospitaes se montassem estufas de desinfeção para
as roupas de todos os doentes e de todos os que morrem de molestias
contagiosas; e que a policia se encarregaria de fazer conduzir ali,
para essas roupas serem reentregues quando já não constituissem um
perigo para os seus possuidores?!

E se ainda os males fossem só estes! Mas a juntar a tantas desgraças
que podemos chamar materiaes, ha outras e outras que se prendem de
perto com as obrigações moraes dos dirigentes e dos educadores.

Ha, por exemplo, quem fiscalise as condições em que se realisa o
trabalho das mulheres e dos menores? A lei que o regularisa é letra
morta, e uns e outros trabalham nas peores condições higienicas e em
todos os tempos e horas, inferiorisando-se fisicamente, deformando e
afeando cada vez mais a nossa raça, que foi bella e fórte.

A mulher não tem quem a eduque e oriente, quem a ensine a respeitar-se
e a respeitar em si mesma o futuro dos filhos; e ou não trabalha nada,
porque o homem a sustenta e veste, ou se sujeita a tudo, desempenha os
mais penosos serviços, quer livre quer em vesperas de ser mãe.

Filhos nascidos, quem pensou em lhes abrir as créches, as
escolas-infantis ou maternaes, os asilos-oficinas?... Quem pensou em
juntar essas mulheres, irmãs na desgraça, para lhes ensinar como,
agremiadas, se poderiam socorrer e fugir á extrema miseria, á doença
sem conforto, á fóme dos dias sem-trabalho?

Quem fez sentir aos operarios, a muitos que ganham bastante, mais do
que qualquer empregado publico, que a sua grande força estaria na
modestia do viver, no cuidado que puzessem em criar higienicamente e em
educar os seus filhos?

Quem lhes faz sentir, sem azedume, o ridiculo do luxo que ostentam,
nas mulheres e nos filhos, imitando as burguêsas que dizem despresar?
Quem lhes incutiu, com as preocupações mais altas do espirito, o horror
a essas festas em que a saúde e o dinheiro por igual sofrem um forte
abalo?

Como quasi todos os portuguêses, não pensam quanto melhor seria
possuirem a casa onde habitam e nasceram os filhos, que os viu sorrir
e crescer, que lhes conhece as lagrimas e as alegrias. Quanto seria
preferivel, á taverna que os envenena e fére toda a sua geração, o
theatro que educa e diverte, criando uma atmosfera mais pura para
o espirito. Quanto mais proveitoso lhes seria fundar e frequentar
bibliothecas, serem emfim os iguais ou superiores aos que hôje imitam,
não pelo trajar que é vaidade de pouca monta, mas pela educação e pela
consciencia dos seus direitos e deveres!?

Cigarras imprevidentes e tagarelas, nos dias quentes de bôa féria, quem
entre nós os póde criticar?

Defeito de educação, defeito endemico na nossa terra, que vem descendo
do alto, num turbilhão de vaidades insatisfeitas, numa aspiração
desenfreada de ser mais do que efectivamente se póde ser, pelas
exteriorisações da vida faustosa, com vestidos ricos, numa inveja que
faz imitar sempre os que julgam acima, na escala social...

Mais do que uma liga contra a tuberculose, tal como se tem manifestado,
seria proveitosa á nossa raça devastada pela doença, uma liga contra a
fóme e contra a ignorancia que tudo obscurece e preverte.



A IGNORANCIA DO POVO


Não ha ninguem que não tenha ouvido, pensado, ou dito centenas
de vezes--que o maior mal do nosso paiz é a ignorancia, que o
analfabetismo é a causa mais flagrante da nossa decadencia moral.

É realmente a verdade, a triste verdade que nos envergonha e
inferiorisa aos nossos proprios olhos.

Mas são _sómente_ os governos os grandes responsaveis d'este atraso
vexatorio do nosso paiz?

Não corresponde o desleixo em que os governantes têm deixado cahir a
instrução publica, á criminosa indiferença individual dos governados
por essa instrução geral, que é o orgulho dos paizes cultos?!

Não são os governos que fazem os povos, mas os povos que fazem os
governos; e estes, forçosamente, hão de promulgar e cumprir as leis
que a consciencia colectiva e fórte duma sociedade reclama, porque
correspondem a uma necessidade ou a uma aspiração nitida da alma
popular.

Assim o prova o pouco mais de interesse que a instrução do povo vae
despertando entre nós, mercê das reclamações e lamentações que de ha
poucos annos a esta parte se vem ouvindo, numa propaganda lenta, mas
fructuosa, de alguns espiritos dedicados.

O governo deve auxiliar a iniciativa individual, deve, por assim dizer,
sancioná-la e impulsioná-la; mas ser elle sómente o encarregado de nos
dar todos os progressos e todos os melhoramentos, é inadmissivel para
espiritos que aspiram a ser livres e desejam uma patria livre.

Nos paizes cultos, sob os governos mais inteligentes e progressivos,
o que vêmos? A iniciativa particular realisar tudo ou quasi tudo, e os
governos adoptarem os melhoramentos, auxiliarem-nos, serem como que o
vigia dos actos individuaes, não o _tutôr_, a _Providencia_, que nós
pretendemos que seja, por preguiça de pensar e trabalhar.

Depois duma senhora fundar em Paris a _Maternidade_, a instituição que
mais eleva o espirito altruista do nosso tempo, é que a municipalidade
resolveu imitá-la, criando por seu turno outra casa similar.

Foi depois de miss Nightingale educar e apresentar as suas enfermeiras
modelos, livres de todo o espirito de sectarismo e instruidas segundo
todas as regras da higiene moderna, que o governo inglês as enviou á
Crimeia, onde déram as suas primeiras e brilhantissimas provas, e as
adoptou nos seus magnificos hospitaes, onde são exemplo para todo o
mundo.

Por toda a parte se fundam institutos, se realisam obras de
solidariedade, protectoras e pedagogicas, que os governos sancionam
depois, que ajudam a manter e a espalhar, se o resultado corresponde
aos sacrificios exigidos.

Decretar no papel sem que a prática mostre que a inovação está de
harmonia com o caracter etnico do povo, corresponde a uma necessidade
colectiva ou foi precedida duma propaganda inteligente e conscienciosa,
dá o triste resultado que produzem no nosso paiz as reformas, em geral,
e a da instrução em particular.

Senão, vejâmos. Como todos sabemos, estão criadas escolas e decretada a
instrução obrigatoria ha tempo bastante para que a actual geração fosse
filha, e até neta, de gente sabendo lêr.

E o que sucede?

O numero de analfabetos é enorme, e os que sabem alguma coisa é tão
pouco, e tão mal aprendido, que mais se póde dizer que igualmente nada
sabem.

Isto porque o professor é, em geral, uma pessoa que arranja esse oficio
como podia arranjar outro qualquer, sem vocação, sem comprehensão do
que seja o ensino e da responsabilidade com que vai arcar, tomando
sobre si o encargo de iniciar pequenos cerebros obscuros no luminoso
cultivo intelectual.

É muito grave e delicado o oficio, e não sei de quem o possa tomar de
ânimo leve, só com mira nos magros proventos.

O verdadeiro professor é o sacerdote das ideias, que levantam e comovem
hôje a humanidade.

Por elle, a criança deveria ter do estudo a ideia prática e util que
é a base de toda a educação moderna, mórmente se é dada a pobres, sem
tempo para perderem em inutilidades e bonitos. Por elle, a criança
deverá receber uma noção simples, mas geral, de tantissimas descobertas
com que dia a dia se augmentam os conhecimentos humanos, e saberem a
maneira de utilisarem pràticamente o que aprenderam.

Mas não sucede assim. Os professores, miseravelmente remunerados como
são, sem coragem nem iniciativa para luctar, alguns educados por
processos archaicos, sem uma feição prática e utilitaria no seu método;
como hão-de ensinar o que não lhes foi ensinado e não podem aprender
por si, pela carestia da vida, e até pela falta de pequenas bibliotécas
de vulgarisação e ensino? Por isso elles se não interessam senão por um
ou outro dos seus discipulos mais inteligentes, que irá a exame e lhe
dará honra e lucro, se a familia é abastada.

Os outros, a turba-multa, quando o trabalho os reclama para fóra da
escola, mal sabem soletrar, escrevem a custo os seus pobres nomes
obscuros, e não chegam a comprehender que vantagem lhes pode advir
d'esse _favôr_ da _sociedade_.

E estes são ainda os que vão á escola, que a grande maioria,
principalmente nos campos, nem sequer se incomoda a frequentá-la.

É verdade que ha leis que obrigam os pais a mandar os filhos á escola;
mas que monta se essa mesma lei exige dos pequenos estudantes o uso
de sapatos, e os pais, não tendo para comer, dispensam muito bem essa
exigencia da civilisação?

Fazem-se leis obrigando os pais a mandar os filhos para as escolas; mas
que importa isso se para aprenderem precisam de comprar livros, que
são carissimos, e elles não têm que lhes sóbre para pão?

Fazem-se leis obrigando os pais a mandar os filhos á escola; mas como
poderão estar as crianças umas poucas de horas sem comer, visto que os
pais lhes não podem dar merenda e cá por fóra sempre vão apanhando _dez
reisitos_ em troca de pequenos serviços, rebuscando, farejando, pedindo
como cães vadios, mas comendo afinal?!

Fazem-se leis obrigando os pais a mandar os filhos á escola; mas de que
serve isso se a escola é de dia como a oficina e a fabrica, e os pobres
não podem dispensar o trabalho das crianças, já ganhando o seu pequeno
salario, já ficando em casa com os irmãositos, emquanto as mães vão
moirejar por fóra?!

Segue-se pois que a criança do povo está condemnada a uma eterna
penitenciaria de ignorancia, se antes da escola não houver a _créche_,
não houver o hospital para parturientes, e, antes do hospital, não
houver a _maternidade_, que é a casa onde a mulher pobre passa com
descanço salutar os ultimos mêses da gravidez; se, ao lado da escola,
não houver a oficina escolar, o asilo modelo donde a criança, rapaz
ou rapariga, sáia preparada para entrar desassombradamente na vida,
sabendo ganhar a sua subsistencia pelo oficio que escolheu. Da escola,
assim acompanhada, deverá a criança sahir sabendo lêr, escrever e
contar, sabendo sobretudo trabalhar metodicamente e com nobre orgulho
da sua profissão.

Ora é isto o que os governos, só por si, não pódem fazer se os não
auxiliar a bôa vontade e iniciativa particular, já fazendo propaganda
entre o povo, já distribuindo livros gratuitamente, fundando escolas
e bibliotécas, dando premios ás crianças aplicadas, contribuindo para
tornar a casa de estudo artistica e agradavel, ensinando mesmo os
professores e fornecendo-lhes maneira de se educarem nobilitando o
ensino, por assim dizer.

É da iniciativa particular que devem partir as bôas ideias exequiveis,
que o governo será obrigado a auxiliar e adoptar, quando a opinião
pública as impônha.

É isto o que é preciso fazer e é isto o que esperâmos vêr realisado
em breve no nosso paiz. Porque, ao lado de muitos que usam a caridade
mirabolante como orchidea de fantasticas fórmas para espanto das gentes
rastejantes, ha lucidos espiritos que fazem o bem pelo bem, como um
dever, como um simples acto de justiça.

Porque dever, porque justiça, é pensar nos que têm fóme, nós que nunca
lhe sentimos os tormentos; é pensar nos que são ignorantes porque
não têm maneira de se educar, nós que nascemos num meio em que nos
instruimos sem querer; é pensar nos que sofrem vendo os filhos fenecer
e morrer por falta de alimentação e higiene, nós que podemos criar os
nossos em melhores condições.

É pensar em todos os que sofrem, sem razão para sofrer,--só porque
o acaso os faz nascer num pobre albergue em vez de casa rica ou
remediada--mas não para lhes dar a esmola que deprime e desmoralisa,
que habitúa o espirito aos favôres do acaso, e que é injusta porque
obedece ao arbitrio individual, mas para dar sem distinção nem favôr,
a todos, porque todos o merecem, a educação que enobrece, a luz que
vivifica, o alimento, o ar, a agua, a casa, a saúde e a alegria emfim,
a que todo o ser humano tem direito.

Não é o luxo, não é o superfluo, que é forçoso dar, é apenas o
necessario, apenas o que é justo.

E se todos, principalmente as mulheres, puserem nesta campanha a
energia do seu querer, a nobrêsa da sua dedicação, temos o direito de
esperar uma hora breve de mais justiça e de mais alacridade para este
miseravel povo português, amortecido pela ignorancia e pelo sofrimento.



MULHERES DESNATURADAS, MÃES DESNATURADAS


É vulgar encontrar-se na leitura diaria dos jornaes titulos assim
alarmantes, sob os quais os reporters juntam á pressa meia dusia de
adjectivos ferozes, na narração detalhada de qualquer crime, ou simples
tentativa, de infanticidio.

Não ha muito ainda que dois jornaes dos que se dizem mais livres
encimavam umas vulgares noticias do genero com os titulos que
reproduzimos.

Numa, era a criada de servir que voltava da terra com o filho
recem-nascido dentro duma canastra e que o atirára pela janela do
vagon em que viajava, se um empregado não evitasse o medonho crime.

A outra era um simples caso de engeitamento, por miseria, tambem por
parte duma criada de servir.

Ora quando jornaes avançados, que se dizem desprendidos da rotina e do
preconceito, usam para tais casos de tão violentos epítetos, o que não
dirão os outros, os arbitros triumfantes do convencionalismo burguês,
os fartos interpretes duma sociedade hipocrita, que nas prégas do seu
manto de pudicicia abriga crimes mais revoltantes do que os cometidos
por esses _monstros moraes_ descriptos com tanto asco!?

_Mães desnaturadas_, essas miseraveis, decerto! Mas com quanta desculpa
a atenuar-lhes a brutalidade do delicto!

E a justiça a que aspirâmos, a justiça nobre e alta que é o objectivo
supremo do nosso ideal de nova sociedade melhorada e feliz--quanto
é licito ao homem sê-lo, sem cuidados de sobre-posse nem exigencias
loucas--a justiça que não se cobre com leis, nem venda os olhos para
não discernir, não póde castigar todos os casos pela mesma rigorosa
interpretação dos codigos, não deve julgar sem atender ás determinantes
e, sobretudo, ao gráu de responsabilidade do delinquente.

Poderemos, acaso, esperar do ignaro e rude trabalhador--que de sol a
sol tira dos musculos o esforço que produz o pão do seu alimento e o
dos filhos, e á noite, extenuado e brutificado, adormece pesadamente,
até que novo sol lhe traga novas canceiras, e alegrias tambem, mas
rudes e vulgares como a sua alma deseducada--poderemos, repito, exigir
a esse a mesma visão clara, a mesma responsabilidade moral que deve
existir no homem culto que no recesso da sua alma pesa e mede os seus
actos, conhecendo leis, conhecendo direitos e deveres?!

Poderemos chamar a essas mulheres _mães desnaturadas_, porque abandonam
um filho, que já fôra abandonado pelo pai? Um filho que não seria mais
do que um tropeço para a sua vida de trabalho; que hôje lhes custaria
a sustentar com a escassa soldada de criadas de servir e ámanhã
lhes custaria mais, infinitamente mais, a vestir, a alimentar e a
educar?!...

--Queria matá-lo, sinistramente, arremessando-o á linha a toda a
velocidade do comboio, por uma noite escura e tragica, como quem alija
demasiado pêso na lucta de um naufragio, como quem num esforço se
alevanta e sacode dos hombros um fardo com que não póde...

E não era esta exactamente a verdade? Quem ensinou a essas mulheres de
vinte annos, abandonadas á propria sorte, pontapeadas pela sociedade,
enganadas pelos homens, servindo quem as despresa e maldiz, só
toleradas porque são uteis--bestas de carga para criarem e servirem os
filhos alheios--quem lhes ensinou a ser mães?

Quem lhes ensinou sequer a ser mulheres, na acepção nobre e alta da
palavra, e não tão sómente a femea brutalisada e despresada pelo homem,
quando o saciamento matou o desejo carnal?

Quem lhes disse que o fructo que de seus efémeros amôres lhes ficou nas
entranhas é um ente crédor a todo o seu respeito--já não digo ao seu
afecto, que se não póde obrigar--de que são apenas as depositarias e
sobre o qual não têm direito de vida ou de morte, embora da sua propria
vida se alimente?!

Quem lho terá ensinado?

A lei, mandando-as depois do crime feito para um presidio ou para uma
penitenciaria? Não, porque a lei não ensina os ignorantes, vinga nos
culpados os sentimentos conservadores da sociedade que a fabricou.

A lei, cahindo rígida e inexoravel sobre a cabeça de um condemnado, que
lhe não conhece o alcance, não converte um criminoso, cria um hipocrita
ou um revoltado.

Quem ensinou essas desgraçadas que hôje choram no segredo do
aljube,--não de remorso, que não podem sentir, mas de pavôr--que era um
crime menor aos olhos da sociedade, que só cura de aparencias, em vez
de abandonar ou matar um filho nascido, tê-lo desfeito misteriosamente,
quando ainda mergulhado na noite da sua vida uterina, mas com tanto
direito á luz e á existencia consciente como depois de nascido?!

É de presumir que tenham tentado primeiro esse crime como tantas que
se vêem a braços com uma situação tão absurda e condemnada, quanto é
vulgar e desculpavel.

Alguem lhes incutiu na consciencia essas simples noções de sã moral?

Certamente ninguem em tal pensou.

E se o que ellas praticaram, ou tentaram praticar, é um crime
abominavel, o outro não o é menos. A diferença está em que um é
conhecido, impõe-se pela brutalidade do facto; o outro é ignorado, não
se prova facilmente e é praticado a sangue frio por muitas mulheres que
se dizem honestas e para as quais a sociedade não ajunta pedras com que
as lapíde, nem escancara aljubes onde as sepulte.

--São peores do que as féras--dizem os moralistas que se não pejarão,
talvez, de deixar outras mulheres na mesma situação embaraçosa--porque
todas as femeas têm o instincto da maternidade e todas, em geral, se
sacrificam pelos filhos.

Opinião já feita e que não representa mais do que uma vulgar figura de
rétorica, que a sciencia desmente a cada passo.

O instincto não é igual em todos os seres, pois os mais infimos na
escala zoologica como os mais superiores individualisam-se no seu modo
de sentir.

Se ha caracteristicos proprios a uma certa raça, entre essa mesmo
salientam-se individuos cujas qualidades e defeitos são uma negação de
todas as regras.

É certo que o instincto da maternidade é um caracteristico de todas as
femeas, e, no emtanto, ha muitas, entre os animaes, que matam e até
comem os filhos.

Ha mulheres que fazem pelos filhos os mais inacreditaveis sacrificios,
tudo lhes dando, tudo achando pouco para elles; como o pelicano,
arrancam de si proprias as pennas com que lhes afôfam a existencia. São
as instinctivamente mães aquellas que se deixariam matar antes do que
vêr maltratar um filho. A javarda ama tanto as suas crias, que persegue
até á morte o caçador atrevido que lhe rouba um bacorinho da ninhada;
e, no emtanto, algumas ha que os comem, quando a próvida natureza lhes
deu mais do que podem aleitar.

Estas tambem obedecem ao seu instincto, forçando a lei que nos dá,
naturalmente, a seleção da especie.

E o que é o homem sem educação mais do que um animal de instinctos
baixos, dotado de faculdades imitadoras para simular os gestos e a voz
dos outros homens?!

A superioridade do ser humano não consiste em andar com a espinha
direita e em poder erguer a cabeça para a luz, não! A sua superioridade
está em comprehender a justiça e ter a consciencia do bem, coisas que
sómente a educação póde incutir no espirito dos que não têm comsigo a
bondade instinctiva dos doceis.

Condemnar sem defêsa nem atenuantes a mulher desprovída de recursos,
exposta ao escarneo e ignominia da sociedade, quando abandona ou mata
um filho, é impiedoso.

Se fosse uma criatura heroica poderia reparar o que se convencionou
chamar _falta_, tirando do seu trabalho, miseravelmente pago, a
sustentação do filho. Mas não é heroi quem o quer ser, e o egoismo
individual é por vezes tão imperioso, que a criatura se ergue num
desespero bruto de féra que quer viver, despedaçando tudo quanto lhe
embaraça os movimentos e lhe pêa a satisfação das suas necessidades
materiaes.

Sentimentos, afectos, inteligencia, tudo se obscurece e oblitéra
perante as exigencias materiais da vida, que a sociedade, á força de
querer melhorar, transformou em lucta sangrenta em que sucumbe a maior
parte.

--É preciso castigar--dizem ainda os moralistas, na velha teoria
inquisitorial e barbara--é preciso dar o exemplo, atemorisar...

Mas, para quê, perguntâmos?!... Se o acto criminoso depende da tára
fisiologica que dispõe determinada criatura á loucura do crime, como
tornar um doente responsavel pelo seu mal?

Se o delicto fôr determinado ocasionalmente, pelas condições especiais
da existencia, o mal tem remedio, e deve remediar-se, acabando com os
factôres que concorrem na sociedade para que tantas desgraçadas sofram
o que essas pobres estão sofrendo agora.

Conheci uma criatura que, estando a servir, lançou um filho
recemnascido numa cloaca, como quem, enojado, deita fóra um trapo
imundo. O que a não impedia de que fosse uma pobre criatura humilde
e inofensiva, e de ser para os outros filhos, senão uma bôa mãe no
sentido completo da palavra--o que a ignorancia e a pouca inteligencia
lhe não permitiam--pelo menos amoravel e dedicada, sacrificando-se para
os alimentar e vestir.

O que determinou essa mulher a cometer tão repugnante crime? A
circunstancia ocasional de estar bem numa casa donde não queria sahir e
da qual seria fatalmente expulsa, conhecido que fosse o seu estado.

O instincto maternal existe, certamente, mas a miseria umas vezes,
outras a educação, o egoismo e as exigencias brutais da vida, têm-no
obliterado em grande parte das almas femininas. Como se explicaria por
outro módo o horror ao filho, que existe, que é flagrante, em quasi
todas as mulheres casadas?!

A alegria com que muitas proclamam não terem filhos que lhes dificultem
e atropelem a existencia, estarem assim socegadas nos seus lares sem
crianças, é uma bem clara próva. A indiferença com que a mulher pobre
vê _ir para o céo_ o filho que a sua incuria, quasi sempre, mata, é bem
conhecida dos medicos para precisar ser mais frisada.

E isto não é um mal dos nossos dias nem da nossa sociedade, é hôje como
hontem, como será sempre.

Á proporção que o individuo se civilisa, isto é: tem a noção mais
clara do bem-estar que lhe póde advir não se sobrecarregando com
responsabilidades, que nem sempre tem a certeza de cumprir, começa o
horror ao casamento e consequentemente aos filhos que o embaraçam.

Isto que nos parece um facto peculiar dos nossos dias, e tanto
sobresalta a França, já se deu na Grecia, já se deu em Roma, com maior
intensidade ainda, não obstante todas as leis e costumes que compeliam
o homem a constituir familia e a dar filhos á republica.

Apesar de tudo, o horror ao casamento manifestava-se, principalmente
nas mulheres, que fugiam, pelo celibato, aos encargos da maternidade e
ao captiveiro do lar.

Depois, se chamarmos a essas mulheres, que a ignorancia e a miseria
desculpam, _mães desnaturadas_, que palavras achariamos no dicionario
para as ricas e ociosas, que ao nascerem os seus filhos os atiram para
os braços duma ama, que depois os entregam aos cuidados problematicos
das criadas de acaso, e mais tarde os afastam do lar e do conchêgo da
familia, como espúrios, para a solidão moral do collegio; não para que
estudem e se habituem cedo ao trabalho, mas para que as não incomodem
com suas traquinices e turbulencias, nem as envelheçam aos olhos dos
estranhos?!

Essas não os matam, porque a carnicería do acto repugnaria aos
seus nervos susceptiveis e seria tão repulsivo, para os seus finos
dedos scintilantes de joias, como matar uma galinha ou estripar
um coelho, coisas no emtanto que as suas cosinheiras fazem com a
maior indiferença. Alem disso, não lhes faz mingua o dinheiro para
os alimentar e vestir, e mais tarde--passada a idade do garridismo
pessoal--é um gosto continuar a figurar por elles e com elles.

Pobres filhos, os destas mães!...

Para as outras reclamariamos, em vez de cadeias, oficinas e casas
honestas que as recolhessem com piedade, e as ensinassem com desvelo
a amar os filhos que a sociedade tem todo o interesse em recolher e
educar para a alegria de viver e de ser util, porque na terra não ha
muito quem o seja e menos quem o saiba ser.

E esses pequeninos seres, que tanto pesam hôje ás pobres mães sem
marido que lhes ajude a criar e educar, não arrastariam pela vida fóra
a vergonha de não ter nome de pai, antes fariam recahir sobre o covarde
que fugiu á responsabilidade dos seus actos todo o despreso das almas
honestas.

Então, a sociedade, melhor orientada, não terá tanto despreso pela
mulher iludida e atraiçoada no seu amôr, que a miseria e ignorancia
tanta vez desculpa, como pela calculista maliciosa que procura o
casamento como emprego, como posição, que a livre de situações
equivocas, legalisando-lhe todos os desvarios.



A PROPOSITO DUMA GRÉVE[4]


Não obstante a quasi geral indiferença da mulher do nosso paiz pelas
questões sociaes e de intelectualidade, tenho ainda confiança na
alma feminina, tenho ainda esperança de que em breve, envergonhadas
de tantos annos gastos em futilidades, voltarão a ser as dignas
descendentes dessas mulheres portuguêsas, que fôram, entre as
mais damas das côrtes brilhantes da Renascença, das mais cultas e
espirituosas, aliando ás graças de espiritos educados a nobrêsa e a
energia de verdadeiras patriotas.

Escrevo hôje para denunciar, aos seus corações de mulheres e de mães,
uma dôr que não roça pela epopeia, mas que na sua humildade é talvez
mais aguda, que na rasteira obscuridade em que se gerou e cresce é
talvez mais amarga para as almas criadas, como as nossas, para a
alegria e para o amôr.

É adentro das nossas fronteiras, como quem diz em nossas casas, neste
lindo paiz que nos viu nascer, debaixo da caricia dulcida deste sol que
nos agasalha e alegra, que essa miseria subsiste:--mulheres e crianças
que se extenuam trabalhando, e não ganham, com o seu trabalho, o quanto
lhe baste para matarem a fome.

Sabemos nós todas, as mulheres:--que não pertencemos á galeria das
privilegiadas, que dispensam, por abundancia de meios, conhecer e
discutir o orçamento das suas casas--quanto se gasta em nossos lares
modestos, comendo sem intemperança, vestindo sem luxo.

Pensemos, pois, o que seja trabalhar uma semana inteira e chegado o
sabado encontrar entre os dedos, que o trabalho violento deformou,
meia duzia de vintens que mal chegam para um dia de fome.

É costume dizer-se para acalmar sensibilidades em sobresalto, que os
pobres, habituados a comer mal, não fazem com isso sacrificio.

Certamente que uma mulher rude dos campos, de pequenina acostumada
ao seu caldo de couves e ao feijão, com pão grosseiro por conducto,
um bocado de porco pelas festas do anno e galinha quando ha doença,
passará admiravelmente sem _fois-gras_, _ragouts_, _mayonaise_,
_vol-au-vent_ e toda a algaravía saborosa e complicada da comida
francêsa, indispensavel a paladares aguçados por estimulantes, a
estomagos gastos e que jámais se encheram com verdadeira fome.

Concordo em que uma dessas solidas camponezas felizes, que do amânho
das suas terras tira o pão caseiro que seus rijos braços fabricaram
numa nuvem de poeira e por suas mãos foi na pá atirado ao forno
aquecido; que do leite das suas cabras tira o queijo salgado, que é um
mimo para os seus paladares deseducados; que das suas oliveiras tira a
azeitona, que sabe curtir para a fartura do anno; concordo em que esta
mulher se riria desrespeitosamente se á sua merenda chamassem lanche
e em vez destas simples iguarias comidas á mão, lhe apresentassem um
prato de porcelana fina com _brioches_ e um bule de perfumoso chá.

Talvez deitasse o liquido fóra cuidando que devia comer as folhas, e
levasse os bolos para o folar das crianças.

Mas o que é cérto é que bem poucos têm essa abundancia, e que a
maioria, principalmente aquellas que a industria apanhou na sua febril
engrenagem e na oscilação das suas altas e baixas de trabalho; não têm
esse bocado de pão grosseiro, nem esse saboroso queijo salgado...

Não comer manjares poderá ser justo, mas passar sem comer é intoleravel.

Ninguem se habitúa á desgraça e á dôr; ha no organismo humano uma
revolta ináta ao sofrimento, que nos faz chorar e estrebuchar a cada
nóva vergastada do destino.

Existem criaturas resignadas e passivas, seres embrutecidos pela
miseria ou fracos por temperamento e nos quais a revolta não explúe;
mas condensada em lagrimas ella hade surgir um dia, quando os famintos,
os miseraveis, os despresados de todos os tempos, vierem reclamar o seu
quinhão de felicidade e de fartura.

Ninguem se habitúa á dôr, ninguem!, dígo-vo-lo eu, que tenho olhado com
mais curiosa piedade para os que em baixo sofrem e maldizem a vida,
do que tenho invejado e admirado os que em cima cantam a sua gloria e
triunfo.

Pois bem, para debelar ou minorar o mal de que sofremos todos, os
filhos duma sociedade que vive num perpetuo desequilibrio de elementos
economicos e moraes, a missão da mulher, irmanada ao homem, libertada
pela inteligencia, pelo trabalho e pela educação, é bem clara! O dever
impõe-se-lhe de maneira indiscutivel e manda-a entrar resolutamente em
acção.

Passaram, de todo, os tempos cavalheirescos. Presentemente ninguem se
lembraria de nos exigir que arrancassemos das panoplias as espadas
dos antepassados para armarmos os nossos filhos e mandá-los vencer
qualquer sóba indisciplinado e bravío...

O perigo não será menor nas luctas que hôje sustentam os nossos
soldados; a porção de coragem necessaria para tais campanhas, nos
longinquos sertões ultramarinos, será a mesma ou mais talvez; mas a
guerra deixou de ter para nós o mesmo sentido moral porque deixou de
ter o imprevisto de duelo, em que era factor importante o valôr e a
força individual, para ser uma carnificina de que são executores certos
os que melhores e mais numerosas armas apresentarem, os que disposerem
de mais conhecimentos e de mais dinheiro, tal como no comercio.

Quando as nações se degladiam hôje, escusâmos de esperar milagres
e prodigios dos homens; os mais fracos serão fatalmente esmagados,
embora com elles esteja a simpathia das almas enthusiastas, como
aconteceu á desgraçada Polonia, á França enfraquecida pelo Imperio, á
Grecia atolada na ultima decadencia, e ao Transvaal apesar do epopaico
heroismo dos seus filhos. Embora como a Hespanha espere muito do
orgulho e valentia dos seus soldados; como a China confie na incontavel
multidão dos seus habitantes, ou como a Russia se iluda com a força
ficticia do seu colossal territorio, povoado de analfabetos e de
revoltados.

Tudo mudou com o tempo--ideias, costumes, maneiras de vêr e de
proceder. O que aos nossos olhos parece hôje rasoavel e justo, seria
aos olhos de nossos avós o mais absurdo dos atentados ao senso comum, o
mais completo despreso pelas leis e convenções sociaes.

E, como tudo mais, a missão da mulher mudou tambem. Já não é de
passividades e resignações como dantes! Da espectadora indiferente
passou a ser figurante; entrou definitivamente na lucta--no trabalho de
preparar a alegria e o socego do dia de ámanhã.

Não admira que assim seja porque, quando os campos de batalha são a
propria sociedade em que vivemos e as armas são as ideias, a mulher tem
o direito, mais, tem o dever de entrar na lide, e, ao lado do oprimido,
do fraco, pugnar pela felicidade ou pela menor desgraça dos que sofrem.

No caso especialissimo que me impulsiona agora, ainda mais justa é a
nossa intervenção, por isso que são mulheres as que sofrem e reclamam
uma migalha para a sua fome.

No direito de solidariedade que nos assiste temos o dever de pensar em
que ha centenas de familias sem trabalho e que para essa terra socegada
e pitoresca nas abas da Estrella se mandam soldados quando se pede pão,
se responde com ameaças quando se desespera com fome.

Sem lume, sem fato, sem dinheiro, como se anuncia prenhe de desesperos
e luctas para esses miseraveis que não pedem esmola e sim maior paga ao
seu trabalho, o inverno que se aproxima cantando a tragedia das suas
dôres, nas ventanias que destelham casebres e arrancam arvores, nas
chuvas que se despenham em torrentes engrossando os rios que regorgitam
em cheias devastadoras, levando as sementeiras e trazendo a agonia nas
dobras da sua mortalha de neve...

Não nos importa saber se é exequivel a pretensão desses operarios
que usam do seu direito da gréve para discutir com os patrões como
combatentes legais, sofrendo heroicamente dias e semanas de fome, para
obter um pequeno augmento, que já lhes parece fortunoso.

Não nos importa tambem saber se é atendivel a defesa dos fabricantes
de panos baratos, que dizem pagar miseravelmente aos operarios porque
miseraveis são os seus ganhos.

Não discutimos nem julgâmos--que não nos compete fazê-lo--mas ainda
menos duvidar da convicção e da justiça dum povo que se resigna a
luctar tendo por armas a fome e o proprio sacrificio, unicas que lhes
deixamos nas mãos.

O que simplesmente nos interessa é a questão feminina, que este
incidente põe a descoberto. Foi pelo pequeno salario da operaria que
a gréve se originou, é para obter uns miseros reais para ellas que
todos os proletarios de Gouveia sustentam uma lucta heroica, porque é
heroismo, e até loucura, entrar numa gréve sem _bolsas de trabalho_,
sem _caixas de reserva_, sem meio algum de lucta e de resistencia.

Não terão razão, essas pobres criaturas ás quais se exige umas
poucas de horas de trabalho, e ás quais se dá em troca sessenta reis
por dia?!... Talvez, mas pensemos em que são como nós mulheres,
que pertencem, como nós, a um sexo que os homens chamam fraco e ao
qual cercearam todos os meios de ganhar a vida--desde a falta de
trabalho até á miseria da paga--excepto um que as inferiorisa e torna
despresiveis aos seus proprios olhos!...

É pois dever nosso, daquellas a quem a educação deu um criterio mais
elevado, pensar nessa multidão de desgraçadas que a miseria e a
ignorancia predispõem para o crime e que, não tendo familia nem homem
que as sustente legalmente, por força hão-de procurar no erro o que o
trabalho e a honestidade lhes não garante.

Emquanto individuos da nossa especie se rebaixarem tanto,
inferiorisâmo-nos tambem reflexivamente, porque a mulher não será
completamente liberta emquanto houver desgraçadas que se prostituam por
miseria.

Outras, as que têm marido, e serão por certo a maior parte dessas
operarias, precisam de auxiliar a familia com o seu trabalho, porque é
pequeno o ganho do homem para as necessidades da familia.

Pensemos nesta desgraça a remediar e se houver alguma dentre nós que
encolha os hombros com indiferença, por _superior_ e de diferenciação
de sangue que se julgue; se houver coração de mãe, que se não confranja
pensando em suas filhas; espirito tão privilegiadamente temperado
que ouse escarnecer de tamanha desgraça; essas que me não leiam
nem atendam, porque não é a ellas que me dirijo, mas tão sómente
áquelas cujo espirito e cujo coração as superiorisa e faz elementos
civilisadores na sociedade.

É urgente que essas entrem na lucta gigantesca contra a fome, a miseria
e a ignorancia das suas irmãs, mas não na lucta de guerrilhas e
surprêsas que por ahi vamos vendo, ora obedecendo á bondade individual
de uns, ora ao capricho da móda, ora ao desejo de ter o seu nome
reclamado.

O que primeiro ha a fazer é a junção de todas as vontades e de todos os
esforços para um fim unico e comum.

É urgente, sobre tudo, reclamar uma ou mais créches para cada terra
onde a mulher tenha que trabalhar fóra de casa, deixando os filhos
pela rua, ou fechados e sujeitos a mil eventualidades, entregues a quem
dessa maneira explora a miseria das mães.

_Créches_ que não sejam filhas da caridade, nem entregues a ignorantes,
sujeitas a vaidades e caprichos, ás altas e baixas do fluctuante
coração humano, mas _créches_ ordenadas por lei, obrigatorias a todas
as terras industriaes, sujeitas a inspecção rigorosa, com rendimento
tirado da propria industria que emprega a mulher. Em França ha uma lei
que obriga todas as industrias que empregam mais de vinte mulheres a
ter uma créche para as suas operarias entregarem os filhos durante
as horas de trabalho; em Portugal nada temos que se compare com
isso; os governos não fizeram ainda as leis e os governados não lhes
comprehenderiam o alcance.

Depois da _créche_, que é a mais necessaria das instituições numa
população operaria, deve seguir-se a escola maternal, onde a criancita,
que já não é admitida na primeira, se conserva até aos seis annos, em
que entrará para a escola gratuita, com livros de graça, oficinas e
professores que saibam ensinar pobres seres que nas familias não têm
quem os norteie no caminho do estudo e do dever.

A criança apanhada nesta verdadeira engrenagem social, deixará de ser
o vadio, o atrevido garoto que povôa as ruas das cidades operarias,
para se tornar uma pequena criatura que se prepara com serenidade para
a travessia dolorosa da existencia, com as suas lagrimas e as suas
alegrias compensadoras.

Que a mulher possa contar com a _maternidade_, a casa onde passe
descançada o ultimo e custoso periodo da gravidez, para dali seguir
para o hospital onde a esperam os cuidados prescriptos pela higiene e o
conforto que em casa lhe não seria facil obter.

Emfim, ha tudo a fazer neste sentido, desde a escola de criadas e dônas
de casa, até á caixa economica, obrigatorias para as mulheres, que
assim teriam, em caso de gréve, doença, ou falta de trabalho, com que
resistir algum tempo á fome.

Ha pessôas que imaginam tudo resolver pelo estardalhaço festivo da
chamada _caridade_, e o que é certo é que a caridade é muitas vezes uma
exploração e quasi sempre um meio impotente para defrontar a desgraça,
sempre maior do que a generosidade individual.

Seja pois o esforço colectivo, cumprido como um dever, a base da nossa
lucta contra a miseria, e alguma coisa bôa e profícua, estou certa, se
conseguirá.

Ás mulheres compete conjurar o perigo que ameaça a sociedade de hôje,
remediando quanto possivel as suas injustiças. Á mulher culta e sciente
da sua nobre missão cabe o primeiro logar na empresa de cuidar um pouco
no futuro do paiz e na melhoría social, acumulando para o porvir a
maior soma de alegrias na maior soma de deveres cumpridos.

E o nosso dever é--parece-me bem--ouvir as queixas de todos os
infelizes, principalmente das mulheres e das crianças, que são ainda
hoje as maiores victimas da sociedade.



A MULHER EM PORTUGAL


I

A MULHER E O CASAMENTO

                                   _...Instruir a mulher, dar-lhe ao
                                   nosso lado o seu verdadeiro logar de
                                   igual e de companheira, porque só
                                   a mulher libertada póde libertar o
                                   homem._

                                   ÉMILE ZOLA.

Como companheira do homem e educadora dos seus filhos, a mulher é o
factor mais importante para a reorganisação completa da sociedade.

Ora a mulher, entre nós, como toda a criatura sem educação, é
retrógrada e timorata, influindo com os seus pavôres e ideias velhas
no espirito das gerações, que assim se tornam, sem dar por isso,
cobardes para as rasgadas iniciativas do futuro, prêsas ao passado
pelo sentimento do mêdo que lhes incutiram, com o leite, as crendices
maternas.

É o sentimento que nos fere em toda a nossa geração, neste culto
fetichista que não temos, mas fingimos, pelo passado, e que, em vez
de nos ser lição, se torna em obsessão. Não se respeita um monumento
que se não comprehende; não se póde vangloriar a alma por actos que
já não entende; mas nos ultimos tempos começou a ser móda falar do
passado, das nossas glorias, dos nossos feitos; e esta gente, que não
vê vantagem nenhuma positiva para as suas necessidades de hôje nesses
feitos heroicos dos nossos antepassados, acha cómodo pendurar ao peito
a _venera honrosa de povo historico_ e apresentar-se com ella no
_grande concerto das nações_...

Os nossos rapazes de agora nascem velhos, ponderados e graves como
conselheiros de estado. Não é preciso reprimi-los em seus ardôres e
alegrias de rubra mocidade; elles reprimem os velhos e comentam com
_acerto_, quando lhes contam as revoltas e independencias dos moços de
outróra--que hôje os tempos são outros...

E é a mulher, permitam-me que tenha esta triste vaidade, a culpada
deste estado deprimente do espirito juvenil, mas a culpada
inconsciente, porque a maior culpa recái sobre o homem que assim a tem
querido para sua esposa e para mãe dos seus filhos.

É um grande principio educativo procurar no passado ensinamentos e
estimulos para o futuro, mas é tristemente depressivo para o espirito
esta obsessão do que fômos, martelando na alma das crianças como dobre
a finados...

--Isto não é o que fazem os povos mais adiantados e mais cultos; não é
o que convem á sociedade de hôje; mas é o que faziam os nossos avós, o
que acreditavam os nossos antepassados...

E nestas crenças nos amortalhâmos, e nellas morreremos, se não
sacudirmos esta letargía da alma, se não higienisarmos moralmente a
educação da mãe, que hade educar a criança.

A mulher da nossa raça é naturalmente bôa e inteligente, mas em geral é
profundamente ignorante e duma convicta preguiça para entrar na lucta
pela vida, motivo porque se tem deixado ficar na rectaguarda de todas
as dos mais povos de civilisação similar.

Ha quem afirme, e tenha isso como consolação, que a hespanhola é muito
mais futil e vaidosa, muito mais ignorante e inutil. Não temos dados
para estabelecer o confronto, mas o que é certo é que nada nos devem
consolar tais opiniões. Se são verdadeiras, pesa-nos que haja um paiz
na Europa no qual a mulher, ainda mais do que no nosso, se esqueça de
que deve ser a companheira e auxiliar do homem, sua igual e sua amiga.
Se são mentiras, não nos lisonjeia o engano.

O homem português, por bondade, por indiferença, e tambem por esta
_sublime_ inconsciencia, que fez de nós um povo de conquistadores
sem vantagens práticas nas suas conquistas, não incita a mulher a
trabalhar, nem procura no seu labôr o auxilio que lhe seria licito
esperar, quando as necessidades crescem, dia a dia, assustadôramente,
encarecendo a vida sem proporcional augmento nos ganhos.

Tambem a não hostilisa francamente, é verdade... embora pela educação,
e talvez por hereditariedade, seja ferozmente arreigado a velhos
preconceitos, muito desconfiado e temendo o ridiculo das inovações;
nunca a mulher do nosso paiz, que quiz estudar e trabalhar, encontrou
no homem séria oposição.

Desconhecemos as luctas violentas que lá fóra tornaram a questão
feminista uma verdadeira guerra, com adeptos apaixonados em ambos os
campos, e até com sacrificios e com mártires.

A nossa mulher, essencialmente passiva, sem ambições que vão alem da
satisfação que as pequenas vaidades do luxo trazem, não aspira senão ao
casamento, para elle se cria e engalana, nelle põe a unica esperança do
seu futuro.

Não é o casamento, segundo a natureza, pela necessidade fisica de
amar e ser amada; não é o casamento superior de dois espiritos que se
comprehendem e juntos podem viver felizes, fisica e intelectualmente
ligados; não é mesmo o casamento comercial--chamemos-lhe assim--em
que duas fortunas ou dois nomes se ligam pelo interesse monetario,
formando para o futuro uma só firma... O casamento português é, na
maioria dos casos, pura e simplesmente uma _arrumação_ para a mulher, o
amparo, como que o asílo, para a pobre invalida, incapaz de ganhar pelo
trabalho a subsistencia e o conforto.

Dado que se não realise o almejado casamento, embora para isso se
tenham procurado todos os meios, ei-la uma criatura sem posição,
infeliz, arrastando uma existencia miseravel, se tem de trabalhar para
viver, com as aptidões quasi nulas com que a educação a preparou.

Se não sabe trabalhar, ou tem familia que se envergonha desse trabalho,
torna-se um fardo pesado e aborrecido, cheia de resentimentos e
amargurosas censuras á vida, invejosa da felicidade alheia, um elemento
de discordia na sociedade.

Ainda algumas vezes é victima de todos os egoismos, tornando-se a
criada dos proprios seus, curtindo despresos e vexames de toda a ordem,
de grandes e pequenos.

Só quando rica, o quadro se torna risonho; mas não é dos raros felizes
que se trata quando se fala em generalidades. Alêm disso, as raparigas
com dote raro _ficam para tias_, porque o assédio é de tal maneira
apertado que o triumfo heroico do casamento não se faz esperar.

Falando pois na mulher sem fortuna, repetimos:--a sua educação não a
torna superior pela inteligencia cultivada, nem apta a ser independente
pelo proprio trabalho. Alêm da educação, é a preguiça que a
conserva--mais do que as leis e a vontade dos homens--na mais completa
dependencia.

Quantas vezes os pais, que querem dar uma educação prática ás filhas,
não têm que desistir do seu proposito, vendo nellas só pendôr para
festas, namoricos e futilidades, apoiadas pela mãe que conserva
da missão do seu sexo as ideias mais amesquinhadoras da dignidade
feminil?...

Só por excepção se dará o caso duma mulher do nosso paiz querer estudar
e ter, para o fazer, de luctar com grandes oposições.

Nem o codigo o permitiria, porque as nossas leis, apesar de más e
discutiveis, como todas as leis, são melhores do que as de outros
paizes mais cultos, como teremos ocasião de o mostrar e provar.

Tratando a questão, sobre todas urgente, do trabalho da mulher, não
nos referimos, é claro, á mulher do povo. Essa é no nosso paiz, como
em todos, laboriosa e util; nem que quizesse poderia deixar de o ser,
porque a familia reclama o auxilio do seu braço e os cuidados da sua
atenção. No povo trabalha sempre, e muito, e só excepcionalmente
é ociosa, porque a necessidade e a lucta pela vida são poderosos
_incentivos_ para azorragarem os pobres. É só no povo que encontrâmos,
entrando como valôr dotal, as aptidões de trabalho da noiva.

Quando um homem da classe média pensa no casamento, ou, mesmo que não
tenha pensado, se resolve a fazê-lo porque lhe agradou um rostosinho
pálido que assomára a uma janella, _ou pegou o namôro_ encetado _por
brincadeira_, não tem como o homem do povo a frase consoladora que vale
por um dote:--é uma mulher de trabalho.

No nosso paiz, como em todos os outros, a mulher do povo trabalha sem
reparar se os serviços são ou não proprios do seu sexo, mas deixando
que os outros olhem... para darem menor salario.

Não é pois a essa que precisâmos recomendar o trabalho como fonte
de todas as alegrias e licita liberdade! Estudaremos, sim, em outra
ocasião, as condições desgraçadas em que é feito, mas não neste
capitulo dedicado á classe média, onde a educação é menos util e
menos prática, e onde, pelo contrario, deveria ser mais cuidada e bem
dirigida para um fim de segurança futura.

Já o temos dito varias vezes, mas não é demais, repeti-lo,--que é nos
outros paizes a mulher da burguezia aquella que mais e melhor procura
educar-se.

Isto porque a civilisação, tornando a vida cada vez mais cara e mais
exigente, já fez lá o que não tardará a fazer entre nós. A mulher
inhabil e pobre não casa.

Por egoismo e maldade do homem?!

Não nos atrevemos a condemná-lo.

O seu egoismo é filho da necessidade, que faz pensar com horror nos
encargos duma familia nas circumstancias em que a sociedade coloca hôje
o individuo.

Não espere a mulher portuguêsa que sejam os homens que a empurrem para
o futuro e para a independencia pelo trabalho, porque isso será a
confissão tacita da sua incapacidade e preguiça.

Antes que chegue a hora em que o homem--até hôje bastante sentimental
e imprevidente para o triste dia de ámanhã de todos os casamentos
pobres--ache que as alegrias dum noivado não valem os encargos, cada
vez mais pesados, de um lar, e procure no celibato a emancipação, é que
a mulher se deve precaver, preparando-se para esse proximo dia em que
só terá de contar comsigo.

Isto que ainda nos parece uma monstruosidade e que repugna ao nosso
sentimentalismo, é já um facto na sociedade francêsa, onde a rapariga
sem dote tem noventa e nove probabilidades, contra uma, de ficar
solteira.

Dahi a situação angustiosa dos pais, que vêem crescer a familia e
pensam com amargura nos filhos a colocar e nas filhas a quem é preciso
arranjar dote.

Não obstando a este mal com uma séria e util educação, que ponha
a mulher ao abrigo da miseria e da dependencia, não tardará que
cheguemos ao caminho por onde a França vai para a despopulação, para a
inferioridade egoista do numero.

Se a mulher latina não seguir o caminho largo que lhe indicam, com o
exemplo, as fortes raças do norte, ai da familia e das nações a que
pertence!

As que primeiro se decidirem a entrar na lucta sofrerão por certo muita
contrariedade e verão cahir sobre os seus pobres hombros, mal vesados
á responsabilidade forte do trabalho e da liberdade, todo o peso dos
preconceitos e das costumeiras, toda a malquerença invejosa e malévola
dos rotineiros, numa sociedade ignorante, que só cultiva com amôr a _má
lingua_ tradicional.

Mas o numero faz a força e o habito fará o resto. Quando a mulher, que
procure numa profissão honrosa o seu sustento e a sua independencia,
não fôr uma excepção, mas uma legião, facilmente poderá aguentar o
embate dum passado que se desmorona, vendo brilhar um futuro que mal se
esboça ainda num sorriso longinquo.


II

A MULHER CASADA PERANTE O CODIGO CIVIL

O casamento perante a lei e o casamento como de facto é perante a
sociedade, são duas coisas por tal fórma contradictorias, que não se
dirá á primeira vista que um corresponde ao outro, ou que um e outro
não são mais do que o mesmo contracto bi-lateral constituido para a
formação da familia legal.

Perante a lei, a mulher casada deixa de ser uma criatura livre, deixa
de ser a senhora do seu destino e das suas ações, porque:--_tem que
prestar obediencia ao marido (art. 1185.º do Cod. Civ.)_

--Deixa de ser a administradora dos seus bens, porque:--qualquer
que seja a fórma porque se realise o contracto matrimonial, _a
administração pertence ao marido e só na falta ou impedimento delle a
mulher tomará o seu logar_, (_art. 1189.º do Cod. Civ._)

--Á mulher é negado o direito de alienar ou adquirir quaisquer bens,
_tanto moveis_, _como imoveis_, emquanto que o marido póde adquirir
quaisquer, sem auctorisação da esposa, e alienar os _mobiliarios_,
(_art.^{os} 1191.º e 1193.º do Cod. Civ._) Á mulher é totalmente
prohibido fazer dividas, sem auctorisação do marido, emquanto que o
homem póde, segundo o _art. 1114.º do Cod. Civ. §§ 1.º_ e _2.º_,
contrahir, só por si, dividas pelas quais respondem os bens do casal,
no todo ou em parte.

--A mulher não póde ser a educadora dos filhos, pois que os filhos
pertencem ao pai, que os rege, protege e administra, constituindo assim
o _poder paternal_, segundo o _art.º 137.º do Cod. Civ._

Embora o _art.º 138.º_ proclame que a mãe comparticipa do _poder
paternal_, _e deverá ser ouvida em tudo que respeita os interesses dos
filhos_, tal não póde suceder, porque o pai é o unico representante
do _poder paternal_, e contra elle a opinião e a vontade materna nada
valem.

--Póde o pai requerer a prisão do filho desobediente e interná-lo
em uma casa de correcção, que, embora a mãe queira sustêr esse acto
da vontade paterna, a sua opinião não tem força, a sua voz não será
escutada, nem a sua vontade terá valôr, por mais injusta ou violenta
que lhe pareça a medida.

--Tratando-se do casamento do menor, é perfeitamente inutil a licença
materna, porque em _caso de dissentimento entre os pais, prevalece a
opinião do homem_, bastando o seu consentimento para se realisar o
matrimonio, como preceitúa o _art.º 1061.º do Cod. Civ._ E nunca o
consentimento materno, só por si, póde prevalecer, por mais vantagens
que a mulher encontre no casamento do filho menor.

--Viuvo, o homem administra e usufrúe os bens dos filhos menores,
podendo contrahir segundas nupcias sem que lhe seja tirada a
administração e o usufructo.

--Viuva, a mulher terá que dar contas da sua administração ao
_conselheiro_ que o defunto tenha deixado nomeado, se elle ainda depois
da morte tiver reservado o poder de dirigir a esposa, sob pena de lhe
ser tirada a administração (_art.º 161.º_).

Caso venha a contrahir segundas nupcias, a mulher perde _imediatamente_
a administração e o usufructo da fortuna dos filhos menores, (_art.º
162.º_), o que seria justo se o homem no mesmo caso não continuasse a
gosar os privilegios que lhe negam a ella.

O filho pode ser emancipado antes da idade legal pelo simples
consentimento paterno; pelo consentimento da mãe só quando, viuva,
tenha assumido o _poder paternal_ (_art.º 304 § 2.º_)

Até para a tutela dos menores se prefere quasi sempre a linha paterna
(art. 200.º § 5.º)

Portanto, legalmente, a mãe representa nada ou quasi nada na vida dos
filhos, que, segundo o velho direito romano, pertencem á _absoluta_
autoridade do _pater-familiæ_.

Quantos abusos e injustiças pode acarretar sobre as pobres criaturas
humanas, que a lei ainda não considera emancipadas, um poder assim
discricionario, é facil imaginar.

A lei é feita sobre a base de que todo o homem é justo, ama os filhos e
só para o seu bem deseja concorrer; mas a vida dá-nos muitos e muitos
exemplos do contrario e a lei podia temperar tão grande absurdo dando
á mãe igual poder sobre o filho, que pertence aos dois, com o juiz ou
o conselho de familia para decidir em caso de grande dissimilhança de
opinião.

       *       *       *       *       *

A mulher casada não póde negociar, exercer uma industria ou uma
profissão, inclusivamente escrever para público e publicar os seus
livros, sem auctorisação do marido. É o _art.º 1187.º do Cod. Civ._
que o manda.

--Tem obrigação de acompanhar o marido para onde o capricho deste
entender que a deve levar, a dentro das fronteiras do reino. É o que
reza o _art.º 1186.º do Cod. Civ._

--Não póde abandonar o marido, embora sofra todas as tiranias dum genio
diferente do seu, duma educação que seja o contrario da sua, dum
caracter imcompativel com o seu proprio caracter,--salvo em casos muito
especiaes previstos pela lei, e que, por bem conhecidos, o homem sabe
evitar.

Caso fuja do lar conjugal, por lhe ser impossivel a existencia em
comum, o marido póde mandá-la prender como a qualquer malfeitor e
obrigá-la a retomar _imediatamente_, no _seu_ lar odiado, o papel de
mulher, sem que ao espirito revoltado, nem ao seu orgulho ferido, se dê
o tempo de amortecer a violencia da dôr ou o impeto da revolta.

Só poderá gritar a sua indignação e pedir um pouco de liberdade, se
o marido lhe dér, com público escandalo, as poucas coisas previstas
pelo Codigo civil:--_adulterio no domicilio conjugal ou com escandalo
publico, desamparo completo, cevicias, ofensas graves, (art.º 1204.º)_

--O homem que cometeu o adulterio, embora nas condições indicadas, tem
a ridicula pena de três mêses a três annos de multa, conforme o _art.º
404.º do Cod. Penal._ Sobre a mulher cái toda a ira, todo o selvagem
ciume do legislador, que defende nos maridos o direito do macho que
não tolera o despreso da femea, chegando á ferocidade de tirar á
mulher adúltera os proprios bens della, que serão entregues ao marido,
arbitrando-lhe uma triste mesada que será o que o capricho do conselho
de familia e o juiz quizerem ou entenderem. É doutrina do § _unico do
art.º 1210.º e outros do Cod. Civ._

Vemos portanto que, segundo a lei, a mulher, casando, perde todos os
seus direitos e alforrias--póde considerar-se, legalmente, a tutelada
do homem.

Mas se passarmos do dominio abstrato da lei para o campo da realidade,
o contraste é completo.

Ao contrario do que se poderia supôr, sob a pressão de taes disposições
legaes, a mulher em Portugal, como em quasi todos os paizes latinos,
casa _para ser livre_! A sua liberdade não é _legal_, não é
_responsavel_, mas é um facto filho da tolerancia masculina e, mais,
dos costumes que se fôram adoçando e civilisando, sem embargo das leis
continuarem persistindo na sua rigidez... de cadaveres.

A mulher solteira, a rapariga portuguêsa, como todas as suas collegas
latinas, é mal preparada, mal educada para entrar na lucta da vida
quotidiana.

Não anda só, não trabalha, não estuda, não sabe pensar por si, não vive
independente e altiva, como qualquer rapariga inglêsa ou americana no
seu quarto de estudante, lendo e estudando, cuidando da sua roupa e
arrumando-a pelas suas proprias mãos, nas largas gavetas dos singelos
moveis inglêses, com essas mãos que já fizeram a cama, passaram o panno
humedecido no chão encerado, limparam o pó da mesa de trabalho onde
colocaram uma jarra com flôres; essas mãos habeis e lestas que dahi a
pouco prepararão no gabinete de fisica uma experiencia meticulosa e
que á tarde saberão guiar com firmêsa a bicicleta ou segurar as redeas
dum cavallo, bater com serenidade os remos do barquinho de recreio em
qualquer lago dos arredores ou jogar qualquer jogo de fôrça e destrêsa.

A rapariga portuguêsa não tem opiniões, para não ser pedante; não lê,
para não ser _doutora_ e não ver fugir espavoridos os noivos, que por
acaso a procurassem.

Não frequenta um passeio, não visita uma exposição, não assiste a um
espectaculo ou a uma conferencia sem que a siga a familia toda, numa
desconfiança de policias secretas.

Não lhe é permitido conversar com um homem sem levantar no espirito de
quem a vê a suspeita dum interesse amoroso...

A rapariga que chega aos vinte annos, asfixiada sob esta amoravel
tutela, que nem por ser amoravel e carinhosa deixa de ser opressiva,
encontra no casamento uma relativa liberdade.

Liberdade que, as mais das vezes, é uma temeridade conceder á pobre
criatura que durante tantos annos foi conservada e guardada, com o
unico fito de ser entregue ao homem materialmente pura.

Guardar uma criatura é tirar-lhe a responsabilidade moral.

A criança habituada a ter uma pessoa que olhe por ella e lhe evite
as temeridades e loucuras, se um dia a mandam brincar, entregue a si
propria, pergunta sobresaltada:--quem me guarda?

A mulher solteira, que desde criança foi habituada a trabalhar, a
andar só, a estudar e amar a santa natureza e a conhecer as mentiras
sociais, sem se deixar deslumbrar pelas suas grandêsas nem desanimar
pelas suas miserias, que fala naturalmente com os rapases, seus colegas
no estudo e no trabalho; não pensará tanto em namorados como as nossas
pobres flôres de estufa, que nada mais têm que as preocupe. Chegada a
hora de casar aceitará com naturalidade uma mudança de vida que lhe
exige fisiologicamente a natureza, mas que a vem sobrecarregar com
responsabilidades e deveres muito mais sérios e graves.

A mulher no nosso paiz, embora a lei seja dura para ella, como vimos,
encontra no casamento uma relativa alforria á sua vida de crisálida.
Os guardas, que a não desamparavam um instante, desapareceram e ella
sente-se livre alfim! É senhora de si e dos seus caprichos, que
toma como manifestações da sua vontade. A casa pertence-lhe, pode
dispô-la ao seu gosto, não tem ninguem que a contrarie--nem o marido,
nesse primeiro tempo de casada. Na rua pode andar só, sem que ninguem
repare. E que reparasse, o marido autorisa-a tacitamente a fazê-lo,
porque homem nenhum iria hôje dar á sua propria esposa um diploma de
incapacidade, fazendo-a guardar.

E a mulher, hontem ainda vigiada como uma criança, sente um certo
orgulho em poder dizer comsigo:--sáio se quizer sahir!

E sai, as mais das vezes para nada--porque é ainda rara a mulher
portuguêsa que sai por exigencias de trabalho profissional--para
mostrar a si mesma que é livre.

Diz a lei que a esposa _deve obediencia_ ao marido, mas que importa, se
ella faz, geralmente, mais a propria vontade do que a delle?

Que importa que a _administração_ pertença ao marido, se não é raro que
seja a mulher com assentimento delle, é claro, quem administra e guarda
o dinheiro do casal?

Que importa que legalmente não possa comprar nem vender bens _moveis_
nem _imoveis_, se é raro o esposo que vá interferir nas compras que a
mulher faça, principalmente de _bens moveis_?

Embora não possa contrahir dividas sem licença do marido, não ha
negociante que lha exija para fiar a sua fazenda, certo que só em caso
extremo o homem deixará de pagar as dividas contrahidas pela espôsa.

Embora não lhe assista o direito de se ingerir na educação dos filhos,
a sua influencia sobre elles é bem mais decisiva do que a dos pais;
e qual seria hôje o marido brutal que se atreveria a arrostar com a
reprovação geral, arrancando violentamente um filho á tutela educativa
da mãe?!

Embora não possa negociar, ter uma profissão ou industria, ou escrever
para público, qual o homem que arcaria com a gargalhada geral que a sua
tirania ridicula despertasse?!

Embora tenha obrigação de acompanhar o marido, para onde elle a
quizer levar, dentro do reino, quantos exemplos vemos do contrario
sujeitando-se mais vezes o homem á vontade e ao gosto da mulher?!...

Qual o marido, tirano de comedia, que obrigasse a mulher, que o não
quer aturar, a voltar violentamente para o lar conjugal?

O proprio caso de adulterio em que o orgulho masculino mais sofre e
menos póde atender os conselhos de bondade e perdão, nem mesmo esse
já se desenlaça, senão muito raramente, entre gente civilisada, na
carnificina e no rubro da tragedia antiga.

A dôr concentra-se na alma, e a tragedia,--que a ha sempre onde se
despedaçam violentamente laços de sangue e de coração--fica silenciosa
e respeitavel, na sua grande simplicidade. A mulher não é assassinada,
mas o homem não é como dantes ridicularisado por uma falta de que só
ella é a responsavel e a victima.

Por estas ligeiras observações parece-me ter mostrado bastantemente
quanto é verdadeira a teoria já expendida aqui:--_de que os costumes
precedem as leis, que se modificam, mais dia menos dia, segundo a
vontade e os habitos da sociedade que as reclama._

Não seria pois mais logico e mais sério educar desde já a mulher
solteira para a sua alta responsabilidade de esposa e de mãe,
modificando as leis que governam a familia, como se transformaram os
costumes, tornando o casamento a união legal e respeitavel de duas
criaturas que se juntam por sua livre vontade para constituirem a
familia, tomando sobre si iguais encargos com iguais direitos?

Pois não é preferivel tirar á criatura que soube insinuar-se e
apoderar-se da egualdade de facto, a irresponsabilidade que lhe garante
a lei, dando-lhe os deveres e as vantagens?

Tanto mais que o maior perigo está ainda--em que a lei só cai, com todo
o seu peso, sobre a mulher de caracter probo que não sabe dobrar-se nem
mentir, conquistando com blandicias e hipocrisias, apoiada na fraquêsa
masculina, o que legalmente lhe é defêso.


III

A MULHER SOLTEIRA PERANTE O CODIGO CIVIL

Dissemos atrás--que não são as leis portuguêsas das mais intolerantes
e agravantes da situação da mulher adentro da sociedade e da familia.
Demonstraremos esta opinião, em ligeiras observações que nos fôrem
ocorrendo--que não em estudo comparativo dos codigos estrangeiros, por
nos falecer competencia para tanto.

É certo que encontrâmos no codigo português graves desigualdades e
injustiças para com a mulher, não como é de facto, pela educação e pela
tradição, no nosso paiz, mas como deveria ser.

Não obstante, a mulher, tal como se conserva em terras portuguêsas,
não tem direito a reclamar maiores garantias legais, porque até agora
nem sequer se tem utilisado das regalias e igualdades que o proprio
codigo lhe confere, e são ainda hôje, em paizes mais adiantados do que
o nosso, outros tantos reductos a conquistar.

Vemos na França, por exemplo, a mulher perder o seu nome com o
casamento; deixar--pelo simples motivo de se ligar a um homem
legalmente--de sêr a _pessoa tal_, com o nome da familia em que nasceu
e a que pertence pelo sangue e pela educação (e á qual não poderá nunca
deixar em absoluto de pertencer, por defeitos e qualidades de que é
inconsciente herdeira) para se tornar em _madame_... do nome do marido.

Isso mesmo deixará de ser se, viuva, tornar a casar; ou, divorciada,
mudar, como quem muda um vestido usado, de nome e de marido
conjunctamente.

A tradição conservou na livre e intelectual França esse costume,
fixou-o mesmo como lei, e, afinal, onde essa lei tinha menos razão de
ser era precisamente nesse paiz, onde o divorcio já está promulgado
e usado largamente. Havemos de concordar que é em extremo absurda a
coexistencia desses dois usos.

Para a mulher francêsa é tão natural este costume, que só raramente a
faz indignar; é que as maiores servidões, se a ellas nos afazêmos pela
educação e pelo habito, tal nos não parecem, senão por um esforço de
raciocinio que nem sempre chegâmos a formular.

Nada mais ridiculo, na verdade, do que essa lei, resto, ao que se me
afigura, do velho direito romano, que fazia da mulher a pertença do
homem. Fosse o pai, absoluto senhor cujas decisões se aceitavam sem
protesto; ou o marido, que recebia a esposa como um festivo _presente_,
um objecto, ou uma femea que se compra; fosse o irmão, o proprio
filho ou cunhado.... todos, sucessivamente, tinham direitos e poderes
sobre a criatura humana, só porque o acaso de um utero, a fatalidade
germinativa, a fizéra mulher.

Nas antigas civilisações a mulher era sempre a escrava que o homem
comprava ou roubava, consoante o regimen de guerra ou de paz em que
vivia. Quantas coisas fazemos e usâmos, que, sem o presentir, recordam
apenas cerimonias e distinctivos da nossa servidão, desde as joias com
que nos adornâmos: pulseiras, aneis, colares, brincos, cintos e outros
enfeites, que apenas são o resto das cadeias que prendiam a escrava ao
senhor, fisica e moralmente, até ás usanças e cerimonias do casamento;
tudo nos mostra que a tradição tem trazido, através dos seculos, os
restos barbaros das civilisações ídas, apesar mesmo das leis que se
reformaram e modernisaram, seguindo as novas orientações sociaes.

Quem nos dirá, ao vêr lindos braceletes constelados de pedrarias
enroscando-se cariciosamente no braço duma mulher formosa, que essas
joias representam as algêmas e pulseiras das antigas escravas,
vincando-lhes os pulsos como um traço de fogo a lembrar-lhes a sua
miserrima dependencia?

Quem nos dirá, vendo fortunas condensadas em _solitarios_, suspensos
como gotas de agua irisantes do lobulo da orelha feminina, que o
brinco era ainda o signal da servidão, como o era a argola no nariz
e no beiço, cahidas em desuso, assim como as algêmas dos artelhos,
por mero _capricho da moda_, tão inconsciente neste abandono como na
conservação dos primeiros!?

Assim, tambem, o que no casamento moderno e civilisado nos parece
apenas fórmulas de cortezia, não é mais do que o éco quasi extincto dos
tempos em que a mulher era a _propriedade_, vendida, dada, ou raptada,
que passava por esses meios, todos brutais, do poder absoluto do pai
para o não menos absoluto poder do marido.

O que significa o pedido do casamento, o que é hôje legalmente esse
costume? Nada mais do que uma deferencia das filhas e dos noivos.

Perante a lei, a mulher maior de vinte e um annos não deve ser _pedida_
a ninguem, visto que se pertence sómente a si propria.

O que significa essa tresloucada fuga, depois da solemnidade
consorcial, para hoteis e casas estranhas,--que os jornaes anunciam
pomposamente como a ultima palavra do bom tom--senão o rapto da mulher
primitiva, senão o abandono da familia e da tribu em que nasceu pela
nova familia, nova tribu, nova patria, que tudo seria para o futuro a
que o marido lhe désse? Já na Grecia e em Roma este costume pertencia
á tradição, e a noiva não transpunha pelo seu pé o limiar da porta da
nova casa e sim era levada nos braços do marido, como significando bem
claramente a _posse_ do esposo sobre a mulher, recordando-lhe que fôra
dada, vendida ou trocada por algumas cabeças de gado, como ainda hôje
sucede em tribus selvagens da Africa.

Tudo nos mostra a tradição, revivendo através das idades e das
gerações, numa teimosia de força inconsciente, a que só o estudo
aturado e o raciocinio fórte podem pôr um dique.

Longe me levou, afinal, a observação sobre a lei e uma usança, que nem
sequer são do nosso paiz como do nosso codigo.

Em Portugal, a verdade é que nem a tradição nem as leis nos impõem tal
costume. Uma mostra-nos as familias usarem indistinctamente o nome dos
pais ou das mães, mais tarde aliando-os numa simpatica e logica união.

Dizem-nos as outras como a ausencia da lei sálica faz transmitir
reinos, titulos e morgadíos pela linha feminina, na falta da masculina,
sem desdouro para ninguem.

A mulher portuguêsa, quando casada, não perdeu nunca o seu nome, ou,
melhor dizendo, o seu apelido de familia. Só o perdia quando vinha
do _anonimato_ do povo ou da _inferioridade_ da classe média para a
grandêsa da fidalguia brazonada.

Quando muito, ajunta hôje, por galanteria, ao seu nome individual o
nome do esposo.

Nos ultimos tempos é que a móda, na sua fatuidade, tem querido trazer
para a nossa terra o ridiculo costume da França, Belgica e outros
paizes--exactamente quando por lá já se trabalha para o modificar.

É o defeito de quem imita, sem discernir, o que é bom e o que é máu...

Mas continuemos abordando alguns exemplos que nos fôr sugerindo
o folhear do codigo, muito por alto, sem a responsabilidade do
profissional.

A mulher solteira é _quasi_ livre, equiparada ao homem perante o
codigo. Mas nesse _quasi_, que imenso abismo ainda a transpôr!

Depois dos vinte e um annos póde livremente ganhar a sua vida exercendo
a profissão para que se julga habilitada. É um individuo autónomo.
Poderá ser professora, medica, proprietaria, industrial e comerciante.

Será senhora absoluta do que é seu como da sua vontade; pagará rendas
de casa e contribuições para o estado; será util, será um factor
importante na sociedade; mas, como os doidos, os menores, os surdos, os
cegos, não poderá ser testemunha em actos públicos e solénes da vida do
homem, como não é aceite o seu testemunho em qualquer acto civil, não é
aceite a sua fiança para qualquer transação comercial.

Não poderá ser tutôra dum menor, por melhor educadora e mais habil
administradora que seja--a não ser de filhos e netos, e, desses
mesmos, com restrições e cautelas vexatorias para a sua dignidade
individual--mas, para cúmulo de disparate, póde ser tutôr dos seus
sobrinhos o marido, quando o tenha!

A lei não a exclúe de nenhum trabalho; apenas o costume, a tradição e o
homem (sempre temeroso da concorrencia das criaturas que diz desprezar
e achar inferiores) fazem reparo, a cada nova conquista da tenacidade
feminina...

A mulher póde estudar as leis do seu paiz. Poderá--visto que a
lei é igual para todos e não faz distinção de pessôas e de sexos,
_salvo nos casos especialmente declarados_ no _art. 7.º do Cod.
Civil_--frequentar o curso de direito e tirar a carta de bacharel. Mas
essa mesma mulher não poderá estar em juizo como testemunha civel, não
poderá apresentar-se com procuração ou mandato, nem requerer justiça,
salvo nas proprias questões, nas dos ascendentes ou descendentes e nas
do marido, em caso de impedimento deste.

As mulheres são equiparadas pelos codigos aos menores não
emancipados--_ambos menores perante a lei!_

Ora a mulher, que não tem artigo especial na lei que lhe prohiba ser
proprietaria, industrial, artista, medica, erudita, comerciante,
professora, isto é, que póde ser tudo quanto representa inteligencia,
precisão, vontade e estudo; que póde frequentar os cursos superiores
onde se instrúe o homem do seu paiz, que em qualquer ramo do saber
humano póde ser _alguem_ da estatura intelectual e moral duma Clémence
Royer ou duma Luiza Michel; a mulher não tem a faculdade de se
ingerir nos negocios publicos! Não é eleitora nem elegivel; não póde
averiguar--porque não tem esse direito legal--como é gasto o dinheiro
que paga como contribuinte, para onde vai o fructo do seu trabalho.

Poderá fazer pender a balança eleitoral--mesmo que as eleições fossem
o resultado arithmetico das listas verdadeiramente entradas na
urna--influindo nos seus caseiros, operarios, e quaisquer dependentes;
mas não poderá dar o seu voto, que seria, certamente, mais responsavel
e consciencioso do que o dos analfabetos que lhe cultivam as terras e a
servem.

Não poderá intervir, _senão ilegalmente_, pela intriga e pela mentira,
nos negocios de que depende o seu socego e fortuna, o destino da
Patria; que lhe pertence tanto como aos homens que a governam.

A lei, apesar do artigo 7.º do Cod. Civil que diz _ser igual para
todos_, é bem desigual e vexatoria para a mulher, quando mesmo
solteira, senhora dos seus bens, árbitra da sua vida moral como
material.

Não posso terminar sem me deter em dois artigos do codigo civil que
merecem a nossa atenção mais demorada e tem o seu logar aqui, visto
referirem-se ainda á mulher solteira.

--«_É prohibida a investigação da paternidade illegitima_--diz o artigo
130.º--salvo em casos que entram francamente nos crimes punidos pelo
codigo penal».

--«_É permittida a investigação da maternidade_»--diz a seguir o artigo
131.º

E fica-se a gente a pensar:--que sociedade, que justiça, que lei é
esta, que tira aos homens todos os deveres e toda a responsabilidade,
em actos de que, se não é o maior culpado, é, pelo menos, tão culpado
como a mulher.

O que póde ser um filho ilegitimo na vida de um homem? Um encargo
monetario, quando muito. Nenhuma deshonra o fará córar por esse fructo
da sua leviandade. Nenhuma criatura, por mais honesta e puritana,
deixará de lhe estender a mão e recebê-lo em sua casa como amigo. O
proprio filho, dizendo o nome do pai, não sentirá nunca o frio mortal
do desprêso que persegue, quasi sempre, o que só póde dizer o nome da
sua pobre mãe.

Solteiro, esse homem não terá dificuldade em ser aceite como esposo por
qualquer senhora honesta, que, por sua vez, se não deshonrará em se
tornar a mãe do filho que é o filho do seu esposo.

Pois o homem, nestas condições sociais, fugiu, pelas leis que fabricou,
ao _incomodo_ da investigação da sua paternidade ilegitima, ao passo
que lançou para a mãe toda a responsabilidade do seu crime!

Para a mulher que deixa de ser honesta para a sociedade, mostrando um
filho que não teve do casamento; para a mulher que só por excepção póde
agenciar com o trabalho o quanto baste ao seu sustento; para a mulher
que nenhum homem aceitará para esposa, sabida que seja a sua _falta_;
para sobre a mulher toda a responsabilidade, direi mais, toda a durêsa
da lei, permitindo ao filho a investigação da maternidade, ao passo que
lhe nega a da paternidade!

Quantas lagrimas misteriosas e quantos desesperos e angustias não
representam esses pobres seres, vindos como um castigo, numa familia
honesta, que a todo o transe quer encobrir o que é a suprema vergonha
duma mulher solteira?!

Existencias de dolorosissimo sacrificio, desvendadas para o escarneo
e o despreso do mundo, é tudo quanto representa essa disposição
legal--_só para a mulher!_

Se a sociedade não condemnasse com o seu despreso a rapariga que se
lhe apresenta com um filho que não tem no registo o nome do pai; se a
sociedade garantisse á mulher--por igual trabalho, igual salario--e
lhe abrisse largamente novos horisontes de estudo e profissões
remuneradoras, que a tornassem monetariamente livre, então o codigo
poderia, sem grande injustiça, livrar o homem da responsabilidade a
que o filho infeliz e miseravel o vai chamar. Sim, porque só quem é
muito desgraçado encontrará satisfação em procurar as criaturas que o
trouxeram para a vida e se escondem covardemente atrás do misterio.

O egoismo masculino revelou-se ferozmente nessas duas linhas, que são
a maior das cobardias para com a mulher, sua cumplice, e para com o
filho, sua victima.

Se a mulher pudesse apresentar com honra os filhos que são sómente
seus, porque o pai os não quer legitimar, por certo que não haveria
muitas que fugissem a essa responsabilidade, porque a mulher, como
todas as fêmeas, tem, em geral, o amôr pelos filhos pequeninos muito
mais vehemente do que o homem. É o amôr animal e inconsciente, que só a
civilisação, com as suas exigencias avassaladoras, tem atrofiado.

O amôr do pai, pelo contrario, é o sentimento _adquirido_ com a
civilisação e que a mesma sociedade tem todo o interesse em proteger e
desenvolver para salvação sua.

«Voltariamos ao _matriarcado_ dos tempos primitivos, se a mulher
pudesse _honradamente_ apresentar os filhos sem pai; seria a
dissolução da familia e da sociedade...»

Sim, seria tudo isso, mas não seria, ainda assim, nada que se
comparasse á violencia da injustiça legal dos artigos 130.º e 131.º
do cod. civil.


IV

O TRABALHO DA MULHER

                                   _...é valorisar a mulher tirando-a
                                   do triangulo fatal: casamento,
                                   ociosidade ou prostituição._

                                   AGOSTINHO DE CAMPOS.

O homem português, como todo o dos povos latinos, despresa no fundo
a mulher, apesar de ser o que mais a tem cantado poeticamente e
turificado pelo amôr.

Talvez mesmo por isso... A mulher só lhe apraz como objecto de
prazer ou escrava dos seus desejos, e para a conservar assim, nessa
dependencia que lhe quer fazer convencer que é soberania, sujeita-se
a tudo, até aguentar-se com todo o trabalho para que ella não crie
habitos de independencia, vendo-se apta para ganhar a sua vida,
sentindo-se senhora das _suas economias_.

A mulher casada, como está constituida a familia no nosso paiz e como
em geral o homem a deseja--_vive em casa do marido. Come o que o marido
lhe dá. Veste aquillo que elle paga com o seu trabalho. É mãe de filhos
de que elle, só, paga todas as despêsas. É o thezoureiro do dinheiro
delle_, e não poucas vezes ouve criticar com asperêsa os seus actos de
governante!

A mulher casada, sem fortuna propria, é bem pouco senhora na casa que
chama sua e pelo _cantinho_ da qual aspirou tantos annos, isto se não
tem a habilidade de se fazer admirada como um modelo de bom senso e
economia, o que não é raro, como já dissemos.

Mas sendo a mulher casada apenas uma parte da grande familia feminina,
porque não fazer com que essas que não têm marido que as sustente, nem
filhos a educar, nem casa onde se abriguem e _governem_, trabalhem e se
tornem independentes?

Em França--diz uma das suas ultimas estatisticas--existem 2.622:170
mulheres celibatarias maiores de 21 annos.

Não sabemos as que ha no nosso paiz, por mingua de estatisticas
comprovativas, mas sirva-nos esse numero de termo de comparação.

Aqui temos, pois, mais de dois milhões de criaturas que não têm marido
que as sustente e que precisarão de trabalhar para poderem subsistir.

Tirando desse numero a imensa legião das pobres que no vicio sordido
procuram o sustento ou o luxo, ainda ficaremos com uma bôa percentagem
de mulheres honestas que precisam de trabalhar para viver.

Nos ultimos tempos nota-se, principalmente na capital, uma certa
afluencia de mulheres na procura do trabalho; mas é preciso que essa
concorrencia se não torne em exploração.

Ha pouco quem seja logico nos seus principios e quem sacrifique os
seus mesquinhos interesses pelo bem dos outros, por isso é necessario
pôrmo-nos em guarda e não concorrermos com a nossa miseria para a
miseria geral.

Começa a mulher entre nós--o ultimo paiz da Europa que tal faz!--a ser
utilisada no comercio, para que tem já provadas e apreciaveis aptidões,
mas não deve consentir que a utilisem por exploração, para lhe pagarem
inferiormente um trabalho igual ao dos homens.

_Por igual trabalho, igual paga_--tal deve ser o principio fundamental
do labôr feminino.

Se o homem português fôsse mais bem orientado, em vez de hostilizar a
mulher que trabalha, e de a expulsar das suas associações,--ou não lhe
permitindo o voto, nem as aceitando como elegiveis para os cargos das
sociedades--tornar-se-ia o seu aliado e em concorrencia leal cada um
apresentaria as suas próvas e seria provido nos logares conforme as
suas aptidões,--e não conforme a _paga_.

       *       *       *       *       *

É repugnante a lucta de egoismos, e, quando se exerce com a ferocidade
do esfomeado que defende o seu alimento, dá-nos a sugestão desoladora
de que a criatura humana no fundo da sua alma, apesar de tantos seculos
de civilisação, é bem semelhante ao troglodita que defendia a presa
ensanguentada a unhas e dentes contra o seu irmão ou a sua companheira,
devorando o adversario se ficava vencedor.

A mulher tem direito a viver como o homem, e, mais, tem o direito
a trabalhar e a ser respeitada no seu trabalho, só devendo temer a
concorrencia leal.

Que fóros especiaes tem o homem português para exigir que a mulher,
professora, não concorra ás cadeiras primarias de rapases ou ás
cadeiras mixtas, se ella tiver competencia para o fazer, quando em
tantos outros paizes são ellas que se encarregam de quasi toda a
educação primaria?

Que direito lhe assiste em não consentir que a mulher telegrafista
passe aos cargos superiores, se ella--excepcionalmente ou não--fôr um
empregado mais consciencioso e inteligente do que os seus colegas, e
tiver os mesmos annos de serviço?

Que direito tem o homem em manifestar repugnancia em ser dirigido
por uma mulher se ella tiver mais aptidões do que os dirigidos? Em
ser ensinado por ella se mostrar em suas provas e cursos e concursos
publicos que podia proficientemente desempenhar-se da sua missão?

É abominavel de egoismo o argumento do homem que diz:--nós já somos
muitos e se a mulher entra definitivamente na lucta pelo trabalho,
mais sofreremos nós. Mas então para o homem não sofrer é preciso que a
mulher sofra a fome e a nudez?

Repito--não me refiro já á mulher casada, que tem o homem que a
sustenta; refiro-me á solteira, que tem direito á vida e ao trabalho
para a sustentar com nobrêsa.

O caixeiro sobresalta-se porque a mulher começa--só agora em
Portugal!--a ser caixeira. E não é isso justo?!

Não é esse trabalho sedentario o mais proprio para o sexo que dizem
fraco? Mal lhes fica até o reparo, porque ha muita profissão que elles
poderiam exercer sem se sujeitar a um trabalho que, por muito feminil,
deve ser deprimente para a dignidade masculina.

Quantas vezes não ouvimos dizer:--que tal ou tal oficio não serve para
a mulher, porque é pesado para a sua força, demasiado violento para a
sua fraquêsa organica?...

E, no entanto, percorrendo as provincias do norte ao sul de Portugal,
visitando as oficinas e as fabricas, não vemos que a seleção se dê pela
_força_ mas sim pelo _salario_.

Vimos no Porto, não ha muitos mêses, as mulheres carregarem com
pesadissimos materiais numa fabrica de ceramica, emquanto ao lado, numa
oficina alegre e arejada, alguns homens, muito comodamente sentados,
ganhavam o seu jornal pincelando pratos no trabalho leve e material
da _estampilha_, que sem duvida caberia melhor ás mãos delicadas da
mulher. E á discreta manifestação da nossa invencivel estranhêsa,
percebemos que alguns murmuravam, num entre-dentes invejoso:--era o que
faltava, mais essa concorrencia!...

Logo, o homem não afasta a mulher da lucta e do trabalho para a poupar
a fadigas com que não possa, visto que a deixa carregar fardos,
esfregar casas, trabalhar a qualquer hora da noite em que chegam os
barcos de pesca, nas fabricas de conserva de peixe, quer de verão quer
de inverno, molhada em salmoiras, com as mãos geladas, de pé, horas e
horas consecutivas; que a deixa mondar, ceifar, fazer muitos outros
serviços do campo, qualquer que seja o tempo, de ardente calôr ou de
frigido inverno... A mulher desempenha, em muitas terras das nossas
provincias do norte, o serviço de _estafeta_, percorrendo a pé muitas
leguas, carregada com pêsos que o homem, certamente, não aguentaria
sobre a cabeça.

A mulher, como criada, anda um dia inteiro de pé no fatigante serviço
de casa, deitando-se tarde e levantando-se cedo.

Aguenta uma criança nos braços durante horas consecutivas.

Passa dias com um ferro de engomar e de brunir; cose á máquina horas
sem conta...

E muitos outros serviços _pesados_, que seria longo enumerar.

O homem vê isso e não se sobresalta nem indigna, porque são trabalhos
que elle não quer para si, por mal remunerados.

Se, por acaso, qualquer destes serviços viesse a ser bem pago, não ha
duvida que acorreriam logo a pugnar _pela fraquêsa da mulher_.

Na lucta pela vida o homem é impiedoso para a mulher, que não é a
sua. A operaria raro tem no operario um colega e um amigo; tem apenas
um homem que a desmoralisa e que a despresa se os trabalhos são
diferentes, que a odeia, se é o mesmo, valendo-se de tudo, até das leis
protecionistas, como os tipografos francêses--que apelaram para a lei
que prohibe o trabalho da mulher feito de noite, para as expulsar das
tipografias em que se compõem os jornaes matutinos.

Quando se aventam estas e outras opiniões e estranhêsas, é de uso o
homem responder:--mas se a mulher vem concorrer comnosco nas profissões
em que hôje nos ocupâmos, o que faremos nós?

O que farão?!... O que fazem os inglêses, muito mais numerosos do que
nós e que percorrem o mundo inteiro para ganhar a sua vida; o que fazem
os suissos, levantando a sua pequena patria a toda a altura duma grande
nação; o que fazem os americanos, os alemães, os suecos e tantos
outros, em paizes onde a mulher é equiparada ao homem pelo trabalho.

A riquêsa dum paiz não é espontanea, adquire-se com o trabalho, e o
português, que não tem, como o francês, repugnancia pela emigração,
tem nas nossas colonias campo vasto para a sua actividade e engenho,
alem do muito que ainda tem a fazer na metropole, e sem receio de
concorrencias.



ERRATAS


Além de alguns insignificantes erros tipograficos que no sentido da
leitura facilmente se corrigem, nóta-se a pagina 95:--_cimo da bóta_,
por _cano da bóta_.

Mesma pagina:--lhes _traga_, por lhes _tragam_.

Pagina 106:--_campo_ que lhes sobre, por _tempo_ que lhes sobre.

Mesma pagina:--Vida _desgarrada_, por _vida dispersada_.

Pagina 114:--caminhando _revoltoso_ e _tumultuosamente_ por,
_revoltósa_ e _tumultuariamente_.

Mesma pagina:--_pensar_, por _passar_.

Pagina 125:--_delicadas_ amas, por _dedicada_ ama.

Pagina 142:--entretecida, por entrétecida?!

Pagina 144:--_recorrer_, por _socorrer_.

Pagina 145:--_puzeram_, por _puzessem_.

Pagina 149:--_E_ realmente, por _É_ realmente.

Pagina 167:--_E_ certo, por _É_ certo.

Pagina 209:--_usufruirá_, por _usufrúe_.

Pagina 218:--_lhas_, por _lha_ exija.



INDICE


                                                     PAG.

  PROLOGO                                               5

  FEMINISMO:
  I--Ser feminista                                     11
  II--Uma resposta                                     27
  III--A Instrução                                     43

  As mulheres e a politica                             57

  Sêr português                                        67

  No anniversario duma escola                          85

  A mulher de ha trinta annos e a mulher de hôje      101

  As pobres mães                                      113

  A miseria do povo                                   133

  A ignorancia do povo                                149

  Mulheres desnaturadas, mães desnaturadas            161

  A proposito duma gréve                              177

  A MULHER EM PORTUGAL:
  I--A mulher e o casamento                           193
  II--A mulher casada perante o codigo civil          207
  III--A mulher solteira perante o codigo civil       223
  IV--O trabalho da mulher                            241



Livraria Editora da VIUVA TAVARES CARDOSO

5, Largo de Camões, 6--LISBOA


  =Ultimas publicações:=

  =Os filhos de Ignez de Castro.= Romance historico,
  por Faustino da Fonseca e Joaquim Leitão. 1 vol.      800 rs.

  =Barbey d'Aurevilly=--_Historia sem nome._ Traducção
  de João Barreira. 1 vol.                              500 rs.

  =O CONFLICTO= de FELIX LE DANTEC. Palestras philosophicas,
  traducção e prefacio de João de Barros. 1 vol.        400 rs.

  =Hannibal e Napoleão= por J. M. Pereira de Lima. 1
  volume illustrado, em papel _couché_                  800 rs.

  =Cidade Nova= Romance dos tempos modernos por Fernando
  Reis. 1 vol.                                          800 rs.

  =A religião do esforço= por Alberto Kohler, traducção
  de João Gouveia. 1 vol.                               200 rs.

  AFFONSO LOPES VIEIRA

  =O Encoberto= Poema. 1 vol.                           500 rs.

  =Palavras Cynicas= por Albino Forjaz de Sampaio 1
  volume                                                300 rs.

  =A Viuva= por Octavio Feuillet, traducção de Anna Cyrillo Machado.
  1 vol.                                                300 rs.

  CARLOS RANGEL DE SAMPAIO

  =Preparativos de uma revolta= Documentos ineditos
  de 1840 a 1846, com prefacio do Ex.^{mo} Snr. José
  Barbosa Colen. 1 vol.                                 500 reis

  =Escandalo!= Scenas da vida de provincia, por Antonio de
  Albuquerque. 1 vol.                                   600 rs.

  =Aurora= Romance pagão por Augusto de Lacerda.
  1 vol.                                                700 rs.

  =O Caminheiro= Traducção liberrima da peça em cinco
  actos, em verso de Jean Richepin, por Julio Dantas. 1
  vol.                                                  600 rs.

  =A Tzarina Sultão= Scenas intimas da vida imperial
  russa. Romance historico por Sacher Macoch, traducção do allemão
  refundida, por Eduardo de Noronha, 1 vol. com o retrato
  do auctor.                                            700 rs.



NOTAS DE RODAPÉ:

[1] Á carta que me dirigiu o Sr. Gomes Pereira, na _Revista Amarella_,
criticando o artigo precedente.

[2] Maio de 1903.

[3] 1904.

[4] Em Gouveia, no inverno de 1903.


       *       *       *       *       *



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