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Title: Mappa de Portugal antigo, e moderno, tomo 1 (of 3): Parte I, II
Author: Castro, João Bautista de
Language: Portuguese
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*** Start of this LibraryBlog Digital Book "Mappa de Portugal antigo, e moderno, tomo 1 (of 3): Parte I, II" ***
MODERNO, TOMO 1 (OF 3) ***



                                 MAPPA

                                  DE

                               PORTUGAL

                           ANTIGO, E MODERNO

                              PELO PADRE

                             JOAÕ BAUTISTA

                              DE CASTRO,

          Beneficiado na Santa Basilica Patriarcal de Lisboa.

                            TOMO PRIMEIRO.

                            PARTE I. E II.

 _Nesta segunda ediçaõ revisto, e augmentado pelo seu mesmo Author: e
contém huma exacta descripçaõ Geografica do Reino de Portugal com o que
               toca à sua Historia Secular, e Politica._

                                LISBOA,

            Na Officina Patriarcal de Francisco Luiz Ameno.

                              M.DCC.LXII.

          _Com as licenças necessarias, e Privilegio Real._

                            [Illustração]



                          INTRODUCÇAÕ Á OBRA.


Entrey na laboriosa empreza deste Mappa naõ só para instruir aos
Nacionaes principiantes, mas especialmente para informar com
individuaçaõ sincéra aos estrangeiros do estado verdadeiro do nosso
Paiz; considerando, que só assim poderiamos atalhar os continuos erros,
e descuidos, que se observaõ ainda nos Authores modernos, que sem
conhecimento das nossas terras chegaõ a fallar de Portugal.

Elles attribuem esta ignorancia à falta de quem lhes communique huma
exacta Geografia do nosso Continente, e ao menos hum epitome historico
das mais importantes, e publicas acções. Atrevi-me a cultivar este
meu projecto, naõ obstante verme suspenso com o embaraço de naõ ter
cabedal sufficiente para desempenhar a idéa; porém como ha assumptos,
cuja utilidade unida à boa intençaõ do Escritor costuma supprir os
defeitos da Obra, cheguey a publicar cinco partes, que correndo pelo
mundo, tiveraõ a felicidade do benigno acolhimento que experimentaraõ
dos curiosos.[1]

Agora porém que se fez precisa esta nova, e segunda ediçaõ por falta de
exemplares da primeira, achey conveniente augmentalla com opportunos
retoques, e novas especies proprias do assumpto; entre as quaes me
pareceo indispensavel fazer algumas observações sobre o Mappa.

Com razaõ disse Justo Lipsio[2] que o invento dos Mappas fora a mais
engenhosa idéa em que os homens tinhaõ dado; pois em breve espaço, e a
huma vista nos mostra todo o mundo, e por elle conhecemos o sitio, e
grandeza de cada Reino, Provincia, ou Lugar. Attribue-se esta invençaõ
aos Egypcios, e particularmente a ElRey Sesostris, como diz Diodoro
Siculo[3] posto que Diogenes dê a primazia a Anaximandro[4] discipulo
de Thales Milesio.

Porém ou fosse hum, ou outro, he infallivel que os Mappas naquelle
tempo naõ eraõ delineados, como agora saõ as Cartas Geograficas,
mas eraõ humas Taboas dispostas em columnas, em que se demarcava a
altura das terras; assim como vemos nas de Ptolomeu, e nas chamadas
Theodosianas.[5] Depois se foraõ expressando em globos, ou esferas, de
que faz mençaõ o mesmo Ptolomeu,[6] e de Roma se divulgou este uso para
todas as mais terras do Universo.

Costumaõ pois os Mappas ser ordinariamente delineados em dous circulos,
que representaõ dous meyos globos com huma linha que os atravessa
pelo meyo, que significa a Equinocial, e elles o globo terrestre
expressado em plano. No alto está o Polo Arctico, a que tambem chamaõ
Polo Septentrional, ou do Norte. Na parte mais infima está outro Polo
chamado Antarctico, ou do Sul. Á maõ direita fica o Oriente, e à
esquerda o Occidente.

Para cada huma das partes da Equinocial correm outras duas linhas, que
significaõ os Tropicos. A que está para a parte do Norte he o Tropico
de Cancro; e a que está para a parte do Sul he o de Capricornio. A
linha que corre obliquamente de hum dos Tropicos para o outro, cortando
a Equinocial, significa a Ecliptica; ainda que esta naõ se pinta em
todos os Mappas.

As linhas, ou riscos que correm de Norte a Sul, denotaõ os gráos de
longitude, e as que correm de Nascente a Poente, cortaõ, e mostraõ os
gráos de latitude, os quaes começaõ da linha Equinocial, e acabaõ de
huma parte do Norte, da outra no Sul. De modo, que da Equinocial para
o Norte ficaõ oito linhas das sobreditas, as quaes estaõ distantes
huma da outra 10. gráos; e assim denotaõ os 90. gráos, que ha da linha
Equinocial ao Norte. Na mesma fórma se contaõ outras tantas linhas da
Equinocial para o Sul.

Estas linhas, em que se mostraõ os gráos, tambem costumaõ escreverse
pela orla dos Mappas; e advirta-se que as linhas de Norte-Sul, ou
Meridianos, sempre se vaõ chegando humas a outras cada vez mais, quanto
mais se vaõ chegando para algum dos Polos: e assim desde que passaõ da
Equinocial, nunca os gráos tem a mesma quantidade; donde he certo, que
as terras, que estaõ v. g. debaixo do circulo Arctico, naõ podem estar
entre si taõ remotas, como as que estaõ debaixo da Equinocial, ou de
cada num dos Tropicos.

O mais util dos Mappas he a intelligencia da sua graduaçaõ; para o
que se ha de saber, que o gráo he o espaço de 18. leguas.[7] E foy
necessario inventar a conta dos gráos, para declarar a parte onde está
arrumada a Cidade, ou Lugar que queremos saber, e onde o havemos buscar
no Mappa; e para isto he preciso naõ só o gráo de altura, ou latitude,
mas o de Leste-Oeste, ou de longitude.

Chama-se gráo de latitude, porque ainda que o Mundo seja redondo, e nos
globos naõ haja mais largura que comprimento, com tudo como estes gráos
se contém da linha para cada hum dos Polos, a este respeito se diz esta
a largura, ou latitude do mundo; e contém sómente a quarta parte do
comprimento. Desorte que tendo o mundo 360. gráos de comprimento, ou de
Leste-Oeste, tem só da linha para o Norte 90., e outros tantos da linha
para o Sul.

Os gráos de altura começaõ da linha; desorte que se estivermos 18.
leguas affastados da linha para o Norte, diremos que estamos em hum
gráo de altura do Polo da parte do Norte: e se estivermos 36. leguas,
diremos que estamos em dous gráos de altura do Polo; e daqui por diante
até 90. gráos: e do mesmo modo da parte do Sul. Chamaõ-se gráos de
altura do Polo, porque assim como elles vaõ crescendo, assim se vay
levantando para nós o Polo sobre o Horizonte.

Saõ os gráos de longitude, ou comprimento 360., e porque de Oriente
para Occidente, ou vice versa, naõ ha final algum fixo, a respeito
do qual se podessem assentar os gráos, e começar a conta delles,
de consentimento de homens sabios, huns assentaraõ o principio, e
fim desses gráos na Ilha do Corvo, outros na de Tenarife; porém
modernamente o estabeleceraõ na Ilha do Ferro, que he a mais Occidental
das Canarias, e corre do Occidente para o Oriente.[8]

Para assentar estas distancias, e gráos, foy necessario o conhecimento
dos eclipses da Lua; porque como sejaõ no mesmo ponto em toda a parte,
Ptolomeu, e outros companheiros desejosos de alcançar quantos gráos
huma terra ficava mais oriental que outra, nos tempos em que haviaõ
succeder os eclipses se hiaõ àquelles lugares, e observavaõ a hora da
noite, que nelles era o eclipse, e sabida ella, ficavaõ entendendo
quanto huma terra estava mais oriental que outra; porque aquelles
lugares onde o eclipse apparecia mais tarde, he certo que ficavaõ
mais orientaes, pois nelles mais cedo anoitece, que nos outros mais
occidentaes.

Todavia parece que nestes gráos, e no assento dos lugares, e terras a
respeito delles naõ póde haver muita certeza; porque ella naõ podia
acharse senaõ pela dita experiencia, que naõ seria possivel fazerse em
todos os lugares; e menos naquelles que depois se descobriraõ. Assim
advertimos que nos Mappas se acha entre huns, e outros diversidade nos
gráos de longitude, porque huns principiando por differente Meridiano
poem os lugares em mais, outros em menos gráos. Vê-se isto nesta
observaçaõ que fiz sobre a longitude de Lisboa, segundo as Cartas
Geograficas de varios Authores.

_Altura de Polo de Lisboa conforme diversos Geografos nas Cartas de
Portugal._

    _Latitud.    Longit.      Carta Geografica de_
  | gr. m.    | gr. m.   |
  |           |          |
  | 38. 58.   |  7. 12.  |   Fernando Alvares Seco.
  | 38. 26.   |  9. 54.  |   Mons. Sanson.
  | 38. 33.   |  ......  |   P. Du-Val.
  | 38. 53.   | 10.  5.  |   Pedro Mortier.
  | 38. 55.   |  5. 15.  |   Francisco Halma.
  | 38. 40.   |  7. 45.  |   Carlos Allard.
  | 38. 40.   | 10. 14.  |   Joaõ de Ram.
  | 38. 48.   |  7. 42.  |   Nicoláo Vischer.
  | 38. 35.   |  7. 37.  |   P. Placido Agostinho.
  | 38. 40.   | 12.      |   Joaõ Bautista Lavanha.
  | 38. 35.   |  9. 52.  |   Joaõ Bautista Nolim.
  | 38. 48.   |  8.  6.  |   Mons. Tailot.
  | 38. 50.   |  9. 45.  |   Jacome Canteli.
  | 38. 40.   | 12.      |   Gaspar Baillieu.
  | 38. 48.   |  9. 12.  |   Joaõ Bautista Homannu.
  | 38. 40.   |  7.      |   Pedro Teixeira.
  | 38. 48.   |  9. 15.  |   Manoel Pimentel.
  | 38. 45.   |  ......  |   P. Capassi.
  | 38. 39.   |  ......  |   P. Dechales.
  | 38. 40.   |  ......  |   P. Ricciolo, e Tosca.
  | 39. 38.   |  5. 10.  |   Petavio.

Desorte que em todas as Cartas Geograficas se encontra differença
nas longitudes. Advirto que para a formatura d’este Mappa me vali da
Carta de Joaõ Bautista Homannu impressa no anno de 1736, por ser a que
mais se ajusta às computações da Arte de navegar do nosso insigne
Cosmografo Manoel Pimentel, tidas pelas mais exactas.

Da intelligencia do gráo de longitude em que estiver algum lugar,
segue-se o effeito de se saber quanto está oriental, ou occidental a
respeito de outros, e quantas leguas ha de hum a outro, estando na
mesma altura de Polo, contando 18. leguas por cada gráo nas terras
que ficaõ perto da linha. Segue-se tambem saberse quanto nasce, ou se
poem o Sol mais cedo em huma terra, que em outra; pois naquella que
está mais oriental hum gráo que outra, nasce, e se poem o Sol primeiro
quatro minutos de hora: e na que está mais oriental 15. gráos, nasce,
e se poem o Sol huma hora primeiro. Isto se entende em iguaes alturas
do Polo; por quanto póde huma terra ser mais occidental que outra,
e nascer-lhe muito mais cedo o Sol no Veraõ, por causa da sua mayor
altura do Polo.

Mayores effeitos resultaõ do conhecimento dos gráos de latitude; porque
se sabe se o lugar está muito chegado à linha, ou pelo contrario ao
Norte; se a terra será quente, temperada, ou fria: se a gente será
alva, negra, ou morena, segundo a observaçaõ ordinaria fundada na mayor
visinhança, ou distancia do Sol. Tambem fica manifesta a quantidade dos
dias do anno; porque quanto menos saõ os gráos de altura, tanto mais
saõ iguaes os dias com as noites.

Finalmente do conhecimento do gráo de longitude, e latitude juntamente
resulta numa apta noticia para buscar no Mappa a terra que sabemos está
em tal gráo, e as leguas que dista huma da outra. Mas porque he util
saber a diversidade que ha de medidas itinerarias, conforme as varias
accepções das Provincias, informarey dellas com a melhor exacçaõ que me
foy possivel extrahir dos Authores.

  _Braça_          | 10. palmos de craveira, ou 6.
    _Portugueza.___|_  pés, ou 80. polegadas.
  _Covado_         | 3. palmos, ou 2. pés Portuguezes
    _Portuguez.____|_
  _Dedo._          | 4. grãos de cevada lateralmente
              ___|_  unidos.
  _Gráo em_        | 18. leguas.
    _Portugal._ ___|_
  --_Em Alemanha_  | 10. leguas das grandes: 12. das
                 |   medianas: 15. das pequenas,
                 |   conforme diz Briecio; porém
                 |   segundo Cluverio em Alemanha
                 |   hum gráo da Esfera corresponde
                 |   na terra a 5. leguas das
                 |   grandes, ou a 10. das medianas,
              ___|_  ou a 15. das pequenas.
  --_Em Italia.____|_60. milhas.
  --_Em França._   | 20. leguas das grandes, e 25.
              ___|_  das commuas.
  --_Em_           | 27. leguas das grandes: 50. das
    _Inglaterra.___|   medianas: 60. das pequenas.
  _Legua_          | 28168. palmos craveiros, ou
    _Portugueza._  |   2818. braças de 10. palmos
                            | cada huma, ou 3000. milhas
                         ___|_Italicas.
  --_Alemã_            | 6000. passos geometricos.
  _grande._            |
    _Mediana._         | 5000. passos.
    _Pequena._      ___|_4000. passos, segundo Briecio.
  --_Italica._      ___|_1000. passos.
  --_Franceza._     ___|_3000. passos.
  --_Ingleza._      ___|_2181. passos geometricos.
  --_Castelhana._   ___|_O mesmo que a Portugueza.
  _Milha._          ___|_1000. passos.
  _Palmo craveiro_  ___|_8. polegadas.
  _Passo commum_    ___|_4. palmos e meyo, ou 3. pés.
  --_Andante._      ___|_3. palmos, ou dous pés.
  --_Geometrico_       | 7. palmos e meyo de craveira
                         ___|_ escassos, ou 5. pés geometricos.
  _Pé Portuguez._      | 12. polegadas, ou palmo e meyo
                         ___|_ de craveira.
  --_Francez._      ___|_O mesmo.
  _Polegada._       ___|_10. pontos, ou linhas.
  _Toeza._             | 6. pés Regios. He propriamente
                         ___|_ medida Franceza.
  _Vara Portugueza.____|_5. palmos.
  --_Valenciana._   ___|_4. palmos.
  _Verga._          ___|_10. pés geometricos.

Entendida a configuraçaõ dos Mappas, ou Cartas Geograficas universaes,
facilmente se entendem as particulares; as quaes se forem de hum
Reino, se chamaõ Corograficas; e se representarem huma só Provincia, ou
Cidade, se chamaõ Topograficas. Nestas, para se saber a distancia que
ha de hum lugar a outro, o modo mais facil he applicar no Mappa hum pé
do campasso ao centro da cifrasinha, que em todos os lugares costuma
vir expressada na sua verdadeira situaçaõ local, e o outro pé à outra
terra; e depois transferindo assim o compasso aberto ao petipé, ou
escala das leguas, que se poem na parte mais desembaraçada da Carta,
este lhe mostrará a distancia.

Porém se a distancia dos lugares achados for mayor na abertura do
compasso, que a graduaçaõ do petipé, entaõ se tomará neste huma
distancia arbitraria de 10. ou 20. leguas, e transferindo o compasso ao
corpo do Mappa, irá regulando por linha recta de hum a outro lugar, até
fazer justa a mediçaõ.

Ha outros modos de achar a distancia de hum lugar a outro, sabidas
as suas latitudes, e longitudes verdadeiras, os quaes modos ensina a
Trignometria por via das Taboadas dos senos, e tangentes. Tambem pelo
quarto de circulo de reduçaõ, sabidas as differenças das latitudes, e
longitudes, he muito facil, e exacto, cujo uso se póde ver na Arte de
navegar do famoso Manoel Pimentel.

Pelo exame, e calculo destes modos formey as Taboas Topograficas,
e itinerarias das principaes terras de Portugal, advertindo que as
distancias das leguas de hum lugar a outro em as ditas Taboas saõ
tiradas por linha recta, conformando-me com as Cartas Geograficas de
Pedro Teixeira, e Joaõ Bautista Homannu, como já disse.

No mais estou certo, que assim como descubro defeitos nas Obras dos
outros, naõ ficarey tambem isento da censura, e reparos que os doutos
me fizerem, a cujo racionavel juizo me submeto; esperando que as
suas advertencias me sirvaõ de instrucçaõ para a emenda. Sobre tudo
protesto naõ haver escrito nesta Obra palavra, ou clausula que naõ seja
totalmente sujeita à correcçaõ da Santa Igreja Catholica Romana, a cujo
infallivel dictame rendo de boa vontade o meu entendimento.

                             [Illustração]


NOTAS DE RODAPÉ:

[1] Veja-se ao P. Azeved. no Trat. _Ilias in nuce_ pag. 52.

[2] Lips. lib. 2. epist. 51.

[3] Diod. Sicul. l. 1. sect .2.

[4] Laertius in ejus vita.

[5] Ælian. l. 3. c. 28. apud Cellar. lib. 1. c. 1. Geograph. antiq.

[6] Ptolom. lib. 1. c. 24.

[7] Pimentel na Arte de Navegaçaõ part. 1. c. 3.

[8] Vallemont nos Elem. da Histor. l. 2. c. 3.



                                INDICE

                          DOS CAPITULOS DESTE

                            primeiro Tomo.


                               PARTE I.


  Cap. I. _Da situaçaõ, etymologia, e clima
   deste Reino_, Pag. 1.

  Cap. II. _Memorias de algumas Povoações que
    existiraõ em Portugal, as quaes ou se mudaraõ
    em outras, ou totalmente se extinguiraõ_, 5.

  Cap. III. _Descripçaõ circular pela margem
    maritima, e raya terrestre_, 29.

  Cap. IV. _Divisaõ antiga_, 42.

  Cap. V. _Divisaõ moderna pelas Provincias_, 45.

  Cap. VI. _Dos Montes, Promontorios, e serras
    de mayor nome_, 81.

  Cap. VII. _Dos Rios, Ribeiras, e Lagoas mais
    consideraveis_, 99.

  Cap. VIII. _Das Fontes mais notaveis_, 148.

  Cap. IX. _Das Caldas_, 156.

  Cap. X. _Da Fertilidade do Reino em commum_,
    160.

  Cap. XI. _Dos Mineraes_, 169.

  Cap. XII. _Das Moedas de ouro, prata, e cobre
    antigas, e modernas que se tem lavrado
    em Portugal até o presente_, 177.

  Cap. XIII. _Da lingua Portugueza_, 193.

  Cap. XIV. _Do genio, e costumes dos Portuguezes_,
    201.


                               PARTE II.

  Cap. I. _Memorias dos primeiros Povoadores
  da antiga Lusitania_, 221.

  Cap. II. _Estado da Lusitania com a invasaõ
  dos Fenices, e Cartaginezes_, 236.

  Cap. III. _Conducta dos Portuguezes no governo
  dos Romanos_, 240.

  Cap. IV. _Entrada das Nações barbaras, e dominio
  dos Godos_, 254.

  Cap. V. _Invasaõ, e dominio dos Mouros_, 269.

  Cap. VI. _Erecção do Senhorio de Portugal separado
    dos mais dominios de Hespanha, e
    estabelecimento dos Soberanos Monarcas
    Portuguezes_, 281.

  Cap. VII. _Catalogo das Serenissimas Rainhas
    de Portugal_, 362.

  Cap. VIII. _Dos filhos legitimos, e illegitimos
    dos soberanos Reys de Portugal_, 376.

  Cap. IX. _Do governo antigo, e moderno da Casa
    Real_, 421.

  Cap. X. _Dos Officiaes, e ordem com que se assistia
    à mesa dos Reys_, 428.

  Cap. XI. _Do acompanhamento com que os Reys
    sabiaõ pela Cidade, e caminhavaõ com a
    Corte,_ 433.

  Cap. XII. _Dos Officiaes destinados para a caça,
    e montaria, e das Coutadas do Reino,_ 437.

  Cap. XIII. _Do estylo com que os Principes, e
    Embaixadores estrangeiros eraõ recebidos
    pelos nossos Reys, e do modo com que estes
    assistem no acto de Cortes_, 442.

  Cap. XIV. _Das ceremonias, e estylo que se praticava
    nas mortes dos Reys_, 446.

                             [Illustração]

                                 MAPPA

                                  DE

                               PORTUGAL.



                              CAPITULO I.

 _Da situaçaõ, etymologia, e clima deste Reino._


1 Na parte mais occidental da Europa, como coroa de toda a Hespanha,
sitio estabelecido da clemencia do Ceo para cabeça do mais dilatado
Imperio, está collocado o famoso Reino de Portugal entre o parallelo
de 37, e 42 gráos de latitude septentrional, e entre os 9, e 13
gráos de longitude,[9] cuja distancia intermedia reduzida a leguas,
commensuradas pela margem maritima, vem a fazer 100 no seu justo
comprimento, e 35 na sua mayor largura. De circumferencia tem 285
leguas: as 135 de ribeira maritima, respeitando alguns angulos; e as
150 de raya terrestre, conforme a Geografia Blaviana.[10]

2 Este calculo vay formado na hypotesi de que damos 18 leguas a cada
gráo do Meridiano, e 14 a cada gráo do parallelo; e que o Reino tem de
latitude 5 gráos com alguns minutos, e 3 de longitude.

3 As partes, ou limites confinantes saõ estes: Galiza fica-lhe ao
Norte, ou Septentriaõ; a costa do Algarve ao Sul, ou Meyo dia; o mar
Oceano, chamado de Portugal, pelo Occidente; e Castella a velha, Leaõ,
e Andaluzia confinaõ pelo Oriente.

4 O primeiro nome, que teve este Reino, foy o de _Lusitania_, querendo
os mais dos Geografos, e Historiadores que Luso, ou Lysias, filho de
Baco, fosse o que pelos annos 800 do diluvio universal lhe conferisse
o nome, deduzido com pouca differença do seu proprio.[11] Porém
este systema taõ constantemente recebido, e patrocinado padece as
contradições, que occasionaõ as fabulas, em que se funda.

5 Quem quizer dar credito ao doutissimo Samuel Bocharto,[12] a
palavra _Lusitania_ he vocabulo Fenicio, derivado da raiz _Luz_, que
se interpreta _Amydgdalum_, isto he, _Amendoa_, dos quaes frutos
foy sempre fertil Portugal:[13] e como os Fenices costumavaõ dar
nome às terras, que habitavaõ, conforme os frutos, de que eraõ
mais abundantes,[14] naõ parecia improvavel, nem incongruente esta
conjectura, por ser estabelecida em historia verdadeira, se acaso naõ
tivera tambem a objecçaõ de serem os Fenices os que só povoaraõ a costa
do cabo de S. Vicente, que naquelle tempo naõ se chamava Lusitania, mas
Celtica.

6 Mons. de La Clede[15] tem por etymologia mais certa deduzir a palavra
_Lusitania_ dos antigos povos chamados _Lusos_, que habitaraõ este
nosso continente, a qual na lingua Celtica significava homem de alta,
e robusta disposiçaõ, vocabulo conveniente ao valor, e esforço dos
antigos Portuguezes.

7 Quanto ao nome de _Portugal_, por naõ darmos derivaçaõ antiga a hum
vocabulo moderno, temos por mais certo que se deduzio da povoaçaõ
chamada _Cale_, que antigamente houve na margem austral do rio Douro,
fronteira à Cidade do Porto: a qual povoaçaõ pela frequencia das
gentes, que alli concorriaõ, se foy fazendo affamada. Depois com o
progresso do tempo se deu este mesmo nome à Cidade do Porto, que se
fundou defronte; e como a fortuna tambem favorece aos lugares, desde o
anno 1057 pouco mais, ou menos, como quer Estaço, ou 1069 como dizem
outros, se extendeo a todo o Reino aquelle nome de Portugal, que era
proprio de huma só Cidade.[16]

8 Naõ averiguamos se a palavra _Cale_, como quer Joaõ Salgado de
Araujo,[17] foy imposta por aquelles Gregos, que fizeraõ transito a
estas partes com o Principe Meneláo, e fundaraõ huma povoaçaõ na foz
do Douro com o nome de _Cale_, que significa _Porto ameno, e seguro_;
porque naõ sabemos que haja historia verdadeira, em que esta memoria
se possa fundar. Da mesma fórma rejeitamos todas as mais etymologias,
como improvaveis, e nugatorias.

9 Inclue-se Portugal no clima sexto, e principio do setimo, e por
isso he o seu mayor dia de 15 horas: mostrando-se neste breve espaço
de terra, taõ benigna a inclinaçaõ do Ceo, que em algumas das nossas
Provincias tempera de sorte os extremos do frio, e do calor, que faz
confundir os tempos com suavissima equivocaçaõ.[18] Com esta favoravel
temperança influem Sagittario, Capricornio, e Piscis com taõ feliz
aspecto, respirando neste Reino ares taõ benevolos, que o constituem
patria de todos; pois vemos que as gentes das mais remotas partes do
mundo attrahidas da benignidade deste clima, para aqui vem, e aqui
vivem longo tempo satisfeitos, sem estranharem a mudança dos ares, nem
com a saudade da patria, nem com a ausencia de seus patricios.

10 Deste influxo celeste nasce a fertilidade de terreno taõ fecundo
em todo o genero de frutos, summamente encarecidos dos Escritores
antigos:[19] e se agora naõ experimentamos taõ grande abundancia, he
porque nas comarcas do Reino se poupaõ mais ao trabalho da cultura com
a esperança da providencia alheya: e quando as terras estaõ vagas,
e ociosas, naõ podem corresponder a seus donos com fertilidades
sufficientes.[20]


NOTAS DE RODAPÉ:

[9] Sanson, e Joaõ Bapt. Hom. Mappa de Port.

[10] Geograf. Blavian.

[11] Plin. lib. 1. c. 3. Resend. lib. 1. de Antiq Maced. Flor. de Hesp.
c. 13. Exc. 3. n. 1. Baudrand. Diccion. Geogr. Brito Monarc. Lusit. p.
1. lib. 1.

[12] Bochart. l. 1. c. 35. Geogr. Sacr.

[13] Ludov. Robert. Map. Comerc. t. 2. pag. 22.

[14] Hoffm. Diccion. verb. _Lusit._

[15] De La Cled. Histor. de Portug. tom. 1. p. 6. mihi.

[16] Cellar. na Geogr. antig. tom. 1. lib. 2. c. 1. § 49. Argot. Antig.
de Brag. liv. 2. c. 7. e 9. Estaç. Antig. de Portug. c. 92. n. 2.
Marian. Hist. de Hesp. tom. 1. lib. 1. c. 4. Lima Geogr. de Portug. t.
1. pag. 188.

[17] Araujo Mart. Lusit. Certam. 1. art. 8. pag. 83. Torniel. ad ann.
1331. num. 2.

[18] Maced. Excel. de Port. cap. 1. Excel. 5. 6.

[19] Strab. lib. 5. Polyb. lib. 38. Athen. lib. 4.

[20] Mallet. Descrip. del Univ. tom. 4. pag. 175.



                             CAPITULO II.

 _Memorias de algumas Povoações, que existiraõ em Portuga1, as quaes ou
 se mudaraõ em outras, ou totalmente se extinguiraõ._

1 Esta respeitosa noticia, a que Plinio[21] dá o titulo de sagrada,
he conveniente saberse, naõ só para se conferir melhor o moderno com
o antigo, mas para se conhecer a excellencia dos lugares, a honra
que tiveraõ, a situaçaõ em que existiraõ, que tudo assás contribue
para a verdadeira Geografia, e Historia do Reino. He bem verdade, que
a antiguidade dos tempos, e a incuria dos homens fez perder muitas
memorias, que nos podiaõ servir de muito; e outros as involveraõ
em fabulas, que naõ nos servem de nada. Assim que, quanto nos for
possivel, manifestaremos a posiçaõ mais verosimil de alguns lugares
notaveis de Portugal, especialmente do tempo dos Romanos, que os
Vandalos, e Mouros arruinaraõ, demoliraõ, e escureceraõ.

2 _Aguas Celenas_, _Cilinas_, ou _Celanas_. Era povoaçaõ, que esteve
na Provincia do Minho. Lembraõ-se della Ptolomeu,[22] e Antonino em
seu Itinerario no segundo caminho de Braga para Astorga. Dos Geografos
modernos querem huns[23] que fosse onde está hoje o Lugar de _Faõ_,
meya legua acima da barra do rio Cávado da parte do Sul, e onde se
celebrou o famoso Concilio contra os Priscilianistas, em que presidio
S. Toribio em tempo de S. Leaõ Papa. Outros porém[24] o constituem em
Barcellos, persuadidos da semelhança do vocabulo do rio _Celano_, que
por alli passa, chamado hoje _Cávado_; porém estas conjecturas saõ muy
falliveis para estabelecer a Geografia verdadeira. Tenho por mais certo
o sitio que constitue Antonino, que he quatro legoas antes de chegar ao
Padraõ, como bem explica o Padre Mestre Flores na _Espanha sagrada tom.
15. pag. 75_.

3 _Aguas Flavias._ Todos concordaõ na verdadeira situaçaõ desta terra,
que era onde vemos hoje a Villa de _Chaves_.[25] Dizem que tomou este
nome dos banhos, que alli havia, e do Imperador Flavio Vespasiano,
a quem se dedicara huma notavel inscripçaõ. Foy colonia dos Romanos
muy frequentada, e ennobrecida por elles, como larga, e eruditamente
mostra o insigne indagador de antiguidades[26] Lusitanicas, o Reverendo
D. Jeronymo Contador de Argote. Veja-se tambem o Padre Mestre Flores
allegado.

4 _Aguas Layas_, ou _Leenas_. Na Carta Geografica de Abrahaõ Ortelio
achamos demarcado este lugar com o nome de _Aquæ Leæ Turudorum_ quasi
em 41 gráos de latitude, e 12 de longitude. Alguns[27] querem que
estivessem entre as Villas de _Monçaõ_, e _Valladares_: o que naõ póde
ser pela arrumaçaõ daquelle insigne Geografo. Nosso famoso Argote
persuade-se com razaõ[28] que esta era a Cidade de _Lais_, capital dos
povos Turolicos, e que existira, onde hoje chamaõ a Freguezia de S.
Martinho de _Lanhozo_, termo da Villa de Caminha.

5 _Ambracia._ O Illustrissimo D. Rodrigo da Cunha[29] diz que esta
Cidade estivera no sitio de _Barcellos_, a qual foy fundaçaõ dos
Gregos. Funda-se na authoridade de Rodrigo Caro,[30] que diz que a
_Ambracia_ em Portugal, onde foy martyrizado Santo Epitecto, estava
em hum lugar perto de Braga. Porém o Author do Agiologio Lusitano,
seguindo a Sandoval, naõ assente a isso,[31] porque diz que he
Placencia. Finalmente Joaõ Salgado de Araujo no _liv. 1. dos Successos
militares pag. 5. v._ diz que Ambracia estivera em Grecia, onde hoje
chamaõ Larta: o mesmo diz Poyares no _Diccionario Geografico_ com
Cellario na _Geografia antiga l. 2. c. 13. §. 177._

6 _Araduca._ Convem alguns dos Geografos[32] que estivesse esta Cidade
collocada onde hoje vemos a nobre Villa de _Guimarães_. E seguindo esta
opiniaõ Manoel de Faria, fallando da sobredita Villa de Guimarães,
diz:[33]

  _Na aldeya d’ Araduca celebrada
  Pela rara belleza das pastoras._

O mesmo diz Filippe de la Gandara nas _Armas, e Triunfos de Galiza cap.
17. num. 3._ Porém Gaspar Estaço[34] segue o contrario, e o intenta
provar com a arrumaçaõ, que lhe dá Ptolomeu na altura de 41 gráos,
e 50 minutos, e com 17 leguas e meya da boca do Douro, distancia
muy differente da que tem Guimarães, pois dista da boca do Douro 8
leguas sómente. Fr. Bernardo de Brito[35] diz que o que antigamente
foy _Araduca_, he hoje _Amarante_: e já houve quem disse que era
_Aljubarrota_. Eu pudera dizer muito mais, sobre ser Guimarães a antiga
Araduca, mas por ora basta o que está dito. Vejaõ os curiosos ao Padre
Mestre Flores, Author moderno, _tom. 15. da España sagrada pag. 286_.

7 _Araducta._ Conforme a situaçaõ do Mappa de Abrahaõ Ortelio, parece
ser a _Arouca_, que hoje existe.

8 _Aravor._ O Author da Corografia Portugueza[36] quer que fosse esta
huma Cidade em tempo dos Imperadores Trajano, e Adriano, em cujo sitio
está hoje a Villa de _Marialva_; porém esta noticia só neste Author a
achámos.

9 _Aricio Pretorio_, ou _Ayre_. Desta povoaçaõ se faz memoria no
Itinerario de Antonino Pio na terceira Via militar que hia de Lisboa
para Merida, e se persuadem Resende, e Vasconcellos,[37] que existia
nas ribeiras do Tejo, onde hoje está Benavente; porém como advertio Fr.
Bernardo de Brito, o sitio de Benavente tem algumas particularidades,
que naõ se compadecem com as confrontações do Itinerario de Antonino.
Gaspar Barreirros tem para si[38] que distava huma legua de Coruche,
onde agora está a Villa de _Erra_; porém Jorge Cardoso[39] diz que
estivera esta povoaçaõ duas leguas affastada de Abrantes, onde
chamaõ _Alvéga_, porque neste sitio ha vestigios antigos, que assim
o persuadem. Na Carta Geografica de Ortelio vemos demarcada _Aricio_
entre a Feira, e Arouca; e na altura de _Benavente_, ou _Salvaterra_ se
vê _Aritium Prætorium_, em que parece convir com Resende.

10 _Aroche._ Consta ser esta huma notavel Cidade, sobre cujas ruinas se
levantou depois a Villa de Moura no Alentejo, como eruditamente provaõ
Fr. Manoel de Sá,[40] e Resende com alguns cippos alli descobertos.

11 _Aunona._ O Doutor D. Joaõ Ferreras[41] persuade-se que esta Cidade
estava situada na Provincia do Minho junto ao rio Ave; porém nosso
Argote[42] naõ he desta opiniaõ.

12 _Auranca._ Existio esta povoaçaõ naõ longe do rio Vouga, 9 leguas de
Coimbra, segundo nos informaõ Brandaõ na Monarquia liv. 10. c. 18., e
Jorge Cardoso no Agiologio.[43]

13 _Balsa._ Tem para si o famoso antiquario Resende[44] que estivera
esta Cidade no Algarve, onde agora reside _Tavira_; mas, segundo
Ptolomeu, e Ortelio, parece ser _Castro-marim_. Todavia Christovaõ
Cellario segue a conjectura de Resende;[45] e Gaspar Barreiros em hum
manuscrito diz que he a aldea chamada _Simine_. Porém ou Balsa seja
Castro-marim, ou Tavira, o certo he que no termo de Beja na horta
chamada do Bacello, naõ longe de _Baleizam_, achou no anno de 1742 o
incansavel Padre Fr. Francisco de Oliveira Religioso Dominico, grande
imitador de Resende no descobrimento das antiguidades do nosso Reino,
hum cippo Romano sepulchral de Cayo Blosio Saturnino habitador de Balsa
erecto a sua filha; cuja inscripçaõ vem no _2. tom._ do _Diccionario
Geografico_ do P. Cardoso _a pag. 23._ e na Gazeta de 20 de Setembro de
1742. Donde sem muita violencia se póde conjecturar pela semelhança do
nome, que Balsa estivera no sitio de Baleizam. Naõ me intrometo nesta
antigualha; a qual acabaremos de entender, quando o sobredito Religioso
Fr. Francisco, nosso amigo, divulgar as antiguidades, e grandezas desta
Provincia, de que tem junto grosso cabedal.

14 _Benis._ Por algumas congruencias parece ao laborioso D. Jeronymo
Contador de Argote[46] que era esta huma Cidade Episcopal existente
perto da Villa de Caminha.

15 _Beselga._ Dentro dos termos de Thomar, e Torres-novas existio esta
povoaçaõ com titulo, e grandeza de Cidade. Hoje he hum lugar pobre,
e pequeno, que para memoria lamentavel do que foy, ainda conserva o
appellido em hum monte fronteiro, a que os moradores chamaõ _Monte da
Cividade_. Muitas ruinas antigas se descubriraõ nestes contornos, de
que se prova a sua verdadeira situaçaõ, como se persuade Cardoso.[47]
Fr. Leaõ de Santo Thomás persuade-se que he _Agueda_, huma legua de
Thomar.

16 _Britonia._ Grande controversia ha entre os Geografos sobre a
verdadeira situaçaõ desta Cidade. Que ella foy povoaçaõ florentissima
em tempo dos Suevos, e Godos, e gozou a honra de Cathedral com Bispos
dentro de Hespanha, he infallivel. Os Authores Castelhanos querem que
ella estivesse em Galiza, onde hoje está Oviedo, ou Mondonhedo, de que
os despersuade Jorge Cardoso.[48] Muitos dos nossos insistem,[49] em
que esta Cidade estivera no sitio de _Britiandos_, Abbadia de Ponte
de Lima. O Author da Corografia Portugueza a constitue no Lugar da
Freguezia de S. Martinho de _Birtello_, termo da Villa da Ponte da
Barca.[50] Ultimamente o incançavel, e erudito Padre Argote convem
em que existio junto do rio Lima,[51] fundando-se em mais provaveis
documentos.

17 _Calantia._ Querem que existisse esta povoaçaõ no Alentejo, e no
mesmo terreno de _Arrayolos_, dando-lhe por fundadores os Celtas.[52]

18 _Caldelas._ Na Freguezia da Magdalena, termo de Thomar, existe hum
Lugar com este mesmo nome, de que infere o Author da Corografia[53]
houvera alli antigamente a Cidade _Caldede_. E junto da Ermida de S.
Pedro se descobrem ainda muitas pedrinhas quadradas de varias cores,
que parece serviaõ em Templos, ao modo dos nossos azulejos. Descendo do
sobredito Lugar, apparecem por algumas quebradas pedaços de arcos de
pedra, e canos de metal, por onde lhe vinha agua de longe. Tambem seus
moradores tem achado algumas ferramentas de lavoura, e moedas de cobre,
das quaes confessa Jorge Cardoso[54] conservava huma com a effigie de
Antonino Pio de huma parte, e da outra a figura do rio Tibre.

19 _Caliabria._ Foy huma grande povoaçaõ dos Romanos, que existio na
Comarca de Riba Coa sobre o rio Douro no cimo de hum monte, que dista
huma legoa de Villanova de Foscoa entre o Norte, e Nascente, a cujo
sitio com pouca corrupçaõ seus moradores ainda hoje chamaõ _Calabre_.
As ruinas de suas muralhas daõ claros indicios da sua grandeza, como
bem diz a _Monarquia Lusitana liv. 5. c. 24._

20 _Cambeto._ O doutissimo Padre Argote intenta mostrar[55] que esta
Cidade estava situada onde agora chamaõ S. Salvador de _Cambezes_ no
Couto do Luzio, termo de Monçaõ; porém no mappa da antiga Lusitania,
composto por Abrahaõ Ortelio, a vemos situada com o nome de _Cambetum
Lubenorum_ na altura de 41 gráos de latitude, e 13 de longitude, que
deita mais para a Provincia de Tras os Montes, que do Minho.

21 _Campos Elysios._ Anda introduzida nas Historias de Hespanha a
antiga existencia destes campos constituidos de ameno, e delicioso
temperamento; mas como cada hum os leva para o terreno, que lhe figura
o desejo, he justo que averiguemos isto em beneficio da verdade
com alguma mayor extensaõ. Pertendem os Authores Castelhanos[56]
collocallos huns em Sevilha, outros em Andaluzia, outros em Cordova,
e em diversas outras Provincias. Os nossos Escritores[57] querem huns
que estivessem na Provincia do Minho, outros no Algarve, e outros na
Estremadura nos campos vizinhos de Lisboa, chamados _Lysirias_, como
se dissessemos _Elysirios_ ou _Elysirias_; porém o certo he que naõ
estiveraõ em parte alguma de Hespanha.

22 Dizem mais, que estes campos eraõ cheyos de summa delicia, onde todo
o anno havia perpetua Primavera, e estaçaõ florente, para o qual hiaõ
as almas dos Varões famosos descançar, como em premio de suas proezas.
O primeiro Author que innovou esta fabula, foy Homero,[58] o qual
introduzindo a Ulysses nas prayas do Oceano, lhe encarece a bondade do
clima; porém o sentido daquelle grande Poeta, segundo a mais racionavel
conjectura, foy encubrir com a supposiçaõ dos campos Elysios a noticia,
que aprendeo em os livros de Moysés do sagrado Paraiso.

23 Prova-se com o que diz S. Gregorio Nazianzeno,[59] que os Gregos,
offerecendose-lhes no animo certa especie do nosso Paraiso, o deraõ
a entender (ainda que discrepando alguma cousa em o nome) com outros
vocabulos, tomando-o de Moysés, e dos nossos livros. O mesmo reconheceo
Proclo de Hesiodo, pois ainda que confunde com o commum erro dos demais
Gregos as Ilhas dos Bem-aventurados com os campos Elysios, escreve,[60]
que quando aquelle Poeta nomea as Ilhas dos Bem-aventurados, parece
significar o Paraiso, ou o campo Elysio, chamado assim, porque
conservava indissoluveis os corpos. Christiano Bechmano[61] comprova
o mesmo parecer, convindo em que o Elysio dos Gentios naõ foy outra
cousa, que expressado debaixo de alguma sombra.

24 E pois he constante foy Homero o primeiro, em quem se offerece
celebrada a amena felicidade dos campos Elysios, naõ parece dubitavel
expressar nelle o Paraiso, quando S. Justino Martyr constantemente
assegura[62] tivera noticia delle o tal Poeta: ajuntando-se a isto o
quanto se conforma o aprazivel clima, e deliciosa morada dos campos
Elysios de Homero com o que referem as sagradas Letras teve o Paraiso,
que a nossa vulgata chama do _Deleite_, substituindo assim a voz
_Eden_, que conserva o Hebreo, como adverte S. Jeronymo.[63]

25 Disto se collige, que o animo de Homero naõ foy collocar os campos
Elysios na Hespanha, como julgou Estrabo,[64] a quem seguiraõ os mais,
que os situaõ nella; porém só quiz expressar com este nome o Paraiso
sagrado, de que faz memoria Moysés.[65] A causa porém, que commoveo
ao Poeta para collocar os sobreditos campos no ultimo Oceano, foy por
seguir a opiniaõ dos Orientaes, que affirmavaõ estivera o Paraiso
distante da terra habitada no mesmo Oceano, como seguio Santo Efrem,
conforme allega Moysés Barcepha,[66] e Malvenda.[67] Com esta breve
demonstraçaõ nos parece ficaráõ estes campos fantasticos excluidos
inteiramente das nossas Provincias.

26 _Canace_, ou _Canali_. Conforme diz Rodrigo Caro,[68] foy esta huma
Cidade, que Ptolomeu sitúa no Algarve, e assim a vemos collocada na
carta de Ortelio por cima de Tavira; porém Severim de Faria escreveo ao
Author da Benedictina Lusitana, dizendo-lhe, que a Cidade de _Canace_
estivera no sitio da Serra d’Ossa, onde chamaõ Val de Infante, quatro
leguas affastada de Evora.[69] Hauberto tambem a constitue junto de
Evora, e faz memoria de S. Mauricio Abbade Basiliense, que padecera
aqui martyrio.[70]

27 _Capara_. Padeceo engano Hauberto em dizer que ficava esta Cidade
junto de Evora,[71] porque, segundo a melhor conjectura, foy Cidade
habitada pelos povos Vetones, segundo Ptolomeu; e Ortelio a poem quasi
na latitude de 40 gráos, e 13 de longitude. Hoje fica fóra dos limites
de Portugal, e como diz Argaes,[72] pertence ao Bispado de Placencia.

28 _Carmona._ O Author da Benedictina Lusitana diz,[73] que cinco
leguas de Braga, junto à estrada, que vay para Vianna, duas leguas
pouco mais, ou menos, antes della ao pé de hum monte existira
antigamente huma povoaçaõ grande com o nome de _Carmona_, cujas ruinas,
e vestigios se vaõ de quando em quando descubrindo.

29 _Cauca._ Tenho para mim que padeceo engano Jorge Cardoso[74] em
collocar esta Cidade no sitio de Villapouca de Aguiar, entre Chaves,
e Villa-Real, a quem seguiraõ Macedo,[75] e outros; porque mais me
accommodo ao exame do estudiosissimo Argote,[76] e tambem porque vejo
no Mappa de Ortelio arrumada esta Cidade na altura de 41 gráos de
latitude, e perto de 15 de longitude, naõ pouco distante de Segovia.

30 _Ceciliana._ O Itinerario de Antonino sitúa esta povoaçaõ entre
Setubal, e Alcacer do Sal. Plinio lhe chama _Castra Ceciliana_, talvez
deduzido de Cecilio Metelo, que deu nome a este Lugar. Huns querem que
seja hoje Agualva, tres leguas de Setubal, outros Alcaçovas, o que
naõ póde ser. D. Francisco Manoel diz que he ou a Galvea, ou Agua de
Moura. Com o mesmo nome de _Castra Celicis_ vejo huma povoaçaõ situada
na Carta de Abrahaõ Ortelio junto de Meribriga, que he em 38 gráos, e
5 minutos de latitude, e 12 gráos, e 5 minutos de longitude, e outra
quasi na mesma latitude, e 14 gráos de longitude.

31 _Celiobriga._ Foy o que agora he _Celorico de Basto_, ou nas suas
visinhanças. Consta da inscripçaõ, que se achou em huma pedra na
Igreja de Santa Senhorinha de Basto, que allega Argote nas Memorias do
Arcebispado de Braga.[77]

32 _Centocellas._ Defende Jorge Cardoso[78] a situaçaõ desta Cidade
junto ao rio Zezere no Bispado da Guarda, e perto de _Belmonte_, onde
permanece huma Ermida de S. Cornelio, proxima a huma torre quadrada
de obra Romana, onde diz estivera prezo este Santo; o que tambem
confirma Joaõ Salgado de Araujo no liv. 3. das guerras da Provincia da
Beira pag. 100.: porém o Padre Fr. Antonio da Purificaçaõ,[79] e os
incansaveis Antiquarios Argote, e Leal[80] mostraõ com evidencia ser
erro de Cardoso.

33 _Cinania._ Desta Cidade faz mençaõ Valerio Maximo,[81] encarecendo
muito o valor de seus moradores, e dizendo, que ficava na Lusitania.
Fr. Bernardo de Brito,[82] e seu abbreviador Manoel de Faria[83]
mostraõ que estivera fundada junto de _Roriz_. Pertende porém Gaspar
Estaço mostrar,[84] e o Padre Henrique de Abreu no discurso, que faz
sobre esta Cidade, que estivera junto da Serra do Maraõ,[85] onde
ha passagem aos que vaõ da Beira para o Minho pela estrada, que da
Villa de Teixeira vay a Amarante. Aqui ao pé da serra está a Villa
de Mejaõ frio, e huma legua pela ribeira do Douro acima está o Lugar
de Cidadelhe, e ao Norte ha ruinas de grande povoaçaõ: aqui prova o
dito Author foy Cinania. Jorge Cardoso[86] a poem na eminencia de hum
monte sobre o rio Ave, legua e meya distante de Guimarães. O Author
da Corografia Portugueza[87] a descobrio entre Lanhoso, e o Couto de
Pedralva. Modernamente o Padre D. Jeronymo nas Memorias eruditissimas
de Braga[88] confessa, que he incerta a precisa situaçaõ de Cinania.

34 _Cetobriga._ Foy huma Cidade do Gentilismo, em cujas ruinas se
fundou a Villa de Setubal. Fr. Bernardo de Brito,[89] seguindo a
Floriaõ do Campo, e a outros, diz, que fora fundada, e povoada por
Tubal o anno 145 depois do diluvio, e lhe chamara _Cethubala_, ou
_Cætum-Tubalis_, que quer dizer ajuntamento de Tubal, de cujo nome
com pouca mudança se deduzio _Setubal_. Porém André de Resende,[90] e
Diogo de Paiva dizem, que naõ póde ser; antes o Paiva com tenacidade
a constitue em Andaluzia. O que temos por mais provavel he o que diz
o famoso Resende, que houve duas povoações deste nome: a antiga,
onde agora está o sitio chamado Troya, que naquelle tempo se dizia
_Cetobriga_, e significava Cidade de muito, e grande peixe; porque
_Briga_ na lingua dos antigos Lusitanos queria dizer Cidade,
ou fortaleza, e _Cete_ peixes grandes. Desta opiniaõ he Gaspar
Barreiros,[91] o qual affirma, que no seu tempo havia no sitio desta
Troya vestigios de humas salgadeiras, em que seccavaõ o peixe, porque
se fazia aqui huma grande pescaria delle; e que debaixo da agua se
mostravaõ ainda ruinas de edificios, cousa, que tambem testifica
Resende. Extincta finalmente a antiga _Setubal_, ou _Cetobriga_ na
geral destruiçaõ de Hespanha, se passaraõ alguns moradores dos que
restaraõ para defronte, e principiaraõ a povoar nova colonia naquelle
sitio, intitulando-a da mesma fórma _Cetobriga_. Correndo depois
o tempo, se veyo a chamar _Cetobala_, e dahi _Cetubala_, e hoje
_Setubal_. Desta opiniaõ he Luiz Nunes,[92] Christovaõ Cellario,[93]
e convem no mesmo Villalpando _in Ezechielem tom. 2. p. 16._ Affirma
tambem o allegado Resende, que no sitio de Troya, ou antiga Cetobriga
está por cima da porta da Igreja de Nossa Senhora huma cabeça de
carneiro em pedra, e lhe parece que houvera alli hum templo de Jupiter.
De outras pedras alli descubertas faz tambem memoria o sobredito
Antiquario.

35 _Collipo._ Foy esta Cidade Municipio Romano, e nas suas ruinas
se levantou a Cidade de _Leiria_, como he constante entre todos os
Geografos.[94]

36 _Concordia._ Teve esta Cidade seu assento huma legua affastada de
Thomar para o Occidente, onde se descobrem ainda vestigios de sua
antiguidade. Ptolomeu se lembra desta povoaçaõ, pondo-a na Lusitania,
e quasi com elle concordaõ Bivar,[95] Plinio, e outros.[96] Houve
outra Concordia junto ao rio Guadiana, que antigamente se chamou
Bertobriga, Bocoris, ou Nortobriga, de que falla Pedro de Medina.[97]
Jorge Cardoso[98] diz, que guardava em seu poder algumas moedas achadas
no sitio da primeira Concordia, que bem provaõ a antiga certeza desta
povoaçaõ. Author ha, que diz he _Tentugal_.

37 _Contraleucos_ conforme Ortelio; ou _Catraleucus_ segundo Ptolomeu,
foy povoaçaõ Romana, de cujas ruinas se erigio a Villa do Crato, como
o mostra Fr. Leaõ de Santo Thomás na _Benedictina Lusitana_. Outros
querem que seja Castello-branco. Verdade seja que esta povoaçaõ, no
conceito de D. Francisco Manoel he huma das que por nenhum modo saõ
hoje por nós conhecidas.

38 _Egitania._ Foy no sitio de Idanha a velha huma Cidade nobilissima
em tempo dos Romanos, e Municipio seu muy estimado. O Doutor Manoel
Pereira da Silva Leal, dignissimo Academico Regio, escreve della
eruditamente nas Memorias da Guarda.[99]

39 _Eminio._ Hoje he o Lugar de _Agueda_ no termo de Aveiro. Foy
povoaçaõ notavel da Lusitania, e Cidade Episcopal. Teve Prelados, de
que se acha a memoria de Gelasio pelos annos 411 de Christo, e de
Possidonio pelos annos 589. Ortelio lhe dá tambem o nome de _Colubria_.
O Academico Manoel Pereira da Silva Leal[100] pertende mostrar que naõ
tivera Bispos, como alguns affirmaraõ. Fallaõ della Plino, e Ptolomeu
_apud Cellarium l. 2. c. 1. §. 9._

40 _Equabona._ He hoje a Villa de Coina. Por aqui continuava a primeira
via militar dos Romanos, que hia de Lisboa para Merida.

41 _Eritreia_, ou _Erythia_. Encontramos muito embaraçada entre os
Authores a situaçaõ desta Ilha. Fr. Bernardo de Brito,[101] seguindo
a Pomponio Mela,[102] diz, que estivera na Costa de Portugal, e
que havendo aqui pelos annos de Christo 582 hum grande terremoto,
se apartara da terra firme, e o que ficou he ao que agora chamamos
_Berlengas_, talvez deduzido da palavra _Londobris_, que tambem lhe
dá Ortelio. Esta opiniaõ seguem Resende, Baudrand, Luiz Marinho de
Azevedo, e outros, que este allega.[103]

42 Porém Diogo de Paiva[104] persuadido com a geral confusaõ de alguns
Authores em naõ distinguirem a Ilha Erythia da de Cadis, e Tarteso,
he de contrario parecer. Os Romanos tiveraõ o abuso de chamar come
mesmo nome de Cadis as outras Ilhas, que estavaõ immediatas a ella, da
maneira que se chamaõ hoje ilhas de Cabo-Verde, e das Canarias todas as
que se conservaõ sujeitas às duas principaes, como cabeças de todas as
outras suffraganeas, como bem observa o Marquez de Montejar nas suas
eruditas Disquisições;[105] e assim he infallivel ser diversa esta Ilha
das outras, e o mostraõ Salmacio, Rufo Festo Avieno, Samuel Bocharto,
Rodrigo Caro, Christovaõ Cellario, e outros.[106]

43 _Eburobricio._ Questionaõ os Geografos sobre a verdadeira situaçaõ
desta terra. Diogo Mendes de Vasconcellos, e Gaspar Barreiros[107]
dizem, que estivera no sitio, onde hoje está _Evora de Alcobaça_; porém
Fr. Bernardo de Brito,[108] reprovando a Vasconcellos, diz que fora em
_Alfezeiraõ_; mas em outra parte duvída.[109] Mons. de La Clede[110] no
Mappa da antiga Lusitania nenhuma duvida poem em situar a _Alfezeiraõ_
no mesmo lugar de _Eburobricio_, e quasi na mesma altura se conformaõ
os mappas de Ortelio, e Cellario. Do antigo templo, que houve aqui
dedicado a Neptuno pelo famoso Capitaõ Decio Junio Bruto, consta a
grande resistencia, que os seus moradores fizeraõ ao poder Romano pelos
annos 130 antes de Christo Senhor nosso vir ao mundo.[111]

44 _Evandria._ He Olivença. Antonino lhe chama Evandriana.

45 _Flaviobriga._ O Doutor Joaõ de Barros na Descripçaõ do Minho tem
para si que estivera esta povoaçaõ no sitio de _Favayos_, Villa da
Provincia Transmontana, onde affirma que vira letreiros, que assim o
testemunhavaõ. Foy huma das Cidades, que edificou ElRey Brigo.

46 _Foro dos Limicos._ Era huma Cidade collocada junto do rio Lima.
O Padre Argote persuade-se que estivera no sitio, a que hoje chamaõ
_Santo Estevaõ da Faxa_.[112]

47 _Foro dos Narbassos._ Foy Cidade cabeça de huns Póvos assim
chamados, que existio perto de Braga, conforme a conjectura do
incansavel Argote.[113]

48 _Gerabrica_, ou _Jerabrica._ Segundo a Geografia de Fr. Bernardo
de Brito[114] esteve esta Cidade situada onde vemos hoje a Villa de
_Póvos_. Prova-o este Author com o Itinerario de Antonino, o qual
assina de Lisboa a Jerabrica trinta mil passos, que fazem as sete
leguas, que se contaõ desta Cidade àquella Villa. Porém Gaspar Estaço,
Gaspar Barreiros, e Brandaõ mostraõ com o mesmo Itinerario, que
_Jerabrica_ foy o que hoje he _Alamquer_.[115]

49 _Lacobriga._ Em tempo dos Romanos foy Cidade muy famosa, e lembra-se
della Baptista Mantuano,[116] quando diz, que erigira o Senado desta
povoaçaõ sete estatuas a Ardiboro, Capitaõ insigne do Imperador
Valentiniano, as quaes prostraraõ os Vandalos, quando a tomaraõ. Das
suas ruinas se edificou a Cidade de _Lagos_ no Algarve, e neste sitio
vemos collocada a sua arrumaçaõ no Mappa de

Ortelio, e de Pomponio Mela, com quem se conforma Vasconcellos,[117]
donde parece receber engano Vasco Mousinho de Quevedo, equivocando
Lagos com Lamego,[118] e a mesma equivocaçaõ encontro em Gabriel
Pereira,[119] porque une os póvos da Serra da Estrella com os de
Lacobriga, que sendo Lagos, eraõ Provincias muy distantes. Talvez
que tudo proceda de se equivocarem com outra povoaçaõ, que ficava
junto de Lamego, porém mais encostada para o mar, a que Ortelio chama
_Langobrica_, que Vasconcellos tem pela Villa da _Feira_. Ha quem diga
que _Lacobriga_ he a Villa de _Abrantes_, outros do _Landroal_, e Joaõ
de Mariana diz, que he a Villa de _Alvor_, fundada por Anibal. Parece a
outros ser Santiago de Cacem, como diz D. Francisco Manoel na carta 62.
da centuria 3.

50 _Magneto._ Foy na opiniaõ de alguns huma Cidade em tempo de Romanos,
e existio onde hoje chamaõ _Santa Maria de Meinedo_, que he hum Lugar
do Bispado do Porto.[120]

51 _Merobriga._ De duas povoações com este mesmo nome achamos memoria
em Portugal: huma no sitio, onde está Montemór o velho; outra em
Santiago de Cacem. Consta da Carta Geografica de Abrahaõ Ortelio.
Plinio as confunde; porém nosso Resende assenta, que a verdadeira foy
onde agora he _Santiago de Cacem_.[121] Aqui se venera na Matriz a
notavel reliquia do Santo Lenho, que D. Bataza lhe deixou. Tambem na
escada exterior da casa da Camera se vê a inscripçaõ do famoso Medico
Cassio Januario natural de Beja. Resende se persuade, que esta terra
fora conquistada aos Mouros por D. Bataza; o que naõ foy assim, como
declara Brandaõ na Monarquia liv. 16. cap. 35.

52 _Myrtilis Julia_. Esteve esta famosa Cidade, e Municipio no sitio
de _Mertola_. He indubitavel. Antonino assina 36000 passos até Béja,
que saõ nove leguas das nossas, distancia verdadeira, que ha de huma a
outra parte. Quasi todos os Geografos se conformaõ nesta situaçaõ.[122]

53 _Moro_ foy huma antiga Cidade situada nas ribeiras do Tejo, de
cujas ruinas a mayor parte dos Geografos dizem se levantou o Castello
de Almourol, posto que pela semelhança do nome, parece mais fundaçaõ
dos Arabes. Cuidaõ alguns que existira onde agora vemos, ou Punhete,
ou Tancos, ou Payo de Pelle. Estrabo no _liv. 3. da sua Geografia_ se
lembra della, quando disse que M. Bruto fizera de Moro fronteira para
conquistar os Lusitanos.

54 _Nabancia._ Era huma povoaçaõ, que ficava para a parte do Nascente
da Villa de _Thomar_, onde affirmaõ nascera a gloriosa Virgem, e Martyr
Santa Iria.[123] Na divisaõ dos Bispados, que fez Wamba, se lhe dá o
nome de _Naba_,[124] conforme a intelligencia de Argote.

55 _Norba Cesarea._ O Capitaõ Braz Garcia Mascarenhas, governando a
Praça de Alfayates na Beira, diz, que descubrira os claros vestigios
desta Cidade entre Alafões, e Salvaterra, e entre os rios Elja, e
Ponsul, onde chamaõ os Toulões.[125] Hoje he _Alcantara_.

56 _Numancia._ Naõ he facil julgar o verdadeiro sitio desta famosa
Cidade pela nimia variedade de opiniões, que achamos nos Escritores.
Nenhum melhor que o eruditissimo Argote[126] soube aclarar esta
confusaõ, distinguindo tres Cidades com este proprio nome; e com bons
fundamentos mostra que nenhuma existio no sitio, em que alguns dos
nossos Authores pertendem anciosamente collocalla, que he onde chamaõ
_Nemaõ_, meya legua distante da Villa do Freixo junto ao Douro; e saõ
deste parecer Brito, Brandaõ, Cardoso, e Joaõ Salgado de Araujo com
mayor tenacidade,[127] a cujos fundamentos responde bem o sobredito
Padre Argote.

57 _Obobriga._ Padeceo erro o Author da Corografia Portugueza[128] em
collocar esta povoaçaõ na Villa de _Monçaõ_: mais ajustada congruencia
tem em dizer que foy _Orosia_, posto que o insigne Argote o tem por
fabula.[129]

58 _Ossel_, ou _Osset_. Tambem naõ lidaõ pouco os Historiadores, e
Geografos em averiguar a genuina situaçaõ local desta Cidade. Fr.
Bernardo de Brito tem para si que estivera no Valle Ossella, tres
leguas distante de Arouca, Bispado de Lamego;[130] e accrescenta, que
neste sitio achara vestigios daquelle notavel Templo, onde havia a Pia
baptismal milagrosa, e que no meyo de huns cumulos de pedra estava huma
cova feita ao comprido, cuberta de silvas, a que chamavaõ o banho, onde
parece que naquella consumida reliquia perseverava ainda a tradiçaõ do
tal prodigio.

59 Todavia Fr. Antonio da Purificaçaõ mostra[131] que esta terra teve
sua existencia naõ longe de Viseu: que na sua principal Igreja houvera
huma reliquia de Santo Estevaõ muito milagrosa: que ainda no seu tempo
havia huma Ermida de fabrica antiquissima: que pouco adiante para a
parte do mar está huma fonte, que chamaõ das virtudes: que mais para
baixo estaõ naquelles contornos huns campos chamados de _Assem_, que
bem mostra ser vocabulo derivado de _Ossem_.

60 Jorge Cardoso[132] julga que ficava Osset junto de Agueda, e que
era Cidade taõ forte, que a ella se fora refugiar Santo Hermenigildo
o anno 581 para rebater a furia de Leovigildo, como dizem alguns
Historiadores.[133] D. Joseph de Santa Maria Carthusiano, Vigario do
Convento de Nossa Senhora de las Cuevas em Sevilha, sahio à luz o
anno de 1630 com hum livro sobre a situaçaõ de _Ossel_, e a colloca
na Betica, seguindo a opiniaõ de Rodrigo Caro, a que Joaõ Franco
Barreto lhe responde na Historia dos Bispos de Evora cap. 11. 12. 13.
Porém huma das razões, que ha para desfazer estas conjecturas, he a
authoridade de S. Maximo, que expressamente diz ficava a tal povoaçaõ,
e Bautisterio no Bispado de _Pax Augusta_,[134] que he Badajoz.

61 _Ossonoba_, a que Plinio chama _Lusturia_,[135] e Bocharto[136]
interpreta Fortaleza de Baal, esteve nas visinhanças de Faro no
Algarve, onde hoje chamaõ _Estoy_. Foy Cidade famosa, e nobre, pois
teve Cadeira Episcopal, como se collige de alguns Concilios, em que
se vem assinados varios Bispos com o titulo de Ussonobenses, os quaes
numéra o Catalogo dos Bispos do Algarve, que vem no fim das suas
Constituições. Em tempo dos Romanos foy Republica. Consta de hum
cippo, que está na muralha da fortificaçaõ de Faro, cujas letras se
podem ver em Resende, e Grutero.[137] Strabo[138] lhe chama Sonoba, se
acaso naõ he outro Lugar, como escrupuliza Bocharto. Na invasaõ dos
Mouros padeceo naõ só a ruina das suas fabricas, e muros, mas do nome,
porque lhe chamaraõ _Exubona_. Duarte Nunes,[139] e o Padre Poyares naõ
distinguem Estoy de Estombar, sendo elles taõ diversos. D. Rodrigo da
Cunha,[140] e Jorge Cardoso cahiraõ na mesma confusaõ, sendo que este
emendou o erro, retratando-o em outro lugar.[141]

62 _Panonias._ Foy huma Cidade, que no tempo dos Romanos existio no
terreno de Villa-Real, onde hoje está a Aldea chamada o _Assento_, da
Freguezia de S. Pedro de Val de nogueiras: assim o mostra largamente o
Reverendo Padre Argote.[142]

63 _Pineto._ Era outra Cidade situada no lugar, que hoje chamaõ _Val
de telhas_, cinco leguas distante da Villa de Chaves, e foy povoaçaõ
Romana, como affirma o mesmo erudito Argote.[143]

64 _Salacia._ De duas Cidades com este mesmo nome achamos memorias que
existiraõ em nosso continente: huma cinco leguas de Braga, no sitio,
onde chamaõ _Salamonde_; assim o prova Argote[144] com o Itinerario
de Antonino: a outra Salacia esteve onde hoje vemos _Alcacer do Sal_,
e foy Cidade, que os Romanos chamaraõ Imperatoria, honra, que lhe deu
Augusto Cesar, fazendo-a tambem Municipio.[145]

65 _Scalabis._ He sem controversia a Villa de Santarem, a que os
Romanos tambem chamaraõ _Julium Præsidium_. Em tempo dos Godos mudou o
nome de Scalabis no que hoje possue, adquirindo-o da Santa Virgem, e
Martyr Irena, cujo tumulo, naõ sem mysterio se conserva nas aguas do
Tejo defronte de Santarem, o qual melhor pronunciado he o mesmo que
_Santa-Irene_.

66 _Talabrica._ Quasi todos os Geografos convem em ser esta Cidade
collocada antigamente onde está hoje _Aveiro_;[146] só Rodrigo Mendes
da Silva, seguindo a Floriaõ do Campo,[147] diz que Aveiro naõ foy a
_Talabrica_, mas sim a _Labara_, o que naõ he provavel, porque Labara
he hum Lugar pequeno sobre o mar no termo do Porto. Duarte Nunes a
constitue junto de Aveiro na ribeira do Vouga onde ha o lugar chamado
Cacîa, e na parte da Ermida de S. Juliaõ; com quem se conforma Gaspar
Barreiros pag. 51.

67 _Tubuci_ foy povoaçaõ dos Romanos, de cujas ruinas, conforme
diz Resende, se erigio Abrantes, e se comprova com o Itinerario de
Antonino; o qual na segunda via militar, que descreve de Lisboa para
Merida, assina de Scalabis a Tubuci trinta e dous mil passos, que fazem
as oito leguas, que ha de Santarem a Abrantes. Alguns attribuem Tubuci
a Tancos.

68 _Tuntobriga._ Foy huma Cidade, que pertencia à Chancellaria de
Braga, e de que se naõ sabe mais que o nome.

69 _Vacca._ Persuade-se Jorge Cardoso no tom. 2. do Agiologio pag.
65. que esta antiga Cidade estivesse onde hoje vemos erecta a de
Viseu; porém Plinio, e Ptolomeu naõ fazem della mençaõ. O Author da
Corografia Portugueza diz, que por tradiçaõ a Cidade antiga chamada
_Vacca_ estivera onde hoje he a Villa de Vouga na Comarca de Aveiro:
porém quando trata da Cidade de Viseu, traslada tudo que achou em Jorge
Cardoso, convindo com elle em ser Viseu a antiga Vacca.

70 Outras muitas povoações existiraõ em nosso Reino em tempo dos
Romanos, que se achaõ mencionadas nas Taboas de Ptolomeu, e Cartas de
outros Geografos, posto que nós naõ conhecemos, nem lhe podemos saber o
verdadeiro significado, mais que por conjectura, assim como fez Argote
com algumas da Provincia Bracarense. Das que sem muita controversia
podemos declarar situadas em varias partes do nosso continente, saõ as
que numeraõ Resende, e Vasconcellos, a saber:

  _Ad septem Aras_                 Açumar, ou Alegrete.
  _Amæa_                           Portalegre.
  _Aquæ Flaviæ_                    Chaves.
  _Aritium Prætorium_              Benavente.
  _Arucitana_                      Moura
  _Balsa_                          Tavira.
  _Bracara Augusta_                Braga.
  _Brætoleum_                      Vianna de Caminha.
  _Budua_                          Botova, ou Ouguella.
  _Calantica_                      Arrayolos.
  _Calem_                          Porto.
  _Ceciliana_                      Agualva, ou Agua de Moira.
  _Cellium_                        Ceice junto de Thomar.
  _Cetobriga_                      Setubal.
  _Collipo_                        Leiria.
  _Concia_                         Miranda do Douro.
  _Conimbrica_                     Condeixa a velha.
  _Ebora_, ou _Liberalitas Julia_  Evora.
  _Eburobritium_                   Evora d’Alcobaça.
  _Elteri_                         Alter do Chaõ.
  _Eminium_                        Agueda.
  _Equabona_                       Coina.
  _Forum Limicorum_                Ponte de Lima.
  _Fraxinum_                       Alpalhaõ, ou Gaviaõ.
  _Helvij_                         Elvas.
  _Jerabrica_                      Póvos, ou Alenquer.
  _Igædita_                        Idanha, ou Guarda.
  _Lacobrica_                      Lagos.
  _Lama_, ou _Lameca_              Lamego.
  _Lancobrica_                     Feira.
  _Malceca_                        Marateca.
  _Matusaro_                       Ponte de Sor.
  _Medobrica_                      Aramenha.
  _Merobriga_                      Santiago de Cacem.
  _Moro_                           Almorol, ou Punhete.
  _Myrtilis Julia_                 Mertola.
  _Næbia_                          Neiva.
  _Olisipo_, ou _Fælicitas Julia_  Lisboa.
  _Ossonoba_                       Estoi junto de Faro.
  _Pax Julia_                      Beja.
  _Portus Anibalis_                Villanova de Portimaõ.
  _Salacia_, ou _Urbs Imperatoria_ Alcacer do Sal.
  _Saurium_                        Soure.
  _Scalabis_, ou _Julium Præsidiũ_ Santarem.
  _Serpa_                          Serpa.
  _Talabrica_                      Aveiro.
  _Tubuci_                         Abrantes.


NOTAS DE RODAPÉ:

[21] Plin lib. 8. Epist. 24. _Revertere gloriam veterem, & hanc ipsam
senectutem, quæ in homine venerabilis, in urbibus sacra est_.

[22] Ptolom. apud Cellar. lib. 2 cap. 1. Geogr. antiq. Veja-se Botelho
no Alfonso liv. 3. est. 77.

[23] Cardos. Agiol. Lusit. tom. 3. pag. 627. Corog. Port. tom. 1. p.
310. Argot. Antig. de Brag. t. 1. c. 2.

[24] Villalob. Nobiliarch. Portug. pag. 89. Corogr. Port. t. 1. pag.
296.

[25] Resend. lib. 1. Antiq. Lusit. Cellar. Georgr. antiq. lib. 2. c. 1.
§. 51. Vasæus Chronic. Hispan. pag. 254. Gruter. pag. 156. n. 4.

[26] Argot. Antig. de Brag. t. 1. lib. 2. c. 3. 4. 5. Et de antiq.
Convent. Brachar. lib. 1. cap. 3.

[27] Gaspar Barreir. na Corogr.

[28] Argot. Mem. do Arceb. de Brag. tom. 1. pag. 323.

[29] Cunha Histor. Eccl. de Brag. part 1. c. 19. Villasboas Nobil.
Port. pag. 79.

[30] Rodr. Caro in notis ad Dextr. ann. 265. _Ambrasia in Lusitania S.
Epitectus ejusdem Civitatis civis, & Pontifex Martyr Christi_

[31] Agiol. Lusit. tom. 3. pag 38.

[32] O Campo Chron. p. 1. lib. 3. c. 27. Argot. Antig. de Brag. t. 1.
lib. 2. c. 6. n. 513. D. Franc. Man. Cent. 3. Cart. 62. p. 425.

[33] Faria Fonte de Aganip. p. 2. Eclog. 4. Est. 10.

[34] Estaç. nas Antig. de Port. c. 20.

[35] Monarc. Lusit. liv. 2. cap. 11.

[36] Corogr. Portug tom. 2. pag. 308.

[37] Resend. de Antiq. Lusit.

[38] Gasp. Barr. na Corogr.

[39] Cardos. no Agiol. tom. 3. p. 371.

[40] Sá Mem. Hist. part. 2 p. 1. & seq. Resend. de antiq. lib. 4. pag.
mihi 171.

[41] Ferreras Histor. de Hesp. part 3. ad ann. 466

[42] Argot. Antig. de Braga tom. 1. p. 376.

[43] Cardos. Agiol Lusit. tom. 2. p. 344.

[44] Res. lib. 4.

[45] Cellar. lib 2. Geogr. antiq. cap. 1.

[46] Argot. Mem. de Brag. tom. 1. lib. 2. c. 6. n 516.

[47] Cardos. Agiol. Lusit. tom. 3. p. 760. V. Argais na Poblacion
Ecclesiast. de Hespanh. ad ann. 893.

[48] Cardos. Agiol. Lusit. tom. 2. p. 23.

[49] Monarq. Lus. l. 7. c. 23. Fr. Leaõ Benedict. tr. 2. p. 2. c. 21.

[50] Corogr. Port. t. 1. p. 237.

[51] Argot. Mem. de Brag. t. 2. p. 682.

[52] Vasconc. in not. ad Resend. lib. 1. p. 258. Rodr. Mend. Poblac.
gen. de Hesp. p. 135. D. Franc. Man. cent. 3. cart. 62. Corogr. Port.
t. 2. p. 525. Agiol. Lus. tom. 3. p. 86. Cardoso no Diccion. Geogr.
tom. 1. p. 487.

[53] Corogr. Port. tom. 3. p. 175.

[54] Cardos. Agiol. Lusit. tom. 3. p. 761.

[55] Argot. Mem. de Brag. tom. 1. p.316.

[56] Rodr. Car. Antig. de Sevilh. Caram. Explicac. Mystic. de las armas
de Hespanh. p. 72.

[57] Heit. Pint. in Ezech. cap. 13. Maced. Flor. de Hespanh. cap. 1.
exc. 6. Far. Epit. p. 4. lib. 5. cap. 4. Becan. in Hermat. p. 229. Luiz
Mar. Antig. de Lisb. D. Franc. Man. cent. 3. cart. 62. Corogr. Port.
tom. 1. p. 209. Lacerd. in l. 6. Virgil. Æneid.

[58]

  _Elysium in campum, terrarumque ultima tandem
  Dii te transmittent, stat flavus ubi Rhadamanthus
  Existitque viris, ubi vita, facilima durans
  Non hyemis vis multa: nives non ingruit imber
  Stridula, sed semper Zephyrorum flamina mittit
  Ingens Oceanus, senimina grata virorum._

  Homer. Odyss. d. vers. 113.

[59] S. Gregor. Nazianz. orat. 20. p. 333. _Paradisi videlicet nostri
speciem quandam animo intuentes, atque ex Mosaicis, ut opinor,
nostrisque libris, tametsi in nomine nonnihil discreparit, aliis tamen
vocabulis, hoc ipsum indicantes._

[60] Proclus in Hesiod. fol. 27. _Beatorum insulas cum dicit Paradisum,
aut campum Elysium significare videtur, sic dictum, quod corpora servet
indissolubilia._

[61] Bechman. de origin. ling. Latin. p. 333.

[62] S. Justin. in Cohortat. ad Græcos p. 27. _Permulta esse à Poeta,
ex Divinis quoque Prophetarum libris in opus suum relata... Deinde
verò, ut Paradisi effigiem Alcinoi horti conservarent, fecit illos
florentes, & frugum ubertate scatentes._

[63] Div. Hieron. in Genes. cap. 2. vers. 15.

[64] Strab. de Situ Orbis lib. 3. p. mihi 143.

[65] Genes. 5.23.

[66] Barcepha de Paradis. cap. 12.

[67] Malvend. de Parad. lib. 1. cap. 9.

[68] Rodrig. Car. ad ann. Christ. 419.

[69] Benedict. Lusit. tom. 1. pag. 304.

[70] Haub. Chron. ad ann. 420.

[71] Haubert. ad ann. 86.

[72] Argaes Poblacion Eccles. de Hesp. tom. 1. fol. 10.

[73] Benedict. Lus. tom. 2. p. 109.

[74] Cardos. Agiol. Lus. tom. 1. p. 172.

[75] Maced Flor. de Hesp. excel. 10. n. 3. P. Purific Chronic. de S.
Agost. p. 2. liv. 7. tit. 1. § 1.

[76] Argot. Antig. de Brag. part. 1. p. 377.

[77] Argot. Mem. de Brag. tom. 1. p. 318.

[78] Cardos. Agiol. Lusit. tom. 1. p. 338.

[79] Purific. Chron. August. tom. 1. p. 215. vers.

[80] Argot. Mem. de Brag. tom. 2. p. 694. Leal, Mem. do Bispad. da
Guard. part. 1. tit. 3. cap. 2. n. 202. 203. 204.

[81] Valer. Maxim. l. 6. cap. 4.

[82] Monarq. Lusit. part. 1. liv. 3. cap. 13.

[83] Far. Epitom. p. 110. part. 2. cap. 10.

[84] Estaç. Antig. de Portug. cap. 19.

[85] P. Abreu no fim da vida de S. Quiteria p. 307.

[86] Cardos. Agiol. Lusit. tom. 1. p. 320. e tom. 3. p. 17.

[87] Corog. Port. tom. 1. p. 162.

[88] Argot. Mem. de Brag. p. 386. e 457.

[89] Monarq. Lusit. p. 1. cap. 3. Heit Pint. in Ezech. cap. 27. Far.
Europ. Portug. tom. 3. part. 3. cap. 3.

[90] Resend. l. 4. de Antiq. p. mihi 216. Paiv. no Exame de Antiguid.
p. 9.

[91] Barreir. Corograf. p. 63.

[92] Luiz Nunes cap. 38.

[93] Cellario Geograf. Antiq. liv. 2. cap. 1 § 16.

[94] Plin. liv. 1. cap. 24. Gruter. p. 1155. Vasconcel lib. 5. de
Eborensi Municip. p. mihi 24. Duarte Nun. Deser. de Portug. p. 13.
Brandaõ t. 3. Cardos. no Agiol. t. 2. p. 374. Barreiros na Corograf. p.
50. v.

[95] Bivar ad ann. 145.

[96] Plin. liv. 4. cap. 22. Benedict. Lusit. part. 4. trat. 2. p. 173.
Abreu Vid. de S. Quiter. p. 203.

[97] Medin. l. 2.

[98] Cardos. Agiol. Lusit. tom. 3. p. 760. & tom. 1. p. 457.

[99] Leal, Mem. do Bisp. da Guard. p. 14. & seq.

[100] Id. Dissertaç. Exegetic. not. 5. n 28.

[101] Monarq. Lusit. liv. 5. cap. 26.

[102] Mela liv. 5. cap. 24.

[103] Resend lib. 2. Antiq. p. 66. mihi. Baudrand. Diction. Geogr.
verb. _Erythia._ Marinh. de Azeved. Antiguid. de Lisb. p. 105.

[104] Paiv. Exam. de Antig. p. 42.

[105] Montejar, Antig. de Hesp. part. 2 disquis. 5. §. 2. cap. 2.

[106] Salmac. Exercit. Plinian. p. 284. Avien. in Oris maritim. vers.
308. Bochart. Geograf. Sacr. p. 679. Car. Antig. de Sevilh. l. 3. cap.
25. Cellar. Geogr. antiq. liv. 2. cap 1. §. 127.

[107] Vasconcel. in Annotat. ad Resend. Barreir. Corograf. p. 50.

[108] Monarq. Lusit. liv. 3. cap. 11.

[109] Ibid. l. 5. cap. 17.

[110] De La Cled. Hist. de Portug. tom. 1.

[111] Monarq. ut supr.

[112] Argot. nas antiguid. da Chancellar. de Brag. p. 128.

[113] Argot. Mem. do Arceb. de Brag. liv. 2. cap. 6. n. 525.

[114] Monarq. Lusit. liv. 6. cap. 4.

[115] Estaç. Antig. de Portug. cap. 87. Barreir. Corog. tit. de
Talaver. Brand. Monarq. Lusit. liv. 10. cap. 34.

[116]

  _Dicitur Ardiburi posuisse Lacobriga septem
  Victori toties statuas, totiesque per illum
  Eruta Wandalicis bello insurgente procellis._

  Mantuan. in Agelaric.

[117] Vasconcel. Descript. Regn. Lusitan. p. 797.

[118] Mousinh. no Afric. cant 3. est. 14.

[119] Gabr. Pereir. na Ulyss. cant. 8. est. 146.

[120] Argot. Mem. de Brag. liv. 4. cap. 4. p. 670.

[121] Resend. de Antiq. Lusit. lib. 4. p. mihi 188. e 209.

[122] Andr. Schotti, Isaac Vosio, Plinio, Antonin, e outros apud
Cellar. lib. 2. cap. 1. §. 20. Geograf. antiq.

[123] Monarq. liv. 9. cap. 27. Agiol. Lusit. tom. 2. p. 68.

[124] Argot. Mem. do Arc. de Brag. p. 649.

[125] P. Henriq. de Abreu, Vid. de S. Quiter. p. 203.

[126] Argot. Mem. do Arceb. de Brag. l. 2. cap. 14. dissert. 3.

[127] Monarq. Lusit. liv. 6. cap. 2 & 16. cap. 45. Cardos. Agiol.
Lusitan. tom. 2. a 20 de Abril, & tom. 3. p. 726. Arauj. nos Success.
Milit p. 109. & seqq.

[128] Corograf. Port. tom. 1. p. 210.

[129] Argot. Mem. do Arceb. de Brag. p. 396.

[130] Monarq. Lusit. liv. 6. cap. 11.

[131] Purific. Chronic. August. tom. 1. p. 134. vers.

[132] Cardos. Agiol. Lusit. tom. 2. p. 546.

[133] Fr Leaõ de S. Thom. Benedictin. Lusit. tom. 2 p. 279. Saavedr.
Coron. Gotic. part. 1. cap 12.

[134] S. Max. ad an. 550. _Prope Osset oppidum Lusitaniæ in Diœcesi
Pacis Augustæ fontes Baptismatis in pervigilio Paschatis excitantur_.

[135] Plin. l. 3. cap. 1.

[136] Bochart. Geogr. Sacr. lib 1. cap. 34. tom. 2.

[137] Resend. l. 4. p. 201. Gruter. p. 274.

[138] Strab. liv. 3. p. 99.

[139] Nun. Descr. de Portug. pag. 13. Poyar. Diccion. Geogr. pag. 184.

[140] Rodrig. da Cunh. Hist. de Brag. part. 2. cap. 61. Cardos.
Agiolog. Lusit. tom. 1. Prolog. § 6.

[141] Id. Card. tom. 2. Agiol. p. 10. Vide etiam Argaes Dialog. 3. cap.
8.

[142] Argot. Memor. do Arceb. de Brag. p. 325.

[143] Id. ibid. p. 359.

[144] Ibid. p. 370.

[145] Plin. lib. 4. cap. 22. Barreir. Corogr. p. 63.

[146] Cellar. Geogr. antiq. lib. 2. cap. 1. §. 9.

[147] Mend. da Silv. Poblac. gen. de Hesp.



                             CAPITULO III.

 _Descripçaõ circular pela margem maritima, e raya terrestre._


1 Antes de entrarmos a ver o Reino interiormente, faremos pela parte
de fóra hum giro, ou descripçaõ hydrografica, e geografica, rodeando-o
todo, e informando dos principaes portos, surgidouros, e praças
fronteiras, de que consta. Principiando pois pela margem septentrional,
o primeiro porto, que se nos offerece, he

2 _Caminha_. Fica esta barra sobre o rio Minho, e he o termo, que
divide Portugal de Galiza, ficando-lhe opposta a Villa da Guarda, e os
Lugares de Tamugem, Rosal, e outros dos Galegos. Na entrada tem huma
Ilha, onde está o forte de Nossa Senhora da Insoa. Faz esta Ilha duas
barras pequenas: huma para o Norte, e he perigosa: outra para o Sul; e
continuando a distancia de tres leguas para o Meyo dia, segue-se

3 _Viana_ na foz do rio Lima: he barra estreita, e da parte de fóra da
ponta do Norte ha hum recife, que corre ao Sul, e dá capacidade para
ancorarem embarcações naõ muito grandes, porque hoje está mais entupida
de arêas. Sobre a barra tem hum Castello com cinco baluartes, dous
revelins, e defronte da mesma barra tem mais huma plataforma para sua
defensa. Daqui se continúa até

4 _Esposende_, que dista de Viana tres leguas para o Sul. Nesta barra,
onde desagua o rio Cávado, naõ ha surgidouro capaz de embarcações
grandes, porque de maré cheya naõ tem mais que duas braças escaças de
agua, e assim só caravellas lhe frequentaõ o porto. Corre o rio Cávado
por entre a Villa de Esposende, e o Lugar de Faõ, ficando aquella para
a parte do Norte, e este do Sul. Defronte deste Lugar, quasi meya legua
da barra, estaõ huns penhascos, que correm de Norte a Sul hum quarto de
legua em tres fileiras, a que os mareantes chamaõ _Cavallos de Faõ_,
entre os quaes, e a terra podem bordejar navios, pois tem cinco, ou
seis braças de fundo em preamar. O Author da Corografia Portugueza tom.
1. pag. 310. diz, que este era o porto, em que se carregavaõ de ouro as
frotas delRey Salamaõ, àcerca do qual veja-se tambem a Antonio de Sousa
de Macedo nas Flores de Hespanha cap. 4. excel. 2. O mais certo he, que
foy este o porto, donde sahiaõ as armadas dos Romanos para fazerem as
suas conquistas. Vindo caminhando para o Sul o espaço de tres leguas,
segue-se a

5 _Villa do Conde_. Dá entrada a esta barra a foz do rio Ave, porém
estreita. Na boca da barra tem hum forte de cinco baluartes delineado
pelo insigne Engenheiro Italiano Filippe Tersio. Daqui vay correndo a
marinha até o

6 _Porto_, quatro leguas para o Sul, deixando neste caminho o porto de
Leça, ou de Matozinhos. Faz nesta barra sua foz o rio Douro, e fica
distante da Cidade meya legua. Ha na barra duas lages, huma da parte do
Norte, e outra do Sul, por entre as quaes he a carreira ordinaria de
entrar, e sahir, mas ha de ser com tres quartos de agua cheya, sendo
navio grande, e entrando de Veraõ; porque de Inverno sempre he perigosa
pela mayor quantidade de arêas, que se ajuntaõ. Perto da entrada da
barra para a parte do Norte está o Castello de S. João da Foz em
quadro prolongado; consta de quatro baluartes pequenos. Hum dos seus
lados estreitos, que olha ao Poente, cahe sobre o mar, e no outro lado
opposto está a porta cuberta com hum pequeno revelim. Aqui se termina a
Provincia do Minho; e continuando da barra do Porto sempre para o Sul o
espaço de dez leguas, se encontra a primeira barra da Beira, que he

7 _Aveiro_. Desagua aqui o rio Vouga, e fica a barra distante da Cidade
tres leguas: he larga na boca, e chega a ter em preamar vinte e quatro
palmos de agua de alto, porém he mudavel, por ser de arêa. Corre da
ponta da barra até a Villa de Ovar hum canal profundo pela distancia
de sete leguas, e retalhando a terra com varios braços, e esteiros no
ambito de quinze leguas, se reparte em muitas peninsulas, e lizirias,
onde se fabricaõ marinhas de sal clarissimo, e se cultiva todo o
genero de lavoura. Proseguindo o espaço de oito leguas ao Sudoeste,
encontramos a barra do

8 _Mondego_. He na entrada baixa, e para dentro montuosa. Na boca
da barra para o Norte está o forte de Santa Catharina, e fora do
forte meya legua na Costa fica a Villa de _Boarcos_, onde tambem ha
surgidouro com seis, ou sete braças de fundo de arêa. Na distancia
de dez leguas tambem para o Sudoeste segue-se já na Provincia da
Estremadura a

9 _Pederneira_. He enseada pequena, onde só entraõ patachos, e
caravelas. Para a parte do Norte está na eminencia do monte a Igreja
de Nossa Senhora de Nazareth, imagem milagrosa, e bem conhecida pelo
concurso de muitas romagens. Daqui pela mesma linha a pouco espaço de
duas leguas está

10 _Selir_, pequeno porto. Verdadeiramente esta barra pertence à Villa
de S. Martinho, e está entre duas serras de grandes penhascos, por onde
entra hum braço de mar, que pela parte da terra faz huma enseada, que
terá meya legua de circuito, onde se abrigaõ caravelas, e patachos. De
Selir, continuando a Costa para o Sudoeste cinco leguas, segue-se

11 _Peniche_, onde tambem chamaõ _Cabo de Carvoeiro_. Fica, estando a
maré cheya, a modo de peninsula, donde tomou o nome. Da banda do Norte
he terra baixa, e do Sul he onde tem o surgidouro em seis, ou sete
braças de fundo. Duas leguas para o Oeste do cabo de Peniche estaõ
duas Ilhas pequenas com muitos penhascos ao redor, a que chamaõ as
_Berlengas_, onde ha a fortaleza de S. Joaõ. Do cabo de Peniche para
o Sul, caminhando onze leguas, está a _Ericeira_, e a pouco espaço o
_Cabo da Roca_. Para diante mais duas leguas está _Cascaes_, onde ha
capacidade de se dar fundo, pois tem dezoito até vinte braças de alto.
Daqui proseguindo interposto o espaço de duas leguas, se encontra o
famoso porto de

12 _Lisboa_. Esta barra, onde desemboca o Tejo, está no meyo de duas
fortalezas, chamadas vulgarmente de S. Giaõ, ou Juliaõ, e S. Lourenço,
ou Torre do bogio, que outros dizem Cabeça seca, em distancia huma
da outra de 980 passos geometricos de sete palmos e meyo cada passo.
Em tempo do insigne Geografo Estrabo tinha a boca desta barra 2500
passos; agora se tem estreitado muito mais, e por causa dos cachopos,
que existem no meyo della, se faz difficil a entrada, a qual se divide
em dous canaes: o que toma por entre os cachopos, e a fortaleza de S.
Giaõ, chama-se canal da terra, e he perigoso: o que vay por entre os
cachopos da Trafaria, e a Cabeça seca, ou fortaleza de S. Lourenço,
chama-se carreira da alcaçova, e he a mais segura, porque tem 500
braças de largo, e 9 de alto com bom fundo. Entrando pela barra dentro,
a duas leguas se vê a formosa torre de Belém, obra delRey D. Manoel,
fundada 200 passos sobre o Tejo; e continuando a pequena distancia de
huma legua da parte do Norte, se vê a grande Cidade de Lisboa: mas como
o Tejo fórma aqui o mais famoso porto do mundo, e hum grande seyo,
fazendo-se navegavel no espaço de vinte leguas, posto que naõ continue
na mesma largura, daremos noticia de todos os portos, que ha desde a
barra para dentro do Tejo de huma, e outra parte.

  _Portos do Tejo da parte do      Portos do Tejo da parte do
     Sul.                            Norte._

  Trafaria.                       S. Giaõ.
  Portinho de Costa.              Oeiras.
  Torre velha.                    Caxias.
  Porto brandaõ.                  Carcavelos.
  Manatega.                       Paço d’Arcos.
  Alfansina.                      Cartuxa.
  Arrabida.                       Boa Viagem.
  Arialva.                        Santa Catharina.
  Fonte da pipa.                  Pedrouços.
  Cassilhas.                      Belém.
  Caramujo.                       Junqueira.
  Motella.                        Santo Amaro.
  Oliveirinha.                    Alcantara.
  Corroyos.                       Pampulha.
  Santa Martha.                   Santos velhos.
  Talaminho.                      Caes do Tojo.
  Amora.                          A Dizima.
  Rio dos Judeos.                 Remolares.
  Arrentella.                     Corpo Santo.
  Seixal.                         Caes da Pedra.
  Rosario.                        Alfama.
  Porto dos PP. Paulistas.        Caes do Carvaõ.
  Aldeya.                         Bica do Sapato.
  Cabo da Linha.                  Santa Apollonia.
  Coina.                          Cruz da Pedra.
  Fornos delRey.                  Madre de Deos.
  Palhaes.                        Xabregas.
  A Telha.                        Grilo.
  A Verderena.                    Beato Antonio.
  Barreiro.                       Poço do Bispo.
  Lavradio.                       A Martinha.
  Barra a barra.                  Braço de prata.
  Alhos vedros.                   Cabo rubo.
  Moita.                          Unho de D. Garcia.
  Esteiro furado.                 Marvilla.
  Sarilhos grandes.               Olivaes.
  Sarilhos pequenos.              Sacavem.
  Aldeya Galega.                  Aqui desagua este rio no Tejo
  Lançada.                        por huma grande boca, fazendo
  Quinta de D. Maria.             huma profundissima foz; e
  Samouco.                        ficando quasi ao Norte da Cidade,
  Alcouxete.                      volta contra o Noroeste, onde
  Barroca d’Alva.                 se encontraõ os vistosos portos
  Pancas.                         de _Unhos_, _Frielas_, _Mealhada_,
  Çamora Correa.                  _Granja_,_ Marnotas_, _Santo Antonio
  Benavente.                      do Tojal, &c_. Continuando pela
                                  marinha direita, segue-se:

  Salvaterra.                     Massaroca.
  Escaroupim.                     Santa Iria.
  Mugem.                          Povoa.
  Santa Martha.                   Alverca.
  Almeirim.                       Alhandra.
  Chamusca.                       Villa-Franca.
  Pinheiro.                       Póvos.
  Moita.                          Castanheira.
  Barca.                          Villa-Nova.
  Brito.                          Azambuja.
  Santa Margarida.                Casa branca.
  Crucifixo.                      Valada.
  &c.                             Porto de Mugem.
                                  Santarem.
                                  Azinhaga.
                                  Labruja.
                                  Cardiga.
                                  Barquinha.
                                  Tancos.
                                  Payo de pelles.
                                  Praya.
                                  Punhete.
                                  Redemoinhos.
                                  Abrantes.

Tornando agora a seguir o progresso da marinha do Oceano Lusitanico,
prosegue a Costa da Roca de Cintra até o

13 _Cabo de Espichel_ na distancia de oito leguas ao Sudueste. Em outro
tempo se chamou Promontorio Barbarico, habitaçaõ dos póvos Sarrios. No
cimo desta serra está hum Templo dedicado à milagrosa Imagem de Nossa
Senhora do Cabo. Pouco mais para diante huma legua está

14 _Cezimbra_, em que ha fortaleza, e se póde surgir. Daqui à Arrabida
ha duas leguas, e junto della a _Torre de Outaõ_, e huma enseada para
setias, e barcos de tres vélas. Na distancia de huma boa legua para
Leste se offerece a barra de

15 _Setubal_, que tem em preamar cinco braças, e em baixamar vinte
e seis palmos. Faz aqui o Oceano huma grande enseada, e vem nella
mergulhar suas correntes o rio Sadaõ. Distante de Setubal quinze leguas
fica

16 _Sines_ já no Reino, e Provincia do Algarve, onde ha surgidouro em
dez, ou quinze braças. Vay daqui correndo a Costa ao Sul vinte leguas
até o Cabo de S. Vicente, chamado Promontorio Sacro; mas neste caminho
mais tres leguas se vê a

17 _Ilha do Pessegueiro_, antigamente chamada Petanio, como diz Joaõ de
Mariana liv. 1. cap. 21. entre a qual, e a terra ha surgidouro em duas,
e tres braças. Para diante ao Sul mais duas leguas está a barra de

18 _Odemira_, capaz sómente de caravelas, e tem duas varas de fundo.
Caminhando-se para diante sete leguas, está

19 _Arrifana_, onde ha huma enseada, na qual se póde surgir em oito
até doze braças. Segue-se em distancia de cinco leguas o Cabo de S.
Vicente, e na pequena distancia de huma legua para o Lesueste está

20 _Sagres_, que da parte de Leste em huma enseada abrigada tem
surgidouro com quatorze, e quinze braças de fundo. Cinco leguas para
diante continúa

21 _Lagos_. Tem hum porto capaz de receber grandes armadas em sete para
oito braças de fundo, e defendido da fortaleza chamada da _Bandeira_,
bem guarnecida de artelharia, encontrando-se por esta Costa outras
muitas fortalezas, que a defendem. Naõ está muito longe de Lagos a foz
de

22 _Alvor_. Foy na opiniaõ verosimil fundaçaõ de Anibal, chamada
_Portos Anibalis_. Navega-se da sua foz até à Villa em lanchas.
Defronte de Alvor meya legua ao mar está huma pedra, que naõ apparece
senaõ em baixamar de aguas vivas. Huma legua para Leste segue-se

23 _Villa-Nova de Portimaõ_, em cuja barra por causa dos bancos de arêa
moviveis se naõ entra sem Piloto pratico. Tem na entrada dous fortes,
hum ao Poente chamado de Santa Catharina, e outro ao Nascente, a que
chamaõ de S. Joaõ, com duas batarias. Terá a barra de preamar vinte e
tres palmos, e de baixamar dez, com que tem capacidade para bastantes
embarcações grandes. Daqui se navega até Sylves, que lhe dista duas
leguas, mas sómente se póde ir em barcos, porque esta bahia tem só meya
legua de comprimento capaz. Descobre-se logo

14 _Albofeira_, onde está o Cabo de Carvoeiro, e nelle hum forte da
Senhora da Incarnaçaõ. Daqui tres leguas para Leste está a Villa de
Albofeira no fundo de huma enseada feita por dous cabos, hum da parte
de Leste, outro de Oeste. Segue-se

25 _Faro_, a entrada de cuja barra he estreita, e fica para a parte de
Leste da Cidade, da qual dista legua e meya. Mais adiante cinco leguas
vemos.

26 _Tavira_, cuja barra terá de surgidouro cinco braças de fundo, e
he defendida por duas fortalezas bem artilhadas. Está para diante a
Villa de Cacella, e logo mais tres leguas, continuando a mesma Costa do
Algarve, está ultimamente

27 _Castro-Marim_ defronte de Ayamonte, que lhe fica da outra parte do
rio Guadiana, o qual desemboca por aqui no mar Oceano, e separa o Reino
do Algarve de Andaluzia. Costeando, e subindo por este rio cinco leguas
com os olhos ao Norte, vemos a Villa de

28 _Alcoutim_, ultima do Reino do Algarve, e fronteira a S. Lucar do
Guadiana. Tem seu Castello, e recinto de muros antigos em terreno
levantado. Pouco mais para cima entra o rio Vascaõ no Guadiana, e
separa o Algarve do Campo de Ourique. Segue-se a Praça de

29 _Mertola_ já no Alentejo, e junto ao Guadiana, onde tem tres váos, o
do Carvoeiro, o dos Moinhos, e o das Vacas. Seguindo para cima a margem
do Guadiana, encontramos na distancia de seis leguas a Praça, e Villa de

30 _Serpa_, a qual com as de _Moura_, _Mouraõ_, _Olivença_, _Ouguela_ e
_Noudar_ estaõ no destricto de Andaluzia em huma lisonja, ou cotovelo
de terra, que alli se fórma da parte direita, pondo-nos voltados ao
Norte, deixando à maõ esquerda o Guadiana, cujas terras ficaraõ sendo
nossas desde o anno de 1297 pela concordata, ou tratado de Alcanisses,
que fez ElRey D. Diniz com ElRey D. Fernando IV. de Castella. Pela
margem do mesmo Guadiana está _Jurumenha_, e depois segue-se

31 _Elvas_, fronteira a Badajoz, donde dista tres leguas, e duas
da ribeira do Caya, que divide Castella de Portugal. He Praça bem
fortificada, e de notavel aqueducto. Para diante logo duas leguas está
a Praça de

32 _Campo-Mayor_ em huma grande planicie muy bem fortificada ao moderno
com lago de agua nativa no seu fosso. Daqui para diante seguem-se
_Arronches_, _Alegrete_, _Portalegre_, _Marvaõ_, _Castello de Vide_, e
_Montalvaõ_, Praças todas fronteiras de Castella. Faz por aqui o Tejo a
separaçaõ das duas Provincias Alentejo, e Beira, entrando, ou correndo
por entre Malpica, e Monforte. Passando o Tejo, a primeira Praça, que
se encontra na Beira, indo por esta parte, he

33 _Rosmaninhal_, que de huma parte está fortificada com o Tejo, e de
outro lado com o rio Elja, que faz aqui sua foz. No demais he cercada
de espessura, que a faz muy defensavel. Para diante duas leguas junto
ao rio Elja está a Villa de

34 _Segura_ com seu Castello pequeno, porém que descortina bem o campo.
Vem por aqui o Elja fazendo a raya terminativa de Portugal, e Castella
de Norte a Sul. Adiante para o Norte legua e meya está a Villa de

35 _Salvaterra da Beira_ com Castello forte bem descortinado, e
guarnecido de presidio. Tem opposta a Villa de Sarça, e tambem mais
para dentro a Villa de Alcantara, Praça de armas Castelhana, que se
oppoem às tres Villas nossas Salvaterra, Segura, e Rosmaninhal. Nas
costas de Salvaterra cinco leguas fica _Idanha nova_, cuja aspereza
de sitio serve de fortaleza. Caminhando tres leguas para o Nascente,
segue-se

36 _Penagarcia_ com Castello forte sobre penhasco. Tem humas montanhas,
que lhe servem de grande defensa, e confiança contra qualquer
temeridade inimiga, que intentar invadirnos por aqui. Nas costas de
Penagarcia está situada

37 _Idanha a velha_ quasi em peninsula, que fórma o rio Ponsul: he
sitio doentio, mas tem muros fortes. Na distancia de huma legua
segue-se a Villa de

38 _Monsanto_ com seu Castello fundado em hum monte das mais raras
asperezas, e altura, que dizem ha em Hespanha, porque se despenha a
todos os lados por mais de meya legua. Tem esta Villa a singularidade
de que sendo sitiada desde donde lhe podem deitar o cordaõ, póde
para dentro delle lavrar paõ, vinho, e azeite para se sustentar, sem
o inimigo lho poder impedir: por isso entre os Castelhanos anda hum
adagio, que diz: _Monsanto, Monsanto, orejas de mulo, el que te ganare,
ganar puede el mundo_; e já os Romanos a tiveraõ sete annos de cerco.
Tem por opposto o Castello de Trebejo. Passadas tres leguas, segue-se
ao Norte.

39 _Penamacor_, cuja Villa, e Castello está sobre hum eminente
penhasco, e he por sitio inexpugnavel. Oppoemse-lhe o Castello de
Elges. A tres leguas de Penamacor está a Villa do

40 _Sabugal_ com muito bom Castello, e detrás delle a Villa de Sortelha
inexpugnavel. Do Tejo até perto do Sabugal se corre a raya com Castella
de Norte a Sul, e desde o Lugar de Meimaõ corre Leste Oeste pela serra
de Malcata até o Lugar de Lagiosa, quatro leguas do Sabugal. De Lagiosa
até o Douro corre a raya Nornordeste a Susudueste, e onde começa a
fazerse esta raya fica a Villa, e Praça de

41 _Alfayates_, tres leguas do Sabugal. Sendo Governador desta Praça
o Capitaõ Braz Garcia Mascarenhas, foy cercada com gyro de 4680 pés
geometricos, excepto as voltas dos baluartes, que tem altura de vinte
e cinco pés. Foy obra de importancia. Tem por oppostos os Castellos de
Payo, e Albergaria. Seguem-se _Villar-Mayor_, e _Castello Mendo_, duas
leguas em distancia hum do outro, indo sempre ao Norte. Outras duas
para diante está _Castello Bom_, e mais outras duas a Praça de

42 _Almeida_, a quem faz frente Cidade Rodrigo. He das melhores Praças
do Reino. Está em huma campina raza, que se descobre por alcance de
vista desde huma legua; e com ser terra chã, se descobrem della terras
de onze Bispados, Lamego, Guarda, Coimbra, Viseu, Braga, Miranda,
Porto, Coria, Ciudad Rodrigo, Placencia, e Salamanca. Na mayor
eminencia tem sua fortaleza, que domina bastantemente o terreno. Tres
leguas para o Norte segue-se

43 _Castel-Rodrigo_ em sitio alto, e forte. Tem esta Villa as armas
Reaes deste Reino ao revés o elmo para baixo, por naõ querer dar
entrada a ElRey D. Joaõ I. passando por alli para Chaves, porque seus
moradores seguiaõ o partido da Rainha de Castella Dona Brites. Acabada
de costear a Provincia da Beira, se passa aqui o Douro, que a divide
de Tras os Montes, onde vemos logo o _Castello d’Alva_, e _Freixo
de Espadacinta_ em sitio baixo, mas com cinco torres, e fortaleza
grandiosa. Segue-se o _Mogadouro_, a _Bemposta_, _Penas-Royas_,
_Algoso_, terras todas fronteiras do Reino de Leaõ. Depois segue-se

44 _Miranda do Douro_ collocada sobre asperos penhascos, a quem o
rio, que lhe dá o nome, a separa pelo Nascente de Castella. Tem bom
Castello com artelharia, e faz frente a Carvalhaes. Segue-se _Vimioso_,
_Outeiro_, cinco leguas cada huma de Miranda; e contaremos nove, se
passarmos daqui Nornoroeste a

45 _Bragança_, a qual existe nas margens do rio Fervença, que a aparta
da raya de Galiza, tendo por opposta a Puebla de Senabria na distancia
de quatro leguas. Seguem-se já na raya de Galiza

46 _Vinhaes_, _Monforte do Rio livre_, _Chaves_, _Montalegre_; e
avisinhando pelo rio Lima, deixando a serra do Maraõ, e entrando na do
Gerez, em cujo encontro se dividem as duas Provincias Minho, e Tras os
Montes, se avistaõ nesta linha alguns Castellos, como o de _Lanhoso_
em correspondencia da fortaleza de Araujo; o _Castello da Nobrega_
com as terras de Entrimo por fronteiras; o _Castello de Lindoso_, a
quem se oppoem o Lugar de Ferreiros; o _Castello Laboreiro_, que tem
por opposto o da Lobeira, tudo na raya de Galiza fronteira do Minho.
Segue-se a Villa de

47 _Melgaço_ com excellente Castello, a quem se oppoem os Lugares
Crecente, Fornelos, e outros. Legua e meya para diante _Valladares_,
que tem oppostos em Galiza os Lugares de Cella, e Marcella. Outra legua
e meya está _Monçaõ_ em sitio eminente. Huma legua para diante segue-se
_Lapella_, e outra

48 _Valença_ fronteira à Cidade de Tuy. Logo outras duas leguas se
offerece _Villa-Nova de Cerveira_, fundada, e cercada de muros de
cantaria. Oppoem-se ao Lugar da Barca de Goyaõ, presidio Galiziano;
e daqui outras duas leguas se encontra outra vez com _Caminha_, donde
principiámos o gyro desta demarcaçaõ.



                             CAPITULO IV.

_Divisaõ antiga._


1 Muitas foraõ as repartições, que antigamente houve neste nosso Paiz.
Antes de conquistarem, e habitar Hespanha os Cartaginezes, e Romanos,
toda ella estava dividida em muitas Provincias de póvos agrestes, que
debaixo do nome geral de Ibéros se dividiaõ em Turdetanos, Celtas,
Cantabros, Turdulos, e infinitos outros, de que depois trataremos.
Vieraõ os Cartaginezes, e como se confederaraõ com a mayor parte
daquellas gentes, conservaraõ as repartições das suas Comarcas.

2 Porém tanto que os Romanos metteraõ o pé em Hespanha, e começaraõ a
contender com os Cartaginezes sobre o dominio das terras, que foy pelos
annos 557 da fundaçaõ de Roma, dividiraõ toda ella em duas partes, a
que chamaraõ Hespanha citerior, e Hespanha ulterior.[148] A citerior
ficava para a parte de Italia, ou mais oriental ao rio Ebro, e foy a
que os Romanos mais habitaraõ: a ulterior he a que ficava para o lado
occidental do mesmo rio, e ficou na sujeiçaõ dos Cartaginezes. Todavia
esta repartiçaõ se variava pela Republica Romana, conforme parecia aos
seus interesses, accrescentando, ou diminuindo as terras de huma, ou
de outra parte.

3 Acabou finalmente Octaviano Augusto de vencer na celebrada guerra
Cantabrica aquelles Póvos, e mudando-lhes o governo, e limites, dividio
a Hespanha em tres Provincias, a saber: _Lusitanica_, _Betica_, e
_Tarraconense_. A Lusitanica incluia a mayor parte do que hoje chamamos
Portugal, com outras muitas terras, que hoje pertencem ao Reino de
Leaõ, e Provincia da Estremadura Castelhana. O rio Douro a separava
pelo lado septentrional da Tarraconense; pelo oriental huma linha,
que sahia do Douro quasi naquella parte, donde se incorpora com o
rio Pisuerga, a qual linha descia a buscar o Guadiana, e este depois
dividia a Lusitania da Betica até entrar no Oceano, cuja costa cercava
o restante da Lusitania.

4 Nesta divisaõ de Augusto se confundiraõ os limites da primitiva
Lusitania; porque elles começavaõ na foz do rio Tejo, e desde alli
corria até o cabo de _Finis terræ_, e aquelle espaço depois situado
entre os rios Tejo, e Guadiana, a que hoje chamamos Alentejo, e
Algarve, naõ se chamava Lusitania, mas sim Celtica. Da mesma fórma
padeceraõ alteraçaõ os confins da Betica, e Tarraconense, e daqui nasce
a confusaõ entre os Authores como bem advertio o estudiosissimo Padre
Argote.[149]

5 Corria o anno de Christo 118, quando o Imperador Elio Adriano,
visitando as terras do seu Imperio, dividio a Hespanha em seis
Provincias: Tarraconense, Cartaginense, Betica, Lusitania, Galiza,
e Tingitania; e nesta divisaõ a Provincia do Minho ficava fóra da
Lusitania, e se incluia na de Galiza, como bem mostra Floriaõ do Campo
com particularidade, e certeza.[150] Constantino Magno fez outra
divisaõ em sete Provincias, mas sem alterar as demarcações anteriores.
Outras divisões querem alguns que fizessem os Romanos, mas saõ dubias.

6 O que temos por certo he, que os Romanos além destas repartições
tinhaõ dividida cada huma das Provincias em Chancellarias, a que
chamavaõ _Conventos Juridicos_, collocados nas Cidades mais insignes da
Provincia, às quaes acudiaõ os póvos da Comarca para administraçaõ da
justiça. Destes Conventos Juridicos, a que correspondem hoje as nossas
Relações, havia quatorze em toda Hespanha: as que tocaraõ às nossas
terras, foraõ tres: _Braga_, _Béja_, e _Santarem_.

7 Havia tambem algumas Cidades privilegiadas com o titulo de
_Municipios_. Colonias eraõ aquellas, que tinhaõ sido fundadas por
familias Romanas, e taes foraõ em nosso terreno _Béja_, e _Santarem_,
além de outras tres, que hoje nos naõ pertencem, e gozavaõ seus
Cidadãos do privilegio de Cidadãos Romanos. Municipios eraõ os que
se governavaõ por Leys proprias, e estes foraõ _Lisboa_, _Evora_,
_Mertola_, e _Alcacer do Sal_.

8 Extincto o dominio Romano, invadiraõ os Barbaros as Hespanhas o anno
de 409 depois de Christo, e daqui por diante se alteraraõ notavelmente
os limites das nossas Provincias em todas as subsequentes sujeições
até o reinado delRey D. Fernando o Magno, o qual falleceo no anno de
1067, deixando repartido entre seus filhos as terras dos seus dominios;
e cabendo as de Portugal a ElRey D. Garcia, desde entaõ se principiou
a chamar Portugal o que era Lusitania. Declaradas pois as divisões
antigas, passemos a expressar as modernas.


NOTAS DE RODAPÉ:

[148] Tit. Liv. lib. 36. cap. 28. Mela lib. 2. cap. 6. Solin. cap. 23.
Strab. lib. 3. pag. 166.

[149] P. Argot. Antiguid. da Chancel. de Brag. p. 38. e nas Mem. do
Arceb. de Brag. pag. 40. e 41.

[150] Isaac Vossio nas Notas a Pompon. Mela liv. 2. cap. 6. Flor. do
Camp. liv. 1 cap. 3. Moral. liv. 7. cap. 2. Osorius ao Prolog. de reb
Emman. Resend. Antiq. lib. 3. Estaç. Antig. de Portug. cap. 19. e 20.
Plin. lib. 4. cap. 20. Volaterran. Geograph. lib. 1. Barreir. Corograf.
pag. 90. Joaõ Salgad. Success. Milit. p. 168. vers.



                              CAPITULO V.

_Divisaõ moderna pelas Provincias._


1 Presentemente se divide Portugal em seis Provincias, ou Regiões:
duas ficaõ na parte septentrional, e se chamaõ _Entre Douro e Minho_,
e _Tras os Montes_: duas no coraçaõ do Reino, chamadas _Beira_,
e _Estremadura_: e outras duas na parte Meridional, a que chamaõ
_Alentejo_, e _Algarve_, que tambem logra o titulo de Reino. Cada
Provincia destas se subdivide em Comarcas, ou Ouvidorias, para boa
administraçaõ da justiça; e cada Comarca tem debaixo da sua jurisdiçaõ
certo numero de Villas, e Lugares, em que existem seus Juizes, que
governaõ subordinados aos Corregedores das Comarcas. Supposta esta
prejacente noticia, entremos a descrever a primeira Regiaõ da parte do
Norte, chamada


_Provincia do Minho._

2 Como esta Provincia está encerrada entre as famosas correntes dos
dous rios Douro, e Minho no Occidente septentrional de Hespanha, da
tal situaçaõ tomou nome de Entre Douro, e Minho, que em Latim se diz
_Interamnensis_, ou _Duriminea_. Quasi todos os Geografos[151] lhe daõ
de comprido de Norte a Sul dezoito leguas, e de Nascente a Poente doze
de largo na sua mayor largura, porque em algumas partes naõ tem mais
que oito.

3 Confina esta Provincia da banda do Meyo dia com o rio Douro, que
a separa da Beira: da banda do Occidente parte com o mar Oceano,
começando em S. Joaõ da Foz, e acabando na Villa de Caminha, onde o
rio Minho divide Portugal de Galiza. Dahi para cima, que he a parte do
Norte, vay pelo dito rio até o termo da Villa de Monçaõ, e alli passa o
termo de Galiza o rio Minho, e se reparte por marcos até o Castello de
Castro-Laboreiro, que saõ doze leguas desde a Villa de Caminha. Dalli
atravessa o resto pelo monte do Gerez, que está da parte do Nascente, e
vay pela terra de Barrozo até à ponte de Cavez, que está no rio Tamega,
e dahi pelo rio abaixo até à Villa de Amarante; e deixando o rio, vay
pelo monte do Bayaõ dar no Douro, donde começámos.

4 O clima he o mais temperado, porque está entre o parallelo de 41 e
42 gráos de altura do Polo Arctico. Daqui nasce, que sendo taõ pequena
esta Regiaõ, he summamente fertil; e a benignidade dos seus ares, a
affluencia dos seus rios, as abundancias, e delicias dos seus campos
comprovaõ a fama do seu admiravel temperamento; donde se animou a dizer
Manoel de Faria,[152] que se no mundo houve Campos Elysios, existiraõ
nesta Provincia; e se os naõ houve, merecia que sómente os houvesse
nella, se he que este titulo se deve dar a sitio ameno, e delicioso.

5 Assim o vemos, porque a mayor parte desta Provincia está sempre
cheya de arvoredos de todo o genero, que organizaõ hum continuado
bosque perpetuo, e muy aprazivel, composto de loureiros, azinheiros,
platanos, buxos, murtas, teixos, pinheiros, e ciprestes, que todos nem
de Inverno perdem a folha, além de castanheiros, carvalhos, sovereiros,
e outras arvores, donde se criaõ as mais robustas madeiras do
mundo,[153] taõ ferteis, que ha castanheiro, que dá trinta, e quarenta
alqueires de castanha, e ainda hum moyo, como affirma Joaõ Salgado de
Araujo:[154] pé de vide em latada, ou em arvore, que dá pipa de vinho:
pé de nogueira, que dá moyo de noz: larangeira, que dá cinco carros
de laranja: pé de carvalho, que dá meyo moyo de bolota; e alguns taõ
grandes, que naõ o abrangem quatro homens, como he na quinta de Mouro
de S. Joaõ de Ataens da Villa de Pica de Regalados. Testifica o Doutor
Joaõ de Barros na Descripçaõ, que fez desta Provincia, capitulo 7, que
vira hum, em cujo oco cabiaõ cincoenta cabras, e outro, onde cabiaõ dez
homens a cavallo, dando por testimunha ao Marquez de Villa-Real, que
foy huma das pessoas, que entrara dentro, o que parece encarecimento,
posto que o mesmo escreve Manoel de Faria.[155]

6 Esta abundancia he igual em tudo. De boys, e vacas sustenta
quatrocentos mil, e mais de hum milhaõ de ovelhas, e carneiros, segundo
dizem Duarte Nunes,[156] e outros. O Doutor Joaõ de Barros, sendo
Ouvidor de Braga o anno de 1500 e tantos, diz, que por ordem delRey
mandara fazer a conta do gado, que havia só no termo daquella Cidade,
e achara treze mil cabeças de gado meudo, e de boys, e vacas onze
mil. A mesma fecundidade corresponde a todo o genero de caça, carnes,
e peixes, tudo de excellente sabor, principalmente havendo tantos
rios povoados de gostosos salmões, lampreas, trutas, salmonetes,
sáveis, bogas, e tainhas, com infinitos outros igualmente admiraveis.
Criaõ-se tambem todo o genero de legumes, e hortaliça: tem muito mel, e
lacticinios, muito milho, o paõ que basta, e até minas de ouro, prata,
ferro, e estanho. Lavra-se o linho mais fino, de que se fabrîca o panno
branco muy estimado na Europa. Só azeite ha pouco nesta Provincia, naõ
porque a terra deixe de criar oliveiras, mas porque naõ as plantaõ;
porque lisongeados os seus naturaes com o prestimo, e sabor do chamado
unto, de que usaõ tanto nos guizados, como às vezes nas luzes,
esqueceraõ-se de as cultivar.

7 Saõ seus habitadores de fecundissima propagaçaõ, e larga vida; e
até nos tempos, que a natureza constitue estereis, saõ aqui fecundas
as mulheres. Muitos exemplos, e casos ajuntou para confirmaçaõ desta
raridade, e excellencia Gaspar Estaço,[157] e Antonio de Sousa de
Macedo.[158] Basta dizer, que da gente innumeravel, que naõ póde
sustentar este Paiz, se tem povoado o mundo, e com especialidade o
Brasil, e as Minas, e que he mais a gente, que a terra, onde naõ ha
parte alguma, em que se naõ ouça tanger algum sino, e cantar hum
galo.[159] Parece toda a Provincia huma Cidade continuada.

8 Conduz muito para esta geral fertilidade a grande copia de boas
aguas, que, como se esta Regiaõ fora toda perenne tanque, assim brota,
e rega seus campos, e pomares por vinte e cinco mil fontes,[160] e
innumeraveis rios grandes, e pequenos; sendo os de mayor nome os
seguintes: _Ave_, _Basto_, _Benade_, _Biturim_, _Cabraõ_, _Caldas_,
_Campanhaõ_, _Cávado_, _Celho_, _Celinho_, _Coa_, _Cosme_, _Coura_,
_Deiriz, este_, _Dolo_, _Douro_, _Enfesta_, _Ensalde_, _Fato_,
_Ferreira_, _Fulias_, _Gadanha_, _Gifães_, _Gogim_, _Herdeiro_,
_Homem_, _Landim_, _Lavoreiro_, _Leça_, _Lima_, _Locia_, _Maçarelos_
_Mejavelhas_, _Melres_, _Minho_, _Moles_, _Mouro_, _Neiva_, _Olo_,
_Ovelha_, _Ouvir_, _Pontido_, _Prado_, _Ramada_, _Rellas_, _Siguelos_,
_Sousa_, _Tamega_, _Taveira_, _Teixeira_, _Torto_, _Trovella_, _Tua_,
_Valengo_, _Vargeas_, _Veadões_, _Vez_, _Vizella_, _Zezere pequeno_, e
outros, que se diffundem nos capitaes.

9 Duzentas saõ as pontes de cantaria, a que estes rios obedecem, e as
mais famosas a de _Cavez_ muy larga, e muy alta, com cinco arcos de
pedras taõ admiravelmente lavradas, que todas saõ de hum tamanho: a
de _Mondim_ com seis arcos: a de _Amarante_ feita por diligencias de
S. Gonçalo; e outras muitas. Contaõse-lhe seis portos de mar capazes
de receber navios: _Caminha_, _Viana_, _Esposende_, _Leça_, _Villa do
Conde_, _Porto_.

10 As Praças de armas cercadas, e acastelladas saõ dezaseis: _Porto_,
_S. Joaõ da Foz_, _Villa do Conde_, _Viana_, _Caminha_, _Villa-Nova_,
_Valença_, _Lapela_, _Monçaõ_, _Melgaço_, _Castelo Lavoreiro_,
_Lindozo_, _Nobrega_, _Lanhozo_, _Aguiar de Pena_, _Celorico de
Basto_; e pelo Certaõ tem: _Braga_, _Guimarães_, _Ponte de Lima_, e
_Barcellos_, de todas as quaes se faz pleito, e omenagem. E segundo
o calculo de Joaõ Salgado de Araujo,[161] tinha no anno de 1644 seis
mil homens capazes de tomar armas. Mas pelo que toca ao militar,
accrescento huma singularidade desta Provincia, e he, que pelos muitos
rios menores, que comprehende, pontes delles, barcas dos mayores,
e grande abundancia de bosques, sem duvida que causará huma grande
difficuldade para se deixar penetrar de inimigos; e já estes embaraços
remiraõ muitas vezes este Paiz da invasaõ dos Romanos, aos quaes lhe
custou tempo, trabalho, e gente a sua conquista, quando tudo rendiaõ
suas armas entaõ vitoriosas contra as mais nações do mundo todo.

11 Pelo que pertence ao estado Ecclesiastico, ha nesta Provincia duas
Igrejas Cathedraes: _Braga_ Arcebispado, e _Porto_ Bispado. Cinco
Collegiadas: _Guimarães_, _Barcellos_, _Valença_, _Cedofeita_, _Viana_.
Paroquias, conforme o calculo de alguns Authores,[162] tem 1460, e
de outros tem 1500.[163] Conventos, e Mosteiros de diversas Ordens
mais de 150. De Ermidas, e Igrejas naõ Paroquiaes hum grande numero.
Corpos de Santos, que venera, tem quatorze. Santos nacionaes tem grande
quantidade: _S. Damazo_, _S. Gonçalo de Amarante_, _S. Torcato_,
_S. Pedro de Rates_, _S. Gerardo_, _S. Vitouro_, _S. Frutuoso_, _S.
Martinho de Dume_, _S. Rozendo_, _Santa Senhorinha_, _Santa Suzana_, _o
Irmaõ Pedro de Basto_, e outros muitos, de que o Agiologio Lusitano faz
memoria. De homens insignes já em letras, já em armas tem produzido,
e produz numero grandissimo, de que nós, quando fallarmos das suas
patrias particulares, nos lembraremos.

12 Naõ he para esquecer huma excellente gloria, que esta Provincia tem,
qual he darse nella principio à vida Eremitica muitos annos antes que
S. Paulo primeiro Ermitaõ a introduzisse no Reino; pois sendo S. Felix
o que deu sepultura a S. Pedro de Rates, como consta das suas Lições, e
que vivia nos desertos desta Provincia em hum alto monte de S. Miguel
de Laundos, Abbadia da Villa de Esposende,[164] fica precedendo S.
Felix a S. Paulo o que vay do anno 46, em que morreo S. Pedro de Rates,
ao de 300 em que floreceo S. Paulo. A causa porém, que houve para
chamar a S. Paulo primeiro Ermitaõ, veja-se no Agiologio Lusitano tom.
1.

13 Divide-se finalmente esta Provincia em seis Comarcas, que vem a ser:
_Guimarães_, _Braga_, _Porto_, _Viana_, _Barcellos_, e _Valença_. Cada
huma dellas tem varias povoações debaixo de sua jurisdiçaõ. Tudo desta
Provincia resumio nestas duas estancias a Musa de hum engenho Hespanhol:

  _Es Entre Duero, y Miño la primera
    Porcion del Reyno, en rios muy bañada,
    Donde_ Braga _magnanima prospéra
    De los Brachatos hija sublimada.
    Al Romano dificil, y guerrera:
    A los de Porto altiva, y respetada:
    De Augusto honor, Juridico Convento,
    Corte Sueva, y Arçobispal assiento.

  Del Duero ilustra el margen atractivo_
    Porto, _que de Gatelo pueblo raro
    Dandole a Portugal nombre preclaro._
    Guimarães _Villa es noble, y primitivo
    Solio de Reys Lusos. Tiene claro
    Timbre_ Puente de Lima: _altas bellezas_
    Viana, _de partido ambas cabeças._

_Comarcas da Provincia do Minho._

              {              {Aguiar da Penha, Amarante,
              {5 Villas.     {Canaveses, Guimarães,
              {              {Povoa.
              {
              {              {Atey, Cabeceiras de Basto,
              {              {Celorico de Basto, Santa
              {              {Cruz de Riba Tamega,
              {              {Felgueiras, Gestaço, Gouvea
              {              {de Riba Tamega, Hermello,
              {19 Concelhos. {S. Joaõ de Rey,
              {              {Lanhoso, Mondim, Montelongo,
              {              {Ribeira de Pena,
     I.       {              {Ribeira de Soás, Roças,
  Guimarães   {              {Serva, Vieira, Villaboa da
  Correiçaõ   {              {Roda, Unhaõ.
  consta de   {
              {              {Abbadim, Fonte Arcada,
              {              {Mancelos, Moreira de
              {              {Rey, Parada de Bouro, Pedraido,
              {14 Coutos.    {Pombeiro, Pousadela,
              {              {Refoyos de Basto, Taboado,
              {              {Tibães, Travanca,
              {              {Tugas, Vimieiro.
              {
              {4 Honras.     {Cepães, Meinedo, Ovelha,
              {              {Villacahiz.
              {
              {1 Julgado.    {Lagiosa.

              {             {Arcos de Valdevez, Monçaõ,
              {7 Villas.    {Ponte da Barca, Ponte
              {             {de Lima, Prado, Viana, Villanova
              {             {de Cerveira.
              {
              {             {Albergaria de Penella, Bouro,
              {             {Coura, Entre Homem
              {             {e Cávado, Geraz do Lima,
     II.      {             {Lindoso, Santa Martha do
  Viana       {12 Concelhos.{Bouro, Santo Estevaõ da Faxa,
  Correiçaõ   {             {Soajó, Souto de Rebordaõs,
  consta de   {             {Villa Garcia, Pica
              {             {de Regalados.
              {
              {             {Aboim da Nobrega, Azevedo,
              {             {Baldreu, Boilhosa,
              {             {Bouro, Cervães ou Villar
              {15 Coutos.   {de Areas, S. Fins, Freiriz,
              {             {Luzio, Manhente, Nogueira,
              {             {Queimada, Sabariz,
              {             {Souto, Rendufe.

              {             {Barcellos, Castro Laboreiro,
              {7 Villas.    {Esposende, Famelicaõ,
              {             {Melgaço, Rates, Villa
              {             {do Conde.
              {
     III.     {3 Concelhos. {Larim, Portella das Cabras,
  Barcellos   {             {Villachã.
  Ouvidoria   {
  consta de   {             {Cornelã, Fragoso, Gondufe,
              {5 Coutos.    {Palmeira, Villar de
              {             {Frades.
              {
              {1 Julgado.   {Vermoim.
              {
              {1 Honra.     {Fralães.

    IV.       {3 Villas.    {Caminha, Valença, Valadares.
  Valença     {
  Ouvidoria   {
  consta de   {2 Coutos.    {Feães, Paderne.
              {1 Cidade.    {Braga.
    V.        {
  Braga       {             {Arentim, Cabaços, Cambezes,
  Ouvidoria   {             {Capareiros, Dornelas,
  consta de   {13 Coutos    {Ervededo, Feitosa, Goivães,
              {             {Moure, Pedralva,
              {             {Provesende, Pulha, Ribatua.

              {1 Cidade.    {Porto.
              {
              {3 Villas.    {Melres, Povoa de Varzim,
              {             {Villanova.
              {
              {             {Aguiar de Sousa, Avintes,
              {             {Bayaõ, Bemviver, Gaya,
    VI.       {13 Concelhos.{Gondomar, Lousada, Maya,
  Porto       {             {Penafiel de Sousa, Penaguiaõ,
  Correiçaõ   {             {Portocarreiro, Refoyos de
  consta de   {             {Ribadave, Soalhães.
              {
              {             {Ansede, Entre ambos os
              {7 Coutos.    {rios, Ferreira, Meinedo,
              {             {Paço de Sousa, Pendorada,
              {             {Villaboa de Quires.
              {
              {6 Behetr. e  {Baltar, Barbosa, Frasaõ,
              {Honras.      {Gallegos, Louredo, Sabrosa.


_Provincia de Tras os Montes._

1 A Segunda Regiaõ, ou Provincia do Reino, he chamada _Tras os Montes_,
porque do Reino de Galiza até o Douro de Norte a Sul atravessaõ huns
montes muy altos, que parece estaõ cercando a Provincia do Minho, como
fazem os Alpes a Italia; e saõ de tanta eminencia estes montes, que
em muitas partes tem huma legua de subida aspera, como se experimenta
nas serranias do Gerez, e altura do Maraõ; e assim havendo respeito ao
Minho, fica esta Provincia além daquelles montes, que lhe deraõ o nome.

2 Sua demarcaçaõ costuma fazerse da Portela de Homem pela banda do
Norte até à ponte de Cavez; e continuando do Poente pelo rio Tamega
até entrar no Douro, faz este a divisaõ com a Provincia da Beira até
Vilvestre. Daqui olhando para o Norte, o mesmo rio Douro a aparta do
Reino de Leaõ até quatro leguas depois de se chegar a Miranda; e daqui
por divisas, e marcos até dar no rio Maçaõ naõ longe de Maid, onde
inclina a Poente com a serra chamada de Teixeira, e as de Senabria, e
Gerez até vir incorporarse onde começou.

3 O commum dos Geografos[165] dá a esta Provincia trinta leguas de
comprido, e vinte de largo; porém o Abbade de Pera[166] diz, que naõ
fizeraõ boa mediçaõ; porque da Portella de Homem até Urros defronte de
Vilvestre saõ trinta e quatro leguas, e de Canavezes até o rio Maçaõ
fazem trinta e seis (he erro, porque verdadeiramente naõ devem ser mais
que vinte e seis conforme os Mappas de Fernaõ Alvares Seco, e Pedro
Teixeira) e assim lhe dá de circuito cento e trinta leguas.

4 Muito mal se informou Floriaõ do Campo naõ só na demarcaçaõ, que
dá a esta Provincia, mas em dizer que he terra infrutifera; porque
supposto naõ ser taõ fertil como Entre Douro e Minho, a verdade he
haver aqui muitos valles deliciosos, e muitas Villas abastadas de paõ,
vinho, azeite, mel, frutas, gados, caças, legumes, e sedas. Tal he a
Villa de Chaves muy amena, na qual habitaraõ os Romanos muito tempo,
por ser boa terra, e Villa-Real e outros muitos Lugares desta Regiaõ:
só de frutas de espinho naõ tem abundancia.

5 O clima naõ ha duvida, que he frio em extremo: tem nove mezes de
Inverno, e tres de Veraõ ardentissimo, por naõ ser arejada do Norte,
que embaça nas montanhas, e com tudo he terra sadia, e de boas aguas,
excepto em Bragança, e Miranda, que saõ pessimas. Os rios mais nomeados
saõ estes: _Angueira_, _Alvedrinha_, _Azibo_, _Beça_, _Corgo_, _Caldo_,
_Calvo_, _Douro_, _Fervença_, _Frio_, _Fresno_, _Lobos_, _Maçaõ_,
_Mente_, _Pinhaõ_, _Rabaçal_, _Sabor_, _Tamega_, _Tinhella_, _Tua_,
_Tuella_, _Villariça_, _Vellarva_, _Zacharias_. Fontes medicinaes tem
quarenta e tres.

6 A gente, que habita esta Provincia, he pela mayor parte robusta, e
corpulenta: as pessoas nobres saõ dotadas de grande primor, e brio;
muy valentes, e honrados; aptos para a guerra, e tem grande exercicio
da gineta, e brida, em que fazem sumptuosas festas. Saõ muy devotos
da Igreja, e veneraõ com estimaçaõ a seus Ministros: conservaõ as
amizades, e com os estranhos saõ attenciosos. As mulheres nobres tem
grande recolhimento, as outras ajudaõ a cultivar as terras a seus
maridos, e às vezes mais trabalhaõ ellas que elles: em fim diz o Abbade
Joaõ Salgado de Araujo, que naõ se sabe desta Provincia vicio algum
nativo della.

7 Inclue esta Provincia duas Cidades: _Miranda_, que tem Bispo, e
_Bragança_, que o naõ tem. Ha tres Igrejas, que parecem Collegiadas:
_Chaves, illa-Real_, e _Torre de Moncorvo_, e consta de muitas
Abbadias, Reitorias, e Vigairarias. As Villas, que tem fortalezas
confinantes com Galiza, e Castella, saõ estas: _Montalegre_,
_Erveredo_, _Chaves_, _Monforte do rio livre_, _Bragança_, _Outeiro_,
_Miranda_, _Folgoso_, _Penas de Royas_, _Mogadouro_, _Freixo de
Espadacinta_, e de todas se dá omenagem.

8 Divide-se finalmente esta Provincia em quatro Correições: _Moncorvo_,
_Miranda_, _Bragança_, e _Villa-Real_. Servem de epitome das suas
grandezas estas duas Oitavas:

  _Es Tras los Montes la porcion segunda
     De heroicas poblaciones adornada,
     Donde_ Miranda _Episcopal se funda
     Sobre peñascos bien encastillada.
     DelRey Brigo_ Bragança _hija segunda,
     De la Inez bella, como desdichada,
     Talamo, en llano delicioso brilla,
     De esclarecidos Duques alta silla.

  Entre otras Villas sale floreciente
     La_ Torre de Moncorvo; _la apacible_
     Villa-Flor: Mirandela _con gran puente:
     Belica_ Chaves, Villa-Real _plausible,_
     Freixo de Espadacinta _muy valiente,_
     Alfandega da Fé _apeticible,_
     Mascareñas _en frutas deliciosa
     Fertil_ Chacim, _y en trato generosa._

_Comarcas da Provincia de Tras os Montes._

            {           {Abreiro, Agua revez,
            {           {Alfandega da Fé, Anciães,
            {           {Castro-Vicente, Chacim,
            {           {Cortiços, Frechas,
     I.     {           {Freixiel, Freixo de Espadacinta
  Torre do  {           {Lamas de Orelhaõ,
  Moncorvo  {26 Villas. {Linhares, Moncorvo, Mirandella,
  Correiçaõ {           {Monforte de rio livre,
  consta de {           {Mós, Murça de Panoya,
            {           {Nuzellos, Pinhovelo, Sampayo,
            {           {Sezulfe, Torre de D.
            {           {Chama, Valdasnes, Villas-boas,
            {           {Villaflor, Villarinho
            {           {da Castanheira.

            { 1 Cidade. {Miranda.
     II.    {
  Miranda.  {           {Algoso, Azinhoso, Bemposta,
  Correiçaõ {           {Carrocedo, Failde,
  consta de {           {Frieira, Mogadoiro, Penas
            {14 Villas. {de Royas, Rebordainhos,
            {           {Sanseriz, Val de Passó, Vilar
            {           {seco da Lomba, Vimioso,
            {           {Vinhaes.

            { 1 Cidade. {Bragança.
    III.    {
  Bragança  {           {Chaves, Ervedosa, Gustey,
  Ouvidoria {           {Montalegre, Outeiro, Rebordãos,
  consta de {10 Villas. {Ruivães, Val de
            {           {Nogueira, Val de Prados,
            {           {Villafranca.

            {           {Alijó, Dornellas, Ervededo,
    IV.     {9 Villas,  {Favayos, Lordelo, S.
  Villa-Real{e Coutos.  {Mamede de Riba-Tua, Provezende,
  Ouvidoria {           {Ranhados, Villa-Real.
  consta de {
            {2 Honras.  {Gallegos, Sobrosa.


_Provincia da Beira._

1 Quasi no coraçaõ do Reino está situada esta Provincia, e com a
extensaõ de trinta e quatro leguas desde Punhete até Villa-Nova do
Porto; e se contarmos de Buarcos até Val de la mula, saõ trinta e seis,
e de Punhete até a foz do Agueda saõ quarenta e cinco, e da foz do
Douro até Rosmaninhal fazem cincoenta e huma. Por esta demarcaçaõ, que
o Abbade de Pera tem por certa, e exacta, vem a ter esta Provincia de
circumferencia duzentas leguas pouco mais, ou menos, com o que torce
para costear a Estremadura; porém commummente se lhe dá trinta e seis
leguas de comprido, e outro tanto de largo, e assim fórma huma figura
quasi quadrada, tendo algumas entradas em Alentejo, e Estremadura
Lusitana.

2 Confina pelo Oriente com a Estremadura Castelhana, e Leoneza, e parte
da Provincia de Tras os Montes, cujos limites continúa pelo Norte com
os da Regiaõ de Entre Douro, e Minho. Pelo Occidente recebe as aguas
do Oceano, e pelo Meyo Dia confina com a Estremadura de Portugal, e
Alentejo. Chama-se Beira, ou porque seus primeiros habitadores se
chamavaõ Berones, como diz Fr. Bernardo de Brito,[167] ou porque
respeitando-se a sua situaçaõ, por ser toda cercada de agua dos rios
Douro, Tejo, Coa, e Oceano, significa o mesmo que Margem, Borda, ou
Beira.[168] Joaõ Salgado diz, que o seu verdadeiro nome he _Vera_, que
se converteo em Beira.

3 Reparte-se em duas largas porções de terra: huma, que se diffunde
desde a Serra da Estrella até o rio Tejo, e se diz _Beira baixa_:
outra, que desde a mesma Serra se espalha até o rio Douro, e desde
a Cidade de Coimbra até a do Porto, que aqui se diz Beiramar, e no
restante _Beira alta_.[169] Esta dilatada extensaõ de terreno grangeou
a esta Provincia o honroso titulo de Principado, que desde o anno de
1734 anda nos netos primogenitos dos Monarcas Portuguezes.[170]

4 He terra muy fertil de centeyo, milho, castanha, vinho, gados, caças,
e gostosos peixes, produzindo a amenidade deste Paiz toda a diversidade
de saborosissimas frutas, especialmente os celebrados verdeaes de
Inverno, ajudando muito para esta abundancia a grande copia de aguas de
fontes, e rios, sendo os mais nomeados os seguintes: _Agueda_, _Alva_,
_Alfusqueiro_, _Aravil_, _Arda_, _Balsamaõ_, _Berosa_, _Ceira_, _Coa_,
_Daõ_, _Dansos_, _Douro_, _Elja_, _Freixiandas_, _Lomba_, _Lorveo_,
_Marnel_, _Mondego_, _Paiva_, _Ponsul_, _Ramalhoso_, _Sardaõ_,
_Soberbo_, _Tourões_, _Tripeiro_, _Veroza_, _Vouga_, _Xudruro_,
_Zezere_.

5 Tem produzido esta Provincia homens famosissimos. Daqui foy ElRey
Wamba, e o valeroso Viriato, posto que Entre Douro e Minho contenda
sobre a naturalidade deste segundo; porque diz o Gerudense, que os
Soldados, que aquelle insigne Capitaõ trazia comsigo, eraõ Duriminios.
Os mais daquelles celebrados aventureiros, que foraõ a Inglaterra em
defensa das doze Damas motejadas de feyas, daqui eraõ naturaes, como
tambem o foraõ oito Reys Portuguezes, dous Sanchos, tres Affonsos, D.
Pedro, D. Fernando, e D. Duarte; e por naõ se gloriar só do nascimento,
honra-se naõ pouco de ser conservatorio de tres corpos veneraveis, e
Regios, como he o delRey D. Affonso Henriques, da Rainha Santa Isabel,
e de D. Sancho I, e tambem do delRey D. Rodrigo, ultimo Rey Godo.

6 Manoel de Faria mal affecto porém à gente desta Regiaõ, com injurioso
conceito critíca absolutamente a todos os nacionaes della de pedintes,
e de pouco asseados.[171] O defeito particular de alguns individuos
naõ deve ser motivo para deteriorar a opiniaõ commua de huma Provincia
inteira. Eu bem sey que já Fr. Bernardo de Brito,[172] tratando dos
antigos habitadores da Serra da Estrella, chamados Herminios, diz,
que eraõ homens asperos, e duros de condiçaõ, indomitos pelas armas,
muy rusticos no traje, e modo de vestir, amigos de roubar o alheyo,
e pouco fieis no que tratavaõ; porém a cultura dos tempos, e a mesma
experiencia tem mostrado quanto se deve desvanecer este conceito, pois
o que vemos hoje nos seus naturaes, principalmente nos da primeira
esfera, he hum animo valente, e brioso, amigos de buscar honras, e
fortuna, ou pela carreira das letras, ou das armas, em que tem feito
progressos de grande credito para todo o Reino.

7 Continuando a descrever suas grandezas, incluem-se nesta Provincia
cinco Cidades; quatro com Bispo: _Coimbra_, _Viseu_, _Lamego_,
_Guarda_; e _Aveiro_ modernamente erecta em Cidade, que o naõ tem.
Divide-se em nove Comarcas: de quatro saõ cabeças as quatro Cidades;
e das cinco he: _Castello-Branco, inhel_, _Esgueira_, _Montemór o
velho_, e _Feira_. Tem duzentas e trinta e quatro Villas, das quaes
cincoenta e oito saõ acastelladas, além das cinco Cidades. As que
confinaõ com Castella saõ estas: _Castello-Branco_, que no anno de
1704 foy accommettida de Castelhanos, e fica opposta à Villa de
Herrera: _Rosmaninhal_, _Segura_, _Salvaterra da Beira_, que todas
tres se oppoem à Villa de Alcantara, Praça de armas de Castella:
_Penagarcia_, _Idanha a velha_, _Monsanto_ defensavel por natureza,
_Proença_, _Belmonte_, _Penamacor_, _Sabugal_, _Sortelha_, _Alfayates_,
_Villar-Mayor_, _Castello Mendo_, _Castello Bom_, _Almeida_, _Pinhel_,
_Castello Rodrigo_.

8 Tem mais de sete mil homens, que podem tomar armas: ha nesta
Provincia a mayor porçaõ das Comendas deste Reino: sustenta mais de
quarenta e quatro Conventos de Religiosos de varias Ordens, e vinte e
tres de Religiosas: muitas Igrejas com Coro, em que se reza o Officio
Divino: innumeraveis Abbadias, e Ermidas. Huma das singularidades,
de que se póde gloriar, he comprehender as duas mais admiraveis
officinas da virtude, e letras, que tem o Reino, quaes saõ Bussaco,
e a Universidade de Coimbra, donde tem sahido Varões portentosos na
santidade, e nas sciencias. Comprehendemos tudo succintamente nas
seguintes estancias:

  _Es Beira, la tercera Region, que ostenta
    De Viriato el nombre formidable,
    Donde_ Coimbra _Episcopal se assienta
    De Mondego en la orilla deleitable.
    Produxo siete Reyes opulenta
    Grande en lo noble en letras admirable:
    Yaze Obispal_ Viseu _en gran llanura
    Del infeliz Rodrigo sepultura._

  Lamego, _Episcopal sale gallarda_,
    Aveiro _en territorio es abundante.
    Sobre peñascos asperos la_ Guarda
    _Con Iglesia Pastoral luze brillante.
    Sin Mitra_ Idaña, _solo el timbre guarda,
    Que de Wamba adquiriò patria elegante;
    Mas poblacion la nueva Idaña tiene,
    Que en el sitio cercano se contiene._

  Castello-Branco _entre otras cobra fama:_
    Tentugal _por la fuente, que ay en ella,_
    Montemayor _de Brigo obra se acclama,
    Fuerte_ Almeida, _que en armas tiene estrella._
    Celorico _el laurel de Apolo enrama:
    Por sus Duques_ Lafões, _y_ Avero _es bella:_
    Cobillan _goza celebre fortuna
    De la Cava fatal illustre cuna._


_Comarcas da Provincia da Beira._

             { 1 Cidade.   {Coimbra.
             {
             {             {Alvaiazere, Ançã, Anciaõ,
             {             {Arganil, Avó, Bobadella,
     I.      {             {Botaõ, Buarcos, Cantanhede,
  Coimbra    {             {Carvalho, Celavisa,
  Correiçaõ  {             {Cernache, Santa Comba-Daõ,
  consta de  {             {Coja, Santa Christina,
             {32 Villas.   {Esgueira, Fadeira, Fajaõ,
             {             {Goes, Mira, Miranda
             {             {do Corvo, Pena-Cova, Pereira,
             {             {Podentes, Pombalinho,
             {             {Pombeiro, Rabaçal,
             {             {Redondos, Tentugal, Vacariça,
             {             {Villanova de Anços,
             {             {Villanova de Monçarros.

             { 1 Cidade.   {Aveiro.
             {
             {             {Aguieira, Anadia, Angeja,
             {             {Assequins, Avelãs de caminho,
             {             {Avelãs de cima, Bemposta,
     II.     {             {Brunhido, Eixo, Estarreja,
  Esgueira   {             {Ferreiros, Ilhávo, S.
  Provedoria {26 Villas.   {Lourenço do Bairro, Oiz da
  consta de  {             {Ribeira, Oliveira do Bairro,
             {             {Paos, Prestimo, Recardães,
             {             {Sangalhos, Segadães, Serem,
             {             {Sousa, Trofa, Villarinho do
             {             {Bairro, Vagos, Vouga.
             {
             { 1 Concelho. {Fermedo.
             {
             { 1 Couto.    {Esteve.

             { 1 Cidade.   {Viseu.
             {
             {             {Alva, Banho, Candosa, Coja,
             {             {Enfias, Ferreira d’Aves, Lagares,
             {             {Mortagoa, Nogueira,
             {             {Oliveira do Conde, Oliveira
             {22 Villas.   {de Frades, Oliveira do Hospital,
             {             {Penalva d’Alva, Perselada,
             {             {Reriz, Sabugosa, Sandomil,
             {             {Santa Comba-Daõ, S. Pedro do
             {             {Sul, Taboa, Trapa, Tondela.
             {
    III.     {             {Azere, Azurara, Barreiro,
  Viseu      {             {Besteiros, Canas de Sabugosa,
  Correiçaõ  {             {Canas de Senhorim, Currellos,
  consta de  {             {Folhadal, Foz de Piodaõ,
             {             {Gafanhaõ, Guardaõ, Gulfar
             {             {S. Joaõ de Areas, S. Joaõ do
             {30 Concelhos.{Monte, Lafões, Mões, Mouraz,
             {             {Ovoa, Penalva do Castello,
             {             {Pinheiro de Azere, Povolide,
             {             {Ranhados, Sataõ, Senhorim,
             {             {Sever, Silvares, Sinde,
             {             {Tavares, Treixedo, Villacova
             {             {de Subavó.
             {
             { 2 Coutos.   {Maceiradaõ, Moimenta.


  IV.        {5 Villas.     {Cambra, Castanheira, Feira,
  Feira      {              {Ovar, Pereira de Susaõ.
  Ouvidoria  {
  consta de  {

             {1 Cidade.     {Lamego.
             {
             {              {Arcos, Armamar, Arouca,
             {              {Barcos, Britiande, Castello,
             {              {Castrodairo, Chavães,
             {              {S. Cosmado, Fantello, Fragoas,
             {              {Goujim, Granja do
             {              {Tedo, Lalim, Lazarim,
             {32 Villas.    {Leomil, Longa, Lumiares,
     V.      {              {Moimenta da Beira, Mondim,
  Lamego     {              {Nagosa, Parada do Bispo,
  Correiçaõ  {              {Passó, Pendilho, Sande,
  consta de  {              {Taboaço, Tarouca, Valdigem,
             {              {Varzea da serra,
             {              {Veanha, Villacova, Villaseca.
             {
             {              {Alvarenga, Aregos, Barqueiros
             {              {Cabril, Caria, Couto
             {              {da Ermida, S. Christovaõ
             {              {da Nogueira, Ferreiros, S.
             {20 Concelhos. {Martinho de Mouros, Mossaõ,
             {              {Paiva, Parada de Ester,
             {              {Pera e Peva, Pezo da Regoa,
             {              {Pinheiro, Rezende, Sanfins,
             {              {Sinfaes, Teixeira, Tendaes.

             {              {Aguiar, Alfaiates, Algodres,
             {              {Almeida, Almendra,
             {              {Castanheira, Casteiçaõ, Castello
             {              {bom, Castello melhor,
             {              {Castello mendo, Castello-Rodrigo,
             {              {Cedavim, Cinco Villas,
             {              {Ervedosa, Escalhaõ, Figueiró
             {              {da Granja, Fonte Arcada,
             {              {Fornos, Guilheiro,
             {              {Horta, S.Joaõ da Pesqueira,
     VI.     {              {Lamegal, Langroiva, Marialva,
  Pinhel     {54 Villas.    {Matança, Meda, Moreira,
  Correiçaõ  {              {Muxagata, Nemaõ, Paradella,
  consta de  {              {Paredes, Penaverde,
             {              {Penedono, Penella, Pinhel,
             {              {Ponto, Povoa, Ranhados,
             {              {Reigada, Sernancelhe, Sindim,
             {              {Soutelo, Souto, Tavora,
             {              {Touça, Trancoso, Trovões,
             {              {Valença do Douro, Val
             {              {de coelha, Vallongo, Vargeas,
             {              {Veloso, Villanova de
             {              {Foscoa, Villar mayor.
             {
             {1 Concelho    {Carapito.

             {1 Cidade.     {Guarda.
             {
             {              {Açores, Alvoco da Serra,
             {              {Baraçal, Cabra, Castro verde,
             {              {Cea, Celorico, Codeceiro
             {              {Covilhã, Folgosinho,
  VII.       {              {Forno-Telheiro, Gouvea,
  Guarda     {29 Villas.    {Jarmello, Lagos, Linhares,
  Correiçaõ  {              {Loriga, Lourosa, Manteigas
  consta de  {              {Santa Marinha, Mello,
             {              {Mesquitella, Midões, Oliveirinha,
             {              {Seixo, S. Romaõ,
             {              {Torrozello, Vallazim, Valhelhas,
             {              {Villacova.
             {
             {1 Couto.      {Mosteiro.

             {              {Alpedrinha, Atalaya, Belmonte,
             {              {Bemposta, Castello-Branco,
             {              {Castelo novo, Idanha
    VIII.    {              {nova, Idanha velha, Monsanto,
  Castello-  {              {Penagarcia, Penamacor,
  Branco     {22 Villas.    {Proença a velha, Rosmaninhal,
  Correiçaõ  {              {Sabugal, Salvaterra
  consta de  {              {do Estremo, Sarzedas,
             {              {Segura, Sortelha, Touro,
             {              {S. Vicente, Villa velha do
             {              {Rodaõ, Zibreira.

     IX.     {
  Montemor   {
  o velho    {5 Villas.     {Louriçal, Louzã, Montemor
  Ouvidoria  {              {o velho, Penella, Serpins.
  consta de  {


_Provincia da Estremadura._

1 Esta Provincia se fórma de huma faxa de terra, que corre desde a boca
do rio Mondego até o caudaloso Tejo, e continúa pela Comarca de Setubal
até entestar com Santiago de Cacem. Comprehende em toda esta longitude,
conforme huns, quarenta leguas; e segundo outros, trinta e tres. De
largo huns lhe daõ dezoito, outros dezaseis[173] leguas na sua mayor
largura; porém se lançarmos huma linha de Cascaes até a Pampilhosa,
acharemos trinta e seis leguas de latitude. Pelo Occidente o mar Oceano
a termina: pelo Meyo dia confina com o Alentejo a travez, e pelo Norte
com a Beira.

2 He o clima desta Regiaõ o mais saudavel, e temperado de todo o Reino,
porque a benignidade do Ceo faz aqui ser insensiveis aquellas estações
do tempo, que gradualmente succedem humas às outras com mudança suave;
e assim participando quasi sempre de ar puro, e Ceo sereno, produz
nella a natureza com abundancia os frutos de todos os generos. Fertil
he de azeites, bastando só a Villa de Santarem para prover o Reino,
e suas Conquistas: fertil he de vinhos, e dos melhores, chamados de
barra a barra, taõ estimados das nações Septentrionaes: fertil he de
frutas, das quaes sómente a Villa de Collares todo o anno provê a
Corte de Lisboa e se conduzem para outras muitas terras da Europa. De
trigo, legumes, e hortaliças tem o que lhe basta. Cria caças de toda a
especie, e das mais gostosas, porque comprehende as melhores coutadas
do Reino. Peixe em abundancia, e saborosissimo; e finalmente sem
exaggeraçaõ podemos dizer, que he a Provincia mais fertil, e farta de
Portugal, concorrendo tambem as outras com os seus productos para mais
a fertilizar, e enriquecer, tratando-a verdadeiramente como Rainha,
pois existe no meyo do Reino coroada de todas.

3 Muito conduz para toda esta abundancia os seus famosos portos,
especialmente o de Lisboa, por onde todos os annos entraõ as ricas
frotas do Brasil, e em pouco mais tempo as preciosas mercadorias da
Asia, e quasi todos os dias innumeraveis embarcações estrangeiras para
commodidade do commercio, que he nesta Provincia o mayor de todo o
Reino. Conduz tambem naõ pouco a grande copia de boas aguas de suas
fontes, e rios, os quaes, segundo seu mayor nome, saõ estes: _Aguas
livres_, _Alcantara_, _Alferradede_, _Alfusqueiro_, _Aljés_, _Alpiaça_,
_Alviella_, _Arunca_, _Barcarena_, _Bezelga_, _Broya_, _Cadavás_,
_Cambra_, _Canha_, _Castelãos_, _Cera_, _Caranque_, _Chileiros_,
_Crins_, _Esporaõ_, _Guardaõ_, _Lago_, _Lena_, _Liten_, _Liça_, _Liz_,
_Montijo_, _Nabaõ_, _Pernes_, _Rezes_, _Sado_, _Sizandro_, _Tejo_,
_Val de lobos_, _Unhaes_, _Zezere_, a que podemos accrescentar por
singularidade as virtuosas aguas das que chamamos Caldas, que nesta
Provincia existem as de melhor fama.

4 Quanto ao estado Ecclesiastico, tem duas Igrejas Cathedraes:
_Lisboa_, que logra a dignidade de Patriarcado; e _Leiria_ a de
Bispado. Numeraõ-se-lhe quatrocentas e sessenta e duas Paroquias, além
de outras muitas Igrejas, que o naõ saõ. Tres insignes Collegiadas:
_Santa Maria Mayor_ em Lisboa, _Nossa Senhora da Misericordia_ em
Ourem, e _Santa Maria da Alcaçova_ em Santarem, com outras, que o
parecem, como na Igreja de Santo Antonio de Lisboa, Santo Antonio do
Tojal, &c. Dous grandes Priorados das Ordens Militares: de _Santiago_
em Palmella, de _Christo_ em Thomar. Seis Templos Regios os mais
insignes: _Alcobaça_, _Batalha_, _Belém_, _Mafra_, _Thomar_, _S.
Vicente de Fóra_. Conventos, e Mosteiros mais de cento e setenta. Hum
supremo Tribunal do Santo Officio. E finalmente he onde com mayor
culto, asseyo, e grandeza se executaõ todas as festividades, funções
Ecclesiasticas, e Officios Divinos, augmentando-se mais a devoçaõ com
os prodigiosos Santuarios, que encerra cheyos de continuadas maravilhas.

5 As sciencias nos seus frenquentados Collegios, e Academias: as artes
liberaes nas suas grandes, e opulentas fabricas: a politica, o trato,
e a civilidade florecem nesta Regiaõ: até o idioma se pronuncía com
mayor pureza, e cadencia do que nas outras Provincias; pois nella
reside a Corte de Lisboa, que como Princeza de todas as do mundo, como
lhe chamou o nosso Poeta, infunde qualidades para a melhor cultura, e
perfeiçaõ. Finalmente

  _Es la quarta Provincia Estremadura,
    Que contiene a_ Lisboa, _donde cria,
    Del claro lis beviendo la dulçura
    Con Episcopal Baculo_ Leiria.
    _La Villa de_ Batalla _se assegura
    De Reyes Portuguezes urna umbria._
    Santarem _con portentos se corona,
    Y de aver sido throno Real blasona.
  Con gran juridicion_ Thomar _se ofrece
    Al dulce Naban, que sus campos baña._
    Alenquer _del Alano permanece
    Fundacion en frutifera campaña._
    Cintra _del quinto Alonso patria crece.
    Primera poblacion sale de España,_
    Setubal _al mar grande dirigida
    Morada de Tubal apetecida._


_Comarcas da Provincia da Estremadura._

                              {Senhora da Ajuda, Santo
                              {André, Senhora dos Anjos,
                              {S. Bartholomeu, Santa
                              {Catharina, Chagas de Jesus,
                              {S. Christovaõ, Senhora da
                              {Conceiçaõ, Santa Cruz do
                              {Castello, Senhora da Encarnaçaõ,
                              {Santa Engracia, Santo
             {                {Estevaõ, S. Joaõ da Praça, S.
     I.      {                {Jorge, S. Joseph, Santa Isabel,
  Lisboa     {                {S. Juliaõ, Santa Justa,
  Capital do {  41 Paroquias. {Senhora do Loreto, S. Lourenço,
  Reino      {                {S. Mamede, Santa Maria,
  consta de  {                {Santa Maria Magdalena,
             {                {Santa Marinha, S. Martinho,
             {                {Senhora dos Martyres, Senhora
                              {das Mercês, S. Miguel, S.
                              {Nicolao, Patriarcal, S. Paulo,
                              {S. Pedro, Senhora da Pena, Santissimo
                              {Sacramento, Salvador,
                              {Santiago, Santos, S.
                              {Sebastiaõ, Senhora do Soccorro,
                              {S. Thomé, S. Vicente.

                              {Alhandra, Alverca, Arruda,
    II.     {                 {Bellas, Cadaval, Cascaes,
  Torres    {                 {Castanheira, Chilleiros, Collares,
  Vedras    {   18 Villas.    {Enxara dos Cavalleiros,
  Correiçaõ {                 {Ericeira, Lourinhã, Mafra,
  consta de {                 {Povos, Sobral de Monte
            {                 {Agraço, Torres Vedras, Villa
                              {Franca de Xira, Villa Verde.

    III.    {                 {Aldea Galega da Merciana,
  Alanquer  {    8 Villas.    {Alenquer, Caldas, Chamusca,
  Ouvidoria {                 {Cintra, Obidos, Salir
  consta de {                 {do Porto, Ulme.

            {   1 Cidade.     {Leiria.
    IV.     {
  Leiria    {                 {Alcobaça, Alfeizeraõ, Aljubarrota,
  Correiçaõ {                 {Alpedriz, Alvorninha,
  consta de {                 {Atouguia, Batalha, S.
            {   11 Villas.    {Catharina, Cella, Coz, Ega,
                              {Evora de Alcobaça, S. Martinho,
                              {Mayorga, Pederneira, Peniche,
                              {Pombal, Redinha, Salir
                              {do Mato, Soure, Turquel.

                              {Abiul, Abrantes, Aguas
                              {Bellas, Aguda, Alvaro, Alváres,
                              {Amendoa, Aréga,
            {                 {Assinceira, Atalaia, Chaõ de
    V.      {                 {couce, Dornes, Ferreira, Figueirò
  Thomar    {   28 Villas.    {dos vinhos, Maçãs de
  Correiçaõ {                 {caminho, Maçaõ, Pampilhosa,
  consta de {                 {Payo de pelle, Pedrogaõ grande,
            {                 {Pias, Ponte de
                              {Sor, Punhete, Pussos, Sardoal,
                              {Sovereira formosa,
                              {Tancos, Thomar, Villa de
                              {Rey.

  VI.       {                 {Aguda, Avelar, Chaõ de
  Ourem     { 7 Villas.       {Couce, Maçãs de D. Maria,
  Ouvidoria {                 {Ourem, Porto de Moz, Pousaflores.
  consta de {

            {                 {Alcanede, Alcoentre, Almeirim,
  VII.      {                 {Aveiras de cima,
  Santarem  {                 {Aveiras de baixo, Azambuja,
  Correiçaõ {15 Villas.       {Azambugeira, Erra, Golegã,
  consta de {                 {Lamarosa, Montargil,
            {                 {Mugem, Salvaterra de Mangos,
            {                 {Santarem, Torresnovas.

            {                 {Alcacer do Sal, Alcochete,
  VIII.     {                 {Aldea Gallega, Alhosvedros,
  Setubal   {                 {Almada, Barreiro, Cabrella,
  Correiçaõ {16 Villas.       {Çamora Correya, Canha,
  consta de {                 {Coina, Grandola, Lavradio,
            {                 {Moita, Palmela, Setubal,
            {                 {Sezimbra.


_Provincia do Alentejo._

1 Chama-se esta Provincia _Alentejo_, respeitando as outras Provincias
de Portugal, que ficaõ ao Norte do rio Tejo; mas isto he conforme
a divisaõ politica, e naõ fisica. Dilata-se entre os limites da
Estremadura Castelhana, Reino do Algarve, mar Oceano, Tejo, e Guadiana,
quasi em fórma quadrada, pelo que lhe daõ muitos trinta e quatro leguas
de huma, e outra parte;[174] porém o seu mayor comprimento pelo certaõ
saõ trinta e nove leguas, pela costa vinte e oito, e tendo pela margem
do Tejo trinta e cinco de largura, se estreita, e reduz na raya do
Algarve a vinte e huma.[175]

2 He o seu terreno pela mayor parte plano, posto que o atravessaõ
algumas serras, a de Ossa, Caldeiraõ, Portalegre, Montemuro, Marvaõ,
e outras, donde nascem fontes, e rios, naõ em tanta abundancia,
como nas outras Provincias, porque tambem o ardente Sol no Veraõ
consome aqui muito sua humidade, mas todavia sempre se lhe numeraõ de
mayor nome os seguintes: _Abrilongo_, _Alcarapinha_, _Alcaraviça_,
_Alcarache_, _Algale_, _Anheloura_, _Aramenho_, _Aviz_, _Benavile_,
_Bonafide_, _Botova_, _Cabaça_, _Caya_, _Cayola_, _Campilhas_, _Canha_,
_Carreiras_, _Cobrinhas_, _Corbes_, _Corona_, _Dejebe_, _Detença_,
_Enxarrama_, _Erra_, _Ervedal_, _Figueiró_, _Fonte boa_, _Galego_,
_Guadiana_, _Lavra_, _Lamarosa_, _Leça_, _Limas_, _Lixoza_, _Lucefece_,
_Machede_, _Marataca_, _Mourinho_, _Niza_, _Odemira_, _Odivellas_,
_Odivor_, _Peramança_, _Regalvo_, _S. Romaõ_, _Sarrazola_, _Seda_,
_Sever_, _Severa_, _Sor_, _Sorraya_, _Taleigaõ_, _Tejo_, _Tera_,
_Terjes_, _Videgaõ_, _Xever_, _Xevora_, _Xola_, _Xouxou_, _Zata_.

3 He fertilissima, pois correspondem os frutos com grande abundancia.
De trigo diz Macedo,[176] que só a Freguezia da Cathedral de Evora dá
ao dizimo cada anno setecentos moyos, com a circunstancia de que os
lavradores naõ cultivaõ todas as terras capazes de sementeira, senaõ
escolhem algumas, a que chamaõ folhas, para fazerem a lavoura de tres
em tres annos; isto he, a que se semeou este anno, naõ se torna a
affolhar, senaõ passados tres annos; porque se Alentejo cultivasse
annualmente todas as dilatadas campinas, e charnecas, que tem, daria
trigo, centeyo, e cevada para todo o mundo. A esta abundancia attendeo
Camões, quando cantou:[177]

  _E vós tambem, ò terras Transtaganas,
  Affamadas co dom da flava Ceres._

4 Além dos trigos he abundante de boas frutas, azeite, vinho, mel,
cera, lãs, caças, gados, excellentes queijos, finos marmores,
affamados, e cheirosos barros; de sorte que esta Provincia naõ
necessita de cousa alguma, que em si naõ tenha com abundancia: até
peixe colhe abundantemente da ribeira do Sado, que entra no rio de
Alcacere, e na da Fonte Santa, que está no caminho de Estremoz, além de
outros rios, que temos nomeado.

5 Ha em Alentejo quatro Cidades: _Evora_, que tem Arcebispo: _Elvas_,
e _Portalegre_, que tem Bispos: _Beja_ que o naõ tem. Contaõ-se mais
de cem Villas: dous grandes Priorados das Ordens Militares, de _Aviz_,
e de _Malta_. Divide-se em oito Comarcas, que saõ: _Evora_, _Béja_,
_Campo de Ourique_, _Villa Viçosa_, _Elvas_, _Portalegre_, _Crato_,
_Aviz_, das quaes algumas saõ Ouvidorias.

6 Sempre nesta Provincia floreceraõ homens de singulares engenhos: em
tempos antigos Aprigio, Isidoro Pacense, e outros muitos: nos mais
proximos aos nossos André de Resende, o Padre Maldonado, o Padre
Manoel de Goes, o Doutor Pedro Nunes, rarissimo na Mathematica,
Thomaz Rodrigues, insigne Medico, além de muitos outros em todas as
faculdades. E no valor teve tambem homens assinalados, como foy D. Payo
Peres Correa, Josué Portuguez, D. Nuno Alvares Pereira, D. Vasco da
Gama, primeiro descubridor das Indias, os quaes bastaõ para credito da
Provincia. Tudo se recopila nestas duas estancias.

  _Sigue quinta Region la de Alentejo,
    Cuya cabeça, y Metropolitana
    Es_ Evora, _de Roma claro espejo,
    Del gran Giraldo gloria soberana.
    Tiene noble dominio, y fiel consejo_
    Portalegre _risueña Diocesana._
    Elvas _con Mitra luze venerable,
    Siendo por su Castillo inexpugnable._

  Béja _Ciudad insigne se publíca,
    Y el precioso licor de Baco enseña.
    Entre otras Villas_ Estremoz _muy rica
    Es invencible, y fuerte_ Jurumeña.
    _Por sus inclytos Nobles a Belona_
    Montemayor _el Nuevo el ser dedica._
    Villa Viçosa _en llano está florido
    Templo de Proserpina, y de Cupido._


_Comarcas da Provincia do Alentejo._

               { 1 Cidade. {Evora.
     I.        {
  Evora        {           {Aguias, Alcaçovas, Canal,
  Correiçaõ    {11 Villas. {Estremoz, Lavre, Montemór
  consta de    {           {o novo, Montoito, Pavîa,
               {           {Redondo, Viana, Vimieiro.

               { 1 Cidade. {Béja.
               {
               {           {Agua de Peixes, Aguiar,
     II.       {           {Albergaria dos Fuzos, Alvito,
  Béja         {           {Beringel, Faro, Ferreira,
  Ouvidoria    {18 Villas. {Ficalho, Frades, Moura,
  consta de    {           {Odemira, Oriolas, Serpa, Torraõ,
               {           {Vidigueira, Villa-Alva,
               {           {Villanova de Alvito, Villa-Ruiva.

    III.       {           {Aljustrel, Almodovar, Alvalade,
  Campo        {           {Castro verde, Collos,
  d’Ourique    {15 Villas. {Entradas, Gravaõ, Mertola,
  Ouvidoria    {           {Messejana, Ourique, Padrões,
  consta de    {           {Panoyas, Santiago de Cacem,
               {           {Sines, Villanova de mil fontes.

               {           {Alter do chaõ, Arrayolos,
    IV.        {           {Borba, Chancellaria, Evoramonte,
  Villa-Viçosa {14 Villas. {Lagomel, Margem,
  Ouvidoria    {           {Monsarás, Monforte, Portel,
  consta de    {           {Souzel, Villa-Boim, Villa-Viçosa,
               {           {Villa-Fernando.

               { 1 Cidade. {Elvas.
     V.        {
  Elvas        {
  Correiçaõ    {           {Barbacena, Campo Mayor,
  consta de    { 6 Villas. {Mouraõ, Olivença, Ouguela,
               {           {Terena.

               { 1 Cidade. {Portalegre.
     VI.       {
  Portalegre   {           {Alegrete, Alpalhaõ, Arronches,
  Correiçaõ    {           {Assumar, Arez, Castello
  consta de    {12 Villas. {de Vide, Marvaõ, Meadas,
               {           {Montalvaõ, Niza, Povoa,
               {           {Villaflor.

               {           {Amieira, Belver, Cardigos,
    VII.       {           {Carvoeiro, Certã, Crato,
  Crato        {12 Villas. {Envendos, S. Joaõ de
  Ouvidoria    {           {Gafete, Oleiros, Pedrogaõ
  consta de    {           {pequeno, Proença a nova,
               {           {Tolosa.
               {           {Alandroal, Alter Pedroso,
               {           {Aviz, Benavente, Benavilla,
   VIII.       {           {Cabeço de Vide, Cabeçaõ,
  Aviz         {17 Villas. {Cano, Coruche, Figueira,
  Ouvidoria    {           {Fronteira, Galveas, Jurumenha,
  consta de    {           {Mora, Noudar, Seda,
               {           {Veiros.


_Provincia, e Reino do Algarve._

1 Fórma esta Regiaõ do Algarve hum dos principaes angulos da Peninsula
Lusitana no Cabo de S. Vicente com a concurrencia das linhas
Meridional, e Occidental até a foz do Guadiana. Daõ-lhe os Geografos
vinte e sete leguas de comprido, e nove de largo. Os Mouros lhe
chamaraõ Algarve, que quer dizer _Terra Occidental_,[178] mas outros
interpretaõ _Terra plana, e fertil_; porque sem embargo de comprehender
algumas serras pelo certaõ, occupa pela costa do mar planicies muy
ferteis, e deliciosas.

2 Constitue-se Reino forte, e separado de Portugal pelos montes
Caldeiraõ, e Monchique, e de Andaluzia pelo rio Guadiana; de sorte,
que a sua situaçaõ he a mais vantajosa de todas as nossas Provincias.
Sua primeira conquista foy intentada por ElRey D. Affonso Henriques:
continuou-a com grandes progressos ElRey D. Sancho I., e a acabou
de conseguir ElRey D. Affonso III. ficando desde entaõ o Reino do
Algarve incorporado com permanencia na Coroa de Portugal, que organiza
suas Reaes armas com a orla dos sete castellos dourados em campo
vermelho.[179] 3 Consta de quatro Cidades: _Faro_, onde hoje está a Sé
Cathedral; _Silves_, donde foy mudada; _Tavira_, e _Lagos_. Tem mais
doze Villas, a saber: _Albofeira_, _Alcoutim_, _Aljezur_, _Alvor_,
_Cassella_, _Castro-Marim_, _Loulé_, _Odeseixe_, _Paderne_, _Sagres_,
_Villa de Bispo_, _Villa nova_. Tem dous Promontorios o Cabo de S.
Vicente, e o de Santa Maria. Tem cem pontes de pedra, sessenta e duas
pias de bautizar, e outras particularidades, que reservamos para lugar
mais proprio.

4 Faz ser esta Provincia abundante com especialidade a grande copia
de figos, passas, e amendoas, de que se extrahem todos os annos
por negocio para differentes partes de Levante, Italia, e Flandes
consideraveis sommas; e assim como em outras terras estaõ semeados os
campos de trigo, cevada, e centeyo, esta os tem cubertos de vinhas,
amendoeiras, figueiras, e tambem palmeiras, de cujos ramos tecem seus
moradores varias curiosidades.[180] A pescaria de atum naõ serve de
pequeno lucro, e com que fazem hum grave negocio. Os rios, que cortaõ,
e regaõ este Reino, saõ muitos, porém pequenos, sendo os de mayor nome
o _Adoleite_, _Belixari_, _Guadiana_, _Lampas_, e _Vascaõ_.

5 Seus habitadores saõ esforçados, e aptos para a guerra; e já em
tempos antigos venceraõ valerosamente ao Capitaõ Romano Sergio Galba.
Saõ muy dados à sciencia maritima, e se prezaõ muito de que no seu
terreno escolhessem o primeiro Patriarca, e Fundador de Hespanha
_Tubal_, e o famoso _Hercules_ os seus jazigos, se he certo o que
diz Fr. Bernardo de Brito. Divide-se finalmente o Algarve em duas
Comarcas, conforme a Geografia moderna do Padre D. Luiz de Lima, e vem
a ser: _Lagos_, e _Tavira_. Tem sete fontes medicinaes: tres Praças
de armas, que saõ: _Lagos_, _Faro_, _Castro-Marim_, bem fortificadas
com quatro mil homens de guarniçaõ; e até o presente numera quarenta
Governadores, ou Capitães Generaes com o segundo Marquez de Louriçal D.
Francisco de Menezes seu actual, e benemerito Governador.

  _El Reyno del Algarbe es la postrera
  Porcion, cuyas Ciudades son_ Tavira
  _DelRey Brigo gallarda Primavera,
  Donde herido del viento el mar suspira._
  Faro _Obispal adorna su ribera,
  Al Oceano fuerte_ Lagos _mira.
  Con poca vezindad nombre difuso
  Alcança_ Sylves _Paraiso Luso_.

_Comarcas da Provincia, e Reino do Algarve._

            { 2 Cidades. {Lagos, Silves.
     I.     {
  Lagos     { 7 Villas.  {Aljezur, Alvor, Odeseixe,
  Correiçaõ {            {Paderne, Sagres, Villanova de
  consta de {            {Portimaõ, Villa do Bispo.

     II.    { 2 Cidades. {Tavira, Faro.
  Tavira    {
  Correiçaõ { 5 Villas.  {Albufeira, Alcoutim, Cacella,
  consta de {            {Castro-Marim, Loulé.
 +---------------------------------------------------------------------+
 |                                   MAPPA                             |
 |                  _Do que comprehendem as seis Provincias            |
 |                              de Portugal._                          |
 +------------+--------+---------+---------+--------+---------+--------+
 |Provincias  | Minho. |Tr. os M.|  Beira.| Estrem. |Alentej. | Algarv.|
 |            |        |         |        |         |         |        |
 |Comarcas.   |    6   |    4    |    8   |    8    |    8    |    2   |
 |            |        |         |        |         |         |        |
 |Cidades.    |    2   |    2    |    5   |    2    |    4    |    4   |
 |            |        |         |        |         |         |        |
 |Villas.     |   26   |   50    |   234  |   114   |   100   |   12   |
 |            |        |         |        |         |         |        |
 |Patriac.    |   ...  |   ...   |   ...  |    1    |   ...   |   ...  |
 |            |        |         |        |         |         |        |
 |Arcebisp.   |    1   |   ...   |   ...  |   ...   |    1    |   ...  |
 |            |        |         |        |         |         |        |
 |Bispados.   |    1   |    1    |    4   |    1    |    2    |    1   |
 |            |        |         |        |         |         |        |
 |Inquisiç.   |   ...  |   ...   |    1   |    1    |    1    |   ...  |
 |            |        |         |        |         |         |        |
 |Univers.    |   ...  |   ...   |    1   |   ...   |    1    |   ...  |
 |            |        |         |        |         |         |        |
 |Paroquias.  |  1500  |   620   |  1090  |   460   |   350   |   67   |
 |            |        |         |        |         |         |        |
 |Cid. capit. | Porto. |Miranda. | Coimb. | Lisboa. | Evora.  |  Faro. |
 |            |        |         |        |         |         |        |
 |Pr. d’ arm. | Viana. | Chaves. |  Alm.  | Lisboa. | Elvas.  | Lagos. |
 |            |        |         |        |         |         |        |
 |L. de comp. |   18   |   34    |   36   |   40    |   39    |   28   |
 |            |        |         |        |         |         |        |
 |L. de largo.|   12   |   26    |   36   |   18    |   35    |    8   |
 +------------+--------+---------+--------+---------+---------+--------+


NOTAS DE RODAPÉ:

[151] Duarte Nun. Descripç. de Port. cap. 28. Joaõ de Barr. na
Descripç. do Minho cap. 6. Far. Europ. Port. tom. 3. part. 2. cap.
2. a. 4. Joaõ Salgad. de Arauj. nos Success. Milit. liv. 1. cap. 1.
Geograf. Blavian. Cost. Corogr. Port. tom. 1. c. 1. Lim. Geogr. Histor.
tom. 1. pag. 2.

[152] Far. no Epitom. part. 4. cap. 5. n. 4. Maced. Flor. de Hesp. cap.
1. excel. 6.

[153] D. Franc. Man. Epanafor. 4. p. 518.

[154] Joaõ Salgad. de Arauj. nos Success. Milit. liv. 1. cap. 1. pag.
3. vers.

[155] Far. Epitom p. 4. cap. 17.

[156] Nun. Descripç. de Portug. cap. 28. e 29. Vasconcell. in Descript.
Lusitan.

[157] Estaç. Antig. de Portug. cap. 72.

[158] Maced. Flor. de Hespanh. cap. 3. excel. 1.

[159] Joaõ Salgad. Success. Milit. pag 3. vers.

[160] Maced. Flor. de Hesp. cap. 2. excel. 3. Barbos. de Potestat.
Episcop. part. 1. tit. 3. cap. 8. Gil Gonsal. de Avil. no Theatro de
las grandez. de Madrid. p. 500.

[161] Arauj. Success. Milit. liv. 1. cap. 1.

[162] August. Barb. de Potest. Episcop. part. 1. tit. 3. cap. 8.

[163] Far. Europ. Port. tom. 3. part. 2. cap. 2. Lim. Geogr. Histor.
tom. 2. pag. 3.

[164] Corograf. Portug. tom. 1. p. 313. Padilha. Histor. Eccles. cent.
1. cap. 16. Monarq. Lusitan. part. 3. liv. 8. cap. 32. Rodrig. Mend. da
Silv. na Descripç. de Portug.

[165] Colmenar. Delices du Port. tom. 4. pag. 713. Lim. Geograf.
Histor. tom. 2. p. 61.

[166] Arauj. Success. Milit. p. 68. vers.

[167] Brit. na Geograf. Lusitan. cap. 4. Fr. Man. da Esper. na 1. part.
da Histor. Serafic. liv. 4. cap. 13.

[168] Poyar Diccionar. Geogr. p. 76. Lim. Geograf. Histor. tom. 2. p.
83.

[169] Fr. Man. da Roch. Portug. renascid. part. 1. p. 109.

[170] Histor. Genealog. da Casa Real Port. tom. 8. p. 354.

[171] Far. Europ. Port. tom. 3. pag. 3. cap. 2.

[172] Brit. Geograf. Lusitan. cap. 2.

[173] Geograf. Blavian. Mendes da Silv. Mons. de La Clede tom. 2. pag.
mihi 59. Corograf. Portug. tom. 3 Lim. Geogr. Histor. tom. 2. p. 136.
Far. Europ. Portug. tom. 3. part. 3. cap. 2. p. 160.

[174] Far. Europ. Portug. tom. 3. part. 3. cap. 2. Rodrig. Mend. da
Silv. na Descripç. de Portug. Geograf. Blavian. tom. de Hespanh. pag.
403.

[175] Abbad. de Per. Success. Milit. p. 179.

[176] Sousa de Macedo nas Flor. de Hespanh. cap. 3. excel. 3.

[177] Cam. cant. 3 est.62.

[178] Colmen. Delices de Hesp. tom. 4. p. 809.

[179] Monarq. Lusit. liv. 16. cap. 4.

[180] Rodrig. Mend. da Silv. Descripç. de Hesp.



                             CAPITULO VI.

 _Dos Montes, Promontorios, e Serras de mayor nome._


1 Quasi todos os principaes montes, e serranias, que fortalecem,
e ornaõ este nosso Continente, saõ ramos, e esgalhos dos celebres
Pyrineos, que dividem França de Hespanha, os quaes, entrando por varias
partes do Reino, adquirem o nome conforme as terras por onde se vaõ
descubrindo; e com tal elevaçaõ em alguns sitios, que justamente lhes
chamou Athlantes o famoso Caramuel,[181] pois com sua altivez pertendem
coroarse de estrellas, e suster os Ceos em seus hombros. Dos mais
affamados daremos a breve informaçaõ, a que o nosso methodo nos obriga.

2 _Abelheira._ Descobre-se esta serra no termo da Villa de Moura em o
Alentejo, e participa da serra da Adiça, communicando-se tambem com
a dos Machados, que lhe fica meya legua distante. Dá pastos a muitos
gados, e cria-se nella caça de todo o genero, e muitas hervas de grande
virtude medicinal. Ha outra serra deste mesmo nome na Provincia de Tras
os Montes no sitio da Igrejinha, onde se descobrem ruinas de edificios
Arabes.

3 _Aboboreira._ Fica na Provincia do Minho perto do Concelho de Gouvea.
He inculta, e inhabitavel em todos os quatro mil passos de ambito, que
occupa o seu terreno, posto que naõ he esteril para a muita caça que
alli se cria.

4 _Achada._ Começa esta serra desde a ribeira de Cascaes, e se vay
unir com a de Montejunto. Participa de aspero temperamento, naõ
obstante admittir cultura pelas suas raizes.

5 _Açor._ Há no Reino duas serras com este mesmo nome; huma na Beira,
que principia no termo da Villa de Coja, e acaba na de Arganil,
occupando o espaço de quasi sete legoas de comprido, e duas de largo, e
lança varios braços por diversos sitios. A outra serra jaz no Algarve.

6 _Albardos._ Serra aspera da Estremadura, lançada desde o termo de
Santarem até Porto de Mós. He de clima destemperado, e nella nascem
alguns rios, e canteiras de pedra fina. Os Religiosos de Alcobaça saõ
Senhores de todos os limites desta serra.

7 _Alcaçovas._ Está junto da Villa do seu mesmo nome na Comarca de
Evora. Levanta-se em desmedida altura, pois do cimo della se descobrem
povoações muy distantes. O insigne Fr. Luiz de Sousa diz[182] ser
provavel haver aqui no tempo dos Romanos algum edificio nobre, segundo
se collige de algumas moedas que se tem descoberto, e de outros
vestigios de antiguidade, que refere o Diccionario Geografico do Padre
Cardoso. A ribeira chamada Odiege, ou Diege, que discorre por esta
serra, fertiliza grandemente aquellas porções, que se deixaõ cultivar,
e onde se cria abundancia de caça, e de gado.

8 _Alcubertas._ Fica no termo da Villa de Alcanede, onde se descobre
huma grande concavidade, e dentro della huma casta de pedra brilhante,
que parece cristal; e outras, que congeladas da neve com a mistura
da terra saõ muy galantes, e procuradas para ornar embrechados, e
grutescos.

9 _Aleidões._ Apparece no Alentejo, e no termo de Grandola,
estendendo-se até Santiago de Cacem. Participa de ares saudaveis, e
consta de muitas carvalheiras, dando pasto a bastante gado, que alli
se cria, e a innumeraveis colmeas para a produçaõ de mel.

10 _Algáres._ Principia esta serra a descobrirse huma legua distante
da Villa de Grandola para a parte do Levante, e continuando contra o
Nascente, vay acabar onde chamaõ o Castello velho pelo espaço de duas
leguas. He quasi toda minada por baixo, e foy de donde os Romanos
extrahiraõ bastantes riquezas. Fica sobranceira ao rio Corona, que
separa pelo meyo os termos de Grandola, e Alvalade. A _Corografia
Portugueza no tom. 3. pag. 336._ refere outras circunstancias desta
serra, da qual naõ trata o Diccionario Geografico.

11 _Alpedreira._ Fica no Arcebispado de Evora, e se communica com
a serra de Portel. He secca, e esteril. Cria muito lobo pelas
concavidades que tem; e em algumas partes se cultiva com trabalho para
sementeira de centeyo.

12 _Alqueidaõ._ He da Estremadura, e fica no territorio de Leiria. A
sua temperie he fria, e em parte se cultiva trigo, milho, e linho. Cria
tambem alguma caça miuda.

13 _Altar de Trevim._ He huma serra que fica no termo da Louzã,
demasiadamente aspera, e empinada, de cuja eminencia se avistaõ muitas
Villas, e Lugares, que causaõ aos olhos agradavel perspectiva. Tem
muita caça, e cria porcos montezes, e lobos, naõ sem prejuizo dos gados
que por alli pastaõ.

14 _Alvaõ._ Na Provincia Transmontana, e na Comarca de Guimarães.
He fria, e no inverno cheia de neve. Cria muito lobo, e muito mato
rasteiro; cultiva-se em partes, e tem caça de perdizes, coelhos, e
lebres.

15 _Alvayazere._ Fica junto à Villa de seu nome no Bispado de Coimbra.
He serra aspera, e pedregosa, com quatro legoas de comprido. Cria
muito alecrim, e por isso o muito mel que as abelhas fabricaõ da sua
flor, he o mais estimavel. Está aqui huma grande gruta muy espaçosa,
onde se entra, e onde nasce agua capaz de se beber. Suppoem-se que
seria habitaçaõ dos Romanos, segundo vestigios que no cimo da serra se
descobrem.

16 _Airó._ Esta serra, que fica a hum lado da Villa de Barcellos, tem
bastante eminencia, e no mais alto se estende huma planicie banhada
por diversas fontes de bella agua, onde ha huma Ermida com huma devota
imagem da Senhora da Fé. Em outro tempo se denominava Monte aureo,
de que se derivou o nome, que tem presentemente a serra. Em pouca
distancia da dita Ermida ainda existem as ruinas de outra dedicada a S.
Silvestre, obra do servo de Deos Joanne o Pobre natural de Catalunha,
Varaõ penitente, e virtuoso, que alli viveo solitario, e morreo com
sinaes de predestinado.

17 Na raiz desta serra encostado ao Norte está o Convento de Villar
de Frades, hoje dos Conegos Seculares de S. Joaõ Evangelista, e
antigamente dos Monges de S. Bento, onde aconteceo aquelle prodigioso
caso a hum Monge, que reflectindo sobre as palavras de David no Psalmo
89. onde diz: _Que mil annos diante de Deos saõ como hum dia, que
passou_, se foy contemplando a trás da armonia de hum passarinho, que
com a suavidade da sua voz o enterteve extatico na cerca do Convento
o espaço de sessenta annos, sem ser visto, nem achado de ninguem;
dando-lhe Deos a entender pelo engodo transitorio daquella ave canora,
quanto na sua adoravel presença as eternidades de gloria parecem
instantes, como bem diz o Doutor Villasboas, que refere este caso na
Nobiliarquia Portugueza cap. 9. e o Agiologio Lusitano tom. 1. Toda
esta serra he fertil de pastos, e arvores, em que se dá o melhor vinho
de enforcado, que deste genero ha no Reino.

18 _Amarella._ He serra do Minho muy despenhada, e quasi principio da
do Gerez. Descobrem-se da sua mayor altura muitas povoações distantes,
e do mar Oceano quanto a potencia da vista póde alcançar; alargando-se
tambem a vista até grande parte de Galiza, que lhe serve de termo.
Cria muito lobo cervaz, e javalizes, que damnificaõ os gados, por cujo
motivo os moradores dos Concelhos alli proximos lhes vaõ fazer montaria
em tempos determinados, por obrigaçaõ.

19 _Amoreira._ Fica na Provincia da Estremadura, e nos limites de
Odivellas, de cujo cume se descobrem por todas as partes muitas
povoações. Todo o seu mato saõ fetos, e consta de excellentes pedreiras
negras para alvenaria, donde se extrahe muita parte para varias obras
de primor.

20 _Anciam._ Tem seu assento na Beira entre as Villas do Rabaçal,
e Pombal, e corre de Thomar até Coimbra. Em algumas partes he mais
eminente que em outras, mas sempre de vista alegre, pois cria muito
alecrim, e variedade de boninas, e outras flores, que servem de pasto
aos muitos enxames de abelhas, de que fabricaõ excellente mel. Dizem
que fora habitada pelos Mouros, de que ha ainda alguns vestigios. Aqui
se vê huma grande lapa chamada _Algar da agua_ aberta em hum penhasco
taõ espaçosamente, que podem caber dentro quinhentos homens. Cria
tambem abundancia de perdizes, coelhos, lebres, e rapozas. O Author da
Corografia chama a esta serra a Carreira.[183]

21 _Araceli._ He huma serra do Alentejo no Arcebispado de Evora, que
tem meya legua de comprido, despovoada, e que em algumas partes admitte
cultura. O seu mato he rasteiro, e nelle se criaõ hervas medicinaes, a
agrimonia, a douradinha, e com especialidade o arbusto Daro, de cujas
bagas se faz azeite muito bom para as luzes, e tambem para o prato,
e tem particular virtude para as dores de flatos. Ha aqui muita caça
de toda a casta, e muitas colmeas de abelhas, de que se tira bastante
mel. No cimo da serra se logra huma boa vista desafogada, e se adora a
imagem da Senhora com o titulo de _Araceli_, que deu nome à serra.

22 _Arada._ Serra junto ao Concelho de Lafões, que terá tres leguas de
comprido. Tem grandes despenhadeiros, e perigosos. Na planicie da sua
mayor altura, que he espaçosa, está o Lugar da Coelheira. Consta toda
esta serra de mato real, onde se cria muita caça, até aguias, e hervas
medicinaes.

23 _Arga._ Chama Ptolomeu a esta serra Promontorio Avaro.[184] Divide
ella os termos de Viana, Ponte de Lima, Coura, e Caminha, e deu terreno
antigamente a hum Convento Benedictino entre as densas matas do seu
ambito, o qual hoje he Paroquia, cujo Reitor assiste em Filgueiras. Tem
esta serra cousas muito especiaes, que mais extensamente se podem ver
na Corografia Portugueza, e no Diccionario Geografico.[185]

24 _Arrabida._ He esta serra huma aspera montanha da Estremadura, que
corre direita de Nordeste a Sudueste no mais desabrido della pelo
espaço de duas leguas, e continúa mais tres até o Cabo de Espichel por
sitio menos agreste fazendo varias quebradas. Fica-lhe na raiz para a
banda do Norte o sitio de Azeitaõ; para a parte do Sul as prayas do
Sado. Olhando de cima para o mar Oceano, se vê Cezimbra à maõ direita,
e Setubal à esquerda: e desta mesma parte, quasi no meyo da serra,
está o Convento dos Padres Arrabidos da mais estreita observancia
Franciscana, muy penitentes, e onde viveo muitos annos S. Pedro de
Alcantara.

25 Conforme diz Gaspar Barreiros[186] o nome de Arrabida he derivado
da antiga _Arabriga_, que Ptolomeu, e Ortelio situaõ com igual
demarcaçaõ perto da dita serra; e mostra ter mais probabilidade, que
o que dizem o Doutor Alvaro Gonçalves de Camões, a quem seguem Fr.
Antonio da Piedade, e Joaõ de Brito de Mello,[187] os quaes a derivaõ
do nome _Errabundus_; porque os que subiaõ a esta serra, sempre erravaõ
o caminho. O Padre Fr. Francisco Gonzaga diz,[188] que os Mouros,
quando aqui habitaraõ, lhe pozeraõ este nome, que no seu idioma
significa o mesmo que Oratorio, ou lugar solitario, e proprio de fazer
penitencia.

26 Os Romanos chamaraõ a esta serra _Promontorio Barbarico_; ou
porque os seus habitadores, chamados Sarrios, levaraõ daqui para Roma
muita grã, de que a serra abunda, com a qual os Romanos tingiaõ os
seus vestidos, a cuja cor encarnada davaõ o nome de barbara, e aos
conductores barbaros, como diz André de Resende;[189] ou porque os
povos, que primeiramente aqui viviaõ, tinhaõ costumes barbaros, e
rusticos, como observa Fr. Bernardo de Brito, e Floriaõ do Campo.[190]

27 Na bella descripçaõ desta serra, que vem no Diccionario Geografico,
se diz, que à sua vertente onde se erigio a torre de Outaõ, se chamou
antigamente o Promontorio de Neptuno; e que se presume havia alli
templo dedicado àquella falsa divindade, segundo huma estatua de
bronze, com varias inscripções, e outros nobres vestigios, que se
descobriraõ, e hoje se naõ achaõ pela barbaridade dos que fizeraõ pouco
caso dellas.

28 De muitas cousas notaveis he fertil todo o corpo desta montanha,
que os estreitos limites a que me cingi, me naõ permittem relatar com
miudeza. Os desejosos de mayores noticias podem ver o primeiro tomo
da Chronica da Arrabida do Padre Fr. Antonio da Piedade, que no cap.
5. faz huma descripçaõ desta serra extensamente, posto que em estylo
mais poetico, do que historico. Excede a todas as descripções, a que
vem no primeiro tomo do Diccionario Geografico de Portugal feita pelo
Padre Antonio dos Reys, da Congregaçaõ do Oratorio, e que publicou
seu irmão o Padre Luiz Cardoso. Naõ nos esqueçamos porém da admiravel
circunstancia de ser toda a serra limpa de bichos venenosos; nem
da pedra, que daqui se extrahe, salpicada de cores diversas, que à
maneira de remendinhos pardos, brancos, vermelhos, e negros a esmaltaõ,
e matizaõ galantemente. Della se fabricou o exquisito retabulo, ou
frontaria exterior da Igreja do Hospital Real no rocio de Lisboa,
presentemente arruinado, e extincto.

29 _Atalaya._ Ha no Reino tres serras com este nome; duas na
Estremadura, e huma na Beira. A que fica no termo do Pombal, consta de
canteiras de excellente pedra, e admitte cultura, e criaçaõ de alguma
caça. A que se vê junto da Freguezia de Santo Estevaõ das Galés, tem
hum quarto de legua de comprido, e toda de admiravel vista. He regada
com algumas fontes, que nascem alli mesmo, e dá terreno para habitaçaõ
de dous lugares, e pasto para os seus gados. Cria com especialidade
muita herva medicinal, e outros varios frutos, e caça. A da Provincia
da Beira fica no termo de Trancoso, e he muy destemperada, mas
abundante de lenha, e caça miuda.

30 _Barregudo._ He huma serra, que fica no termo de Torres Vedras, e
que na distancia de tres legoas caminha a entestar com a de Montejunto.
Adquire nomes differentes segundo os sitios. No de Penedos negros se
encontraõ varias pedrinhas miudas, muy resplandecentes; e huma casta de
areya muy brilhante. Dá passagem ao rio Sizandro, e se deixa cultivar
com utilidade, produzindo tambem caça rasteira, e do ar.

31 _Barris._ He hum braço da serra da Arrabida, que fica ao Poente da
Villa de Palmella. Abunda de aguas com boa qualidade, e cria muitas
hervas medicinaes, e a finissima grã, sendo todo o seu terreno hum
admiravel composto de alegre divertimento para os passageiros, a quem
suavisaõ tambem muito a continua armonia dos passaros que por alli se
criaõ.

32 _Besteiros._ He huma serra aspera, e cheia de penedia escabrosa pela
distancia de huma legua no Bispado de Viseu, onde se acha huma fonte de
agua taõ fria, que naõ se póde aturar nella a maõ. Cria mato rasteiro,
e se lhe cultiva centeyo, e milho, que o produz em abundancia. Pastaõ
nella muitos rebanhos de gado miudo, e grosso.

33 _Bornes de Monte mel_ fica no termo de Braga, e tem duas leguas de
comprido. Recebe muita neve em tempo de inverno. O mais especial della
he ser taõ alta, que se descobrem do sitio chamado Miradouro, povoações
de treze Bispados.

34 _Borralheira._ Daõ este nome a huma serra, que com bastante
eminencia se levanta junto da Villa da Ponte, Comarca de Pinhel. No
mais alto está huma Ermida de Santa Barbara, que a Camera da Villa
mandou edificar por causa dos muitos rayos, e coriscos que alli cahiaõ,
os quaes depois da Ermida erecta nunca mais offenderaõ o sitio, nem
atemorisaraõ aos moradores.[191] O Diccionario Geografico, naõ fazendo
mençaõ desta serra, dá noticia de outra com o mesmo nome na Provincia
de Tras os Montes, e na Freguezia de S. Pedro de Paradella, e naõ tem
cousa notavel.

35 _Bussaco._ Jaz esta famosa serra na Provincia da Beira, e he parte
da serra da Estrella. Dista de Coimbra tres legoas para o Nordeste, e
meya da Villa de Vacariça. Lança-se de Nascente a Poente pelo espaço de
tres leguas, e do seu cume se descobre grande parte do Reino; porque
para o lado Oriental se avistaõ as serras da Estrella, e a de Castello
Rodrigo, que lhe ficaõ na distancia de trinta leguas. Para a parte do
Meyo dia se vem as serras de Minde, e de Marvaõ, que lhe ficaõ quarenta
leguas distantes. Para o Norte se divisa a serra de Grijó, affastada
quinze leguas; podendo-se livremente da sua altura apontar com o dedo
para terras de sete Bispados, estando os dias claros.

36 Tres etymologias assina Fr. Joaõ do Sacramento[192] ao nome desta
serra, das quaes a mais verosimil he, por haver na sua raiz hum
Convento de Religiosos Benedictinos, erecto em memoria da cova de
Sublaco, que aquelle grande Patriarca escolhera para sua primeira
habitaçaõ, e que de _Sublaco_ vieraõ a alterar a palavra, vertendo-a em
_Bussaco_.

37 Nesta alta montanha se criaõ finissimos marmores, toda a casta de
arvoredo, plantas, flores, e hervas medicinaes, regadas com muitas
fontes de excellente agua artificiosamente conduzida, e repartida por
engenhosa industria do memoravel Bispo de Coimbra D. Joaõ de Mello.
Sobre tudo dá terreno ao devotissimo Convento de Carmelitas Descalços,
que exercitaõ aqui, como os Anacoretas da antiga Thebaida, a vida
contemplativa.[193]

38 _Cabreira_. Fica na Provincia de Tras os Montes, e tem duas leguas
de comprido. He demasiadamente fria por causa da muita neve, que
recebe de inverno. Della nascem varios regatos, de que se fórma o rio
Ave. Avistaõ-se da sua mayor altura as prayas do Oceano para a banda
de Faõ, e Esposende. Ha no Reino outras serras deste nome, de menos
consideraçaõ, que se podem ver no Diccionario Geografico do Padre Luiz
Cardoso.

39 _Cantaro._ No mais alto da serra da Estrella se levanta huma
eminente pyramide formada de rochedos calvos, e escarpados, a que
chamaõ serra do Cantaro; porque, segundo diz o Padre Carvalho na sua
Corografia,[194] costumavaõ os antigos Senhores da Villa de Carvalho,
que lhe fica situada nas suas raizes, ter prompto hum cantaro de agua
para beberem os passageiros, que por alli passavaõ. Cria-se nesta
montanha a herva Argenciana, ou Argenteira, boa para as febres. O mais
que ha nesta serra, diremos quando tratarmos da lagoa _Escura_.

40 _Caramullo._ Fica esta serra quatro leguas distante de Viseu, e
diz o Author da Corografia Portugueza, que alguns lhe daõ o nome de
Besteiros, e antigamente lhe chamavaõ o Monte de Alcoba. No mais alto
deste oiteiro, que he todo composto de penedos huns sobre outros,
ao modo de columna, está huma planicie em que podem caber trezentos
homens, e delle se descortina quanto a vista póde alcançar, excepto
para o Oriente, que lha embaraça a serra da Estrella, donde dista doze
leguas. Em tempo claro se vem as embarcações no mar, e se ouvem os
tiros de artelharia na barra de Aveiro, estando distante oito leguas.

41 _Carpento._ Fica esta montanha no Algarve, de quem se denominou o
Lugar de Moncarapacho. He aspera por natureza, composta de grandes
penedias, e habitaçaõ de muitos bichos, e lobos. Na raiz deste monte
está hum sitio chamado o _Abismo_. He huma cova como hum poço de quatro
varas de profundo. A este sitio descem os curiosos, os quais dizem, que
se descobre lá hum boqueiraõ, pelo qual se entra, e caminha por huma
mina muito profunda, sem se saber até hoje o seu fim, porque ninguem
até agora se animou a descobrillo.

41 _Cintra._ Esta serra que dista de Lisboa cinco leguas, he huma
das mais famosas do Reino pela composiçaõ rara com que a natureza a
organizou; pois consta de calháos taõ grandes, que alguns tem vinte pés
de diametro, postos huns sobre outros, como se fossem montes de nozes;
mas com tal ligaçaõ, que parecendo estarem ameaçando eminente ruina,
elles se sustentaõ no seu natural equilibrio. No cume da serra se
descobrem vestigios de antiga fortificaçaõ com cinco torres arruinadas,
que se suppoem ser fabrica de Mouros. Em tempo dos Romanos foy chamada
esta serra _Promontorio da Lua_, donde Camões veyo a dizer:

  _E nas serras da Lua conhecidas
  Subjuga a fria Cintra o duro braço._

43 Teve principio este nome desde que os habitadores Gentios desta
serra determinando dedicar a Octaviano Augusto hum templo, que o
Imperador naõ quiz aceitar, elles o offereceraõ como idolatras ao Sol,
e à Lua; e porque a esta chamavaõ _Cynthia_, se derivou della o nome de
_Cintra_.

  _De_ Cynthia _tomou_ Cintra _celebrada
  O nome que em rochedos he famosa._

Disse Gabriel Pereira; e Francisco Botelho no seu Alfonso:

  _Diola nombre un gran templo, que aun expone
  De Cynthia tan magnifico, y notable,
  Que ser pudo d’el risco ala oportuna
  Casa del Sol el templo de la Luna._

44 Disto ha memoria em varios cippos, que neste sitio se descobriraõ,
referidos pelos nossos escritores, de que daremos noticia, quando
tratarmos desta Villa. Só quero advertir, que o insigne Damiaõ de Goes
naquella admiravel Descripçaõ de Lisboa, que fez em Latim, confunde
o Montejunto com a serra de Cintra.[195] E o nosso grande Poeta
Francisco Botelho erradamente dá a esta serra o nome de Promontorio
_Artabro_,[196] o qual, conforme o melhor parecer dos Geografos, he o
Cabo de _Finis terræ_. Quem quizer mais largas informações desta serra,
lea os Authores abaixo nomeados.[197]

45 _Estrella._ Existe esta serra na Provincia da Beira, e foy
antigamente conhecida com o nome de monte _Herminio_, que queria dizer
aspero, e intratavel.[198] Hoje conserva o de Estrella, porque dizem
ter no mais alto hum penedo do feitio de estrella. He esta serra hum
ramo dos Pyrineos, deduzido daquelle grosso, e grande braço, que aparta
Castella velha de Castella nova: está continuamente cuberta de neve,
que por isso disse hum nosso Poeta:[199]

  _Que he de Herminia senhor serra nevada,
  Onde o quente Veraõ nunca começa._

46 Para a parte do Poente se despenha com escabrosos precipicios sobre
as Villas de S. Romaõ, Valezim, Loriga, e Arouca da Serra, que lhe fica
nas raizes: da parte do Sul fica a Villa da Covilhã: do Sueste as de
Manteigas, e Balhelhas: do Nascente a Cidade da Guarda: do Norte as
Villas de Linhares, Mello, Gouvea, Santa Marinha, e Cea. Desta serra
nascem os tres celebrados rios Zezere, Alva, e Mondego, perto huns dos
outros, e se encaminhaõ a tres differentes partes.

47 _Falperra._ Fica esta serra servindo de atalaya à Villa de Aguiar da
Penha, que lhe nasce das raizes, e se utiliza das fertilidades do ameno
valle, em que existe.[200]

48 _S. Gens._ Pouco distante da Cidade de Braga corre esta serra, que
tomou o nome de huma Ermida antiga, a qual ainda está no alto della,
da invocaçaõ do mesmo Santo, e que dizem fora edificada por Theodomiro
Rey Suevo. Ao pé desta serra se vê o Convento de Tibães de Religiosos
Bentos. Ha outra serra com este mesmo nome no Alentejo, que he parte da
serra de Ossa, e summamente alta.[201]

49 _Gerez._ Os antigos chamaraõ a esta serra _Juressum_, que Antonio
de Sousa de Macedo[202] diz ser deduzido dos tres celebres Geriões,
que alli habitaraõ; fabula, a que naõ devemos dar credito. Principia
algumas leguas distante de Braga para a parte do Norte, e caminhando
encostada ao Oriente, entra por Galiza. He de summa elevaçaõ, e por
algumas partes taõ aspera, que he intratavel: sómente a habitaõ cabras
montezes, javalis, e lobos, sendo que por algumas partes he aprazivel.
O Padre D. Jeronymo Contador de Argote faz deste monte dous especiaes
capitulos.[203]

50 _Guardunha._ Em distancia de cinco leguas da serra da Estrella, e em
sete de Idanha a velha fica esta montanha cercada de muitas povoações,
arvores, fontes, hervas, e frutas deliciosas. A palavra _Guardunha_
he Arabiga, e significa refugio, ou guarda da Idanha; porque sendo os
moradores desta povoaçaõ expulsos pelos Mouros, se foraõ refugiar a
esta serra para se defenderem delles.[204]

51 _Hermello._ He montanha do Minho, que tem huma legua de alto, e no
cume ainda apparecem vestigios da Cidade do Maraõ, quartel de Decio
Bruto.

52 _Labruja,_ ou laboriosa pelo trabalho, que causa aos caminhantes.
Fica esta serra na estrada real, que vay de Ponte de Lima para
Valença.[205]

53 _Louzã._ He ramo da serra da Estrella, e muita parte do anno está
cuberta de neve.[206]

54 _Maraõ._ Esta serra he huma uniaõ de montes altos, que se vaõ
abraçando huns aos outros. Chega ao Douro, e lança o monte de Teixeira,
e o Entrilho, povoado bastantemente de feras, onde está o grande
penedo, que huma criança póde fazer bulir, e tange quando se bole.[207]
Consente o Maraõ que o rio Douro o atravesse; e posto já na Provincia
da Beira, se chama Serra de Almofala, Monte de muros, Serra de Touro,
Serra de Pera, Serra de Fragoas, de Manhouce, de Besteiros, de Cantaro,
de Miranda, do Espinhal, e montes de Penela, onde se une com a serra da
Estrella; e chamada serra de Anciaõ, e de Albardos, se precipita no mar
desde a rocha de Cintra.[208]

55 _Marvaõ._ Esta serra he o Herminio menor, onde ha minas de ouro, e
de chumbo, e ainda se vem ruinas da Cidade Meidobriga, se havemos de
dar credito a Resende.[209]

56 _Minde._ Na Villa de Porto de Mós se prolonga esta serra do Norte
para o Sul, e da parte Meridional nasce hum pequeno rio, que faz sua
corrente para o Norte. Fr. Bernardo de Brito[210] naõ distingue esta
serra de outra chamada Albardos, de que tambem se lembra Manoel de
Faria.[211]

57 _Monchique_, ou _Monsico_. Levanta-se no Algarve com eminencia tal,
que excede à de Cintra. He fertil, e aprazivel, com abundancia de agua
admiravel. Corre de Oriente a Poente, donde se descobre a mayor parte
do campo de Ourique, e do Oceano, servindo de final aos navegantes
para demandarem seguramente a nossa barra; de sorte que principia de
Castro-Marim, e finaliza junto de Aljezur. Alguns Authores lhe daõ o
nome de _Sico_, ou seco por antifrase. Resende diz que he braço da
Serra Morena.[212]

58 _Monte do figo._ No Algarve junto do Lugar de Moncarapacho existe
esta montanha meya legua distante para o Norte. He de aspera subida,
em que se gastaõ algumas horas, por ter quasi hum quarto de legua. Em
cima tem huma admiravel planicie com muitas aguas, e arvores de todas
as castas silvestres, e frutiferas. Sobre esta planicie se levanta
outro monte, a que se sobe com mayor dificuldade, e no cume está huma
Cruz, e huma cova donde se tira muita terra por devoçaõ, e para remedio
de varias enfermidades; porque affirmaõ que apparecera alli o Arcanjo
S. Miguel, o qual he venerado em huma Ermida do seu nome, que por este
motivo os Fieis lhe edificaraõ. He este monte o primeiro que avistaõ os
navegantes, que vem das Indias de Castella, muitas leguas ao mar, por
ser de immensa altura.

59 _Montejunto._ Duas leguas e meya de Alenquer contra o Norte se
extende esta serra, a que antigamente chamavaõ monte _Tagro_, de que
talvez se originaria o nome de _Tagarro_ a huma povoaçaõ edificada nas
suas vizinhanças.[213] Dizem alguns,[214] que he a mais alta serra de
Portugal, e que terá de circuito mais de quatro leguas, e de altura
meya legua. No alto he terra fertil, e ha duas lagoas de boa agua.
Venera-se huma Ermida de Nossa Senhora das Neves, e o primeiro Convento
dos Relgiosos Dominicos neste Reino, que fundou o Veneravel Fr. Sueiro
Gomes.[215]

60 Das eguas, que por esta montanha pastavaõ, e concebiaõ do zefiro,
escreveraõ maravilhas os antigos, e ainda modernos,[216] e em outra
obra[217] nós o reprovamos, como fabula originada da grande velocidade,
e ligeireza, com que correm os cavallos, que por esta serra se criaõ.
O mais certo he haver aqui canteiras de finissima pedra, e minas de
azeviche.[218]

61 _Monte do Minhoto._ Junto ao rio Zezere está esta serra, muy alta, e
povoada de grandes penhascos bastantemente debruçados para a parte do
rio. Em cima ha huma Ermida de Nossa Senhora da Estrella, e hum poço
de agua admiravel, porque nunca se seca. Dizem[219] que antigamente
houvera aqui huma azinheira, que em lugar de bolotas dava humas contas
a modo de azeviche, as quaes pizadas serviaõ de remedio para muitas
enfermidades.

62 _Monte-Muro._ Está junto a Evora, e he parte da serra de Besteiros:
os antigos lhe chamaraõ _Mons Maurus_. Toma grande distancia de terra,
mas em si he aspero; e da mesma grosseria, e rusticidade participa a
gente, que o habita.

63 _Ossa._ Fica esta famosa serra entre Evora, e Estremoz pelo espaço
de sete leguas de comprido, e duas e meya de largo. Compoem-se de
muitos oiteiros, que parecem montes de ossos, donde talvez lhe viria o
nome. Manoel de Faria lhe buscou derivaçaõ poetica.[220] Comprehende
em si muitas terras, o Canal, Evoramonte, Terena, Alandroal, Pomares,
Borba, e Villa-Viçosa, regadas todas pela mayor parte das perennes
fontes, que della procedem.

64 No mais alto deste monte, donde se descobre quasi todo o Alentejo, e
parte das duas Estremaduras Portugueza, e Castelhana, está a Ermida de
S. Gens em numa planicie taõ eminente, que às vezes se vê chover pelas
abas da serra, e ella ficar enxuta. Descendo a hum valle ameno, estaõ
fundados os dous celebres Conventos dos Eremitas de S. Paulo, e Val de
Infantes verdadeira Thebaida Portugueza.

65 Tem esta serra tantas fontes, que só em huma herdade do Convento
se contaõ mais de oitenta. Ha no meyo da serra pé de limeira, que
chegou a dar dez mil limas, segundo affirma Joaõ Salgado de Araujo na
_Descripçaõ desta Provincia pag. 173. v._ Descobrem-se tambem nesta
serra minas de pedra de cores escuras, pedras de afiar, enxofre, e
almagre.

66 _Pomares_. Antigamente se chamou _Monte de Venus_. Está junto a
Evora, onde agora se chama o Lugar de Pomares. Foy muy celebre pelos
trofeos, que o famoso Viriato nelle levantou.[221] Da sepultura de
Lucio Silo Sabino, de que Resende lib. 3. de Antiq. e a Evora gloriosa
pag. 17. fazem memoria, já hoje naõ ha noticia alguma.

67 _Sandonho._ Fica dominando Villapouca de Aguiar, e fronteira de
outra serra chamada Falperra.

Estes saõ os montes, que ha no Reino de mayor fama. Póde ser que ainda
encontremos occasiaõ no discurso desta obra, em que demos noticia de
outros.


NOTAS DE RODAPÉ:

[181] Caram. no seu Philip. Prud. Proem. §. 1. n. 3.

[182] Sousa na Histor. de S. Domingos part. 3. liv. 3. cap. 20.

[183] Monarq. Lusit. tom. 1. na Geogr. Resende liv. 1. de Antiq.
Corograf. Port. tom. 2. pag. 89.

[184] Ptolom. lib. 2. Geogr. tab. 2. Corograf. Portug. tom. 1. p. 282.
Argote de Antiq. Bracar. lib. 1. cap. 3. e nas Memor. de Braga tom. 1.
lib. 1. cap. 10.

[185] Corograf. loc. supr. citat. Cardoso Diccion. Geogr. tom. 1.

[186] Barreir. na Corograf. pag. 62. Santuar. Marian. tom. 2. pag. 465.

[187] Piedad. Chron. da Arrab. part. 1. liv. 1. cap. 5. Brito de Mello
Chron. da Arrab. m. s. p. 1. c. 6.

[188] Gonzag. de Origin. Relig. Seraph. part. 3. pag. 1123.

[189] Resende lib. 1. de Antiquit. pag. mihi 37.

[190] Monarq. Lus. liv. 1. c. 28.

[191] Santuar. Marian. tom. 3. pag. 255.

[192] Chron. dos Carmel. Descalç. part. 2. liv. 4. c. 13.

[193] Idem tom. 2. pag. 76. Bened. Lusit. tom. 2. pag. 283. Corogr.
Port. tom. 2. pag. 69. Diccion. Geogr. de Cardos. tom. 2.

[194] Corograf. Portug. tom. 2. pag. 76.

[195] _Mons vero Tagrus, cujus Varro meminit, meo quidem judicio ille
idem est, quem nos Sintreum vocamus, & à, quo Lunæ promontorium in
mare prorumpit millia passuum ab Olisipone plus, minusve, quod nostris
hodie_ Rocham _appellari placuit, &c._ Goes _tract. de Olisipone._

[196] Botelho no Alfonso l. 1. est 7. da impress. de Roma.

[197] Resende lib. 1. de Antiq. Monarq. Lus. liv. 1. c. 22. e liv. 5.
c. 15. Duart. Nun. Descripç. de Portug. c. 10. Faria sobre a Ode 1. de
Cam. Franc. d’Almeida Jordaõ em especial Relaçaõ que imprimio desta
serra no an. de 1748.

[198] Monarq. Lus. t. 1. liv 4. cap. 1. Esperança tom 1. da Chronic. p.
421. Resende de Antiq. lib. 1.

[199] Maced. no Olisip. cant. 4. est. II.

[200] Carv. Corogr. Portug. tom. 1. p. 171.

[201] Corograf. Portug. tom. 1. pag. 168. & tom. 2. pag. 447.

[202] Maced. Olisip. cant. 2. est. 18.

[203] Argot. Antiguid. de Brag. p. 372.

[204] Santuar. Marian. tom. 3. p. 59. Corograf. Portug. tom. 2. p. 412.

[205] Corograf. Portug. tom 1. p. 204.

[206] Leit. nas Miscelan. pag. 15.

[207] Joaõ Salgad. nos Success. Militar. p. 106.

[208] Sousa, Chronic. de S. Dom. part. 3. pag. 189.

[209] Resend. liv. 1. de Antiquitat.

[210] Monarq. Lusitan. liv. 11. cap. 30. e na Geogr. cap. 2.

[211] Far. Europ. Port. tom. 3. part. 3. cap. 6.

[212] Resend. lib. 1. Antiquit. Vide Agiolog. Lusit. tom. 2. pag.
654. Far. no Epitom. part. 4. cap. 9. Diccionar. Geogr. tom. 1. verb.
_Algarve_.

[213] Fr. Luiz de Sous. Histor. de S. Dom. part 1. liv. 1. cap. 12.

[214] Far. na Europ. Portug. part. 3. tom. 3. cap. 6.

[215] Santuar. Marian. tom. 2. p. 215.

[216] Plin. Columel. e outros apud Mayol. part. 1. colloq. 7. Fonseca
na Medic. Lusit. disp. 2. cap. 5.

[217] Recreaçaõ Proveit. part. 1. colloq. 4. p. 254. Veja-se tambem
Gerundens. no Paralipoemn. da Histor. de Hesp. lib. 1. pag. 6. Kormanni
tract. de Virgin jure cap. 12. Resend. lib. 1. Bernard. Florest. tom.
4. p. 267. Maced. Flor. de Hespanh. cap. 3.

[218] Brit. Geograf. Lusitan. cap. 2.

[219] Santuar. Marian. tom. 3. p. 425.

[220]

  _Es nombre desta horrifica montaña
  El de la que fue patria de Centauros,
  Que contra el Cielo puestos en campaña
  Amontonaron Oëtas, Pindos, Tauros.
  El nombre desta finalmente es Ossa,
  Que aun aora escalar los Cielos osa._

    Faria na 4. p. da Fonte de Aganipe Eglog. 5.



                             CAPITULO VII.

_Dos Rios, Ribeiras, e Lagoas mais consideraveis._


1 He tanta a abundancia de rios, que fertilizaõ, e regaõ nossas
Provincias, que por este motivo deu Estrabo à Lusitania o titulo de
feliz.[222] Dos capitaes, e de alguns, que se diffundem nelles, faremos
huma succinta, e hydrografica narraçaõ pelo mesmo estylo, que vamos
observando.

2 _Abbadia._ Passando por Alcobaça, vay inundar os campos da Villa de
Mayorga.

3 _Abrancalha,_ ou _Abrancuida_. He ribeira, que corre distante de
Abrantes huma legua para o Norte, fertilizando com suas aguas muitos
pomares, e hortas deliciosas.

4 _Abrilongo._ Entra no rio Sévera, ou Xévora junto da Villa de
Ouguella, e cria muy gostoso peixe, por serem suas aguas frigidissimas.
Veja-se o que dizemos do Botova.

5 _Agualva._ Ribeira, que passa junto da Villa de Bellas.

6 _Agua santa._ He hum grande ribeiro, que nasce da serra de Ossa, e se
mete no rio Tera.

7 _Aguas livres._ He huma formosa ribeira de abundantes aguas, que
corre pela Freguezia de Bellas, termo de Lisboa. Em algumas partes he
caudalosa, e naõ se passa sem ponte, como he no lugar chamado Ninha
a Pastora, e no forte da Cruz quebrada. Saõ conduzidas estas aguas
para Lisboa em soberbo, e forte aqueducto, que por ora descreveremos
brevemente.

8 Tem elle o seu primeiro manancial nesta ribeira em distancia de boa
meya legua da ponte, a que alguns chamaõ de Bellas. A abundancia de
agua neste nascimento por si só vence os tres principaes chafarizes
de Alfama, que ha na Cidade. Manifestou-se pois este famoso aqueducto
para se pôr prompto em 6 de Agosto de 1732; e logo ao principio da
ribeira em distancia de 1800 palmos se lhe introduzio huma boa fonte,
a que chamaõ a Fonte santa do Leaõ; e continuando o aqueducto ao lado
direito da ribeira, (que logo a atravessou junto ao nascimento, que
fica à parte do Poente) caminha até avistar a ponte de Caranque, e aqui
se aparta da mesma ribeira para o Lugar da Porcalhota, encostando-se ao
oiteiro de S. Braz.

9 Neste progresso vay mais para diante recolher a agua, que lança a
fonte chamada de S. Braz para a parte da Porcalhota, e logo atravessa
por baixo da estrada junto à quinta do Galvaõ proximamente à Ermida
de Santo Antonio da mesma quinta, donde salvando sobre huma ponte a
ribeira, que passa por dentro da dita quinta, se inclina a buscar a
raiz do Lugar da Fragoza; e continuando pela mesma encosta até o Lugar
de Calhariz, fronteiro à Freguezia de Bemfica, se vay prolongando
por defronte do Convento de S. Domingos até o monte, que chamaõ das
tres Cruzes, donde se passa a ribeira de Alcantara para se introduzir
no Bairo alto, recolhendo por este caminho (que he o da mais baixa
nivelaçaõ, que permittia o calice, em que a agua deve cahir no dito
bairro) varias fontes, que se vaõ encontrando, e descubrindo nos
alicerces da mesma obra.

10 A fórma deste aqueducto he de hum corredor, ou mina artificial
de sete palmos de largo, e quatorze de alto, a que naõ chegou algum
dos aqueductos Romanos. Tem pelo meyo hum passeyo de tres palmos de
vaõ, fabricado de finissimo lagedo, e a cada lado hum encanamento de
marmore, que recebem ambos quarenta e duas manilhas de agua em palmo e
meyo de boca, e palmo e quarto de alto.

11 Huma das cousas singulares deste aqueducto he vir correndo a agua
horizontalmente por estes encanamentos sem declividade alguma; mas esta
se lhe vay dando a certas distancias por linhas perpendiculares, como
por degráos de escada, para total segurança, e conhecimento do quanto
se sóbe, ou desce; cousa, que tambem naõ se acha executada em aqueducto
algum. Desta sorte conduzidas à custa do povo, ainda que perdem o
antigo nome de aguas livres, mereceraõ outro mayor, e mais conhecido na
utilidade pública de huma taõ populosa Cidade, e na graça de hum taõ
inclyto Monarca, para cujo ardor em solicitar a commoda conservaçaõ de
seus vassallos ainda he pouco todo o manancial desta ribeira.

12 Os Romanos, quando Lisboa era seu Municipio, intentaraõ
introduzirlhe estas aguas por aqueductos subterraneos, abrindo a
este fim muitos rochedos; e entre as penedias asperissimas de dous
montes, que naquelle sitio existem, fizeraõ hum muro larguissimo, e
forte, que lhe servia para reprezar a agua de hum valle em huma lagoa,
em que traziaõ batéis, como diz Francisco de Ollanda em hum tratado
manuscrito, intitulado: _Fabrica, que falta a Lisboa_, o qual vimos, e
se conserva na Livraria do Excellentissimo Conde do Redondo.

13 Tambem o Senhor Rey D. Manoel determinou encaminhar estas aguas
para Lisboa, e que corressem na praça do Rocio. Para isso mandou fazer
ao allegado Francisco de Ollanda o desenho de hum chafariz, que nós
vimos, e constava da figura de Lisboa em cima de huma columna cercada
de quatro elefantes, que pelas trombas expulsavaõ a agua. Estes desejos
naõ tiveraõ effeito, nem ainda em tempo do Infante D. Luiz, que tanto
appeteceo conduzir esta agua para a ribeira das Náos, em fórma que as
da India della fizessem as suas aguadas. Consta tambem pelo que diz
Luiz Marinho de Azevedo, que o Senado de Lisboa tinha junto para a obra
desta conduçaõ mais de seiscentos mil cruzados, os quaes se divertiraõ
nas festas, que se fizeraõ com a entradada de Filippe III. Todos estes
embaraços estiveraõ esperando pela providente resoluçaõ delRey D. Joaõ
V. para fazer mais feliz o seu reinado, escolhendo, e approvando para
a sumptuosidade desta fabrica o risco, e desenho do Brigadeiro Manoel
da Maya, que por sua sciencia, engenho, e outros attractivos de bondade
merece imortaes elogios.

14 _Agueda._ Neste Reino ha dous rios deste proprio nome: hum, que
passa por Agueda, e este he o _Emineum_ dos antigos, que vay morrer em
Aveiro: outro, que divide Portugal de Castella na Comarca de Riba-Coa.
Nasce na serra da Estrella, passa pela Ciudad Rodrigo, vay à ponte da
Villa de S. Felizes, donde a pouco espaço por entre altos montes em
Vilvestre entra no Douro.

15 _Aguilhaõ._ Nasce na serra do Maraõ formado de tres fontes, e com
arrebatado curso se mete no rio Corgo. Cria muitos, e gostosos peixes,
especialmente bordallos, que se apanhaõ aos cardumes. Pelas margens ha
copia de arvoredos, e vinhas, que fazem toda a sua corrente agradavel,
e amena; dando que fazer a mais de vinte açudes, deixa-se atravessar
por tres pontes de páo, e huma de cantaria.

16 _Alborrel._ Nasce na serra de Portalegre. Vem circulando Aremanha, e
divide Portugal de Castella. Nelle se pescaõ gostosos barbos.

17 _Alcantara._ Esta formosa ribeira quasi que cerca Lisboa, e se mete
no Tejo pela parte do Poente. Luiz Mendes de Vasconcellos no livro, que
compoz, intitulado: _Sitio de Lisboa_, mostra de quanta utilidade seria
communicarse este rio com o de Sacavem, do qual naõ dista mais que
legua e meya para que ficando dentro deste circulo Lisboa, conseguisse
o mais seguro, e fertil terreno, que houvesse no mundo. Neste sitio
está a fabrica Real da Polvora reedificada por Antonio Cremer.

18 _Alcaraviça._ He ribeira, que corre pela Aldea chamada dos Gallegos
no termo da Villa de Borba, onde tem seu nascimento em duas fontes taõ
abundantes de agua, que fazem moer muitas azenhas.

19 _Alcarabouça._ Provê este rio de bastante peixe a Villa de Ficalho,
por onde corre quatro leguas distante de Serpa.

20 _Alcarapinha._ Corre junto a Elvas, e nasce na serra de Aviz. Suas
aguas augmentaõ muito a ribeira de Coruche.

21 _Alcarque._ Conforme a Geografia Blaviana he rio, que no seu Mappa
vem assinado na Provincia do Alentejo.

22 _Alcarrache._ He huma Ribeira, que nasce em Castella na serra de
Santa Maria, e vem sahir ao termo de Mouraõ, trazendo de jornada
quinze leguas; até que engrossada sua corrente com as aguas de outros
ribeiros, e fazendo trabalhar muitos moinhos, vay morrer no Guadiana.
Pescaõ-se nelle excellentes, e grandes barbos, e outros peixes mais
miudos: e se vadea por duas boas pontes de pedra.

23 _Alcoa_, antigamente _Coa_. He o que unindo-se com o chamado _Baça_,
deu nome ao sitio de _Alcobaça_, onde os Religiosos Bernardos tem
o famoso, e magnifico templo, que alli fez edificar o Santo Rey D.
Affonso Henriques.

24 _Alcofra._ He rio caudaloso da Beira no termo de Lafões, e que se
mete no Alfusqueiro. As suas margens estaõ cheias de carvalhos, e
castanheiros enlaçados com muitas vides, de que se faz o bom vinho de
embarrado. Cria saborosas trutas, e se deixa vadear por quatro pontes
de páo.

25 _Alenquer._ Nasce ao pé da serra de Montejunto, e caminhando Norte
Sul o espaço de huma legua vem buscar nome à Villa de Alenquer. Aqui
fertiliza as suas quintas, e hortas com a abundancia de suas aguas
saudaveis, e aos seus moradores com a copia das suas trutas, barbos, e
bogas; até que incorporado com o rio de Ota se mete no Tejo junto de
Villanova da Rainha.

26 _Alferradede._ He ribeira, que rega muitos pomares, e hortas do
termo da Villa do Sardoal, e vay morrer ao Tejo.

27 _Alfusqueiro._ Passa este rio junto do Lugar dos Ferreiros, termo da
Villa de Vouga, e tem huma grande ponte de hum só olhal, muito alta,
fabricada de cantaria. Discorre tambem pela Villa de Assequins, e vay
descançar no rio Vouga.

28 _Algés._ Nasce este rio em hum oiteiro, que fica defronte do Lugar
de Monsanto, termo de Lisboa; e augmentado com as aguas de hum regato,
que brota por cima de Outorella, entra a fertilizar a quinta das
Romeiras até ir mergulharse no mar pelo pé do forte da Conceiçaõ, onde
está huma ponte de pedra, que parte com a nobre quinta do Duque de
Cadaval.

29 _Algodea._ Banha, e fecunda esta ribeira as hortas, e pomares, que
ficaõ fóra da Villa de Setubal: depois entra no Sado.

30 _Alja_, ou _Alje_. He huma caudalosa, e arrebatada ribeira, que
discorre pela Villa de Arega, cinco leguas de Thomar, e se vay esconder
no rio Zezere. Pescaõ-se nelle excellentes trutas, e outros peixes muy
gostosos. Os antigos lhe chamavaõ ribeira fria.

31 _Almaceda._ He rio, que cerca a Villa de Sarzedas, e entra no Ocreza
sempre arrebatado.

32 _Almansor._ Divide esta ribeira do Alentejo os limites da Freguezia
de Nossa Senhora da Repreza, dos de Santa Sofia; e chegando até o termo
de Montemor o Novo, onde troca o nome pelo de Canha, se esconde no Tejo
perto de Benavente; deixando com a benignidade das suas aguas ferteis
os pomares, e as terras por onde passa.

33 _Almonda._ Tem sua origem este rio na serra d’Aire, legua e meya da
Villa de Torres Novas. Saõ as aguas no seu nascimento, e matriz, taõ
claras, e he tanto o peixe, que se cria nellas, que ainda que o pégo he
fundo, se está vendo de cima das barreiras andarem a saltar: por isso
he aqui muy aprazivel a pescaria. Os Romanos acharaõ neste rio muita
semelhança com o Mondego, por cuja causa lhe chamaraõ _Alius munda_,
donde se originou com pouca corrupçaõ _Almonda_. Mete-se no Tejo junto
do Lugar da Azinhaga, como bem o diz o Reverendo Padre Luiz Cardoso no
Diccionario Geografico, emendando-me.

34 _Alpiaça._ He rio da Estremadura, que nasce perto da Villa de Ulme;
de inverno corre arrebatado, e cria excellentes barbos, e fataças.
Mete-se no Tejo.

35 _Alpreade._ Nasce esta ribeira na serra da Gardunha, e correndo
sempre desasocegada, vay acabar no rio Ponsul, passando por quatro
pontes de pedra, e fazendo trabalhar trinta e quatro azenhas, tres
lagares, e hum pizaõ. Cria muitas trutas, e bordallos.

36 _Alva._ Este rio tem o nascimento na serra da Estrella; e fazendo
logo seu caminho ao Poente por baixo de hum monte, discorrendo em
algumas partes muy claro, vem cercar as Villas de Arganil, Coja,
Pombeiro, Penalva, Sandomil, Villa Cova de Subavó, e S. Romaõ, onde
tem duas pontes, huma chamada de Peramol, pela qual vay o caminho de
Veraõ para a Covilhã, outra de cantaria lavrada, na estrada, que vay
para Valezim. Pescaõ-se nelle boas bogas, trutas, lampreas, e saveis.
Finalmente entrando no Mondego rico de outras ribeiras, acaba no Oceano.

37 _Alvar._ Nasce esta ribeira na serra de Montemel pela parte do Lugar
de Covellas; e passando junto da Villa da Alfandega da Fé, vem ao Lugar
de Santa Justa, donde caminhando quatro leguas, desagua na ribeira
Vellarva.

38 _Alvaro._ No termo da Villa de Alvaro pela banda do Sul tem seu
nascimento esta ribeira; que dá o nome à Villa; e passando por duas
pontes de pedra, rodea o monte da Villa, e se mete no Zezere, fazendo
parecer aquella povoaçaõ huma peninsula.

39 _Alviella._ A boa opiniaõ que fiz da Corografia Portugueza composta
pelo Padre Antonio Carvalho, me obrigou seguirlhe as pizadas em muitas
noticias, que delle tirey, e a elle me refiro. Entre ellas foy a
maravilhosa voragem, ou sorvedouro que diz acontecer nos olhos de agua
em a nascente deste rio de Alviella; mas como o Reverendo Padre Luiz
Cardoso, natural de Pernes, pode examinar melhor esta particularidade,
e a reconhece agora no Diccionario Geografico por fabulosa, he justo
que eu nesta segunda impressaõ do meu Mappa, agradecendo-lhe a
advertencia, melhore a noticia.

40 Nasce pois este rio nas vertentes da serra do Patello junto do Lugar
da Louriceira, debaixo de hum grande rochedo; e logo em seu nascimento
vem com abundancia de peixes, especialmente bordalos, engrossando-se
com varios ribeiros até desembocar no Tejo junto ao Lugar do Reguengo.
Cria outras muitas castas de peixes saborosos em todo o tempo: faz
moer muitos moinhos, e lagares de azeite; e as suas ribeiras, e
margens estaõ cheias de arvoredo silvestre, e frutifero, que as fazem
vistosissimas. Sujeita-se porém a oito pontes; e dá abrigo a bastante
caça miuda de arribaçaõ.

41 _Almioso._ He huma ribeira da Estremadura que nascendo pobre no
Troviscal, vay desaguar caudaloso no fim da cerca dos Religiosos
Capuchos da Certã. Cria muitos peixes miudos, e admitte algumas pontes.
As suas margens saõ incultas por fragosas, mas entre as suas areas se
acha ouro.

42 _Analoura_, ou _Anhaloura_. Nasce entre as Villas de Borba, e Villa
Viçosa, rega a Villa de Veiros, e misturada com a ribeira de Fronteira,
vay engrossar a de Sauzel, e entraõ ambas por Aviz, até desembocar no
Sorraya.

43 _Ancora._ As aguas deste rio que nascem na serra de Arga, dividem
o Concelho de Caminha do de Viana. Dizem que adquirira o nome, que
possue, desde que ElRey Ramiro II. lançara nelle sua mulher Dona Urraca
atada em huma ancora para ir mais depressa ao fundo. Authores ha que
tem isto por fabula. Morre finalmente no mar junto de Caminha, onde
fórma huma pequena barra com o fortim da Lagarteira.

44 _Anços_, antigamente _Anceo_. Vem da Redinha banhar a Villa de
Soure, e dar nome a Villanova de Anços; e junto com outras correntes se
mete no Mondego a baixo de Coimbra.

45 _Aravil._ Nasce junto de Castellobranco, e morre no Tejo. Pelo
Inverno corre arrebatado, e no Veraõ secca. He constante levar nas suas
correntes algum ouro, e por isso procurado de gandaeiros.

46 _Arcaõ._ Nasce no celebre olho de agua Borbolegaõ na Villa de
Grandola, e se mete no Sado acima de Alcacer.

47 _Ardila_, ou _Ardita_. He huma ribeira furiosa da Villa de Moura.
Fazem-na opulenta as enchentes das ribeiras Brunhos, e Lavandeira.
Desemboca no Guadiana, passando primeiro pela Villa de Noudar, que a
deixa quasi reduzida a Ilha, juntando-se, com a ribeira da Murtiga.

48 _Arestal._ He huma lagoa profunda, que fica na Beira, e na serra do
seu mesmo nome. Em todo o anno lança agua para todas as partes, e faz
nascer della dous ribeiros. Dizem que se communica com o mar.

49 _Arunca._ Nasce na ribeira de Gaya, e augmentando-se com as aguas de
outras ribeiras, vay correndo até à Villa de Pombal pelo espaço de tres
leguas, fertilizando de caminho muitos pomares, e quintas. Antes de se
meter no Mondego, passa pelas Villas de Soure, e Villanova de Anços.
No tempo de Inverno se enfurece, e corre com tanto impeto, que leva
comsigo searas, e edificios. Os antigos lhe chamaraõ Tapiço.[223]

50 _Asturãos._ Rio do Minho, que nasce no sitio de Azevosa com muita
humildade, e continuando com a mesma brandura, vay acabar no Lima,
deixando de si saudades nas deliciosas, e frescas margens por onde
passou.

51 _Ave._ Procede da serra de Agra, e de huma ribeira, a que chamaõ da
Lage; e unindo-se com hum regato ao pé da serra de Cabreira, já com
bastante cabedal separa o Concelho de Vieira das montanhas de Barrozo,
e quatro leguas antes de entrar no Oceano, divide o Arcebispado de
Braga do Bispado do Porto. Rega os Conventos de Bairaõ, e de S. Tyrso,
e os campos do Lugar Celeiró. Tendo recebido abaixo de Guimarães o
Vizella, ou Avizella, que passa por Pombeiro, caminha apressadamente
por baixo de varias pontes muito boas, e finalmente vay sepultarse no
mar por entre a Villa de Conde, e Azurara. O Padre Vasconcellos, como
traductor de Duarte Nunes, o faz erradamente, como elle, nascer junto
de Guimarães, como bem repara Fr. Leaõ de Santo Thomaz.[224] Em algumas
partes corre com tanta doçura, e suavidade, que obrigou a cantar delle
Manoel de Faria:[225]

  _De donde ouvindo estava o som divino,
  Que faz correndo o Ave crystallino._

Todas as terras, por onde este rio passa, e vay regando, saõ
deliciosas, e elle abundante de barbos muy grandes, e saborosissimos.

52 _Aviz._ He huma ribeira, que nasce acima de Monforte, e passando
pela Villa de Fronteira, e outras terras, em que recebe varios riachos,
com que se engrossa, chega à Villa de Aviz onde adquire o nome, e passa
por huma ponte de boa fabrica, até ir acabar ao Tejo incorporado com o
Sorraga, e Divor.

53 _Azibo._ Com forças medianas discorre pelos limites da Villa de
Chacim, sete leguas de Moncorvo. Principia no Lugar de Podense, termo
de Bragança, e depois de caminhar quasi sete leguas, vay introduzirse
no rio Sabor por cima da ponte de Remondes, limite da Villa de
Castro-Vicente.

54 _Baça._ Este rio, juntando-se com outro chamado Coa, nasce da parte
Oriental de Alcobaça, e fazendo volta para o Occidente, rega por
grande espaço os fertilissimos campos de Mayorca, e Abbadia, até que
junto da Villa da Pederneira se mergulha no Oceano.

55 _Balocas._ Ribeira, que se mete no rio Alva.

56 _Balsemaõ._ Em distancia de quatro leguas da Cidade de Lamego nasce
este rio na serra da Rosa, mas elle o naõ parece; porque tanto que póde
correr, caminha furioso, rompendo, e lavrando pedras com tal estrondo,
que ensurdece ainda pelo Veraõ, quando leva menos agua. Vay à ponte
de Lamego, atravessando o sitio da mayor fertilidade, a que chamaõ da
Ribeira, e se mergulha impetuoso no Douro juntamente com o Baroza com
quem se havia communicado. Antigamente lhe chamavaõ Unguio.

57 _Barcarena._ Nasce esta ribeira nos limites de Bellas termo de
Lisboa, e fertilizando os Lugares da Agualva, e de Laveiras, aqui
se esconde no Tejo por baixo do Convento da Cartuxa. Faz trabalhar
com a sua agua no sitio de Barcarena a magestosa fabrica da polvora
reedificada no anno de 1729 pelo Hollandez Antonio Cremer.

58 _Baroza_. Nasce este rio de dous principios: hum he no monte de
S. Joaõ de Tarouca, e nasce muy bravo, mordendo pedras até a ponte
de Mondim, que muitas vezes derruba. Mais para baixo lhe entra outro
braço, que nasce em Barcia da Serra, donde chega a Lazarim à ponte de
Baroza. Baixa aos campos de Tarouca muito brando, mas com a aprasivel
serenidade solapa nocivo terras, e campos muito bons, e os leva. Unido
vay a Ucanha adornar a nobre ponte da Torre, muy grandiosa, e adiante
lhe entra a ribeira de Salzedas, com que em fim morre no Douro.

59 _Barroco._ Nasce este rio na serra da Arada em a Beira, e fazendo
varias voltas, e passagens, se precipita por entre penhas no escuro
pego do Vouraõ até ir acabar no Vouga. As suas margens saõ deliciosas
pelas grandes sombras de arvoredos com que convida aos passageiros.

60 _Basegueda_, ou _Besadega._ Tem o seu nascimento este rio na serra
Marvana, tres leguas distante de Penamacor, onde tem huma ponte de
cantaria com cinco olhaes. A sua corrente he muy socegada, excepto no
Inverno, que corre arrebatada. Cria excellentes trutas, e rega pelas
suas margens vistosos, e frescos arvoredos; e deixando-nos saudades com
as suas areas de ouro, vay morrer Castelhano em o rio Erga.

61 _Beça._ He rio do Minho, e nasce em Tras os Montes; corre sempre
arrebatado, e furioso por penedia, e por isso he infrutifera a sua
corrente. Depois de caminhar seis leguas, se mete no Tamega com
bastante copia de boas bogas, e trutas.

62 _Bezelga._ Nasce junto da Villa de Ourem; e correndo mais de legua e
meya, vay descançar no rio Nabaõ por entre Thomar, e Cinceira.

63 _Biturim._ Entra no Douro pela Provincia do Minho.

64 _Borbolegaõ._ He este hum celebre olho de agua, que nasce na Villa
de Grandola, e passa pela natural ponte dos Aivados, que suas mesmas
aguas formaraõ galantemente em huma rocha. Mais para baixo vaõ taõ
violentas no sitio chamado Diabroria, que fazem moer a hum moinho entre
dia, e noite moyo e meyo de trigo. Neste olho de agua, que será do
tamanho de huma roda de carro, se lança de alto hum homem a pique, e
cravando-se nelle até os peitos, o impeto das aguas o faz vir pouco a
pouco para cima, até que arremeça com elle na margem com tanta furia,
como se fora huma leve cortiça. O mesmo faz a qualquer pezado madeiro,
que lhe lançaõ. Dentro nelle se ouve estrondo como o que faz na costa o
mar bravo. Finalmente vay morrer no Oceano pela Villa de Sines.

65 _Botova._ O nascimento deste rio he nas serras de Albuquerque, e se
augmenta com as enchentes do Xévora, que nascendo ao pé da serra de S.
Mamede, e correndo pelos penhascos do monte chamado dos Sete, passa por
S. Juliaõ da Codiceira, onde recolhe as aguas do Abrilongo. Desta sorte
juntos vaõ communicarse com o Guadiana à vista da Cidade de Badajoz.
Deste rio faz mençaõ Antonino em o seu Itinerario com o nome de _Budua_.

66 _Brescos._ Na Freguezia de Santo André, termo da Villa de Santiago
de Cacém, existe esta lagoa que tem de circuito meya legua, cujo
especial peixe, que delle se tira em abundancia, se arrenda todos
os annos. Muitas pessoas distinctas vaõ fazer alli por divertimento
suas pescarias. Devemos esta noticia ao M. R. Padre Fr. Francisco de
Oliveira Dominicano, que por carta nos communicou.

67 _Briteiros._ Nasce no Minho na Freguezia, e Coito de Pedralva, e
fenece no Ave. No seu principio he pobre, mas enriquecido com varias
levadas, se faz rio opulento, cheyo de muitas trutas, e escalhos
saborosissimos.

68 _Bugaõ._ Tem este rio a sua origem na Freguezia de Santiago de
Villa-Chã, termo da Villa da Barca, e se mete no Lima arrebaradamente.
Todo o peixe, que nelle se cria, he de admiravel gosto.

69 _Cabraõ._ He hum pequeno regato, que corre pela Freguezia de S.
Lourenço, termo da Villa dos Arcos de Valdevez. Com a pouca enchente,
que leva, caminha com arrebatada furia, e passando pela ponte de
cantaria, a que chamaõ do Rodalho, divide as aguas do Lima, onde
finaliza. Criaõ-se nelle boas trutas, porém tambem naõ lhe faltaõ
sanguisugas.

70 _Cabrella._ He ribeira do Alentejo, que nasce nas Silveiras termo
de Montemor. Recolhe as correntes de outras duas ribeiras chamadas da
Safira, e S. Romaõ, que lhe ficaõ ao Nascente, e da parte do Norte se
engrossa com outras duas, e se mete no mar com o nome de Marateca. O
seu curso em partes he furioso, pelo embaraço que lhe fazem as penedias
por onde corre.

71 _Cachoeiras._ Nasce na Comarca de Alenquer formado de varios
regatos, e vay acabar no Tejo entre a Villa nova da Rainha, e a
Castanheira. Tem duas pontes huma de páo, outra de pedra no Lugar do
Carregado.

72 _Cadavai._ He ribeira, que fertiliza as hortas no termo da Villa do
Sardoal, e se mete no Tejo.

73 _Caldo._ Corre pela Villa de Monte alegre na Provincia Transmontana,
provendo de peixe os seus habitadores.

74 _Cambas._ He pequeno rio, que entra no Zezere.

75 _Campanhaõ._ Entra no Douro.

76 _Campilhas._ Entra no rio Sadaõ muy corpulento em Alvalade.

77 _Caná._ Faz delle mençaõ Macedo.[226]

78 _Canal._ He ribeira da serra de Ossa, donde procede, e enriquece a
ribeira de Tera.

79 _Canha._ Rega esta ribeira os valles, e os campos de Montemór o
novo, e se submette a duas pontes, huma chamada de Alcacere, e outra de
Evora, e fenece no Tejo. A esta ribeira foy parar o corpo da gloriosa
Virgem, e Martyr Santa Quiteria, da qual a lançaraõ os barbaros com
huma mó de moinho ao pescoço pelos annos 300 pouco mais, ou menos
depois de Christo, cujo corpo sendo achado pelos Christãos, o foraõ
occultar em huma cova no sitio de Monfurado, para baixo de hum monte,
onde está huma Ermida da invocaçaõ de S. Christovaõ; mas até agora está
taõ occulto, que ninguem tem dado com elle. Nos fins de Julho de 1738
correo a noticia que hum tal Manoel da Costa Pedreiro, natural da
mesma Villa, achara muito por acaso a mó; com que a Santa foy lançada
no mesmo rio. Tinha de diametro dous palmos, e de altura seis dedos, e
era de pedra branca com salpicos pretos; mas naõ se assentou em cousa
certa. Veneraõ-se hoje tres imagens de Santa Quiteria na Provincia do
Alentejo. Huma em Montemór o novo na Igreja de S. Joaõ de Deos: outra
na Ermida de S. Christovaõ; e outra em a nova Igreja dos Monges das
Covas no Altar collateral da parte da Epistola, collocada no anno de
1759.

80 _Carbuncas_, ou _Cabruncas_. Nasce na serra de Freixedas do Bispado
de Leiria. Diffunde-se até a Villa de Pombal, onde adiante com o Danços
caminha a Soure, e vay finalizar no Mondego.

81 _Carcedo._ Faz mençaõ deste rio Macedo nas Flores de Hespanha, sem
dizer onde nasce, ou por onde corre.

82 _Cardeira._ Nasce esta ribeira das vinhas de Béja, e correndo
de Norte a Sul, depois de passar pela ponte de hum arco, expira no
Guadiana em a Freguezia de Santa Catharina de Quintos, termo da mesma
Cidade de Béja.

83 _Carnide._ He huma ribeira que nasce no termo de Leiria, e vay
buscar o Louriçal, onde tem huma ponte, e depois de andar seis leguas,
vay morrer no Mondego por cima da barra da Figueira.

84 _Castelãos._ Nasce no Lugar de Cadraço, que fica no Concelho de
Guardaõ, e correndo por entre montes, e penhascos, vem a formar o rio
Crins, que se mete no Mondego.

85 _Cávado_, a quem os Romanos chamavaõ _Celando_, e Ptolomeu appellida
_Cavus_. Nasce nas Asturias, conforme alguns, ou na Serra do Gerez,
segundo outros; e precipitando-se ao Valle para receber outras
ribeiras, especialmente o chamado _Homem_, cerca, e poem em Peninsula
as mesmas terras, por onde passa huma legua de Braga. Rega com suas
aguas frigidissimas as Villas de Prado, onde tem ponte; os muros de
Barcellos, onde tem outra formosa ponte, e vay acabar no mar por entre
Faõ, e Esposende; e de Faõ até a barra dá huma volta para o Norte quasi
do feitio de hum C, e nesta volta quebraõ muito sua força as marés.
Vejaõ os curiosos as perguntas, e respostas, que acerca deste rio fez
o Reverendo Padre Argote.[227] Pescaõ-se neste rio muitos salmões,
relhos, e outra variedade de peixe, e se achaõ tambem nelle amethystos,
jacinthos, e crystaes muy finos. Entre todas as pontes por onde se
deixa vadear, he muy famosa, e magnifica a que existe na Freguezia
de S. Thomé de Perozelo; pois consta de doze arcos de cantaria, obra
Romana; e por aqui fazia transito huma das vias militares que sahiaõ de
Braga para Astorga.

86 _Cá-vay._ Este rio passa pelo termo de Castellobranco naõ muy
distante da Igreja de Nossa Senhora de Mercoles.

87 _Caya._ Nasce em Castella na serra de S. Mamede junto do monte
chamado dos Sete, termo da Villa de Marvaõ; e correndo pelo meyo
dos soutos da Villa de Alegrete, e perto de Arronches, vem separar
Campo-Mayor da Cidade de Elvas, e passa pela celebrada ponte de Caya
antes de entrar no Guadiana proximo a Badajoz. He esta ribeira muy
conhecida, porque sobre a ponte, que alli se levanta, se costuma fazer
a entrega das Pessoas Reaes de Portugal, e Castella, que por casamento
mudaõ de Reino: assim o vimos em 19 de Janeiro de 1729 nas Reaes
entregas das Serenissimas Princezas do Brasil, e das Asturias.

88 _Cayde._ He hum ribeiro, que nasce no monte de Santo Antonio perto
da Vila de Guimarães, e se mete no Celho.

89 _Ceife._ Ribeira, que corre pela Freguezia de Santa Margarida do
termo da Villa de Proença a velha.

90 _Cellinho._ Desde o Lugar do Reboto junto a Guimarães corre com o
Celho, e se esconde no Lugar dos Sumes, e torna a surgir no Lugar de
Sercedelo para se intrometter com o Ave.

91 _Celano._ O mesmo que o _Cávado_.

91 _Celho._ Tem seu nascimento na fonte de S.Torcato perto de
Guimarães, e conduzido com o augmento de outros riachos, vay passando
triunfante pelos arcos de diversas pontes, a da Madre de Deos, a de
Caneiros, a do Miradouro, a do Soeiro, e se vay esconder no rio Ave por
baixo da ponte de Servás, conservando sempre o mesmo nome. No Lugar de
Penouços deraõ as aguas deste rio de beber às Tropas Portuguezas, e
Castelhanas, que se acharaõ na batalha da Veiga das Favas.

93 _Ceiça._ Ribeira, que entra no Nabaõ, e nasce no termo da Villa das
Pias.

94 _Cerdeira._ Ribeira, que corre pela Villa de Coja, e entra no Alva.

95 _Ceras_, antigamente _Ceres_. Entra no Nabaõ.

96 _Cértoma._ Nasce no Couto da Vacarissa perto do Bussaco, e vay
acabar no Agadaõ muy soberbo. As suas aguas antigamente eraõ pessimas:
depois que tiveraõ a felicidade de beber dellas Santa Isabel, ficaraõ
com tal virtude, que até os gados que alli bebem, saõ as suas carnes de
melhor sabor que os de outra parte.[228]

97 _Ceira._ Rega as Villas de Goes, e Cerpins, fertilizando seus
campos, e enriquecendo seus moradores de grãos de ouro, que suas
correntes levaõ.

98 _Chança._ Esta ribeira fica distante meya legua da Villa de Ficalho,
e divide por esta parte o nosso Reino do de Castella.

99 _Chinches._ Corre ao Norte da Cidade de Elvas por hum amenissimo
valle povoado de fresquissimo arvoredo, hortas, e pomares, e repartindo
os montes de Nossa Senhora da Graça, e do Castello. Visto este rio da
Cidade, faz huma agradavel perspectiva.

100 _Chileiros._ Nasce este rio na lagoa de Malveira, Lugar da
Freguezia de Alcainça, termo da Villa de Cintra; e discorrendo pelas
margens do monte Malhamartello, passa por baixo da estrada Real de
Mafra, onde se augmenta com os riachos Sexeira, e Pinheiro, que lhe
daõ forças para cortar com mayor efficacia o alto monte chamado de
Moncharro. Depois entra pelas terras da Freguezia da Igreja nova, e
passa pelos Lugares de Moinhos, Granja, Lage, e Farello, onde recebe
as aguas do ribeiro _Bocco_ da banda do Sul, e da mesma parte recolhe
outro, que nasce na fonte de Danços. Daqui vay caminhando até o moinho
das Peras pardas, onde se lhe introduzem as correntes do rio Mouraõ,
e as do Almargem do Bispo. Alli faz hum salto, de cujo impulso formaõ
as aguas hum profundo poço, que está sempre provido de muito, e bom
peixe; e metendo-se pelas Freguezias de Chileiros, e Carvoeira, vay até
à Igreja de Nossa Senhora do Porto occultarse no mar. Tem este rio mais
de quatro leguas de comprido, em cuja distancia fertiliza boas terras,
que todas se fabricaõ. Da Mouxeira para baixo vay banhando deliciosas
planicies cheias de muitas vinhas, que só a Freguezia da Carvoeira
dizima hum anno por outro trezentas pipas de vinho. Criaõ-se nelle
muitos bordallos, mugens, e fataças, que entraõ pela foz, quando se
rompe com as cheias.

101 _Chouchou._ He ribeira, que banha a Villa de Serpa.

102 _Coa._ No Reino temos dous rios deste nome: hum, que corre junto de
Alcobaça, e que se préza de dar nome à dita Villa; outro, que nasce na
serra de Xalma, porçaõ da Gata, e entra em nosso Reino por Folgosinho.
Outros lhe daõ o nascimento mais perto de Alfayates, e concordaõ em
se meter no Douro em Villa nova de Foscoa. Os Romanos lhe chamavaõ
_Cuda_, e aos povos, por cujas terras passava, davaõ o nome de Cudanos,
e Transcudanos. As aguas deste rio saõ boas para tingir lãs, e caldear
ferro; porém pessimas para se beber, porque causaõ melancolia, e dores
de cabeça.

103 _Cobres._ Nasce esta ribeira pouco abaixo de Castro-Verde, e
unindo-se com o Terges, se vaõ incorporar ambos com o Guadiana, onde
perdem o nome.

104 _Corgo._ Nasce perto da Villapouca, discorre pelos limites de
Villa-Real, e vay sepultarse no Douro abaixo de Canellas, e Poyares. Os
Romanos lhe chamavaõ _Corrugo_.

105 _Corona._ Em distancia de huma legua de Grandola corre este rio
pelas raizes da serra dos Algares, e serve de linha divisoria dos
termos de Grandola, e Alvalade.

106 _Coura._ Corre este rio de Nascente para o Poente, e cerca
juntamente com o Minho a Villa de Caminha, e se metem no mar ambos,
formando duas barras, e a ilha Insoa.

107 _Criz._ He hum rio composto de muitas ribeiras, o qual passando
pela Villa de Santa Comba Daõ, se mete no Mondego.

108 _Daõ._ Nasce na serra de Carapito pela parte do Sul, ficando-lhe
da parte do Norte a serra da Estrella; e dando volta ao Poente, vay ao
Castello de Penalva com furia bastante. Faz as extremas dos Bispados de
Viseu, e Coimbra pelas terras do Concelho de Besteiros, e por baixo da
Villa de Santa Comba Daõ, a que dá o nome, se mete no Mondego.

109 _Danços._ Tem sua origem junto da Igreja de Nossa Senhora da
Estrella por cima da Redinha, Bispado de Coimbra. Mistura-se com o
Mondego.

110 _Davino._ Tem seu nascimento na serra, que fica para a parte do
Sul da Villa de Grandola, e corre do Poente para o Nascente; e junto
da Villa, atravessa huma formosa varzea de vinhas, e muitas arvores de
fruta, que fazem deliciosa vista, dando por aqui passagem sobre ponte
de pedra para o Algarve, e Campo de Ourique.

111 _Degebe_, ou _Odigebe_. Nasce este rio na herdade do Passo,
Freguezia de S. Bento do Mato do Alentejo. Atravessaõ-no tres pontes em
outros tantos braços no caminho de Estremoz. Tem outra ponte por onde
passaõ os que vaõ de Monte de trigo, termo de Portel, para a Villa do
Redondo. No Veraõ corre pouco, e conserva a agua só em alguns pégos, ou
poços, por cuja causa os Mouros lhe deraõ o nome que tem, que na sua
lingua significa fosso, ou cisterna.[229]

112 _Deste._ Nasce acima de Braga huma legua pouco mais, ou menos
para a parte do Nascente: rega os arrebaldes de Braga: tem huma ponte
de pouca fabrica, e logo adiante se ajunta com o Ave. Antigamente se
chamava _Aleste_.

113 _Diabroria._ He huma lagoa, que ha no termo da Villa de Grandola
por baixo do olho de agua chamado _Borbolegaõ_, de que já fallamos,
a qual se fórma de huma corrente de agua, que se despenha de huma
altissima rocha; e sem já mais ter diminuiçaõ em tempo algum, nem
se lhe achar fundo, cria muitos safios, eirozes, e outras castas de
peixes, que se pescaõ à cana. Chama-se esta lagoa Diabroria por causa
de hum moinho que alli ha, o qual moe entre dia, e noite dous moyos e
meyo de paõ.[230]

114 _Douro._ Conforme as melhores informações nasce este grande rio
nas montanhas de Cantabria junto à Cidade de Soria, cujos povos
antigamente eraõ chamados _Duraços_. Surte de huma portentosa lagoa, e
descendo por alcantiladas penedias, discorre pelo Reino de Leaõ, onde
se lhe agregaõ o Pisuerga, Carrion, e Tormes. Com este augmento chega a
Çamora, e daqui se introduz em Portugal, passando primeiro por Miranda,
e Freixo. Logo desce ao Porto, e recolhe os rios Coa, Tua, Pinheiro,
Barroza, Tamega, Ferreira, Sousa, e outros, até ir lançarse no mar em
S. Joaõ da Foz. He taõ grande a magestade deste rio, que quando nelle
se introduzem as aguas dos outros, posto que opulentos, naõ fazem
demonstraçaõ alguma na sua entrada.

115 Em Portugal he dos que naõ admittem ponte, porque sempre corre
precipitado, e por isso nunca lha puderaõ fazer. Só nas Caldas abaixo
de Lamego, onde chamaõ os Piares, estaõ sinaes de arcos de ponte, e
por naõ se poderem proseguir, deixaraõ a empreza. Fertiliza muito as
terras, por onde corre, com frutos de todo o genero muy excellentes.
Pescaõ-se nelle grande numero de saveis, e lampreas, que na Primavera
sahem do mar, e desovaõ pelo rio acima vinte leguas até S. Joaõ
da Pesqueira, onde no meyo está hum fragoso cachaõ, que embaraça
a passagem para diante. Em tempo de André de Resende intentou o
Desembargador Martinho de Figueredo desimpedir este precipicio, e fazer
navegavel o Douro mais para cima; porém encontrou taes contratempos, e
resistencia na inveja dos homens, mais duros que o mesmo rochedo, que
se deixou da empreza começada.

116 Tem fama de trazer areas de ouro, e de facto ha pessoas, que no
lugar, onde o Tua entra no Douro, vaõ alli gandaiar, e naõ debalde,
como affirma o grande Argote.[231] O Doutor Francisco da Fonseca
Henriques, fallando deste rio, diz, que as suas aguas tem virtude
deobstruente, porque passaõ por muita tamargueira, e assim saõ uteis
para os opilados do baço. Tambem se affirma, que a vista das suas aguas
causa melancolia, e dores de cabeça.

117 _Elja_, ou _Elga_. Corre direito ao Sul, e passa por entre
Valverde, e Castello das Eljas. Divide por dez leguas Portugal de
Castella, e se diffunde no Tejo entre Rosmaninhal, e Alcantara.

118 _Enfesta._ Pequeno ribeiro, que desagua no Minho.

119 _Enguias._ Corre esta ribeira por hum Lugar do seu nome, que fica
no termo da Villa de Belmonte.

120 _Enxarrama_, ou _Xarrama_, nasce do ribeiro do Louredo, e se junta
depois com o da Lage perto do Convento do Espinheiro de Evora. Tem sete
pontes pequenas, e huma grande. A primeira da Cidade para o Espinheiro:
a segunda no caminho que conduz para Villa Viçosa: a terceira na
estrada para Béja: a quarta da quinta do Sande: a quinta a dos fornos
da cal: a sexta a que vay para Portel: a setima do Louredo: a oitava
grande, e sumptuosa, que fica da parte do Norte da Villa do Torraõ. Por
ella passa quem vay para Alcacer do Sal, e para Alcaçovas, ficando no
meyo desta o grande ribeiro das Banhas. Depois finalmente que desagua
na ribeira do Sado, vay com ella o Enxarrama meterse no rio de Alcacer
do Sal.

121 _Enxurro._ Corre perto da Villa da Pederneira este ribeiro, que lhe
serve de grande utilidade.

122 _Erra._ Rega esta ribeira os campos de Coruche, e nella se mete a
do Odivor.

123 _Escura._ He huma lagoa assim chamada, e muy celebre no mais aspero
da serra da Estrella, que tem muitos passos de circuito, e consta de
aguas tristes, e verdenegras, a que nunca se lhe achou fundo, nem cria
cousa alguma. Quando o mar anda bravo, se embravece tambem a agua da
lagoa, dando bramidos a modo de trovaõ, que se ouvem dalli muitas
leguas; donde querem dizer os naturaes que se communica com o mar, naõ
obstante estar delle muito affastado, e serem doces as suas aguas;
porque affirma Joaõ Vaseu teremse-lhe achado mastros de navio. Perto
desta lagoa nascem os celebres rios Mondego, Zezere, e Alva.

124 Mons. Marvellú, que teve a curiosidade de ver, e observar o melhor
deste Reino para a sua Historia natural que intentava compor, escreve
nas suas Memorias,[232] que subindo, e penetrando a altura desta serra,
e fazendo lançar dentro da lagoa Escura hum moço atado com huma corda,
observara este, que tendo andado cento e cincoenta passos, sentira que
as aguas puxavaõ fortemente por elle; donde se póde inferir, que as
aguas, que alli formaõ aquelle lago, tem alguma abertura, ou voragem
por onde desaguaõ impetuosamente.

125 _Esporaõ._ Nasce na Povoa da Margem da parte do Sul do Concelho de
Guardaõ, e se mete no Criz.

126 _Fervença._ Banha a Cidade de Bragança.

127 _Figueiró._ He ribeira, que se diffunde pela Villa de Niza, e nasce
na serra de Portalegre.

128 _Filvida._ Corre pelo Concelho de Sever, e faz parte da divisaõ dos
Bispados de Viseu, e Coimbra.

129 _Folques._ He huma ribeira de Arganil, que entra no Alva.

130 _Freixiandas._ Discorre por Alvayazere.

131 _Freixo._ Atravessa este grande ribeiro a mata da Bardeira da Villa
do Vimieiro. Passa por entre Selmes, e Cuba, Aldeas no termo de Béja.
Corre sempre por penedias, de que procede criar singulares bordalos.

132 _Fresno._ Mantem, e fertiliza este rio a Cidade de Miranda, a quem
cerca pela parte do Occidente, e onde he recebido em ponte de pedra
lavrada. Ha aqui proxima huma fonte, cuja agua vem por arcos conduzida
do Lugar de Villarinho.

133 _Fulias._ Desagua no Minho.

134 _Gafaria._ Entra no Douro.

135 _Garcia menino._ He hum celebre pego, cujas aguas enriquecem o rio
Sadaõ, e onde se acha em todo o anno muito peixe, especialmente as
nomeadas tainhas de boca vermelha.

136 _Germunde._ Entra no Douro.

137 _Gobe._ Entra no Guadiana da parte de Portugal.

138 _Grefões._ D. Francisco Manoel cuida que he o Celando, que nós
appropriamos ao Cávado. Veja-se o Padre Poyares no Diccionario pag. 347.

139 _Gogim._ Faz este rio com suas aguas, que banhaõ a Freguezia do
Salvador de Sabadim, Comarca de Viana, augmentar grandemente o rio Vez,
com o qual se incorpora.

140 _Guadiana._ Nasce quatro leguas de Montiel em huma lagoa chamada
Roidera na terra de Alhambra; e sumindo-se junto de Argamansilha,
resurge dalli sete leguas perto de Daimiel, onde chamaõ os olhos do
Guadiana; e correndo do Oriente para Poente, entra em Estremadura.
Chegando a Medalhim, muda seu curso para Meyo dia até chegar huma legua
antes de Merida, donde torna ao Poente, banhando seus muros, e os do
Castello de Lobon, e Cidade de Badajoz, a huma legua da qual, e duas da
Cidade de Elvas, divide os termos de ambas por huma parte, e o rio Caya
por outra.

141 O nome proprio antigo de Guadiana foy _Ana_, derivado, conforme a
opiniaõ de alguns, de _Sic-ano_, que dizem ser Rey de Hespanha; porém,
segundo Samuel Bocharto,[233] he palavra Syriaca, a qual significa
ovelha, porque nas margens deste rio se apascentaõ grandes rebanhos
desse gado. Os Mouros lhe chamaõ _Guad-hana_, que quer dizer cousa,
que se esconde. Entra em fim em Portugal abundante de aguas de outros
menores rios, que se lhe introduzem, e perdem nelle o nome. Continúa
seu curso, dividindo a antiga Betica da Lusitania, e se lança no Oceano
Athlantico entre Ayamonte, e Castro-Marim.

141 Enobrecem-no tres formosas pontes, a de Merida, Badajoz, e
Olivença. Nesta ponte mandou ElRey D. Joaõ II. edificar huma torre de
tres sobrados com suas janellas, e seteiras, que defendiaõ a passagem
do rio. Depois a mandou reedificar ElRey D. Manoel, ficando huma das
mais galhardas, e formosas pontes de todo o Reino por sua fortaleza,
arquitectura, e fabrica, a qual assenta sobre os penhascos do rio,
que naquella parte corre alcantilado sobre dezoito arcos, e tudo he
passo importantissimo para soccorrer Olivença, em que os passageiros
pagavaõ certo direito, que já naõ permanece. No principio das ultimas
guerras de Castella, que aconteceraõ o anno de 1709, a arruinaraõ os
Castelhanos. Fr. Bernardo de Brito na Geografia de Portugal, fallando
das aguas deste rio, diz, que costumaõ fazer negra a farinha do trigo,
que com ellas se moe. Tem ellas virtude diuretica, e deobstruente, como
nos diz o _Aquilegio Medicinal_.

145 _Herdeiro._ Corre este rio chegado aos muros de Guimarães. Traz sua
origem da fonte do Bom-Nome, que está no Casal, que chamaõ d’Entre as
vinhas, na Freguezia de S. Pedro de Azurey. Tem huma só ponte de pedra
lavrada, que chamaõ de Santa Luzia, mais magestosa do que convinha
à pobreza das suas aguas. Vay acabar no rocio de S. Lazaro, aonde
ajudando-o outro regato, vaõ ambos incorporarse com o Celho no Lugar do
Reboto.

144 _Homem._ Tem seu berço na serra do Gerez, e no sitio chamado
_Lamas de homem_. Dalli correndo direito ao Poente precipitado por
entre penedias, vay engrossando com os cabedaes de outras ribeiras
até se despenhar estrondosamente na Portela de Homem; donde voltando
a corrente para o Meyo dia dentro do espaço de meya legua, torna a
enriquecerse com as aguas de treze rios, com as quaes muito mais
poderoso vay desembocar no rio Cávado a huma legua de Braga.

145 _Jarda._ Ribeira bem conhecida no termo de Lisboa, e na Freguezia
de Bellas, por onde corre.

146 _Inha._ He huma ribeira muy impetuosa, que corre de altos
precipicios, e onde se criaõ aguias. Mete-se no Douro.

147 _Jocete._ Mete-se no Guadiana.

148 _Isna._ Divide os termos das Villas da Certã, e Abrantes.

149 _Junqueira._ Rio, que desagua na enseada da Villa de Sines.

150 _Lamas._ A Geografia Blaviana o assina no Alentejo.

151 _Lampas._ Entra no Guadiana da parte de Portugal.

152 _Laurede._ Tambem entra no Guadiana da mesma parte.

153 _Lavandeiras._ Corre pela Villa de Moura, e faz hum profundo fosso
a hum dos seus baluartes, a que dá nome, e se mete no Ardila para ir
desembocar no Guadiana.

154 _Leça._ Principia doze leguas acima da foz do Douro. Outros lhe
descobrem a origem no monte Corva, e concordaõ em que elle depois
de discorrer pelo termo da Cidade do Porto, se vay lançar no mar em
Matozinhos, fazendo apraziveis os campos, por onde passa. Deste rio
tomou nome o Mosteiro de Leça, da Ordem de S. Joaõ de Malta, e foy
muy celebrado na lyra do insigne Sá de Miranda. Ha nelle tres pontes
de pedra boas, e grandes, em Matozinhos, no Mosteiro de Leça, e em
Alfena. Alguns Authores equivocaõ este rio com o Celando, especialmente
Manoel de Faria, e ainda com o Lethes, chegando a dizer naõ só na
Europa Portugueza tom. 3. p. 3. cap. 7. mas na Fonte de Aganippe part.
2. Poema 8.

  _El Leça, que por hondo, y fresco valle
  Corriendo con sociego grave, y blando
  Occupa, angosta, y tortuosa calle
  Con los nombres de Lethes, y Celando;
  Pero si del olvido se appellida,
  Quien una vez le vê, já mas le olvida._

Equivocaçaõ, em que tambem cahio Resende, como bem notaõ Joaõ Salgado
de Araujo, e o incansavel Academico D. Jeronymo Contador de Argote na
Geografia de Braga.

155 _Lena._ Nasce perto da Villa de Porto de Mós, e caminhando até
Leiria, se incorpora com o Lis, e ambos se vaõ esconder no Oceano.

156 _Lima._ He rio de grande fama. Nasce nas Asturias, conforme
Estrabo, vem por Galiza passar a Portugal pela ponte da Barca, e Ponte
de Lima até ir fazer foz propria em Viana. Pescaõ-se nelle, além de
outros peixes, os grandes salmões, e solhos. Fr. Bernardo de Brito[234]
deduz o nome deste rio da terra, onde nasce, que he _Limia_ em Galiza,
a qual se chama assim por causa dos muitos lamarões, e lagoas, que tem,
chamadas em Grego _Lymnas_, e em Latim _Lymum_, donde se derivou _Lima_
em Portuguez.

153 Pomponio Mella, e Hermoláo Barbaro dizem, que se chamou _Belion_ e
depois _Lethes_. Assim cantou o mellifluo Bernardes na Eglog. 7.

  _Junto do Lima claro, e fresco rio,
  Que Lethes se chamou antigamente._

A causa deste nome _Lethes_, que significa esquecimento, foy pela
sabida desavença, que entre si tiveraõ os Celtas, e os Turdulos nas
passagens das suas margens, chegando a alterarse em fórma, que mataraõ
seu General, de cujo delicto envergonhada a gente, determinaraõ logo
ausentarse, impondo ao rio hum nome de esquecimento, para que ficasse
desvanecida, e sepultada a memoria de semelhante insulto.

158 Assim permaneceo este nome expressivo do successo, e proprio ao
idioma dos Turdulos. Vieraõ depois os Gregos, e os Latinos, e perdida
já a noticia do vocabulo, mas naõ do acontecimento, que por tradiçaõ
perseverava, se contentaraõ de lhe chamar rio _Lethes_. De tudo vimos
a concluir contra a persuasaõ vulgar, que ainda que o nosso rio _Lima_
fosse em algum tempo chamado _Lethes_, nem por isso tem dependencia com
o Lethes fabuloso dos antigos, de que fallaõ os Authores abaixo;[235]
porque este nome _Lethes_ se acha imposto a outros rios illustres,
como diz Claudiano:[236] e todos os rios, que tem adquirido semelhante
nome, he porque houve nelles motivos, ainda que incognitos, de especial
esquecimento, e taes saõ os que sinala Estrabo[237] em Macedonia, e em
Candia, sem que por este principio haja dependencia, que faça perverter
o certo com o fabuloso.

159 Porém se nos argumentarem com o caso dos Romanos referido por Lucio
Floro,[238] que chegando às prayas deste rio, repugnaraõ atravessallo,
crendo que se esqueceriaõ das suas patrias, porque estavaõ persuadidos
era elle o verdadeiro _Lethes_; respondemos, que este conceito era
futil, e aerio; pois Junio Bruto, Proconsul, que os governava, para
lhes offuscar o panico terror, que os surprendia, passou-se da outra
parte do Lima, e de lá recitou muitas cousas particulares de Roma,
para que vissem ser falso que aquelle rio fazia esquecer, pois elle
atravessando-o, se lembrara do seu Paiz, e dos successos anteriores:
e como adverte Adaõ Ruperto, commentando Lucio Floro, toda aquella
repugnancia dos Soldados nasceo da infamia do nome, que lhes offerecia
o rio, e naõ de causa, que nelle houvesse para produzir o esquecimento;
no que tambem se conforma Isacio Vossio, commentando a Mella pag. 229.
contra cujo parecer, mas sem fundamento, está o famoso Caramuel, que no
Prologo do seu _Filippe Prudente_, fallando do Lima, attribue às suas
aguas serem nocivas à memoria, e que daqui se occasionara a fabula. O
certo he, que este rio corre com tal brandura, que naõ só parece que
corre esquecido de correr, mas que faz esquecer os olhos, que o vem, de
que o vissem correr alguma hora, como galantemente disse D. Francisco
Manoel em huma das suas cartas, e o imitou nosso insigne Botelho, e o
Padre Reys.[239]

160 _Liria._ He ribeira de Castellobranco.

161 _Lis._ Nasce no termo de Leiria no Lugar das Cortes, que fica numa
legua distante da Cidade. Rodea-lhe o Castello, e deixando a Cidade, e
o Castello à maõ esquerda, vay dobrando contra o Norte, onde estaõ os
arrebaldes da Cidade, até se ajuntar com o rio Lena.

161 _Lixosa._ Nasce esta ribeira na serra de S. Mamede, donde vem
circulando pelo espaço de huma legua ametade dos pomares de Portalegre,
fazendo trabalhar os seus moinhos, e lagares. Toma o nome de Lixosa,
porque passa por huma quinta assim chamada. Dahi a duas leguas entra
pelo Crato, onde tem ponte de nove arcos, e se lhe ajuntaõ os ribeiros
de Linhares, e Xocanal. No fim de quatro leguas passa pela Villa de
Seda, onde toma este nome; e caminhando tres leguas se incorpora com as
ribeiras da Fronteira, e Sarrazola para entrar em Aviz mais opulento.
Todas estas correntes quando chegaõ à cerca dos Freires, fazem hum
grande pégo, a que chamaõ do Barco, e dahi por diante fica sendo huma
só ribeira com o nome de Aviz. Finalmente entra no Tejo com o nome de
Sorraya depois de ter enriquecido as suas margens com abundancia de
peixes, especialmente de saveis, que no mez de Mayo se mataõ à espada.

163 _Lobos._ Ribeira, que nasce na serra do Lugar de Bornes, termo
de Bragança; e tendo caminhado tres leguas, entra no rio Tua junto a
Mirandella.

164 _Lousaõ._ He huma ribeira no termo da Villa de Thomar da parte do
Meyo dia, que rega huma formosa, e amena planicie.

165 _Locía._ He hum pequeno regato, que passa pelo meyo da Villa de
Amarante.

166 _Lucefece._ Nasce na serra d’Ossa, e correndo junto da Villa de
Terena da parte do Norte, fertilizando o Alandroal, e Redondo, se vay
meter no Guadiana.

167 _Maçaõ._ Nasce perto da serra chamada Teixeira, e entra no Douro.

168 _Maratéca._ He huma das grandes ribeiras do Alentejo naõ muito
longe da Agualva. Por ella se passa para a Moita.

169 _Marcabron._ Serve esta ribeira de separar os termos de Villa Alva,
e o de Villa de Frades. Por outra parte divide os limites de Béja dos
de Villa Ruiva, e Alvito: mete-se no de Odivellas, que vay parar ao
Sado.

170 _Marnel._ Discorre pelo lado meridional da Villa de Vouga.

171 _Mendo-Marques._ No termo de Arrayolos, e no sitio da Freguezia de
S. Gregorio corre esta ribeira.

172 _Mente_, ou _Rabaçal_. He rio, que nasce perto de Pentes, Lugar de
Galiza, e rega o termo da Villa de Monforte, donde caminha para o Tua,
no qual se mergulha junto ao Lugar de Chellas em Mirandella depois de
caminhar doze leguas. Pescaõ-se nelle boas trutas.

173 _Merce._ He huma ribeira, que nasce junto do Lugar de Val de
Prados, termo de Bragança; e correndo perto da Villa de Cortiços, passa
por huma ponte de dous arcos, para se ir incorporar com o Tua.

174 _Minho._ Para diante do Lima tres leguas ao Norte corre o Minho
quasi taõ opulento como o Douro. Estrabo lhe dá o nome de _Benis_.
Nasce perto da Cidade de Lugo, e caminhando o espaço de trinta e
seis leguas, rega em Portugal as Villas de Melgaço, Monçaõ, Valença,
Cerveira, e vem fenecer no mar entre a Cidade de Tuy, e a Villa de
Caminha. Dizem que o chamarse Minho he por causa da cor, que as
suas aguas recebem do fundo, que tiraõ hum pouco a vermelho: outros
o attribuem ao vermelhaõ, que nasce nelle; porém Joaõ Salgado na
Hydrografia deste rio diz, que se deriva da fonte Minhaõ, onde nasce,
quatro leguas ao Norte de Lugo. Fallaõ deste rio os Authores abaixo
allegados.[240]

175 _Mondego._ Tem sua origem na serra da Estrella; e discorrendo pela
Cidade de Coimbra, lhe communicaõ suas aguas fecundidade, e recreyo
nos campos, e nos bosques; e depois de banhar todo o terreno, e passar
pela famosa, e formosa ponte, vay concluir seu curso, e formar o porto
de Buarcos. Da serenidade do seu progresso se lembrou Camões, quando
cantou:[241]

  _Vaõ as serenas aguas
  Do Mondego descendo,
  E mansamente até o mar naõ paraõ._

Falla o Poeta de quando elle corre no tempo do Estio; porque no Inverno
se precipita furioso, causando muitos estragos, e ruinas; donde Vasco
Mousinho veyo a dizer:[242]

  _Mondego no Veraõ sereno, e brando,
  Turvo no Inverno, bravo, e dissoluto.
  Té lá onde na foz, que vay buscando,
  Paga de suas aguas o tributo._[243]

176 _Montijo._ He rio da Villa de Aldea-Gallega. Nasce em hum bom
porto, huma legua antes que se sepulte no mar: he muy espaçoso, e
navegavel quasi com todo o vento: com baixamar espraya, mas nem por
isso (se for preciso) deixaráõ a toda a hora de receber os seus canaes
com segurança as embarcações, que vaõ de Lisboa.

177 _Mós._ He huma pequena ribeira, que corre perto da Villa de Mós.
Caminha quatro leguas antes de se meter no Douro: hum quarto de legua
afastado da Villa tem ponte de tres arcos.

178 _Murtigaõ._ Ribeira, que passa junto ao Convento da Tomina.

179 _Nabaõ_, antigamente chamado _Nava de Juncoso_.[244] Corre este
venturoso rio pela Villa de Thomar; e damos-lhe o nome de venturoso,
naõ só porque deu fama, e nome à insigne Cidade de Nabancia,
que esteve aqui fundada, e foy regada com suas aguas, mas porque
ellas tiveraõ a fagrada prerogativa de conduzirem até Santarem o
bemaventurado corpo da gloriosa Santa Iria, que junto dellas martyrizou
o cruel Banaõ por ordem de Britaldo, filho do Governador de Nabancia;
donde Fr. Joaõ Felix disse:[245]

  _Præcipitat Naban, Irenes Virginis olim,
    Qui sacra mærenti corpora vexit aqua._

Nasce elle na fonte do Agroal junto da foz da ribeira das Pias; e
entrando com arrogancia pela Villa dentro de Thomar, e pela ponte da
Granja, sahe por outra, que fica para o Sul, chamada das Ferrarias; e
engrossado com outros riachos, se occulta no Zezere para entrarem ambos
no Tejo junto à Villa de Punhete.

180 _Neiva._ Este rio sahe das montanhas de Avoim, e vem fertilizando
os campos da Ponte da Barca, e Ponte de Lima; e depois de se sujeitar
a quatro pontes, entra no mar Oceano pela foz, que naõ dista muito de
Viana. Duarte Nunes diz,[246] que este rio se mete no Cávado, para
ambos entrarem no mar entre Faõ, e Esposende; porém outros[247] emendaõ
esta equivocaçaõ com a noticia mais certa, que temos expendido; porque
as duas povoações de Faõ, e Esposende ficaõ para a parte do Norte muito
mais adiante, donde o rio desemboca.

181 _Niza._ Cerca por hum lado a Villa de seu nome, e nasce na serra de
Portalegre.

182 _Noeime._ Nasce junto da Guarda com dous braços: hum delles na
fonte Dorna, que corre ao Poente, vira para o Norte, e depois continúa
ao Nascente; o outro principia no Lugar de Porcas pela parte do Sul, e
se mete no rio Coa por baixo da Miuzella: he a informaçaõ, que nos dá
Joaõ Salgado de Araujo pag. 108.

183 _Obidos._ No termo desta Villa está a celebre lagoa, que tem de
Norte a Sul huma legua de comprido, de Nascente a Poente tres quartos
de legua, desorte que faz a fórma de numa Cruz com os braços de mar que
humas vezes se lhe communica, e outras naõ. Serve de pé a esta Cruz a
barra a que chamaõ Foz, a qual com os ventos Nortes se entupe tanto de
area, que divide o mar da mesma lagoa. Nella entraõ tres rios, dous
pelo Sul, e hum pelo Nascente: os dous saõ os que passaõ pelo arrabalde
de Obidos, e pelo lugar da Amoreira, onde chamaõ Aboboriz: o terceiro
vem das Caldas.

184 Quando esta lagoa está communicavel com o mar, he fertil de toda
a qualidade de peixe; pescando-se nella muitas douradas, robalos,
solhos, tainhas, safios; e até excellente marisco, de ostras, amejoas,
berbigões, e admiraveis camarões; de cuja fertilidade se utilisaõ as
duas Villas de Obidos, e Caldas, e mais terras circumvisinhas; tomando
todos o deleitavel divertimento de fazerem alli repetidos lanços; e
juntando-se às vezes na lagoa mais de vinte bateiras para esse effeito.

185 No sitio a que chamaõ da Cabana, memoravel naõ só pela Ermida da
Senhora do Bom Successo, de muita devoçaõ; mas pelo ameno, e delicioso
do lugar povoado de grande arvoredo, o Senhor Rey D. Joaõ IV. teve o
gosto de jantar alli, como consta de hum padraõ aberto em lamina de
pedra, que diz: _O Serenissimo, e feliz Restaurador deste Reino ElRey
D. Joaõ IV. jantou nesta Cabana: a 14 de Setembro de 1645 foy feita._
Em outro padraõ está outro letreiro, que diz assim: _O Magnanimo
Monarca D. Joaõ V., e os Serenissimos Infantes D. Antonio, e D. Manoel
jantaraõ nesta Cabana aos 14 de Abril de 1714._

186 Acha-se no meyo deste bosque huma mesa de pedra lavrada,
simplesmente inteiriça, que tem duas varas e meya de comprido, e vara
meya de largo: por ambos os lados ha dous bancos tambem de pedra do
mesmo comprimento, e nas cabeceiras outros dous. Defronte da mesa
corre huma fonte de cinco bicas de agua perenne, que faz o lugar mais
aprazivel. Aqui se divertiraõ na caça dos galeirões, e ades em Outubro
de 1761 o Fidelissimo D. Joseph I. com a Rainha Nossa Senhora, o
Serenissimo Infante D. Pedro, a Serenissima Princeza, e mais Pessoas
Reaes com a mayor parte da Corte.

187 _Ocreza._ He huma ribeira, que corre junto da Villa de Sarzedas.

188 _Odemira._ Banha Villa nova de Mil fontes no Algarve, e a pouco
espaço se mete no mar.

189 _Odiége._ Fórma-se de duas ribeiras nas Freguezias de S. Brissos,
termo de Montemór o novo, e de S. Sebastiaõ da Gesteira, termo de
Evora. Tem ponte, e passada ella, se vê no alto de hum oiteiro da parte
do Sul a milagrosa fonte da Senhora da Esperança das Alcaçovas, de
que fallaõ o _Santuario Mariano tom. 6. pag. 320._ e o _Diccionario
Geografico_ de Cardoso _tom. 1. pag. 143._

190 _Odivelas._ Nasce na serra de Portel, e vay regar a Villa de
Alvito. Tem duas pontes, huma da banda do Sul no caminho que faz o
correio desta Villa para Béja, donde dista cinco leguas: outra em Villa
Ruiva na estrada por onde se vay desta Villa para Evora: esta ponte
foy fabrica dos Romanos, por ser transito da via militar de Evora
para Béja. Para diante da Aldea de Alfundaõ separa o termo de Béja do
Torraõ, e incorporado com a ribeira do Marcabron, vay morrer ao Sado.

191 _Odivor._ Fertiliza pela parte do Norte os campos da Villa das
Aguias; e discorrendo pelo termo de Arrayolos, tem na Freguezia de
Santa Anna duas pontes, e dá movimento a sete moinhos. Esta ribeira he
a mesma que a de Arrayolos.

192 _Olivença._ Passa esta ribeira pelo termo da Villa de seu nome.
Alguns dizem, que nasce nas serras de Salvaterra, outros na de Salva
Leon; mas sempre concluem, que tem sua origem em Castella, cujas
correntes fazem apartar aquelle Reino do nosso: mete-se no Guadiana.

193 _Olho de Pedralva._ He huma pequena ribeira, que nasce de huma
fonte no Lugar de Pedralva, termo da Villa de S. Lourenço do Bairro,
Bispado de Coimbra.

194 _Orãos._ He hum dos rios, que banhaõ a Villa de Soure, e vem da
Villa de Pombal para se meter no Mondego.

195 _Paiva._ Nasce este rio em o sitio de Nossa Senhora da Lapa; e
chegando à Freguezia de S. Martinho do Gafanhaõ, divide o Bispado
de Lamego do de Viseu: depois correndo até o Castello de Paiva,
perde o nome, entrando no Douro cançado de ter andado doze leguas.
Escreve delle Jorge Cardoso,[248] donde tirou o que diz a Corografia
Portugueza.[249]

196 _Palhas._ He hum rio, que corre por Villar-Mayor, conforme vemos no
Mappa de Joaõ Bautista Lavanha.

197 _Paul._ Rio, que entra no Zezere.

198 _Pega._ Ribeira, que corre perto da Villa de Pinhel, e desagua no
Coa.

199 _Pedonde._ Nasce em Arouca abundante de gostosas lampreas, e acaba
no Douro.

200 _Pera._ He rio menor que o Zezere onde se embebe; cerca a Villa de
Pedrogaõ, e utiliza a de Figueiró com a copia de seu peixe. Deste rio
se lembra Camões.[250]

201 _Pera-manca._ Tem seu nascimento nas vinhas de Evora, e corre
junto da cerca dos Capuchos de Valverde, e se mete no Odiege depois de
passar por huma ponte.

202 _Pernes._ Esta famosa ribeira deu o nome, ou o tomou do Lugar, que
fica no termo de Alcanede: he abundante de agua, e assim a communica
por muitos moinhos, que anima, e a muitas hortas, e pomares, que
fertiliza. A agua da levada, que corre mais junto da ponte, dizem,
que por intercessaõ de hum Bispo, que por alli passara, lhe infundio
virtude para sarar toda a casta de chagas. Cria bom peixe, e desagua no
Tejo.

203 _Pias._ Dá esta fertilissima ribeira nome a huma Villa, e nasce
em hum lago junto da Ermida de S. Marcos dentro da quinta chamada
da Figueira de huns formosos olhos de agua; e costeando a serra de
Monchite, se mete no Nabaõ, fertilizando em tal fórma as terras, por
onde corre, que lhes faz duplicar dentro de hum anno todo o genero de
frutos.

204 _Piodaõ._ Corta pelo meyo o Concelho de Vide de Foz de Piodaõ, e
entra no Alva.

205 _Pipa._ Rega pela parte do Norte a Villa da Arruda.

206 _Pisco._ Pela parte do Oriente da Villa de Langroiva corre este
rio, que fertiliza seus campos de paõ, azeite, e frutas.

207 _Ponsul._ De tal fórma cerca a Villa de Idanha a velha, que a
reduz a Peninsula. Em distancia de huma legua para o Nascente de
Castellobranco tem ponte.

208 _Pontega._ Passa pelas Freguezias de S. Gregorio, e Nossa Senhora
da Consolaçaõ, termo de Arrayolos, e se mete no Odivor.

209 _Quarteira._ Este rio he do Algarve, e corre junto a Faro.

210 _Rabaçal._ He o mesmo que o rio _Mente_.

211 _Ramalhoso._ Ribeiro, que passa pela Villa de S. Vicente, e seu
termo.

212 _Regalvo._ Desagua na enseada da Villa de Sines.

213 _Rezes._ Ribeira do termo do Sardoal.

214 _Riba-Pinhel._ Nasce perto da Igreja de Nossa Senhora da Lagoa:
começa sua corrente pelo termo da Guarda encaminhado ao Sul: passa ao
termo de Jarmelo direito ao Nascente, e torna a voltar para o Norte por
entre Jarmejo, e Castello-Mendo. Vay à ponte de Pinhel, e huma legua
adiante entra no Coa.

215 _Ribeira de Freixas._ He hum pequeno rio, que corre meya legua
distante da Villa de Trancozo.

216 _Ribeira dos Gallegos._ Corre pelo termo da Villa de Vinhaes, e
junto da Freguezia de Santa Cecilia dos Casares, onde se pescaõ muitas,
e boas trutas.

217 _Ribeira da Murta._ No termo de Alvaiazere discorre esta ribeira
pela Freguezia de S. Pedro do Rego, e divide este termo do da Villa das
Pias.

218 _Rio das Maçãs._ He huma ribeira, que corre junto à Villa de
Collares.

219 _Rio Mourinho._ Passa pelo termo de Montemór o Novo, e por junto do
Convento dos Religiosos Paulistas, que os provê de grandes pardelhas.

220 _Rio Tinto._ Corre huma legua distante do Porto. Chama-se tinto,
porque quando foy a geral destruiçaõ de Hespanha, mataraõ os Cidadãos
do Porto tantos Mouros, que o sangue chegou a tingir a agua.[251]
Mete-se no Douro.

221 _S. Romaõ._ Nasce na Freguezia de S. Martinho das Amoreiras, termo
de Ourique. Corre pelas Villas de Alvalade, Garvaõ, e termo de Panoyas,
até desaguar no porto delRey, termo da Villa de Alcacer do Sal.

222 _Sabor._ Nasce por cima do Lugar de Rabal, que fica na raya de
Galiza, mas he termo de Bragança, donde dista duas leguas. Discorre
sempre por altas, e alcantiladas penedias, até chegar aos confins
da Villa de Castro Vicente; e depois de ter andado dezaseis leguas,
e obedecer a cinco pontes, algumas de cantaria, e de perfeita
arquitectura, com orgulho desagua no Douro.

223 _Sacavem._ Este rio, que discorre pelo Lugar de seu nome duas
leguas distante de Lisboa, desemboca no Tejo, e faz huma profundissima
foz, na qual podem entrar os mayores navios deste porto; e ficando
quasi ao Norte da Cidade, volta contra o Noroeste, navegando-se até
a Mealhada, e da sua ribeira se levantaõ huns montes, que a cultura
tem feito apraziveis, os quaes se vaõ estendendo com huma larga volta
contra o Poente, levando sempre ao pé hum fundo valle aberto por muitas
partes com regatos, que por elle correm. Por ordem delRey D. Joaõ. V.
se reformou a barca da passagem deste rio pela admiravel idéa do nosso
insigne Maquinista Bento de Moura, com grande commodidade para os
passageiros.

224 _Sadaõ_, ou _Sado_. O nascimento deste rio foy ignorado por
Duarte Nunes na Descripçaõ de Portugal; porém Joaõ Salgado de Araujo
diz, que nasce nas faldas da serra de Monchique junto à Villa de
Almodovar, e passando por Ourique, recebe as ribeiras de Aivados,
Gracido, Ferrarias, Campilhas, Figueira, Roxo, e Garcia menino, onde
faz hum grande lago, e mais para diante outro, que chamaõ de Santa
Margarida, até que copioso vay acabar em Setubal. André de Resende
ignorando-lhe tambem o principio, e dando-lhe o nome de Callipode,
que o tirou de Ptolomeu, diz que depois de se ajuntarem as torrentes
do Enxarrama, Santa Detença, e Odivellas acima de Porto de Rey, he
que se começa a chamar Sado; nome que usurpa pela demora que faz no
esteiro de Alcacere, antigamente Salacia; e por naõ viver muito tempo
soberbo, e desvanecido com tanto roubo, morre dahi a pouco em Setubal,
formando-lhe huma grande foz, e bahia. He navegavel este rio por doze
leguas até Porto de Rey; e as terras por onde passa, adornadas de
muitas fontes, e arvoredos, ficaõ ferteis, e e cheias de nata para
corresponderem abundantes na breve producçaõ dos seus frutos.

225 _Safrins._ Corre em distancia de meya legua da Villa de Ferreira, e
a provê de bordalos taõ bons, que se mandaõ dar aos doentes.

226 _Sarmenha._ He huma ribeira, que dista do rio Douro duas leguas, e
nasce nas raizes da serra do Maraõ.

227 _Sarrazola._ Caudalosa ribeira, que banha Benavilla, huma legua
distante de Aviz.

228 _Seda._ Nasce esta ribeira nas serras de Portalegre, e rega a
Villa, a que dá o nome.

229 _Sertima._ Rio, que corre pelo termo da Villa de S. Lourenço do
Bairro, e que se augmenta com muitos ribeiros, que fertilizaõ o mesmo
termo.

230 _Sequa._ Divide, ou corta pelo meyo a Cidade de Tavira, o qual
nascendo do sertaõ, faz este transito por huma boa ponte de sete arcos.

231 _Sever_, ou _Severa_. Tem sua origem na serra de S. Mamede no
Alentejo, e com as fontes, que se despenhaõ das serras de S. Braz, e
Portalegre, se faz copioso. Desta sorte correndo pela Villa de Ouguela,
paga seu tributo ao Tejo junto a Villa Velha, onde se pescaõ as mais
excellentes trutas. O Padre Poyares no Diccionario Geografico lhe dá o
fim no Guadiana à vista de Badajoz.

232 _Silveira._ Pequena ribeira, que se despenha da serra d’Ossa da
banda do Sul.

233 _Sizandro._ Principia a descubrirse na Sapataria de huma fonte
chamada Sizandro, e vem cercar Torres-Vedras, que para mayor
commodidade se atravessa com cinco pontes.

234 _Sobrena._ He huma ribeira do Alentejo, que nasce entre Viana,
e Villa nova da Baronia, a qual regando os seus pomares, se mete em
Odivellas.

235 _Sorraya._ He huma ribeira, que pela parte do Sul banha a Villa de
Erra.

236 _Sor._ He huma caudalosa ribeira, que banha a Villa da Ponte de Sor
pela banda do Oriente, e se mete no Tejo ao pé de Coruche. Os Romanos
fundaraõ aqui huma grandissima ponte, para por ella fazerem a estrada
de Santarem para Merida.

237 _Sordo._ Na Freguezia de Santa Eulalia da Comieira do Concelho de
Penaguiaõ corre este rio da parte do Norte; e passando pelo Lugar de
Relvas, se vay esconder no Corgo.

238 _Sozeis._ Dista esta ribeira duas leguas de Evora no caminho de
Béja, e se recolhe no Enxarrama.

239 _Sousa._ Nasce junto à Igreja de Moura entre o Mosteiro de
Pombeiro, e o de Cramos; e daqui descendo a fertilizar todas as terras,
a que vay dando nome por espaço de oito leguas, vay acabar no Douro
defronte do Lugar de Arnelas, duas leguas acima do Porto.

240 _Soberbo._ Deixou este rio de ser Tavora por ser Soberbo, depois
que o ultimo Marquez daquelle titulo Francisco de Assiz padeceo no caes
de Bellem a 13 de Janeiro de 1759 a injuriosa morte pela conjuração em
que entrou contra o Fidelissimo D. Joseph I. E porque naõ corresse mais
com o nome de Tavora, cujo appellido recebia, tanto que fazia alto na
venda do Cepo, daquelle dia por diante se mandou chamar o rio Soberbo.
Origina-se elle de huma fonte chamada de Joaõ Duraõ perto de Trancoso,
e do Mosteiro de S. Francisco. Augmentado com outros pequenos rios
alcança nome; e caminhando para o Norte até a ponte do Abbade, divide
os dous Bispados de Viseu, e Lamego. Avista Sernancelhe, e o Mosteiro
da Ribeira, que he de Freiras de Santa Clara, e com ponte de madeira
se vay indo direito Nornordeste ao Villar, e por ponte de pedra se
diffunde a Fonte Arcada; e voltando outra vez para o Norte, marcha por
entre Paredes, e Castello de Cabriz até descer ao Mosteiro de S. Pedro
das Aguias. Estende-se a Espinhosa, e vay buscar sua ponte de pedra,
onde he chamado o Poço do fumo. Visita a Villa de Tavora, e o Lugar de
Taboaço, e daqui caminha para o Douro.[252]

241 _Sul._ Rega a Villa de S. Pedro do Sul, a que deu nome, e consente
vadearse com duas pontes de pedra, que mandou fazer o Infante D. Luiz,
que foy Senhor do Concelho de Lafões.

242 _Tamega._ He dos principaes rios do Reino. Nasce em Galiza junto da
serra do Larouco na fonte, a que chamaõ Tamega, de que herdou o nome.
Atravessa grande parte do Minho de Norte a Sul, até que entra pela
Villa de Chaves por huma excellente ponte feita pelos naturaes da Villa
em tempo, que governava o Imperador Trajano, como consta do letreiro,
que se lê esculpido em hum pilar della, o qual transcreve Grutero, e
Argote,[253] e vem a ser:

  IMP. CÆS. NERVÆ.
  TRAIANO. AUG. GER.
  DACICO. PONT. MAX.
  TRIB. POT. CONS. V. P. P.
  AQUIFLAVIENSES
  PONTEM LAPIDEUM.
  D. S. F. C.

Quer dizer: _Imperatori Cæsari Nervæ Trajano Augusto Germanico Dacico
Pontifici Maximo Tribunitiæ Potestatis Consuli quinto Patri Patriæ
Aquiflavienses Pontem lapideum de suo fieri curarunt._

243 O Doutor Joaõ de Barros infere, que esta ponte devia ser feita
antecedentemente de madeira, porque a inscripçaõ diz: _Pontem
lapideum_; e como aquella estrada era muy frequentada dos Romanos para
Braga, mandaraõ fabricalla de pedra. O certo he, que esta ponte tem
já dezaseis seculos de duraçaõ, e he toda de cantaria muy forte com
noventa e tres passos de comprido, vinte e seis de largo, e trinta e
dois de alto.

244 Passa este rio pela Villa de Canavezes, e de Amarante, onde tem
outra ponte feita, e ordenada pelo glorioso S. Gonçalo. Chegando em fim
à Villa de Entre ambos os rios, se mete ao Douro, seis leguas pouco
mais, ou menos acima do Porto; e duas leguas para baixo de Amarante
ha outra ponte de cantaria nobre sobre o mesmo rio, à qual chamaõ de
Canavezes, que mandou fazer a Rainha D. Mafalda, filha delRey D. Sancho
I. Tem mais a ponte de Cavez muy alta com cinco arcos. Chama-se de
Cavez, porque o Arquitecto que a fabricou, assim se chamava. Consta de
hum monumento, onde jaz o seu corpo, que he no fim da ponte, em que se
lem as letras da Era, em que se acabou de fazer, que foy pelos annos
de Christo 1226. Ha mais a ponte de Mondim, que parece mais moderna do
que as outras; e porque o rio he nesta parte fundo, se vay damnificando
pouco a pouco.

245 No anno de 1109 aconteceo neste rio hum admiravel prodigio, que
referem a Monarquia, e a Benedictina Lusitana,[254] e foy dividirem-se
suas aguas pelo mez de Dezembro para darem passagem ao sagrado corpo do
glorioso S. Giraldo, e a toda a mais gente, que o acompanhava, quando
lhe foraõ dar sepultura na Cidade de Braga.

245 _Taveiró._ He ribeira, que banha as Villas da Bemposta da Beira, e
de Castello-Novo, e entra no Ponsul.

247 _Tedo._ Nasce em Caria, onde chamaõ Granja do Tedo. Recebe o
ribeiro de Leomil, avista a Villa de Nagoza, e vay ao Douro por baixo
de Santo Adriaõ.

248 _Teja._ Provê esta ribeira de peixe a Villa de Nomaõ.

249 _Tejo._ Entre Escritores Gregos, e Latinos foy sempre muy celebrado
o Tejo, e por isto alguns lhes daõ a primazia entre os mais rios do
Reino. Nasce nas serras de Molina junto da Cidade de Cuenca: outros o
fazem natural de Mancha de Aragaõ: outros das serras de Albarracin; e
discorrendo pelo Reino de Castella a nova, e Provincia da Estremadura
Castelhana, rega os povos de Zurita, Aranjuez, Toledo, Talavera de la
Reyna, Almaraz, e Alcantara, em cujo progresso recebe as correntes
de muitos rios, principalmente o Henares, Xarrama, Mançanares, e
Guadarrama; e com cento e vinte leguas de jornada vem por Santarem
descançar em Lisboa, fazendo na melhor Cidade o melhor porto de mundo:
e se a vulgar fama dos antigos, que lhe attribuia areas de ouro,[255]
nos serve sómente hoje de admiraçaõ, e naõ de experiencia, fica
semelhante falta bem supprida com os avanços das copiosas riquezas, que
todos os annos lhe estaõ entrando pela sua famosa barra nas opulentas
frotas do Brasil.

250 E quando nem isso fora, bastava para estimaçaõ, e riqueza encerrar
em si o preciosissimo thesouro do glorioso corpo de Santa Iria,
sepultado debaixo de suas aguas defronte de Santarem. Duas vezes foy
visto milagrosamente: a primeira, quando o tio da Santa, chamado
Celio, com a mayor parte do povo de Nabancia, assim Ecclesiasticos,
como seculares, o foraõ ver por permissaõ de Deos, fazendo com que se
separassem as aguas, e Celio chegou a abrir o sepulchro, e tirar da
Santa parte de seus cabellos, e pedaços da tunica: a segunda no anno
1324 pela Rainha Santa Isabel, e ElRey D. Diniz, em cuja occasiaõ se
abriraõ tambem as aguas para dar passagem à Santa Rainha, e tempo a se
fazer hum padraõ de pedra, que indica o sitio do sepulchro,[256] que o
Senado de Santarem mandou aperfeiçoar no anno de 1644. Do Tejo escrevem
os Authores abaixo allegados.[257]

251 _Temitólas._ Nasce em Lumiares, e pela Villa de Armamar se vay
direito ao Douro.

252 _Tera._ Tem seu nascimento na serra d’Ossa naquella parte, que olha
para Estremoz, e corre junto da Villa de Pavía: tem ponte, por onde se
vay para Aviz, e paga seu tributo ao Guadiana.

253 _Terena._ Esta ribeira he a mesma que a Lucefece: dá nome a huma
Villa, e mete-se no Guadiana.

254 _Tinhella._ Nas serras de Carrezedo de Monte-Negro, termo da Villa
de Chaves, tem este rio o seu berço. Fertiliza a Villa de Murça de
Panoya, e depois de caminhar oito leguas vay desaguar no Tua.

255 _Tourões._ Esta ribeira nasce perto do Lugar de S. Pedro do Rio
Seco, termo da Villa de Almeida; e vindo separando o Reino de Leaõ,
entra no Agueda abaixo de Escarigo.

256 _Trancaõ._ He huma ribeira no termo de Lisboa, que passando pelo
Milharado, Sapataria, e Bussellas, vem regar, e fertilizar a grande
quinta dos Conegos Regulares de S. Vicente acima do Tojal, entrando-lhe
pelo meyo della; e correndo por penedias furioso no tempo de Inverno
vay buscar Unhos para morrer no Tejo; fazendo primeiro trabalhar muitas
azenhas, e lagares com as suas correntes precipitadas.

257 _Trogalha._ Corre entre Sarzedas, e Castellobranco, e entra no Tejo.

258 _Trovella._ Fertiliza os Coutos de Correlhã, e o da Feitosa pouco
distante de Ponte de Lima.

259 _Tua._ Nasce em Galiza proximo ao Lugar de Pias: corre por
Mirandella, onde he recebido em ponte de dezanove arcos de cantaria; e
fertilizando muitas terras, vay fenecer no Douro no porto de Foz-Tua.

260 _Vade._ Fertiliza com saborosas trutas o termo da Villa da Ponte da
Barca.

261 _Val de Abrahaõ._ Pequena ribeira, que nasce, e desce da serra
d’Ossa da parte do Sul.

262 _Val de Lobos._ Ribeira, que passa por hum Lugar da Freguezia de
Bellas, e faz animar muitas azenhas, e fertilizar muitos pomares.

263 _Valdouro._ Corre esta ribeira huma legua distante da Villa de
Ferreira, e a enriquece de grandes bordalos, e pardelhas.

264 _Valla._ Discorre junto da Villa de Mayorga, e com prejuizo de hum
formoso campo, que pelo Inverno padece suas inundações.

265 _Varche._ Meya legua distante da Cidade de Elvas corre este ribeiro
pelo valle de seu mesmo nome.

266 _Varzeas._ Faz dividir Melgaço de Galiza pela parte do Oriente, e
desagua no Minho.

267 _Vascaõ._ Corre por Alcoutim, e entra no Guadiana, separando o
Reino do Algarve de Campo de Ourique.

268 _Vez._ Banha este rio primeiramente o Val de Poldros, termo da
Villa dos Arcos, onde nasce nas montanhas de Penella; e continuando seu
caminho pelos campos de Valdevez, a que dá nome, vay logo perdello dahi
a huma legua, por se misturar com o Lima junto de S. Pedro do Souto,
posto que já caudaloso com os muitos regatos, que entraõ nelle.

269 _Vellarva._ He huma ribeira, que rega o Lugar de Santa Justa, que
fica no termo de Alfandega da Fé, onde desagua a ribeira Alvar.

270 _Velariça._ Nasce na serra de Montemel acima do Lugar da Burga,
termo de Bragança. Despenha-se pela serra até parar em hum valle, a que
dá o nome, e por elle detido o espaço de seis leguas, fertiliza todo
aquelle terreno bastantemente. Depois vay pagar o tributo ao Sabor meya
legua acima do Douro.

271 _Vereza._ No cimo da serra da Gardunha nasce esta ribeira, e vem
logo refrescando o Lugar do Louriçal, que fica no termo da Villa de S.
Vicente, e vay avistar Castellobranco, passando por boa ponte.

272 _Videgaõ._ Passa esta ribeira naõ muy distante da Villa de Cabeço
de Vide, fertilizando muitas hortas, e pomares.

273 _Vide._ Cerca esta ribeira a Villa de Castello de Vide.

274 _Vizella._ Fórma-se de tres regatos, que nascem no Concelho de
Monte-Longo; e lavando com suas aguas a Aldeya de Arricanha, se mistura
com o Ave, e perdem ambos o nome, mergulhando-se no mar pela Villa do
Conde. Alguns lhe chamaõ _Avizella_. Delle cantou Manoel de Faria:[258]

  _Corre el Visela amado
  Progresso sonoroso,
  O crystalino parto de una peña,
  A ser favor de un prado._

275 _Unhaes._ Pequeno ribeiro, que passa pelo pé da Villa de Alvares, e
se mete no Zezere.

276 _Voliarça._ Nasce esta ribeira na Freguezia de S. Brissos, termo de
Béja, e correndo de Poente a Nascente, se mete no Guadiana, passando
primeiro entre Béja, e Cuba, da qual dista huma legua.

277 _Vouga._ Assinaõ o nascimento deste rio na fonte da Senhora da
Lapa, ou na serra de Alcoba. Daqui vem descendo ao Mosteiro de S.
Bento, que ha em Ferreira de Aves, pela parte do Poente; rega muitos
Lugares, até que misturado com os rios Sul, e Agueda, entra em Aveiro
com bastante soberba, segundo diz Fr. Joaõ Felix na Isagoge:

  _Amnibus innumeris, Agathoque superbus in æquor
     Piscoso latè gurgite Vacca fluit._

Tem huma grandiosa ponte, acabada no anno de 1713 por ordem do
Fidelissimo Rey D. Joaõ V.

278 _Xever_, _Xevera_, _Xeverete_, e _Xola_. Saõ ribeiras, que procedem
da serra de Portalegre.

279 _Xudruro._ Ribeiro, que nasce na fonte Freja do Concelho do
Guardaõ, e fertiliza muito o Lugar de Janardo.

280 _Zacharias._ Com este nome corre huma ribeira pelo termo da Villa
de Alfandega da Fé sujeita a huma ponte de quatro arcos, e tem seu
nascimento na serra de Sambade, que outros chamaõ de Montemel. Tendo
corrido seis leguas, vay acabar no rio Sabor junto do Lugar dos Picões.

281 _Zezere._ A este rio chama Camões caudaloso, e na verdade o he com
as enchentes de outros, que entraõ nelle. Nasce na serra da Estrella
sobre a Villa de Manteigas pela parte de Levante; e dando volta ao
Poente, recebendo varios rios, e ribeiros, enfadado da jornada se vay
a Sudoeste, e se torna para o Sul receber outros riachos, e dá entrada
ao Nabaõ, que com o ribeiro da Cortiça, e regatos daquelles montes
fertiliza Thomar. Na Aldea da Mata se deixa atravessar com a barca
da Esteveira: e pela famosa ponte do Cabril, que faz a divisaõ dos
termos de Pedrogaõ grande, e pequeno. Vay finalmente acabar em Punhete,
mergulhando-se no Tejo com tanto impeto, que na distancia de mil e
quinhentos passos ainda conserva a mesma cor azul, e sabor doce das
suas aguas, como bem advertem Resende, e outros.


NOTAS DE RODAPÉ:

[221] Monarq. Lusit. tom 1. liv. 4. c. 8. Vasconcel. lib. 5. de Ebor.
Municip.

[222] Strab. apud Resend. lib. 2. de Antiquit. tit. de Flumin. Duart.
Nun. Descripç. de Port. cap. 21.

[223] Cardos. Agiolog. Lusitan. tom. 1. pag. 305.

[224] Fr. Leaõ, Benedictin. Lusitan. tom. 2. p. 15. Monarq. Lusit. liv.
14. cap. 5.

[225] Far. Font. de Aganip. part. 4. Eglog. 4.

[226] Macedo nas Flor. de Hespanh. cap. 2. excel. 2.

[227] Argot. nas Memor. do Arcebispado de Braga tom. 2. pag. 865.

[228] Cardoso Diccion. Geogr. tom. 2. pag. 613.

[229] Fonseca Evor. glor. p. 89. fin.

[230] Corograf. Port. tom. 3. p. 336. Bluteau tom. 1. do Suplem. ao
Vocab. p. 315.

[231] Argot. nas Antiguid. da Chancellar. de Braga pag. 20.

[232] Mem. instr. tom. 1. pag. 204.

[233] Bochart. Geograf. Sacr. liv. 1. cap. 35.

[234] Brit. Monarq. Lusit. liv. 2. cap. 4.

[235] Virgil. liv. 7. Æneid. Silio Italico liv. 1. Lactancio Firmiano
lib. 7. c. 22. de Div. Instit. & alii.

[236] Claudian. liv. 2. de Raptu Proserpinæ p. 218.

[237] Strab. lib. 10. e 14.

[238] Lucio Flor. liv. 2. cap. 17.

[239] Botelh. no 7. do Alfonso est. 31. Reys em a Nota 124. da Epistol.
ad Jametem.

[240] Plinio lib. 33. cap. 7. Vitruvio lib. 7. cap. 9. Strab. lib.
3. Pompon. Mella lib. 3. cap. 1. Bochart. tom. 2. p. 626. Nicol. de
Santa Maria na Chron. dos Coneg. Regrant. liv. 6. cap. 1. Maced. Poema
Olisip. cant. 2. est. 80. Joaõ Salgad. nos Success. Militar. p. 40. D.
Francisc. Xavier da Garma no Theatro de Hespanh. tom. 1. p. 76. Argot.
Mem. de Brag. p. 105. e nas Antiguid. da Chancel. de Brag. p. 32. e
outros, que deixo de allegar.

[241] Cam. Canc. 4.

[242] Mousinh. cant. 3. est. 38. do African.

[243] Veja-se a Monarq. Lusitan. p. 4. liv. 4 cap. 18. Joaõ Salgad.
Success. Milit. p. 106. Corograf. Portug. tom. 2. pag. 2.

[244] Brand. na Monarq. Lusitan. liv. 9. cap. 27.

[245] Fr. Joaõ Fel. na Isagoge pag. 35.

[246] Duart. Nun. Descripç. de Port.

[247] Araujo Success. Milit. liv. 1. cap. 1. Benedictin. Lusit. tom. 2.
p. 109.

[248] Cardos. Agiolog. Lusitan. tom. 3. p. 573.

[249] Costa, Corograf. Portug. tom. 3. p. 260.

[250] Cam. Canç. 12. est. 2.

[251] Benedictin. Lusitan. tom. 2. p. 256.

[252] Joaõ Salgad. Success. Milit. p. 108. Cardos. Agiolog. Lusit. tom.
2. p. 714. Santuar. Marian. tom. 3. p. 172.

[253] Gruter p. 162. n 4. Argot. nas Antig. da Chancel. de Brag. p.
108. e Joaõ de Barr. na Descripç. do Minho.

[254] Brand. na Monarq. Lusit. liv. 8. cap. 25. Benedictin. Lusit. tom.
2. pag. 299.

[255] Catul. Juven. Estaço, Ovid. e outros apud Macedo nas Flor. de
Hespanh. cap. 4. excel. 2.

[256] Vasconcell. Histor. de Santar. part. 1. liv. 2. cap. 23.

[257] Plin. liv. 4. cap. 22. & lib. 33. cap. 3. Mela lib. 3. cap.
1. Ludovic. Nun. Hispan. illustrat. tom. 3 cap. 35. Rodrig. dos
Sant Histor. Hispan. part. 1. cap. 3. Resend. lib. 2. de Antiquit.
Vasconcel. Descr. Lusitan. p. 407. Duart. Nun. Descr. de Portug. p. 33.
Nicoláo de Oliveir. Grand. de Lisb. p. 21. Joaõ Salgad. Success. Milit.
p. 175. D. Francisc. Xavier de Garma no Theatr. de Hesp. tom. 1. p. 68.
e outros muitos.

[258] Far. Font. de Aganip. part. 3. Canç. 5.



                            CAPITULO VIII.

_Das Fontes mais notaveis._


1 Neste Capitulo fazemos só memoria daquelas fontes, que por alguma
particularidade se fazem dignas de admiraçaõ; pois seria intentarmos
hum quasi impossivel querer dar noticia de todas as que circulaõ
por nossas terras, sendo verdadeiramente innumeraveis. Nós em outra
Obra[259] já referimos algumas, e o Doutor Francisco da Fonseca
Henriques em o seu curioso _Aquilegio_ faz mençaõ de outras.
Repetiremos outra vez as mais singulares, pois que assim o pede o
assumpto, e a ordem, que seguimos, nomeando primeiramente para mayor
clareza as terras, donde emanaõ, e onde correm.

2 _Abrantes._ Na distancia de quatro leguas desta Villa sobre a ribeira
de Sor ha huma fonte, a que chamaõ da Fedegosa, a qual nascendo em
mineral de enxofre tem qualidades frescas, e sara muitos achaques,
que peccaõ em quentura. E no seu termo junto da Ermida de nossa
Senhora do Tojo ha outra fonte de taõ excellente agua, que a mandaõ
buscar para os doentes beber: e accrescentaõ os moradores huma cousa
(diz a Corografia Portugueza, que para mim he incrivel) e vem a ser:
que havendo algumas differenças sobre quem ha de encher primeiro,
visivelmente se diminue a agua na mesma fonte.[260]

3 _Aguiar de Sousa._ Na Freguezia de S. Mamede de Val-Longo ha no mais
alto da montanha hum poço muy profundo, que de Inverno secca-se, e de
Veraõ tem tanta abundancia de agua frigidissima, que serve naõ só de
regalo à gente, mas tambem aos milhos, que com ella se regaõ.

4 _Alandroal._ A fonte desta Villa he memoravel pela grande copia
de agua, que expulsa, a qual dizem que se lhe communica de hum rio
subterraneo. Formou aqui a natureza huma larga concavidade, a que os
moradores chamaõ _Algar_, em cujo fundo se acha hum poço com bocal
feito ao picaõ, e delle sahe huma levada de agua muito grande.[261]
Nesta mesma Villa, na estrada, que vay para Terena, ha outra fonte, que
naõ corre de Inverno, senaõ no Estio.[262]

5 _Alcacer do Sal._ Na herdade das Praxanas, distante duas grandes
leguas da Villa, existe huma fonte, cuja agua he buscada de muitas
leguas para remedio contra o mal da pedra; e tem as mesmas virtudes da
que ha na Villa de Almada.

6 _Alcanede._ No termo desta Villa, e no Lugar dos Amiaes debaixo
corre huma fonte, que bebendo da sua agua qualquer pessoa, que tiver
sanguisugas na garganta, immediatamente lhas faz expellir, e se
comprova com muitas experiencias.

7 _Aljustrel._ Em distancia de meya legua desta Villa, chegado à Ermida
de S. Joaõ do Deserto, ha huma fonte de agua taõ azeda, que ninguem
a bebe, nem ainda os animaes; porém tomada como medicina, serve de
excellente vomitorio, e boa para lançar fóra sezões.

8 _Almada._ Nesta Villa ha huma fonte, cuja agua tem conhecida virtude
para os achaques de pedra, e areas.[263]

9 _Amarante_. No campo chamado da Feitoria, que fica defronte do
Convento de S. Gonçalo desta Villa, brota huma Fonte abundantes aguas,
que tambem tem notoria analogia, e semelhante virtude à de Almada.

10 _Ançaõ._ Nesta Villa se acha huma fonte, que lança de Veraõ agua
frigidissima, e pelo Inverno tepida. Tambem por experiencia se tem
observado, que a sua agua bebida facilita os partos, e preserva dos
achaques de pedra, e outras enfermidades.

11 _Armamar._ Huma fonte ha no termo desta Villa, que tem virtude as
suas aguas para varias enfermidades. No sitio, onde nasce, ha muitas
pedrinhas quadradas semelhantes àquellas, que vem da India, e se
attribue, que a virtude, que tem a agua, será communicada das pedras.

12 _Batalha._ Perto desta Villa ha huma fonte no Lugar das Brancas,
cuja agua com facilidade, e em breve tempo se transmuta em sal.

13 _Besteiros._ Fica este Lugar no termo da Villa de Anciães, e aqui
existe huma fonte de agua taõ delgada, que com ella naõ se póde
fabricar azeite.

14 _Braga._ Em distancia de hum quarto de legua desta Cidade, na quinta
dos Religiosos de Santo Agostinho corre de huma fonte agua taõ fria,
que no tempo mais ardente do Veraõ mal se póde aturar a maõ dentro
della nem ainda em quanto se reza huma Ave Maria; e em poucos minutos
reduz a vinagre hum frasco de vinho, se o meterem dentro della.

15 _Bragança._ Além de outras fontes, que ha nesta Cidade notaveis, ha
huma na quinta de Val de flores, que a sua agua he efficacissima para
facilitar a digestaõ, e abrir a vontade de comer.

16 _Cadima._ Ha aqui neste Lugar, que fica em distancia de Tentugal
duas leguas, a celebre fonte chamada _Fervença_, de que fallaõ muitos
Authores,[264] a qual sorve quanto lhe deitaõ dentro da voragem, que
sempre está em continua fervura. A causa deste fenomeno he, porque
alli ha alguma occulta cataracta, ou precipicio, como bem explica o
doutissimo Feijó.[265] Tambem na Freguezia de S. Mamede, termo de
Alcacer do Sal, donde dista quatro leguas, está da parte do Poente
hum grande olho de agua, que corre para o rio Sado, o qual sorve tudo
quanto lhe lançaõ dentro: chamaõ-lhe a _Anceira_.

17 _Caldezes._ Fica este Lugar no Concelho da Povoa de Lanhoso, e tem
huma fonte chamada do _Tojal_ da qual sahem misturadas com a agua
muitas pedras quadradas, como já dissemos das de Armamar, e que tem a
mesma virtude alexifarmaca.

18 _Cano._ Junto desta Villa ha huma fonte, a que chamaõ dos _Olhos_,
porque em seu nascimento está sempre a agua fervendo, e tem a
particularidade de converter sua agua facilmente em pedra as cousas,
que lhe lançaõ dentro.

19 _Castello de Vide._ Entre a grande quantidade de fontes, que
regaõ esta Villa, pois passaõ de trezentas, ha especialmente huma no
arrebalde, que chamaõ da _Mealhada_, com a excellente virtude de livrar
de dores nefriticas aos que costumaõ beber da sua agua: e no termo da
Villa de Oiteiro ha outra, que dizem ter a propriedade, e natureza do
vinho.

20 _Coimbra._ Perto desta Cidade, e no meyo da estrada poucas leguas
antes de chegar a ella, está a celebre fonte de _Alcabedeque_ huma das
mais copiosas, que ha no Reino, cujo nome lhe deraõ os Mouros pela sua
virtude, pois Alcabedeque na lingua Arabe quer dizer _Agua de Deos_.
Elles que lhe sabiaõ o prestimo mais do que nós, a estimavaõ tanto, que
fizeraõ junto della hum forte para a guardar. Veja-se a _Corografia
Portugueza no tom. 2. pag. 34._

21 _Covilhã._ Na cerca dos Religiosos de S. Francisco desta Villa está
huma fonte de agua frigidissima; e já tem acontecido algumas vezes
acharem convertido em vinagre o vinho, que mandavaõ aqui resfriar.

22 _Envendros._ Existe huma fonte no sitio do Alpalhaõ, termo desta
Villa, cuja agua bebida no lugar em que brota, he ingrata ao gosto,
mas estando em casa, se faz de bom sabor. Attribuem os moradores, que
a causa de se viver aqui muito, e com saude, procede da boa qualidade
desta agua.

23 _Ervedal._ Quasi chegado à estrada, que vay do Ervedal para
Benavilla, termo de Aviz, corre huma fonte, que no mez de Outubro
secca, e vindo Março torna a correr, e dura todo o Estio, por mais
ardente que seja. Reduz tambem a pedra quanto lhe deitaõ dentro.[266]

24 _Estremoz._ A fonte da Lagoa, que ha na herdade dos Alens no termo
desta Villa, tem a mesma analogia que a antecedente, pois secca-se de
Inverno, e corre de Veraõ.

25 _Ferreirim._ Huma legua distante de Lamego, na cerca do Convento de
Santo Antonio de Ferreirim, ha huma fonte de agua taõ fria, que tambem
converte promptamente o vinho em vinagre.

26 _Freixeda._ Este Lugar, que fica no termo de Miranda, comprehende
com admiraçaõ huma fonte de agua muito fria, e taõ corrosiva, que
consome no espaço de meya hora a carne, que se lhe lança dentro,
deixando os ossos esburgados.

27 _Grandola._ Da serra dos Algarves, que dista huma legua desta Villa,
manaõ dous olhos de agua com duas propriedades bem contrarias, sendo
irmãs no nascimento; porque as que sahem para a parte do Sul, saõ
excellentes, e as que correm para o Norte, naõ ha quem as possa beber,
e por isso lhe chamaõ agua azeda. De outro olho de agua, que sahe com
mayor abundancia, se tem observado, que toda a terra, que banha a sua
corrente, fica infrutifera, deixando tambem hum fortissimo gelo, por
onde passa.

28 _Guarda._ Por baixo da Cruz da Faya nos limites desta Cidade emana
huma fonte de agua fria com qualidades taõ nocivas, que passaõ a
mortiferas.

29 _Guardaõ._ Fertilissimo he este Concelho de aguas admiraveis: tal
he a fonte da Pipa junte da Povoa da Longera, a do Lugar das Paredes,
a fonte das Amexieiras, a chamada das Donas, e outras de singular
qualidade, que refere a Corografia Portugueza.[267]

30 _Guimarães._ Afastado da Villa para o Sul fica a milagrosa fonte
de S. Gualter, cuja virtude para varias enfermidades faz attrahir
muita gente, que ou bebendo, ou lavando-se em sua agua, experimentaõ
conhecida melhoria.

31 _Marmellos._ He este hum Lugar, que fica no termo da Villa de Lamas
de Orelhaõ, onde existe huma fonte de igual virtude curativa de varias
enfermidades, que a experiencia tem mostrado infallivel.

32 _Massouco._ Junto da Igreja Matriz deste Lugar, que he do termo
da Villa de Freixo de Espadacinta, ha huma fonte, a que chamaõ do
_Xido_, a qual principia a correr do mez de Março por diante: e tem os
moradores feito observaçaõ, que se o anno ha de ser fertil, expulsa muy
pouca agua; e quando ha de ser esteril, brota com abundancia; e desta
fórma vem a ser hum quasi reportorio para as gentes daquelles contornos.

33 _Monchique._ Com a mesma propriedade ha outra fonte neste Lugar,
que fica no Algarve, a qual em Dezembro totalmente se secca. De igual
singularidade se admira outra em Monforte, meya legua distante da
Villa, a qual se secca no mez de Setembro, e em Mayo torna a rebentar
com grande torrente. Em Monsanto tambem corre outra com as mesmas
circunstancias do tempo.

34 _Olmos._ A fonte chamada do _Gogo_, que fica no termo desta Villa,
lança agua de fórma, que faz fio como clara de ovo, e affirma-se ter
virtudes medicinaes.

35 _Ouguella._ Bebem os moradores desta Villa a agua de huma fonte,
que dizem naõ cria cousa viva dentro em si, senaõ sómente rãs. Saõ
presentaneas para matar sanguisugas, e lombrigas. Se por acaso, ou
inadvertencia poem a cozer legumes com esta agua, he escusado gastar
tempo, porque nunca os coze.

36 _Santarem._ Nos limites desta Villa, e no Lugar de Rio-Mayor ha hum
olho de agua salgada seis leguas distante do mar.

37 _Sardoal._ Aqui ha a fonte de Penha, que tem a circunstancia de
naõ correr, senaõ tambem de Veraõ, e seccarse pelo Inverno. Tal he a
providencia de Deos.

38 _Serra da Estrella._ Emana do sitio chamado Valderosim huma fonte
de agua taõ fria, que em pouco espaço de tempo transmuta em vinagre o
vinho, quando o querem resfriar.

39 _Setubal._ Tem a praça desta Villa huma formosa fonte, cuja agua he
petrificante; por isso o seu aqueducto he aberto, para se desintupir
desembaraçadamente.

40 _Thomar._ Em a Freguezia dos Formiguaes, que he do termo desta
insigne Villa, e no Lugar da Quebrada rebenta de Inverno huma fonte com
alguns olhos de agua, pelos quaes sahem alguns ouriços de castanha, naõ
havendo dalli a tres leguas castanheiros.

41 _Valverde._ Só em dia de S. Joaõ Bautista lança agua huma fonte
chamada por este motivo _Santa_, que existe neste Lugar do termo da
Villa da Alfandega da Fé.

42 _Vinhaes._ Affirma-se que a melhor agua, que ha na Provincia de
Tras os Montes, he a que existe no rocio desta Villa em huma fonte
admiravel. Por mais que se beba della, nunca offende o estomago, e
facilita muito a exclusaõ de areas, e pedra. No Lugar dos Casares,
termo da dita Villa, ha outra fonte de agua taõ fria, que metendo-lhe
dentro hum quarto de carneiro, o come todo sem lhe deixar mais que os
ossos; e naõ faz damno aos moradores que della bebem.

43 _Urros._ Chamaõ à fonte, que ha nesta Abbadia da Comarca da Villa de
Moncorvo, a fonte Santa, porque dizem que Santo Apollinario a fizera
rebentar neste sitio; e muita gente se aproveita de suas aguas para
algumas molestias, usando dellas com fé: mas naõ consiste aqui só a
maravilha, porque estando huma legua distante do Douro, se communica de
sorte com elle, que tambem se altera, quando elle se ensoberbece.

44 Com estas, e outras innumeraveis fontes enriqueceo a Providencia
divina este nosso terreno, encontrando-se pelas Provincias do Reino
aguas nativas de exquisitas propriedades, que se a alguns dos Leitores,
ou estranhos, ou forasteiros, fizerem duvida, offerecemos a fé, e
credito dos mesmos naturaes, que o affirmaõ, quando a verdade desta
sincera narraçaõ naõ baste; pois o nosso objecto por agora naõ attende
a sondar, nem a averiguar os occultos arcanos da natureza, como
cousa impropria ao intento Geografico. O Doutor Francisco da Fonseca
Henriques escreveo deste assumpto hum livro, que intitulou _Aquilegio
Medicinal_, a que os curiosos podem recorrer.


NOTAS DE RODAPÉ:

[259] Recreaçaõ Proveitosa part. 1. p. 309. & seq.

[260] Corograf. Portug. tom. 3. p. 190.

[261] Novaes na Relaçaõ dos Bisp. de Elv.

[262] Fonseca, Aquileg. p. 194.

[263] Duart. Nun. Descripç. de Port. pag. 31. Vasconcell. ib. pag. 4O4.

[264] Monarq. Lusitan. tom. 1. liv 2. cap. 5. Resend. lib. 2. de
Antiquit. Duart. Nun. Descripç. de Portug. pag. 30. Costa, Corograf.
Portug. tom. 2. pag. 85. Caram. no seu Philipp. Prud. Proem. §. 1. num.
3. Plinio lib. 2. cap. 103.

[265] Feijó, Theatr. Critic. tom. 9. pag. 43.

[266] Leit. nas Miscelan. pag. 347.

[267] Corograf. Portug. tom. 2. pag. 192.



                             CAPITULO IX.

_Das Caldas._


1 Da abundancia das aguas saudaveis procede o beneficio dos banhos,
ou Caldas, de que o Reino tambem goza, de cujo assumpto, supposto
escreveraõ alguns dos nossos,[268] daremos informaçaõ das mais
especiaes, por naõ defraudarmos deste apontamento o nosso Mappa.

2 _Alcafache._ Huma legua de Viseu, e no termo de Azurara nascem de
huma fonte, que está chegada ao rio Daõ, aguas sulfureas, que fazem o
mesmo effeito com sua virtude medicinal, como as de S. Pedro do Sul,
ainda transferidas para outras partes distantes.

3 _Alvor._ Afastado quatro leguas desta Villa no Lugar de Monchique
estaõ huns banhos medicinaes, onde se foy curar ElRey D. Joaõ II. de
huma hydropezia.

4 _Anciães_. Junto ao Lugar do Pombal, termo da Villa de Anciães, ha
humas Caldas, que nascem de huma fonte em serra aspera, e as suas
aguas saõ sulfureas, que tomadas em banhos servem para debilidades
de nervos, estupores, vertigens, e outros achaques desta classe: ha
occasiões, em que a experiencia tem mostrado bastar ao doente hum só
banho para sarar de todo.

5 _Aregos._ No Concelho de Aregos, Comarca de Lamego, ha muitas Caldas
da mesma natureza que as referidas.

6 _Cascaes._ As Caldas desta Villa estaõ na quinta do Estoril junto ao
Convento dos Religiosos de Santo Antonio: nascem de tres olhos de agua,
e servem para paralyzias, rheumatismos, convulsões, e para todas as
queixas espurias, e de calor.

7 _Chaves._ Para achaques frios de nervos saõ estas as melhores Caldas
do Reino. Nascem entre a muralha da Praça, e o rio Tamega: procedem
de mineraes de enxofre, caparrosa, salitre, e pedra hume. Os Romanos
usavaõ muito dellas para as suas molestias.

8 _Covilhã._ No termo desta Villa, e no Lugar chamado Unhães da serra
ha Caldas procedidas de huma fonte de agua sulfurea, presentanea para
achaques frios de juntas, e nervos.

9 _Evendros._ Debaixo de hum penedo nesta Villa brota hum chorro de
agua mais que tepida, a qual tomada em banhos tem grande virtude para
achaques frios, e cutaneos.

10 _Favayos._ Estaõ no termo desta Villa humas Caldas, que nascem
de mineraes de enxofre, e usaõ os naturaes dellas para quaesquer
molestias, que padecem, porque para todas encontraõ virtude naquellas
aguas.

11 _Gerez._ Nesta serra ha algumas aguas calidas, e sulfureas, que tem
prestimo para achaques frios de nervos.

12 _Guimarães._ Estaõ estas Caldas na Freguezia de S. Miguel, distante
huma legua da Villa, e se compoem das aguas calidas, que nascem de
huma fonte por sete olhos: applicaõ-se a achaques frios.

13 _Lagiosa._ No areal do rio Daõ, que corre por esta Freguezia duas
leguas afastada de Viseu, se acha em qualquer parte delle agua tepida,
e sulfurea, tomando muita gente os banhos na abertura de covas, que
costumaõ abrir na mesma area, e saõ admiraveis para frialdades.

14 _Leiria._ Brotaõ no rocio desta Cidade duas fontes, que parecem numa
só pela uniaõ, e lançaõ dous tornos de agua differentes, porque hum he
frio, outro tepido, e delles se formaõ as Caldas, boas para achaques
frios.

15 _Lisboa._ Entre os chafarizes delRey, e dos Páos estaõ estas
Caldas, chamadas vulgarmente os banhos das Alcaçarias: saõ estas aguas
admiraveis para intemperanças quentes das entranhas, e mais partes
do corpo. A continuaçaõ dos enfermos, que a ellas concorrem sempre,
acreditaõ muito o seu prestimo.

16 _Longroiva_, e _Monçaõ_. Participaõ estas Villas de suas Caldas
admiraveis para enfermidades frias, e para convulsões, estupores,
paralyzias, e vertigens.

17 _Obidos._ Chamaõ-se os banhos, que ha junto desta Villa, Caldas da
Rainha, porque a Rainha Dona Leonor, mulher delRey D. Joaõ II. mandou
fazer alli Hospital para os enfermos se curarem. Vem as suas aguas
por mineraes de enxofre, e salitre, infundindo-lhe tal virtude para
differentes achaques, como a experiencia frequentadissima o publica.
ElRey D. Joaõ V. tomou aqui banhos em Agosto de 1742 com a assistencia
de toda a Corte, e continuou nos dous annos seguintes para remedio do
ataque da paralyzia, que lhe debilitou a parte esquerda. Vendo porém o
quanto estava destruido o edificio, o mandou reedificar desde o anno de
1747 com toda a magnificencia, e commodidade para os doentes, que alli
vaõ curarse naquelle verdadeiramente Regio Hospital. Diogo Patulhet,
Francez, Sargento mór da Artelharia, mas muito curioso, e de grandes
experiencias Medicas, compoz no anno de 1752 hum excellente livro de
observações destas Caldas, a cujas aguas justamente intitula divinas, e
os seus banhos prodigiosa Piscina.

18 _S. Pedro do Sul._ Tambem estas Caldas saõ famosas. Ficaõ tres
leguas distantes de Viseu, e se compoem de aguas sulfureas, e nitrosas,
e taõ calidas, que metendo-se no lugar, onde nascem, qualquer animal,
logo o pellaõ. Servem para estupores, paralyzias, e outros achaques.
ElRey D. Affonso Henriques tomou aqui banhos, e delles ha huma
Descripçaõ impressa em livro de quarto muito boa, e erudita.

19 _Pena-garcia._ Na Comarca de Castellobranco, e na raiz da serra de
Pena-garcia se admiraõ varias fontes de agua tepida com a prodigiosa
virtude de sarar varias enfermidades, ou bebida, ou applicada em banhos.

20 _Penaguiaõ._ Neste Concelho ha duas Caldas sulfureas, que remedeaõ
achaques frios de nervos.

21 _Ponte de Cavez._ Ao pé desta ponte ha hum nascimento de agua com a
mesma virtude, que as que nascem de mineraes sulfureos.

22 _Nossa Senhora do Pranto._ No termo da Villa de Montemór o velho, e
no Lugar da Azenha ha as Caldas de Nossa Senhora do Pranto, cujas aguas
saõ salitrosas, e sulfureas, e com a mesma virtude analoga, que já
temos referido.

23 _Ribeira do Boy._ Estas Caldas estaõ no termo da Villa de Touro,
Comarca de Castellobranco: compoem-se de aguas sulfureas, onde se tem
descuberto remedio para estupores, e debilidades de nervos.

24 _Villar da Veiga._ Na Freguezia de Santa Anna, que está neste Lugar
situado no monte Gerez, ha pouco tempo se descubriraõ estas Caldas, que
dizem saõ as melhores do Reino. Veja-se ao Reverendo Padre Argote.[269]


NOTAS DE RODAPÉ:

[268] Jacob de Castr. Histor. Medic. Fonsec. Aquileg. Medicin. Curv. na
Polyanth. &c. Vasconcel. Descript. Lusit. p. 402. Duart. Nun. cap. 12.



                              CAPITULO X.

_Da Fertilidade do Reino em commum._


1 Quando fallámos de cada Provincia em particular, dissemos a benigna
qualidade do sitio, e clima favoravel, que pertencia a cada huma; e
pelo que vimos, naõ ha em Portugal palmo de terra, que seja esteril
em quasi todo genero de frutos. Os Authores antigos naõ só lhe daõ o
titulo de Paiz pingue, senaõ do mais delicioso do mundo;[270] e porque
esta verdade necessita de mais individual expressaõ para inteirar
o conceito dos estranhos, comecemos pelos mantimentos, e pelo mais
preciso.

2 _Trigo._ Todos os nossos Escritores affirmaõ,[271] que em outro tempo
houve mais trigo no Reino, que no tempo de agora; e já Luiz Nunes na
sua Lusitania,[272] comparando sómente Santarem com Sicilia, naõ quiz
que esta Villa cedesse àquelle Reino na secundidade deste producto.
Esta abundancia naõ só de Santarem, mas de outras muitas terras nossas
puderaõ os naturaes experimentalla da mesma sorte presentemente, se naõ
houvera tanta extracçaõ de farinhas para as Conquistas, e houvera mais
applicaçaõ para a agricultura. Tambem este ponto he muy lamentado pelos
zelosos da patria.[273]

3 A verdade he, que temos muitas terras baldias, que se quizeramos
aproveitarnos dellas, cultivando-as, daria-mos trigo a todo o mundo. No
Reino do Algarve ha grandes valles, e fertilissimos, porém devolutos.
No Alentejo ha charnecas, que nunca viraõ arado, nem enxada, e por
causa da ociosidade se achaõ infrutiferas, que de si o naõ saõ; e neste
sentido se deve entender o Padre Mariana, que chama a esta Provincia
esteril.[274] Na mesma Provincia, e no sitio das Vendas Novas, que he
terreno de area solta, e até aqui tida por infrutifera, desde que ElRey
D. Joaõ V. mandou fabricar alli hum grande Palacio no anno de 1728, se
principiou a plantar vinhas, pomares, e hortas muito boas, de que se
colhe grande renda.

4 Certos Authores[275] dizem, que se abrirem o lamaraõ de Sacavem até
Alverca com vallos por dentro, e fizerem diques pela parte do rio,
dará paõ para meya Lisboa, e linho canamo para enxarcias, e amarras. O
mesmo se poderá fazer em outras muitas partes do Reino, onde se achaõ
lamarões, sapaes, e terras alagadiças, tomando o exemplo dos Romanos,
Venezianos, e Senhores de Ferrara, os quaes, como diz Botero,[276]
assim o executaraõ com as lagoas Pontinas, campos de Polesene, e valles
de Comachio em grande proveito de seus vassallos, e interesse dos
direitos Reaes. Deste projecto se aproveitou em outro tempo ElRey D.
Sancho I. que se honrou muito de ser chamado o _Lavrador_,[277] e o
mesmo cuidado teve ElRey D. Joaõ II.

5 Sem embargo de toda esta negligencia, ou ociosidade, que naõ he
defeito das terras, mas dos homens, se naõ houvera tanta gente
superflua estrangeira, que habita em nosso Reino, e a grandeza de
herdades particulares, teria elle para os naturaes paõ superabundante,
e do melhor da Europa, principalmente do Alentejo, e termo de Lisboa,
onde vemos ainda assim as melhores tercenas, ou celeiros de toda a
Europa com a provisaõ deste genero de alimento. Nas outras Provincias,
onde naõ ha tanta abundancia de trigo, suppre o milho, a castanha, a
cevada, e o centeyo, de que fazem farinha, e se sustentaõ.

6 _Azeite._ He tanta a abundancia de azeite, que escusamos repetir o
que neste particular affirmaõ nossos Escritores,[278] principalmente
da fertilidade, e bondade, que ha deste genero em Santarem, Abrantes,
Thomar, Torres-Novas, Montemór o Novo, Coimbra, Evora, Moura, Elvas,
Béja, Beringel, termo de Lisboa, e na Torre de Moncorvo, onde só o
dizimo importa mais de seiscentos almudes, gastando-se na fabrica do
sabaõ dous mil cantaros, e provendo-se Galiza, e outras terras de
Castella do muito, que daqui levaõ.

7 _Vinho._ Deste producto soccorre o nosso Reino a muitos dos
estranhos, principalmente das partes Septentrionaes, porque aos
Portuguezes lhes he impossivel dar consumo à grande copia de vinhos,
que todos os annos recolhem das Provincias, sendo os mais gabados
os de Alvor, Béja, Villa de Frades, Vidigueira, Cuba, Peramanca,
Alcochete, Almada, Caparica, Carcavelos, Camarate, Oeiras, Ourem,
Lamego, Monçaõ, deixando os da Beira, e Tras os Montes taõ excellentes,
que os naõ tem melhores todo o mundo, sendo todos estes ordinariamente
bem incorporados, e com especialidade os tintos, que tem força para
lotar os outros. Os Francezes, e Inglezes gostaõ muito dos vinhos
extrahidos do Lugar chamado Barra a barra, que fica da outra banda de
Lisboa; porque dizem, que saõ mais delicados, e menos cubertos,[279]
e por isso conduzem muitos de Alhos vedros, e outras terras para as
suas; naõ deixando de se admirar de que nós naõ estimemos o licor de
Baco, tanto como elles, e que as fontes sejaõ ordinariamente as que
nos mataõ a sede, e naõ as vides. Os peyores vinhos do Reino saõ os
do Minho, chamados verdes,[280] porque duraõ pouco; e ou pela sua
aspereza lhe chamaõ de enforcado, (ou talvez porque lançaõ as vides, e
cachos pendurados nas arvores,) donde veyo a dizer o sentencioso Sá de
Miranda, alludindo ao dito de Cineas:[281]

  _Depois nos Olmos mostrado,
  Nunca vi, disse, enforcado,
  Que a forca, assim merecesse._

8 _Carnes._ Da grande copia em todo o genero de gados, que ha no Reino,
ninguem duvída. O grande consumo, que se faz delles no provimento de
armadas, e frotas, e a consideravel extracçaõ de lãs para o negocio do
Norte, e Inglaterra, bastava para prova desta opulencia, se já o naõ
tiveramos mostrado só na fecundidade da Provincia do Minho. No que se
deve reparar he no sabor, e mimo das _Vacas_, e _Vitellas_ da Beira:
_Carneiros_, _Cordeiros_, e _Leitões_ do Alentejo: _Cabritos_ da serra
de Cintra, e Caldeiraõ, sem omittir a preciosa provisaõ do _Leite_,
_Natas_, _Manteigas_ e _Queijos_ muito melhores que os Flamengos, e
Parmazanos: nem nos esquecermos dos excellentes _Presuntos_ da Beira, e
_Chacina_ do Alentejo.

9 E que diremos da montaria, e caça Real? Sem encarecimento Castella
naõ a tem melhor. Admiraveis saõ as _Corças_, e _Cervos_ da serra
do Algarve: os _Veados_ das serras de Mertola, Portel, Almeirim,
Arrabida, Cintra, e tapada de Villa Viçosa: _Javalis_ da Tapada,
Pinheiro, serras de Portel, Vascaõ, Grandola, e Alcacer: _Lebres_,
e _Coelhos_ das Berlengas, Alcantara, e Nossa Senhora do Cabo, pelo
especial gosto, que lhe causa o pasto do perrexil.

10 _Aves._ Deixando a grande creaçaõ das domesticas, que em grandes
ninhadas, e bandos vemos por todo o Reino em abundancia, _Galinhas_,
_Patos_, _Pombos_, e _Perús_, naõ ha cousa como os _Perdigotos_,
e _Perdizes_ do termo de Lisboa, das serras de Cintra, Beira, e
Caldeiraõ: _Tordos_ de Thomar, e do Alentejo, _Taralhões_ de Cezimbra,
_Rolas_ de Alcacer, _Adens_, e _Galeirões_ dos Paús de Palma, Obidos,
e Benavente, com outros varios bandos de passaros de arribaçaõ, que
com o cibato das nossas terras se fazem muito mais saborosos que os
_Hortolanos_ de Pariz. Aqui se póde aggregar a quantidade grande de
canoras, e vistosas aves, os _Rouxinoes_, _Pintasilgos_, _Chamarizes_,
_Codornizes_, _Cochichos_, _Lavercos_, _Verdelhões_, _Tentilhões_,
_Melros_, _Pintarroxos_, _Tutinegras_, e outros mil suaves passarinhos,
que pelos bosques, e ramos dos alemos, choupos, freixos, loureiros,
e outros arvoredos espessos divertem os olhos, e os ouvidos com
excellente musica natural em distinctos córos.

11 E ainda que as terras saõ differentes em arvores, e frutos, os de
Portugal saõ tantos, e taõ bons, que se produzem nelle todos os que
nas outras partes saõ estimados; porque de frutas de espinho tem por
toda a parte admiraveis _Laranjas da China_, _doces_, e _bicaes_, a que
os estrangeiros chamaõ frutas propriamente de Portugal: prodigiosas
_Limas_ da serra d’Ossa, _Limões_ em Colares, Cintra, Peninha, Loures,
Póvos, Azeitaõ, Setubal, Couto do Bouro, Condeixa, Borba, Santiago de
Cacem; e as admiraveis _Cidras_ do Landroal.

12 Das frutas de pevide tem especial estimaçaõ as _Camoezas_ de Thomar,
Alcobaça, Torres, Lourinhã, Montemór o Novo: saborosissimas _Peras_ de
muitas castas, e nomes: _De Rey_, _de Conde_, _Bergamotas_, _Bojardas_,
_Cornicabras_, _Carvalhaes_, _Conforto_, _Flamengas_, _Gervasias_,
_Codornos_, _de Rio frio_, _Engonxo_, _de S. Bento_, _de Bom Christaõ_,
_Virgulosas_, e _Lambe-lhe os dedos_, com as formosas, e appetitosas
_Maçãs de Abrantes_, _Baunezas_, _Leirioas_, _Melapios_, _Repinaldos_,
_Verdeaes_, e até _Rainetas de França_ na Villa de Mafra, com outras
muitas, que em dilatados, e frescos pomares daõ que invejar a Reinos
estranhos, pois só na Villa de Montemór o Novo ha quatrocentos pomares
de regadio muy deliciosos.

13 Antecipaõ-se a estes deliciosos productos aquellas frutas de caroço,
que lograõ universal estimaçaõ por primeiras, e por gostosas: taes
saõ as _Cerejas_ de Palayos, Busselas, e Pampilhosa, e as chamadas de
_Saco_ da Lousã, Coimbra, Leiria, e Portalegre: as _Ginjas garrafaes_
de Lamego, Borba, e Alenquer: as _Frutas novas_, e _Ameixas reinoes_
de Montemór o Novo, com as _Brancas_, _Saragoçanas_, e _Abrunhos_ de
Cintra, Collares, Azeitaõ, e Cezimbra: os gentis _Figos lampos_, e
_Perinhas de cheiro_ do termo de Lisboa, e Setubal, com os graciosos
_Damascos_, _Alperches_, e _Pessegos_ de tantas castas em Abrantes,
Aviz, Azeitaõ, e Villa-Franca, sem nos esquecermos das mimosas
_Amoras_, e _Morangos_, e das bellas _Uvas moscateis de Jesus_,
_Tamaras_, _Ferraes_, _Diagalves_, e _Malvazias_ de Punhete: do chamado
singular _Bastardo_ de Cassilhas, Barreiro, e Almada, com os seus
excellentes, e incomparaveis _Figos brancos_: dos selectos _Melões_
da Vellariça, Chamusca, Arrayolos, Benavente, e Muxagata: das doces,
e vermelhas _Melancias_ de Patayas junto da Nazareth, de Coruche, e
Chamusca: das _Romãs_, _Marmellos_, e _Gamboas_ de Santarem, com a
quantidade sem numero de _Castanhas verdes_, e _piladas_ da Beira, e
Minho: de _Amendoas_, _Passas_, _Figos_, e _Alfarrobas_ do Algarve,
principalmente de Estoy: _Nozes_, _Sorvas_, _Nesperas_, e _Avelãs_
da Estremadura: _Bolotas_, _Azeitonas_, e _Pinhões_ do Alentejo, sem
fazermos caso dos _Medronhos_, _Murtinhos_, _Camarinhas_, e _Amoras de
silva_, que a natureza como frutos agrestes produz nos matos, e nas
charnecas: a que se podem ajuntar as chamadas _Tuberas da terra_, de
que a Béja se vaõ vender aos alqueires, e saõ especial prato, ou feitas
à semelhança de Coelho, ou à imitaçaõ de favas.

14 Seguia-se lembrarmo-nos das hortaliças, que naõ tem que invejar
as nossas cousa alguma às de Italia, ou França; pois em parte alguma
haverá _Couves_ taõ grandes, e _Nabos_ taõ monstruosos, que se possaõ
igualar com as da Beira, especialmente as _Murcianas_ de Azeitaõ, e
Setubal: _Repolhos_ da Villa do Conde: _Cardos_ das hortas de Béja, e
Baleizaõ, e toda a hortaliça de Santarem: e muito menos com a riqueza,
regalo, e recreaçaõ das muitas quintas, e hortas, tendo só Lisboa em
si, e seu termo mais de sete mil; porém toda esta especie naõ cabe
na memoria por infinita, e da mesma sorte a copiosa fertilidade de
legumes de todo o Riba-Tejo, raizes, arbustos, e hervas comestiveis, e
aromaticas. Só com as medicinaes pudera Portugal supprir os balsamos,
as massas, e especiarias da India, se os Portuguezes foraõ mais
curiosos em se dar à intelligencia da Botânica, ou virtude das hervas,
e plantas, sendo certo, como confessaõ os estrangeiros,[282] naõ haver
terreno mais bastecido, e fertil de hervas medicinaes, que Portugal,
ainda no mais escabroso das suas serras.

15 Assim vemos que por ellas cria a natureza prodigamente sem a
diligencia da cultura o _Alecrim_, a _Arruda_, o _Aypo_, a _Argentina_,
a _Alfavaca de cobra_, os _Almeirões_, os _Agrões_, a _Agrimonia_,
a _Artemija_, a _Avenca_, as _Azedas_, a _Bisnaga_, a _Borragem_,
o _Cardo santo_, a _Carqueja_, a _Celidonia_, a _Centaurea_, a
_Congossa_, a _Douradinha_, a _Dormideira_, o _Endro_, o _Ensayaõ_,
a _Erva cidreira_, a _Erva doce_, a _Escabiosa_, a _Escorcioneira_,
a _Eufrazia_, o _Funcho_, a _Filipendola_, o _Gilbarbeiro_ a
_Hepatica_, a _Hera_, o _Hyssopo_, o _Jaro_, a _Labaça_, o _Lirio_, a
_Lingua de Vaca_, a _Losna_, a _Macela_, a _Malva_, o _Malvaisco_, a
_Mangerona_, o _Mastruço_, o _Marroyo_, o _Meimendro_, o _Millefolio_,
a _Moleirinha_, a _Murta_, o _Nardo celtico_, a _Neveda_, o _Oregaõ_,
a _Ortelã_, as _Papoilas_, a _Peonia_, a _Pimpinella_, os _Poejos_,
a _Rabaça_, o _Rosmaninho_, a _Salgadeira_, a _Salsa_, o _Saramago_,
a _Segurelha_, a _Sanguinaria_, a _Semprenoiva_, a _Serpentina_, a
_Solda_, a _Tamargueira_, a _Tanchagem_, o _Tomilho_, o _Trevo_, o
_Trovisco_, a _Valeriana_, o _Verbasco_, a _Versa_, a _Veronica_, a
_Viola_, e outras de experimentada virtude, e prestimo,[283] de que
tambem os multiplicados enxames de abelhas se aproveitaõ para a fabrica
do mel nos excellentes colmeares, principalmente nas serras de Serpa,
Portel, termo de Palmella, e toda a Provincia de Tras os Montes, que
costuma repartir com os visinhos: naõ sendo menos util a copiosa
colheita do _Linho_, _Grã_, e _Esparto_ das Provincias do Minho,
Beira, Estremadura, e Algarve, de que tanto se aproveitaõ as Nações
estrangeiras.

16 Ainda para recreyo dos sentidos, vista, e olfato se mostra a
natureza taõ provida, e liberal em nossos campos na producçaõ de
infinitas flores, humas brancas, outras encarnadas, outras roxas,
outras amarellas, azuis, e verdes, que naõ ha monte, nem valle,
que no tempo do Veraõ deixe de respirar alegria, e suavidade com
o esmalte, e fragrancia das _Boninas_, _Junquilhos_, _Mosquetas_,
_Lirios_, _Madresilva_, _Legacaõ_, _Azareiro_, _Giesta_, _Murta_,
_Flor de laranja_, e outra muita diversidade, que exhalando agradavel
cheiro, nascem, e se criaõ em qualquer prado, compondo hum continuado
ramalhete; porque a industria da arte nas cercas, e nos jardins tem em
todo o anno constante o Abril, e florecente a Primavera com vistoso
matiz de _Amarantos_, _Ambretas_, _Amores perfeitos_, _Angelicas_,
_Aquilegias_, _Araras_, _Assucenas_, _Artemijas_, _Azareiros_,
_Anemolas_, _Bordões de S. Joseph_, _Botões de ouro_, _Barboletas_,
_Caracoleiros_, _Caxias_, _Cravos_, _Cravinas_, _Disciplinas_,
_Ervilhas de cheiro_, _Esporas_, _Flores pombinhas_, _Flores do
Cabo de boa esperança_, _Flores de Liz_, _Girasoes_, _Goivos_,
_Jasmins_, _Jacintos_, _Junquilhos_, _Lilazes_, _Malmequeres da
sessia_, _Malvas da India_, _Maravilhas_, _Mauritanas_, _Margaritas_,
_Melindres_, _Mogarins_, _Narcisos_, _Noturnos_, _Novelos_, _Orelhas
de Urso_, _Papagayos_, _Papoulas da India_, _Perpetuas_, _Piramides_,
_Primaveras_, _Rainunculos_, _Rosas_, _Saudades_, _Selindres_,
_Suspiros_, _Tulipas_, _Valverdes_, e _Violas_, com as frondosas
latadas de _Caracoes_, _Trepadeiras_, _Chagas_, e _Martyrios_, e o
verde adorno dos crespos, e cheirosos _Mangericões_.

17 Quanto ao _Peixe_, além de o gabar Marineo Siculo,[284] e
Botero,[285] tem Portugal razaõ forçosa para o ter em abundancia, e
muy saboroso, por ser hum Paiz verdadeiramente maritimo, lançado,
e estendido pela costa do Oceano, onde o mar continuamente o está
regalando de differentes peixes, huns mayores, outros menores,
merecendo especial memoria os deliciosos _Salmões_ do Minho: as
gabadas _Azevias_ de Alhandra: os raros _Solhos_, e _Tainhas_ do Sado:
os saboros _Saveis_, e _Lampreas_ do Mondego, e Coa: as _Douradas_,
_Escolares_, e _Atum_ do Algarve: os _Salmonetes_, _Linguados_,
_Redovalhos_, _Bezugos_, e _Sardas_ de Setubal: as admiraveis
_Trutas_, e _Mugens_ da Beira, e Minho: as selectas _Bogas_, _Barbos_,
e _Escalhos_ de Alviella: os _Ruivos_ de S. Joaõ da Foz, e Villa do
Conde: as famosas _Pescadas_, e _Curvinas_ de Cezimbra, Cascaes,
Ericeira, Caminha, e Esposende: os _Congros_, e _Roballos_ de Peniche,
e Buarcos: os _Safios_, _Eirozes_, _Cachuchos_, e _Gorazes_ do Tejo.
E deixando de particularizar outras innumeraveis especies de peixe,
que os rios, ribeiras, e lagoas nos tributaõ com a fecunda pescaria de
_Sardinhas_, e _Carapáos_, e os celebrados _Camarões_ de Villa-Franca,
com os saborosos cardumes de _Ostras_, _Bribigões_, e mais Mariscos
de Aveiro, e Setubal, vimos a concluir, que de tanto genero de
mantimentos, e regalos, com que nos provê benigna a natureza, se vem a
fazer hum todo admiravel contra o que diz Virgilio, que _non omnis fert
omnia tellus_, pois todas as cousas vemos em tanta copia juntas nesta
opulenta Peninsula.


NOTAS DE RODAPÉ:

[269] Argot. nas Antiguid. da Chancel. de Brag. pag. 382.

[270] Strab. lib. 3. Athen. lib. 4. Gymnosoph. Polyb. lib. 38.

[271] Apud Duart. Nun. Descripç. de Port.

[272] _Jactitet se Cereris dono Sicilia, nihil video cur Santareno
præferantur._

[273] Duart. Nun. Descripç. de Portug. cap. 34.

[274] P. Marian. Histor. de Hesp. liv 10. p. 1. cap. 13.

[275] Luiz Mendes de Vasconcel no Sitio de Lisb. O A. dos Serões do
Principe part 1. disc. 6. § 9. Sever. de Far. Notic. de Portug. disc. 1.

[276] Boter. de Ration. Stat. lib. 8.

[277] Nun. na Vid. de Sancho I.

[278] Duart. Nun. Descripçaõ de Portugal cap. 25. Fr. Nicol. de Oliv.
Grand. de Lisb. tract. 1. cap. 4. Maced. nas Flor. de Hespanh. cap. 3.
excel. 4.

[279] Le Baron de Lahontan tom. 3. Voiages de Portug. p. 208.

[280] Far. Europ. Portug. tom. 3. part. 3. cap. 8. n. 2.

[281] Sá de Miranda cart. 2. est. 10.

[282] Mervelleux Memoir. instr. tom. 1. p. 193. e 216. Barlamont no
Elixir do Univ. cap. 4. e 5.

[283] Gabr. Grisley Desengan. da Medicin. Duart. Nun. Descripç. de
Port. Vigier Histor. das Plant.

[284] Marin. Sicul. de Reb. Hispan. lib. 1.

[285] Boter. Relaç. Univ. part. 1. liv. 1. pag. 14.



                             CAPITULO XI.

_Dos Mineraes._


1 A tanta fertilidade, e mimo de especies sensitivas, e vegetaveis,
como temos summariamente mostrado haver neste nosso Reino, quiz Deos
tambem ajuntarlhe as estimaveis riquezas de preciosos mineraes. Os
de ouro, e prata saõ muito antigos em toda a Hespanha, como refere
a Escritura sagrada;[286] e taõ naturaes em o nosso Portugal, como
affirma Plinio,[287] e o confirma Estrabo,[288] rendendo ao Senado de
Roma cada anno dos direitos, que se tiravaõ das minas de Asturias,
Portugal, e Galiza, trinta mil marcos de ouro: sendo este sem duvida
o unico attractivo, e reclamo, que chamou de taõ longe os Frigios,
Fenices, Tyrios, Carthaginezes, e Romanos a fazernos guerra, e
tributarios à sua cubiça.

2 Mas deixando a lembrança das minas antigas, como as de que faz
mençaõ Justino[289] que havia na Provincia do Minho, e as que houve na
Freguezia de S. Mamede de Val-Longo do Concelho de Aguiar de Sousa,
e no Lugar de Villa-Verde, termo de Mirandella,[290] e no termo de
Grandola, e no sitio de Alfarella da Provincia de Tras os Montes, e no
Lugar do Seixo naõ longe de Anciães,[291] e em outras muitas partes do
Reino, esgotadas pela ambiçaõ dos Romanos.

3 He certo que no anno de 1290 concedeo ElRey D. Diniz privilegios
aos que tiravaõ ouro na Adiça, junto à foz do Tejo entre Almada, e
Cezimbra, que era a officina mais antiga, donde se tirava ouro neste
Reino em grande copia. Os mesmos privilegios concederaõ os mais Reys
até ElRey D. Manoel, em cujo tempo com o descubrimento das riquezas da
Asia foraõ diminuindo as extracções das minas de Portugal, como tudo
conta a Monarquia Lusitana.[292]

4 Tambem no anno de 1628 se descubrio no Lugar de Paramio, tres leguas
da Cidade de Bragança, huma mina de prata taõ fina, que de oito arrobas
de pissarra ficavaõ na fundiçaõ seis de prata; e havia tanta quantidade
della, que promettia o Superintendente oito arrobas cada dia livres
para ElRey.[293] Bem sabido he, e celebrado pelos antigos o purissimo
ouro, que se tirava de entre as areas do Tejo,[294] e tambem naõ he
para esquecer o Cetro, que ElRey D. Joaõ III. mandou fazer do ouro
extrahido das mesmas areas, o qual Cetro affirma Duarte Nunes,[295] que
muitas vezes vira nas mãos dos nossos Monarcas em occasiaõ de Cortes, e
que ainda se conserva no Thesouro Regio.

5 Se nós fizermos huma natural reflexaõ acerca do muito, que nossos
primeiros Reys dispendiaõ, já com o sustento de grandes exercitos em
continuas campanhas; já com grossas armadas; já na erecçaõ de Templos,
e Palacios sumptuosos; nos thesouros riquissimos, que deixavaõ a seus
filhos; nas distribuições generosas, e soccorros poderosissimos, com
que ajudavaõ a muitos Principes Catholicos,[296] sem que naquelle
tempo houvesse tanta renda dos direitos Reaes, nem o descubrimento das
riquezas da Asia tivesse ainda contribuido com seus thesouros para
supprir estes gastos, forçosamente devemos inferir, que em Portugal
havia opulentas minas. Este pensamento confirma com bastante erudiçaõ o
Doutor Fr. Serafim de Freitas,[297] dizendo, que antes do descubrimento
da India naõ havia Reino na Europa mais opulento que Portugal: por isso
com elevado episodio, e sabio fundamento introduzio o erudito Botelho
na infancia de Portugal a idade preciosa de ouro,[298] que o singular
Camões no cant. 9. e 10. attribuio ao tempo, e governo do sempre
saudoso Rey D. Manoel.

6 Esta observaçaõ he só por huma natural conjectura; porque he
infallivel haver sempre muitas minas de ouro, e prata por todo
o Reino, como ainda ha na Villa de Borba, Béja, Evora, no termo
de Barcellos, e Thomar, em Tras os Montes, e em outras partes
conhecidas,[299] as quaes naõ se praticaõ hoje por certa razaõ de
Estado, que aponta Plinio[300] nas de Italia, e Duarte Nunes,[301]
e as Memorias instructivas de hum viajor nas de Portugal: ou tambem
porque com o descubrimento das Minas da America no Estado do Brasil
taõ fecundas, e com as mais modernas de diamantes, descubertas no
Serro do Frio, de cujos riquissimos transportes resulta ao Reino taõ
copioso lucro, (pois chega a vinte milhões de cruzados o que nos vem
todos os annos das Minas,) attrahidos desta fertilidade, e opulencia os
Portuguezes, se esqueceraõ do que tinhaõ mais perto.

7 Naõ só enriqueceo a natureza o Reino de ouro, e prata, mas tambem
de pedras preciosas. No monte do Oiteiro, que cerca a Villa de Borba,
achaõ-se finissimas _Turquezas_, as quaes naõ saõ de cor verde, como
disse Duarte Nunes,[302] e por sua informaçaõ Manoel de Faria, e a
Corografia Portugueza,[303] mas sim de cor azul opaco, segundo bem
adverte, e emenda o Padre Bluteau.[304] Na ribeira de Bellas, pouco
distante de Lisboa, e principalmente no Lugar do Suimo, ha muita
quantidade das pedras preciosas chamadas _Jacinthos_, que na cor
arremedaõ muito à flor Bemmequer.[305] No Algarve achaõ-se _Rubís_. Na
serra de Cintra ha minas de _Magnetes_, ou pedras de cevar,[306] de que
os estrangeiros se tem aproveitado mais do que nós. E no rio Cávado
apparecem _Amethystos_, _Jacinthos_ e _Crystaes_ finissimos.

8 Tudo isto he muy conforme com o que dizem Botero, e Gil Gonçalves
de Avila,[307] que em Portugal naõ só ha muitas minas de preciosos
metaes, mas muitas pedras preciosas; donde Fr. Marcos de Guadalaxara
Xivier, tratando da nova França, diz,[308] que naquella terra se achaõ
_Diamantes_ semelhantes aos que ha no Tejo: e isto naõ póde causar
duvida, quando sabemos que na Real Capella de Villa-Viçosa ha huma
Custodia, cuja pedraria, de que está cravejada, foy toda extrahida das
minas de seus contornos.[309]

9 De _Cobre_ se descubrio no anno de 1620 na serra de Grandola huma
mina muito boa. De _Estanho_, e muito fino temos em Amarante, Bouzella,
S. Pedro do Sul, Belmonte, e em outras partes,[310] que nós vimos no
anno de 1736 pela diligencia de Monsieur Damy. De _Ferro_ ha bastante
copia nas Villas de Penella, e Thomar;[311] e affirma o erudito Severim
de Faria,[312] que he o melhor ferro do mundo, pois delle se costumaõ
fabricar espingardas muy estimadas de todos os Principes. O _Crystal_
em muitas partes deste Reino se acha em pedaços; e refere Duarte
Nunes,[313] que na Villa do Crato havia no seu tempo poços, donde se
tirava grande quantidade. O mesmo se acha nas montanhas de S. Mamede
de Val-Longo, termo de Aguiar de Sousa, e em S. Vicente de Caldellas,
termo de Pica de Regalados.[314]

10 No Concelho de Gondomar na Freguezia de S. Christovaõ de Rio-Tinto
ha minas de _Talco_ taõ bom, que se conduz por negocio para muitas
partes. _Chumbo_ se extrahe de Aremenha. Que diremos das grandes
cantarias de tantas variedades de pedras, quantas vemos em todo o
Reino? Os marmores brancos taõ admiraveis, que se tiraõ da Villa de
Estremoz: os pretos de Cintra: os vermelhos, azuis, amarellos, e pardos
de Pedro Pinheiro, com os quaes se fabricou o Real Templo de Mafra,
que, com o adorno de tanta diversidade de pedras, bem podemos dizer,
que he huma joya preciosa, ou hum vistoso ramalhete, em que está unida
a robustez com a delicadeza, o natural com o artificioso. Com igual
estimaçaõ vemos os pórfidos de Setubal, e os celebrados marmores
da serra da Arrabida, e os de Montes Claros, e os de Villa Viçosa,
dos quaes se tem aproveitado ainda os melhores edificios de terras
estranhas.[315]

11 Naõ longe de Coimbra ha huma casta de pedra muy clara, e lustrosa,
mas taõ branda, que basta qualquer prego sem maceta para a lavrar.[316]
Outra mais admiravel se produz no Lugar das Antas, termo da Villa da
Arruda, com a qual costumaõ ladrilhar os fornos, em que se coze o paõ;
porque tem ella tal virtude, e calor intrinseco, que basta receber pela
manhã a quentura sufficiente, para a conservar todo o dia, sem ser
necessario renovar-se o fogo, ou administrarlhe mais lenha.[317] A esta
especie podemos ajuntar as pedras molares de Cezimbra, e Porto de Mós,
e as admiraveis pederneiras de espingarda, que ha por Alcantara junto
de Lisboa, com todas as suas pedreiras matrizes de muita differença de
pedra, que com a falta de curiosidade inda ignoramos.

12 Poucas terras levaráõ vantagem à nossa na producçaõ dos _Barros_
finos, aptos para a fabrica de cousas domesticas. Entre todos merece
o primeiro lugar o barro vermelho, e odorifero de Estremoz, de que
se fazem preciosos pucaros, os quaes naõ só tem a galantaria de
ficarem prezos, e pendurados nos beiços, quando por elles se bebe,
mas tem a virtude bezoartica, e alexifarmaca, com que se extenuaõ as
qualidades do veneno,[318] pelo que he bem merecida a estimaçaõ, que
em toda a parte lograõ. Em Roma no Museo do Padre Kirker, e Bonani,
que se conserva no Collegio dos Padres Jesuitas, os vimos com especial
recato; e em muitos gabinetes de Monsenhores, e Principes de Italia
constituem naõ pequeno adorno. Depois destes seguem-se os de Lisboa,
chamados pucaros da Maya, ou do Romaõ, feitos com summa delicadeza,
e formosura especialmente aquelles, a que chamaõ de alètria, de hum
barro tambem odorifero, com os quaes lá lhe achou huma bella analogia
o discreto Camões[319] para comparar as formosas Damas Lisbonenses. Os
de Montermór o Novo, Sardoal, Aveiro, e Pombal saõ fabricados de barros
igualmente selectos, naõ sendo para desprezar a louça de barro, que se
fabrica na Villa das Caldas.

13 De _Azeviche_ ha muitos mineraes, mayormente na Villa da Batalha,
de que se fazem curiosos brinquinhos, e figuinhas, as quaes trazidas à
vista dizem que saõ contra o quebranto, e fantasmas melancolicas:[320]
por isso rara he a criança neste Reino, que naõ ande armada de muitas
destas figas contra o máo olhado. O Padre Eusebio Nieremberg[321]
approva a virtude natural do azeviche para este effeito, mas condemna a
effigie.

14 A formosura do _Coral_ nos contribue muitas vezes o mar de Peniche,
lançando-o pelas prayas em ramos, e esgalhos bem galantes, de que temos
visto alguns. O _Vermelhaõ_ se colhe no rio Minho, donde tomou o nome,
e de que falla Justino.[322] No tempo delRey D. Manoel se descubriraõ
minas de vermelhaõ, e de _Azougue_.[323] O cheiroso _Ambar_ acha-se
algumas vezes pelos areaes de Troya defronte de Setubal, que o mar
lança fóra, quando tem andado tempestuoso. O _Salitre_ naõ falta pelas
grutas de Alcantara.[324]

15 O _Sal_ se coalha copiosamente nas muitas marinhas, que ha em
Aveiro, Santo Antonio do Tojal, e em Setubal, bastando só os direitos
Reaes destas salinas de Setubal para satisfazerem aos Hollandezes
os milhões, que se obrigou o Reino a pagarlhe pelo Tratado da liga
defensiva, concluindo-se o anno de 1703 o seu ultimo pagamento.
Bastante prova he desta fertilidade o grande numero de navios
estrangeiros, que continuamente vemos em nossos portos a fazerem
carregações do sal, que lá nas suas terras naõ tem: e he isto taõ
antigo, que affirma Pedro de Mariz[325] verse em tempo delRey D.
Pedro I. nos portos de Lisboa, e Setubal muitas vezes quatrocentos, e
quinhentos navios a esta carga, e outras nossas mercadorias. Seguia-se
tratarmos agora do Commercio do Reino; mas como reservamos esta
noticia para quando descrevermos Lisboa, primario archivo de todas as
grandezas, e trafegos de Portugal, passemos à averiguaçaõ das moedas,
que se tem lavrado, com toda a sua diversidade, e valor.


NOTAS DE RODAPÉ:

[286] 1 Machab. 8.

[287] Plinio lib 33. cap. 4.

[288] Strab. lib. 3. de Situ Orbis: _Nec in alia parte terrarum tot
sæculis hæc fertilitas._ Plin. alleg.

[289] Justin. lib. 44.

[290] Costa, Corograf. Port. tom. 1. p. 374 e 452.

[291] Ibid. tom. 3. p. 337. Argot. Antig. da Chancel. de Brag. p. 224.
e 332.

[292] Monarq. Lusit. liv. 16. cap. 30.

[293] Ibid. Monarq. Lusit.

[294] Silio Italico, Martial, e outros apud Maced. Flor. de Hespanh.
cap. 4. excel 2.

[295] Duarte Nun. Descripç. de Portug. cap. 14.

[296] Resend Chron. delRey D. Joaõ II. cap. 61. Marian. lib. 25. c. 11.
Osor. liv. 2. de Reb. Emman. Andrad Chron. delRey D. Joaõ III. part 3.
cap. 15.

[297] Freitas de Justo Imperio Lusit. cap. 16. _Ita ut ante Indiæ
explorationem nullum ex Europæis Regnum opulentius Lusitano
inveniretur._

[298] Botelh. no Alfonso da impressaõ de Salamanc. ann. 1731 liv. 10.
est. 76. & seqq.

[299] Far. na Europ. Portug. tom. 3 part. 3. cap. 8. n. 10. Corograf.
Port. tom. 3. p. 171.

[300] Plin. lib. 33. c. 4.

[301] Duart Nun Descripç. de Port. cap. 14. Memor. instruct tom. 1. p.
210.

[302] Duart Nun. Descripç. de Portug. p. 44.

[303] Far. na Europ. Port. tom. 3. p. 183. Corograf. Port. tom. 2. p.
513.

[304] Bluteau, Vocab. verb. _Turqueza_.

[305] Corograf. Portug. tom. 3. pag. 52. Blut. verb. _Jacintho_.

[306] Memor. instruct. tom. 1. pag. 112.

[307] Boter. Relaç. Univ. part. 1. liv. 1. Avila, Grand de Madrid. liv.
4.

[308] Xivier part. 5. Pontif. lib. 3. cap. 4.

[309] Serões do Princip. part. 1. disc. 6. § 10.

[310] Corogr. Port. tom 2. p. 393.

[311] Duart Nun. Descr. de Port. p. 42.

[312] Sever. Notic. de Port. disc. 1.

[313] Duart. Nun Descripç. de Port. p. 42.

[314] Corogr. Port. tom. 1. p. 244. e 374. Monarq Lusit. liv. 16. cap.
30.

[315] Duart. Nun. Descripç. de Portug. p. 45. Luiz Mendes no Sitio de
Lisb. p. 192.

[316] Far. Europ. Port. tom. 3. p. 183.

[317] Rodrig. Mend. da Silv. na Poblac. gener. de Hesp. p. 130. e
Duart. Nunes ut supr.

[318] Aldrovand. in Musæo Metal. lib. 2. pag. 229. Curvo na Polyanth.
p. 592. mihi n. 15. Fonseca no Aquil. p 210.

[319] Cam. cart. 1.

[320] Dioscorid. lib. 5. cap. 103. Plin. liv. 25. cap. 10. S. August.
de Civit. Dei cap. 91.

[321] Nieremb. Filosof. Natur.

[322] Justin. lib. 44. cap. 4.

[323] Monarq. Lusit. tom. 5. p. 80.

[324] Mervelleux Memoir. instr. tom. 1. p. 216.

[325] Mariz Dialog. 3. cap. 6.



                             CAPITULO XII.

_Das Moedas de ouro, prata, e cobre antigas; e modernas, que se tem
lavrado em Portugal._


1 As moedas mais antigas, de que ha noticia em o nosso Reino, saõ as
do famoso Sertorio, Capitaõ Romano, o qual vindo a Portugal no anno
83 antes de Christo com o projecto de se fazer senhor de Hespanha,
mandou bater moedas. Tinhaõ de huma parte esculpido o seu rosto de meyo
perfil, e da outra banda a figura de huma corça, como offerece huma
estampada o erudito Chantre de Evora Manoel Severim de Faria.[326] Era
ella de prata do tamanho de seis vintens, e semelhante a esta foraõ
achadas outras. Foy isto muito antes dos Imperadores Romanos.

2 Com a morte porém de Sertorio, ficando a nossa Lusitania reduzida
a Provincia sujeita ao Imperio Romano, o dinheiro que entaõ corria
nestas partes, era o mesmo de Roma; e ainda que se achaõ algumas moedas
daquelle tempo abertas em algumas Cidades, e terras nossas, era por
especial privilegio dos Imperadores, dos quaes se tem descuberto em
todas as nossas Provincias muita quantidade das de ouro, prata, e
cobre, como referem o mencionado Severim, e outros.[327]

3 Acabado o Imperio dos Romanos, seguiraõ-se os Godos; e desde o anno
411 de Christo até o de 570, que he o em que governou Leovigildo com
poder absoluto, tambem naõ ha memoria de moeda alguma. De Leovigildo
até D. Rodrigo, ultimo Rey Godo, achaõ-se algumas, ainda que mal
abertas, de ouro, e prata, como as expressa o allegado Severim no §. 3.
Fr. Bernardo de Brito diz, que no tempo do Rey Godo Flavio Recaredo, o
qual morreo pelos annos de Christo 601 havia moedas de ouro, e prata
batidas em diversas partes da Lusitania; e que além da que refere
Ambrosio de Morales batida em Evora com seu rosto de ambas as partes, e
a letra de seu nome com a outra ELBORA. JUSTOS; conservava elle em seu
poder outra de ouro baixo com seu rosto esculpido grosseiramente, e no
reverso huma Cruz com esta letra OLISBONA, PIUS. Donde se deixa ver,
que havia em Lisboa officina de bater moeda em tempo deste Rey. Tambem
diz que vira outra do Rey Svintila, de ouro, batida na Cidade de Evora,
com seu rosto de huma parte, e ao redor SVINTILA REX: da outra banda
huma Cruz com esta bordadura: EBORA VICTOR. Vencedor em Evora. Sem
embargo de que o Padre Argote diga, que naõ vira em Author algum moeda
de prata do tempo dos Godos.[328]

4 Seguiraõ-se depois os Mouros no anno de 714, ou 716, e introduziraõ
as suas moedas por toda a Hespanha em todos os tres generos de
metal, ouro, prata, e cobre, de que se tem achado ainda algumas,
principalmente no Alentejo, e terras do Algarve, e nós vimos bastantes
de prata com certos caracteres Arabicos, que se descubriraõ em Loulé.
Hum dos dinheiros, de que usavaõ os Mouros, era chamado Maravedi, e
permaneceo tanto em Hespanha, que até o reinado delRey D. Fernando
I. de Leaõ todas as computações das contas se faziaõ por maravedis,
assim como nós as fazemos agora pela valia de reis. Pouco depois se
estabeleceo a Monarquia Portugueza com Reys proprios, e das moedas, que
estes mandaraõ lavrar, e das que presentemente correm, faremos huma
resumida memoria pelo estylo, que observamos.

5 _Alfonsim_. Esta moeda mandou lavrar ElRey D. Affonso IV. que delle
tomou o nome, com o consentimento do Clero, e Povo.[329] Era de tres
qualidades, cobre, prata, e ouro: o Alfonsim de cobre valia pouco mais
de hum real dos nossos: o de prata era do tamanho de hum tostaõ, e
valia pouco mais de quarenta reis. Tinha de huma parte sobre o nome
_Alfo_ huma coroa, e por baixo do nome delRey havia humas, que tinhaõ
a letra _L_, por serem abertas em Lisboa, outras a letra _P_, por
serem feitas no Porto, e pela orla tinhaõ esta inscripçaõ: _Adjutorium
nostrum in nomine Domini_. O mesmo se lia da outra parte, onde estavaõ
os cinco escudos do Reino postos em Cruz. O Alfonsim de ouro valia
quinhentos e tantos reis.[330] Todas estas moedas tinhaõ o mesmo cunho.

6 _Aureo_. Foy moeda, que correo no tempo delRey D. Sancho II. pelos
annos 1240, como se acha em escrituras publicas. O Reverendo Padre
Fr. Francisco de Santa Maria em hum Tratado, que fez das moedas de
Portugal, e anda incorporado no tom. 4. da Historia Genealogica da
Casa Real a pag. 261. he de parecer, que esta moeda fosse daquellas
mesmas dobras de ouro, que fez lavrar ElRey D. Sancho I. com a sua
figura armado a cavallo, com a espada na maõ, e a letra: _Sancius Rex
Portugaliæ_ de huma banda, e da outra os cinco escudos em Cruz, que
nós chamamos quinas, e dentro em cada hum cinco dinheiros naõ mais,
e a letra à roda: _In nomine Patris, & Filii, & Spiritus Sancti.
Amen_;[331] e sendo esta tal moeda, valia o tal Aureo pouco mais de
cento e vinte reis da nossa moeda corrente, e he a mais antiga, que se
acha no Reino.

7 _Barbuda_, ou _Celada_. Foy moeda de prata muito ligada, que mandou
lavrar ElRey D. Fernando com o valor de 36 reis. De huma parte tinha
hum capacete com viseira, e peito de malha, a que tudo chamavaõ
Barbuda, ou Celada, donde tomou o nome, e em cima huma coroa, e pela
orla da moeda a letra: _Si Dominus mihi adjutor, non timebo_: da outra
parte huma Cruz da Ordem de Christo, que tomava todo o vaõ, e no meyo
da Cruz hum escudo pequeno com as quinas de Portugal, e nos angulos da
Cruz quatro castellos, e em roda a letra: _Fernandus Rex Portugaliæ,
Alg._ No tom. 4. da Historia Genealogica da Casa Real vem aberta a sua
figura, cuja circumferencia se póde ver melhor, que por informaçaõ dos
Authores, os quaes discrepaõ muito nas medidas da sua grandeza.

8 _Calvario._ Era certa moeda de ouro de 22 quilates, e tambem
chamavaõ cruzados, que mandou lavrar ElRey D. Joaõ III. com o valor
de quatrocentos reis, que depois subio a seiscentos reis. Tinha de
huma parte a Cruz sobre o monte Calvario, que daqui tomou o nome, com
a letra em roda: _In hoc signo vinces_: da outra banda o escudo Real
coroado, e a letra: _Joann. III. Port. & Algarb. R. D. Guin._

9 _Ceitil._ Mandou lavrar esta moeda de cobre ElRey D. Joaõ I., ou na
occasiaõ em que tomou a Cidade de Ceuta aos Mouros, como dizem alguns
Authores, ou porque era cada dinheiro destes a sexta parte de hum real
de cobre, e por isso ceitil he o mesmo, que sextil, e esta nos parece a
mais verdadeira deducçaõ. Lavraraõ-na os Reys successores até ElRey D.
Sebastiaõ.[332]

10 _Conceiçaõ._ Esta moeda mandou lavrar ElRey D. Joaõ IV. em ouro,
e em prata no anno de 1648. A de ouro valia doze mil reis: tinha de
huma parte a effigie da Senhora da Conceiçaõ com tres symbolos deste
Mysterio por cada lado, e em circulo as letras: _Tutelaris Regni_: da
outra parte estavaõ as armas Reaes no meyo de huma Cruz da Ordem de
Christo, e na cercadura: _Joannes IIII. D. G. Portugaliæ, & Algarbiæ
Rex_. A de prata tinha o mesmo cunho, mas era de mayor diametro, que os
cruzados novos, e corria com o valor de seiscentos reis. A origem, que
houve para se cunhar esta moeda, foy assim:

11 Depois que o felicissimo Rey D. Joaõ IV. fez tributario o Reino de
Portugal à Conceiçaõ da Senhora em cincoenta cruzados de ouro cada
anno, applicados para a sua Real Capella de Villa Viçosa, jurando, e
tomando neste Mysterio a Senhora por Protectora do Reino em Cortes do
anno de 1646[333] tratou logo de lhe pagar o tributo em moeda especial,
e para isso mandou abrir a França hum cunho da fórma, que temos dito,
o qual trouxe, e fez Antonio Ruiter, a quem se deu tres mil reis, que
dispendeo com a abertura do ferro, como consta do liv. 1. do Registo
da Casa da Moeda pag. 256. vers. donde inserimos, que o primeiro anno,
em que ElRey fez a sobredita offerta, seria no anno de 1648, por ser
este anno o que se vê expresso na sobredita moeda, a qual desde o anno
de 1651 principiou a ser moeda corrente pela ley, que sahio para isso.
E sem embargo de que no tom. 4. da Historia Genealogica da Casa Real
pag. 287. se diga, que humas, e outras moedas corriaõ com pezo de huma
onça, foy equivocaçaõ; porque da mesma ley, que vem no dito tomo a pag.
359. se vê, que as de ouro corriaõ com o pezo de doze oitavas, e valiaõ
por doze mil reis; e as de prata com pezo de huma onça, e corriaõ por
seis tostões: e pezo de doze oitavas he onça e meya.

12 ElRey D. Affonso VI. continuou tambem a mandar lavrar as sobreditas
moedas em todo o tempo do seu governo, e da mesma sorte ElRey D. Pedro
II. e nesta moeda se fazia a offerta de vinte e quatro mil reis no dia
da festa da Conceiçaõ, em cujo dia trazem pendente ao pescoço os tres
Officiaes, que administraõ a Casa da Senhora, huma das taes moedas. No
anno porém de 1685 teve fim a fabrica destas moedas, porque desde entaõ
nunca mais se lavrarão, entregando-se os referidos vinte e quatro mil
reis em outra qualquer moeda para a despeza da festa de Villa Viçosa.

13 _Coroa._ Foy moeda de ouro, que mandou lavrar ElRey D. Duarte com
o valor de 216 reis. ElRey D. Manoel tambem a mandou lavrar, e valia
120 reis: chamava-se _Meya coroa_. Este preço conservou até o reinado
delRey D. Joaõ III. e ElRey D. Sebastiaõ.[334]

14 _Cruzado._ Quando o Papa Pio II. mandou a Bulla da Cruzada para
a guerra santa contra os Turcos, ordenou ElRey D. Affonso V. que se
lavrasse huma moeda de ouro subido de 24. quilates, e que se chamasse
cruzado em reverencia da Bulla, e com o valor de 400 reis. Tinha de
huma parte a Cruz de S. Jorge com a letra: _Adjutorium nostrum in
nomine Domini_; e da outra o escudo Real com a coroa sobre a Cruz da
Ordem de Aviz com estas letras: _Cruzatus Alphonsi Quinti R._ Manoel de
Faria[335] mostra que vio huma moeda destas com differente cunho. No
anno de 1561 valia cada cruzado destes 500 reis, e depois foraõ subindo
ao valor de 600 reis, e deste ao de 640.[336]

15 Presentemente correm cruzados novos de ouro, que mandou lavrar
ElRey D. Joaõ V. desde o anno de 1718 com o valor intrinseco de 400
reis, e na estimaçaõ commua de 480. Por Decreto de 8 de Fevereiro de
1730 mandou o mesmo Senhor que se lavrasse nas Minas quartos de escudo
de ouro com o valor extrinseco de 400 reis cada hum, e intrinseco de
375 reis, tendo de huma banda o retrato delRey, e da outra na parte
superior huma coroa Real, na inferior a era, em que se fabricaõ, e na
circumferencia o nome delRey. A esta moeda chamamos cruzado, dos quaes
já naõ ha muitos.

16 ElRey D. Joaõ IV. mandou lavrar cruzados de prata com o valor de 400
reis, e meyos cruzados com 200 reis de valia. Depois foraõ subindo até
o reinado delRey D. Pedro II. que levantou os cruzados a seis tostões,
e os meyos cruzados a tres tostões, mandando tambem lavrar cruzados
novos de prata com o valor de 480, e meyos cruzados com o de 240, a
que presentemente chamamos doze vintens, e que ainda correm nos nossos
tempos.

17 _Dinheiro._ Foy moeda de cobre, que tinha de huma banda a Cruz da
Ordem de Christo com duas estrellas, e duas meyas luas nos vaõs, e a
letra _A. Rex Portugaliæ_: da outra parte tinha as cinco quinas com a
letra: _Algarbii_. Valia hum ceitil menos hum decimo. Destes dinheiros
faz mençaõ a Ordenaçaõ velha liv. 4. tit. 1. §. 17.

18 _Dobra._ Moeda de ouro de varias castas: _Portuguezas_,
_Castelhanas_, _Mouriscas_, ou _Barbariscas_. As Portuguezas
chamavaõ-se _Cruzadas_, que mandou lavrar ElRey D. Diniz com o valor
de 270 reis: outras se chamaõ _Dobras delRey D. Pedro_, e valiaõ
147 reis. Das Dobras Castelhanas havia humas, que se chamavaõ da
_Banda_, por serem lavradas por ElRey D. Affonso XI. de Castella, e
tinhaõ de huma parte a banda, insignia da Ordem Militar, que o mesmo
Rey instituio, e valiaõ 216 reis: com este nome faz dellas mençaõ a
Ordenaçaõ velha liv. 4. tit. 1. Tambem se chamavaõ _Valedias_, porque
valiaõ, e corriaõ em Portugal. Havia outras dobras com o nome de _Dona
Branca_, e outras _Sevilhanas_, que mandou bater em Sevilha ElRey
D. Affonso o _Sabio_, e valiaõ 600 reis. Tinhaõ de huma parte ElRey
armado a cavallo com a espada na maõ, e a letra em roda: _Dominus mihi
adjutor_: da outra parte as armas de Castella, e Leão com o letreiro:
_Alfons. R. Castellæ, & Leg_.[337] As _Mouriscas_, ou _Barbariscas_
valiaõ 270 reis. ElRey D. Pedro I. mandou lavrar _Meyas dobras_ com o
valor de 73 reis e meyo.

19 _Ducataõ de ouro._ Quando ElRey D. Sebastiaõ foy a Guadalupe, mandou
lavrar esta moeda: huma com o valor de quarenta mil reis, outra de
trinta, outra de dez cruzados.[338]

20 _Engenhoso._ Foy moeda de ouro, que fez lavrar ElRey D. Sebastiaõ no
anno de 1562 com o valor de 500 reis. Tinha de huma parte a Cruz com a
letra: _In hoc signo vinces_; e da outra banda o escudo do Reino com a
letra: _Sebastian. I. Rex Portugal._ Chamou-se esta moeda do Engenhoso,
por assim se chamar Joaõ Gonçalves, natural de Guimarães, que fez o
cunho. Ordenou o elle de sorte, que as moedas sahiaõ fundidas de pezo,
e com hum circulo ao redor para naõ se poderem cercear.[339]

21 _Escudo._ Moeda de ouro com muita liga, que mandou fazer ElRey D.
Duarte com a valia de 90 reis. ElRey D. Manoel a mandou desfazer.

22 _Espadim._ Houve neste Reino moedas com este mesmo nome de tres
castas. _Espadins de ouro_ mandou-os lavrar ElRey D. Joaõ II. com o
valor de 320 reis. Tinha de huma parte o escudo do Reino com a letra:
_Adjutorium nostrum in nomine Domini_; e do reverso huma espada
empunhada com a ponta para cima, e em circulo o nome delRey. Em tempo
delRey D. Manoel valia 500 reis. _Espadins de prata_, que mandou
abrir ElRey D. Affonso V. com o mesmo cunho que os de ouro, só com
a differença de ter a ponta da espada voltada para baixo. Chamou-se
Espadim em memoria da Ordem da Espada, que instituio para a Conquista
de Fez, como diz Severim.[340] Valiaõ 24 reis. _Espadins de cobre_
prateados mandou bater ElRey D. Joaõ II. com o valor de quatro reis.

23 _Forte._ Com este nome mandou lavrar ElRey D. Diniz huma moeda de
prata com o valor de dous vintens, ou quarenta reis; e meyos Fortes,
que valiaõ hum vintem. Tinha hum, e outro de huma parte o habito de
Christo com a letra: _Dionysius Rex Portugal. & Algarb._ da outra parte
as armas do Reino, e a letra: _Ajutorium nostrum in nomine Domini_.
Houve outros Fortes, e meyos Fortes, que fez bater ElRey D. Fernando em
preço de 29 reis, que depois abateo a 16.

24 _Frizante._ Foy moeda de prata, que corria no tempo de nossos
primeiros Reys, mas naõ se sabe de que valor era. A Monarquia Lusitana
faz mençaõ desta moeda.[341]

25 _Gentil._ ElRey D. Fernando mandou lavrar esta moeda de ouro, mas de
quatro castas. Havia Gentil de hum ponto, e valia 162 reis: Gentil de
dous pontos 144 reis: Gentil de tres pontos 126 reis: Gentil de quatro
pontos 116 reis. Fr. Antonio da Purificaçaõ[342] diz, que o Gentil
delRey D. Fernando valia 720 reis.

26 _Grave._ Moeda de prata, que mandou bater ElRey D. Fernando do
tamanho de meyo tostaõ, e valia 21 real. Tinha de huma parte a letra
_F_, primeira do seu nome, e sobre ella huma coroa dentro em hum
escudo, e nos lados duas Cruzes, com a letra na orla: _Si Dominus mihi
adjutor_. No reverso tinha a Cruz de S. Jorge sobre hum escudo rodeado
de quatro castellos, e o nome do Rey na cercadura.

27 _Indios._ Mandou ElRey D. Manoel no anno de 1499 lavrar esta moeda
de prata com o valor de 33 reis em memoria do descubrimento da India.
Tinha de huma parte a Cruz da Ordem de Christo com o letreiro: _In hoc
signo vinces_; e da outra parte as armas do Reino com a letra: _Primus
Emanuel_.

28 _Justo._ Esta moeda era de ouro, que mandou fazer ElRey D. Joaõ II.
e valia 600 reis. De huma parte tinha o escudo Real já com as quinas
direitas sem a Cruz de Aviz, e o nome delRey na cercadura; e no reverso
tinha a effigie delRey sentado em hum throno com a espada na maõ entre
dous ramos de palma, e a letra em roda: _Justus ut palma florebit_.

29 _Leal._ Era moeda de prata, que mandou fazer ElRey D. Joaõ II. com
valor de doze reis. Tinha de huma parte a letra _Leal_ por baixo de
huma Cruz; e da outra parte o escudo do Reino com o nome delRey na orla.

30 _Livra._ Foy moeda lavrada em varios reinados, e de varias castas,
donde procede a alteraçaõ de seu valor. A _Livra de ouro_ em tempo
delRey D. Diniz valia oito vintens: o mesmo valor tinha já no reinado
delRey D. Affonso III. No tempo delRey D. Joaõ I. valiaõ pouco mais
de 82 reis. A _Livra de prata_ era de dous generos: _Antigas_, e
_novas_. Havia livras antigas, por cada huma das quaes se haviaõ de
pagar setecentas das novas, e assim valia cada huma das antigas 36
reis: e havia tambem livras antigas, por cada huma das quaes se pagava
quinhentas das novas, e entaõ valia cada huma 25 reis. A _Livra de
cobre_ era de tres sortes; porque havia livra de dez soldos, que valiaõ
tres reis e meyo: livras de dez livras pequenas, e valiaõ meyo real:
livras de tres livras e meya, que valiaõ real e meyo, e corriaõ até o
anno de 1407.

31 _Maravedim_, ou _Morabitino_. Foy moeda, que introduziraõ no Reino
os Mouros Almoravides, ou Morabitos, que significa _Fieis_, segundo o
mostra Aldrete.[343] Havia maravedim de ouro, que mandou lavrar ElRey
D. Sancho I. com o valor de 500 reis. Tinha de huma parte a effigie
delRey a cavalo com a espada nua na maõ, e pela orladura: _In nomine
Patris, & Filii, & Spiritus Sancti._ No reverso tinha o escudo Real, e
o nome delRey em gyro. Os maravedís Mouriscos naõ tinhaõ mais que huns
caracteres, ou attributos de Deos de huma parte, e da outra, o nome do
Principe, que os mandara abrir. Houve tambem maravedís de prata, que
corriaõ com o valor de 27 reis.

32 _Mealha._ Naõ era moeda, que tivesse cunho particular, mas era
metade da moeda, que chamavaõ _Dinheiro_, e valia meyo ceitil.

33 _Nomeada._ Moeda de prata, que fez lavrar ElRey D. Joaõ I. e seu
filho ElRey D. Duarte. Naõ se sabe o que valia. Tinha de huma banda a
Cruz de S. Jorge com a letra: _Dominus adjutor fortis_; e da outra o
escudo do Reino com o nome delRey na circumferencia.

34 _Patacaõ._ Era moeda de cobre com o valor de dez reis, que mandou
fazer ElRey D. Joaõ III. Tinha de huma parte o escudo Real coroado
com o nome delRey, e da outra parte a letra _X_, com a inscripçaõ:
_Rex Quintusdecimus_. Havia tambem meyos patacões com a letra _V_, que
valiaõ cinco reis. ElRey D. Sebastiaõ reduzio esta moeda ao valor de
tres reis.

35 _Peças._ Moeda de ouro, que corria no tempo do Infante D. Pedro,
Duque de Coimbra. ElRey D. Joaõ II. a mandou desfazer.

36 _Pé-Terra._ Moeda de ouro, que fez lavrar ElRey D. Fernando com o
valor de 216 reis.

37 _Pilarte._ Foy moeda de prata, que lavrou ElRey D. Fernando com o
valor de treze reis, e dous ceitis. O nome de Pilarte foy posto em
attençaõ, ou memoria dos pagens dos soldados estrangeiros, que lhe
levavaõ os capacetes, ou barbudas, a que o Francez chama _Pilartes_.

38 _Portuguez._ ElRey D. Manoel, do ouro, que lhe vinha das Conquistas
da Asia, fez lavrar humas moedas, que se chamaraõ _Portuguezes_ de 500
ducados cada huma, e depois mandou lavrar outras, que valiaõ quatro
mil reis. Destas houve tanta copia, que nas praças naõ se pagava por
quasi todo o Reino com outra moeda, senaõ com a chamada Portuguezes de
ouro.[344] Tinha de huma parte a Cruz da Ordem de Christo, e a letra
em roda: _In hoc signo vinces_; e da outra o escudo Real coroado com
as letras: _E. R. P. A. C. U. A. D. G._ que queriaõ dizer: _Emmanuel
Rex Portugaliæ, Algarb. q. Citra, Ultra Afric. Dommus Guineæ._ Tinha
outro letreiro por fóra junto à garfila, ou orla: _C. C. N. E. A. P.
I._ que dizia: _Comercio, Conquista, Navegaçaõ, Ethiopia, Arabia,
Persia, India._ ElRey D. Joaõ III. tambem os mandou lavrar da mesma
fórma. ElRey D. Joaõ V. mandou lavrar em Lisboa no anno de 1718
_Portuguezes de ouro_ de 22 quilates, e com o valor de 19200 cada
Portuguez, os quaes foraõ sómente para se lançar nos alicerses da Real
Igreja de Mafra. Tambem ElRey D. Manoel mandou fabricar _Portuguezes de
prata_ no anno de 1504, e valia cada hum 400 reis. A estes Portuguezes
depois resuscitou ElRey D. Joaõ IV., e ElRey D. Pedro II. chamando-lhe
_Cruzados_.

39 _Quatro vintens._ Mandou lavrar esta moeda de prata ElRey D. Joaõ
III. que de huma parte tem o nome do Rey com coroa, e o numero LXXX. e
na orla a letra: _Rex Portug. & Algarb._ Da outra parte tem a Cruz de
S. Jorge com a sabida inscripçaõ: _In hoc signo vinces._

40 _Real._ Esta moeda a mandou lavrar em prata varias vezes ElRey
D. Joaõ I. sempre com o mesmo valor, mas cada vez de menor pezo. Os
primeiros valiaõ nove dinheiros, os segundos seis dinheiros. Até o
tempo delRey D. Manoel corriaõ Reaes de prata com o valor de vinte
reis, e outros de trinta. ElRey D. Joaõ III. tambem os mandou lavrar
com o valor de quarenta reis, e com os mesmos cunhos da moeda de quatro
vintens, mudando o numero 80 em 40. A mesma moeda fez lavrar D. Joaõ
IV. e he o chamado meyo tostaõ, que hoje corre. Havia Real de cobre
de varias sortes: huns tinhaõ mistura de estanho, com que ficavaõ
mais claros, e se chamavaõ _Reaes brancos_. Mandou lavrallos ElRey
D. Duarte, e D. Affonso V. Os que se lavraraõ antes do anno de 1446
valiaõ dez ceitis. Havia outros Reaes chamados _Pretos_, por serem de
cobre puro, e valiaõ pouco mais de hum ceitil. ElRey D. Joaõ II. para
desterrar tanta confusaõ de Reaes, fez lavrar Real de cobre de seis
ceitis. O mesmo fizeraõ seus Successores até ElRey D. Joaõ III. Tinhaõ
de huma parte hum _R_, debaixo de huma coroa, e da outra o escudo do
Reino com o nome delRey na orla. ElRey D. Sebastiaõ fez lavrar _Meyos
Reaes_ com a valia de tres ceitis: tinha de huma banda hum _S_ coroado,
e da outra hum _R_ entre dous pontos.

41 _Sinquinho._ Moeda de prata delRey D. Joaõ II. e D. Manoel: valia
cinco reis. O delRey D. Manoel tinha de huma parte os cinco escudos do
Reino em Cruz com as letras: _Emmanuel P. R. & Al._ da outra huma malta
com a mesma letra. Tambem ElRey D. Joaõ IV. fez lavrar Sinquinhos de
prata.

42 _Soldo._ Foy moeda das mais antigas do Reino lavrada em ouro, prata,
e cobre. A de ouro valia oito reales, ou dezaseis vintens: a de prata
dez reis: a de cobre hum real. Este soldo em tempo delRey D. Joaõ I.
chamava-se _Moeda-Febre_.

43 _Talento._ Corria esta moeda no governo delRey D. Sancho I. no anno
de 1188, e valia quatro ducados, ou cruzados, e era de ouro.

44 _Tornezes._ Moeda de prata em tempo delRey D. Pedro I. Tinha de
huma parte a cabeça delRey com barba comprida, e a letra: _Petrus Rex
Portugal. & Algarbii_: da outra banda o escudo do Reino, e na orla a
letra: _Deus adjuva me_. Valia treze reis. ElRey D. Fernando tambem
lavrou _Tornezes_, que valiaõ oito soldos, ou quatorze reis.

45 _Tostaõ._ ElRey D. Manoel mandou bater esta moeda em ouro, e em
prata. A de ouro era o quarto de ouro dos _Portuguezes_: a de prata
valia cem reis. Tinha de hum lado a Cruz da Ordem de Christo com a
letra: _In hoc signo vinces_; e do outro as armas do Reino com coroa, e
o nome do Rey na orladura. Mandou lavrar tambem _Meyos tostões_ com os
mesmos cunhos, e letras, e valiaõ cincoenta reis.

46 _S. Vicente._ Moeda de ouro, que fez lavrar ElRey D. Joaõ III. com
o valor de mil reis. Tinha de huma parte a imagem de S. Vicente com
huma náo na maõ esquerda, e hum ramo de palma na direita com a letra:
_Zelator Fidei usque ad mortem_: da outra parte o escudo Real com a
letra: _Joan. III. Rex Portug. & Algarb._

47 _Vintem._ Moeda de prata, que teve principio no tempo delRey D.
Affonso V. e todos os mais Reys continuaraõ a mandar lavrar, ainda que
com a fórma, e figura mudada, mas sempre com o valor de vinte reis.
Em tempo dos Reys Filippes houve a moeda de meyo vintem em prata, que
valia dez reis.

  _Dinheiro, que presentemente corre._

  _Em ouro._            _Valor._                _Pezo._

  Dobraõ de              24U000             15 oitavas.
  Meyo dobraõ de         12U800                 1 onça.
  Dobra de 4 escudos      6U400              4 oitavas.
  Meya dobra de 2 esc.    3U200              2 oitavas.
  Moeda de ouro de        4U800              3 oitavas.
  Meya moeda              2U400          oitava e meya.
  Escudo                  1U600               1 oitava.
  Quarto de moeda         1U200               54 grãos.
  Meyo escudo              U800            meya oitava.
  Cruzado novo             U480               21 grãos.
  Quarto de escudo         U400               18 grãos.

  _Em prata._          _Valor._                 _Pezo._

  Cruzado novo              480     4 oitavas 59 grãos.
  Doze vintens              240     2 oitavas 29 grãos.
  Seis vintens              120      1 oitava 14 grãos.
  Tostaõ                    100               1 oitava.
  Tres vintens               60               43 grãos.
  Meyo tostaõ                50               36 grãos.
  Vintem                     20               17 grãos.

  _Em cobre._          _Valor._

  Moeda de             10 reis.
  Moeda de              5 reis.
  Moeda de              3 reis.
  Moeda de              1 real e meyo.

Por Ley do anno de 1732 prohibio ElRey D. Joaõ V. que se lavrassem
Dobrões de doze mil e oitocentos, Moedas de quatro mil e oitocentos,
nem outras, que excedaõ o valor de seis mil e quatrocentos reis; e que
em todas, assim nas que corriaõ, como nas que se lavrassem, se pozesse
a sarrilha, que tem as de prata.

  _Noticia, do valor, que tem tido o marco de ouro, e prata
  neste Reino em varios governos._

  _Rey._                    _Metal._                   _Valor._

  D. Sancho I.                  Ouro                     6U480.
  D. Pedro I.                   Idem                     7U380.
  Idem                         Prata                      U945.
  D. Fernando                   Idem                      U900.
  D. Joaõ I.                    Idem                     2U600.
  D. Affonso V.                 Idem                     1U260.
  D. Manoel                     Idem                     2U280.
  D. Joaõ III.                  Ouro                    30U000.
  Idem                         Prata                     2U600.
  D. Sebastiaõ                  Idem                     2U400.
  Idem                          Idem                     2U680.
  D. Henrique                   Ouro                    40U000.
  Idem                         Prata                     4U000.
  D. Joaõ IV.                   Ouro                    42U240.
  Idem                          Idem                    51U200.
  Idem                          Idem                    55U680.
  Idem                          Idem                    80U000.
  Idem                         Prata                     3U600.
  Idem                          Idem                     4U000.
  Idem                          Idem                     5U000.
  D. Affonso VI.                Idem                     4U400.
  Idem                          Idem                     4U600.
  D. Pedro II.                  Ouro                    85U312.
  Idem                          Idem                    96U000.
  Idem                         Prata                     5U600.
  D. Joaõ V.                    Ouro                    96U000.
  Idem                         Prata                     5U600.


NOTAS DE RODAPÉ:

[326] Manoel Severim de Faria Notic. de Portug. disc. 4. §. 2.

[327] Idem ibid Far. Europ. Port. tom. 3. part. 4. cap. 11. Argot.
Memor. do Arcebisp. de Brag. tom. 3. no Supplem. ao liv. 4. pag. LVII.
Sousa na Histor. Geneal. tom. 4. p. 107.

[328] Argot. ut supr. pag. LX. Monarq. Lusit. l. 6. c. 19. 21. e 22.

[329] Chronic. delRey D. Fernand. cap. 58.

[330] Fr. Anton. da Purificaç. Chronic. de S. Agost. part. 2 liv. 7.
tit. 6. §. 6.

[331] Monarq. Lusitan. liv. 10. cap. 7.

[332] Sever. de Far. Notic. de Portug. disc. 4. § 27. Cunha, Histor.
Eccl. de Lisb. tom. 1. p. 2. cap. 20. Far. na Europ. Port. tom. 3 part.
4. cap. 11. n 10.

[333] Brandaõ na Monarq. Lusit. liv. 19. cap. 23. part. 6. Maced. Eva,
c Ave part. 2. cap. 15. n. 27.

[334] Fr. Anton. da Purific. allegad. e o illustr. Cunha na Histor.
Eccles. de Lisb. allegad. Ordenaç. delRey D. Man. liv. 4. tit. 1.

[335] Far. na Europ. Port. tom. 3. part. 4. cap. II. n. 12.

[336] Cunha na Histor. Eccles. de Lisb. tom. 1. part. 2. cap. 20 n. 10.

[337] Cunha, Histor. Eccl. de Lisb. part. 2. cap. 20. n. 13.

[338] Fr. Manoel dos Sant. Histor. Sebast. p. 488.

[339] Barbos, Remiss. à Ord. tit. 21. liv. 4. p. 30.

[340] Manoel Severim de Far. Notic. de Portug. disc. 4. §. 29.

[341] Monarq. Lusit. p. 3. in Append. n. 16.

[342] Purific. Chronic. de S. Agost. allegada.

[343] Aldret. no Thesouro da lingua Castelh. vide etiam Bochart. in
Geograf. Sacra no principio da sua vida.

[344] Far. no Comm. das Lusiad. de Cam. cant. 1. p. 115.



                            CAPITULO XIII.

_Da Lingua Portugueza._


1 A primeira lingua, que se fallou em Portugal, foy a que communicou
Tubal aos Turdulos, primeiros habitadores de Lisboa, os quaes
multiplicando-se foraõ povoar depois parte da Turdetania, ou
Andaluzia;[345] porém que lingua fosse aquella, he toda a difficuldade.
Dizem huns, que fora a lingua Hebraica,[346] outros a Caldaica, ou
alguma das setenta e duas, em que Deos prodigiosamente dividira
a primitiva na torre de Babel. Muitos se capacitaõ, que a lingua
primeira, e geral de toda a Hespanha fora a Vasconça, ou Biscainha.

2 Filippe de la Gandara julga[347] que era idioma particular, e
distincto do Caldeo, e Hebreo; mas conforme os caracteres, de que
usavaõ os antigos Turdulos Portuguezes, infere Fr. Bernardo de
Brito,[348] que seria a lingua dos Hetruscos, usada em Italia desde o
tempo de Noé; porém ou fosse hum, ou outro idioma, he certo que a tal
lingua dos Turdulos naõ foy universal em toda esta nossa Peninsula,
porque comprehendia differentes nações, e cada huma, em quanto
viveo sobre si, conservou seu particular idioma, conforme assevera
Plinio.[349]

3 Com a fama, e attractivo das riquezas de Hespanha fizeraõ transito a
estas partes muitas gentes de outras nações;[350] e como as linguas
entraõ nas Provincias com os seus Conquistadores, introduziraõ
os Cartaginezes, e Gregos muitos vocabulos dos seus idiomas, que
ainda conservamos, e retemos.[351] Depois vieraõ os Romanos, e para
expulsarem de Hespanha aos Cartaginezes, gastaraõ naõ menos que
duzentos annos até a vinda de Augusto Cesar.

4 Em todo este espaco de tempo foraõ os Romanos intromettendo, e
espalhando pouco a pouco as suas leys, costumes, e locuçaõ;[352] e
confederando-se com os nossos por casamentos, fundando Colonias, e
estabelecendo Conventos Juridicos, para que todo o governo de paz, e
guerra dependesse delles, obrigaraõ por este modo politico, e sagaz
a que todos os Lusitanos fallassem Latim. Nelle sahiraõ taõ insignes
alguns, que depois o foraõ ensinar dentro a Roma.[353]

5 Corria o anno de Christo 409, quando os Godos, Alanos, Vandalos,
Suevos, e outras Nações barbaras Septentrionaes invadiraõ Italia,
França, e Hespanha e assim como esta barbaria Gotica fez descahir da
pureza da lingua Latina aos Romanos, produzindo em Italia o dialecto
Italiano, em França o Francez, em Hespanha o Castelhano, assim em
nossos Paizes fez nascer a lingua Portugueza.[354] Verdade he que os
Godos desejaraõ muito accommodarse com a lingua Romana, mandando verter
em Latim os nomes dos officios de seus palacios, Corte, e exercitos;
porém como era gente mal disciplinada, misturou de tal fórma hum
com outro idioma, que enchendo-o de sollecismos, barbarismos, e
impropriedades, relaxou, e corrompeo totalmente o Latim, que os nossos
fallavaõ, mudando-lhe até os caracteres Latinos em letras Goticas, que
introduzio o Bispo Ulfilas,[355] especialmente nos livros sagrados, e
Ecclesiasticos.

6 Sobrevieraõ os Mahometanos, e entaõ se acabou de arruinar, e
perverter a lingua totalmente com as palavras Arabigas. Hum nosso
Author muito erudito[356] diz, que na invasaõ dos Mouros, ficando
livres as montanhas de Asturias, para onde foraõ refugiarse os
Hespanhoes, que ficaraõ depois do ultimo Rey Godo D. Rodrigo, se
conservara entre elles illezo o Romance, que era vulgar no dominio
Gotico, sem mescla do idioma Arabe. Assim seria; mas quem poderá negar
que dos Arabes se deduziraõ, e permanecem ainda em o nosso dialecto
muitas dicções, que principiaõ por _al_, e _xa_, e as que finalizaõ em
_z_, como observou o insigne Joaõ de Barros?[357]

7 Entrou finalmente em Portugal o Conde D. Henrique, primeiro tronco
dos Reys Portuguezes; e como elle era Francez, e casou com Princeza
Castelhana, causou na lingua outra mudança, aggregando-lhe novo
complexo de palavras Castelhanas, e Francezas; porque como bem advertio
o discreto Bembo,[358] tratando da alteraçaõ, que tinha havido na
lingua de Roma até o anno de 1540, conforme saõ os Soberanos, que
governaõ, assim saõ os idiomas, que se fallaõ; porque o discurso como
o corpo se costuma vestir, e ornar, segundo o uso, que ordinariamente
sempre segue o exemplo do Rey: e attendendo a este peregrino, e verbal
matiz, disse o Padre Joaõ de Mariana,[359] que a lingua Portugueza era
mesclada de Latim, Francez, e Castelhano. Todavia as composições feitas
em vulgar Portuguez, que daquelle seculo permanecem, saõ de fórma,
que hoje se fazem imperceptiveis, e de ingrata dissonancia aos mesmos
compatriotas.[360]

8 Ainda no tempo delRey D. Diniz, do qual affirma Manoel de Faria[361]
que fora douto, e Poeta, e que o nosso idioma grangeara por esse
respeito mais perfeita cultura, se conferirmos, e cotejarmos o estylo,
e as palavras daquella era com as de agora, acharemos infinita
differença. O Padre D. Antonio Caetano de Sousa[362] transcreve huma
carta daquelle Rey em resposta de outra de sua Santa consorte a Rainha
Santa Isabel, cuja locuçaõ bem confirma o que dizemos. Veyo ultimamente
o grande Virgilio Portuguez Luiz de Camões com as suas Poezias epicas,
e lyricas, e o incomparavel Demosthenes Lusitano o Padre Antonio
Vieira com as suas declamações Evangelicas, para communicarem o ultimo
resplandor, formosura, e perfeiçaõ à lingua Portugueza.

9 Com este augmento, e estado participa ella presentemente de todos
aquelles attributos, que a podem fazer summamente estimavel entre
as melhores da Europa, porque tem abundancia de termos, e copia de
palavras, com que se explica; e algumas taõ efficazes, que as que
saõ nativas, e propriamente Portuguezas, em nenhuma outra lingua se
encontraõ semelhantes, nem ainda equivalentes. Só o Portuguez com a
unica palavra _Saudade_ sabe exprimir com muito mayor força, e energia
a constancia do amor ausente; e com a voz _Magoa_ a penetrante dor do
sentimento. Para fallar em todo o genero de assumptos tem a extensaõ
necessaria de vocabulos, e modos abundantes: por isso disse bem o Tito
Livio Portuguez Joaõ de Barros,[363] que se Aristoteles fora nosso
natural, naõ fora buscar lingua emprestada para escrever na Filosofia,
e em todas outras materias, de que tratou; e se lhe faltara algum termo
succinto, fizera o que vemos em muitas partes aos presentes, que quando
carecem de termos Theologaes os Theologos para entendimento real da
cousa, os compozeraõ, e assim os Filosofos, Mathematicos, Juristas, e
Medicos: e o recurso a idiomas estranhos na introducçaõ de vozes novas
naõ só he licito, mas preciso.

10 Nós naõ podemos negar que a nossa lingua se tem valido, enriquecido,
e aproveitado das vozes, e frazes de outras Nações, como até agora
temos visto: mas qual será o idioma, que naõ tenha usado deste
subsidio? Naõ nos dá o breve methodo, que seguimos, lugar para nos
deter com exemplos demonstrativos; porém só notamos, que a lingua
Castelhana, (da qual intenta mostrar hum Author[364] que a Portugueza
he seu dialecto,) mendigou tambem da nossa algumas palavras; e se
nós foramos mais solicitos nas traducções Latinas, como tem sido a
gente Castelhana, Italiana, e Franceza, tiveramos avocado muitos mais
vocabulos, e vozes da lingua Latina, em fórma que a Portugueza naõ
parecesse já corrupçaõ sua, como lhe chamou Camões,[365] mas muito mais
semelhante a ella, como filha legitima de mãy taõ nobre.[366] E assim
como por meyo das conquistas da Asia, e Africa adquirimos as palavras:
_Lascarim_, _Chatino_, _Zumbaya_, e outras muitas, que nos saõ já
domesticas, da mesma sorte tiveramos conquistado inteiramente a lingua
Latina, cujos vocabulos ainda assim tem degenerado taõ pouco no idioma
Portuguez, que sem violencia podem nelle comporse muitos discursos com
a mesma conformidade com a Latina,[367] o que naõ succederá facilmente
às outras locuções, que se prezaõ de serem seus dialectos.

11 Participa mais a lingua Portugueza da estimavel circumstancia de se
poder articular com huma pronunciaçaõ sonora, desembaraçada, e suave;
porque nem he gutural, nem finaliza as dicções em consoantes asperas,
como saõ: _d_, _n_, _t_, _x_, assim como ouvimos a muitas linguas da
Europa. E quando naõ houvera a confissaõ constante de muitos Authores
graves Castelhanos,[368] que affirmaõ haver na lingua Portugueza esta
mesma suave prolaçaõ, bastava o provar aquella aptissima, e notoria
facilidade, com que os Portuguezes adquirem, e fallaõ com cadencia
todas as linguas estrangeiras, a que se applicaõ, o que naõ he taõ
factivel aos outros com a nossa, que poucas vezes atinaõ com a sua
verdadeira pronunciaçaõ.[369]

12 Attribuem muitos esta difficuldade àquella frequencia do nosso
dipthongo _aõ_, corruptamente deduzido do _om_ Francez, e Gallego, em
que nossos compatriotas antigamente acabavaõ todas as dicções, que hoje
terminamos em _aõ_, excepto os da Provincia do Minho, que pela mayor
visinhança de Galiza ainda claudicaõ nisso. A quem se faz mais difficil
articular este dipthongo, he à gente Castelhana, porque tem o costume,
de finalizar com a letra _n_ quasi todas as palavras, que nós acabamos
em _m_. Este embaraço pretendeo desterrar do nosso idioma Antonio de
Mello da Fonseca no seu _Antidoto da lingua Portugueza_, cujo arbitrio
naõ foy bem aceito pelo sabio, e prudente juizo dos criticos, porque
este proprio mytacismo, (se assim lhe quizermos chamar) convem muito
com o _am_ dos Latinos, terminaçaõ frequente assim de nomes, como de
verbos, e com tudo a defende Quintiliano;[370] nem deixa de parecer
grave, e suave a cadencia Latina com estas terminações, que com
mayor facilidade suavizaremos, usando do remedio, que em outra parte
advertimos[371] para a boa elegancia, e eloquencia Portugueza.

13 Desta magestosa armonia procede fazerse o idioma Portuguez apto,
e opportuno para todos os estylos, e assumptos, e para o verso com
especial propriedade. Tal era o apreço, e estimaçaõ, que as Musas
Castelhanas faziaõ da nossa lingua para expressar quaesquer affectos
por meyo do Numen, ou Enthusiasmo Poetico, que deixavaõ a sua lingua
para compôr no rithmo Portuguez. Assim o affirma Argote de Molina,[372]
allegando humas Coplas Portuguezas de Macias, Poeta Castelhano: _Si
alguno le parecer que Macias era Portuguez, esté advertido, que hasta
los tiempos delRey D. Enrique III. todas las Coplas, que se hazian,
commummente por la mayor parte eran en aquella lengua_. De maneira,
que assim como em Italia entre todos os idiomas era a lingua Provençal
a escolhida para o verso por todos os Poetas, ainda que naõ fossem
Provençaes,[373] assim na Hespanha era reputada mais propria para a
Poezia a locuçaõ, e fraze Portugueza por todos os Poetas Hespanhoes,
por lhe acharem genio, e caracter especial para isso. Com o governo
porém delRey D. Joaõ I. que mandou usar da lingua Castelhana nas cousas
publicas, de entaõ para cá deixaraõ os Castelhanos de compor versos no
idioma Portuguez.[374]

14 A vantagem de escrevermos da mesma sorte, que pronunciamos, tambem
he huma das perfeições, que se encontra na lingua Portugueza, e que
se naõ acha nas outras, porque só assim se dá huma regra geral, para
que todos observem huma igual orthografia; pois as etymologias ainda
das linguas mais doutas sempre saõ distantes, e incertas, e como já
mortas se tem corrompido, e alterado muito, havendo varias palavras
Portuguezas, que se derivaõ de outras linguas mais modernas, e naõ
entroncaõ com a Latina, Grega, Arabiga, e Hebraica, senaõ depois que
as Nações menos antigas beberão nas fontes, e alteraraõ a sua nativa
pureza.

15 Neste particular tem grande força o uso, e por isso o grande P.
Vieira, revendo os seus proprios livros, (aos quaes só elle podia
emendar,) disse onde imprimiraõ _Devoçaõ_, lea-se _Devaçaõ_; mas o
primeiro ficou prevalecendo. Alguns Compositores se tem mostrado
nimiamente declarados por esta parte, querendo que a palavra _Homem_,
e outras assim semelhantes se escrevaõ sem _H_, como os Italianos. O
melhor he seguir a mediania, como fazem os doutos, cujo exemplo he
só assequivel, e naõ proceder com affectaçaõ, e estravagancia, assim
como fez certo Author moderno, (posto que engenhoso) em huma nova
orthografia, que usa, pondo tambem ligados dous _rr_ no principio
da dicçaõ,[375] contra toda a norma, e costume dos eruditos. Outras
muitas propriedades, e predicados da nossa lingua observou curiosamente
o Chantre de Evora Manoel Severim de Faria no discurso, que temos
allegado.


NOTAS DE RODAPÉ:

[345] Monarq. Lusitan. liv. 2. cap. 5.

[346] Matut. Prosapia de Christ. Edad 2. cap. 4. § 8. Marin. Siculo,
Garibay, e outros apud D. Thomaz Tamayo na Defensa de Flavio Dextro p.
103.

[347] Gandara, Triunf. del Rein. de Galiz. no Append. cap. 5.

[348] Monarq. Lusit. ut supr.

[349] Plin. lib. 3. cap. 1.

[350] Strab. lib. 1. & lib. 15. Vasæus lib. 1. cap. 11.

[351] Resend. lib. 1. Antiq. e nas Notas ao Poem. de S. Vicent. liv. 2.
not. 44. Far na Europ. Port. tom. 3. part 4. cap. 9. Matut. ut sup. §.
5. Joaõ Franco Barreto na Ortogr. Port. Luiz Martinho nas Antiguid. de
Lisb. liv. 1. c. 13.

[352] Resend. lib. 3. Antiquit. _Abiere tandem in Romanorum mores
Lusitani, & civilitatem, linguamque Latinam, sicut & Turdetani
accepere._ Aldret. nas Antiguid. de Hesp. liv. 1. cap. 11.

[353] Manoel Severim de Faria Notic. de Port. disc. 5. §. 2.

[354] Kirquer de Turri Babel lib 3. p. 131. _Ex adventu Gothorum,
Alanorum, Vandalorum ingentem corruptionem passa, quaternas alias
peperit, Italicam, Gallicam, Hispanicam, Lusitanicam._

[355] Marian. Histor. de Hesp. tom. 1. liv. 9. cap. 18. Yañes liv. 2.
p. 644. de la Era, y Fechas de Hesp.

[356] Martinh. de Mendoç. Disc. Philolog. contr. P. Feijó impress. em
Madrid ann. 1727.

[357] Joaõ de Barr. Dialog. do louv. da nossa linguag. p. 56.

[358] Bemb. nas Pros. liv. 1. p. 16. vers.

[359] Marian. Histor. de Hesp. lib. 1. cap. 5.

[360] Veja-se a Far. na Europ. Portug. tom. 3. part. 4. cap. 9. e no
Comm. das Rim. de Cam. tom. 4. part 2. pag. 81. Brit. Chronic. de
Cister liv. 6. cap. 1.

[361] Idem Far. na Europ. Portug. tom. 3. part. 4. cap. 9.

[362] Sousa no Agiolog. Lusit. tom. 4. pag. 58. Veja-se o Apparat. da
Histor. Geneal. do mesmo Author tom. 1. p. 208. e a Leitaõ Ferreira nas
Noticias Chronolog. n. 574.

[363] Joaõ de Barr. Dialog ut supr. pag. 55.

[364] Gregor. Lop. Madeira no Disc. del monte Santo de Granad. part. 2.
cap. 19. p. 70.

[365] Camões Cant. 1. Lusiad. est. 33.

[366] Kirquer de Turri Babel lib. 3. cap. 1. p. 131.

[367] Joaõ de Barros, Manoel de Far. Joaõ Franco Barreto já allegados.
Manoel Severim de Far. Disc. var. disc. 2. Macedo nas Flores de
Hespanh. cap 22 excel. 7.

[368] Marian. Histor. de Hesp. liv. 1. cap. 5. Lope da Vega na Descr.
da Tapada, e na Dorot. act. 2. scen. 2. pag. 40.

[369] Veja-se a Faria no Prologo do tom. 1. da Europ. Port. e a D.
Bernarda Ferreira na España libertada cant. 1. est. 6.

[370] Quintil. lib. 9. cap. ult.

[371] No Espelho da Eloquencia §.7. n.4.

[372] Molina liv. 2. de la Nobleza de Andaluzia p. 273.

[373] Bembo nas Pros. pag. 10.

[374] Sever. de Far. Disc. var. disc. 2. p. 85. Brandaõ na Monarq.
Port. liv. 16. cap. 3.

[375] Veja-se o tom. 1. das Cart. Famil. de Francisco Xavier de Oliv.
Cart. 7. p. 54.



                             CAPITULO XIV.

_Do Genio, e costumes Portuguezes._


1 Hum dos pontos mais precisos, e uteis, que se costuma sinalar no
assumpto Geografico, he a informaçaõ, e pintura dos genios, usos, e
inclinações das gentes de qualquer Paiz:[376] por isso depois de ter
dado noticia do material do sitio, qualidade, abundancia, e outras
especies memoraveis do terreno Portuguez, como primeira base do nosso
intento, segue-se expôr as propensões naturaes, e costumes de seus
habitadores.

2 E se nós houveramos de deduzir esta informaçaõ desde a raiz de sua
primeira origem, e segundo a examinou diligentemente Estrabo, (que por
agora omittimos,) com serem os primeiros Portuguezes povos incultos,
e agrestes, nem por isso veriamos as suas condições taõ barbaras, e
intrataveis, que presentemente nos pudessemos envergonhar de serem
elles nossos progenitores.[377] Com a melhor cultura, e Religiaõ se
melhoraraõ alguns abusos, que depois se foraõ alterando com a entrada
de outras nações; mas como os ramos naõ degeneraõ da substancia do
tronco, nenhuma se atreveo até agora a questionarnos o esforço,
espirito, valentia, e gloria militar.

3 Esta primeira prerogativa, e brazaõ, que como herança alcançaraõ
os Portuguezes de pays a filhos sempre com a mesma honra, que os
antepassados, se acha soberanamente acreditada, e expendida nos
Annaes, e Historias do mundo em todos os seculos. Diodoro Siculo
affirmou,[378] que os Lusitanos eraõ os homens entre os Hespanhoes
os mais fortes, e valentes. O mesmo conceito ratificaraõ Vegecio,
Plutarco, Tito Livio, Valerio Maximo, e outros muitos Authores antigos,
e estranhos, com quem os modernos se conformaõ,[379] cujos testimunhos,
e ditos naõ referimos por extenso, por ser este hum ponto de mayor
grandeza, e indubitavel.

4 Só he preciso conhecer que o caracter desta valentia naõ he furor,
que offusca o juizo, mas sim hum valor virtuoso, que obra por impulso
da razaõ. He hum natural movimento, que, segundo a opportunidade das
acções, sabe sempre usar com bizarria. Como todo o Portuguez, só estima
o apreço da honra, despreza qualquer perigo para o conseguir. Este
brio, e alento intrepido faz ser aos Portuguezes homens de ferro para
o trabalho marcial, commettendo, e executando façanhas, que tem mais
de verdadeiras, que de verosimeis, e conforme disse nosso Poeta,[380]
excedem as sonhadas, fantasticas, e fabulosas, que as estranhas Musas
tanto souberaõ engrandecer.

5 A _Lealdade a seus Principes soberanos_ he outra admiravel prenda,
de que só os corações Portuguezes podem blazonar com grande
singularidade. Todas as Chronicas do mundo, se bem repararmos, estaõ
salpicadas do sangue de parricidios, e inconfidencias dos vassallos
para seus Reys; só da naçaõ Portugueza naõ consta que faltassem já
mais à fé promettida de seu verdadeiro Soberano. Foy observaçaõ do
doutissimo Thomás Bosio,[381] natural de Gubio, Cidade de Urbino, e de
outros gravissimos Authores.[382] Ardem os Portuguezes no amor do seu
Rey, e com esta preclara segurança triunfaõ nossos Monarcas de todo o
receyo, podendo-se chamar Reys naõ de vassallos, mas de filhos.[383]

6 Com as dilatadas viagens das Conquistas acabaraõ elles de confirmar,
e appropriarse a virtude desta fiel obediencia, e respeitosa
constancia, sem ser possivel desviallos, ou arrancallos em obsequio
della ainda os immensos trabalhos, e perigos, que padeceraõ, (e
padeceráõ, quando a occasiaõ o peça,) de climas encontrados, e asperos;
de fomes, sedes, frios, e traições malevolas de inimigos. Foy o que
disse Vasco da Gama por boca do nosso famoso Poeta[384] ao Rey de
Melinde:

  _Crês tu que se este nosso ajuntamento
    De Soldados naõ fora Lusitano,
    Que durara elle tanto obediente
    Por ventura a seu Rey, e a seu Regente?
    Crês tu que já naõ foraõ levantados
    Contra seu Capitaõ, se os resistira,
    Fazendo-se piratas obrigados
    De desesperaçaõ, de fome, de ira?
    Grandemente por certo estaõ provados,
    Pois que nenhum trabalho grande os tira
    Daquella Portugueza alta excellencia
    De lealdade firme, e obediencia._

Com termos de grande elogio particularizaõ tudo Authores de grave
authoridade.[385] E posto que a 13 de Janeiro de 1759 vimos no Caes
de Belem desta Cidade lastimosamente punidos por traidores, perfidos,
e parricidas huns miseraveis, que se denominavaõ Portuguezes, foy
bem acordado à suprema Junta da Inconfidencia, antes de sentenciar
o insulto, desnaturalizar aos aggressores; para que em nenhum tempo
servisse de ludibrio a huma Naçaõ taõ fiel ao seu Rey, hum exemplo
taõ indigno, e execrando. A mesma fé, e palavra estipulada na
correspondencia de qualquer negocio, ou com o estrangeiro, ou nacional,
se observa sempre inviolavel.[386]

7 O heroico titulo de _Conquistador_ he huma das excellencias
felicissimas, que particularmente compete tambem ao genio Portuguez.
Desde o feliz reinado delRey D. Joaõ I. pelos annos de 1415 meteraõ os
Portuguezes o braço, e asseguraraõ o pé nas quatro partes do mundo com
inveja gloriosa de todo elle; e se as generosas ousadias conseguem o
brazaõ de grandes já desde o seu primeiro intento, muitos annos antes
da sua execuçaõ residia no sublime peito, e mente Regia de nossos
antigos Principes o mesmo glorioso projecto.[387] Por este meyo se
vio a Monarquia Portugueza augmentada sem diminuir os Reinos alheyos;
fez-se grande sem fazer nenhum pequeno; e com grandeza verdadeiramente
propria até o tempo delRey D. Joaõ III. numerou trinta e dous Reinos
remotos tributarios, e quatrocentas e trinta e tres Praças presidiadas,
com outras muitas Ilhas consideraveis,[388] naõ havendo no mundo
clima, em que as sagradas Quinas Portuguezas naõ se exaltassem
triunfantes.[389]

8 Mas sobre todas as prendas, nenhuma acredita melhor de estimavel o
genio Portuguez, que o zelo, e fervor, com que abraçaraõ, dilataraõ,
e conservaõ a Fé de Christo. Elles foraõ os primeiros, que na Europa
erigiraõ Templos sagrados para o culto da verdadeira Religiaõ: elles
foraõ os que debellaraõ, e expulsaraõ de suas Provincias aos Sarracenos
muitos centos de annos antes que outro algum Reino de Hespanha podesse
livrarse de taõ vil gente: elles foraõ os que depois de limpar as suas
terras da infecta naçaõ Arabe, continuaraõ em perseguilla na Asia, e
Africa, naõ com outro motivo, senaõ para lhes intimar, e propagar a Fé
Catholica. Aos Portuguezes devem todos aquelles dilatados povos do
Oriente o conhecimento da verdade Evangelica, a obediencia aos Summos
Pontifices da Igreja, e a salvaçaõ das suas almas:[390] elles saõ
finalmente os que para gastar no culto Divino tem mais ambiçaõ do que
o mundo todo cubiça para adquirir ouro, e riquezas. Todo este zelo, e
piedade he ponto, que para caber no breve espaço deste nosso Mappa, he
preciso resumillo, e assinallallo com caracteres miudos.

9 Nas _Sciencias_ supposto que antigamente floreceraõ nellas alguns
Portuguezes, de que faz mençaõ Antonio de Sousa de Macedo,[391]
com tudo naõ era com aquella fertilidade, com que pelos seculos
mais chegados aos nossos deraõ os Portuguezes a conhecer a extensa
capacidade do seu talento, e engenho. A confusaõ, e estrondo das
armas, e das guerras naquelles primeiros tempos taõ continuas,
e o acommettimento de inimigos taõ differentes naõ permittiaõ a
tranquilidade, e socego, que requerem as Musas. Havia mais Portuguezes
valerosos, que letrados. Produzia Portugal Scipiões, Cesares,
Alexandres, e Augustos no valor, mas destituidos do adorno das
sciencias, como lamentou Camões,[392] e Francisco de Sá de Miranda:[393]

  _Dizem dos nossos passados
    Que os mais naõ sabiaõ ler,
    Eraõ bons, eraõ ousados,
    Eu naõ gabo o naõ saber._

10 Até o tempo delRey D. Diniz, sexto Rey deste Reino, ainda naõ se
conhecia nelle que cousa eraõ gráos de Doutores, nem de Bachareis,
nem de Mestres: aos que sabiaõ alguma cousa chamavaõ-lhe Escolares,
porque hiaõ estudar fóra do Reino. De sorte, que o primeiro Rey, que
instituio Escolas publicas para se aprenderem as sciencias, foy ElRey
D. Diniz, o qual fundou tambem a insigne Universidade de Coimbra, donde
continuamente se estaõ produzindo Mestres eruditissimos, e formando
infinitos homens prodigiosos em todo o genero scientifico. Tudo cantou
Camões na. 97. do 3.

  _Fez primeiro em Coimbra exercitarse
    O valeroso officio de Minerva,
    E de Helicona as Musas fez passarse
    A pizar do Mondego a fertil herva.
    Quanto póde de Athenas desejarse,
    Tudo o soberbo Apolo aqui reserva:
    Aqui as capellas dá tecidas de ouro,
    De Baccaro, e do sempre verde louro._

11 Esta habilidade intellectual confirmaremos com provas mais
evidentes, quando mostrarmos o genio, e engenho dos Portuguezes em
toda a faculdade literaria. Passemos a expressar outros predicados.
Na producçaõ de alguns inventos saõ elles naõ só fecundos, mas
utilissimos. Henrique Garcez foy o primeiro, que achou na America o
uso do azougue para purificar o ouro. Portuguezes foraõ os que usaraõ
primeiro que outrem comer sentados em cadeiras. Bartholomeu Dias
descubrio o Cabo da Boa Esperança; e Fernando de Magalhães o Estreito,
a que deu nome. Os famosos Mestres Rodrigo, e Joseph, Medicos delRey
D. Joaõ II. inventaraõ o Astrolabio, instrumento Mathematico, o qual
abrio caminho a taõ estupendas navegações. O Infante D. Henrique
inventou a carta de marear; e em outros muitos raros inventos tiveraõ
nossos nacionaes a primazia, e industria, que largamente mostra Manoel
de Faria.[394]

12 Saõ os Portuguezes commummente pouco inclinados a aprender linguas
estranhas, com a sua se contentaõ, que muito prezaõ. Para as que mais
se dedicaõ alguns, saõ a Latina, Castelhana, Italiana, e Franceza, e
nas duas primeiras fallaõ, e compõem com energia, e elegancia. Parece
que nos reinados gloriosos delRey D. Manoel, e D. Joaõ III. havia
mayor curiosidade em se applicarem os nossos às linguas Orientaes pela
precisa interpretaçaõ conducente a facilitar o commercio daquelles
povos, em cujos idiomas foraõ insignes, além de outros, Pedro da
Covilhã, e Fernaõ Martins, dos quaes se lembraõ Joaõ de Barros, e
Camões.[395]

13 O primor, brio, e bizarria saõ attributos muy proprios da gente
Portuguesa. Naõ emprendem cousa alguma, por difficultosa que seja, que
gloriosamente naõ a consigaõ. Affectaõ muito nas occasiões publicas
ostentarse pomposos com gravidade, mayormente os Nobres, e quando estaõ
fóra do Reino. Daqui nasce serem os Fidalgos Portuguezes reputados
por vãos, presumidos, e soberbos; donde o Criticon de Gracian[396]
disse: _Que serian famosos, si non fuessen fumosos_; porém naõ póde
deixar de haver muito fumo, onde ha muito fogo: e como bem observou o
eruditissimo Feijó,[397] toda esta jactancia da Fidalguia Portugueza
naõ he mais que hum chiste, garbo, e dasafogo da vivacidade do seu
espirito. A urbanidade, cortezania, e attençaõ, com que trataõ a todos,
he incompativel com a soberba, e orgulhosa arrogancia, e inchaçaõ,
que se lhes attribue. Saõ muito amigos de valer a quem busca o seu
patrocinio; e nas acções de piedade excedem a todo o mundo, dispendendo
com maõ generosa, e liberal. _Para mi tengo colegido que los Nobles de
Portugal, es gente cuerda en lo que hacen, y agudos en lo que dizen_:
disse D. Antonio de Guevara em huma das suas Cartas.

14 Com desconfianca nos reputaõ os estrangeiros[398] por naçaõ
extremosamente aferrada às maximas, e costumes nacionaes, que só
estimamos, e encarecemos por vantajosos. Póde ser que se assim fora
em todos esta constancia, naõ nos levariaõ elles muita parte da
honestidade, verdade, compostura, modestia, honra, e desinteresse, que
nossos antepassados professaraõ, e que em lugar destas boas prendas nos
não vissemos agora cheyos de cautella, ambiçaõ, ociosidade, soltura,
brindes, banquetes, e outras desordens, que as Nações estrangeiras
nos introduziraõ;[399] porém este conceito naõ se compadece com o que
ordinariamente estamos vendo, que he o nimio apreço, que quasi todos
fazem das acções, modas, e costumes estrangeiros, desamparando com
aleivosia aquelles, em que foraõ criados, sem mais razaõ que por serem
os outros estranhos. Este vicio nacional foy reprehendido por hum dos
nossos Poetas antigos,[400] dizendo:

  _Se hum estranho à terra vem,
    Dizeis todos em geral:
    Nunca aqui chegou ninguem;
    E do vosso natural
    Nada vos parece bem._

  _Em fim que por natureza,
    E constelaçaõ do clima,
    Esta naçaõ Portugueza
    O nada estrangeiro estima,
    O muito dos seuss despreza._

Imitou-lhe o conceito, e a sentença com igual graça o grande Francisco
Rodrigues Lobo no fim da _Egloga 1._

  _Ouvir qualquer estrangeiro
    Fallar de seus naturaes,
    Dá delles taõ bons sinaes,
    Que o naõ tem por verdadeiro.
  Falem-vos n’um natural,
    Dizeis faltas que naõ tem;
    Mente o outro para bem,
    Nós mentimos para mal._

15 Quanto ao traje, e modo de vestir, naõ se póde dizer que o temos
proprio: as invenções dos estrangeiros saõ os modélos, ou moldes dos
nossos habitos. Até o tempo delRey D. Joaõ III. pouca alteraçaõ, e
mudança houve no modo de trajar. Naquelle feliz seculo delRey D.
Manoel, em que o Reino nadava em ouro, trajavaõ os Principes vestidos,
que hoje desprezariaõ os filhos de qualquer mecanico humilde. ElRey D.
Joaõ III. sendo ainda moço, e vendo em differentes occasiões variar de
traje, nunca deixou o Portuguez, dizendo, que nenhuma cousa havia de
ser bastante a fazello parecer estranho em sua patria.[401] Neste mesmo
reinado, e pelos annos de 1530 he que em Portugal começaraõ a entrar
as galas de Castella, e as delicias Asiaticas, que nos corromperaõ
a modestia, e parsimonia antiga, de que tanto se lamentou Sá de
Miranda.[402] Concorreo depois a communicaçaõ das gentes de outros
paizes, que com suas extravagantes invenções nos tem feito servos dos
seus caprichos, e por imitar o alheyo perdemos o proprio. Bem o disse,
e deplorou Simaõ Machado.[403]

  _Vellos-heis, disse, à Franceza,
    Depois disso à Castelhana,
    Hoje andaõ à Bolonheza,
    Á manhã à Sevilhana,
    E já nunca à Portugueza._

Confirma-o Francisco Rodrigues Lobo na Egloga 4.

  _Por isso qualquer profano_
    Nos toma para entremez,
    Porque fazemos cada anno
    Té no traje Portuguez
    Mais mudanças que hum cigano.
  Naõ tomamos isto em grosso,
    Vestimos por tantos modos
    Cada hora, que dizer posso,
    Que naõ temos traje nosso,
    Porque o tomamos de todos._

16 O que tem mais permanecido, he na gente Civil a capa, e volta, e
na plebe o uso do capote, de que os estrangeiros naõ gostaõ, porque
dizem ser contrario à boa politica, por causa de servir de grande
rebuço às pessoas mal intencionadas;[404] porém a boa commodidade, que
este habito faz no Inverno, e ainda às vezes no tempo calido, póde
justificar o seu uso, e dissimular a indifferença da má intençaõ, que
se lhe attribue. As espadas antigamente se traziaõ debaixo do braço sem
a prizaõ do boldrié: os Italianos he que inventaraõ, e nos introduziraõ
a moda do talim; donde Camões nos seus chamados Disparates veyo a picar
esta introducçaõ.

  _Vereis mancebinhos de arte
  Com espada em talabarte,
  Naõ ha mais Italiano, etc._

Tambem se costumavaõ adagas, que hoje estaõ prohibidas; e até o
adereço das espadas já tem degenerado em espadim, e cotós. As barbas
compridas até à cintura se foraõ diminuindo no tempo delRey D. Joaõ
IV. em que ainda se usavaõ bigodes: depois no governo do Senhor Rey D.
Pedro II. se extinguiraõ, e entrou o uso das cabelleiras já agora taõ
domesticado, que se faz reparavel o que naõ usa dellas; e ainda neste
genero de compostura ha cada dia differentes novidades.

17 Entre todas as nações do mundo he só a Portugueza naturalmente
conhecida por namorada. Perguntou a Madre Soror Maria de la Antiga em
certa occasiaõ a Christo, se era Portuguez? O Senhor lhe respondeo:
_Sim filha, que tudo que diz amor, e mais amor está em mim; e essa
parte dos Portuguezes saõ de natural mais nobre; e por certa natureza
que naquelle Ceo influem os Planetas, saã commummente alli as gentes
dessas qualidades._[405] Derretidos de amor nos chamaõ os Castelhanos;
mas este affecto foy, e he sempre exercitado por aquelle teor, e modo,
que aperfeiçoa as pessoas, e as incita a acções decorosamente galantes.
As venerações, e cultos do amor candido saõ taõ antigos em Portugal,
que já em tempo dos Cartaginezes havia templo em Villa Viçosa dedicado
a Cupido, a cujo idolo, que era de prata, e chamavaõ _Endovelico_,
hiaõ em romaria os Portuguezes fazer os seus sacrificios, offerecendo
no principio de cada mez por victima hum cordeiro branco,[406] para
mostrarem o sincero, e racionavel exercicio da mais poderosa paixaõ da
alma. Daqui se infere, que na chamma do amor Portuguez naõ ha fumo de
torpeza: por isso Valerio Maximo reprehendeo asperamente a Q. Metelo
Pio por delinquir nos excessos de Venus dentro da Provincia Lusitana,
que só amava os furores de Marte.[407] Assim o deraõ a entender tambem
aquelles Cavalleiros da Ordem Militar dos Namorados, que na celebre
batalha de Algibarrota obraraõ tantas maravilhas em pura, e honesta
contemplaçaõ das suas Damas;[408] e por desafronta de outras passaraõ
a Londres no anno de 1390 os doze celebrados Portuguezes, que com
gloria, e lustre da patria ficaraõ vencedores.[409] Foraõ finalmente
os Palacios dos Reys sempre escolas universaes da fina galantaria.
Celebravaõ-se saráos, e festins entre Damas, e galantes nas vodas,
nascimentos de Principes, e vindas de Embaixadores, e a este exemplo o
faziaõ os particulares com toda a modestia. Hoje está muy sincopada,
ou, para melhor dizer, extincta a galantaria;[410] donde o grande Sá de
Miranda[411] dizia já no seu tempo:

  _Traspozeraõ os amores,
  E deixaraõ o Paço às cegas._

18 Este amor, e estimaçaõ para com o bello sexo faz ser aos Portuguezes
mais ciosos de suas mulheres, do que merece a sua grande honestidade,
e por conta dos zelos praticaõ cautelas bem escusadas, de que os
estrangeiros naõ costumados a semelhantes precauções bastantemente
se admiraõ, e estranhaõ. As mulheres civis raras vezes sahem de
casa; e quando chega a occasiaõ, que he no Domingo, ou dia Santo, vaõ
acompanhadas de suas criadas, e cubertas com hum manto de seda preta,
mas com tal ar, e garbo, que os mesmos estrangeiros reconhecem especial
genero de attractivo na sua grave compostura, e meneyo. Antigamente
usavaõ de guardinfantes: pouco ha se extinguiraõ os donaires: hoje
todo o luxo anda pelos pés, e de rastos; bom final para se acabar. Na
formosura, talento, e sagacidade excedem as Portuguezas às mulheres de
todo o mundo: parece todavia que com a prenda natural da formosura naõ
vivem algumas com toda a satisfaçaõ, obrigando-as a sua mal fundada
desconfiança, ou ambiçaõ de parecer melhor, a pôr no rosto alguns
unguentos, e certos sinaes, ou retalhinhos redondos de tafetá negro;
porque imaginaõ se fazem daquelle modo mais bellas, e que realçaõ muito
a alvura da cara, de cujo accidente nem todas participaõ, porque de
ordinario as mais delas saõ de cor algum tanto morena, porém o cabello,
e olhos pretos com graça, e viveza.

19 Nos casamentos usavaõ as antigas Portuguezas da Provincia do Minho
naõ sahirem de casa de seus pays para as de seus esposos, senaõ como
violentadas: os seus parentes faziaõ a ceremonia de puxarem por ellas
para fóra da porta arrebatadamente, e indo no meyo de dous padrinhos,
adiantava-se a toda a comitiva hum moço, que levava a roca cheya de
linho, e o fuso. No tempo do Doutor Joaõ de Barros, que floreceo pelos
annos de 1549, ainda permanecia quasi este costume; porque a noiva,
quando sahia da casa de seus pays, diz elle na Descripçaõ do Minho,
chorava muito, dando assim a entender saudosa, que se apartava da sua
companhia contra vontade. Tambem costumavaõ, quando sabiaõ que alguma
moça estava contratada para casar, juntarem-se as visinhas, e parentas
della, e fiarem todas à porfia huma noite até pela manhã, a que chamaõ
fazer seraõ; e como ordinariamente todas as mulheres desta Provincia
saõ grandes fiandeiras, chegavaõ em semelhante empreza a fiar muitas
varas de panno para o enxoval da noiva.[412] Desta sorte ajudaõ huns
aos outros para o dote das filhas, e no dia da voda fazem grandes
festas, e banquetes.

20 No livro dos costumes antigos de Béja se acha escrito, que os
moradores desta povoaçaõ se queixarão a ElRey D. Diniz no anno de 1339,
dizendo: que os Fidalgos, e poderosos, quando casavaõ seus filhos,
e parentes, rogavaõ ao Alcaide mór, Alvazis, (isto he, Vereador)
Fidalgos, e homens bons da terra, com os Alcaides das Aldeas, e que com
toda esta companhia hiaõ pelos montes pedir carneiros, gallinhas, e
outras cousas, que lhe naõ podiaõ negar em abundancia com vergonha do
acompanhamento que levavaõ. Este excesso remediou ElRey, mandando que
dalli por diante naõ houvesse acompanhamentos semelhantes, permittindo
que só o noivo com hum companheiro fosse recolher a voluntaria offerta
de seus paizanos. Assim o refere Fr. Francisco Brandaõ na _Monarquia
Lusitana liv. 18. cap. 30._ accrescentando: que este costume que agora
pareceria incivil, e pouco decente para os noivos, que sempre haõ de
ostentar grandezas, e naõ indigencia, conforme o costume moderno cheyo
de fausto, e ostentaçaõ, julgava a singeleza advertida daquella boa
idade por decorosa correspondencia dos novos casados, gratificando
nesta parte do estado da Republica, que pelo Matrimonio se amplia.

21 Muitas vezes acontece escolherem as filhas o marido contra a vontade
dos pays, e para obviar esta opposiçaõ na eleiçaõ livre do seu estado,
e de seu esposo, consentem que estes as tirem por justiça. Vaõ logo
ser depositadas pelo Meirinho Ecclesiastico em alguma casa de pessoa
honesta; e procedendo a perguntas, se persistem na mesma vontade, se
recebem, ficando os pays da noiva obrigados a contribuir com o dote
proporcionado aos bens, que lhe competem.

22 O divertimento da caça he generico em todo o Portugal. Os Gregos,
quando vieraõ a Lisboa,[413] introduziraõ o da altenaria, que se
pratica com açores, falcões, e gaviões, de que compoz huma excellente
Arte Diogo Fernandes Ferreira; porém este exercicio nobre foy mais
proprio dos nossos Principes, e muito usado até o tempo delRey D.
Sebastiaõ. Permanecem hoje os outros generos de caça mais laboriosos
em grande risco das mais ligeiras aves, que se naõ livraõ da destreza
dos tiros para abonarem à custa da sua vida o primor, e acerto da
espingarda Portugueza. Offerecem igualmente hum admiravel passatempo
as muitas ribeiras, e rios com a pescaria de seus peixes. Os jogos da
péla, tabolas, bola, e cartas entertem a muitos ociosos, e às vezes
passa a occupaçaõ cheya de damnos, e perigos. Nas academias, ou casas
publicas destes jogos he costume dar barato, ou alguma porçaõ do lucro
aquelle, que tiver ganhado, aos que estaõ em roda vendo.

23 Sobre todos os divertimentos, o mais celebre, e plausivel he o
combate dos touros, ou seja de pé, ou de cavallo: festa que traz origem
do Gentilismo, para o qual todos concorrem com grande gosto, e se fazem
com muito apparato, e magnificencia.[414] Esta he só a occasiaõ em
que os estrangeiros dizem[415] que podem à sua vontade ver as Damas
Portuguezas ornadas com todos os seus enfeites; mas todavia he este
genero de espectaculo taõ perigoso, que só o costume lhe podia tirar o
horror, e que justamente reprova nosso D. Francisco Botelho em huma das
suas Satyras latinas. Mais vistosas saõ as outras festas, que às vezes
fazem os Cavalleiros Portuguezes, chamadas Justas, Torneyos, Alcancias,
e Cavalhadas, onde se vê a destreza, brio, e desembaraço de andar a
cavallo, em que algumas pessoas de qualidade saõ insignes.

24 Amaõ os Portuguezes com especial affecto a Poezia, e a Musica. Hoje
anda muito em moda no applauso de qualquer acçaõ meritoria transferir
o Parnaso para o sitio do elogiado, e alli glosando motes, e compondo
versos de improviso, mostraõ as Portuguezas Musas nestes oiteiros
laudatorios, que naõ tem inveja de Apollo no seu aprazivel monte de
Acaya. O instrumento musico, a que chamaõ _Viola_, he propriamente
Portuguez, e que serve em todos os festejos domesticos, e publicos,
a cujo som entoaõ ordinariamente motetes, e cantigas pateticas com
aquella variedade, que pede a intençaõ do divertimento. O grave aspecto
da compleiçaõ nacional parece que insinúa pouca familiaridade entre
huns, e outros compatriotas: daqui vem serem raras as pessoas, que
convidaõ a seus amigos para jantar com elles; mas quando o fazem, he
com mesa farta, limpa, e saborosa, e as mais das vezes ostentando
grandeza, vaidade, e desperdicio.

25 Outros muitos costumes omittimos, naõ só porque seria preciso hum
grande volume, se houvessemos de descrevellos pontualmente, mas porque
estas extensas narrações saõ mais proprias para a Historia, que para a
Geografia. Com tudo antes de clausular este Capitulo, diremos alguns
sentenciosos attributos dos Portuguezes para mayor conhecimento do seu
genio, segundo a discreta observaçaõ, e experiencia de alguns Authores
nossos.

Os Portuguezes sempre tiveraõ pouca duvida nos grandes casos.[416]

Lastíma muito mais aos Portuguezes o louvor alheyo, que o esquecimento
do seu proprio.[417]

Tem o Portuguez por disfavor usado com elle o favor, que vê usar com o
seu companheiro.[418]

He muito proprio de Cavalheiros Portuguezes com a inveja da primeira
gloria estorvarem-se a si o logro da segunda, querendo mais ficar sem
alguma, que ver a outrem com vantagem.[419]

Cada hum dos Portuguezes da primeira grandeza tudo querem para si, e
todos nada para alguem.[420]

Cada hum dos Portuguezes presume que se lhe deve tudo; e assim qualquer
cousa, que se dá aos outros, cuida que se lhe rouba.

Sempre o animo Portuguez esteve alegre nos perigos, e ainda nos
tormentos.

Amou sempre mais hum Portuguez a fidelidade, que a fortuna.

Nenhuma cousa logrou a mayor antiguidade, que a naõ lograsse a gente
Portugueza.

A gente Portugueza para com seus desejados Principes mil vezes
substituio a adoraçaõ pelo decoro.

Naõ se sujeitou já mais a gente Portugueza sem alguma soberania.

Nunca a espada Portugueza deveo triunfos à multidaõ dos exercitos,
senaõ à grandeza dos corações.

Mil vezes tem sido a confiança natural cutello da Naçaõ Portugueza.

Na gente Portugueza desde os fundamentos está de posse encommendar ao
espirito o que outras Nações à copia.

A Nação Portugueza sempre se prezou mais de ser acredora da voz da
fama, que de sujeita a seus favores.

A gente Portugueza sempre foy affectadora de estimações, e decoros pela
ostentaçaõ do pomposo, e do grave, e ainda do vaõ.

Mais cabem no mundo os Portuguezes, que elle nelles.

Ao coraçaõ Portuguez ainda hum mundo lhe vem estreito.

Com a gente Portugueza nunca pode tanto o furor da guerra, como a
affabilidade dos Principes.

Os Portuguezes saõ como o mar, muy serenos no socego, e na colera
insoportaveis.

As mulheres Portuguezas em seguindo o caminho da modestia, saõ unicas
nella; e tambem unicas em liberdades, se tomaõ o caminho de livres.

Naõ poucas vezes as matronas Portuguezas depozeraõ a roca pela espada,
fiando vidas assim como linho.

Todo o zelo he mal soffrido, mas o zelo Portuguez mais impaciente que
todos.

He natureza, ou má condiçaõ da nossa Lusitania naõ poder consentir que
luzaõ os que nascem nella.

He timbre da nossa Naçaõ, tanto que sahe à luz quem póde luzir,
tragallo logo, para que naõ luza.

Os Portuguezes deraõ fundo com as ancoras, onde Santo Agostinho naõ
achou fundo com o entendimento.

Nenhum golpe deu a espada dos Portuguezes, que naõ accrescentasse mais
huma pedra à fabrica da Igreja.

Os Portuguezes para os infieis tem a espada, para os Catholicos tem o
escudo.

Os Portuguezes primeiro se chamaraõ Mundanos, e depois Lusitanos, para
trazerem no nome a luz do mundo.

Os Portugueses sempre descobriraõ Imperios para si, e cubiças para
outros.

O mayor louvor da nossa Naçaõ he chegarem os Portuguezes com a espada,
onde Santo Agostinho naõ chegou com o entendimento.

Em Portugal esteve sempre certo o descuido com quem mereceo cuidado.

A Naçaõ Portugueza mais se préza de fazer, que de dizer.

Quem quizer inteirarse mais do genio Portuguez, e sem a desconfiança
de ser informado por algum nacional, póde ver entre os estranhos
sem suspeita aos Authores abaixo citados,[421] e outros, que allega
Hoffman,[422] porque nós concluimos com o que promette aos Portuguezes
o grande Camões em hum dos seus Cantos.

  _Por mais que da fortuna andem as rodas
  Naõ vos haõ de faltar, (gente famosa)
  Honra, valor, e fama gloriosa._


NOTAS DE RODAPÉ:

[376] Bentivoglio tom. 4. Relac. p. 86.

[377] Resend. liv. 1. de Antiquit. _Neque tunc quidem malos, neque modo
nobis erubescendos._

[378] Diodor. Sicul. lib. 6. cap 9. e Boem. de morib. gent. lib. 3. cap
25. e Fern. Nun. no Commento à Copla 48. de Juan de Mena.

[379] Justin. lib. 44. Bos. lib. 5. cap 23. e outros apud Maced.
nas Flor. de Hesp. cap. 14. per totum Justo Lipsio lib. 5. Epist.
66. Famian. Strad. de bel. Belgico lib 4. pag. mihi 188. Boter. nas
Relaç. p. 2. liv. 4. p. 93. e 101. Joaõ Bautista Moreli na Reducion, y
Restaur. de Port. p. 15. e 183. Garibay tom. 4. liv. 35. cap. 16. Fr.
Anton. de S. Roman. Histor. da India liv. 1. cap. 16. Sandoval Histor.
de Carl. V. part. 2. liv. 22. §. 4. Marian. Hist de Hesp. tom. 1. liv.
10. cap. 13. Lope da Vega na Arcad. liv. 3. p. 109. Dos nossos veja-se
a Gaspar Estaço nas Antig. de Port cap. 74. Monarq. Lusit. tom. 3. liv.
10. cap. 15. Bento Pereira na Pallas togata, & armata clas. 4. p. 319.
Fr. Francisc. de Maced. no Propugn. Lusit. part. 1. cap. 6. p. 146.
Far. nos Comm. das Lusiad. p. 245. Fr. Manoel Hom. no Memor. das arm.
cap. 37.

[380] Cam. Cant. 1. est. 11.

[381] Bosio tom. 1. de Signis Eccles. Dei cap. 1. lib 8 _Nulla natio ab
orbe condito præter Lusitanicam reperitur, quæ per tot sæcula civilibus
bellis minùs adversùs Reges suos fuerit commota. Imò nunquam commota
adversùs Reges communi decreto constitutos... Hanc laudem deberi
Lusitanica genti, ut Regum suorum studiosissima fuerit... Catholicis
hoc Lusitanis ab orbis exordio divinitùs est concessum, ut nunquam
Reges suos communi decreto constitutos armis petiverint._

[382] Barr. decad. 4. liv. 1. cap. 6. Duart. Nun. na Vida delRey D.
Sancho II. e na Descripç de Port. cap. 85. Monarq. Lusit. liv. 1. cap.
20. Freit. de Just. Imper. Lusit. cap. 15. n. 2.

[383] Cam. cant. 10. est. 148.

[384] Idem cant. 5. est. 71. e 82. das Lusiad.

[385] Franc. de Monçon Espejo de Princip. lib. 1. cap. 89. Zurita tom
5. liv. 3. cap 30. Gil Gonçalv. d’Avila Grandez. de Madr. liv. 4.
Marian. Histor. de Hespanh tom. 1. liv. 10. cap. 13. e liv. 12. cap. 4.
Joaõ Baptista Moreli na Reducion, y Restaur. de Port. pag. 39.

[386] Veja-se a Macedo nas Flores de Hespanh. cap. 13. per totum.
Monarq. Lusitan. part. 4. pag. 165. Miguel Leit. nas Miscel. p. 47.

[387] Cam. cant 8. est. 70.

[388] Bos. de Sign. Eccl. tom. 1. lib. 8. sign 32. cap. 1. n 2. 3. 4.
_Nulla unquam gens, ex quo mundus est productus, tot maria transmitit,
ac tàm longè dissitas terras obivit, ut Lusitanica.... Nulla unquam
gens ab humani generis exordio in tot, ac tàm longè positis oris
sedes fixit, coloniasque deduxit, ut gens Lusitanica. Videbatur hoc
esse Romanorum, vel etiam Macedonum, Phœnicumque: sed his proculdubiò
Lusitani superiores. Romani namque Colonias nullibi posuerunt, nisi
intra Imperii sui confinia, quæ non protendebantur ultra gradus
nonaginta ab Occidente in Orientem; Lusitanorum verò sunt ultra gradus
250. Nulla unquam natio tàm remota regna, terrasque in suam potestatem
redigit, ut Lusitanica. Plures quidem plura, sed non adeo longinqua.
Igitur Lusitani non modò remotissimas oras adierunt, & in hoc omnibus
præcellunt, sed et in iis domos posuerunt, amplius etiam subegerunt
imperio suo._

[389] Bucanan. e Scaliger. apud Freit. de Just. Imper. pag. 29. 82. e
83. Maced no Olisip. p. 24. est. 60. Cam. cant. 1. est. 8. e cant. 7.
est. 14.

[390] Freit. de Just. Imper. Lusit. cap. 18. n. 12. 13. e 14. Bosio de
Sign. Eccles. tom. 1. lib. 4. cap 2. pag. mihi 245. _Toti Lusitanicæ
genti debetur hæc laus, ut nobis ad remotissimas oras, & antiquis
invias, facillimus, ac tutus fuerit aditus apertus, ita ut Christiana
in amplissimis regionibus religio longè, latèque potuerit disseminari._
Aubert. Miræus in Politica Ecclesiast. liv. 2. cap. 15. _Lusitanis
itaque in Indiam commigrantibus, & Imperio latè propagato, Christi
cultus, ac reverentia per vastissimum illum Asia tractum sese erigere
cœpit._ Gerard Mercat. in Tabula Lusit. Marian. tom. 1. liv. 10. cap.
13. Joaõ Pinto Ribeiro, Desengano ao parecer enganoso Gil Gonçalv.
d’Avil. Grandez. de Madrid: _Siendo(los Portuguezes) los primeros
hombres, que seminaron en el Indo la semilla de la palabra Divina,
aumentada con el riego de su sangre, haziendo se mas gloriosos con las
palmas del martyrio._

[391] Maced. nas Flor. de Hesp. cap. 8.

[392] Cam. est. 95. do 5.

[393] Sá de Miranda na epist. 4.

[394] Far. na Europ. Port. tom. 3. part. 4. cap. 8. e no Comm. do Cant
5. de Cam. est. 25. e Joaõ de Barr. Decad 1. liv 4. cap. 2.

[395] Idem ibid. liv. 3. cap. 5. Camões Cant. 5. est. 77.

[396] Gracian part 3. do Criticon cris. 8

[397] Feijó tom. 6. do Theatr. Critic. disc. 3. §. 4. n. 6.

[398] Mervelleux Memoir. instr. tom. 1. pag. 86. Gracian. no Critic.
ibid.

[399] D. Franc. Man. na Visita das Font. pag. 218.

[400] Simaõ Machad. na. Comed. de Alfeo p. 72. Veja-se tambem a Man.
de Far. na Font. de Agan. part. 3. Ode 15. est. 11. Franc. Rod. Lobo
Eglog. 1.

[401] Faria no Comm. das Lusiad. Cant. 2. est. 97.

[402] Idem nos Com. das Rim. de Cam. Eglog. 1. est. 2. Francisc. Nun.
de Velasco no Dialog. 11. Sá de Mirand. cart. 2.

[403] Simaõ Machado na Comed. de Alfeo part. 1.

[404] Description de la Ville de Lisbone pag. 92.

[405] Sor. Mar. de la Antigual. 12. cap. 13.

[406] Monarq. Lusit. part. 1. liv. 2. cap. 11.

[407] Valer. Maxim. lib. 9. cap 1. n. 5. _En ubi ista? Non in Græcia,
neque in Asia, quarum luxuria severitas ipsa corrumpi poterat; sed
in horrida, et bellicosa Provincia, cum præsertim acerrimus hostis
Sertorius Romanorum exercituum oculos Lusitanis telis perstringeret._

[408] Fr. Jacinto de Deos no Escudo dos Cavall. §. 59.

[409] Cam. Lusiad. cap. 6. est. 43. & seq. e seu Commentador Manoel de
Faria tom. 2. pag. 113.

[410] D. Franc. de Port. na Arte de Galantaria, e D. Francisc. Man. na
Visit. das Fontes p. 279.

[411] Sá de Miranda cart. 2. est. 76.

[412] Joaõ de Barr. na Descripç. do Minho cap. 9.

[413] Figueiroa na Plaça Univ. disc. 12. §. 2. n. 3.

[414] Veja-se a Blauteau no Vocab. verb. _Tourear_, e a Colmenar. nas
Delicias de Portug. pag. 857.

[415] Memoires pour un Voyageur tom. 2. p. 131.

[416] Far. tom. 3 da Asia p 1. c. 1. n. 15.

[417] Ibid. tom. 1. c. 5. parr. 2.

[418] Ibid. cap. 7.

[419] Idem tom. 1. da Asia part. 4. c. 1. n. 2

[420] Ibid. part. 2. c. 2.

[421] Justo Lipsio na epist. 96. do liv. 5. Andr. Scot. na Bibliotheca
Hispanica tom. 2. clas. 9. & tom. 3. clas. 2. Bosio tom. 3. de Sign.
Eccles. lib. 8. cap. 1. Cæsar de Bello Gallico lib. 3. Fr. Jeronym.
Rom. Republic. do mund. liv. 4. cap. 18. Magin. in nova Geograp. §.
_Portugalenses_.

[422] Hoffman. Diccion. verb. _Portugallia_. Veja-se tambem a Mons.
de la Hontan, Mervelleux, Davity, Maffeu Historia da India, Sanson,
Moreri, Coronelli, e outros muitos, que por brevidade deixo de allegar.



                        FIM DA PRIMEIRA PARTE.



                                 MAPPA

                                  DE

                               PORTUGAL.

                               PARTE II.



                              CAPITULO I.

_Memorias dos primeiros Povoadores da antiga Lusitania._


1 Entramos nesta segunda parte do nosso Mappa com a laboriosa
averiguaçaõ de hum dos pontos historicos mais difficil do seculo
primeiro Lusitanico. Os Antiquarios Hespanhoes, e commummente os doutos
convem uniformes em que dos descendentes de Jafet, terceiro filho
do Patriarca Noé, (entre os quaes se repartio a povoaçaõ de toda a
Europa, e parte da Asia depois do universal diluvio,) coubera a Tubal,
seu quinto filho, plantar, e propagar Hespanha.

2 Modernamente D. Francisco Xavier da Garma[423] pretendeo excluillo do
continente Hespanhol, substituindo em seu lugar por primeiro Povoador
delle a Tharsis, sobrinho de Tubal, filho de seu irmaõ Javan, e neto
de Jafet: porém esta opinião já seguida antecedentemente por outros,
desfaz com razões mais provaveis o erudito Padre Joseph Moret da
Companhia de Jesus.[424]

3 Assentando pois que os Hespanhoes, e por consequencia os Lusitanos
se originaõ de Tubal, vista a grande authoridade dos Escritores, que
o affirmaõ,[425] nasce daqui hum reparo, e vem a ser: que dizendo
Josefo,[426] procederem os Iberos de Tubal, e interpretando S.
Jeronymo, Santo Isidoro,[427] e outros aos Iberos pelos Hespanhoes,
todavia como na Asia se achaõ tambem semelhantes povos Iberos desde
aquelles primeiros tempos, duvida-se justamente quaes devem ser
reputados por primarios descendentes de Tubal?

4 Os Authores, que se persuadem fora o mundo povoado pouco a pouco, e
principiara do Oriente, estendendo-se os povos à medida, que a gente
crescia, dizem, que a Iberia Hespanhola, ou Occidental, foy Colonia dos
Iberos Asiaticos.[428] A outros porém se lhes faz mais verosimel que
os Hespanhoes levassem à Asia por transmigraçaõ o nome de Iberos;[429]
donde Rufo Festo Avieno veyo a dizer:[430]

  _......Asper Iberus
  Hic agit: hic olim Tyrrhenide pulsus ab ora
  Cespitis Eoi tenuit sola._

5 Esta opiniaõ parece que se conforma mais com o sentido natural do
Genesis, que no capitulo 10. dá a entender como os primeiros netos
de Noé logo se dividiraõ a povoar o mundo; e cabendo à familia de
Tubal lançar os alicerses, e estabelecer os limites de Hespanha,
veyo positivamente a ella, ou fosse por mar em pequenas embarcações,
passando da Armenia ao Egypto, do Egypto a Africa, e daqui atravessando
o Estreito de Gibraltar até o Promontorio, que depois se chamou Sacro;
ou fosse por terra, caminhando do Egypto a Jerusalem pela Natolia,
depois penetrando a Tartaria, Hungria, Alemanha, França, Hespanha, e
Portugal, sem lhe ser necessario por este caminho passar braço algum de
mar consideravel; ou finalmente transitando por outra qualquer via, que
lhe destinasse a Providencia, para soccorrer a necessidade da segunda
povoaçaõ do genero humano com viagem, que fosse prudente, e naõ
temeraria, como bem adverte o erudito Yañes.

6 Collocado já Tubal, e sua familia nestas partes Occidentaes da Europa
pelos annos 150 depois do diluvio, conforme a melhor Chronologia,[431]
resta saber em que parte da Hespanha fez o seu primeiro assento?
Nisto, por mais que se intente indagar, naõ póde haver certeza; porque
o grande Abulense, julgando ser esta entrada pelos montes Pyrineos,
attribue a Pamplona a primazia das fundações de Tubal em todo este
tracto Hispanico,[432] Floriaõ do Campo a Andaluzia,[433] Martim
de Viciana a Valença,[434] Joseph Moret a Tafalla,[435] outros a
Toledo,[436] e Fr. Bernardo de Brito, Heitor Pinto, e outros muitos
a Setubal em Portugal.[437] Mais facil será crer (diz Manoel de
Faria judiciosamente) ter sido Tubal fundador de muitas povoações
na Hespanha, que o assegurar a primazia de alguma entre todas;[438]
e deste parecer foy o erudito Malvenda, que já allegámos. Todavia o
insigne Commentador de Virgilio Francisco de Lacerda, allegado por
Luiz Marinho de Azevedo, diz, que da Lusitania sahiraõ os primeiros
fundadores de Hespanha[439] a estabelecer povoações em varias partes
della.

7 O certo he, que dos tempos immediatos à primitiva povoaçaõ de
Portugal, até que as armas Cartaginezas, e Romanas abriraõ o caminho à
communicaçaõ das gentes occidentaes da Europa, naõ pode a Historia dar
hum passo, senaõ às escuras, e com a vehemente suspeita de claudicar na
verdade; porque alguns Escritores fundados em documentos ou apocrifos,
ou de pouca authoridade, e exame, constituiraõ em Hespanha, e Portugal
com demaziada, e incauta crença o governo de alguns Reys duvidosos,
como foy Ibero, Jubalda, Briga, Beto, e outros, de que naõ ha historia
verdadeira. Sómente consta, que havia em nossas terras alguns Regulos,
como foy Lucinio, Culca, Gorgoris, Abides, Argantonio, Theron,
Mandonio, e alguns outros, de que fazem memoria Authores veridicos.[440]

8 Tambem temos por certo, que naquelles principios todo este nosso
Continente estava occupado de varios povos, cada hum com seu nome,
costumes, e usos differentes, formando distinctas especies de pequenas
Republicas com suas leys, especialmente desde o governo de Gorgoris,
ou Gorgaris. Naõ será relaçaõ importuna communicarmos aqui hum breve
monumento destes povos primitivos para melhor intelligencia da Historia.

9 _Abobricenses_; ou _Aobricenses_. Habitavaõ pouco distantes de
Chaves.[441] A Hoffmani lhe parece que eraõ os da Villa do Conde, e a
Joaõ de Barros os da Nobrega, ou Valdevez.

10 _Amaienses._ Eraõ povos da Lusitania.[442]

11 _Amfilocos._ Habitavaõ na Cidade Amfiloquia, que estava na Provincia
de Galiza, a que hoje chamaõ Orente, a qual no tempo dos Romanos veyo
a pertencer à Chancellaria de Braga.[443] Da vida de Alexandre Magno
escrita pelo segundo Xenofonte Arriano Nicomediense, consta que os
Amfilocos naõ estavaõ muy distantes da Ambracia,[444] que, conforme
alguns,[445] foy Barcellos. Ortelio colloca os Amfilocos entre os
Calaicos, e os Bracaros.

12 _Ancodeos._ Povos nacionaes, que viviaõ nas visinhanças do monte
Gerez.[446]

13 _Arevácos._ Procediaõ dos Celtiberos, e eraõ os ultimos povos, em
que se terminava Galiza junto do Douro.[447]

14 _Artabros_, que depois se chamaraõ _Arrotebras_, occupavaõ desde o
Promontorio Celtico até os Astures.[448]

15 _Astures._ Occupavaõ a Provincia de Tras os Montes, e eraõ notaveis
mineiros.[449]

16 _Barbaros_, ou _Sarrios._ Habitavaõ por toda a serra da Arrabida
até Lisboa, ou todo aquelle tracto de terra, que fica entre o Tejo, e
Setubal. Viviaõ sem ley, sem policia, e com pouca, ou nenhuma Religiaõ.
Sustentavaõ-se dos frutos, que a terra produzia, e da caça, que na
montanha apanhavaõ. Este modo de viver barbaro, e agreste os fazia taõ
rigidos, que naõ só tiveraõ sanguinolentas guerras com os Celtas seus
visinhos, mas fizeraõ huma das mayores resistencias, que experimentou
Julio Cesar na conquista da Lusitania. No anno 501 antes de Christo,
vendo que a patria os naõ podia manter com a sua multiplicaçaõ,
determinaraõ que todos os moços até à idade de quarenta annos fossem
buscar outras terras desoccupadas, em que viver; e depois de varios
transes foraõ cultivar muita parte da Beira, principalmente aquellas
terras, que se extendem por algumas leguas à roda do rio Soberbo.[450]

17 _Bardulos_, ou _Vardulos._ Habitavaõ onde agora se chama Guipuscoa.
Plinio diz, que os Bardulos eraõ os mesmos, que os Turdulos da
Lusitania. Baudrand diz, que eraõ diversos huns dos outros.

18 _Belitanos._ O mesmo que Lusitanos.

19 _Berones._ Querem alguns[451] conjecturar que habitavaõ na Provincia
da Beira, sendo que o Padre Argote[452] naõ convem nisso. Baudrand,
e Hoffmani dizem, que eraõ povos sujeitos aos Celtiberos, e a sua
principal Cidade era onde hoje está Trejo.

20 _Bibalos._ Conforme Joaõ de Barros[453] habitavaõ em Val de Bouro na
Provincia do Minho. O Padre Argote os situa nas visinhanças de Orense,
e fóra do territorio de Portugal;[454] porém Resende he de parecer
que a palavra _Bibalos_ naõ era nome de povos, mas de Cidade,[455]
porque assim o diz expressamente a inscripçaõ da ponte de Chaves
sobre o Tamega, na qual estaõ gravados os nomes dos povos de todas
aquellas Comarcas, que concorreraõ para trabalharem nella: mas nisto
achamos pouca razaõ a Resende; porque ainda que a tal inscripçaõ diga
_Civitates X._ he sem duvida que as Cidades naõ haviaõ de ir trabalhar
na ponte, mas sim os moradores das taes Cidades, os quaes pela mayor
parte seriaõ os daquellas visinhanças de Chaves, como bem adverte Frey
Bernardo de Brito.[456] Finalmente Baudrand diz, que estiveraõ situados
junto do rio Lima.

21 _Bracaros._ Ficavaõ estes povos na Provincia do Minho, e era nome
generico, que abraçava outros muitos povos particulares,[457] e
comprehendia povoações muito notaveis, como era Braga, Porto, Ponte de
Lima, Neiva, Caminha, e outros.[458]

22 _Calaicos._ Eraõ de duas especies, Bracarios, e Lucenses: os
primeiros existiaõ na Provincia de Tras os Montes, os segundos no
Minho, e Reino de Galiza, onde hoje he Compostella.

23 _Callenses._ Habitavaõ na Cidade de Gaya fronteira ao Porto.

24 _Caperenses._ Lembraõ-se Resende, e Baudrand por boas conjecturas
de existirem estes povos na Estremadura Lusitana entre Merida, e
Placencia.[459]

25 _Celerinos._ Eraõ os povos, que habitavaõ na Cidade Celiobriga, a
qual, conforme a indagaçaõ do Padre Argote, ficava ou em Celorico de
Basto, ou nas suas visinhanças.[460] Baudrand, allegando a Sanson,
julga que os Celerinos eraõ os habitadores de Barcellos. Na ponte de
Chaves, mandada fazer pelo Imperador Vespasiano, vem assinados os
Celerinos, os quaes eraõ povos daquella Comarca de Chaves, parte dos
quaes ficava em Portugal, parte em Galiza.

26 _Celtas._ Existiaõ na Provincia do Alentejo, e confinavaõ da parte
do Meyo dia com os Turdetanos, da banda do Norte com o Tejo: pelo
Occidente lhe ficava a ribeira de Canha, tendo tambem por visinhos
os Barbaros da Arrabida. Eraõ as suas principaes povoações Elvas,
Estremoz, Villa Viçosa, e Evora. Havia na Andaluzia outros Celtas,
porém diversos destes.[461]

27 _Celtiberos._ Eraõ povos, que se originaraõ dos Celtas do Alentejo,
os quaes passando-se para Andaluzia, e confederando-se com os que
habitavaõ pelas ribeiras do Ebro, deraõ origem aos Celtiberos, gente
muy conhecida em toda a Hespanha por valerosa, e que fizeraõ forte
resistencia aos Romanos, e Cartaginezes. Delles fallaõ muitos dos
Authores antigos allegados.[462]

28 _Cerenecos._ Povos, que habitavaõ onde hoje chamaõ Concelho de
Thuyas junto a Canavezes.[463]

29 _Cinesios._ Viviaõ junto dos Ostidanienses.

30 _Colarnos._ Eraõ visinhos dos Turdulos modernos, e occupavaõ aquella
parte da Estremadura, que está entre os rios Tejo, e Odivor.

31 _Curetes._ Habitavaõ no Algarve, fundaraõ Sylves, e vieraõ a
Hespanha quasi no tempo de Tubal.[464]

32 _Grayos_, ou _Gravios._ Tinhaõ sua habitaçaõ na Provincia do Minho,
e nesta mesma Provincia viverão os _Gronios_.[465] Alguns Historiadores
querem que os primitivos Grayos, e todos os mais povoadores desta
Provincia daquelles primeiros seculos fossem de naçaõ Grega;[466] porém
temos por mais provavel, que todas, quantas noticias se nos offerecem
nas Historias de fundações Gregas, e nomes Gregos anteriores ao ultimo
anno do reinado de Argantonio, saõ fabulosas; pois consta de Herodoro,
o mais antigo Historiador daquelles tempos, serem os Fenices os
primeiros Gregos, que emprenderaõ de proposito o descubrimento de novas
terras, até chegarem a Hespanha em tempo, que ainda reinava Argantonio,
que foy 543 annos antes de Christo.[467]

33 _Herminios._ Tinhaõ sua habitaçaõ na serra da Estrella da Provincia
da Beira.[468]

34 _Ibéros._ Este nome era generico a todos os Hespanhoes.

35 _Labricanos._ Residiaõ junto das ribeiras do Ave por aquella parte,
em que se lança no mar pela Villa do Conde.[469]

36 _Lancienses._ Estavaõ naquellas partes da Provincia da Beira, que se
extende do Norte para o Meyo dia, do Ponsul até o Tejo; e do Oriente ao
Occidente, do Elja até o Zezere.

37 _Limicos._ Viviaõ junto das margens do Lima.[470]

38 _Luancos_, ou _Lubenos_. Habitavaõ na Provincia do Minho, mas
ignora-se a paragem certa.

39 _Lusos_ ou _Lusitanos_. Possuiaõ terras entre o Tejo, e o Douro,
e occupavaõ tambem todo o lado Occidental, que corre desde a foz do
Douro até o Promontorio Celtico, e pelo lado Septentrional desde este
Promontorio até adiante da Corunha. O nome de Lusitanos era universal,
porque comprehendia outros muitos povos, como Celtiberos, Turdulos,
Vetones, &c.

40 _Narbassos._ Eraõ visinhos dos Vacceos, e viviaõ junto a Freixo de
Espadacinta.[471]

41 _Nemetates._ Existiaõ na Provincia de Tras os Montes desde Bragança
até o monte Gerez, separando-os de Galiza o rio Lima. No Mappa de
Ortelio os vemos situados junto de Araduca, passando-lhe pelo meyo o
Tamega.

42 _Ostidanienses._ Occupavaõ aquelle angulo de terra, que se termina
no Cabo de S. Vicente pelo espaço naõ mais que de duas leguas.[472]

43 _Pesures._ Estes povos eraõ pouco conhecidos; por isso na inscripçaõ
da ponte de Alcantara estaõ no ultimo lugar. Tinhaõ a sua habitação na
Covilhã, e Castellobranco, e parte da serra da Estrella. Naõ saõ os
mesmos, a que Resende chama _Meidobrigenses_, ou _Plumbarios._[473] O
Padre Bluteau diz, que elles saõ oriundos dos antigos Celtas, e que o
nome Pesures era ignominioso, pois significava gente cobarde, e nisto
concorda com a Monarquia Lusitana.[474]

44 _Sarrios._ Eraõ os barbaros da Arrabida.

45 _Seurbos._ Povos, que viviaõ pouco acima de Braga.

46 _Tamacanos._ Viviaõ nas margens do Tamega pelo sitio, onde elle
entra no Douro.[475]

47 _Transcudanos._ Pelos annos de 560 pouco mais, ou menos antes de
Christo, deixando alguns dos Turdulos antigos a costa maritima, em que
viviaõ, foraõ habitar aquelle espaço de terra, que se extende de Norte
a Sul entre os rios Coa, e Agueda; e pela situaçaõ, em que ficaraõ além
do Coa, se vieraõ a chamar povos Transcudanos.[476]

48 _Turdetanos._ Possuiaõ a mayor parte do Algarve, e do Alentejo,
e era tudo o que vay de Béja até Sines. Foraõ reputados por insignes
guerreiros até à segunda guerra Punica. Eraõ engenhosos, tinhaõ
politica, e amavaõ as sciencias com fruto, e cultura. Prezavaõ-se de
ter leys escritas em verso, e todas as suas antiguidades conservadas em
livros de seis mil annos anteriores; mas cada anno constava só de tres
mezes. Estrabo os julga taõ opulentos, e ricos, que escreve tinhaõ até
nas estrebarias argolas de prata.[477]

49 _Turdulos_. Eraõ de duas especies, huns antigos, outros modernos.
Os Turdulos antigos foy a gente mais veterana, e nobre da Lusitania:
tinhaõ por domicilio todas as terras, que estaõ do Norte ao Meyo dia
entre o Tejo, e o Douro, das quaes eraõ as principaes Lisboa, Santarem,
Alfeizeraõ, Coimbra, Leiria, Aveiro, Lamego, e Viseu. Os Turdulos
modernos tinhaõ o Tejo pela parte do Norte: pelo Meyo dia confinavaõ
com os Celtas, e nos costumes pouco se differençavaõ huns dos outros.
Christovaõ Cellario[478] situa os Turdulos no Alentejo, e em parte do
Algarve com pouca distancia dos Turdetanos. Samuel Bocharto confunde
huns com outros.[479]

50 _Turolos_. Habitavaõ nas margens do rio Minho da parte esquerda,
onde está a Freguezia de S. Martinho de Lanhelas.[480]

51 _Tyrios_. Eraõ povos, que antes dos Cartaginenses vieraõ com os
Celtas acommetter aos Iberos.[481]

52 _Vacceos_. Tinhaõ a sua habitação entre Coimbra, e o Porto, e
tomaraõ o nome do rio Vouga.[482]

53 _Vetones_. Viviaõ junto do Tejo na Estremadura entre os povos da
Lusitania.[483]

54 Todos estes povos, ou os mais delles, independentes huns dos outros
se governavaõ conforme as leys, e costumes particulares, que tinhaõ.
Nas guerras elegiaõ seus Capitães, a que obedeciaõ com tanta efficacia,
que desprezavaõ a vida, se acaso aquelles morriaõ na batalha.
Armavaõ-se regularmente com duas espadas, huma comprida, outra mais
curta, ao modo das nossas espadas, e adagas, que ainda alcançámos ver.
Os naturaes da serra da Estrella foraõ os primeiros, que a inventaraõ;
donde veyo a cantar o nosso Botelho:[484]

  _Van muchos del confin, y heroico assiento,
  Que ilustra la altivez del monte Herminio:
  La espada Lusitana, que es su invento,
  Manejaban con fuerte predominio._

55 Usavaõ tambem de huma certa especie de pequeno escudo, que mais
propriamente era broquel, que adarga, a que chamavaõ _Cetras_, segundo
explica Diogo Mendes de Vasconcellos nos Escolios de Resende; e batendo
huns nos outros, faziaõ hum tripudio sonoramente horrivel.[485] Assim
cantou delles Silio Italico:[486]

  - - - - - -_Misit dives Gallæcia pubem,
  Barbara nunc patriis ululantem carmina linguis,
  Nunc pedis alterno percussa verbere terra,
  Ad numerum resonas gaudentem plaudere cetras._

Em parte o quiz imitar Botelho:[487]

  _Vinieron los Calaicos_, a quien lavan
  Las dos orlas del Miño difundido,
  Y sus antiguas cetras los muravan,
  Que servieron un tiempo a su alarido._

Em dizer este Poeta que as cetras, ou escudos os muravaõ, ou cubriaõ
todos, naõ se conforma com a advertencia critica de Vasconcellos.

56 Solemnizavaõ com louvores, e festas, a que chamavaõ _Gymnopodia_,
aos que morriaõ pelejando;[488] e nas mayores solemnidades faziaõ o
sacrificio das _Hecatombas_, que era matar cem animaes de huma mesma
especie.[489] Adoravaõ a Marte, Minerva, e Hercules; donde parece, (diz
de la Clede)[490] que a veneraçaõ, e culto, que elles davaõ a Hercules,
póde servir de huma prova da vinda, que este Heroe fez a Portugal, para
livrar muitos de seus habitadores da oppressaõ de varios tyrannos, e
fundar aquelle famoso Templo no Cabo de S. Vicente, chamado Promontorio
Sacro, onde se adorava o Sol com ritos, e ceremonias Egypciacas, e
donde o mesmo Hercules se mandou sepultar.

57 Áquellas tres divindades fabulosas offereciaõ em sacrificio as
mãos direitas dos seus prizioneiros de guerra, que elles cortavaõ ao
pé dos altares; e da observaçaõ, que faziaõ nas abertas entranhas dos
mesmos inimigos, prognosticavaõ bons, ou máos successos para as suas
batalhas.[491]

58 Nas doenças, e enfermidades servia de Medico todo aquelle, que tinha
experiencia do remedio prestante, e concernente à queixa. Para isso
costumavaõ expôr os enfermos nas portas das casas, ou nos transitos
das ruas, para que o passageiro applicasse o que soubesse, e fosse
opportuno pela observaçaõ, que tivesse feito em outra semelhante
molestia;[492] e destas bem sortidas experiencias sacou depois
Hypocrates documentos, e aforismos admiraveis para a sua medicina.[493]

59 Com estes, e outros usos viviaõ os mais dos Lusitanos na sua
primitiva liberdade, quando acontecendo aquella extraordinaria secca,
e fome, de que faz mençaõ Justino, e as Historias de Hespanha,[494]
poz em incrivel consternaçaõ toda a terra. Despovoou-se o Alentejo, o
Algarve, e parte da Estremadura, e foraõ seus habitadores refugiarse
nas serras da Beira, e Minho, como mais ferteis, e frescas; outros
foraõ para Italia: taõ grande, e continuada foy a calamidade, que
padeciaõ, posto que Vaseu duvída muito della.[495]

60 Applacou finalmente o Ceo sua ira, e restituidos à patria os
ausentes, e saudosos de tanto tempo, vieraõ tambem entre os nacionaes
muitos dos Gallos Celtas. Depois acontecendo pelos annos 1380 do
diluvio, conforme Vaseu, aquelle memoravel incendio nos montes
Pyreneos, que penetrando até as cavernas da terra, causou horrorosos
tremores, e fez descubrir muitas minas de ouro, e prata,[496]
divulgou-se a noticia desta fluente riqueza, a qual com a vehemencia da
sua virtude attrahindo de taõ longe a ambiçaõ dos Fenices, foy causa
de expedirem promptamente huma grosta armada, que aportou na Ilha de
Cadiz, e daqui vindo costeando as margens maritimas das nossas terras,
ancorou no Algarve.


NOTAS DE RODAPÉ:

[423] Garma no Theatr. Univ. de Hesp. tom. 1. c. 1.

[424] Moret, Anales de Navarra, tom. 1. no Append. §. 1.

[425] Strabo, Anselmo Laurunense, Lyra, Abulens. Delrio, Alapide,
e outros apud Malvend. de Anti-Christo lib. 6. cap. 22. Genebrad.
Chronol. lib. 1. p. 31. Arias Montan. in Isai 66. v. 19. Villalp.
in cap. 27. Ezech. v. 13. Sá ibid. Heitor Pint. ib. c. 38. v. 2.
Torniello, Annales Sacri ad ann. 1931. n. 22. Pineda lib. 4. de reb.
Salom. cap. 15. § 7. Bent Per. in Genes. tom. 2. liv. 15. Marin. Sicul.
lib. 6. cap. 1. Vasæus, Chronic. Hisp. tom. 1. ann. 143. Munster,
Cosmograf. liv. 2. p. 56. D. Rodr. Arceb. de Toled. liv. 1. cap. 3.
Flor. do Camp. liv. 1. cap. 4. Garibay tom. 1. liv. 4. cap 4. Escolan.
Hist. de Valenç. liv. 1. cap. 4. Henao, Antig. de Cantabr. liv. 1. c.
1. Pined. Monarq. Eccles. liv. 1. cap. 18. §. 4. Matut. Prosap. de
Christ. edad. 2. cap. 3. §. 3. Aldret Orig. da ling. Castelh. liv. 2.
cap. 15. Clericat. etá 2. del mondo pag. 7. Marian. liv. 1. c. 1. c. 7.
Kircher de Arc. Noé cap. 9. Yañes España en la S. Biblia part. 1. cap 1.

[426] Jofeph. de Antiq. lib. 1. cap. 7.

[427] D. Hieron quæst. Hebraic. in Genes. 10. & in cap. 32. Ezech. S.
Isidor. lib. 9. cap. 2. Origin. Euseb. lib. 9. cap. 3.

[428] Melancthon in Chron. allegado por Joaõ Guilherme Stukio nos
Scholios in Periplum Pont. Euxini de Arriano pag. 32. e 144. Plin.
Strab. Marc. Varr. Arias Montan. apud Hoffman. in Diction. verb.
_Thubal_, & _Iberus_. Torniel. ad ann. 1931. ainda que duvidoso.
Marian. liv. 1 c. 7. Volaterr. liv. 3.

[429] Moret, Anales de Navarra, tom. 1. liv. l. cap. 1. Nicefor. liv.8.
cap 34. Yañes España en la S. Bibl. part. 1. cap. 2. n. 5. e 6. e cap.
3. n. 3.

[430] Avien. in Descript. Orbis vers. 882.

[431] Far. tom. 1. da Europ. Port. part. 1. cap. 1. n. 5. Yañes España
en la S. Biblia part. 1. cap. 3. n. 2.

[432] Abulens. super Genes. cap. 10. _Tubal, à quo Hispani, iste sedem
posuit in descensu montis Pyrinæi apud locum, qui dicitur Pampilona._
O mesmo repete sobre o Prologo da Biblia, que se chama _Epistola ad
Paulinum_, cap. 1.

[433] Flor. do Camp. liv. 1.

[434] Vician. liv. 1. cap. 6.

[435] Padr. Moret, Anales de Navarra tom 1. p. 4.

[436] Apud Yañes ut supr. n. 6.

[437] Brit. Monarq. Lusit. p. 1. l. 1 c. 3. Heyt. Pint. in cap. 27.
Ezech. p. 247. _Prima Urbis Hispaniæ, ut aiunt, appellata est Thubal,
ab ipso conditore nomine desumpto, quam viri docti eam dicunt esse, que
nunc Setubal appellatur in hac nostra Lusitania sita ad Occidentem._
Diego de Colmenar. na Histor. de Segovia cap. 1. _Dize-se, que fundó
Tubal al lado meridional del rio Tajo sobre el grande Oceano un pueblo,
que nombró Setubal, nombre al parecer compuesto en honra del S. Seth,
su 10. abuelo, hijo de Adan._ Matut. Prosap. de Christ. edad. 2. cap.
3. §. 3. e outros apud Fr. Bernard. da Silva na Def. da Monarq. Lusit.
part. 1. cap. 10.

[438] Faria ut supr.

[439] Lacerd. in Virgil. apud L. Mar lib. 1. cap. 15. Antig. de Lisb.
_Ab Lusitania exuberante gente dissipati in reliquam Hispaniam sunt, &
tanquam in colonias deducti._

[440] Livius. lib. 3. decad. 4. Macrob. liv. 1. Saturn. Polyb. lib. 3.
apud Resend. lib. 3. Antiq. Herodot. lib. 1. cap. 42. Plin. liv. 7.
cap. 48.

[441] Idem liv. 4. cap. 20. Mela liv. 3. cap. 1. Resend. liv. 1. de
Antiq. Monarq. Lusit. liv. 5. cap. 9. Argot. Memor. do Arcebisp. de
Brag. p. 177. e 373.

[442] Resend. liv. 1.

[443] Strab. liv. 3. Justin. liv. ult. cap ultim Resend. liv. 1.

[444] Arrian. res gestar. Alex. liv. 2. _Sed Geryonis Regnum in
continenti fuisse circa Ambraciam, & Amphilocos, indeque Herculem boves
abegisse_

[445] Veja se a prim. parte do nosso Mappa cap. 2. n. 5.

[446] Argot nas Antig. da Chancel. de Brag. p. 132.

[447] Plin. lib. 3 cap. 3. Baudrand.

[448] Mela liv. 3. cap. 1. Strab. liv. 3. Plin. lib. 4. cap. 20. Argot
nas Memor do Arceb. de Brag. pag. 184. Flores na Espanha sagrada tom.
15. pag. 26

[449] Strab. liv. 3. Argot. ut supr. p. 149. Monarq. Lusit. part. 1.
cap. 4. da Geograf. Martial lib. 10. Epigram. 16

[450] Pimentel, Notic. Academic. de 2 de Janeir. de 1727.

[451] Brit. na Geogr. c. 4. Flor. do Camp. Histor. de Hespan. liv 2.
cap. 10. Plin. liv. 4. cap. 20.

[452] Argot. nas Memor. de Brag. p. 450.

[453] Joaõ de Barr. nas Antig. do Minho cap. 6.

[454] Argot. ut supr liv. 1. cap 14. n. 285.

[455] Resend. lib. 1. de Antiguit. _Sed hæc potius Civitatum sunt
nomina._

[456] Brit. na Monarq. Lusit. liv. 5. cap. 9.

[457] Vasæus tom. 1. Chron. pag. 64. Argot. ut supr. p. 155.

[458] Brit. na Geogr. cap. 4.

[459] Resend. lib. 1. Antiq.

[460] Plin. lib. 3. cap. 3. Resend. lib. 1. Argot. nas Memor. de Brag.
tom. 1. p. 157. e 317.

[461] Brito na Geograf. cap. 4.

[462] Diodor. lib. 6. Strab. lib.4. Plin. lib. 3. cap. 1. Liv. lib. 5.
Flor liv. 2. cap. 17. Lucan. lib. 4. v. 10. Silius Italic. lib. 3. v.
340. Catul. Epigr. 40. Marrial lib. 4. Epigr. 55.

[463] Argot. nas Memor. de Brag. p. 157.

[464] Justin. lib. 44. Strab. lib. 3. Gerund. lib. 1.

[465] Mela lib. 3. cap. 1. Brit. na Geogr. cap. 4.

[466] Plin. lib. 4. cap. 20. Estaço nas Antiguid. c. 9. Resend. lib. 1.
_Græcorum sobolis omina._

[467] Herod. lib. 1. cap. 163. _Hi Phocenses primi Græcorum longinquis
navigationibus usi sunt. Adriamque simul, & Tyrrheniam, Iberiam, atque
Tartesum occuparunt._ Pausan lib. 2. pag. mihi 144. Plin. lib. 7. c.
48. Valer. M. x. lib. 8. cap. 13. Vasæus tom. 1. Chron ann. 129 ab urbe
condita.

[468] Monarq Lusit. tom. 1. liv. 4. cap. 1.

[469] Ibid p. 322.

[470] Argot. nas Antiguid. da Chancel. de Brag. p. 128. Resend. lib. 1.
Antiq.

[471] Argot nas Memor. de Brag. p. 160. e 322.

[472] Ortel. no Mappa da Lusitan. Cellar. Geogr. antiq. lib. 2. cap. 1.

[473] Brit. na Geograf. cap. 4. Clede na Histor. de Port. tom. 1. liv.
1.

[474] Bluteau, Vocabul. verb. _Pesures_. Monarq. Lusit. liv. 1. cap. 28.

[475] Argot. Memor. de Brag. pag. 161.

[476] Monarq. Lusit. liv. 1. cap. 30. Pimentel, Notic. da Academ. de 2
de Jan. de 1727. Vasconcel. nos Schol. a Resend.

[477] Baudrand in Diction. Geograp.

[478] Cellar. Geograf. liv. 2. cap. 1.

[479] Bochart. Geograph. Sacr. liv. 1. cap. 34.

[480] Argot. Mem. de Braga tom. 1. p. 162.

[481] Ibid. p. 60.

[482] Agiol. Lusit. tom. 2.

[483] Resend lib. 1.

[484] Botelho no Alphonso liv. 3. oitav. 88. Vide Just. Lipsium lib. 3.
de Militia Roman. Dialog. 3.

[485] Vasconcel in Schol. ad lib. 1. Resend. de Antiq. _Cùm enim Cetras
resonas,_ (explica o texto de Silio) _hoc est tinnitum, & sonitum
edentes vocet, manifestè innuit esse illa parva scuta, quæ Bluqueria
dicuntur ex ligno fabrefacta, atque ære contecta, quæ clarissimum
sonitum inter se collisa edunt; quod coriaceis illis, & maioribus
scutis, seu parmis nequaquam convenire potest_.

[486] Silius Ital lib 3. vers. 346.

[487] Botelh. no Alphons. liv. 3. est. 90.

[488] Monarq. Lusit. liv. 2. cap. 24.

[489] Ibid. liv. 5. cap. 1.

[490] De la Clede, Histor. de Portug. tom. 1. pag. mihi 21.

[491] Alexand. ab Alexand. lib 6. cap. 26. _Lusitanis vetus mos erat,
ex intestinis hominum extæ prospicere, atque inde omina, & divinationes
captare, abscissasque captivorum dextras pro munere diis offerre._

[492] Bohem. lib. 3. cap. 25. de Vetustis Lusitanorum moribus. _Ægrotos
vetusto ritu Ægyptiorum in plateis deponunt, ut qui eo morbi genere
tentati sunt, commone facere eos valeat._

[493] Garm. no Theatr. Univ. de España tom. 1. p. 195.

[494] Justin. liv. 44. cap. ult. Marian. tom. 1. liv. 1. cap 14.
Monarq. Lusit. liv. 1. cap. 23.

[495] Vasæus tom. 1. Chron. ann. 1250. _Circa hunc annum ponunt
admirabilem illam siccitatem... quod mihi quidem non sit verissimile,
quia nulla ejus rei memoria in veterum libris reperitur, qui rem tam
stupendam, ac raram proculdubio non tacuissent._

[496] Diodot. Sicul. liv. 1. Arist. de mirab. auscult. Monarq. Lusit.
liv. 1. cap. 26.



                             CAPITULO II.

_Estado da Lusitania com a invasaõ dos Fenices, e Cartaginezes._


1 Tanto que a armada Fenicia surgio no porto de Tavira, saltaraõ logo
em terra os novos estrangeiros, e introduzindo-se por ella dentro,
chegaraõ a invadir, e assolar Andaluzia, onde obrigaraõ os povos a
que lhe trabalhassem na extracçaõ dos preciosos metaes, usando com
elles inesperadas desattenções. Os Andaluzes achando-se por este modo
turbados, e opprimidos, pediraõ soccorro aos Portuguezes Turdetanos
seus visinhos. Declarou-se a guerra, fizeraõ-se promptos os batalhões,
e logo neste primeiro combate principiou a brilhar o esforço Lusitano
com a vitoria, que alcançou do Africano poder; porém o demasiado
descuido dos Andaluzes fez eclipsar algum tanto a fama dos alliados;
porque deixando respirar quasi à porta as forças do inimigo, pode este
conquistar a Betica, paiz fertil, rico, e agradavel.

2 Por este tempo, que foy pouco mais, ou menos 589 annos antes de
Christo, querem alguns Chronistas[497] que Nabucodonosor viesse, ou
mandasse em alguns navios fornecidos de gente valerosa acometter os
Tyrios, e Fenices, que occupavaõ a garganta do Oceano no estreito
de Gibraltar, e que estes valendo-se do esforço dos Turdetanos,
quebrantaraõ os projectos do soberbo Rey; porém esta expediçaõ he
tida por duvidosa no exame da critica mais exacta.[498] O certo he,
que humas esquadras de gente estrangeira vieraõ inquietar os Fenices:
que os Turdetanos tomaraõ armas para os defender: que os Fenices em
recompensa deste soccorro atacaraõ a seus bemfeitores: e que estes
castigaraõ aquella vil ingratidaõ, expulsando-os naõ só da Betica, mas
da Ilha de Cadiz.

3 Vendo-se os Fenices expulsos, e destroçados, foy o seu remanente
buscar soccorro, e refugio a Sidonia, Cidade capital da Fenicia, e
lá formando sufficientes reclutas, conduzio hum importante corpo de
exercito, que commandava Mezerbal venturoso, e perito soldado. Começou
a litigar com os Turdetanos, os quaes animados com o agigantado valor,
e sciencia militar do inclyto Baucio Capeto, a quem Mariana chama
Principe,[499] fizeraõ tal destroço no inimigo, que o proprio Mezerbal
para salvar a vida lhe foy preciso desamparar o campo, e junto ao rio
Gaudalete[500] deixou nas mãos de Baucio a segurança da vitoria com os
preciosos despojos, que depois se expozeraõ como trofeos honorificos
pendurados nas paredes dos Templos.

4 Dissimulou Mezerbal o estrago, ou a pena dos seus effeitos, e para
mayor disfarce fez treguas com os Turdetanos. Pendentes ellas, e à
sombra da paz mandou pedir a Cartago novos subsidios, com os quaes mais
animoso, rompendo a suspensaõ das armas, atacou os Turdetanos, e os
expedio da Betica. Retira-se Baucio à Lusitania, e os Turdetanos naõ
querendo exporse a outra ruina, determinaraõ deixar a patria. Passaraõ
o Guadiana, e o Tejo, padecendo nesta marcha muitos embaraços, porque
os Gallegos pertenderaõ impedirlhes o passo misturados com Gregos,
e Celtas; porém brilhando nesta resistencia o espirito varonil das
matronas Portuguezas, triunfaraõ os Turdetanos de seus inimigos, e a
vitoria ficou famosa com o titulo honroso de _Empreza das mulheres_,
produzindo-se por meyo della a tranquillidade na Provincia do
Minho.[501]

5 Em quanto estas acções se obravaõ na Lusitania, foraõ os Fenices
sacudidos da Betica pelos Cartaginezes; e reforçados estes com as
tropas auxiliares, que lhe vinhaõ de Cartago, se foraõ fazendo
poderosissimos na conducta de Amilcar, Hasdrubal, Hymilcon, Hanon,
e outros valerosos Capitães, principalmente Anibal, os quaes,
estabelecendo pazes com os Lusitanos, experimentaraõ quanto era melhor
a amizade com elles, que a desavença. Em muitas facções de perigo
se valiaõ do valor dos nossos, e os nossos conservando sua alliança
alcançaraõ vitorias dos Tyrios, e outros povos de Chipre, que vinhaõ
com o designio de invadir a Lusitania com hostilidades, e insultos.

6 Passaremos agora em silencio os successos de alguns annos, porque a
narraçaõ abbreviada, que expendemos, mais permitte à penna voos, que
rasgos. Já os Romanos invejosos da fortuna, que dava conhecida vantagem
ao poder dos Cartaginezes, tinhaõ publicado guerra contra elles; e
provando alternativamente as armas em varios recontros, chegaraõ a ver
mayor que a de Cartago a força Romana. Porém Anibal ainda assim com
huma ousadia incomparavel, querendo resarcir tanto de reputaçaõ, quanto
havia perdido de gente, partindo de Hespanha se introduz no coraçaõ de
Italia à custa de immensos riscos a combater com os Romanos.

7 Constavaõ suas tropas, além de Africanos, de hum grande numero
de Lusitana soldadesca, Vetones, Turdulos, e Celtas, da qual era
Commandante Viriato I. A qualidade do exercito augmentou a intrepidez
do coraçaõ de Anibal, e em todas as operações de brio, e honra nomeava
os Lusitanos, que sempre valentes lhe corresponderaõ à idéa, e
desempenharaõ o conceito; e assim foraõ elles os que contribuiraõ para
o mayor numero das suas vitorias.[502] Elles foraõ os que em credito
da robustez, e constancia de animo supportaraõ com admiravel paciencia
a fome, a sede, e todas as fadigas de Marte; bastando a impraticavel
passagem dos Alpes, em que até a mesma natureza venceraõ, como emula,
para evidente demonstraçaõ do seu esforço.

8 Escolhida pois Italia para theatro da guerra, principiou Anibal a
assombrar os Romanos; e sendo muitas, e repetidas as batalhas, em
que os nossos occupavaõ sempre as testas dos exercitos, como lugares
mais arriscados, vencendo os Consules Cneyo Servilio, Cayo Flaminio,
Lucio Emilio, e Cayo Terencio, nenhuma grangeou para a fama nome de
mayor permanencia, que a chamada batalha de Canas; na qual depois do
primeiro Viriato ter morto seis mil Romanos, lhe tirou a vida o Consul
Paulo Emilio, cuja perda resarciraõ os nossos incitados da indignaçaõ,
e vingança, chegando a escalar cincoenta mil soldados inimigos em
recompensa de hum só Viriato.[503]

9 Sem duvida esta batalha de Canas (assim chamada pelo sitio, em que se
deu) teria sido o ultimo rayo de Roma, se Anibal soubesse aproveitarse
da vitoria; porém este insigne Capitaõ em vez de marchar no seguimento
da sua felicidade para acabar de prostrar as forças Romanas já tibias,
se retira a Capua, onde com desgraçado ocio fez adormecer o heroico
alento com os mimos daquella Cidade.[504]

10 Com este enorme descuido de Anibal cobraraõ os Romanos novas
esperanças de salvarem a patria mais animosos, quanto mais
desfalecidos. Renovaõ os Consules suas tropas, Scipiaõ triunfa dos
Cartaginezes, e reduz a seu dominio toda Cartago. Empenhaõ os dous
valerosos Capitães em argumento de armas as ultimas forças, e vendo
Anibal titubear o conflicto da sua parte, houve por bem eximirse do
risco, pondo azas nos pés; e depois tirando-se a si proprio a vida, por
naõ cahir nas redes da contraria traiçaõ, Scipiaõ mereceo à fortuna
alcançar huma taõ importante vitoria, que os Lusitanos partidarios
de Anibal lhe venderaõ bem cara; e destruindo por huma vez as armas
Africanas, que mais de trezentos annos subjugaraõ Hespanha, constituio
senhora dominante da nossa Peninsula a famosa Roma.


NOTAS DE RODAPÉ:

[497] Strab. liv. 15. Monarq. Lusitan. liv. 1. cap. 28. Yañes España en
la S. Biblia part. 1. cap. 15. n. 3. e outros muitos.

[498] Estaço nas Antig. de Port. cap 33. n. 4. Paiv. Exame de antiguid.
p. 120. Bochart. na Geograf. Sacr. liv. 1. cap. 34.

[499] Marian. tom. 1. liv. 1 cap. 18.

[500] Flor. do Camp. lib. 2. cap. 29.

[501] Monarq. Lusit. liv. 2. cap. 4. Far. Europ. Port. tom. 1. part. 1.
cap. 9. num. 9.

[502] Liv. decad. 3. lib. 7.

[503] Sil. Ital. lib. 10. Resend. lib. 3. de Antiquit.



                             CAPITULO III.

_Conducta dos Portuguezes no governo dos Romanos._


1 Assim continuava a soberania Romana em dominar Hespanha, que sendo
até o anno 534 da fundaçaõ de Roma huma só Provincia Consular, pelos
annos porém de 557 da mesma fundaçaõ, e 196 antes de Christo, foy
dividida em duas Provincias Pretorias, ou Proconsulares, chamadas
_Ulterior_, e _Citerior._ Naquella se comprehendia a Betica, e a
Lusitania, isto he, Andaluzia, e Portugal: na Citerior todas as mais
partes de Hespanha.[505]

2 Para exacto governo dellas eraõ enviados de Roma varios Pretores, ou
Governadores fortalecidos com legiões de gente militar para presidio
das terras, que hiaõ conquistando; porém como os Lusitanos mal soffriaõ
o jugo Romano, foy preciso ao respeito dos Senadores para nos sujeitar
à obediencia mandar tambem o Consul Cataõ Censorino, o qual usando
de affabilidade, dominou os corações da nossa gente até o ultimo dia
do seu governo, pois tanto que Scipiaõ Nasica lhe succedeo, logo se
revoltaraõ como leões indomitos contra elle.

3 Inconstante fortuna experimentou Nasica no principio da sua Pretura;
porém no fim a logrou taõ favoravel à custa dos nossos, que a sorte,
mais que o esforço, o fez vencedor de cento e trinta e quatro
bandeiras.[506] Mas naõ perdendo os Lusitanos já mais o acordo na
desgraça presente, e appellando para o primeiro conflicto, souberaõ
vingar a perda passada com destruiçaõ total do exercito Romano, que
governava Lucio Emilio,[507] ruina, que por muitos dias continuos foy
deplorada dentro em Roma, e até a vingança, que depois meditaraõ, foy
mal succedida.

4 Continuavaõ os Pretores, e Consules o governo da Hespanha, os quaes
ou abatidos, ou vitoriosos, sempre confessavaõ por formidaveis as armas
Lusitanas, custando-lhe cada palmo de nosso terreno adquirido rios de
sangue Romano. Entre os nossos Capitães, que deixaraõ resplandecente
nome na veneravel duraçaõ da memoria, foraõ _Apimano_, _Cesaron_,
_Chancheno_, _Viriato_, e _Sertorio_, cujas gloriosas proezas occupaõ
até as Historias dos que pertenderaõ diminuirlhe a fama.

5 Aquelle espantoso terror, que o brio dos Lusitanos tinha semeada em
Roma, chegou a produzir tal impressaõ nos animos de todos, que não
havia nem Tribuno, nem Pretor, que se quizesse encarregar da guerra de
Hespanha; e por acudirem pelo credito da Naçaõ, buscaraõ o caminho do
ludibrio, que foy o da aleivosia, naõ sem escandalo do mundo. Assim se
experimentou na morte de Viriato II. pela perfidia de Quinto Servilio,
e na de Sertorio pela de Marco Perpenna.[508]

6 Seria alheyo da brevidade, que promettemos, particularizar acções,
e successos dos Lusitanos: todas taõ benemeritas da honra, e da
eternidade, como indignas de fama as que os Romanos obravaõ em nossos
Paizes; e muitas vezes com o dolo, e malicia em taõ vulgarizadas
operações, que mal podiaõ occultar a ignominia, que dellas lhes
resultava, como aconteceo com Servio Galba, reprehendido no Capitolio
pelas manifestas aleivosias, que usava com a gente Portugueza.[509]

7 Mais de duzentos annos tardou a conquista da Lusitania; e depois que
se achavaõ nossas forças já lassas, e vigoroso o poder Romano, ainda
assim foy preciso ao prudente Conselho dos Senadores para acabar de
conquistar Hespanha determinar que se expedissem em diversos tempos
dous famosissimos Imperadores, Julio Cesar, e Octaviano Augusto.
Aquelle sendo o mayor guerreiro do mundo, padeceo innumeraveis
resistencias dos nossos. Que cuidados, e desconfianças naõ causaraõ
a Cesar os habitadores da serra da Estrella? Prenderaõ-lhe os
Embaixadores, zombaraõ delles, e se naõ usara Cesar de alguns
estratagemas, nem lhe domara a ferocidade, nem os vencera.[510]

8 Pouco tempo durava esta sujeiçaõ, porque os nossos com obediencia
forçada, ainda que com forças diminutas, a cada passo se estavaõ
rebelando contra os presidios Romanos, querendo antes expôr as vidas
aos mayores empenhos da guerra, que renderem-se a quem lhe queria
supear a liberdade; e como já tinhaõ perdido as esperanças ao socego da
paz, era inconquistavel o seu animo, e orgulho.

9 Seguiraõ-se os incendios tambem na Hespanha das guerras civis entre
Cesar, e Pompeo, e entaõ se acabou de ver que se ficavaõ triunfantes
aquellas bandeiras, a cuja sombra militavaõ Portuguezes. Veyo
finalmente Octaviano Augusto, e conseguida huma paz universal, se
viraõ os Lusitanos totalmente sujeitos ao jugo do Imperio Romano. Em
agradecimento desta tranquillidade offereceraõ muitas povoações nossas
nas fabricas de alguns Templos, eternos elogios, que por acreditarem a
duraçaõ, ainda o tempo gastando-lhe as pedras, lhe naõ pode consumir a
memoria.

10 Dentro deste feliz, e pacifico silencio nasceo ao mundo a salvaçaõ
delle Christo bem nosso; e depois de ter completado Octaviano trinta e
seis annos de Imperio formal, se lhe seguio Tiberio, e successivamente
outros Imperadores sempre com o dominio das nossas terras, as quaes com
a cubiça dos legados fluctuavaõ em mares de turbulencia. Rompiaõ-se os
montes para se desentranharem das suas veas o ouro, e a prata.

11 Alguns destes disturbios da ambiçaõ fez serenar a prudencia de
Vespasiano, e de seu filho Tito, os quaes com generosa, e liberal
affabilidade illustraraõ o Reino com obras, os vassallos com
beneficios. A aspereza dos caminhos se vio reduzida a planicies
suaves; os rios caudalosos vadeados com pontes magnificas; e toda a
Lusitania para o seu bom regimen dividida em tres Comarcas, cinco
Colonias, e tres Municipios.

12 Foraõ passando os annos, e as vidas de outros Imperadores, a quem
nossos antepassados reconheceraõ vassallagem, até que no Imperio de
Galieno começou a descahir a grandeza Romana,[511] experimentando
mais lamentavel estrago em tempo de Arcadio, e Honorio pela invasaõ
dos barbaros de Alemanha, que discorrendo sem piedade por todas as
Provincias da sujeiçaõ de Roma, entraraõ a sepultar nas ruinas, que
abrirão suas espadas, as glorias da Monarquia Imperial por tantos
seculos triunfante, mas agora opprimida, e arrastada pelo decreto fatal
da Providencia. Será conveniente antes que entremos a informar do
estabelecimento do novo dominio, formar hum Catalogo chronologico dos
Pretores, e Consules, que nos governaraõ, noticia, que em obsequio, e
beneficio da Historia, se fará estimavel aos estudiosos.


_Catalogo chronologico aos Pretores, Consules, e Pro-Consules Romanos,
que vieraõ governar Hespanha desde a sua primeira divisaõ em Ulterior,
e Citerior até o Nascimento de Christo Senhor nosso._

  Ant.| Fund.|
  de  |  de  |
  Chr.| Roma |
  196 |  557 | Na Ulterior Marco Elio, ou Helvio.
      |      |
      |      | Na Citerior Cneyo Sempronio Tuditano.
      |      |
  195 |  558 | Na Ulterior, quinto Fabio Buteo.
      |      |
      |      | Na Citerior Quinto Minucio Thermo.
  194 |  559 | Na Ulterior Appio Claudio Nero.
      |      |
      |      | Na Citerior Paulo, ou Publio Manlio.
      |      |
      |      | Com estes dous Pretores veyo tambem
      |      | neste anno o Consul Marco Porcio
      |      | Cataõ Censorino, o qual teve o governo
      |      | em toda a Hespanha, e com felicidade,
      |      | porque os Lisbonenses, e os de
      |      | toda a sua Comarca lhe levantaraõ alguns
      |      | padrões honorificos, e elle recolhendo-se
      |      | a Roma riquissimo, introduzio
      |      | no thesouro publico mais de quatrocentos
      |      | mil cruzados em ouro, e prata,
      |      | que extrahio das nossas terras; e para
      |      | ter estas seguras na sua ausencia, antes
      |      | que partisse mandou derribar os muros
      |      | a quatrocentas Cidades, e Lugares fortes.[512]
      |      |
  192 |  560 | Na Ulterior Publio Cornelio Scipiaõ
      |      | Nasica.
      |      |
      |      | Na Citerior Sexto Digicio.
      |      |
      |      | Tiveraõ os Portuguezes neste governo
      |      | grandes batalhas com os Romanos, e estes
      |      | andavaõ taõ desconfiados, e Nasica
      |      | taõ temeroso do valor Lusitano, que
      |      | chegou a fazer votos a Jupiter pela vitoria,
      |      | a qual com effeito alcançou, porque
      |      | a fome, e fadiga dos nossos debilitou
      |      | muito o nosso exercito, e com tudo
      |      | custou-lhe sete mil e novecentos Romanos,
      |      | que morreraõ no conflicto.
      |      |
  191 |  561 | Na Ulterior Marco Fulvio Nobilior.
      |      |
      |      | Na Citerior Cayo Flaminio.
      |      |
  190 |  562 | Na Ulterior Appio Atilio Serrano.
      |      |
      |      | Na Citerior Marco Bebio Pamfilo.
      |      |
  189 |  563 | Na Ulterior Lucio Emilio Paulo.
      |      | Na Citerior Cayo Flaminio reconduzido.
      |      |
      |      | Venceraõ os Lusitanos ao Pretor Emilio,
      |      | matando-lhe seis mil Romanos.
      |      |
  188 |  564 | Ficaraõ reconduzidos os mesmos Pretores,
      |      | e Lucio Emilio alcançou vitoria
      |      | dos Portuguezes.
      |      |
  187 |  565 | Na Ulterior Lucio Bebio Divite.
      |      |
      |      | Na Citerior Lucio Plaucio Hipseo.
      |      |
      |      | Lucio Bebio morreo em Marselha antes
      |      | de chegar a Hespanha, e assim os
      |      | Consules  mandaraõ para a Pretura de
      |      | Portugal a Publio Junio Bruto.
      |      |
  186 |  566 | Na Ulterior Cayo Catinio.
      |      |
      |      | Na Citerior Lucio Manlio Acidino.
      |      |
  185 |  567 | Os mesmos reconduzidos.
      |      |
  184 |  568 | Na Ulterior Cayo Calfurnio Pison.
      |      |
      |      | Na Citerior Lucio Quincio Crispino.
      |      |
      |      | Os Lusitanos unidos com os Celtiberos
      |      | ganharaõ a estes dous Pretores huma
      |      | batalha, em que lhe mataraõ cinco mil
      |      | homens.
      |      |
  183 |  569 | Os mesmos reconduzidos.
      |      |
  182 |  570 | Na Ulterior Paulo, ou Publio Sempronio
      |      | Longo.
      |      |
      |      | Na Citerior Aulo Terencio Varro.
      |      |
  181 |  571 | Ficaraõ reconduzidos.
      |      |
  180 |  572 | Na Ulterior Publio Manlio.
      |      |
      |      | Na Citerior Q. Fulvio Falco.
      |      |
  178 |  574 | Na Ulterior Lucio Posthumio Albino.
      |      |
      |      | Na Citerior Tiberio Sempronio Graco.
      |      |
      |      | O Pretor Posthumio teve huma grande
      |      | batalha com os Bracarenses, a quem
      |      | venceo depois de huma grande derrota
      |      | no seu exercito.
      |      |
  176 |  576 | Na Ulterior Tito Fonteyo Capito.
      |      | Na Citerior Marco Ticinio Curvo.
      |      |
  174 |  578 | Na Ulterior Marco Cornelio Scipiaõ.
      |      |
      |      | Na Citerior Publio Licinio Crasso.
      |      |
      |      | Estes dous Pretores naõ chegaraõ a vir
      |      | a Hespanha, e assim foraõ reconduzidos
      |      | os antecedentes.
      |      |
  173 |  579 | Na Ulterior ignora-se quem fosse neste
      |      | anno o Pretor.
      |      |
      |      | Na Citerior Appio Claudio Cento.
      |      |
  172 |  580 | Na Ulterior Cneyo Servilio Cepio.
      |      |
      |      | Na Citerior Publio Furio Filo.
      |      |
  171 |  581 | Na Ulterior Marco Macieno.
      |      |
      |      | Na Citerior Cneyo Fabio Buteo.
      |      |
  170 |  582 | Na Ulterior Spurio Lucrecio.
      |      |
      |      | Na Citerior Marco Junio.
      |      |
  169 |  583 | Neste anno determinaraõ os Consules
      |      | que houvesse na Hespanha huma só Pretura,
      |      | ou Provincia, e assim elegeraõ para
      |      | Pretor a Lucio Canuleyo.
      |      |
  167 |  585 | Claudio, ou Marco Marcelo.
      |      |
  166 |  586 | Publio Fonteyo.
      |      |
  165 |  587 | Neste anno tornaraõ a dividir Hespanha
      |      | em duas Preturas, e para a Ulterior
      |      | veyo Cayo Licinio Nerva, e para a Citerior
      |      | Cneyo Fulvio.
      |      |
  153 |  599 | Na Ulterior Marco Manilio.
      |      |
      |      | Neste governo floreceo hum insigne
      |      | Capitaõ Bracaranse, chamado Apimano,
      |      | a quem se seguio Cesaron, que ambos
      |      | aterraraõ os Romanos.
      |      |
  152 |  600 | Neste anno, conforme Orosio, foy
      |      | Pretor Sergio Galba; mas Apiano Alexandrino
      |      | diz que era Calfurnio Pison.
      |      |
  151 |  601 | Neste anno foy Hespanha Provincia
      |      | Consular, e para seu governo vieraõ os
      |      | Consules Q. Fulvio, e Tito Anio.
      |      |
  149 |  603 | Lucio Luculo, e Albo Posthumio
      |      | Consules tiveraõ com os Celtiberos, e
      |      | Vacceos algumas batalhas taõ mal succedidas,
      |      | que causou em Roma tanto
      |      | medo, que naõ havia quem quizesse vir
      |      | militar para Hespanha; até que Publio
      |      | Scipiaõ Emilitano, offerecendo-se voluntario,
      |      | persuadio a muitos a que viessem.
      |      |
      |      | No governo destes Consules diz Paulo
      |      | Orosio, que acontecera aquella vil
      |      | traição, que fez Servio Galba aos Portuguezes
      |      | do Algarve,[513] e que refere
      |      | a Monarquia Lusitana.[514]
      |      |
  145 |  607 | No governo dos Consules Cneyo Cornelio
      |      | Lentulo, e L. Mumio principiou
      |      | a florecer o esforçado valor do segundo
      |      | Viriato, dando mayor credito ao valor
      |      | dos Portuguezes com as repetidas vitorias,
      |      | que alcançava dos Romanos.
      |      |
  144 |  608 | C. Vetilio, ou Marco Vetilio, Pretor
      |      | da Hespanha Ulterior, foy vencido
      |      | por Viriato.
      |      |
  143 |  609 | Cayo Plaucio, Pretor da Hespanha
      |      | Ulterior, tambem vencido por Viriato
      |      | em muitas batalhas.
      |      |
  142 |  610 | Claudio Unimano vencido por Viriato
      |      | com grande infamia dos Romanos.
      |      |
      |      | Neste governo obraraõ prodigios os
      |      | Portuguezes.
      |      |
  141 |  611 | Cayo Nigidio, a quem huns daõ o titulo
      |      | de Pretor, outros de Consul, ficou
      |      | vencido por Viriato no campo de Viseu
      |      | em humas grandes vallas, que abrio para
      |      | isso. Taõ atemorizados tinhaõ aos Romanos
      |      | estes prosperos successos de Viriato,
      |      | que lhes foy preciso para esta
      |      | conquista de Hespanha duplicar os soccorros
      |      | com exercitos Consulares.
      |      |
  140 |  612 | Q. Fabio Consul usou crueldades com
      |      | os Portuguezes.
      |      |
  139 |  613 | Q. Fabio Proconsul expugnou muitas
      |      | Cidades da Lusitania.
      |      |
  138 |  614 | O mesmo reconduzido, e juntamente
      |      | os Consules Cayo Lelio o _Sabio_, e Q.
      |      | Servilio Cepio, que foy author do assassinio,
      |      | e morte de Viriato;[515] e Joaõ
      |      | de Barros diz, que Viriato fora morto
      |      | no Lumiar, termo de Lisboa.[516]
      |      |
  137 |  615 | M. Pompilio na Hespanha Citerior.
      |      |
  136 |  616 | Decio Junio Bruto Consul fez pazes
      |      | com os Lusitanos.
      |      |
  135 |  617 | Neste anno sendo Proconsul o mesmo
      |      | Decio, ou Decimo Junio Bruto, sujeitou
      |      | ao seu dominio quasi toda a Lusitania,
      |      | e na passagem do rio Lima lhe aconteceo
      |      | com os soldados, que naõ queriaõ
      |      | passar, o que fica referido na primeira
      |      | parte pag. 127. fallando daquelle
      |      | rio. A mayor resistencia, que experimentou
      |      | este Proconsul, foy a que lhe
      |      | fez a Cidade de Cinania.
      |      |
  134 |  618 | Neste anno vieraõ a Hespanha o Consul
      |      | Q. Furio, e os Proconsules Q. Metello,
      |      | e Q. Pomponio.
      |      |
  133 |  619 | M. Emilio Lepido Proconsul.
      |      |
  132 |  620 | Scipiaõ Africano Consul com C. Fulvio
      |      | Flaco poz hum apertado cerco a
      |      | Numancia.
      |      |
  131 |  621 | Neste anno vendo-se os Numantinos
      |      | taõ fortemente cercados pelos Romanos,
      |      | determinaraõ pôr fogo à Cidade,
      |      | e morrer antes todos, que entregarem-se.
      |      | Assim o executaraõ de sorte, que os
      |      | Romanos naõ acharaõ cousa, de que
      |      | triunfar, mais que do nome de Numancia.
      |      |
  130 |  622 | Neste anno, e em alguns dos seguintes
      |      | vieraõ a Hespanha varios Pretores,
      |      | e Consules, cujos annos de seus governos
      |      | naõ se podem produzir em chronologia
      |      | certa.
      |      |
  107 |  645 | Q. Servilio Cepio, ou Scipiaõ, triunfou
      |      | dos Portuguezes.
      |      |
  103 |  649 | Venceraõ os Lusitanos aos exercitos
      |      | dos Consules P. Rutilio Rufo, e C.
      |      | Manlio.
      |      |
  100 |  652 | C. Mario IV. e Q. Luctacio Consules
      |      | ficaraõ vencidos dos Lusitanos, e a
      |      | Hespanha Ulterior em grande paz.
      |      |
   97 |  655 | Lucio Cornelio Dolabella Proconsul
      |      | da Hespanha Ulterior triunfa dos Lusitanos.
      |      |
   92 |  660 | Publio Licinio Crasso Proconsul triunfa
      |      | dos Lusitanos.
      |      |
   79 |  673 | Neste anno floreceo o valor do Capitaõ
      |      | Q. Sertorio, que fugindo de Sylla,
      |      | seu inimigo Romano, veyo a Hespanha,
      |      | e conciliando a vontade, e animo dos
      |      | Portuguezes, venceo a muitos Capitães
      |      | Romanos. Edificou varias obras em Portugal,
      |      | principalmente Evora.
      |      |
   75 |  677 | Neste anno veyo a Hespanha Pompeo
      |      | Magno, a quem Sertorio venceo com
      |      | grande credito dos Portuguezes.
      |      |
   69 |  683 | Foy morto Sertorio em Evora atraiçoadamente
      |      | por M. Perpenna, e outros
      |      | conjurados.
      |      |
   68 |  684 | Com a morte de Sertorio conseguio
      |      | Pompeo que quasi todas as Cidades de
      |      | Hespanha se lhe entregassem, ainda que
      |      | à força de armas, e com bastante resistencia
      |      | de outras.
      |      |
   67 |  685 | Publio Pison Proconsul.
      |      |
   62 |  690 | Neste anno veyo a Hespanha com titulo
      |      | de Legado hum nobre mancebo
      |      | Romano, chamado Cneyo Pison, ao
      |      | qual mataraõ publicamente huns soldados
      |      | Hespanhoes por industria de Pompeo.
      |      | Tambem aconteceo neste anno
      |      | hum notavel tremor de terra na costa de
      |      | Portugal, e Galiza, com que se arruinaraõ
      |      | muitos Lugares.[517]
      |      |
   60 |  692 | Q. Calidio com titulo de Pretor de
      |      | Hespanha destruio muitas companhias
      |      | de Lusitanos.
      |      |
   59 |  693 | Na Hespanha Ulterior Tuberon Pretor.
      |      | Veyo por seu Questor C. Julio Cesar.
      |      |
   58 |  694 | Na Hespanha Ulterior C. Julio Cesar
      |      | Pretor fez sujeitar ao Imperio Romano
      |      | a Lusitania, e Galiza; e recolhendo-se
      |      | a Roma, foy feito Consul.
      |      |
   57 |  695 | Veyo Pompeo a Hespanha, que ao
      |      | depois administrou por Legados.
      |      |
   56 |  696 | Publio Lentulo Pretor.
      |      |
   54 |  698 | Q. Metello Nepos Proconsul.
      |      |
   53 |  699 | Q. Cecilio Dentato. Houve em Portugal
      |      | tanta fartura, que os mantimentos
      |      | se davaõ quasi de graça.
      |      |
   52 |  700 | Q. Cecilio Metello Neto.
      |      |
   50 |  702 | Tuberon Proconsul.
      |      |
   47 |  705 | Foy nomeado Pompeo para Pretor de
      |      | ambas as Provincias de Hespanha, as
      |      | quaes administrou por Legados, que
      |      | foraõ Petreyo, Afranio, e M. Varro.
      |      | Neste anno andavaõ em grande calor as
      |      | guerras civis entre Pompeo, e Julio Cesar.
      |      |
   46 |  706 | Sendo Julio Cesar Consul, e Dictador,
      |      | regeraõ ambas as Hespanhas Q.
      |      | Cassio a Ulterior, e o Proconsul M. Lepido
      |      | a Citerior.
      |      |
   44 |  708 | Q. Cassio Longino Propretor da Hespanha
      |      | Ulterior summamente avaro, e
      |      | cruel.
      |      |
   43 |  709 | C. Trebonio Proconsul.
      |      |
   42 |  710 | Q. Fabio Consul triunfou na Hespanha.
      |      | Neste anno pelejando Julio Cesar
      |      | contra os filhos de Pompeo, alcançou
      |      | delles o triunfo junto da Cidade de Munda
      |      | no Reino de Granada, em que os
      |      | Portuguezes mostraraõ grande fidelidade
      |      | a Pompeo.[518]
      |      |
   40 |  712 | Q. Pelio Proconsul triunfa na Hepanha.
      |      |
   39 |  713 | M. Emilio Lepido tambem alcançou
      |      | vitoria na Hespanha.
      |      |
   37 |  715 | Tomaõ os Lusitanos a Era de Cesar.
      |      |
   35 |  717 | Cneyo Domicio Calvino Proconsul
      |      | triunfa.
      |      |
      |      | C. Norbano Flaco Proconsul triunfa.
      |      |
   31 |  721 | C. Asinio Polion, discipulo de M.
      |      | Tulio, ficou governando Hespanha na
      |      | ausencia de Julio Cesar.
      |      |
   26 |  726 | Vendo o Imperador Octaviano Augusto
      |      | o pouco, que as armas Romanas
      |      | tinhaõ conseguido em Hespanha pelo espaço
      |      | de duzentos annos, determinou vir
      |      | em pessoa, e dentro em quatro annos
      |      | conciliou a paz em toda a Hespanha. Estando
      |      | em Tarragona, gozou hum pleno
      |      | dominio da honra Imperial. Muitos
      |      | povos Portuguezes lhe dedicaraõ templos,
      |      | e estatuas pelas mercês, e privilegios,
      |      | que lhes concedeo, singularizando-se
      |      | Evora, Mertola, Lisboa, e
      |      | Santarem, mudando todas os seus nomes,
      |      | que tinhaõ, em outro, que dissesse respeito
      |      | aos favores recebidos; e assim Evora
      |      | se principiou a chamar _Liberalitas Julia_,
      |      | Mertola _Mirtilis Julia_, Lisboa _Felicitas
      |      | Julia_, Santarem _Julium Præsidium_.
      |      |
    2 |  750 | Neste anno mandou o dito Imperador,
      |      | estando em Tarragona, publicar o
      |      | edicto geral para se alistar toda a gente,
      |      | que havia no mundo sujeita ao Imperio
      |      | Romano, e pagar certo tributo, que
      |      | era trinta e seis reis cada pessoa em reconhecimento
      |      | da vassallagem. De Portuguezes
      |      | se alistaraõ cinco contos e sessenta
      |      | e oito mil pessoas cabeças de familias,
      |      | cuja ordem se passou nas Chancellarias
      |      | do Reino, chamadas entaõ Conventos
      |      | Juridicos, e eraõ _Merida_, que
      |      | hoje está fóra do territorio de Portugal;
      |      | _Béja_, à qual acudia o povo de Alentejo,
      |      | e Algarve; _Braga_ para o povo do
      |      | Minho, e Tras os Montes; _Santarem_
      |      | para o da Beira, e Estremadura.
      |      |
    1 |  751 | Neste anno se fez famoso hum Portuguez
      |      | do Minho, chamado _Corocota_, que
      |      | com certo numero de vadios inquietou
      |      | varias terras, e o Imperador promettendo
      |      | tres mil cruzados a quem o apanhasse,
      |      | elle mesmo se lhe veyo offerecer, e
      |      | o Imperador perdoando-lhe, o admittio
      |      | para sua guarda.
      |      |
      |      | Depois do Nascimento de Christo até
      |      | os Godos naõ ha cousa memoravel, que
      |      | pertença à Lusitania, mais que o acharse
      |      | em huma socegada paz na obediencia dos
      |      | Romanos. Até os tempos dos Imperadores
      |      | Maximiniano, e Diocleciano durou
      |      | o governo de Hespanha em Pretores,
      |      | e Proconsules: no de Constantino
      |      | houve outro estylo, porque se instituio
      |      | hum Vigario do Imperio, a que obedeciaõ
      |      | todos os Legados, e Regedores das
      |      | Provincias, e o tal Vigario ainda reconhecia
      |      | por Superior ao Prefeito do Pretorio,
      |      | que residia em França, por estar
      |      | no meyo das terras da sua jurisdicçaõ.
      |      | Depois se começou a governar por Condes.
      |      | Havia tambem alguns Regulos, ou
      |      | Fidalgos, Senhores de Cidades, subditos
      |      | ao Imperio Romano, qual foy Ont
      |      | Comero, pay de Santa Engracia, e no
      |      | tempo dos Godos Castinaldo, Principe
      |      | de Nabancia, e Cathelio, Senhor de
      |      | Norba Cesarea, e pay das Santas nove
      |      | irmãs.[519]


NOTAS DE RODAPÉ:

[504] Valer. Maxim. lib. 9. Just. Lipsio lib. 4. de Magnitud. Roman.
cap. 5. Tarselin. Epitom. Historic. lib. 3.

[505] Strab lib. 3. Liv. decad. 4. lib. 3. Plin. lib. 3. c. 3. Guid.
Pancirol Notitia Dignit. utriusq. Imper. c. 66. Robortel. de Provinc.
Roman. Vasæus tom. 1. cap. 8. n. 14.

[506] Monarq. Lusitan. liv 2. cap. 23.

[507] Oros. liv. 4. cap. 19. Liv. decad. 4. lib. 6. Moral. lib. 7. cap.
11.

[508] _Tantus metus Romanas omnes invasit; ut nemo inveniretur, qui vel
Tribunus, vel Legatus ire in eam Provinciam vellet._ Vasæus tom. 1.
cap. 12. Liv. decad. 3. lib. 6.

[509] Orosius lib. 4. cap. 21.

[510] Monarq. Lusitan. liv. 4. cap. 2. e 3.

[511] Monarq. Lusitan. liv. 5. cap. 17.

[512] Liv. decad. 3. lib. 7. Jul. Front. l. 1. c. 1. Val. Max. l. 4.

[513] Oros. l. 4. c. 21.

[514] Monarq. Lusit. liv. 2. c. 30.

[515] Vide Monarq. Lusit. liv. 3. cap. 10.

[516] Joaõ de Barr. na Descripçaõ do Minho cap. 3.

[517] Monarq. Lusitan. liv. 3. cap. 30.

[518] Vid. Monarq. Lusit. liv. 4. cap. 17. e 18. Vas. tom. 1. cap. 12.
Resend. lib. 3. Antiquit.

[519] Veja-se a Cujac. liv. 8. cap. 25. Observ. a Vaseu tom. 1. Chron.
cap. 13. Resend. lib. 3. de Antiq. Monarq. Lusit. part. 1. liv. 4. cap.
30. e liv. 5. cap. 18. 21. e 24.



                             CAPITULO IV.

_Entrada das Nações barbaras, e dominio dos Godos._


1 Pela ambiciosa perfidia de Estelicon, ayo, e sogro do Imperador
Honorio, que pertendia recahisse a coroa Imperial em seu filho
Eucherio, o que naõ conseguio, se introduziraõ na Hespanha certas
gentes Septentrionaes de Alemanha, chamadas _Vandalos_, _Suevos_,
_Alanos_, e _Selingos_, os quaes depois de terem saqueado Roma, e
destruido grande parte de França, invadiraõ nossas terras com huma
expediçaõ taõ barbara, talando campos, e edificios, que igualavaõ a
colera com a crueldade.[520]

2 O anno, em que se experimentou esta invasaõ, naõ he fixo na epoca
dos Escritores: entre os annos de 409, e 416 de Christo sem duvida que
aconteceo; mas a mayor parte dos Historiadores Hespanhoes se inclinaõ
a assinar esta invasaõ na Era de Cesar 447,[521] que corresponde aos
annos 409; e sendo a Cidade de Lisboa a primeira povoaçaõ nossa, que
esteve a risco de ser devorada pela fereza daquelles leões, que a
tinhaõ em cerco, brevemente o levantaraõ por num pequeno donativo, que
os Cidadãos lhe offereceraõ; porém continuando com a mesma ferocidade,
arruinaraõ outras terras da Lusitania, e o que estava sujeito ao
Imperio Romano, cujo estrago foy o intuito principal, a que todos estes
barbaros se encaminhavaõ.

3 Cada parcialidade destas gentes tinha seu Rey, a que obedeciaõ; e por
naõ se confundirem nesta assolaçaõ, os Vandalos, e Selingos com o seu
Rey _Gunderico_, ou _Mondigelesio_, occuparaõ Andaluzia, que delles
adquirio nome: os Alanos, e Suevos com os seus Reys _Resplandiano_,
e _Hermenerico_ possuiraõ a Lusitania, e Galiza, ficando Asturias, e
Biscaya permanecendo na sujeiçaõ Romana.[522]

4 Morto _Resplandiano_ se lhe seguio _Atáces_, o qual estribando seu
atrevimento nas mayores forças por senhorear mayor parte da Lusitania,
foy accommetter _Hermenerico_, Rey dos Suevos, a quem tomou algumas
terras, especialmente Coimbra, que entaõ se achava existente no sitio
de Condeixa a velha, e principiou a edificar a que agora existe,
obrigando ao trafego da obra toda a qualidade de pessoas.

5 Quizera Hermenerico resistir, e castigar os atrevimentos de Atáces;
convoca em seu favor a Gunderico, Rey dos Vandalos; fortifica-se no
Porto, e fortifica tambem a Cidade. Chegaõ a litigar os dous exercitos,
e declinando de huma parte o poder, fica Hermenerico derrotado; tudo
porém se compoz logo, offerecendo Hermenerico a ElRey Atáces sua
filha Cindasunda para esposa com hum thesouro por dote de riquezas
consideraveis.[523] Nesta paz viveraõ socegados sogro, e genro,
occupando-se unicamente em fazer algumas correrias contra os que
seguiaõ o partido Romano.

6 Tinhaõ-se incorporado os Vandalos, e Suevos para maquinarem rijo
accommettimento concra os Alanos, que com a soberba do seu Rey Atáces
pertendiaõ usurpar as terras dos seus visinhos. Honorio havia feito
pazes com os Godos, e tambem com os Vandalos; e soccorridos estes com
taes auxilios, deraõ batalha, pelejarão valerosamente, e venceraõ a
Atáces.

7 Recuperaõ outra vez os Alanos, e Selingos as terras perdidas, fundaõ
a Villa de Alenquer, e já sem Rey, que os governasse, tornaõ a ser
feudatarios ao Imperio Romano. Ajustaõ pazes com os Suevos, e com
tal uniaõ se enlaçaraõ, que desde esta confederaçaõ se começaraõ os
Portuguezes a chamar Suevos.[524] Passaõ os Vandalos para Africa em
numero de oitenta mil, e os Alanos, e Suevos se deixaraõ ficar na
Lusitania possuindo aquellas terras, que lhe couberaõ em forte.

8 Numerava já o mundo Christaõ mais de quatrocentos e cincoenta annos,
quando Theodorico, Rey Godo, entrando por Hespanha contra Reciario, Rey
dos Suevos, depois de o apertar com huma guerra cruenta, o venceo junto
a Astorga, dissipando naquelle dia todas as grandezas, e nome Suevo,
para fundar nas suas ruinas o Imperio Gotico; e deixando as terras de
Portugal já sujeitas à sua obediencia, se retira a França.

9 Os Suevos vendo-se destruidos recorrem ao Rey Godo por meyo dos
Bispos, supplicando-lhe a liberdade de acclamarem Rey proprio, e
nacional com o reconhecimento de feudatarios. Orou nessa embaixada
eloquentemente Idecio, Bispo de Lamego, por cuja efficacia, e persuasaõ
lhe outorgou Theodorico com grandeza regia quanto pediaõ. Voltaõ os
Prelados para Braga, e elegem a Masdra para seu Rey.

10 Alguns dos nobres mal satisfeitos da eleiçaõ, com o pretexto de
naõ se acharem presentes, acclamaraõ em Lugo por seu legitimo Rey a
França. Daqui principiarão a nascer muitas discordias, cujos effeitos
descarregando em insultos sobre os povos, lhes fizeraõ sentir, e
padecer as molestias, e os riscos daquella opposiçaõ.

11 Socegaraõ em fim com a morte de Masdra, e com o tratado de paz, que
seu filho Remismundo, successor no governo, fez com o Franta; mas como
a este se lhe seguisse Frumario, e persistisse na teima de ser elle
o Rey legitimo, fez resuscitar as antigas contendas, que ultimamente
feneceraõ com o fim dos seus dias, ficando Remismundo com todo o
principado da Lusitania, e dos Suevos.

12 Para mayor segurança do seu dominio mandou Remismundo pedir ao Rey
Godo Theodorico lhe quizesse confirmar o tratado das pazes, que seus
antecessores tinhaõ feito, expressando-lhe a prompta fidelidade, e
reconhecimento, em que vivia. Lisongeado Theodorico desta attençaõ,
houve por bem suas conquistas, e lhe deu por esposa huma sua filha,
a qual, como era Arriana, introduzio em Portugal esta seita, que
inficionou todo o Reino,[525] na qual foraõ permanecendo outros Reys
até Theodomiro, que foy quem resuscitou a Fé Catholica, e fez que
abjurassem os Suevos os dogmas da perfidia Arriana, em que tinhaõ
vivido noventa annos.

13 Reinava na Monarquia Gotica Leovigildo, e estimulado das tyrannias,
que Andeco usava com os Suevos, em cujo governo se introduzira,
voltando as armas contra elle, o cativou, e se fez senhor de todo o
Reino, e dominio Suevo pelos annos 585,[526] principiando daqui para
diante o governo, e Imperio dos Godos em Portugal.

14 Subordinada já nossa Peninsula ao total poder Gotico, foraõ
continuando em seu governo os seus Monarcas, pondo em algumas terras
Governadores com titulo de Condes, que residiaõ a arbitrio dos Reys
Godos.[527] Passados annos, chegou a Monarquia a perigar na falta de
successor; mas por conselho do Romano Pontifice, que para isso teve
revelaçaõ divina,[528] foy escolhido Vamba, natural, e habitador de
Idanha, onde o foraõ achar bem alheyo de outro governo, que naõ fosse o
dispotico exercicio da sua agricultura.

15 Intimaraõ-lhe os Embaixadores o grave negocio, a que hiaõ, e
elle, que teve a embaixada por equivocaçaõ, o cargo por impossivel,
respondeo, e protestou, cravando a aguilhada na terra, que só entaõ
seria Rey, quando aquella vara brotasse flores. Assim succedeo, pois
ella começou logo a florecer, e elle sendo obrigado pela palavra,
foy conduzido para Toledo, onde o ungiraõ e respeitaraõ Rey de toda
Hespanha[529] na Era de 710.[530]

16 Venceo este Rey varias batalhas, promulgou leys, fez celebrar
Concilios, ajustou os limites na jurisdicçaõ das Igrejas, e por hum
accidente, em que o reputaraõ por morto, tornando a si, renunciou a
Coroa em Ervigio, e tomando o habito de Religioso Benedictino em o
Convento de Pampliega, cinco leguas entre Burgos, e Valhadolid,[531]
acabou seus dias tranquillamente, deixando de si fama taõ gloriosa, que
Arnoldo Ubion o poem no Catalogo dos Santos.

17 Seguio-se Ervigio, que foy jurado Rey com toda a solemnidade, depois
Egica seu genro, e a este Witiza seu filho, que collocando sua Corte
humas vezes em Braga, outras em Tuy, ou em Toledo, de qualquer parte
lançava rayos, como astro maligno, que tudo inficionava. Chamaraõ-lhe o
Nero de Hespanha: tal era seu infame procedimento.[532]

18 Com melhor esperança de que extinguisse os escandalos passados
acclamaraõ os Godos a ElRey D. Rodrigo; porém depressa viraõ
desvanecidos os seus conceitos, porque este Principe tudo obrava por
appetite; e o Conde D. Juliaõ, que era seu Capitaõ da guarda, por
conservar sua fortuna sempre prospera, executava francamente a arte
da lisonja. Vivia no Paço, como era costume, huma filha do tal Conde,
chamada Florinda, ou vulgarmente Cava, dama de estremada formosura:
affeiçoou-se ElRey della, e para grangear melhor os seus agrados, lhe
prometteo na uniaõ do Matrimonio a igualdade da Coroa; porém naõ se
passou muito tempo, que repudiasse a Florinda por coroar a Eylata, ou
Egilona, formosa Princeza de Africa, a quem a braveza das ondas fizera
por hum incidente arribar a Hespanha.[533]

19 Sentio Florinda aquella affronta, ou violencia, e meditando com
seu pay algum genero de vingança, e desaggravo proporcionado, elle
se passou a Africa, se acaso naõ estava já lá, como querem outros,
por ser Governador daquelles dominios posto pelo mesmo D. Rodrigo; e
conciliando hum poderoso exercito de Sarracenos, vieraõ accommetter
Hespanha pelas instrucções do Conde, obrando total estrago na florente
Monarquia dos Godos.

20 Esta he a substancia de toda a Historia da perdiçaõ de Hespanha, que
corre entre os Authores com mais vulgaridade, supposto que em algumas
circunstancias haja entre elles differença. Todavia considerando outros
com reflexaõ mais prudente a facilidade, com que os Mouros em dous
annos conquistaraõ quasi toda a Hespanha, e a negligencia, com que
os Hespanhoes a defenderaõ, naõ succedendo assim com os Fenices, nem
Cartaginezes, nem Romanos, nem ainda com os mesmos Godos, pois qualquer
destas Nações gastou muitos annos para entabolar o seu dominio; julgaõ
que o motivo desta fatalidade se originou por haver naquelle tempo
alguma guerra civil na Monarquia Gotica, e esta acharse dividida em
parcialidades, das quaes a menos poderosa se foy valer dos Arabes, e
que estes em lugar de soccorrer a outrem, foraõ conquistando para si, o
que alcançaraõ facilmente por causa da mesma divisaõ.[534] E porque os
Suevos, e Godos foraõ senhores das nossas terras, he justo que façamos
delles total memoria, ainda que seja em resumida chronologia.


_Catalogo Cronologico dos Reys Suevos, que reinaraõ em Portugal, e
Galiza._

  | Ann.|
  | de  |
  | Chr.|
  |     |
  | 409 | _Hermerico_, ou _Hermenerico_. Teve guerras
  |     | com os Alanos. Depois dos Vandalos
  |     | passarem a Africa ficou senhoreando quasi todo
  |     | o Reino de Portugal da fórma, que hoje
  |     | está dividido, e ainda algum pedaço de Galiza.
  |     | Morreo em Merida de huma doença,
  |     | que lhe durou sete annos, e governou trinta
  |     | e dous.
  |     |
  | 440 | _Rechila_, filho do antecedente. Fora Principe
  |     | perfeito, se naõ seguira o Arrianismo.
  |     | Com prosperidade, e paz governou sete annos.
  |     |
  | 448 | _Reciario_, filho de Rechila. Teve alguns
  |     | emulos no principio do seu reinado: casou
  |     | com a filha de Theodorico, Rey Godo: saqueou,
  |     | e destruio os Vascões: passou a França
  |     | a visitar seu sogro, e na retirada conquistou
  |     | muitas terras de Hespanha. S. Balconio,
  |     | Bispo de Braga, lhe fez abraçar o Christianismo.
  |     | Na Cidade do Porto foy degollado
  |     | por seus inimigos, e nelle se extinguio a linha
  |     | verdadeira dos Suevos. Governou nove
  |     | annos.
  |     |
  | 457 | _Maldra_, ou _Masdra_. Foy eleito na Cidade
  |     | de Braga pelos Bispos, e alguma Nobreza do
  |     | Reino; mas padeceo as opposições, que lhe
  |     | fez _Franta_, que os do partido contrario
  |     | introduziraõ no governo, e elle governou tres
  |     | annos. Seguio-se outro tambem intruso, chamado
  |     | _Frumario_, que reinou tyrannicamente
  |     | dous annos, e a Masdra se seguio
  |     |
  | 464 | _Remismundo_, a quem Santo Isidoro chama
  |     | _Arismundo_, filho de Masdra. Ficou prevalecendo
  |     | o seu reinado entre os dous precedentes
  |     | Contendores. Foy cativo, e prezo por
  |     | ElRey Godo Theodorico, o qual introduzio
  |     | em Galiza a heresia Arriana. Daqui para diante
  |     | naõ he muy certa a successaõ dos Reys
  |     | Suevos por se interromper a sua serie com a
  |     | morte de Remismundo. Fr. Bernardo de Brito[535]
  |     | dá por incertos a _Theodulo_, _Veremundo_,
  |     | _Miro_, _Pharamiro_. Filippe de la Gandara,[536]
  |     | seguindo o Chronicon de Marco Maximo,
  |     | assina depois de Remismundo a _Hermenerico_
  |     | no anno 556 com o governo de quasi
  |     | cincoenta annos: a _Rechila II._ _Reciario II._
  |     | a quem S. Martinho Dumiense converteo à
  |     | Fé Catholica, e a _Ariamiro_, ou
  |     |
  | 560 | _Theodomiro_, filho de Reciario. Converteo-se
  |     | à Fé juntamente com seu pay, e foy grande
  |     | defensor da Divindade de Christo. Celebrou-se
  |     | no seu tempo o primeiro Concilio
  |     | Bracarense. Os annos do seu governo saõ
  |     | muito incertos. Santo Isidoro, a quem segue
  |     | o allegado Gandara, diz que reinou vinte e
  |     | quatro annos, Yañes dez, Coronelli no seu
  |     | Prodromo seis, o Abbade de Valclara tambem
  |     | lhe assina dez annos de governo, e parece
  |     | o mais provavel. O Padre Argote lhe dá
  |     | o nome de Theodomiro Junior, porque antes
  |     | delle diz que houvera outro Theodomiro
  |     | Senior.[537]
  |     |
  | 570 | _Miro_, ou _Ariamiro_. Foy excellente Principe
  |     | em piedade, e Religiaõ. Fez convocar
  |     | em Braga o segundo Concilio para desterrar
  |     | alguns abusos, e governou treze annos. Aqui
  |     | ha grande equivocaçaõ em o nome deste Rey,
  |     | que alguns confundem com Theodomiro, e
  |     | por isso naõ se ajusta entre os Authores a
  |     | chronologia como deve ser.[538]
  |     |
  | 583 | _Eborico_, ou _Eurico_. Succedeo no governo
  |     | ao antecedente. Foy logo despojado do Reino
  |     | por _Andéca_, padrasto de Eburico, o qual
  |     | para mais o inhabilitar para a successaõ, lhe
  |     | fez tomar o habito de Religioso no Mosteiro
  |     | de Dume, e professar. Esta violencia vingou
  |     | pelos mesmos fios Leovigildo, Rey Godo,
  |     | obrigando tambem a Andéca a se ordenar de
  |     | Sacerdote; e desterrando-o para Béja, tomou
  |     | posse de todas as riquezas do Reino, o qual
  |     | no poder dos Suevos tinha durado em ambas
  |     | as fortunas cento e setenta e sete annos.

Advertimos, que o erudito Padre Mestre Fr. Paulo Yañes produz huma
serie dos Reys Suevos com diversidade desta, que temos expendido, tanto
em os nomes dos Reys, como em o numero, e calculo dos annos.[539] Este
Author como o seu intuito foy mostrar, e explicar o cap. 7. de Daniel
nestas quatro nações barbaras, que occuparaõ Hespanha, naõ quiz incluir
na serie dos Reys aquelles, que foraõ tyrannos, e intrusos, e assim
exclue a _Frantan_, _Fumario_, e _Andéca_, numerando sómente oito Reys
Suevos legitimos, e verdadeiros.

_Catalogo chronologico dos Reys Godos, que governaraõ Hespanha, e
Portugal._

  | Ann.|
  | de  |
  | Chr.|
  |     |
  | 411 | _Ataulfo_. Foy o primeiro Rey Godo, que
  |     | teve dominio em Hespanha. Suceedeo a
  |     | Alarico: casou com Gala Placidia, irmã do
  |     | Imperador Honorio, aquem este deu em dote
  |     | as terras de Hespanha com o designio de
  |     | expellir dellas aos Vandalos, e as outras nações
  |     | Septentrionaes; porém Ataulfo, portando-se
  |     | com brandura no governo, foy desobedecido
  |     | pelos seus, e por elles morto em
  |     | companhia de sete filhos. Dizem huns que
  |     | governara cinco annos, outros seis.
  |     |
  | 416 | _Sigirico._ Era valeroso Capitaõ, e por isso
  |     | elegeraõ para Rey. Quiz levar as cousas pelos
  |     | termos de paz; e naõ se contentando os
  |     | Godos com o seu modo, tambem lhe tiraraõ
  |     | a vida. Governou hum anno.
  |     |
  | 416 | _Walia._ Começou a governar com o projecto
  |     | de conquistar Africa: perdeo huma grande
  |     | armada: retira-se a Barcelona, faz pazes
  |     | com Honorio, e depois guerra aos Vandalos,
  |     | e os vence. Morre em Tolosa, tendo
  |     | governado tres annos.
  |     |
  | 419 | _Theodoredo_, ou _Theodorico_. Fez guerra aos
  |     | Romanos, e morreo na cruelissima batalha
  |     | dos campos Catalaunicos, cahindo de hum
  |     | cavallo. Governou trinta e tres annos.
  |     |
  | 452 | _Thurismundo_, filho de Theodoredo. Foy
  |     | morto por industria de seus irmãos. Governou
  |     | hum anno.
  |     |
  | 453 | _Theuderico_, irmaõ de Thurismundo. Venceo,
  |     | e matou a Reciario, Rey dos Suevos,
  |     | e em Braga fez grandes hostilidades. Foy
  |     | morto por seu irmaõ Eurico. Governou treze
  |     | annos.
  |     |
  | 466 | _Eurico._ Deu leys escritas aos Godos, expulsou
  |     | aos Romanos de Hespanha, conquistou,
  |     | e saqueou muitas terras de Portugal.
  |     | Neste tempo se achava Hespanha dividida em
  |     | tres Imperios: os Suevos tinhaõ a Galiza,
  |     | parte da Lusitania: a Betica, e Catalunha era
  |     | dos Godos: os Romanos eraõ senhores das
  |     | Provincias de Cartagena, e Carpentana com
  |     | o restante da Lusitania. Depois de algumas
  |     | vitorias morreo em Arlés de França, e governou
  |     | dezasete annos.
  |     |
  | 483 | _Alarico II._ filho de Eurico. Litigou com
  |     | Clodoveo, Rey de França, e em huma batalha
  |     | junto a Carcasona perdeo com ella a
  |     | vida. Governou vinte e tres annos.
  |     |
  | 506 | _Gesalico_, ou _Gesaleuco_ ou _Gensalarico_, filho
  |     | illegitimo de Alarico. Foy acclamado
  |     | pelos Godos na menoridade de Amalarico.
  |     | Perdeo o que seus antecessores possuiaõ em
  |     | França; e sendo vencido por Theodorico,
  |     | Rey dos Ostrogodos de Italia, avô do herdeiro
  |     | legitimo, morreo de melancolia. Governou
  |     | quatro annos.
  |     |
  | 511 | _Theudorico II._ Tendo reinado dezoito annos
  |     | em Italia occupou o Cetro de Hespanha. Dizem
  |     | huns que como Rey verdadeiro, outros
  |     | só como tutor, ou administrador de seu neto.
  |     | Governou quinze annos.
  |     |
  | 526 | _Amalarico_, filho de Alarico. Teve por mulher
  |     | a Crotilde, Princeza Catholica, filha
  |     | de Clodoveo, Rey de França; mas como o
  |     | marido era Arriano, padeceo com elle grandes
  |     | trabalhos, até que os irmãos a vingaraõ,
  |     | matando-o, e destruindo muitas povoações
  |     | de Hespanha. Governou cinco annos.
  |     |
  | 531 | _Theudo_, ou _Theudio_, ou _Teudis_. Tinha sido
  |     | tutor de Amalarico, e Governador de Hespanha:
  |     | outros o fazem descendente delRey
  |     | Theodorico de Italia. Acabou, e extinguio
  |     | o governo dos Romanos em Hespanha quanto
  |     | aos Magistrados. Foy morto em seu Palacio
  |     | por hum homem, que se fingia bobo.
  |     | Governou dezasete annos.
  |     |
  | 548 | _Theudiselo_, ou _Theudisclo_. Foy  Arriano, e
  |     | hum dos máos Reys dos Godos. Os seus o
  |     | mataraõ em Sevilha, estando em hum banquete.
  |     | Governou hum anno.
  |     |
  | 549 | _Agila._ Por eleiçaõ dos Grandes foy eleito
  |     | Rey. Os Cordovezes o venceraõ. Muitos
  |     | dos seus se rebelaraõ contra elle, e o mataraõ
  |     | em Merida. Governou cinco annos.
  |     |
  | 554 | _Athanagildo._ De Capitaõ, que se havia rebelado,
  |     | ficou com o Reino dos Godos. Morreo
  |     | em Toledo, e governou quatorze annos.
  |     |
  | 567 | _Liuva_, ou _Luiva_. Depois de reinar hum
  |     | anno cedeo o senhorio de Hespanha a seu irmaõ
  |     | Leovigildo, e elle se retira às terras,
  |     | que tinha em França. Governou hum anno.
  |     |
  | 568 | _Leovigildo._ Alcançou muitas vitorias dos
  |     | Suevos de Galiza, recopilou as leys Goticas,
  |     | foy o primeiro, que usou de insignias Reaes,
  |     | throno, cetro, e coroa. Teve grandes guerras
  |     | com seu filho Hermenegildo, a quem perseguio,
  |     | e fez martyrizar em Sevilha depois
  |     | de huma apertada prizaõ. Governou dezoito
  |     | annos.
  |     |
  | 586 | _Flavio Recaredo_, filho de Leovigildo, e sobrinho
  |     | de S. Leandro, e S. Fulgencio. Desterrou
  |     | a heresia de Arrio das terras de Hespanha,
  |     | e governou quinze annos.
  |     |
  | 601 | _Liuva II._ filho de Recaredo, que alguns
  |     | querem que fosse bastardo. Foy pio, e Catholico.
  |     | Witerico lhe usurpou o Reino, tirando-lhe
  |     | com tyrannia a vida. Governou
  |     | dous annos.
  |     |
  | 603 | _Witerico._ Renovou em seu governo a perfidia
  |     | de Arrio, e por isso o mataraõ, e arrastaraõ
  |     | pelas ruas publicas de Toledo, dando-lhe
  |     | immunda sepultura. Governou seis annos.
  |     |
  | 610 | _Gundemaro._ Foy defensor da immunidade
  |     | Ecclesiastica, e venceo aos Navarros. Governou
  |     | dous annos.
  |     |
  | 612 | _Sisebuto._ No principio do seu reinado constrangeo
  |     | aos Judeos a que seguissem a Ley de
  |     | Christo, por cujo motivo fugiraõ muitos para
  |     | França. Acabou de lançar fóra de Portugal
  |     | aos Romanos, que ainda se conservavaõ
  |     | neste tempo por toda a costa do Algarve, e
  |     | entre os Cabos de S. Vicente, e de Espichel.
  |     | Fortaleceo a Cidade de Evora, e fundou em
  |     | Toledo a Igreja de Santa Leocadia. Governou
  |     | oito annos e meyo.
  |     |
  | 621 | _Flavio Suyntila_, filho de Recaredo. Destruio
  |     | os Imperiaes, e sujeitou ao dominio
  |     | Gotico todo Portugal. Entregou-se aos vicios,
  |     | e crueldades de fórma, que o Concilio
  |     | Toledano IV. em que se achou Santo Isidoro,
  |     | o excommungou, e a sua mulher, e filhos.
  |     | Os Vice-Godos o privaraõ do Reino.
  |     | Governou dez annos.
  |     |
  | 631 | _Sisenando._ Foy sublimado ao throno por favor
  |     | de Dagoberto, Rey de França, a quem
  |     | deu dez pezos de ouro taõ grandes, que bastaraõ
  |     | para acabar o grande Templo de S.
  |     | Diniz. Governou quatro annos.
  |     |
  | 636 | _Chintila._ Por votos uniformes da Nobreza
  |     | foy eleito Rey; e querendo perpetuar no estado
  |     | Regio sua descendencia, convocou alguns
  |     | Concilios para estabelecer o seu intento.
  |     | Governou tres annos.
  |     |
  | 640 | _Tulga._ Viveo pouco, porém fez obras de
  |     | grande piedade, e zelo christaõ. Morreo em
  |     | Toledo com grande sentimento, e saudade de
  |     | todos. Governou dous annos.
  |     |
  | 642 | _Chindasuindo._ Entrou a governar por violencia,
  |     | continuou com justiça de forte, que
  |     | soube temperar o arduo do principio com
  |     | o suave do progresso. Convocou em Toledo
  |     | Concilio, fundou o Mosteiro de S. Romaõ
  |     | entre Toro, e Torresilhas, onde está
  |     | enterrado. Governou seis annos.
  |     |
  | 649 | _Recesuindo_, filho do antecedente. Entrou a
  |     | governar sem contradiçaõ, e com justiça.
  |     | Governou vinte e tres annos.
  |     |
  | 672 | _Wamba_, ou _Bamba_. Foy eleito, e ungido
  |     | Rey milagrosamente. Ganhou muitas batalhas
  |     | contra aquelles povos, que se queriaõ
  |     | eximir do jugo Gotico: até dos Sarracenos
  |     | triunfou. Hum accidente lhe fez mudar huma
  |     | coroa por outra: repudiou o Reino, e
  |     | deixando a purpura pelo habito de Religioso,
  |     | acabou santamente. Governou sete annos.
  |     |
  | 680 | _Ervigio._ Obteve o Cetro por industrias,
  |     | que maquinou em vida de Bamba. Governou
  |     | sete annos.
  |     |
  | 687 | _Egica_, ou _Egiza_, genro de Ervigio. Tomou
  |     | por companheiro a seu filho Witiza, e
  |     | obrigou aos Nobres a que lhe jurassem fidelidade.
  |     | Divide o governo entre si, e o filho,
  |     | dando a este o dominio de Portugal, e Galiza,
  |     | e elle ficando com o restante da Hespanha.
  |     | Governou dez annos.
  |     |
  | 701 | _Witiza._ Tanto que subio ao Throno, fez
  |     | estabelecer sua Corte em Braga, e dando-se
  |     | a todo o genero de vicios, chegou ao extremo
  |     | da maldade, e tyrannia, mandando tirar
  |     | os olhos a seu irmaõ Theodofredo, que residia
  |     | pacifico no governo de Cordova. Concedeo
  |     | varios privilegios aos Judeos, e depois
  |     | de outras muitas perversidades, que o fizeraõ
  |     | aborrecivel de todos, morreo em Toledo. Governou
  |     | dez annos.
  |     |
  | 711 | _D. Rodrigo_, filho de Theodofredo, e neto
  |     | de Chindasuindo. Pouco se distinguio nos vicios
  |     | ao antecessor. Os amores, que teve com
  |     | Florinda, filha do Conde Juliaõ, foraõ causa
  |     | da sua ruina e de toda Hespanha, introduzindo-se
  |     | por conducta do Conde offendido
  |     | no desprezo de sua filha hum grande corpo de
  |     | exercito Arabe, que derrotou a D. Rodrigo,
  |     | e todo o poder dos Godos, que havia
  |     | durado na Hespanha mais de trezentos e oitenta
  |     | annos.[540]


NOTAS DE RODAPÉ:

[520] Paul. Diac. lib. 13. Turselin. Epitom. Historic. lib. 5. pag. 113.

[521] Monarq. Lusit. liv. 6. cap. 2.

[522] Oros. Cassiodor. e outros apud Gandar. nas Palm. e triunf.
Eccles. de Galiz. part. 2. l. 6. cap. 10. e 11. Saavedra Coron. Gotic.
tom. 1. p. 32. Monarq. Lusit. liv. 6. cap. 2. e 3.

[523] Clede, Histoire de Portug. tom. 1. liv. 3. pag. mihi 224.

[524] Monarq. Lusit. liv. 6. cap. 4.

[525] Morales lib. 11. cap. 33.

[526] Vasæus Chron. tom. 1. p. 39.

[527] Monarq. Lusit. liv. 6. cap. 24.

[528] Faria na Europa Portug. tom. 1. part. 3. cap. 20.

[529] Monarq. Lusit, liv. 6. cap. 25.

[530] Morales liv. 12. cap. 40. e 41.

[531] Berganç. Antig. de Hesp. part. 1. liv. 1. cap. 6. n. 67.

[532] Castilh. liv. 2. disc. 10. Monarq. Lusit. ut supr. cap. 30.

[533] Garibay liv. 36. Clede tom. 1. liv. 3. pag. mihi 309. Monarq.
Lusit. liv. 7. cap. 1.

[534] Argot. Memor. do Arcebispad. de Brag. liv. 5. cap. 2. num. 367.

[535] Monarq. Lusitan. liv. 5 cap. 10.

[536] Gandar Triunf. Eccles. de Galiz. part. 2. liv. 7. cap. 7.

[537] Argot. Memor. de Brag. liv. 5. cap. 1.

[538] Veja-se ao Padr. Yañes no liv. 2. cap. 27. num. 4. de la Era, y
Fechas de España.

[539] Idem part. 1. cap. 19. de la España en la Santa Biblia.



                              CAPITULO V.

_Invasaõ, e dominio dos Mouros._


1 Derrotado, e extincto o exercito dos Godos nas prayas do Guadalete
em dia de S. Martinho 11 de Novembro de 714 conforme a melhor
computaçaõ,[541] e refugiando-se nas terras de Portugal o infeliz
Rey D. Rodrigo, onde passados alguns annos acabou com a morte os
seus dias junto a Viseu,[542] entraraõ os Arabes a executar com todo
o furor a conquista de Hespanha, vendo-se logo nos seguintes dous
annos a mayor parte della, e do nosso Reino sujeita, e subordinada ao
dominio barbaro, excepto aquellas porções de Galiza, e Asturias, que
pela aspereza de suas brenhas se fizeraõ inaccessiveis às armas dos
Africanos.[543]

2 O lastimoso estado, em que se achariaõ nossas terras com aquelle
improviso, e accelerado cativeiro, bastantemente se faz crivel,
vendo-se em taõ pouco tempo sem liberdade, afflictas, e tributarias
a huma Naçaõ barbara, e contraria da Fé Catholica: as Igrejas, e
Sacerdotes desprezados com desacatos, e insultos, experimentando
estes golpes primeiro que outras aquellas povoações, que estavaõ mais
proximas ao Oceano.[544]

3 Havia-se achado na batalha do Guadalete o Infante D. Pelayo, da
antiquissma familia dos Hespanhoes Cantabros,[545] que com as breves
reliquias de alguns Godos se tinha acolhido às montanhas das Asturias.
Passado algum tempo, resentido da violencia, que hum Governador
Mouro fizera a huma sua irmã, tomando-a por mulher, estando elle
ausente,[546] com o motivo de taõ justa vingança, e de sacudir dos seus
hombros, e de seus nacionaes o gravame de tal jugo, convocou, ou se lhe
aggregou muita gente valerosa com armas, e petrechos proporcionados à
empreza; e depois de o acclamarem Rey no valle de Cangas, ou Covadonga,
noticioso Alahor, Governador Arabe, daquella sublevaçaõ, o mandou
accommetter com o formidavel exercito de cento e oitenta e sete mil
Mouros, aos quaes milagrosamence destruio D. Pelayo.[547]

4 Divulgada a noticia deste primeiro triunfo, respirou o animo dos
Christãos dispersos ao mesmo tempo, que se abateo o furor barbaro; e
concorrendo ao estrondo deste feliz successo D. Affonso, filho de
D. Pedro, Duque de Biscaya, descendente do glorioso Recaredo, Rey
Godo,[548] se offereceo com bom numero de Biscainhos a ElRey D. Pelayo,
o qual reconhecendo animo, e valor heroico na pessoa de D. Affonso, o
desposou com sua filha Ermesenda.

5 D. Affonso agradecido a elle favor, querendo explicar bem o seu zelo,
e gratidaõ, entrou poderosamente em Portugal pela Provincia do Minho, e
recuperando Braga, Porto, Viseu, Agueda, e outras terras deste Reino,
libertando-as da escravidaõ Sarracena, se recolheo vitorioso, deixando
com estes triunfos aturdidos os barbaros, que já começavaõ a tratar os
nossos mais com algum respeito, e menos oppressaõ.[549]

6 O governo politico se praticava, nomeando o Governador Mouro a hum
Conde Christaõ em cada Comarca, o qual sentenciava as causas ordinarias
segundo as leys Goticas, excepto a sentença de morte, que só a podia
dar o Alcaide dos Mouros, que pouco a pouco foraõ introduzindo, e
intimando as suas leys.[550]

7 Como o Catholico Rey D. Affonso, (o qual pela morte de D. Favila,
seu cunhado, havia recebido o Cetro, e a Coroa,) naõ podia nesta
gloriosa conquista pela falta de gente conservar nas terras, que
resgatava, aquelle presidio sufficiente, que rebatesse as sublevações
dos inimigos; acontecia que humas vezes ficavaõ nossas terras na
obediencia dos Christãos, outras na dos Barbaros, e nesta inconstancia
de dominio permaneceo o Reino nos tempos de D. Froila, D. Aurelio,
D. Silo, D. Mauregato, e D. Bermudo, todos Reys de Asturias, até que
ElRey D. Affonso _o Casto_, reforçado com mayor poder, se avançou desde
as Asturias até Lisboa, que bloqueou, venceo, e guarneceo de mayor
presidio, e a outras muitas terras, que lhe ficavaõ intermedias do
Minho, e Beira, por onde passara.

8 Teriaõ passado oito annos, quando os infieis, creando novos alentos,
sahiraõ com poderoso exercito, que commandava Aliatan, e recuperaraõ
todas aquellas terras, que reconheciaõ o nome delRey D. Affonso; porém
este fazendo-lhe valerosa oppugnaçaõ, os obrigou a pactear. Em fim com
este perturbado governo se foy continuando bastantes annos o estado
das nossas Provincias, conforme era a fortuna, que experimentavaõ; e
mudando-se para conhecida prosperidade em tempo, que governava ElRey D.
Affonso VI. se vio o Imperio Christaõ em grande augmento.

9 Discorriaõ as armas Catholicas taõ felizmente, que ao pregaõ de
seus gloriosos progressos vinhaõ muitos Capitães de nome, emulos do
valor, e da honra, militar pelo credito da Fé à sombra das bandeiras
de taõ venturoso Monarca. Entre estes veyo o illustrissimo, e valeroso
Conde D. Henrique, do qual procedeo huma florentissima arvore dos
soberanos Monarcas Portuguezes, que no Capitulo seguinte havemos de
expôr, demorando-nos agora hum pouco, em quanto mostramos em abbreviado
Catalogo a serie dos Reys de Asturias, cujo dominio reconheceo
Portugal, como sua primeira, e propria conquista sobre os Arabes; e
destes tambem fizera-mos Catalogo chronologico pelo que pertence aos
seus Califas, ou Governadores em o tempo do imperio, que tiveraõ em
Portugal, se acaso os Escritores Arabes foraõ coherentes nas suas
Hegiras, ou Chronologias, cuja confusaõ nos absolve deste trabalho,
podendo quem quizer mayores noticias das expedições dos Mouros, e
guerras intestinas, que fizeraõ em toda Hespanha, ver a obra de
Abulcacim Tarif Abenterique, traduzida em Castelhano por Miguel de
Luna, e impressa no anno de 1600, ou o que se acha junto no Chronicon
de Vaseu. _Catalogo chronologico dos Reys de Asturias, e Leaõ, que em
tempo dos Mouros começaraõ a conquistar, e governar Portugal._

  | Ann. |
  |  de  |
  | Chr. |
  |      |
  |  738 | _D. Affonso I._ chamado o _Catholico_, filho
  |      | do Duque de Biscaya. Casou com a filha delRey
  |      | D. Pelayo: foy o primeiro Rey de Asturias,
  |      | que depois da perda de Hespanha teve
  |      | dominio sobre os Portuguezes, e conquistou
  |      | aos Mouros terras de nosso paiz: fundou,
  |      | e reparou muitas Igrejas. Governou dezanove
  |      | annos.
  |      |
  |  757 | _D. Froila_, ou _Fruela_, filho de D. Affonso.
  |      | Ganhou algumas batalhas aos Mouros, e lhe
  |      | conquistou Béja, Setubal, e outras terras de
  |      | Portugal. Com inveja de ser mais bem quisto
  |      | seu irmaõ Vimarano, o matou, deslustrando
  |      | com esta crueldade todas as boas obras,
  |      | que tinha feito. Reformou o estado Ecclesiastico
  |      | de Hespanha, e no seu tempo succedeo
  |      | a vinda do corpo de S. Vicente a Portugal.
  |      | Seus vassallos o mataraõ, e foy sepultado
  |      | na Igreja de Oviedo, que elle fundou.
  |      | Governou onze annos e meyo.
  |      |
  |  768 | _D. Aurelio_, filho de D. Fruela. Serenou
  |      | com prudencia num grande tumulto de escravos,
  |      | que se levantaraõ contra seus senhores.
  |      | Governou seis annos.
  |      |
  |  774 | _D. Silo._ Succedeo na Coroa, por casar com
  |      | Adosinda, filha de D. Affonso o Catholico.
  |      | Teve paz com os Sarracenos, e só com os
  |      | Gallegos teve huma guerra, em que venceo.
  |      | Entrou poderosamente na Cidade de Merida,
  |      | donde tirou o corpo de Santa Eulalia, e o
  |      | depositou na Igreja de S. Joaõ Evangelista de
  |      | Pravia, onde elle está enterrado, com huma
  |      | inscripçaõ na sua sepultura em labyrintho,
  |      | que diz, e se lê por todos os lados: _Silo Princeps
  |      | fecit_. Governou nove annos.
  |      |
  |  783 | _D. Mauregato._ Obteve a Coroa por usurpaçaõ;
  |      | porque a Rainha Adosinda pertendeo
  |      | que os Grandes de Hespanha acclamassem
  |      | por successor a D. Affonso, seu sobrinho,
  |      | filho delRey D. Fruela; e sabendo isto Mauregato,
  |      | filho bastardo de D. Affonso o _Catholico_
  |      | havido em huma Moura, anhelando
  |      | tambem ao Cetro, se foy valer de Abderramen,
  |      | Rey de Cordova, promettendo-lhe vassalagem,
  |      | se o soccorresse na sua pertençaõ.
  |      | Foy o promettimento dar-lhe todos os annos
  |      | cem donzellas de tributo, cincoenta nobres,
  |      | e outras tantas plebeas, e se mandavaõ recolher
  |      | em Asturias, Portugal, e Galiza. D.
  |      | Joseph Pellizer,[551] a quem segue D. Joaõ
  |      | de Ferreras,[552] quizeraõ persuadir que este
  |      | Rey nem se chamava Mauregato, nem promettera
  |      | ao Mouro o tributo annual das cem
  |      | donzellas Christãs; porém naõ tem razaõ,
  |      | segundo o que se lê na Monarquia Lusitana,[553]
  |      | e o que diz o Padre Fr. Francisco de Bergança.[554]
  |      | Governou cinco annos.
  |      |
  |  789 | _D. Bermudo I._ filho de D. Fruela. Sendo
  |      | Diacono, e destinado à Igreja, por instancias
  |      | dos Grandes do Reino entrou a governar.
  |      | Naõ quiz contribuir aos Governadores
  |      | Mouros com o tributo das cem donzellas.
  |      | Depois de haver governado tres annos, e oito
  |      | mezes, renunciou o Reino em D. Affonso,
  |      | filho de seu primo D. Fruela, e passou
  |      | a buscar o habito de Monge no Mosteiro de
  |      | Sahagum, onde viveo muitos annos.
  |      |
  |  791 | _D. Affonso II._ chamado o _Casto_. Encarregando-se
  |      | do governo, que lhe cedeo D. Bermudo,
  |      | começou a se fazer temido dos Mouros.
  |      | Recuperou Lisboa por assalto, e conquistou
  |      | as Cidades de Lamego, Viseu, Coimbra,
  |      | Braga, e outros Lugares. Mahamet
  |      | fez pazes com elle, e o servia como vassallo.
  |      | Em seu tempo se descubrio o corpo do
  |      | glorioso Apostolo Santiago, a quem mandou
  |      | edificar huma Igreja com magnificencia Real.
  |      | Governou conforme a nossa Chronologia cincoenta
  |      | e hum annos; porém a Clave Historial
  |      | do Padre Fr. Henrique Flores lhe assina
  |      | trinta e quatro.
  |      |
  |  842 | _D. Ramiro I._ filho delRey D. Bermudo.
  |      | Logo no principio do seu reinado se levantou
  |      | contra elle hum Conde das Asturias, chamado
  |      | Nepociano, a quem venceo, e castigou,
  |      | mandando-lhe tirar os olhos, supplicio
  |      | ordinario daquelle tempo. Com fortuna igual
  |      | ao seu valor ganhou aos Mouros o Porto, Lamego,
  |      | Viseu, Coimbra, e Montemór o Velho.
  |      | Aqui poz por Governador a seu tio o
  |      | Abbade Joaõ, o qual cercado dahi a tempos
  |      | pelos Barbaros, vendo que todos pereciaõ
  |      | irremediavelmente por falta de mantimentos,
  |      | resolveo com os mais, que se as mulheres, velhos,
  |      | e meninos haviaõ ficar expostos ao furor
  |      | dos tyrannos, fossem elles mesmos os que
  |      | sacrificassem a innocencia por victima da sua
  |      | honra: e assim cada hum degollou por suas
  |      | proprias mãos a quem mais amava. Sahiraõ logo
  |      | a acommetter desesperadamente aos Mouros,
  |      | os quaes naõ podendo soffrer aquelle tremendo
  |      | modo de pelejar, se deraõ por vencidos
  |      | à custa de setenta mil que pereceraõ. No
  |      | outro dia voltando alguns à Villa, se lhes offereceo
  |      | novo motivo para a admiraçaõ, vendo
  |      | que todos os degollados viviaõ resuscitados
  |      | milagrosamente. Referem este caso nossos
  |      | Historiadores,[555] e parece que o acredita
  |      | a tradiçaõ de pays a filhos, que ainda permanece
  |      | nesta Villa. No seu Castello está hum
  |      | antiquissimo padraõ, que supposto ter já muitas
  |      | letras carcomidas, bem se percebe da contextura
  |      | ser narraçaõ deste prodigio. Havendo
  |      | finalmente D. Ramiro governado sete annos,
  |      | e oito mezes, morreo no primeiro de
  |      | Fevereiro de 850, e está sepultado na Igreja
  |      | de Oviedo.
  |      |
  |  850 | _D. Ordonho I._ filho de D. Ramiro, a quem
  |      | succedeo com universal applauso, por ser
  |      | Principe de grande valor, e talento. Serenou
  |      | huma rebelliaõ dos Vascões seus vassallos, e
  |      | venceo ao renegado Musa, de grande nome
  |      | entre os infieis, por cuja vitoria ficaraõ muy
  |      | temerosos. Ganhou Santarem, Leiria, e outras
  |      | terras de Portugal. Morreo de gota, e
  |      | governou dezaseis annos.
  |      |
  |  866 | _D. Affonso III._ chamado o _Magno_ pelas
  |      | grandes vitorias, que alcançou dos Mouros,
  |      | e sumptuosos Templos, que edificou, e esmolas,
  |      | que deu. Os seus o perseguiraõ, rebellando-se,
  |      | e os Barbaros oppondo-lhe fortes
  |      | exercitos; mas elle pacificou huns, e triunfou
  |      | dos outros. Em Portugal reedificou
  |      | muitas Cidades arruinadas, Braga, Porto,
  |      | Chaves, e Viseu. Renovando-se as inquietações
  |      | domesticas, e sabendo que os seus mesmos
  |      | filhos queriaõ despojallo do Cetro, pelos
  |      | naõ vencer a elles naquella violencia, se
  |      | venceo a si, e repartindo o Imperio, deu a
  |      | D. Garcia o governo de Leaõ, Oviedo, e
  |      | Castella, e a D. Ordonho Galiza, e Portugal,
  |      | ficando elle só com a espada contra os
  |      | Mouros, de quem ainda alcançou vitorias.
  |      | Governou quarenta e quatro annos.
  |      |
  |  910 | _D. Garcia._ Entrou a governar bem, explicando
  |      | o seu valor na vitoria, que teve dos
  |      | Mouros em Talavera, prendendo ao General
  |      | Ayola, que ao depois lhe fugio. Governou
  |      | tres annos.
  |      |
  |  913 | _D. Ordonho II._ Morto D. Garcia, foy acclamado
  |      | Rey pelos Bispos, e Principaes do
  |      | Reino. Combateo a Cidade de Béja, que era
  |      | a mais opulenta, que os Mouros occupavaõ,
  |      | e a ganhou matando toda a gente da guarniçaõ.
  |      | Poz grande terror aos Barbaros, de fórma
  |      | que ElRey de Merida lhe veyo render
  |      | vassallagem. Suspeitando que os quatro Condes,
  |      | que governavaõ entaõ Castella, se queriaõ
  |      | rebellar, mandou-os vir a Tejares junto
  |      | do rio Carrion, segurando-lhes queria tratar
  |      | com elles materias importantes; mas dissimuladamente
  |      | os prendeo, e os fez degollar. Governou
  |      | nove annos, e meyo.
  |      |
  |  923 | _D. Froila II._ Naõ se conta deste Rey acçaõ
  |      | contra os Mouros, antes o culpaõ de
  |      | tyranno, mandando matar os filhos de Olimundo,
  |      | e desterrar a Fronimio, Bispo de
  |      | Leaõ, por terem seguido as partes do Infante
  |      | D. Affonso. Por isto se fez aborrecivel dos
  |      | vassallos. Morreo de lepra, e governou hum
  |      | anno.
  |      |
  |  924 | _D. Affonso IV._ Entrando a governar, e conhecendo-se
  |      | inutil, renunciou o dominio em
  |      | seu irmaõ D. Ramiro, e elle foy buscar a vida
  |      | Monastica no Convento Benedictino de Sahagum.
  |      | Depois passados seis mezes, largando
  |      | o habito, se foy a Leaõ, onde o admittiraõ,
  |      | e intitularaõ Rey. Sabendo isto D. Ramiro,
  |      | passou àquella Corte, e cercando-a, obrigou
  |      | a D. Affonso a entregarse-lhe, e irado lhe
  |      | mandou tirar os olhos, e prender até acabar
  |      | seus dias. Os annos do seu governo, e tempo
  |      | do Monacato pertendem ajustar Fr. Francisco
  |      | de Bergança,[556] e Fr. Manoel da Rocha.[557]
  |      |
  |  931 | _D. Ramiro II._ Depois de prender a seu irmaõ,
  |      | e seus sobrinhos, determinou fazer
  |      | cruel guerra aos Mouros, como com effeito
  |      | fez taõ felizmente, que sempre os venceo.
  |      | Ajudando-o visivelmente Santiago, matou
  |      | junto de Simancas a setenta mil Mouros. Alguns
  |      | Historiadores[558] dizem, que morrera
  |      | sendo Religioso. Governou dezanove annos.
  |      |
  |  950 | _D. Ordonho III._ Foy filho de D. Ramiro,
  |      | e Principe valeroso, e prudente. Casou com
  |      | a filha do Conde Fernaõ Gonçalves, o qual
  |      | querendo rebellarse contra elle, repudiou-lhe
  |      | a filha, e lha mandou a Castella. Sujeitou
  |      | aos Gallegos, que se haviaõ levantado,
  |      | e passando a Portugal, chegou até Lisboa,
  |      | que entrou sem embaraço, saqueando os mais
  |      | lugares, que estavaõ em poder dos Mouros.
  |      | Governou cinco annos e meyo.
  |      |
  |  955 | _D. Sancho I._ chamado o _Gordo_, porque
  |      | na verdade o era, e foy motivo para ser deposto
  |      | do throno, e subir em seu lugar o Infante
  |      | D. Ordonho, filho de D. Affonso IV.
  |      | intervindo nisto o Conde Fernaõ Gonçalves,
  |      | e alguns Senhores de Galiza. Passou D. Sancho
  |      | a Cordova, e alcançando lá remedio à
  |      | sua queixa, o buscou tambem aos seus interesses,
  |      | valendo-se delRey Abderramen, que
  |      | com hum exercito de Mouros fez com que
  |      | D. Ordonho lhe restituisse o Reino de Leaõ.
  |      | Os Condes, que governavaõ as terras do Minho,
  |      | e Galiza, se conjuraraõ contra ElRey;
  |      | mas elle pacificando-os, os obrigou a jurarem
  |      | fidelidade, em cujo acto hum dos Condes
  |      | lhe deu peçonha, de que morreo. Governou
  |      | doze annos.
  |      |
  |  967 | _D. Ramiro III._ Tomou a investidura do
  |      | Reino, tendo cinco annos de idade, e começou
  |      | este governo pelas direcções de sua mãy,
  |      | e tia. Fez pazes com ElRey de Cordova, recuperou
  |      | dos Mouros o corpo do glorioso S.
  |      | Pelagio, destruio pelo valor do Conde Gonçalo
  |      | Sanches huma armada de Normandos,
  |      | que aportou em Galiza. Tratando com pouca
  |      | attençaõ aos Condes de Portugal, e Galiza,
  |      | estes acclamaraõ por seu Rey ao Infante
  |      | D. Bermudo, filho delRey Ordonho, a
  |      | 15 de Outubro de 982. Contenderaõ ambos
  |      | rijamente, e a morte de D. Ramiro decidio
  |      | o argumento. Governou dezaseis annos.
  |      |
  |  985 | _D. Bermudo II._ chamado o _Gotoso._ Foy pouco
  |      | afortunado, pois encontrou sempre muy
  |      | poderoso a seu contrario Almançor. Em Portugal
  |      | tudo que hia desde a corrente do Douro
  |      | até o Algarve estava sujeito aos Mouros,
  |      | e só a pequena Comarca de Entre Douro, e
  |      | Minho com algumas terras da Beira estavaõ
  |      | na obediencia delRey D. Bermudo. Unido
  |      | com ElRey de Navarra, e o Conde Garcia
  |      | Fernandes, venceo huma grande batalha a Almaçor,
  |      | que o obrigou a fugir para Cordova,
  |      | deixando-lhe no campo setenta mil Sarracenos.
  |      | Morreo arrependido de suas culpas
  |      | em Galiza, e governou quatorze annos.
  |      |
  |  999 | _D. Affonso V._ filho de D. Bermudo. Succedeo
  |      | na Coroa, tendo cinco annos de idade.
  |      | Foy Principe muy pio, e caritativo. Com
  |      | intentos de destruir os Mouros passou a Viseu,
  |      | onde elles tinhaõ as mayores forças, e
  |      | resistencia, e os cercou apertadamente; mas
  |      | chegando-se perto das muralhas, huma seta
  |      | disparada das suas ameyas o atravessou, e
  |      | fez levantar o sitio. Governou vinte e sete
  |      | annos.
  |      |
  | 1027 | _D. Bermudo III._ filho de D. Affonso. Foy
  |      | Principe de grande animo, porém infeliz,
  |      | porque nas guerras, que teve com seu cunhado
  |      | D. Fernando, Rey de Castella, mettendo-se
  |      | na batalha do Carrion por entre as
  |      | armas, lhe tiraraõ a vida. Governou dez
  |      | annos.
  |      |
  | 1038 | _D. Fernando_ o _Magno_. Por morte de seu
  |      | cunhado tomou posse do Reino de Leaõ.
  |      | Deveo-lhe Portugal a restauraçaõ das suas
  |      | terras desde o Douro até o Mondego. Depois
  |      | de muitas vitorias mereceo que o glorioso
  |      | Santo Isidro lhe revelasse o fim dos
  |      | seus dias; e antes de morrer repartio seus
  |      | Reinos por seus filhos: a D. Sancho deixou
  |      | Castella, a D. Affonso Leaõ, e a D. Garcia
  |      | Galiza, e Portugal. Governou vinte e
  |      | nove annos.
  |      |
  | 1067 | _D. Garcia._ No seu governo se deixou este
  |      | Principe levar das lisonjas de hum seu valido,
  |      | chamado Verna, que foy causa de se
  |      | descontentarem os illustres Portuguezes, e
  |      | Gallegos, os quaes levantando-se, tomaraõ
  |      | armas, e lhe deraõ huma batalha, que elle
  |      | todavia venceo. D. Sancho, seu irmaõ mais
  |      | velho, o metteo em prizões, e o Reino de
  |      | Portugal, e Galiza se lhe entregou, ficando
  |      | por entaõ incorporado na Coroa de Castella.
  |      | Governou quatro annos.
  |      |
  | 1071 | _D. Sancho II_ Perseguio fortemente a seus
  |      | irmãos, e querendo usurpar tambem do poder
  |      | de sua irmã Dona Urraca a Cidade de
  |      | Çamora, que poz em apertado cerco, hum
  |      | Cavalleiro chamado Velhido Dolfos o matou
  |      | com huma lança. Governou hum anno.
  |      |
  | 1072 | _D. Affonso VI._ Teve o titulo de Imperador,
  |      | e reinou em Castella, Leaõ, Portugal,
  |      | e Galiza. Foy hum dos mais bem afortunados
  |      | Principes de Hespanha, e o que conquistou
  |      | mais terras aos Mouros, aos quaes
  |      | atropelou com o valor do celebrado Cid.
  |      | Distribuio o governo de algumas Comarcas
  |      | de Portugal por illustres pessoas. O Conde
  |      | D. Sisnando governava as terras de entre
  |      | Douro, e Mondego. Egas Ermigio Arouca.
  |      | O Conde D. Nuno Mendes a Provincia
  |      | do Minho, a quem succedeo o illustrissimo
  |      | Conde D. Henrique, gloriosa origem dos
  |      | Reys Portuguezes, de cujo assumpto ornaremos
  |      | só como epitome o Capitulo seguinte.


NOTAS DE RODAPÉ:

[540] Veja-se Loays. nos Concil. de Hesp. Coronelli no Prodrom. part.
4. p. 465. Vasæu tom. 1. Chron p. 39. Resend. lib. 3. de Antiq. Marian.
Histor. de Hesp. part. 1. Savedr. Coron. Gotica. Gandar. nas Palm y
Triunf. de Galiza part. 2. Berganz. Antig. de Hesp part. 1. liv. 1.
Yañes España en la S. Biblia part 1. cap. 19. pag 224.

[541] D. Rodrig, Arceb. liv. 1. cap. 255. Histor. Gen. de Hesp. part.
2. cap. 55. Moral. liv. 12. cap. 69. Berganç. Antiguid. de Hesp. part.
1. liv. 1. cap. 13. n. 212. Yañes de la Era, y Fechas de España lib.
2. cap. 29. p. 482. Chronic. Albendense seguido por Marian. part. 1.
liv. 6. cap. 23. Monarq. Lusit. liv. 7 cap. 2. concorda no anno, mas
discrepa no dia, porque assenta que foy no meyo de Outubro.

[542] Væseus Chron. tom. 1. p. 113. Monarq. Lusitan. liv. 7. cap. 3. p.
386. Aqui affirma Brito, que na Igreja de S. Miguel do Fetal, que está
fóra dos muros de Viseu, vira a sepultura de D. Rodrigo, mas já naõ
tinha os ossos delRey, por haver annos, que os haviaõ, trasladado para
Castella, e naõ diz onde se depositaraõ.

[543] Moret. Anales liv. 3. cap. 4. e no tom. 1. Append. §. 2.

[544] Ferrer. ad ann. 713. n. 9.

[545] Fr. Franc. Sota Chron. de los Princip. de las Astur. liv. 3. cap.
42. n. 7.

[546] Isidor. Pacens. apud Brit. na Monarq. Lusit. liv. 7. cap. 6.

[547] Monge de Silos apud Bergança nas Antiguid. de Hesp. part. 1. liv.
2. cap. 1. n. 7. Vasæus Chron. tom. 1. ad ann. 716. Marian. part. 1.
liv. 7. cap. 1. Monarq. Lusit. liv. 7. cap. 6.

[548] Salazar Histor. da Casa de Lara liv. 2. cap. 1.

[549] Ferrer. tom. 4. na Dedicat.

[550] Monarq. Lusitan. liv. 7. Bergança part. 1. liv. 2. cap. 1. num. 2.

[551] Pellizer Anal. p. 401.

[552] Ferrer. tom. 4. p. 108.

[553] Monarq. Lusitan. liv. 7. cap. 9.

[554] Bergança part. 1. das Antiguid. de Hesp. liv. 2. cap. 3. n. 35.

[555] Monarq. Lusit. liv. 7. cap. 14. Benedict. Lusit tom. 1. trat. 2.
part. 2. cap. 6. Fr. Luiz dos Anjos Jardim de Port. n 52. Paes Viegas
nos Princip. de Portug. liv. 6. p. 219. Agiolog. Lusit. tom. 3. p. 801.
Ann. Historic. tom. 2. p. 257.

[556] Berganç. part. 1. das Antig. de Hesp. liv. 3. cap. 6. n. 65.

[557] Rocha Portug. Renascid. part. 2. n. 124. & seqq.

[558] Apud Berganç. ut supr. cap. 12. n. 138.



                             CAPITULO VI.

_Erecção do senhorio de Portugal separado dos mais dominios de
Hespanha, e estabelecimento dos soberanos Monarcas Portuguezes._


Ainda a mayor parte das nossas terras era perseguida, e infestada
dos Mouros, sem ter sido bastante o grande poder dos Reys de Leaõ, e
Asturias para os lançar fóra de Hespanha, quando apparecendo o Conde D.
Henrique no anno de 1080 com o intento de se naturalizar na gloria das
conquisquistas delRey D. Affonso, mereceo com as suas grandes proezas
o premio de que este lhe désse por esposa huma sua filha, e em dote
naõ só o que estava em Portugal conquistado aos Sarracenos, mas tudo
inteiramente o que seu valor aspirasse a conquistar. Desse esclarecido
tronco se produzio a fecundissima arvore da Casa Real Portugueza com
huma uniaõ de florecentes ramos em periodo gloriosamente continuado,
como já entramos a ver.


_Conde D. Henrique._

2 Cinco pontos mais difficultosos exporemos primeiramente na vida deste
illustrissimo Conde. O primeiro: _Qual he a sua origem?_ Naõ menos que
seis opiniões houve acerca deste verdadeiro conhecimento, que se podem
ver no destro politico Duarte Ribeiro de Macedo.[559] A mais certa, e
verdadeira, com que os Authores deste seculo se conformaõ, he a que
faz ser ao Conde D. Henrique descendente por varonia dos Duques de
Borgonha, e da Casa Real de França. Funda-se esta opiniaõ no celebre
_Exemplar Floriacense_, que se achou em França na livraria do Convento
de Fleury, donde o alcançou Pedro Piteu para o dar à impressaõ no anno
de 1596. He huma Historia Genealogica de França, escrita em tempo do
proprio Conde por hum Religioso de S. Bento, a qual he tida por texto
indubitavel.

3 Depois de toda esta segurança, e certeza taõ recommendada tambem pelo
grande Genealogico D. Antonio Caetano de Sousa,[560] fomos encontrar
huma passagem no Capitulo 11. da Historia manuscrita da fundaçaõ de
Santa Cruz de Coimbra por Fr. Jeronymo Romano, Religioso douto de Santo
Agostinho, e de quem muitas vezes se lembra nosso Chronista Brandaõ
com credito. Este pois referindo o epitafio antigo, que estava na
cabeceira da sepultura do invicto Rey D. Affonso Henriques, antes que
ElRey D. Manoel a mandasse reformar, diz, que se lia alli, entre outras
clausulas, a seguinte:

 _Aqui jaze sepultado el muy poderoso, y muy excelente Principe Don
 Alonso Henriques, primero Rey de Portugal, el qual de parte de su
 Padre Don Henrique, Conde de Astorga, deciende por linea derecha de
 los Reyes de Aragon, y de parte de su madre de los Reyes de Castilla,
 &c._

4 Alguma violencia nos causa querer dar assenso à verdade deste
epitafio; porque primeiramente lembrando-se delle o grande
Brandaõ,[561] diz, que estava em versos Latinos, e os transcreve; mas
nem em huma só palavra se conforma com o que diz Fr. Jeronymo. Mais:
Accrescenta este huma reflexaõ sobre a mesma clausula da inscripçaõ,
digna de reparo, dizendo: _En lo que toca a ser su padre el Conde D.
Henrique de linage de los Reyes de Aragon, y haver-se llamado Conde de
Astorga, es muy facil de provar, y por no ser para aqui, lo dexo._

5 Chamamos reflexaõ digna de reparo, porque o mesmo Fr. Jeronymo no
Capitulo primeiro da vida do infante D. Fernando deixou dito, que
o Conde D. Henrique era Principe da Casa Real de França,[562] em
que coincide com o Exemplar Floriacense, e se aparta da sobredita
reflexaõ do epitafio. Sirva isto sómente de noticia, a qual quizemos
communicar, porque esta obra, como outras tambem de Fr. Jeronymo, naõ
anda impressa, supposto correrem alguns transumptos pelas mãos dos
curiosos, e delle conservamos alguns Tratados. Veja-se porém Damiaõ de
Goes na Chronica delRey D. Manoel part. 4. cap. 72.

6 O segundo ponto difficultoso he: _Se a Rainha Dona Teresa, mulher do
Conde D. Henrique, foy filha legitima delRey D. Affonso VI. de Leaõ?_
A razaõ de duvidar vem a ser; porque ElRey D. Affonso sendo casado com
Dona Ximena Nunes de Gusmaõ, da qual teve a Senhora Dona Teresa, foy
depois separado deste matrimonio pelo Papa Gregorio VII. como consta da
sua Carta, ou Breve, que principia: _Dici non potest_, escrita ao mesmo
D. Affonso, por se contrahir sem dispensa do parentesco, que a dita
Dona Ximena tinha com outra mulher delRey D. Affonso, o qual foy casado
seis vezes.

7 Fundados nesta nullidade, affirmaraõ Authores Castelhanos, e ainda
Portuguezes, que a Senhora Dona Teresa era filha bastarda, tendo por
sua parte esta opiniaõ o Exemplar Floriacense,[563] objecçaõ forçosa,
com que argumenta Manoel de Faria.[564] Porém isto naõ obsta; porque
além de constar da contextura da Carta Pontificia, que ElRey D. Affonso
tinha a Senhora Dona Ximena por legitima mulher, como tambem o dá a
entender Baronio,[565] he certo que os filhos havidos de matrimonios
separados por falta de dispensaçaõ de parentesco, saõ reputados filhos
legitimos, e successores, como bem diz Brandaõ, e com elle Duarte
Ribeiro.[566] Este ponto está taõ admiravelmente discutido pelo
erudito, e infatigavel D. Joseph Barbosa, que parece escusado duvidar
já na legitimidade da Senhora Infanta D. Teresa.[567]

8 A terceira difficuldade he: _Saber o anno, em que entrou o Conde
D. Henrique a governar Portugal, e as terras, que lhe deraõ em dote?_
Quanto à primeira parte, resolve o laborioso D. Joseph Barbosa[568]
que entrara o Conde no anno de 1093. O fundamental Genealogico D.
Antonio Caetano[569] he de parecer que viera no anno antecedente; e
outros ainda anticipaõ mais esta entrada. Quanto à segunda parte, o
dote foraõ as Provincias do Minho, Beira, e Tras os Montes, e em Galiza
naõ comprehendia terra alguma, como affirma o Chronista Brandaõ,[570]
contra o que alguns disseraõ. Este era o estado de Portugal, que o
valeroso Conde augmentou depois com as outras terras, que foy ganhando
aos Mouros, por onde livremente podia.

9 O quarto ponto difficultoso he: _Se o Reino de Portugal foy dado
ao Conde D. Henrique com alguma obrigaçaõ de feudo?_ Os Authores
Castelhanos dizem que sim;[571] porém o certo he que foy dado
independente, e sem genero algum de subordinaçaõ aos Reys de Castella.
Assim o mostra, e prova com evidencia o erudito D. Joseph Barbosa,[572]
e o discreto Academico Joseph da Cunha Brochado;[573] porque naõ se
descubrindo em algum Archivo ou nosso, ou de Castella, copia deste
contrato dotal, devemos recorrer à mais constante tradiçaõ, de que foy
hum dote puro, sem imposiçaõ, ou clausula de reserva de alguma direita
soberania.

10 A quinta difficuldade he: _Saber em que tempo foy o Conde D.
Henrique à conquista de Jerusalem, se antes, ou depois de haver entrado
em Portugal?_ Brandaõ diz,[574] que depois, e no anno de 1103. Manoel
de Faria affirma, que antes, mas em tempo, que já estava casado,[575]
e que fora elle hum dos doze Capitães, que Urbano II. Author daquella
expedição, nomeara para a mesma empreza. Temos por segura a sentença de
Brandaõ.

11 Suppostas estas mayores duvidas, e com brevidade resolvidas, o que
resta saber das acções gloriosas deste valeroso Conde, saõ as muitas
vitorias, que alcançou dos Mouros. Dezassete se lhe contaõ das de mayor
fama. Deu foraes a Coimbra, Tentugal, Soure, Certã, Zurara, S. Joaõ da
Pesqueira, Guimarães, e a outras muitas Villas. Dotou, e enriqueceo
muitas Igrejas com rendas, e beneficios, e depois de ampliar com
egregios merecimentos seu grande espirito, foy chamado pelo Senhor ao
descanço eterno em o primeiro de Novembro de 1112, tendo vivido setenta
e sete annos, e governado mais de vinte. Jazem seus ossos, e cinzas na
Sé de Braga.


_D. Affonso Henriques, I. Rey._

12 Nenhum Principe mereceo mais justamente, o titulo de Heroe famoso,
e o nome de primeiro Hercules Lusitano, que o preclaro, e soberano Rey
D. Affonso Henriques; porque se meditarmos os preciosos trabalhos, que
passou na ampliaçaõ da Fé, e estabelecimento da Monarquia Portugueza,
naõ lhe fica o epitheto fabuloso, mas taõ verdadeiro, que o excede.

13 Teve o seu nascimento na Villa de Guimarães, (primeiro Solio, e
Corte dos Principes Portuguezes) a 25 de Julho de 1109 conforme o
melhor calculo;[576] e sendo seu nascimento festejado, assim como
era util, moderou o contentamento de pays, e vassallos hum defeito
corporal em sua pessoa. Dos braços de sua ama Dona Ausenda[577] passou
logo à cultura, e instrucções de Egas Moniz, varaõ de maduro juizo,
e destinado para seu Ayo. Este por continuas deprecações alcançou da
purissima Virgem saude, e desembaraço aos pés do Principe, collocando-o
por divina revelaçaõ no altar da imagem da Senhora de Carquere junto a
Lamego, prodigio, que referem quasi todos os nossos Historiadores, e de
que parece duvidar Mons. de la Clede.[578]

14 Corria o anno 1125, e o inclyco Principe contava dezaseis de idade,
quando na Igreja Cathedral de Çamora, que por este tempo estaria
sujeita à Coroa de Portugal, elle mesmo se armou Cavalleiro, tomando
as insignias militares do altar do Salvador.[579] Passados dous annos,
considerando-se já em idade competente de poder suster o Cetro,
intentou dar principio ao seu governo. Duvidou a Rainha sua mãy, que
até alli governava, entregar-lhe o dominio, e foy preciso ao filho
excluilla por força de armas, e à custa de huma escandalosa batalha,
que lhe ganhou no campo de S. Mamede junto a Guimarães em 24 de Junho
de 1128.

15 Deste dia por diante ficou D. Affonso com absoluto senhorio
de Portugal; e reclusa a Rainha no Castello de Lanhoso, mandou
pedir a ElRey de Leaõ adjutorio, que prompto a veyo soccorrer, mas
infelizmente, pois ficou desbaratado na Veiga de Valdevez;[580]
porém tornando no anno seguinte com exercito mais poderoso, cercou a
Villa de Guimarães, onde se achava o Principe D. Affonso, e a tanto
aperto reduzio a Villa, que se naõ fora Egas Moniz ir occultamente
ajustar com o Leonez certas condições, e estipular para isso sua
palavra, ficaria D. Affonso a arbitrio de seus inimigos; porém naõ
querendo o Principe depois convir nos artigos do Tratado, que Moniz
havia feito, dizem,[581] que este fora a Toledo com mulher, e filhos
presentarse a ElRey de Leaõ, para que tomasse nelle vingança pela falta
do promettido; acçaõ, que o mesmo Rey queixoso julgou sufficiente
satisfaçaõ da palavra de hum vassallo taõ fiel a seu Soberano.

16 Proseguia D. Affonso a conquista da Estremadura com a fortuna taõ
prospera, que parecendo-lhe já pequenos os limites do seu Estado,
passou ao Alentejo, Provincia entaõ sujeita a Ismael, Rey Arabe
poderoso, e com o projecto de augmentar o seu dominio, e extinguir
os Barbaros chegou ao Campo de Ourique. Aqui triunfou de cinco Reys
Mouros, e quinze Regulos confederados, e unidos em hum grosso corpo de
quatrocentos mil combatentes.[582]

17 Facilitou-o para taõ memoravel batalha o prodigioso apparecimento
de Christo crucificado, o qual escolhendo-o para baze da Monarquia
Portugueza, lhe declarou como queria nelle, e nella estabelecer para si
hum Reino com as regalias de Imperio, e que para final distinctivo da
sua promessa lhe dava por estendarte, e escudo as suas cinco Chagas.
Animado o venturoso Principe, antes de entrar no conflicto assentio a
que o acclamassem Rey em 25 de Julho, dia felicissimo do anno 1139,
a cujo titulo se naõ oppoz, tanto que o soube, ElRey D. Affonso de
Castella,[583] e confirmou depois o Papa Alexandre III. no anno 1179
pela Bulla, que começa: _Manifestis probatum est argumentis._[584]

18 A verdade desta mysteriosa visaõ se confirma do juramento do
mesmo Rey D. Affonso, que fez na presença dos Grandes da sua Corte,
passados treze annos, no de 1152, e se conserva no Cartorio de
Alcobaça, donde se tem extrahido alguns traslados,[585] além de hum
grande numero de Authores naõ só nacionaes, mas estranhos, que deste
admiravel apparecimento fazem memoria, como se póde ver nos que
abaixo allegamos,[586] naõ sendo digno de se ler neste particular
o Padre Mariana,[587] que a esta visaõ de Christo, e derivaçaõ das
suas sagradas Chagas ao nosso escudo tem por fabulosa, contra hum taõ
authentico monumento, sendo nelle taõ claros os erros, quando diz aqui
mesmo, que o campo do escudo das armas de Portugal, onde estaõ as
cinco Quinas, he azul, constando a todos ser branco, e que a orla dos
Castellos de ouro em campo vermelho ajuntara D. Sancho II. constando
por escrituras da Torre do Tombo a ajuntara D. Affonso III.

19 Como tudo neste mundo está sujeito ao juizo dos homens, se oppozeraõ
os mal affectos, contradizendo esta appariçaõ, a cujos argumentos
responderemos com brevidade. Dizem naõ haver noticia em Portugal de
hum caso taõ celebre, e maravilhoso, antes de se descobrir a firma do
juramento em tempo delRey Filippe II. Responde-se: que na Chronica
delRey D. Affonso Henriques, que recopilou de outra antiquissima por
mandado delRey D. Manoel o Chronista Duarte Galvaõ se diz assim no
cap. 15.: _E o Principe sahio fóra da sua tenda; e segundo elle mesmo
deu testimunho em sua Historia, vio a Nosso Senhor em a Cruz na mesma,
maneira que disse o Ermitaõ._ Camões, que morreo muito antes da vinda
do Rey Filippe, o cantou tambem no _Cant. 3. oitava 45. e 46_. O
letreiro que mandou pôr ElRey D. Sebastiaõ no arco triunfal do campo de
Ourique escrito em Portuguez, e em Latim pelo insigne André de Resende,
como elle o confessa no _liv. 4. de Antiquit_. faz memoria desta
appariçaõ. O mesmo affirmaõ outros muitos Escritores antiquissimos.

20 Dizem mais: que para taõ grande favor lhe faltava ao Rey competente
santidade. Responde-se que he falso; pois sempre foy tido por Santo;
donde Sá de Miranda na _Carta 5. est. 9._ disse fallando de Coimbra:

  _Cidade rica do Santo
    Corpo do seu Rey primeiro,
    Que inda vimos com espanto,
    Há taõ pouco tempo inteiro,
    Dos annos que podem tanto._

Confirma esta santidade a tradiçaõ constante, com que assim o nomea
ainda, e publica o vulgo; fazendo-se em nossos tempos na Igreja
de Santa Cruz de Coimbra com grande jubilo nova demonstraçaõ da
integridade de seu corpo, para servir de huma authentica prova ao
projecto, com que o Papa Benedicto XIV. o pertendia beatificar a
instancias dos Reys Fidelissimos D. João V., e D. Joseph I. cujo
processo ficou suspenso pelo embaraço de outros negocios politicos mais
urgentes.

21 Dizem mais: que se o Rey decretou as Armas do Reino com os cinco
escudos em memoria das cinco Chagas de Christo, como houve nellas tanta
variedade, segundo consta de moedas antigas? Responde-se: que sem
embargo de haver nas Armas Variedade no accidental, sempre conservaõ a
substancia dos cinco Escudos, e trinta dinheiros contados de diversos
modos, como bem mostra Manoel de Faria nos Commentarios de Camões cant.
3. desde a est. 153.

22 Hum dos fortes argumentos he ter a escritura a data da Era de
Christo, que naquelle tempo naõ se usava, mas sim a de Cesar.
Responde-se: que naõ só esta escritura, porém outras do mesmo Rey se
achaõ com a Era de Christo, como he a em que fez o Reino feudatario
a Santa Maria de Claraval, que se conserva em Alcobaça com o sello
pendente do Rey, e subscripções dos Grandes daquelle tempo, segundo
a transcreve Brito na Chronica de Cister _livro 3. cap. 5._ e outras
muitas que se podem ver na mesma Chronica _l. 3. c. 6._ e na _Monarquia
Lusitan. liv. 8 c. 26._ e na _Historia Ecclesiast. de Lisboa part. 2.
cap. 56._

23 Deixando outros argumentos, he infallivel, que reconhecendo-se
D. Affonso filho obediente da Igreja, quiz expressar esta devoçaõ
à Sé Apostolica, offerecendo aos Summos Pontifices, naõ por modo
feudatario, mas liberal tributo, dous marcos de ouro,[588] cujo
reconhecimento durou até tempo delRey D. Affonso III. O mesmo acto de
vassallagem devota, e pia, fez a Santa Maria de Claraval em cincoenta
escudos cada anno: e como a sua religiaõ foy igual à sua fortaleza,
tudo, quanto ganhava na guerra, distribuia pelas Igrejas, edificando
magestosos Templos, e tantos, que dizem chegaraõ ao numero de cento e
cincoenta,[589] dando a todos rendas perpetuas com tanta opulencia, e
liberalidade, que alguns delles tem hoje mais, do que entaõ rendia todo
Portugal.[590]

24 Instituio as duas Ordens militares; da Aza, que se extinguio; e de
Aviz, que permanece: admittindo tambem em seu Reino os Cavalleiros de
S. Joaõ de Malta, e Santiago, com quem distribuia donativos cortados
com maõ naõ só liberal, mas prodiga. Perseguio fortemente os Mouros, e
libertou do seu jugo impio muitas terras da Estremadura, Alentejo, e
Algarve em hum progresso continuado de triunfos, que alcançou de vinte
Reys, e dous Imperadores.

25 No anno de 1146 casou com a Rainha Dona Mafalda, filha de Amadeo
III. Conde de Saboya, e Moriana, cujo Real consorcio Deos fecundou
com a producçaõ de tres filhos, e quatro filhas. Contando finalmente
setenta e seis annos de idade, quatro mezes, e doze dias, exhalou
o espirito aos 6 de Dezembro de 1185, estando em Coimbra, havendo
governado cincoenta e sete. Jaz seu corpo inteiro no Convento de Santa
Cruz de Coimbra com grande veneraçaõ, obrando Deos por elle alguns
prodigios, como se podem ver no argumento 10. do _Apparato Historico_,
que para a Beatificaçaõ deste veneravel Rey imprimio em Roma no anno
de 1728 o Doutor Joseph Pinto Pereira, o qual lhe tece vinte e sete
elogios fabricados pelos testimunhos das pessoas mais conspicuas em
virtude, que bem acreditaõ os indicios de serem os merecimentos deste
santo Rey premiados com a eterna felicidade.


_D. Sancho I. segundo Rey._

26 Nasceo D. Sancho em Coimbra a 11 de Novembro de 1154, e creado com
os exemplos, e instrucções de taõ grande pay, logo nos primeiros annos
mostrou os affectos de valor na propensaõ, que tinha ao exercicio das
armas. Ainda naõ contava quatorze annos de idade, quando se achou
na jornada, ou batalha do Arganhal, em que capitaneando o exercito
Portuguez contra o delRey de Leaõ, deixou ao menos indecisa a vitoria,
e defendido seu pay.[591] De vinte e hum annos casou com Dona Dulce,
filha de D. Ramon, Principe de Aragaõ, e logo no anno de 1178, tendo
vinte e quatro de idade, atravessou com hum exercito de doze mil homens
por Castella dentro, até se pôr à vista de Sevilha, Cidade a mais bem
presidiada dos Mouros, e até alli impenetravel às armas christãs.

27 Os Barbaros olhando-nos com desprezo, e como quem se offendia
da nossa confiança, sahiraõ raivosos em tom de batalha, mas foraõ
taõ fatalmente cortados pelas nossas lanças, que a grande copia do
sangue derramado dos corpos fez sensivelmente mudar a cor às aguas do
Guadalquivir.[592] Com este glorioso triunfo mais qualificado ainda
com a opulencia dos ricos despojos, se recolhia D. Sancho a Portugal,
quando noticioso do novo, e apertado cerco, em que os Mouros tinhaõ
posto a Elvas, voou a soccorrer a necessidade daquella Praça; e
desassombrando-a da oppressaõ, que padecia, continuou a jornada, vindo
primeiro satisfazer grato ao Ceo as vitorias recebidas com as liberaes
offertas, que tributou ao Mosteiro de S. Joaõ de Tarouca, de quem se
prezou ser seu especial bemfeitor.[593]

28 Succedeo a morte delRey seu pay, e passados os tres dias das
honras funebres, foy D. Sancho acclamado, e coroado Rey em Coimbra
aos 9 de Dezembro de 1185, anno em que contava trinta e hum de
idade, como bem diz Brandaõ,[594] e naõ trinta e oito, como dizem
outros.[595] Logo solicito em introduzir a paz no seu reinado, cuidou
em convertella em utilidade publica: fez guarnecer muralhas, reparar
edificios, fundar Villas, reedificar Cidades, e cultivar as terras,
acções, que lhe grangearaõ os honrosos cognomes de _Povoador_,[596]
e _Pay da Patria_,[597] manifestando-se muito mais a sua piedade, e
grandeza com os donativos, que offerecia às Ordens Militares com tanta
prodigalidade, que naõ contente de dar a Deos o que possuia, fazia
offerta até do que ainda esperava ter.[598]

29 Com o soccorro de huma poderosa armada do Norte, que caminhando em
direitura das terras da Palestina, mas forçada de hum rijo temporal
veyo abrigarse na foz do Tejo à sombra de Lisboa, foy D. Sancho
conquistar o Algarve; e fundando na Cidade de Silves Igreja Cathedral
com Bispo, continuou a conquista de outras terras daquelle Reino,
intitulando-se Rey tambem do Algarve desde o anno 1188 até 1190.[599]
Porém no anno seguinte 1191 entrando Miramolim Aben Joseph pelas terras
de Portugal com hum poderosissimo exercito, assolou tudo, e recuperou
no Algarve o que tinhamos adquirido, sem ser possivel a D. Sancho
resistirlhe, por nos ter naquella occasiaõ huma grande peste, e fome
attenuado muito as forças.[600]

30 Persuadido em fim que a vista do Principe concilia o amor dos
povos, por se fazer amavel, e estimado, visitava as terras mais
populosas do Reino, e ainda as que o naõ eraõ, fazendo a todas naõ
só a honra da sua presença, mas as mercês da sua generosidade,[601]
sendo primeiramente soccorridos os Lugares sagrados com fabricas,
e esmolas, experimentando-o especialmente o sumptuoso Convento de
Alcobaça, e outros mais da Ordem de S. Bernardo, de quem foy particular
bemfeitor,[602] acabando todos de ver o governo, e a piedade deste
Rey nas clausulas do seu testamento, pelo qual deixou grandes sommas
de ouro, prata, joyas, e tapeçaria repartido por seus filhos, amigos,
pobres, Hospitaes, e Igrejas com taõ boa formalidade, que o Papa
Innocencio III. lho confirmou por huma Bulla, que se conserva no
Mosteiro de Lorvaõ.[603] Depois de reinar vinte e seis annos, deixou em
Coimbra no fim de huma grave doença os alentos vitaes para sempre em 27
de Março do anno de 1211, contando cincoenta e sete de idade. Jaz em
Santa Cruz de Coimbra.


_D. Affonfo II. terceiro Rey._

31 Suspenderaõ-se as mal enxutas lagrimas, que se haviaõ derramado na
morte de D. Sancho, com a festiva acclamaçaõ de seu filho D. Affonso
no mesmo dia 27 de Março de 1211, contando vinte e seis annos de
idade, e havendo já dez que era casado com a Senhora Dona Urraca, por
se ter recebido no anno 1201.[604] Havia nascido em Coimbra a 23 de
Abril de 1185, e padecendo na infancia a continuada molestia de hum
achaque perigoso, foy livre delle milagrosamente pela virtude de Santa
Senhorinha, a quem D. Sancho foy em pessoa supplicar à sua Igreja de
Basto a melhoria, gratificando-lhe depois aquelle beneficio com o
liberal donativo de muitas terras, e privilegios para ellas.[605]

32 Apenas D. Affonso subio ao throno, expressou logo o seu animo
generoso, dando a Villa de Aviz aos Cavalleiros da Ordem militar deste
nome, que haviaõ residido em Evora; e como pelos annos 1212 se havia
alterada a paz estabelecida entre ElRey D. Affonso IX. de Castella, e
Mahomet IV. intentando este a conquista de Hespanha, e empenhando todas
as forças, foy tambem preciso a ElRey de Castella valerse, além de
outros, do adjutorio delRey de Portugal, que lhe mandou grande numero
de soldados, os quaes tiveraõ grande parte no triunfo, que dos Arabes
alcançou ElRey de Castella na celebre batalha chamada das Navas, por se
appellidar assim sitio, onde se deu, junto à serra Morena a 16 de Junho
de 1212.[606]

33 Pouco affavel, e conforme se mostrou D. Affonso com seus irmãos, e
assim intentou tirar as Villas, e terras a suas Santas Irmãs, que seu
pay lhes havia deixado, de que resultaraõ graves litigios, que em parte
fez serenar o Pontifice com censuras, e ElRey de Leaõ com as armas;
e temendo igual perseguiçaõ seus irmãos, D. Fernando, desamparando a
patria, passou-se para Castella, e D. Pedro para Marrocos.[607]

34 No anno de 1217 haviaõ partido de varios portos do Norte
differentes náos para a expediçaõ, e conquista da Terra santa, as quaes
chegando a incorporarse na altura do Algarve, compunhaõ huma fortissima
armada de trezentas vélas. Quizeraõ voltar o Cabo de S. Vicente, e
levantando-se furiosa tormenta, vieraõ demandar o abrigo da barra de
Lisboa, de cuja vinda aproveitando-se o Bispo della D. Sueiro, (e naõ
D. Mattheus, como nossos Historiadores dizem, sem reflectirem no reparo
do insigne Chronista Brandaõ),[608] ajudado com outros Commendadores
das Ordens Militares, e das reclutas de gente, que ElRey havia mandado
conduzir, foraõ todos expugnar a Villa de Alcaçer do Sal, Praça de
armas fortissima, presidiada dos Mouros, e huma das mais importantes,
que elles conservavaõ na Hespanha. Naõ obstante a grande resistencia,
que faziaõ ao nosso sitio com resoluçaõ, e esforço auxiliado dos Reys
de Cordova, Sevilha, Jaen, e Badajoz, ficaraõ finalmente rendidos
depois de repetidos assaltos, e porfiada peleja.

35 Parece que o aspecto desta vitoria, que alcançámos, taõ formidavel
para os Arabes, os devia intimidar; porém elles mais irritados,
renovando numerosos esquadrões, entraõ por Portugal com intentos de
ganharem Elvas, a quem ElRey com felicidade promptamente soccorreo, e
venceo; e penetrando por Andaluzia vitorioso, poz grande terror aos
Mouros. Outras muitas batalhas ganhou nosso Monarca sempre em grande
credito das armas christãs, até que completando trinta e oito annos de
idade, e doze de reinado, concluio seus dias em Coimbra aos 25 de Março
de 1223. Jaz no Mosteiro de Alcobaça.


_D. Sancho II. quarto Rey._

36 Foy Coimbra patria de D. Sancho, onde nasceo a 8 de Setembro de
1202, padecendo logo na sua infancia as disposições de pouca saude.
Entrou a governar a 25 de Março de 1223, e mostrou que naõ degenerara
do valor de seus predecessores, nem nos desejos de dilatar a Fé, nem
de extinguir os Arabes; pois ainda que o mayor numero dos nossos
Chronistas o infamaraõ de pouco cuidadoso para o governo, sabemos
que no anno de 1225 entrara pelo Alentejo na frente de hum poderoso
exercito assolando o poder Ismaelita com tanto valor, que mereceo por
esta acçaõ os publicos, e honrosos elogios, que o Papa Honorio III. lhe
mandou.[609]

37 Continuou a guerra contra os Mouros sempre vitorioso até o
anno de 1242, recobrando delles à força de armas muitas Praças, e
Villas do Alentejo, e Algarves, Elvas, Jurumenha, Serpa, Aljesur,
Mertola, Cacela, Ayamonte, e Tavira. Fez porém ElRey diminuir estes
prosperos successos, consentindo na oppressaõ, que se fazia ao estado
Ecclesiastico, de que resultaraõ gravames, queixas, e censuras
Pontificias. Outros attribuem estas desordens à demasiada introducçaõ
dos validos nas cousas do governo, e nimia frouxidaõ delRey, procedida
tambem da sua bondade, como diz o Plataõ Portuguez.[610] Porém vendo
o Pontifice que as suas admoestações eraõ inuteis quanto ao vexame
do Clero, Innocencio IV. o depoz do throno pelo Decreto, que anda
inserto no livro 6. das Decretaes cap. 2. que principia _Grandi non
immerito_,[611] substituindo em seu lugar por Governador a seu irmão
D. Affonso, Conde de Bolonha, que entaõ se achava no Reino de França.

38 Chegou o Infante Regente novamente nomeado, e aceito por commum
consentimento dos Tres Estados do Reino, e vendo-se D. Sancho
infelizmente deposto do governo, se valeo de seu primo ElRey D.
Fernando de Castella, o qual formando hum exercito em seu favor,
marchou contra Portugal; mas intimando-se aos Generaes Castelhanos as
censuras, e Decretos Pontificios contra os que embaraçassem a regencia
de D. Affonso,[612] desenganado D. Sancho da sua pertençaõ, se recolheo
a Toledo, onde entregue a obras pias, executou acções dignas de eternos
elogios; porque naõ satisfeito de ter declarado a sua generosa virtude
com a erecçaõ de alguns Templos em Portugal, mandou fazer a Capella
dos Reys na Sé de Toledo, onde se mandou enterrar. Acabou finalmente
cheyo de desgostos, e merecimentos para alcançar a verdadeira coroa da
eternidade feliz em 4 de Janeiro do anno de 1248, tendo quarenta e seis
de idade, e vinte e cinco de governo.


_D. Affonso III. quinto Rey._

39 Era D. Affonso irmaõ segundo delRey D. Sancho, e havia casado no
anno de 1235 em França com Matilde, Condesa proprietaria de Bolonha,
sendo chamado para governar Portugal pelos defeitos, que inventaraõ, ou
criminaraõ a D. Sancho. Jurou primeiramente em França na presença de
certos Prelados Portuguezes, que lá se achavaõ a 6 de Setembro de 1245,
alguns artigos pertencentes ao bom governo. No anno seguinte entrou
no Reino com intento de conquistar o Algarve, empreza, que no anno de
1250 o conseguio quasi plenamente,[613] e em que se distinguio muito o
insigne D. Payo Peres Correa, Mestre da Cavallaria de Santiago.

40 Como as conquistas de Portugal, e todas as mais terras de Hespanha
occupadas pelos Mouros eraõ sem limite, e ficavaõ no dominio daquelles
Principes Christãos, que primeiro as ganhavaõ, intentou D. Affonso
depois de sujeitar o Algarve reduzir tambem a seu dominio algumas
terras de Andaluzia, como com effeito subordinou as Villas de Aroche, e
Arecena, que ao depois passaraõ para o senhorio de Castella.[614]

41 Proseguia D. Affonso com tranquillidade no seu governo,
estabelecendo leys muy uteis para o bom regimen;[615] porém no meyo
de tanta paz elle mesmo se constituio causa de hum geral escandalo, e
perturbaçaõ do Reino com o repudio, que fez de sua legitima esposa a
Condessa Matilde, casando segunda vez com Dona Brites, filha bastarda
delRey D. Affonso _Sabio_ de Castella no anno de 1253, motivo de haver
tanto disturbio com as censuras Ecclesiasticas, que opprimiraõ o povo,
e naõ tiveraõ fim, senaõ com a morte da Condessa sua primeira mulher.
Entaõ pedindo os Bispos de Portugal ao Pontifice quizesse dispensar com
ElRey no segundo matrimonio, tudo concedeo o Papa Urbano IV. e ficou o
Reino aliviado dos terriveis effeitos daquella Regia contumacia.[616]

42 Alguns Escritores se enganaraõ[617] em dizer que o Reino do Algarve
fora dado em dote a D. Affonso III. e tal naõ foy, como doutissimamente
provaõ D. Joseph Barbosa, e outros,[618] porque só consta que os Reys
de Castella eraõ usufructuarios do Algarve desde o anno 1253 até o de
1264, em que se commutou em cincoenta lanças, com que Portugal havia
de ajudar a Castella em caso de necessidade. Depois no anno de 1267
se tirou esta pensaõ em agradecimento de hum grande soccorro, que o
Infante D. Diniz levou a D. Affonso o _Sabio_ contra os Mouros.

43 Vendo-se ElRey desassombrado das guerras, e censuras Pontificias,
tornou a meter o Reino em novas oppressões com o máo tratamento, que
dava ao Sacerdocio Portuguez. Os Prelados, querendo defender o seu
respeito, queixaraõ-se ao Papa, que entaõ era Clemente IV. o qual
reprehendendo-o, e continuando as violencias no estado Ecclesiastico,
continuaraõ tambem os Pontifices successores Grerio X., e Joaõ XX. ou
XXI. com repetidas censuras, a que finalmente ElRey mostrou querer
obedecer, e sujeitarse às determinações do Papa.[619]

44 Naõ obstante esta contumacia, pela qual talvez nosso Poeta[620]
equivocadamente lhe chamasse _Bravo_, foy ElRey D. Affonso de notavel
governo: adiantou o commercio, reedificou muitos Lugares do Reino,
fundou alguns Conventos, como o de S. Domingos de Lisboa, o de Elvas,
e Santa Clara de Santarem.[621] Alimpou o Reino de facinorosos,
estabeleceo feiras publicas, e morreo em Lisboa a 16 de Fevereiro de
1279 com trinta e dous annos de reinado, e sessenta e nove de vida. Foy
depositado seu corpo no Convento de S. Domingos de Lisboa, e daqui se
trasladou para o de Alcobaça no anno de 1289, onde agora jaz.


_D. Diniz sexto Rey._

45 Nasceo em Lisboa a 9 de Outubro do anno 1261. Conferio-lhe o
Sacramento do Bautismo o Bispo do Porto D. Vicente Mendes, e foy seu
padrinho D. Egas Lourenço da Cunha, hum dos principaes Cavalheiros
desta nobilissima familia, e privado delRey D. Affonso III. Teve por
ayos a Lourenço Gonçalves Magro, neto do grande Egas Moniz, e a Nuno
Martins de Chacim, que ambos concorreraõ para pulirem o precioso,
e Regio animo de D. Diniz, unidos com os desvelos de seu Mestre D.
Aymerico, que depois foy Bispo de Coimbra.[622]

46 A primeira acçaõ notavel de D. Diniz, sendo ainda menino de quatro
annos e meyo, foy quando seu pay ElRey D. Affonso III. o mandou a
Sevilha com hum poderoso exercito soccorrer a ElRey de Castella seu
avô[623] contra os Mouros Africanos, que invadiraõ no anno 1266 a
Hespanha, e correndo o de 1279 em 16 de Fevereiro, dia, em que morreo
D. Affonso III. foy acclamado Rey com todas as ceremonias costumadas
em Lisboa, tendo dezoito annos de idade menos oito mezes, e começando
a governar em companhia da Rainha sua mãy, naõ consentio muito tempo o
novo Rey esta coadjutoria, e assim a excluio com respeito, mas naõ sem
mágoa, e sentimento da Rainha.

47 Constituido D. Diniz Senhor do Reino, principiou a visitallo, como
era costume, sendo o Alentejo a primeira Provincia, que logrou esta
honra da sua presença, da qual tambem participou a Beira, e Estremadura
com a confirmaçaõ dos seus foros, e privilegios, fortificaçaõ das
fronteiras, e boa administraçaõ da justiça, experimentando tambem as
mesmas honras as outras Comarcas do Reino nos annos seguintes.

48 No de 1282, estando ElRey em Trancoso, recebeo por sua mulher a
Rainha Santa Isabel em 24 de Junho, dia de S. Joaõ Bautista, e neste
mesmo anno compoz as controversias, que havia no estado Ecclesiastico,
e estabeleceo leys muy uteis para a Republica, especialmente remediando
a dilaçaõ nas demandas, e assinando modo facil para se processarem
as causas, e que a justiça nos pobres tivesse mais segurança. Este
cuidado experimentaraõ tambem as povoações, as quaes ElRey melhorou,
mudando algumas para sitios mais defensaveis, e accommodados, como foy
Mirandela, e outros.

49 Huma das acções suas bem considerada, e que os Historiadores louvaõ,
foy revogar todas as doações inofficiosas, que tinha feito em dispendio
dos bens da Coroa logo no principio do seu reinado, incorporando outra
vez com melhor acordo, e conselho de pessoas doutas ao Padroado Real
todas as terras, e fazendas, que inconsideradamente doara; e costumava
dizer, quando lhe fallavaõ nesta materia: _Que justamente se tirava o
que injustamente se concedera._[624] Passou esta Ley em Coimbra a 26 de
Dezembro de 1283, na qual revogaçaõ exceptuou unicamente o Chanceller
Mór D. Domingos Annes Jardo, Bispo de Evora, e Lisboa, pelos grandes
serviços, que tinha feito ao Reino.

50 Naõ causou pequenos cuidados a ElRey D. Diniz o orgulho de seu irmão
D. Affonso, porque andando com o projecto de lhe usurpar o Reino, pois
dizia que a elle lhe pertencia, por nascer depois que o Papa revalidara
o matrimonio de seu pay com a Rainha Dona Brites, e D. Diniz ter
nascido antes, e por isso illegitimo,[625] com este motivo chegaraõ
a pegar em armas, e D. Diniz cercando-o em Arronches apertadamente,
o fez convir em composições, intervindo tambem na reconciliaçaõ dos
dous irmãos a Rainha Santa Isabel, e a Rainha de Castella Dona Maria,
ajustando-se as pazes em Badajoz, onde tambem se acharaõ a nossa Rainha
Dona Brites, e sua filha a Infanta Dona Branca aos 13 de Dezembro de
1287.

51 Alcançou D. Diniz do Papa Nicolao IV. no anno 1288 o poder separarse
a Ordem Militar de Santiago da sujeiçaõ dos Mestres de Castella; e como
era muy amante das letras, e que sabia cultivallas, instituio em Lisboa
a primeira Universidade, que houve no Reino, por Bulla do mesmo Nicolao
IV. expedida em Roma a 13 de Agosto de 1290,[626] e continuando os
estudos publicos em Lisboa com grande fruto, e aceitaçaõ, considerados
todavia alguns inconvenientes, ordenou o mesmo Rey que se transferisse
para Coimbra no anno 1308.

52 Entre algumas leys notaveis, que fez promulgar, foy huma, em que
prohibio as Religiões herdarem bens de raiz, acudindo nisto à eminente
ruina do estado dos Nobres, e mais povo, se continuassem as Igrejas
nas heranças, como bem adverte o Chronista Brandaõ;[627] e porque esta
limitaçaõ nos bens Ecclesiasticos naõ fosse interpretada por acçaõ
menos pia, desmentio o minimo conceito contra a sua generosidade,
dispendendo na fabrica de Templos, e erecçaõ de Conventos muito
cabedal, bastando para prova da sua devota grandeza, e justificarse de
naõ desaffecto aos bens da Igreja, a fundaçaõ do Real Mosteiro de S.
Diniz de Odivellas no anno de 1295, e o de Santa Clara de Coimbra, e
Villa do Conde, dotados tambem em seu tempo, ainda que naõ foraõ estes
dous participantes da sua liberalidade.

53 Foy ElRey D. Diniz Principe insigne em muitas virtudes, e em tres
excedeo a todos os Monarcas do seu tempo, na _Justiça_, _Verdade_, e
_Liberalidade_. Pela primeira foy eleito Juiz arbitro em companhia
delRey de Aragaõ para sentenciar a causa delRey D. Fernando de
Castella, e D. Affonso de Lacerda sobre a Coroa de Castella, e Leaõ,
em cuja causa deu sentença na Cidade de Tarragona de Aragaõ sem queixa
de nenhuma das partes, e compoz outras differenças, que havia entre os
Reys de Castella, e Aragaõ.

54 A sua liberalidade foy tanta, que a D. Fernando, hum dos mesmos dous
Reys, pedindo-lhe grande somma de dinheiro emprestado, D. Diniz lho
deu gratuitamente com grande magnificencia, e ainda mais do que pedia,
porque lhe deu hum milhaõ de escudos, e huma copa de huma finissima
esmeralda, que se avaliou em onze mil e tantos cruzados,[628] e naõ
houve Cavalheiro de ambos os Reinos, que delle naõ alcançasse dadivas,
e mercês grandiosas; e com tudo deixou, quando morreo, muita riqueza a
seu filho sem offensa de seus vassallos.

55 Elle foy o primeiro, que introduzio no Paço rezarem-se as Horas
Canonicas, e ter para isso Capella permanente. Instituio a Ordem
Militar de Christo dos bens dos Templarios, que se extinguiraõ no seu
tempo. Da Agricultura teve hum especial cuidado, donde obteve o cognome
de _Lavrador_, aos quaes chamava nervos da Republica, e por este
augmento, e diligencia mereceo chamarem-lhe tambem _Pay da Patria_.
Teve desavenças com ElRey D. Fernando de Castella, e entrou por seu
Reino com poderoso exercito, porém com casamentos serenou a guerra.

58 Em seus ultimos annos padeceo alguns desgostos com seu filho o
Infante D. Affonso, procedidos da dura condiçaõ do Infante, e inveja,
que tinha dos favores, que ElRey fazia a D. Affonso Sanches, seu meyo
irmaõ. Houve guerras civis com grande disturbio do Reino, e cessaraõ
com as supplicas da Rainha Santa Isabel, e de S. Raimundo. Morreo
em fim este glorioso Rey em Santarem a 7 de Janeiro de 1325, tendo
vivido sessenta e tres annos, e tres mezes, reinado quarenta e cinco,
dez mezes, e vinte dias.[629] Jaz seu corpo no insigne Mosteiro de
Odivellas em soberbo mausoleo.


_D. Affonso IV. setimo Rey_.

57 Começou a empunhar o Cetro ElRey D. Affonso IV. desde 7 de Janeiro
de 1325 em idade de trinta e tres annos, e onze mezes, menos hum dia,
contados desde 8 de Fevereiro de 1291 de seu nascimento em Coimbra,
conforme a exactissima, e verdadeira Chronologia do Academico Francisco
Leitaõ Ferreira.[630] Desde a primeira idade mostrou o aspero natural,
de que era dotado. Casou em Mayo de 1309[631] com a Senhora Dona
Brites, filha delRey D. Sancho o IV. de Castella, e em Lisboa se
celebraraõ os desposorios com grande fausto, e pompa.

58 Com o novo estado, que o fez separar de casa, e governo, foy dando
entrada a muitas occasiões de o perverterem homens estragados, fazendo
capricho de os amparar; e dando-se todo ao exercicio da caça, tomava
por occupaçaõ o que só devia ser divertimento, e este excesso lhe
causou alguns desgostos. Como o animo, e condiçaõ delRey era aspero,
de fórma que por elle grangeou o epitheto de _Bravo_, emprendeo acções
arduas, e teve grandes discordias com seu pay, e seu sobrinho D.
Affonso Rey de Castella, com bastante damno de ambos os Reinos.[632]

59 Todavia estas desavenças naõ foraõ sufficientes para deixar de
ajudar com sua pessoa, e vassallos a ElRey seu genro na famosa batalha
do Salado contra Ali-Boacem, Rey de Marrocos, e ElRey de Granada,
cujos exercitos rompeo, desbaratou, e venceo com grande credito do
valor Portuguez em 30 de Outubro de 1340.[633] Fez por duas vezes
mudar os Estudos geraes, que seu pay instituio; a primeira de Coimbra
para Lisboa no anno de 1338, a segunda de Lisboa para Coimbra no de
1354,[634] concedendo-lhe, e ampliando-lhe varios privilegios.

60 Obrou algumas acções de piedade regia, como foy o edificio da Sé
com erecçaõ de Capellas, e renda fixa para os Capellães cantarem;
hospitaes, e outras acções pias. O que lhe causou mayor affronta na
sua memoria, foy além das discordias, e desobediencia, que temos dito,
o consentir que no anno 1355 tirassem a vida com tanta crueldade à
formosa D. Ignez de Castro, que clandestinamente estava casada com o
Principe D. Pedro seu filho. Falleceo na Cidade de Lisboa em 28 de Mayo
de 1357 com sessenta e seis annos de vida, tres mezes, e vinte dias, e
de reinado trinta e dous anos, quatro mezes, e vinte e hum dias. Jaz na
Basilica de Santa Maria, que foy a antiga Metropole de Lisboa, da parte
do Evangelho, e na Capella Mór[635].


_D. Pedro I. oitavo Rey._

61 O dia do nascimento delRey D. Pedro I. he calculado com muita
variedade pelos nossos Escritores. O diligentissimo Academico
Francisco Leitaõ Ferreira depois de referir todas as opiniões, que
ha neste ponto, conclue, e assina por mais certo o dia 18 de Abril na
antemanhã de huma Sesta feira em o anno do Senhor 1320.[636] Tanto
que este Monarca tomou posse do governo, que foy a 28 de Mayo de
1357, tendo entaõ de idade trinta e sete annos, hum mez, e nove dias,
cuidou logo em se vingar dos que foraõ complices na morte de Dona
Ignez. Tinhaõ elles fugido para Castella, e como em Portugal andavaõ
tambem refugiados tres Hespanhoes facinorosos, contratou ElRey com
o de Castella que lhos entregaria, com condiçaõ de lhe dar a Alvaro
Gonçalves, Meirinho Mór, Pedro Coelho, e Diogo Lopes Pacheco, que eraõ
os aggressores daquella innocente morte.

62 Fez-se o contrato com grande escandalo, porque dizem que elle havia
promettido com juramento a ElRey seu pay de perdoar aos executores da
morte de Dona Ignez. Na Villa de Santarem se poz por obra a vingança,
e D. Pedro mandando justiçar a dous, (porque Diogo Lopes salvou-se a
beneficio de hum pobre, que o avisou antes de prenderem os outros,) com
fera, e terrivel execuçaõ lhes mandou tirar os corações a hum pelas
costas, a outro pelos peitos, e depois queimallos.[637] Parece que
este excesso, com que castigava os delictos, lhe adquirio o epitheto
de _Justiceiro_, que o vulgo com menos respeito, e mais ignorancia
mudou para o cognome de _Cruel_, de que os deixou desenganados o Plataõ
Portuguez Sá de Miranda, quando disse delle:[638]

 _Pedro, que amores teve com a Justiça Real, e naõ cruel inclinaçaõ._

63 Socegada a indignaçaõ delRey, passou a mostrar ao Reino com toda a
legalidade como Dona Ignez de Castro tinha sido sua legitima mulher,
fazendo depois de morta que a reconhecessem como Rainha, e ordenando
lhe humas honras funebres nunca até aquelle tempo vistas com tanto
apparato, e pompa. Como era taõ amante da Justiça, fez leys para a
boa administraçaõ della, que com temor, e reverencia se observava,
administrando-a elle muitas vezes, como se fora particular Ministro.
Ordenou que naõ houvesse Letrados, que advogassem, e assim evitou as
dilações, que costuma haver nos litigios por causa delles.

64 Admiraõ-se com razaõ os nossos Chronistas, quando caracterizaõ o
genio delRey D. Pedro; porque sendo por huma parte muy severo, por
outra era muy affavel, amigo de festas, e alegrias; muy liberal, de
fórma que lhe parecia dia perdido aquelle, em que naõ fazia mercês: e
unidas estas boas qualidades com a paz, que conservou no seu reinado,
soube infundir em seus vassallos hum tal amor, que depois da sua morte
diziaõ, que _taes dez annos, como os de seu governo, nem os tinha visto
Portugal, nem esperava de os tornar a ver_. Achando-se na Villa de
Estremoz, faleceo aos 18 de Janeiro de 1367 em huma segunda feira pela
madrugada. Viveo quarenta e seis annos, e nove mezes justos; reinou
nove annos, sete mezes, e vinte e hum dias. Está sepultado em Alcobaça
junto de sua amada esposa a Rainha Dona Ignez de Castro.


_D. Fernando, nono Rey._

65 Em huma segunda feira, que se contavaõ 31 de Outubro de 1345,
vespera de todos os Santos, nasceo em Coimbra ElRey D. Fernando,
conforme a Chronologia mais bem averiguada.[639] A natureza o dotou
de taõ gentil, e regia presença, que ainda disfarçado entre muitos
era logo conhecido como Rey pela magestade da pessoa.[640] O genio,
e condiçaõ era muy suave, e branda: froxo, e remisso lhe chamou
Camões,[641] e totalmente diverso do rigor delRey D. Pedro. Esta
brandura ajudada com o assenso, que deu a validos, o fizeraõ arruinar,
e correr quasi a mesma fortuna delRey D. Sancho II.

66 Subio ao throno em o mesmo dia, que faleceo seu pay, contando
vinte e dous annos de idade, e começando a governar o mais rico, e
opulento Rey, que até alli conheceo Portugal, pelos grandes thesouros,
que tinhaõ junto seu Pay, e Avós.[642] Cuidou logo em reedificar as
Fortificações do Reino, e guarnecer as Praças com o preciso, fazendo
mercês com profusa liberalidade.

67 Mal aconselhado intentou a conquista de Castella por morte de D.
Pedro o _Cruel_, tendo por injusto possuidor a ElRey D. Henrique,
como bastardo, e fratricida, e pertendendo D. Fernando aquella Coroa
como bisneto delRey D. Sancho. Para esta guerra fez liga com ElRey de
Granada, e tambem com ElRey D. Pedro de Aragaõ, a quem pedio sua filha
Dona Leonor por mulher; e durando algum tempo a guerra com mortes, e
damnos de parte a parte, veyo a cessar por intervençaõ do Papa Gregorio
XI. fazendo-se o Tratado de paz com Castella na Cidade de Evora no
ultimo de Março de 1371.[643]

68 Esquecido ElRey de huma taõ ratificada promessa, rendendo-se ao
forte amor de Dona Leonor Telles de Menezes, mulher de Joaõ Lourenço da
Cunha, Senhor de Pombeiro, taõ cegamente se namorou della, que buscando
pretextos para lhe annullar o matrimonio, a usurpou, e recebeo por
mulher propria, atropelando todos os inconvenientes, e naõ fazendo
apreço da murmuraçaõ do povo amotinado.[644] Joaõ Lourenço da Cunha
se passou para Castella, e de lá se oppoz quanto pode a ElRey, já
militando nas tropas inimigas, já intentando darlhe peçonha, por cujos
crimes lhe foraõ confiscados seus bens, que tinha neste Reino.

69 Recebido ElRey D. Fernando, e vendo o de Castella a falta da sua
palavra, o repudio, que havia tambem feito da sua filha, e a infracçaõ
da paz, porque novamente aliado com o Duque de Lencastro, filho delRey
Duarte III. de Inglaterra, que por ser casado com Dona Constança, filha
delRey D. Pedro o _Cruel_, se intitulava Rey de Castella, e pertendia
a Coroa, por todos estes motivos estimulado ElRey D. Henrique delRey
D. Fernando, ao mesmo tempo que esperava delle satisfaçaõ, entrou por
Portugal com grande exercito, dizendo, que naõ embainharia a espada,
sem que vingasse primeiro os aggravos recebidos.

70 Chegou até Lisboa, deixando primeiramente devastadas muitas
povoações da Provincia da Beira com igual ruina, e estrago dos
moradores de tal fórma, que, como bem diz Camões,[645] esteve perto de
destruirse o Reino totalmente. ElRey de Castella se alojou no Convento
de S. Francisco, e a Cidade, e seus habitadores padeceraõ tanta
oppressaõ, que já como desesperados pozeraõ fogo a parte della, e os
Castelhanos ajudaraõ a executar, e augmentar o incendio.[646] Achava-se
ElRey D. Fernando neste tempo na Villa de Santarem muy socegadamente,
vendo correr para Lisboa as bandeiras inimigas, e subir ao Ceo o fumo,
e as lavaredas de huma boa parte desta Cidade queimada, e elle com
tanto descuido, como diz Manoel de Faria,[647] sem dar providencia, ou
remedio a tanta ruina, e insultos, que os Castelhanos commettiaõ já com
soberba descuberta por falta da opposiçaõ.

71 Quiz Deos que o Papa Gregorio XI. que neste tempo ainda residia com
toda a Curia Romana em Avinhaõ de França, atalhasse com sua intervençaõ
promptamente tantas hostilidades, expedindo para ajustamento de pazes
ao Cardeal de Santa Rufina Guido de Monforte, que fez a composiçaõ
entre ElRey Henrique de Castella, e o nosso D. Fernando pacificamente
aos 19 de Março de 1373, avistando-se ambos os Monarcas no meyo do
Tejo defronte de Santarem com grande, e vistosa comitiva de pequenas
embarcações, e jurando nas mãos do Cardeal Legado a observancia dos
artigos das pazes, e o ajuste dos casamentos da irmã, e filha de D.
Fernando.[648]

72 Toda a frouxidaõ, e infelicidade, que ElRey tinha nas emprezas
militares, emendou no governo da paz, executando acções muy benemeritas
de o constituirem por este lado glorioso. Mandou cercar de novos muros
muitas Cidades, e Villas: os de Lisboa, que principiando-se no ultimo
de Setembro de 1373, se viraõ de todo acabados no mez de Julho de 1375.
Santarem, Obidos, Ponte de Lima, Viana, Almada, Torres Vedras, Leiria,
Almeida, com outros muitos Castellos, e fortificações por todas as
Comarcas do Reino. Promulgou tambem leys muy uteis; e para que houvesse
mais Letrados, tornou a mudar a Universidade de Coimbra para Lisboa no
anno de 1377, em razaõ de que alguns Lentes, que mandara vir de Reinos
estrangeiros, naõ queriaõ ler senaõ em Lisboa.[649] Inventou novos
arbitrios sobre a utilidade do commercio,[650] e fez varias mercês com
liberalidade regia.

73 Porém novamente inquieto, renovando a liga com Inglaterra, e
rompendo a paz, continuou a guerra contra Castella no anno 1381, e
padeceo Portugal tanto damno dos amigos Inglezes, como dos inimigos
Castelhanos,[651] concluindo-se finalmente com o casamento de Dona
Brites, filha delRey D. Fernando, com ElRey de Castella D. Joaõ I. que
se effeituou no anno 1383, e neste mesmo anno faleceo ElRey na Cidade
de Lisboa nos Paços do Limoeiro aos 22 de Outubro, tendo de idade
trinta e oito annos, menos nove dias, e de governo dezaseis annos, nove
mezes, e quatro dias. Jaz no Coro novo do Convento de S. Francisco de
Santarem.


_D. Joaõ I. decimo Rey._

74 Com a morte delRey D. Fernando se originaraõ no Reino grandes
inquietações pela falta de Principe legitimo, que succedesse na
Coroa. A mayor parte dos Portuguezes receava muito que o Reino fosse
recahir no dominio dos Castelhanos; e ainda que a Rainha D. Leonor
ficou por Governadora, e Regente de Portugal, em quanto sua filha
Dona Brites, que havia casado com ElRey de Castella, naõ tinha filho
capaz de empunhar o Cetro, ella usando de toda a jurisdiçaõ, e poder,
mandou acclamar, ainda que infaustamente, em algumas Cidades, e
Villas do nosso Reino a ElRey de Castella, e sua mulher por legitimos
successores.[652]

75 Por esta causa se fez a todos odiosa a Rainha, e muito mais pela
grande attençaõ, que ella dava ao Conde de Ourem Joaõ Fernandes
Andeiro, seu escandaloso valido, por cujas mãos corriaõ todos os
negocios, naõ sem murmuraçaõ do povo, e inveja dos Grandes, os quaes
julgando o valimento culpa, e os grandes favores, que a Rainha fazia
ao Conde, infamia da Magestade, induziraõ ao Infante D. Joaõ, Mestre
de Aviz, irmaõ do Rey defunto D. Fernando, e filho natural delRey D.
Pedro, que havia nascido em Lisboa aos 11 de Abril de 1357, a que
obviasse as fatalidades, tropeços, e perigos, em que se via titubear
a Monarquia, matando ao Conde Joaõ Fernandes Andeiro, pedra de tanto
escandalo, como com effeito executou o Infante dentro dos proprios
Paços da Rainha, (que hoje servem de Limoeiro) em 6 de Dezembro de
1383.[653]

76 Executou-se esta fatal acçaõ com grande alvoroço, e contentamento
do povo, o qual estava taõ affeiçoado ao Infante Mestre de Aviz, que
publicamente, e com grandes vivas o declarou Defensor, e Governador do
Reino em 16 de Dezembro do mesmo anno de 1383. Este honroso emprego
começou a exercer o Infante com muita felicidade, sem embargo de ter
contra si a mayor parte da Nobreza, que toda estava pela Rainha, e o
grande poder de Castella, o qual intentando opprimir a liberdade do
nosso Reino, entrando com violencia pelas suas fronteiras, e pondo
sitio a Lisboa por mar, e por terra, foy obrigado a se retirar sem
fazer nada depois de perder bastante gente.[654]

77 Com esta retirada dos Castelhanos, e conseguindo os Portuguezes
algumas vitorias, em que teve grande parte o invencivel valor do famoso
Heroe Nuno Alvares Pereira, estando na Cidade de Coimbra o Infante
Regente D. Joaõ Mestre de Aviz, foy em acto de Cortes acclamado Rey de
Portugal em huma quinta feira, que se contavaõ 6 de Abril de 1385 pelas
nove horas da manhã,[655] tendo entaõ de idade o novo Rey vinte e sete
annos, menos cinco dias, conforme o calculo de alguns,[656] ou vinte
e oito, conforme outros,[657] ou, o que temos por mais certo, vinte e
sete annos, onze mezes, e vinte e seis dias, concorrendo tambem muito
para esta acclamaçaõ o talento do insigne Jurisconsulto Joaõ das Regras
com as efficazes razões, que allegou neste caso.[658]

78 Depois de taõ gloriosa exaltaçaõ, occupado ElRey com mayores
cuidados da guerra, e de segurar na cabeça a Coroa, distribuindo
primeiro algumas mercês pelos benemeritos, passou o seu valor a
occupar aquellas Praças fortes, que conservavaõ o partido de Castella,
reduzindo-as à sua antiga obediencia; e ainda que ElRey de Castella
continuando os seus projectos veyo atacar Portugal com hum formidavel
exercito, o novo Rey lhe desfez inteiramente as forças na celebre,
e grande batalha de Aljubarrota, em que triunfou de mais de oitenta
mil homens, sendo os nossos em numero taõ desproporcionado, que por
isso ajudaraõ a augmentar no mundo a fama de vitoria taõ celebrada,
e gloriosa em todas as memorias,[659] e succedida a 14 de Agosto de
1385, vespera da Assumpçaõ gloriosa da Senhora.

79 Na Cidade do Porto, e em 2 de Fevereiro de 1387 se recebeo com a
Senhora Dona Filippa, filha do Duque de Lencastre em Inglaterra, e com
esta alliança pode recuperar todas as Povoações, e Praças, que nos
tinha usurpado ElRey de Castella, com o qual ajustando o Duque hum
tratado de paz, houve tambem entre nós, e os Castelhanos huma suspensaõ
de armas, que interrompida depois com alguns successos, se veyo
finalmente a segurar a paz no anno 1399 entre os dous Reinos.

80 Desta sorte restabelecida a tranquillidade em Portugal, se resolveo
ElRey ir pessoalmente expugnar Ceuta, Cidade famosa de Africa, para
cuja gloriosa facçaõ mandou compôr huma armada de duzentas e vinte
vélas, que com grande estrago dos Mouros, e credito da Naçaõ Portugueza
conseguio por augmento da Fé o fim de taõ santa idéa dentro de hum dia,
que foy 21 de Agosto de 1415, accrescentando depois aos titulos de Rey
de Portugal, e do Algarve o de _Senhor de Ceuta_.[660]

81 Para evitar a confusaõ, que havia em contar os annos, pondo-se
muitas vezes a Era de Cesar juntamente com o anno de Christo, de que
resultavaõ embaraços, e duvidas nos documentos, e escrituras publicas,
mandou esquecer, e supprimir aquella antiga, e praticada computaçaõ
da Era de Cesar, e que se usasse em todas as escrituras calendar o
anno pela Epoca do Nascimento de Christo Senhor nosso, passando para
isto huma Ley escrita em 22 de Agosto de 1420,[661] que parece só teve
pleno effeito do anno 1422 por diante, conforme o daõ a entender quasi
todos os Escritores.[662] Nisto imitou o exemplo delRey D. Joaõ I.
de Castella, que tambem havia seguido o delRey de Aragaõ, como dizem
Yañes, e o erudito Gerardo Casteel na Controversia 1.

82 Continuando ElRey na boa administraçaõ da Justiça, dando com
igualdade o premio, e o castigo a quem o merecia, promulgou leys muy
uteis, e mandou observar as que havia feito em lingua vulgar o celebre
Joaõ das Regras.[663] Para testimunhas da sua grande devoçaõ sublimou
à dignidade Metropolitana a Cathedral de Lisboa por Bulla, que o Papa
Bonifacio IX. passou à sua instancia em 10 de Novembro de 1394,[664]
servindo de iguaes monumentos da sua piedade a erecçaõ de edificios
sacros, como foy o Regio Convento da Batalha, o Mosteiro de Penha-Longa
da Ordem de S. Jeronymo, o de S. Francisco de Leiria, o de Santa Clara
do Porto, o da Carnota junto de Alenquer, a insigne Igreja de Nossa
Senhora da Oliveira em Guimarães, a Igreja de Nossa Senhora da Escada
junto à de S. Domingos de Lisboa, e outras muitas fundações, para
que concorreo com magnifica generosidade, admittindo tambem no Reino
os Conegos Seculares de S. Joaõ Evangelista, chamados commummente os
Loyos.[665]

83 Além de obras taõ santas fez outras, ainda que profanas, magestosas,
e taes foraõ os Palacios de Lisboa, Santarem, Cintra, e Almeirim.
Instituio o tribunal da Relaçaõ, e fez outras doações, e mercês, que
depois revogou naõ sem escandalo.[666] Finalmente no dia 14 de Agosto
de 1433, a tempo que a terra padecia hum tenebroso eclypse do Sol,
exhalou o espirito, deixando de si feliz memoria, e tendo vivido
setenta e seis annos, quatro mezes, e tres dias, e reinado quarenta e
oito annos, quatro mezes, e oito dias.[667] Foy seu corpo depositado na
Igreja da Sé, onde esteve dous mezes, e dez dias, e a 25 de Outubro foy
transferido com pompa magestosa em hum carro triunfal até o Convento da
Batalha, onde jaz em sumptuosa sepultura, que elegantemente descreve
Fr. Luiz de Sousa.[668]


_D. Duarte, undecimo Rey._

84 Era o Senhor D. Duarte filho terceiro delRey D. Joaõ I. e havia
nascido em Viseu a 31 de Outubro de 1391. Os dotes naturaes, e
adquiridos foraõ nelle taõ excellentes, como mal logrados. Foy
destrissimo, e singular no exercicio nobre de andar a cavallo; muy
eloquente, e vigilante da Religiaõ Christã; grande favorecedor dos
homens doutos, como particular professor, e amante das boas letras, em
cujo estudo se aproveitou de modo, que pudera ser Mestre. Delle existem
alguns Tratados, e fragmentos, irrefragaveis provas do seu juizo, e
sciencia.[669]

85 Succedeo a ElRey seu pay, tendo de idade quarenta e hum annos, nove
mezes, e quatorze dias,[670] e foy acclamado aos 15 de Agosto de 1433
nos Paços do Castello de Lisboa. Havia casado a 22 de Setembro de 1428
com a Rainha Dona Leonor, Infanta de Aragaõ; e subindo agora ao throno,
começou a governar com tanta prudencia, que se dizia delle, (talvez
por influxo de lisonja) entendia melhor a arte de reinar, que ElRey
seu pay.[671] Mandou reduzir a hum só tomo todas as Leys, que andavaõ
dispersas, para facilitar a sua liçaõ: promulgou tambem Leys contra o
luxo, embaraçando os excessivos gastos dos Grandes, aos quaes ordenou
fossem residir nas suas terras para os livrar da assistencia da Corte,
que os obrigava a empenhos,[672] excepto aquelles Fidalgos, que por
turno lhe haviaõ de assistir por obrigaçaõ de seus cargos.

85 Neste Monarca naõ houve que desejar senaõ melhor fortuna, porque
os unicos cinco annos, que reinou, foraõ todos cheyos de desgraças;
e bastava para fazer infausto o tempo do seu reinado o cativeiro do
Infante D. Fernando seu irmaõ; porque emprendendo os Infantes D.
Henrique, e D. Fernando conquistar aos Mouros a Cidade de Tangere, e
ficando vencidos, e prisioneiros no anno de 1437, para salvarem as
vidas prometteraõ aos Mouros entregarlhe Ceuta, de cuja palavra ficou
em refens dos mais o Infante D. Fernando; porém como os Conselheiros
de Portugal foraõ de parecer, que naõ convinha entregar todo hum povo
Christaõ ao furor dos barbaros pela liberdade de hum só homem, de cujo
acordo dizem que tambem fora o Papa, e o mesmo Infante generoso,[673]
determinou-se em Cortes, que para isso fez convocar em Leiria ElRey D.
Duarte, ficasse o Infante no cativeiro, onde morreo depois de falecer
o mesmo Rey, que todavia no seu testamento mandava se resgatasse o
Infante seu irmaõ por todo o dinheiro, e ainda a troco da mesma Cidade
de Ceuta.[674]

87 Mons. de la Clede[675] accrescenta, que ElRey D. Duarte sem embargo
do que determinaraõ as Cortes, excitado do affecto de seu irmaõ cativo,
e da justa paixaõ de se vingar dos barbaros, com o desejo de procurar
tambem a liberdade dos Portuguezes, que os infieis retinhaõ em suas
infames prizões, mandara pedir ao Papa huma nova Bulla da Cruzada,
que se publicou pelas Provincias do Reino, e ajuntando tropas, e
apparelhando náos para a expediçaõ desta grande interpreza, foraõ
todos os preparos inuteis por causa da peste, que sobreveyo ao Reino,
occupando-o de lamentavel consternaçaõ, como bem o descreve Vasco
Mousinho no canto 5. do seu admiravel Poema; pois derrubando todas
as idéas delRey, o obrigou a andar vagando de Villa em Villa, naõ só
para consolar os povos em aperto semelhante com a sua presença, mas
para evitar aquelle contagio; até que achando-se na Villa de Thomar, e
abrindo huma carta, que vinha inficionada da corrupçaõ venenosa, poz
fim aos dias de sua vida afflicta aos 9 de Setembro de 1438, tendo
vivido quarenta e seis annos, dez mezes, e nove dias, e reinado cinco
annos, e vinte e seis dias.[676] Jaz no Convento da Batalha.


_D. Affonso V. duodecimo Rey._

88 Havia nascido o Principe D. Affonso nos Paços de Cintra aos 15 de
Janeiro de 1432, e quando morreo seu pay ElRey D. Duarte, contava seis
annos, sete mezes, e vinte e cinco dias, e desta idade foy acclamado
logo herdeiro da Coroa na Villa de Thomar; porém o governo ficou à
disposiçaõ da Rainha Dona Leonor sua mãy, e tutora com a assistencia
do Infante D. Pedro, irmaõ delRey D. Duarte, com o titulo de Defensor
do Reino, da qual regencia foy depois a Rainha exclusa, e o governo
entregue ao Infante D. Pedro, de que se originaraõ tantas perturbações,
e de que existem memorias taõ lastimosas.[677]

89 Continuava o Infante o manejo dos negocios, e regencia do Reino com
applauso commum, quando fazendo quatorze annos ElRey, e sendo preciso
entregarse-lhe o Cetro, seu tio Regente o fez com a Solemnidade de
Cortes no anno 1446, e ElRey lhe agradeceo muito o bem, que o servira,
de cujos louvores existe huma carta delRey escrita ao Infante cheya
de grandes, e honrodas expressões,[678] encommendando-lhe, acabado o
acto da entrega, que fosse continuando na mesma fórma, dimittindo de si
totalmente o regimen, e ratificando o casamento, que tinha feito com a
Senhora Dona Isabel, filha do mesmo Infante D. Pedro.

90 Porém a inveja dos emulos fazia taõ máos officios para arruinar a
felicidade do Infante, que lhe maquinou, e conseguio a desgraça delRey,
o qual intempestivamente passado hum anno mandou dizer ao Infante, que
o dava por absoluto, e desobrigado da incumbencia do governo, que lhe
encarregara. Daqui procedeo recolherse o Infante às suas terras, nas
quaes, declarado ElRey seu inimigo por crimes falsos, que imputaraõ ao
Infante, inconsideradamente o foy buscar com maõ armada, e pondo-se o
Infante em defensa, foy morto em o sitio de Alfarrobeira a 20 de Mayo
de 1449.[679]

91 Desejando depois ElRey expressar o seu animo zeloso da Fé no
convite, que o Papa Calixto III. lhe propoz, e tambem a outros
Principes Christãos de ir contra o Turco, para o que mandou para este
Reino a Bulla da Cruzada no anno 1457, começou ElRey a fazer para esta
empreza huns grandes preparos. Escusaraõ-se os outros Principes; porém
ElRey naõ resfriando da santa idéa, transferio a guerra para Africa,
onde parece que a voz do justo D. Fernando ainda clamava vingança;
e encaminhando primeiramente as proas de duzentas embarcações cheyas
de gente para as prayas de Alcacer, o mesmo foy chegar, que vencer
no anno de 1458 em Sabbado 30 de Setembro. Com a mesma felicidade
ganhou a Praça de Arzila em 24 de Agosto de 1471, e se lhe entregou a
de Tangere, cujas gloriosas vitorias lhe adquiriraõ a antonomasia de
_Africano_, e aos titulos da sua grandeza accrescentou elle o _daquem,
e dalém mar em Africa_.

92 Morto ElRey de Castella Henrique IV. que tinha sido casado com a
Rainha Dona Joanna, irmã do nosso Rey D. Affonso V. lhe ficou huma
unica filha, chamada Dona Joanna, herdeira daquelle Reino. Com ella
se dispoz casar ElRey D. Affonso V. seu tio já neste tempo viuvo da
Senhora Dona Isabel. Para isto passou a Castella com hum exercito de
vinte mil homens, porque assim o pediaõ as contradições, que sobre esta
successaõ se levantaraõ, e em Placencia se desposou com sua sobrinha
no anno de 1475. Os Castelhanos, que disseraõ naõ era a Senhora
Dona Joanna filha delRey Henrique, e que por isso naõ lhe pertencia
a herança da Coroa, nomearaõ herdeira a Dona Isabel, irmã delRey
Henrique, e a casaraõ com D. Fernando de Aragaõ.

93 Daqui nasceraõ muitas calamidades em Castella. e Portugal; porque
nosso Rey D. Affonso, querendo defender o que era seu, como de sua
sobrinha, e esposa, foy justamente demandar a D. Fernando de Aragaõ
para litigarem este ponto em argumento de armas. Naõ o levou a ambição,
como lhe attribue Camões,[680] mas sim razão justificada, sem embargo
de ficar desbaratado na baralha de Toro, em que o ajudou valerosamente
seu filho o Principe D. Joaõ.

94 Depois desta memoravel batalha succedida em Mayo de 1476, passou
ElRey logo a França no mez de Agosto, onde se deteve até Outubro do
seguinte anno de 1477; e vendo frustrada a negociaçaõ, a que lhe faltou
ElRey Luiz XI. com pouca fé, se resolveo ElRey D. Affonso a deixar o
mundo, e ir peregrinando até Jerusalem. Desta resoluçaõ deu parte a seu
filho por huma carta, em que lhe ordenava se fizesse logo jurar Rey
de Portugal, que em cumprimento della assim o fez em Santarem a 10 de
Novembro do proprio anno.[681]

95 Teriaõ passado quatro dias depois desta solemnidade, quando sabendo
o Principe Regente que seu pay tornava outra vez para Portugal, porque
ElRey de França lhe embaraçara politicamente a jornada, o foy buscar
a Oeiras, e com solemne procissaõ entrou em Lisboa, e continuou a
governar como de antes, sem o generoso Principe se intrometer em cousa
alguma, proseguindo D. Affonso em executar acções de liberalidade
Regia, e tantas, que affirmou hum Escritor nosso[682] fora entre os
Reys de Portugal o que fez mayores mercês a seus vassallos, assim de
honra, como de fazenda; em tal modo, que dizia o Principe seu filho.
quando lhe succedeo: _Meu pay me deixou feito Rey das estradas, e
caminhos de Portugal_; porque quasi todos os Lugares, e terras tinha
dado.

96 O Real genio deste Monarca tambem se deixava ver na grande
propensaõ, e amor das sciencias, applicando-se aos estudos, e
favorecendo aos estudiosos. Elle foy o primeiro, que no Palacio de
Evora ajuntou copiosa livraria, e o que determinou se escrevessem na
lingua Latina as Historias Portuguezas, mandando para este effeito
vir de Italia a D. Fr. Justo Baldino, Religioso Dominico, e insigne
Latino,[683] que morreo sem fazer cousa alguma por embaraços de
molestia. Finalmente vendo ElRey que os negocios das suas pertenções
se naõ concluiaõ, e achando-se quasi obrigado a convir em hum Tratado
de paz, que se publicou em Outubro de 1479, e com o justo sentimento
de ver a Senhora Dona Joanna sua esposa com huma honesta violencia da
parte de Castella obrigada a entrar em Religiaõ com o unico tratamento
de Excellente Senhora, se retirou melancolico a Cintra, e alli na
mesma casa, onde nascera, enfermou, e morreo aos 28 de Agosto de 1481,
em numa Terça feira, contando de idade quarenta e nove annos, sete
mezes, e treze dias, e de reinado quarenta e dous annos, onze mezes, e
dezanove dias.[684] Jaz no Mosteiro da Batalha na Casa do Capitulo.


_D. Joaõ II. decimo terceiro Rey._

97 Nasceo ElRey D. João II. na Cidade de Lisboa nos Paços da Alcaçova
a 3 de Mayo do anno 1455, e a 25 de Junho do mesmo anno foy jurado
Principe herdeiro do Reino com todas as ceremonias costumadas. Teria
quinze annos, quando, na Villa de Setubal a 12 de Janeiro de 1471
recebeo por esposa a Senhora Dona Leonor de Lancastre sua prima com
irmã, e a 15 de Agosto acompanhou seu pay ElRey D. Affonso na gloriosa
conquista de Arzilla, onde obrou acções mayores que a sua idade
promettia.[685]

98 Depois da morte de seu pay, achando-se em Cintra, e passados os tres
dias de nojo, foy acclamado Rey em 31 de Agosto do anno de 1481, e foy
esta a segunda acclamaçaõ, que teve. Cuidou logo em dar cumprimento
aos legados de seu pay, e applicando-se a conhecer as pessoas, que
se sabiaõ distinguir pela sua capacidade, e talento, as honrava, e
premiava de sorte, que se fez amar, e estimar de todos, especialmente
do povo.

99 No principio de seu reinado aconteceraõ grandes desasocegos nascidos
da altivez dos Nobres, que sahindo da brandura delRey D. Affonso, e
dando na integridade do filho, mal sabiaõ viver em taõ desconformes
extremos, de que procederaõ conjurações contra elle, que severamente
punio, e com grande excesso no Duque de Bragança D. Fernando II.
mandando-o degollar na praça de Evora em 21 de Junho de 1483, tragedia
reputada horrivel, como effeito da causa, cujas circunstancias naõ
mereciaõ tanto rigor,[686] sendo na verdade o Duque Cavalheiro,
conforme o juizo de todos, merecedor de melhor fortuna, como bem
adverte o elegantissimo Marquez de Alegrete.[687]

100 Foy ElRey D. Joaõ Principe de coraçaõ intrepido, como o deu
a conhecer em varias occasiões;[688] de hum engenho muy vivo, e
desembaraçado, que nunca se deixou governar de outrem, parecendo-lhe
que naõ merecia chamarse Rey aquelle, cuja vontade pendia de arbitrio
alheyo. Nunca tardou em fazer mercês, e remunerar serviços, e o que
havia de dar, o dava logo, e muitas vezes sem lho pedirem, trazendo
occultamente hum livro com os nomes das pessoas benemeritas. As mesmas
dadivas mandava distribuir por outras pessoas de outros Reinos, que
lhes serviaõ de promptas, e diligentes espias, ardil, que lhe grangeou
a sciencia politica de muitos negocios, e segredos reconditos.[689]

101 Attendeo muito ao bem publico, e por conta desta conservaçaõ
desfez muitos abusos, e fez com que se evitassem as casas de jogo,
mandando queimar huma, onde concorria mais gente, em cuja acção deixou
aos vindouros hum exemplo mais digno de se imitar, que imitado.[690]
Publicou tambem leys, em que prohibia todo o excesso de galas, e tudo o
que podesse causar destruiçaõ na fazenda, e bons costumes de seu povo.
Deu muitas provas da verdade, com que amava a Religiaõ Christã: fez
todo o excesso, para que os Judeos, que se vieraõ refugiar em Portugal,
se reduzirem à Fé de Christo, obrando a generosa acção de lhes mandar
dar embarcações para se irem os que não quizeraõ converterse.

102 As fundações dos Templos saõ tambem sufficiente prova da sua
Religiaõ. Elle deu principio à magnifica Igreja do Hospital Real de
Lisboa, e lançou a primeira pedra nos alicerces do Mosteiro de Jesus
de Setubal, e deu nova Casa às Commendadeiras de Santos no Convento,
onde hoje existem em Lisboa. Dispoz que na sua Capella Real se rezassem
em Coro as Horas Canonicas, estabelecendo rendas para isso. Aspirando
à gloria de fama perduravel, descubrio com suas frotas o Reino do
Congo, e nelle fundou Igreja, onde se bautizou o Rey com seus filhos,
e bastante parte do povo. Abrio o caminho à navegaçaõ das Indias
Orientaes, e solicitou descubrir incansavelmente por mar, e por terra
a costa de Africa até aquelle tormentoso Cabo, a que chamou de Boa
Esperança, pelas que se abriaõ do descubrimento da India.

103 Taõ grandes brados tinha dado a fama das suas acções, que alguns
Principes estrangeiros vieraõ a Portugal de proposito somente para o
ver; porque sem duvida na liberalidade, na justiça, na piedade, na
generosidade, e na Religião foy singularissimo, recto, admiravel,
pomposo, e Catholico, e assim acabou com a fama de Principe perfeito em
25 de Outubro de 1495 na Villa de Alvor com suspeitas de lhe terem dado
veneno. Viveo quarenta annos, cinco mezes, e vinte e dous dias: reinou
quatorze annos, hum mez, e vinte e cinco dias. Foy sepultado na Sé de
Sylves, donde passados quatro annos, ElRey D. Manoel lhe trasladou seu
corpo para o Convento da Batalha, onde se conserva incorrupto, sinal,
que alguns pertendem attribuir aos que saõ predestinados.[691]


_D. Manoel decimo quarto Rey._

104 Parece, como bem disse o nosso Homero,[692] que Deos tinha
escolhido a ElRey D. Manoel para ser Monarca entre os de Portugal o
mais venturoso. Logo no seu nascimento começou a experimentar o Ceo
propicio; porque achando-se na Villa de Alcochete sua mãy a Infanta
Dona Brites vencida das dores de parto, e com evidente perigo, quasi
milagrosamente o deu à luz no mesmo ponto, que lhe passava pela porta o
Santissimo Sacramento na Procissaõ solemne do Corpo de Deos, por cuja
mysteriosa causa se lhe impoz o nome de Manoel, e por cuja notavel
circunstancia de Festa, e Procissaõ infere, e assina judiciosamente
o Beneficiado Francisco Leitaõ Ferreira,[693] que o verdadeiro dia
natalicio deste Monarca foy no primeiro de Junho de 1469, porque
a letra Dominical daquelle anno, que foy _=A=_, assim o insinua,
prova irrefragavel, que convence a contraria opiniaõ de todos os que
collocaraõ este feliz nascimento no ultimo de Mayo do mesmo anno.

105 Era D. Manoel Duque de Béja, e de Viseu, filho do Infante D.
Fernando, e neto delRey D. Duarte; e com haver nascido sem esperança
de reinar, succedeo no Reino depois de ver como para conseguir esta
felicidade lhe hiaõ fazendo lugar com a morte algumas pessoas, a quem
tocava a successaõ. Subio finalmente ao Throno em 27 de Outubro de
1495, estando em Alcacer do Sal, donde veyo logo a celebrar Cortes
na Villa de Montemór o Novo, dando principio ao governo mais feliz,
que vio o Reino com a reforma, que fez dos Ministros, e Officiaes de
Justiça, e boa arrecadaçaõ da fazenda.[694]

106 Como bom Catholico se lembrou logo da obediencia à Igreja, e assim
despedio para Roma promptamente hum Embaixador, para dar noticia ao
Pontifice da sua investidura do Reino de Portugal, mandando tambem
pedir ao mesmo Papa, que era Alexandre VI. a impetra, para que os
Cavalleiros das Ordens Militares podessem casar, como com effeito lhes
concedeo,[695] e com a mesma protecçaõ augmentou a Ordem de Christo em
gloria, e renda.

107 Imitando o louvavel exemplo dos Reys de Castella, mandou expulsar
fóra do seu Reino aos Mouros, e Judeos, excepto os que se quizeraõ
converter à Fé de Christo;[696] e logo em Outubro do anno 1497 recebeo
por mulher a Senhora Dona Isabel, viuva do nosso Principe D. Affonso,
filho delRey D. Joaõ II. e ella filha dos Reys Catholicos D. Fernando,
e Dona Isabel.

108 Se pertendessemos narrar todas as acções memoraveis deste
Monarca, fariamos hum grande volume; sirva ao menos a expressaõ desta
impossibilidade, segundo a ligeireza do estylo, que guardamos, para
provar a sua grandeza. O certo he, que na regencia delRey D. Manoel
foy o Reino de Portugal elevado ao mayor gráo do seu esplendor. Então
se viraõ quebrantadas as forças dos Reys Africanos; entaõ se acabou
de descubrir a navegaçaõ da India Oriental, que ElRey D. João II.
havia premeditado, sendo o inclyto Heroe Vasco da Gama o primeiro,
que no anno de 1497 logrou a gloria de abordar as prayas de Calecut,
e introuduzir o commercio das suas preciosas especiarias em Portugal,
naõ obstante a grande resistencia, e embaraço, que a isso fizeraõ os
Venezianos.[697]

109 Accrescentou D. Manoel a seu Imperio naõ pequena parte da
Ethyopia, Persia, India, dentro, e fóra do rio Ganges, o Brasil, e
innumeraveis Ilhas do Oceano até alli incognitas. Sujeitou, muitos
Reys; e estando taõ apartados por tanto espaço de mar, e terra, os
fez tributarios: outros se fizeraõ confederados, e amigos. Venceo
muitas vezes na India as armadas do Soldaõ de Babylonia, e de outros
poderosissimos Reys Orientaes. Plantou a Religiaõ Christã na Ethyopia,
India, e outras partes do mundo ainda naõ allumiadas com a luz do
Evangelho, favorecendo, e amparando aos convertidos. Libertou o estado
Ecclesiastico de tributos, e pensões, e dos mesmos aliviou aos mais
vassallos, dando novos foraes às terras, de que mandou formar cinco
livros, que se conservaõ na Torre do Tombo.

110 Para mayor augmento da sua felicidade se vio jurado Rey de Castella
em 28 de Abril de 1498,[698] cuja posse, e titulo brevemente possuio
pela intempestiva morte da Rainha Dona Isabel sua esposa, herdeira
daquelle Reino. Fundou Templos, que podem competir com os melhores
de Roma.[699] Fez nadar em ouro o Reino, e quasi chover em Portugal
perolas, e diamantes; em tal fórma, que se chamou idade de ouro a em
que reinou D. Manoel como bem mostra Manoel de Faria.[700] Agradecido
aos continuados beneficios com que Deos lhe dilatava o Imperio, quiz
religiosamente gratificallos ao Senhor, mandando ao Papa Leaõ X.
entaõ reinante, offerecerlhe, e tributarlhe como a Vigario de Christo
na terra, as primicias das riquezas da India, e Etiopia. Para isso
dispoz huma Embaixada, que a 12 de Março de 1514 fez Tristaõ da Cunha
com tanta magestade, pompa, e grandeza, que nunca se vio semelhante
em Roma.[701] Em fim naõ houve prosperidade, que elle naõ abraçasse,
parecendo ser disto auspicio a grandeza dos braços, que tinha mayores
que nenhum outro homem. Tambem amparou as letras grandemente;[702]
e cheyo de taõ heroicas acções fechou o gyro de seus dias aos 13 de
Dezembro de 1521 pelas nove horas da noite, achando-se em Lisboa nos
Paços da Ribeira, tendo de idade cincoenta e dous annos, seis mezes,
e dous dias, dos quaes reinou vinte e seis annos, hum mez, e dezoito
dias. Jaz no Real Convento de Belém extra muros de Lisboa, que elle
mandou edificar para seu jazigo.


_D. Joaõ III. decimo quinto Rey._

111 Succedeo no Throno a ElRey D. Manoel seu filho D. Joaõ III.
que havia nascido em Lisboa a 6 de Junho de 1502, dia memoravel
pela horrivel tempestade, que houve no Reino de trovões, rayos, e
coriscos.[703] Foy acclamado a 19 de Dezembro de 1521, fazendo-se o
acto à porta do Convento de S. Domingos de Lisboa. Os principios do
seu reinado foraõ tecidos com egregias acções de piedade, clemencia, e
generosidade, adquirindo-lhe estas virtudes amor de seus vassallos, e a
estimaçaõ de todos os Principes da Europa.

112 Foraõ os seus primeiros cuidados proseguir logo vivamente as
conquistas da India, em que os Portuguezes obraraõ façanhas de eterna
memoria, e este mayor projecto lhe fez relaxar aos Mouros de Africa
quatro Praças principaes, Alcacer, Arzila, Çafim, e Azamor, de que
tanto se lamenta Manoel de Faria,[704] e a cujo consentimento attribue
o mayor desacerto deste Rey, ou de seus Conselheiros. Melhorou esta
acçaõ, impetrando do Papa Clemente VII. o veneravel Tribunal da
Inquisiçaõ para este Reino. Reformou muitas das Religiões, que hiaõ
descahindo da sua primitiva observancia. Admittio em Portugal a
Religiaõ denominada da Companhia de Jesus, e lhe instituio em diversas
partes do Reino Collegios; devendo-se a este Monarca a gloria da
conversaõ da gentilidade em taõ continuados progressos na Asia, Africa,
e America, que naquelles primeiros tempos souberaõ plantar com zelo
aquelles Religiosos.

113 Descubrindo ElRey alguns inconvenientes de haver na Corte estudos
publicos, removeo a Universidade outra vez para Coimbra no anno de 1534
conforme dizem huns,[705] e segundo outros no de 1537,[706] mandando
vir a este respeito, e com grandes dispendios os melhores Mestres de
letras, que havia na Europa,[707] de sorte que restabeleceo em Coimbra
a mais florente Academia das sciencias; e extendendo-se este louvavel
affecto para as Conquistas, mandou estabelecer tambem na India escolas
para as artes, e sciencias.[708]

114 Por sua instancia se erigiraõ no Reino os tres Bispados de
Leiria, Portalegre, e Miranda, e outros nas Conquistas; e levantando
em Metropolitana a igreja Cathedral de Evora, reedificou o sumptuoso
aqueducto desta Cidade, que se hia arruinando. Continuou o edificio
Regio de Belém, e fez outros de novo em publica utilidade, como foy
a Alfandega, as Tercenas, os Armazens, e a Torre do Tombo.[709]
Para a boa administraçaõ da Justiça instituio o Tribunal da Mesa da
Consciencia, e Ordens, e para os mais Tribunaes teve o dom de saber
escolher Ministros proporcionados. Amou muito a paz, e por isto dizia,
que _mais perdia no que se gastava na guerra, ao que lucrava com o que
alcançava na vitoria_. Finalmente assim nas cousas da paz, como nas da
guerra foy ElRey D. Joaõ Principe admiravel, nascido para beneficio dos
homens, amparo dos humildes, e estranhos, verdadeiro conservador do
culto Divino, e propugnaculo da Religiaõ Catholica. Morreo em Lisboa
aos 11 de Junho de 1557, e aos cincoenta e cinco annos, e cinco dias
da sua idade, e de governo trinta e cinco annos, e seis mezes. Jaz no
Convento de Belém junto de seu grande Pay. Foraõ muitas as lagrimas,
que o povo derramou na sua morte, a qual foy tida por termo, que o Ceo
punha às felicidades do Reino.


_D. Sebastiaõ, decimo sexto Rey._

115 Foy ElRey D. Sebastiaõ filho do Principe D. Joaõ, e da Princeza
Dona Joanna, e neto delRey D. Joaõ III. Nasceo em Lisboa posthumo a
20 de Janeiro de 1544, e dahi a tres annos, morrendo seu Avô, ficou
herdando o Cetro, mas sujeito à tutoria da prudentissima Rainha Dona
Catharina, e aos preceitos de seu Ayo D. Aleixo de Menezes, e dos do
Padre Luiz Gonçalves da Camera, ambos Fidalgos illustres, os quaes
em toda a sua educaçaõ lhe inspiraraõ o amor da justiça, e o zelo da
Religiaõ Christã.

116 Como os espiritos deste Principe eraõ generosos, e cheyos de hum
grande, e admiravel desejo de aquirir gloria, começou logo a idear
emprezas verdadeiramente temerarias para a sua idade; de sorte, que
chegando aos quatorze annos, se resolveo tomar posse do governo em
20 de Janeiro de 1568, e entaõ dando-se todo ao aspero exercicio das
armas, e da caça, fazia brio de se mostrar intrepido, e destemido em
todas as occasiões. Quando os ventos, e as ondas andavaõ mais irados,
então sahia fóra da barra a lutar com a tempestade; e em fim as suas
acções eraõ todas imagens de seu precipicio, como bem diz Manoel de
Faria.[710]

117 Tanto confiava em seu valor, que tinha para si podia conquistar
todo o mundo; e como sempre sahia bem dos perigos, em que se mettia, se
lhe augmentavaõ cada vez mais os desejos de principiar pela conquista
de Africa. Este santo intento trouxe quasi do berço, e para o executar
se dirigiaõ os seus cuidados, e pensamentos, que assoprados com a
lisonja dos que se queriaõ conformar com o seu fogoso genio, mais lhe
accendiaõ no peito deliberações temerarias. Praticou-as, passando
primeiramente no anno de 1574 a discorrer pelas terras de Tangere, e
Ceuta, onde fazendo differentes correrias, e escaramuças, assustou os
barbaros, mas vio a difficuldade, a que a sua ambiçaõ aspirava.

118 Todavia succedendo despojar Muley Maluco dos Reinos de Marrocos,
e Fez a seu sobrinho Muley Hamet, este se veyo valer do nosso Rey,
offerecendo sua pessoa, e os que o seguiaõ. Preparou-se D. Sebastiaõ
para soccorrer a Hamet, e atropellando todos os conselhos prudentes,
que lhe dissuadiaõ esta perigosa, e incauta jornada, sahio do porto
de Lisboa em 24 de Junho de 1578, anno, e dia taõ infaustos para
Portugal.[711] Compunha-se o exercito delRey de dezoito mil homens,
dos quaes eraõ tres mil Castelhanos, tres mil Alemães, novecentos
Italianos, e os mais Portuguezes, gente a mais luzida, e lustrosa, que
havia no Reino, mas sem exercicio militar.

119 Chegou a Arzila, e logo achou aqui na mostra, que mandou passar,
diminutos os Regimentos, que naõ passavaõ de doze mil homens. Constava
porém o exercito inimigo de cento e cincoenta mil, a mayor parte de
cavallo, de cujo fatal numero opprimidos os nossos ficaraõ vencidos a
cinco de Agosto do mesmo anno de 1578, dia de Nossa Senhora das Neves,
eclipsando-se nesta infeliz, e lastimosa batalha toda a gloria, e
lustre Portuguez nos campos de Alcacere, os quaes ficaraõ memoraveis
pelos tres Reys, que alli morreraõ. Bem he verdade que ninguem verifica
ter visto morrer na batalha a ElRey D. Sebastiaõ, nem depois com
certeza o tornaraõ a ver, donde tomaraõ alguns motivo para esperar
por elle, delirio, que com teimosa tradiçaõ permaneceo bastante
tempo, pertendendo os seus sequazes em taõ fanatica esperança fazer
verdadeiramente crer, que este lamentavel Monarca fosse entre os homens
outra ave Fenix, da qual dizem que existe, mas ninguem a vio. Mons. de
la Clede assenta,[712] que ElRey naõ morrera no conflicto de Alcacere,
mas sim no Castello de San Lucar de Barrameda, opiniaõ, que os nossos
Escritores naõ admittem.

120 A noticia desta fatalidade trouxe a Portugal grande confusaõ;
porque depois della naõ se via, nem ouvia em todos mais que lagrimas, e
impaciencia pela perda geral de hum Reino sem successaõ, e de hum Rey
extincto na flor da sua idade, e com elle a flor da Nobreza, vindo-se
a concluir todo este catastrofe com as exequias, que se celebraraõ
com a possivel expressaõ de sentimento, até que passados quatro annos
chegou a Lisboa, mandado pelo Xarife, o corpo, que diziaõ ser delRey D.
Sebastiaõ, e se mandou sepultar no Convento de Belém, onde jaz todavia
com a incerteza, que indica a inscripçaõ do seu epitafio,[713] o qual
dia assim:

  _Conditur hoc tumulo, si vera est fama, Sebastus,
    Quem tulit in Lybicis mors properata plagis.
  Nec dicas falli Regem qui vivere credit,
    Pro lege extincto mors quasi vita fuit._


_D. Henrique, decimo setimo Rey._

121 Tanto que a triste nova da perda delRey D. Sebastiaõ chegou a
Portugal, elegeraõ, e acclamaraõ os Tres Estados do Reino ao Cardeal
D. Henrique, filho delRey D. Manoel, que entaõ se achava na avançada
idade de sessenta e seis annos, contados desde 31 de Janeiro de 1512
em que nasceo. Era elle ornado de excellentes dotes, e virtudes, muy
pio, e temente a Deos, e em tudo mostrou quanto era capacissimo para
o Baculo, e para o Cetro. Amou as sciencias, amparou a orfandade,
soccorreo a pobreza, confundio as heresias, restaurou Templos, e em fim
foy Pastor, e Rey sem embaraçar com as desculpas de Monarca os empregos
de Sacerdote.[714]

122 Acclamado porém a 28 de Agosto de 1578 por legitimo Rey, e
successor de Portugal, cuidou logo no resgate dos Fidalgos, e mais
gente, que ficaraõ cativos na fatal batalha de Alcacere, em que
dispendeo muito dinheiro; porém como os achaques, e a idade já
decrepita lhe diminuiaõ as forças attenuadas, e comprimidas tambem
pelas negociações, e governo de huma Monarquia decadente pela falta de
successaõ, muitos Principes da Europa estavaõ attentos naõ só ao fim,
que por instantes esperavaõ haver no Reino, mas como se Portugal fora
herança, que a todos lhes pertencesse.

123 Eraõ os oppositores cinco descendentes delRey D. Manoel, que
pertendiaõ herdar o Reino por linha transversal, além de outros
pertendentes, que todos fizeraõ sua opposiçaõ, como foy a Rainha de
França Dona Catharina, por allegar que descendia delRey de Portugal D.
Affonso III. e de Dona Matilde sua primeira mulher, mas foy exclusa
sua pertençaõ por improvavel. Tambem a Sé Apostolica pertendia que
fosse huma Coroa o espolio de hum Capello vago, mas naõ se fez caso da
pertençaõ do Pontifice, porque na presente opposiçaõ só se tratava dos
descendentes delRey D. Manoel, como se vê na Taboa seguinte.

              | A Infanta Dona    }
              | Isabel Imperatriz,} Filippe II.
              | que casou         } Rey de Castella
              | com Carlos        } 1. pertendente
              | V. Imperador,     }
              | e teve a          }
              |
              | A Infanta Dona    } Manoel Filisberto
              | Brites, que       } Duque de Saboya,
              | casou com D.      } e Principe
              | Carlos Duque      } de Piemõte 2.
  |           | de Saboya,        } pertendente.
  | ElRei     | e teve a          }
  | D. Manoel |
  | entre     | O Infante D.      }
  | outros    | Luiz Duque de     }
  | filhos    | Béja naõ casou,   } D. Antonio
  | teve      | mas de Violante   } Prior do Crato,
  |           | Gomes, chamada    } 3. pertendente.
              | a _Pelicana_,     }
              | teve a            }
              |
              | O Infante D.      } D. Maria, q́  } Rainucio
              | Duarte Duque      } casou com o   } Principe de
              | de Guimarães      } Principe de   } Parma, e 4.
              | casou com Dona    } Parma, de     } pertendente.
              | Isabel filha      } quem teve a   }
              | de D. Jayme
              | Duque de Bragança,} D. Catharina que casou com
              | e teve a          } D. Joaõ Duque de Bragança
              |                   } 5. pertendente.

Destes foy excluido o Prior do Crato por illegitimo, o Duque de Saboya
por estrangeiro, o Principe de Parma por falta de representaçaõ, pois
já era bisneto, e tambem porque sua Mãy, casando fóra do Reino, perdeo
o direito, que a elle podia ter, como se mostra das Cortes de Lamego;
de sorte que só ElRey Filippe, e a Senhora Dona Catharina, como estavaõ
em igual gráo, tinhaõ jus para a pertençaõ, e mayor a Senhora Dona
Catharina.

124 Naõ queria ElRey D. Henrique decidir este ponto, e assim
nomeou em Cortes Juizes para a decisaõ delle, e cinco Governadores
para sentenciarem a quem verdadeiramente tocava o Reino; e depois
passando-se para Almeirim por causa da peste, que já lavrava em Lisboa,
veyo a falecer em 30 de Janeiro de 1580 com sessenta e oito annos de
idade, e dezasete mezes de governo. Houve hum grande eclipse da Lua na
mesma noite, em que espirou, e hum geral sentimento, porque todos viaõ
com aquella morte o Reino tambem eclipsado. De Almeirim foy conduzido
seu corpo para Belém, onde agora jaz em nobre sepultura, que lhe
mandou fazer o Senhor Rey D. Pedro II. no anno de 1682, e por causa
da trasladaçaõ foy visto, e achado seu corpo inteiro, depois de terem
passado cento e dous annos, por cujo sinal he crivel esteja gozando da
Bemaventurança.

125 Com a morte delRey D. Henrique começaraõ os cinco Governadores a
usar do Cetro; mas taõ desunidos, temerosos, e abalados, que cada hum
seguia o partido dos oppositores, a que a propensaõ o inclinava, ou
talvez o attractivo do interesse. Muito mais ficaraõ perplexos, quando
viraõ que ElRey D. Henrique no seu testamento naõ attendera mais que às
cousas da sua alma, deixando as do Reino ao arbitrio dos Juizes.

126 O Prior do Crato, ainda que estava excluido, tornou a fomentar a
sua pertençaõ; e adquirindo algum sequito de gente popular, esta o
acclamou Rey em Santarem a 14 de Junho de 1580,[715] e logo passando-se
a Lisboa, soltou os prezos do Limoeiro, aposentou-se nos Paços da
Ribeira, começou a passar Provisões, mandar bater moeda, e finalmente a
intitularse Rey, seguindo a sua facçaõ algumas Villas do Reino.

127 Sabendo ElRey D. Filippe de Castella as operações, que em Lisboa
executava o Prior do Crato, despedio hum sufficiente corpo de exercito
de mais de vinte mil homens,[716] e dous mil gastadores, commandados
pelo grande General o Duque de Alva; e chegando a Setubal sem
resistencia alguma, fez transito a Lisboa, onde alojou suas tropas
junto da ponte de Alcantara. No dia seguinte, que se contavaõ 26 de
Agosto de 1580, pelas dez horas da manhã atacou D. Antonio, Prior do
Crato, ao exercito Castelhano; porém este desbaratou os esquadrões
Portuguezes,[717] e D. Antonio se poz em salvo, passando ao depois
varia fortuna até vir a morrer em Pariz no anno de 1595.

128 Pacificada algum tanto a furia dos vencedores, que naõ fez pequeno
damno aos arrabaldes de Lisboa, os Governadores della entregaraõ
as chaves ao Duque, o qual mandou logo presidiar o Castello com
tres mil Castelhanos, e muita artelharia, e a Nobreza do Reino foy
à sua presença dar obediencia ao novo Rey introduzido, que à força
de armas, invadindo o Reino, decidio o litigio a seu favor, sem
esperar pelo acordaõ dos Jurisconsultos contra todo o Direito, e boa
consciencia.[718]


 _D. Filippe II. III. e IV. de Castella, e em Portugal Reys decimo
 oitavo, decimo nono, e vigesimo intrusos._

129 Declarado Rey de Portugal D. Filippe II. nas Cortes, que se
celebraraõ em Thomar a 19 de Abril de 1581, caminhou para Lisboa, onde
fez huma publica entrada com o mayor apparato, e grandeza, que até
alli se tinha visto.[719] Começou a tratar os Portuguezes com muita
affabilidade, e industria, fazendo-lhe varias mercês, e augmentando
os privilegios do Reino, com a qual politica temperou os desgostos
passados. Desta sorte fazia parecer mais suave aos Portuguezes aquella
violenta sujeiçaõ, e elles vendo que se diminuiaõ as esperanças de
recobrar a antiga liberdade, cuidavaõ muito em merecer a graça delRey
Filippe, o qual tornando para Castella, e deixando por substituto a seu
filho o Serenissimo Cardeal Alberto, Archiduque de Austria, morreo a 13
de Setembro de 1598 no Convento do Escurial, que elle havia fundado,
e onde jaz em soberbo mausoleo, tendo vivido setenta e hum annos,
governado em Portugal dezoito, e quarenta e tres em toda a Hespanha.

130 Succedeo no Throno seu filho D. Filippe III. e para nós II. que
havia nascido em Madrid a 14 de Abril de 1578, e agora contava já vinte
annos de idade. No seu governo deixou facilmente penetrar quaes eraõ os
seus designios; e naõ eraõ elles outros mais que reduzir os Portuguezes
a huma taõ debil fortuna, que nunca podessem ter forças para sacudir
o dominio Castelhano, conforme as normas, que lhe deixara seu pay.
Naõ pode porém conseguir tudo o que intentava, porque lho embaraçou
a morte, que lhe sobreveyo em Madrid no ultimo de Março de 1621 com
quarenta e dous annos de idade, e vinte e dous e meyo de reinado. Jaz
no Convento do Escurial.

131 D. Filippe IV. foy filho do antecedente, e nasceo a 8 de Abril de
1605. Poucos dias depois da morte de seu pay começou a governar com
grandes annuncios de felicidades, mas para Portugal com muy poucas;
porque naõ cessando de quebrantar as promessas, e juramento, que seu
Avô tinha feito de conservar este Reino em seus antigos foros, e
privilegios, todo o seu ponto foy abatello, aniquilallo, e obrar tudo
em nosso prejuizo. Naõ escapou artificio algum em ordem a consumir o
Reino, que deixassem os seus Ministros, e Conselheiros de lhe apontar
para nossa ruina. A mesma experimentou a India, e as mais Conquistas,
que tanto nos custaraõ a ganhar. Dilatadissima seria a narraçaõ destas
desordens, se pertendessemos renovar dellas a memoria: naõ faltaõ
Escritores, que as referem.[720]

132 Impaciente já todo o Reino com tanta vexaçaõ, e desejosos todos da
commum liberdade da patria, começaraõ a pôr os olhos no Serenissimo
Duque VIII. de Bragança D. Joaõ, no qual concorriaõ razão, e justiça
para o acclamarem Rey, e Senhor verdadeiro do Reino naõ só pelo
direito, que o acompanhava de sua Avó a Senhora Dona Catharina,
filha herdeira do Infante D. Duarte, a qual havia de preceder a
todos os oppositores da Coroa, porque representava a seu Pay, que se
vivera, havia de ser Rey,[721] mas tambem por ser o Serenissimo Duque
natural do Reino, e o mayor Senhor delle, a quem por suas qualidades
verdadeiramente Reaes tocava protegello, amparallo, e libertallo das
oppressões, que padecia.

133 Por estes, e outros muitos fundamentos, persuadidos os Portuguezes
quanto lhe era util acabarem já com taõ pezado jugo, determinaraõ
ajustar o modo mais conveniente para negocio taõ arduo. Achava-se
presidindo no governo de Portugal a Duqueza de Mantua Margarida de
Saboya, prima delRey Filippe IV. desde o anno de 1635, em que passou a
fazer assistencia em Lisboa: tinha por Secretario de Estado a Miguel
de Vasconcellos, aborrecido do Reino por soberbo, descomedido, e
ambicioso, que com industriosa independencia ministrava os negocios de
Portugal, e a quem muito favorecia a Princeza Margarida, e o primeiro
Ministro de Hespanha o memoravel Conde Duque,[722] ambos interessados
na agencia de Vasconcellos, que lhes servia como de canal, por onde se
enchiaõ continuamente os seus insaciaveis cofres do perenne curso de
dinheiro extrahido da substancia do cabedal do Reino, e de tributos
exorbitantes.

134 Esta oppressaõ, e violencia dos Ministros acabou de exasperar mais
a todos os Portuguezes; até que escolhendo o dia de Sabbado primeiro
de Dezembro do anno 1640 para aquella gloriosa empreza, depois de
varias conferencias, que entre si tiveraõ os Fidalgos amantes, e
zelosos da patria,[723] convidando tambem a outros com todo o segredo,
se acharaõ no terreiro do Paço sem fazerem rumor, e assim que deraõ
nove horas accommetteo cada hum aquelle posto, que se lhe destinou
por interpreza. Tudo o que se havia premeditado, a pezar de todos os
incidentes, que se atropellaraõ, se poz em execuçaõ no dia predito
com tanta felicidade, e maravilha, que dentro em tres horas se vio na
Cidade de Lisboa morto Miguel de Vasconcellos, deposto Filippe IV.,
acclamado o Serenissimo Duque de Bragança D. Joaõ por legitimo Senhor
do Reino de Portugal, que no espaço de sessenta annos gemeo debaixo da
sujeiçaõ de Principes estrangeiros, aonde o tinha levado a Providencia.


_D. João IV. vigesimo primeiro Rey._

135 Conseguida prodigiosamente a saudosa liberdade do Reino, e
restituido com tanta gloria, e justiça o Cetro da Monarquia Portugueza
ao Senhor Rey D. Joaõ IV. o qual havia nascido em Villa Viçosa a 19 de
Março de 1604, e casado com a Senhora Dona Luiza Francisca de Gusmaõ
em 12 de Janeiro de 1633, se expediraõ diversos avisos para os Lugares
Ultramarinos da nossa Coroa, para reconhecerem, e acclamarem o mesmo
Soberano Rey; e foy esta noticia recebida com tanto gosto, como se
experimentou na prompta obediencia da vassallagem, e nos vivas, e
festas, com que expressaraõ todos a estimaçaõ daquella felicidade,[724]
sendo para admirar completarse este reconhecimento dentro de quinze
dias por todo o Reino sem guerra, sem armas, sem violencia, estando
todas as Praças governadas, e presidiadas por Ministros, e soldados
Castelhanos. O certo he que foy obra da maõ do Altissimo.[725]

136 Logo que o novo Rey chegou de Villa Viçosa a Lisboa, e dispoz as
expedições, que temos dito, determinou dia para a sua coroaçaõ, que
foy em 15 de Dezembro, a qual se celebrou com toda a pompa, e alegria
do povo. Depois passou promptamente a cuidar nos negocios interiores do
Reino: nomeou Ministros para os Tribunaes: Generaes, e Cabos para as
Provincias. Estava o Reino destituido de forças, sem armas, sem gente
com exercicio militar, sem náos, e sem dinheiro para se poder defender,
e isto foy motivo para se descuidarem tanto em Castella, considerando
seus Ministros ser impossivel podermos resistirlhe na conjunctura
debil, em que estavamos; e assim disseraõ a ElRey Filippe, que naõ era
necessario fazer guerra offensiva a Portugal, porque com duas mãos de
papel firmadas por S. Magestade se reduziria outra vez brevemente o
Reino à sua obediencia.[726]

137 Este mysterioso descuidoso foy causa da nossa prevençaõ, e
fundamental seguranqa, dando-nos tempo para mandarmos vir armas
do Norte, fortificar Praças, e fazer confederaçaõ com França,
Inglaterra, Hollanda, Suecia, e Dinamarca, que todos nos ajudaraõ
com gente, dinheiro, munições, e náos de tal fórma, que quando os
Castelhanos quizeraõ accommetternos por Olivença, foraõ bem rechaçados,
experimentando a mesma adversa fortuna em todos os choques, e batalhas,
que tiveraõ com os nossos exercitos, ficando mais memoravel a de
Montijo, que no anno de 1644 conseguio com tanta gloria Portugueza o
intrepido Mathias de Albuquerque; e desta sorte conseguimos outras
muitas vitorias em grande credito da Naçaõ por todas as Provincias do
Reino.

138 Naõ causava pequena inveja a Castella este feliz progresso das
nossas armas; e vendo que à força dellas naõ podia tomar vingança
da nossa liberdade, maquinou a da aleivosia, e astucia, fiando mais
do ouro, que do ferro; e corrompendo com elle algumas pessoas suas
affectas com esperanças de mayores augmentos, se conjuraraõ contra
ElRey D. Joaõ; porém descubrindo-se, foraõ prezos, sentenciados, e
degolados[727] a 29 de Agosto de 1641 em publico cadafalso na praça
do Rocio de Lisboa. Eraõ elles o Marquez de Villa Real, o Duque de
Caminha, o Conde de Armamar, e D. Agostinho Manoel de Vasconcellos;
sendo o principal motor desta conjuraçaõ o Arcebispo de Braga D.
Sebastiaõ de Matos, que se mandou meter em segura custodia. Em todos
estes movimentos se vio o particular auxilio de Deos, com que sempre
livrou a ElRey D. Joaõ da iniquidade de seus inimigos, que intentaraõ
tirarlhe a vida por meyo do perverso Domingos Leite, o qual sendo
convidado a executar aquelle enorme delicto por quatrocentos escudos,
foy tambem descuberto, e castigado como merecia a grandeza da sua culpa.

139 Continuando ElRey o seu governo com tanta felicidade, e desvelo,
estabeleceo leys utilissimas para a sua conservaçaõ, erigio novos
Tribunaes, o Concelho de Guerra, o da Junta dos Tres Estados, o do
Conselho Ultramarino, e o da Junta do Commercio. Foy muito devoto do
Mysterio da Conceiçaõ da Senhora, e assim a tomou por Protectora do
Reino em Cortes do anno de 1646, fazendo-o tributario em cincoenta
cruzados cada anno,[728] e em 25 de Março do proprio anno jurou, e
declarou authenticamente a immaculada Conceiçaõ da Virgem Maria Senhora
nossa, fazendo com que seus vassallos fizessem o mesmo, mandando
intimar às Universidades do Reino, que todos os estudantes, quando
tomassem qualquer gráo, jurassem defender o tal Mysterio.[729]

140 Finalmente achando-se em Lisboa, e opprimido com huma molesta
suppressaõ, fechou o circulo de seus dias em huma segunda feira 6 de
Novembro de 1656 na idade de cincoenta e dous annos, sete mezes, e
dezoito dias, e de reinado dezaseis annos, menos vinte e quatro dias.
Jaz no Convento de S. Vicente de Fóra.


_D. Affonso VI. vigesimo segundo Rey._

141 Teria o Principe D. Affonso treze annos de idade, contados desde 21
de Agosto de 1643, em que nasceo, até 15 de Novembro de 1656, quando
subio ao Throno, e foy acclamado Rey pela morte de seu glorioso Pay;
mas em razão da sua menoridade ficou sujeito à tutoria da Rainha sua
Mãy, a quem ElRey seu marido tinha deixado por tutora, e Governadora
do Reino, que com tanta prudencia, e desvelo exercitou; porém passados
seis annos, a 23 de Junho de 1662, contando ElRey dezanove annos de
idade, tomou posse do governo com a formalidade costumada.[730]

142 Antes de ElRey tomar posse do governo a tinhaõ já tomado da sua
vontade o Conde de Atouguia, Sebastiaõ Cesar de Menezes, e o Conde
de Castello-Melhor, descançando neste ultimo o pezo dos negocios da
Monarquia, e a cuja disposiçaõ se vio luzir em prosperos successos
a fortuna delRey com as vitorias das nossas armas; porque fazendo
Castella pazes com França, e unindo em varios corpos de exercito os
bellicosos espiritos dos alliados, cercou todas as nossas Provincias
com hum estrondoso poder, mas sempre ficou Portugal triunfante. Assim
se vio nas celebres batalhas do _Amexial_, do _Canal_, e de _Montes
claros_, em que os nossos Generaes acreditaraõ o seu valor, e sciencia
militar.

143 Naõ correspondiaõ as felicidades da guerra ao governo politico
da Corte, porque ElRey desde a idade de tres annos, padecendo hum
accidente de paralysia, que lhe deixou arida toda a parte direita do
corpo, o mesmo defeito padecia naquella parte interior da cabeça: daqui
se originaraõ varios excessos, e desordens, com que desgostou muito sua
Mãy prudentissima, e a todo o Reino; e como o principal motor destas
indignas acções era hum Antonio Conti, pessoa humilde, mas muito de seu
agrado, que lhe inspirava perniciosos conselhos, de algum modo se lhe
fez applacar os exercicios escandalosos com o degredo de Conti para a
Bahia.

144 Determinou-se o casamento delRey com a Princeza Maria Francisca
Isabel de Saboya, a qual chegou a Lisboa em 2 de Agosto de 1666, e naõ
se passando muito tempo, que experimentando a Rainha a incapacidade
delRey para as obrigações do thalamo, e que muitas vezes lhe faltavaõ
aos respeitos de Rainha, resolveo recolherse no Mosteiro da Esperança
a 2 de Novembro de 1667, e de lá começou a tratar a nullidade do
matrimonio. Logo que se começou o litigio, se teve por certa a sentença
da separaçaõ, e com este fundamento os zelosos da successaõ Real
propozeraõ ao Serenissimo Infante D. Pedro devia casar com a Rainha
pelas razões forçosas, que allegaraõ,[731] e que para evitar mayores
damnos na Monarquia avocasse a si o governo.

145 Assim se conseguio, porque ElRey D. Affonso dimittindo o regimen,
ficando conservando a magestade na pessoa, mas naõ no exercicio, foy
recluso em hum quarto do Paço a 13 de Novembro de 1667, e o Infante D.
Pedro foy jurado Principe Regente, e herdeiro da Coroa nas Cortes de 27
de Janeiro de 1668. Passaraõ depois a ElRey D. Affonso para o Castello
da Ilha Terceira, onde esteve seis annos, no fim dos quaes veyo para
os Paços de Cintra, onde faleceo a 12 de Setembro de 1683, e jaz no
Convento de Belem.[732]


_D. Pedro II. vigesimo terceiro Rey._

146 Em quanto ElRey D. Affonso foy vivo, não quiz o Serenissimo
Principe D. Pedro seu irmaõ outro titulo, que o de Regente do Reino,
cujo encargo tomou pelos repetidos rogos de seus vassallos; mas tanto
que faleceo D. Affonso, foy conhecido pelo soberano titulo de Rey D.
Pedro II. Havia nascido em Lisboa a 26 de Abril de 1648, e se achava já
na idade de trinta e cinco annos ao tempo da morte de seu irmão. Como a
nullidade do matrimonio entre ElRey D. Affonso, e a Rainha Dona Maria
Francisca de Saboya foy julgada, e em virtude da sentença se alcançou
Breve para se receber o Principe com a Rainha, de cujo consorcio naõ
houve outro fruto mais que a Senhora Dona Isabel, e a Rainha tinha
espirado a 17 de Dezembro de 1683, foy preciso que ElRey passasse a
segundas vodas para segurar a sua Real descendencia.

147 Naõ custou pouco determinarse ElRey para segundo casamento; mas em
fim se completou com a Serenissima Princeza Dona Maria Sofia, filha do
Eleitor Palatino do Rhim, em 11 de Agosto de 1687, e nessa ditosa uniaõ
augmentada com a felicidade da paz foy continuando ElRey o seu governo
com grande gosto dos vassallos; porque além de possuir da natureza
dotes muy especiaes na soberana, robusta, e galharda presença exterior,
nos costumes, e prendas do animo excedeo a todos os Monarcas do seu
tempo, porque era muy pio, devoto, compassivo, liberal, benigno para
com todos, e amante das pessoas virtuosas.

148 Com grande acerto levantou muitas judicaturas de novo para bom
regimen da justiça, em que era exacto, se bem na punitiva propendia
mais para a clemencia. Erigio tambem muitos Bispados, o de Pernambuco,
Rio de Janeiro, Maranhaõ, Pekim, Nankim, e o da Bahia elevou à
dignidade de Arcebispado, e teve a fortuna de possuir Ministros em
todos os empregos de grande experiencia.

149 Corria o anno de 1701, quando ElRey fez huma liga offensiva, e
defensiva com França, e Hespanha contra a Casa de Austria, a qual se
desfez depois a 16 de Mayo de 1703, entrando ElRey D. Pedro no Tratado
da grande alliança com o Imperador Leopoldo I., Inglaterra, e Hollanda,
a fim de meterem de posse de Hespanha o Archiduque Carlos filho segundo
do Imperador,[732a] o qual havia de entrar pelas nossas terras, e por
este ajuste se prometteraõ grandes conveniencias a Portugal. Chegou
aqui ElRey Carlos a 7 de Março de 1704, e fazendo huma publica, e
pomposa entrada, depois de assistir algum tempo na Corte, partio com
elle ElRey D. Pedro para a Provincia da Beira, por onde se havia de
introduzir em Castella.

150 Poz-se ElRey Filippe V. em campanha contra Portugal; porém o nosso
exercito, de que era General o Marquez das Minas, fez render varias
Praças de Castella, como foraõ Valença, Coria, Albuquerque, Alcantara,
Placencia, e Ciudad Rodrigo, e sujeitando-as à obediencia delRey,
penetrou até Madrid, onde fez acclamar Rey de Hespanha a Carlos III. em
2 de Julho de 1706.[733]

151 Havia-se ElRey D. Pedro restituido a Portugal em 17 de Novembro de
1704, e depois de ouvir com grande alvoroço, e celebrar com plausivel
contentamento a feliz acclamaçaõ delRey Carlos III. passados cinco
mezes, achando-se na quinta de Alcantara, o accommetteo hum pleuriz
legitimo com perigo manifesto da vida; e no dia 9 de Dezembro de
1706, tendo recebido com grande edificaçaõ o Santissimo Viatico, e o
Sacramento da Extrema-Unçaõ, deu a alma a Deos pela huma hora depois
do meyo dia, deixando por suas singulares virtudes eterna saudade a
seus vassallos. Viveo cincoenta e oito annos, sete mezes, e treze dias:
reinou como Principe Regente mais de quinze annos, e como Rey mais de
vinte e tres. Jaz sepultado no Convento de S. Vicente de Fóra.


_D. Joaõ V. vigesimo quarto Rey._

152 Por falecimento do Senhor Rey D. Pedro II. de saudosa memoria lhe
succedeo no Throno seu filho ElRey D. Joaõ V. tendo dezasete annos de
idade, contados desde 22 de Outubro de 1689, em que nasceo na Cidade de
Lisboa. Foy acclamado no primeiro de Janeiro de 1707, felicitando-lhe
com repetidos obsequios a exaltaçaõ à Coroa naõ só os seus vassallos,
mas todos os Principes da Europa.

153 Começando logo a dirigir suas acções pelo caminho, e maximas da
herocidade, ratificou a grande alliança, que ElRey seu pay celebrara
contra Hespanha; mas esta liga fez experimentar ao nosso exercito em 25
de Março de 1707 a mesma fortuna das Tropas alliadas: porque depois de
termos vencido valerosamente a batalha de Almança na fronteira do Reino
de Valença, melhorou o inimigo com tanta vantagem os seus esquadrões,
que o Duque de Baruvic nos prizionou treze Regimentos à custa de hum
grande destroço da sua gente.[734]

154 No seguinte anno de 1708, elegendo S. Magestade para esposa
a Serenissima Archiduqueza Dona Maria Anna de Austria, filha do
Imperador Leopoldo I. nomeou ao Conde de Villar-Mayor por Embaixador
extraordinario à Corte de Viena para esta negociaçaõ; e conduzida a
Serenissima Rainha pelo mesmo Conde, chegou à barra de Lisboa em 26 de
Outubro do mesmo anno, e a 22 de Dezembro fez sua entrada publica por
entre dezanove arcos triunfaes custosamente ornados, e hum innumeravel
concurso de gente, que com as repetidas demonstrações de alegria faziaõ
aquella funçaõ mais plausivel, e vistosa.

155 A guerra com Castella hia continuando, em que os nossos Generaes
davaõ evidentes provas do seu valor, e sciencia em varios choques,
cercos, e outros movimentos bellicos, recuperando algumas Praças, que
o inimigo nos havia usurpado, quando tudo se suspendeo pelo Tratado
da paz, que entre as tres Coroas de França, Hespanha, e Portugal se
celebrou na Cidade de Utreck em o anno de 1713, e se publicou em Lisboa
a 6 de Abril de 1715.

156 Estabelecida assim a paz no Reino, fez a vigilancia de Monarca
taõ augusto, que nas terras do seu dominio prosperamente florecessem,
e se gozassem os frutos da mesma paz por meyo de utilissimas leys,
extincçaõ de abusos, perfeição de costumes, e outras muitas disposições
produzidas da sua perspicaz advertencia, e Regios pensamentos. O zelo
da Religiaõ, o amor das letras, a observancia da justiça, o cuidado, e
cultura da sua Monarquia foy todo o seu desvelo. . 157 Do zelo, culto,
e respeito da Religiaõ sobejaõ provas, e testimunhos; pois bastando o
incansavel excesso, com que se empregou o seu generoso, e pio animo, à
maneira de outro Salomaõ, nas sumptuosas fabricas de Templos divinos,
fazendo contribuir para elles os mais preciosos marmores nobremente
pulidos, parecendo-lhe ainda pouca toda a profusaõ do dispendio,
excedeo a todo este cuidado o incessante desejo, e a incansavel ancia
de engrandecer, e augmentar cada vez mais o obsequio, e respeito da
mesma Religiaõ, e a formalidade magestosa de seus ritos, e cultos.

158 Este projecto naõ só Christianissimo, mas Regio, o elevou à
generosa obra da erecçaõ da Santa Igreja Patriarcal, onde vemos entre a
pomposa grandeza, e reverente devoçaõ celebraremse os Officios divinos,
e todas as funções Ecclesiasticas perfeitissimamente, ornando este
excellentissimo Collegio Patriarcal de pessoas mais esclarecidas em
sangue, e letras, a que conferio muitas preeminencias, e honras, e a
que ajuntou grandes rendas, conforme a jerarquia das suas Dignidades.
E para que a grandeza, e jurisdiçaõ desta Santa igreja fosse mais
ampla, fez supprimir o Arcebispado de Lisboa Oriental pela Bulla do
Santissimo Papa Benedicto XIV. intimada no primeiro de Setembro de
1741, ficando desde entaõ havendo hum só Cabido Patriarcal em todo o
territorio, e Diocese de Lisboa, que até este tempo estava dividida em
dous Arcebispados, erigindo tambem nos Paços dos antigos Arcebispos de
Lisboa hum Seminario para se educarem os estudantes, que houverem de
servir na Santa Igreja Patriarcal.

159 Incitado do mesmo zelo da Religiaõ, e a rogos do Summo Pontifice
Clemente XI. mandou o nosso magnanimo Rey duas vezes soccorrer Italia
contra o formidavel poder Othomano, devendo-se à esquadra Portugueza,
que se compunha de seis náos de guerra, dous burlotes, e huma tartana,
a gloria de embaraçar ella só a terrivel força de vinte e duas
sultanas, e outras tantas náos de Barbaria, com que o Graõ Baxá vinha
sobre Corfú, e Veneza, fazendo o terror das nossas armas retirallo
injuriosamente para a Moréa com a perda de cinco mil Turcos; e deixando
desassombrados, e seguros os portos naõ só daquella Republica, mas de
toda Italia em Agosto de 1717, ficou nosso Monarca na vitoria deste
conflicto naval constituido arbitro dos que o tem sido do mundo.[735]

160 O amor das letras se vê na util erecçaõ da Academia da Historia,
que teve o seu principio em 8 de Dezembro de 1720, compondo-a dos
homens mais eruditos do Reino, e a cujas Conferencias permittio a
honra da sua Real presença repetidas vezes. Para a celebre Academia
dos Arcades, que ha em Roma, comprou novo domicilio, para se fazerem
as suas assembleas com melhor commodidade. Em todas as Provincias do
Reino ordenou que houvessem Academias militares, para que florecesse
a sciencia Mathematica; e para a da Jurisprudencia erigio tambem
na Universidade de Evora tres Cadeiras do Direito Civil, e duas do
Canonico, excedendo para prova deste affecto naõ só o amparo, que os
eruditos achavaõ na sua benignidade, nem a grande collecçaõ de livros
selectos, com que formou huma das mayores Bibliothecas da Europa, mas a
vasta comprehensaõ das mesmas sciencias, e a continua liçaõ dos mesmos
livros.

161 Naõ he possivel caber na curta esfera deste Mappa a expressaõ
de acções taõ grandes, que obrou ElRey D. João V.: os maravilhosos
edificios de Templos, Palacios, e casas de campo; a utilissima, e
sumptuosa construcçaõ do aqueducto de Lisboa; o desafogo das suas ruas;
a melhor commodidade da navegaçaõ do Tejo; a introducçaõ de novas
fabricas; o augmento dos arsenaes; e sobre tudo o da propagaçaõ da
Fé em todas as suas Conquistas, com a recta observancia da justiça,
saõ acções taõ notaveis, e tantas, que justamente poderá questionar a
posteridade, se foraõ obradas por hum só Heroe, ou por muitos: mas que
muito se no augusto, e magnanimo peito deste Monarca residiaõ juntos
elevadamente os espiritosos brios de todos os Monarcas Lusitanos, e de
fórma o animavaõ, que o faziaõ exceder a todos;[736] ajuntando-se a
todos estes dotes a magestosa presença, e bem proporcionada estatura
de seu galhardo corpo, que, ainda disfarçado, mal podia encubrir o
respeito de Soberano.

162 Com toda esta felicidade padeceo todavia ElRey a 10 de Mayo de
1742 hum fortissimo ataque de paralysia, que lhe debilitou a parte
esquerda do corpo; mas com os banhos das Caldas, chamadas da Rainha,
para onde foy em 9 de Julho do dito anno, e com a applicaçaõ de outros
remedios adquirio alguma melhoria, mas naõ aquella total saude, que os
seus vassallos desejavaõ. Assim foy continuando com grande constancia
de animo o prolongado tormento da sua queixa, que sem embargo de lhe
embaraçar os passos para andar, naõ lhos pode impedir ao progresso da
sua devoçaõ, e piedade.

163 Com esta assistia de continuo na tribuna da Santa Igreja
Patriarcal, adorando, e deprecando a Deos nos muitos sacrificios de
Missas que ouvia, e Officios que rezava. A elle devem as Almas detidas
no Purgatorio o grande suffragio, que por indulto Apostolico obteve da
Santidade de Benedicto XIV. expedido em Roma aos 21 de Agosto de 1748,
para que no dia da Commemoraçaõ dos Fieis defuntos podessem todos os
Sacerdotes dos seus dominios celebrar tres Missas. Este grande animo,
e fervor de espirito, com que favorecia as Almas, foy nelle sempre
inseparavel, dispendendo caritativo no frequente beneficio dos seus
suffragios grosso, e innumeravel cabedal. Destas acções taõ pias, e
magnanimas persuadido o Pontifice Benedicto XIV. lhe concedeo a 23 de
Dezembro do mesmo anno de 1748 para si, e seus successores o titulo de
_Fidelissimo_.

164 Chegando finalmente o prazo ultimo de seus dias, os terminou em
Lisboa aos 31 de Julho de 1750, e foy viver na Bemaventurança em
premio das virtudes que exercitou; tendo-se primeiramente disposto, e
preparado como Catholico com todos os Sacramentos da Igreja. Jaz seu
corpo no Templo de S. Vicente de Fóra.

165 A inclyta Naçaõ Portugueza deu ao publico em Roma numa demonstraçaõ
do seu reverente obsequio à saudosa memoria de taõ grande Monarca:
celebrou na Real Igreja de Santo Antonio as solemnes exequias com
aquella magnificencia, e esplendor, que eraõ devidas às excelsas
prerogativas de hum Principe taõ benemerito da Sé Apostolica: para isto
fez erigir hum sumptuoso Mausoleo com engenhoso artificio pela idéa do
Architecto Portuguez Manoel Rodrigues dos Santos, ornado de primorosas
figuras, medalhas, e epigrafes; concluindo-se todo o apparato lugubre
com a seguinte inscripçaõ:

                        JOANNI V.

               _Lusitaniæ Regi Fidelissimo,
                     Pio, Victori, Pacifico.
  Christianæ rei ubicumque terrarum Orbi, & Gentium
                          Propagatori.
       Bonarum artium, omniumque Disciplinarum
        Parenti vindici, Mæcenati munificentissimo.
                           Qui
   Feralibus bellorum dissidiis, aut consilio restinctis,
                   Aut virtute sublatis,
             Pacis artes, publica Sacerdotia,
            Ecclesiæ majestatem, dignitatemque
             Post Constantini Magni memoriam,
    Quam qui maxime ornavit, auxit, amplificavit.
                 Principi Optimo
  Deque omnium Nationum ordinibus benemerentissimo
            Lusitani D. N. M. Q. Ejus._


_ D. Joseph I. vigesimo quinto Rey._

166 He o Fidelissimo Senhor D. Joseph Monarca presentemente reinante,
augusto successor de seu grande Pay D. Joaõ V. Foy acclamado Rey na
Cidade de Lisboa em huma segunda feira de tarde aos 7 de Setembro de
1750 com festivos applausos de seus vassallos. Para esta ceremonia chea
de grande alegria, se levantou huma varanda magnifica no terreiro do
Paço junto a Palacio, a qual começando da sala dos Tedescos, por onde
tinha a entrada, rematava no torreaõ do Forte com quarenta palmos de
largo, e trezentos e setenta de comprido, sustida em dezaseis altas
columnas ligadas com huma balaustrada que fazia face ao mesmo terreiro,
e revestido tudo com o mais precioso ornato, que soube idear o bom
gosto.

167 Tanto que subio ao Throno, e empunhou o Cetro, fez ver que existia
vivamente naõ só na magestade da Pessoa, e clemencia do genio, mas
na generosidade das acções, reproduzido o coraçaõ magnanimo de seu
memoravel Pay. Este bom conceito annunciaraõ seus vassallos desde o
dia 6 de Junho de 1714, em que este Monarca vio a primeira luz do
mundo, onde havia ser o primeiro brilhante Astro da esfera Lusitana.
Para segurar a successaõ Regia casou em 19 de Janeiro de 1729 com a
Serenissima Princeza das Asturias D. Maria Anna Victoria, filha delRey
Catholico Filippe V., e da Rainha D. Isabel Farnese sua segunda mulher.

168 Logo nos primeiros passos do seu Reinado mostrou o grande zelo
de conservar os seus povos em paz, justiça, e prosperidade: e como
estes atributos naõ se podem estabelecer sem o recto manejo de bons
Ministros, cuidou em os eleger competentes, e de alta comprehensaõ aos
interesses politicos, e economicos do Estado. Com esta providencia
se dispozeraõ as negociações da Marinha, do Commercio, e de todos os
Tribunaes naquelle melhorado regimen, que o Reino experimenta; ajudando
ao bom exito de tudo as justissimas Leys, que em utilidade do bem
publico tem promulgado.

169 Para augmentar o Commercio, e Navegaçaõ, de que resultaõ opulencias
mayores que as da natureza, ordenou que os despachos fossem promptos,
evitando demoras na expediçaõ dos Tribunaes. Exaltou, e renovou o
exercicio das bellas letras com a reforma de melhores Methodos;
dispondo que fossem educados seus vassallos principalmente os Nobres;
fundando para este effeito Collegio onde se aprendaõ todas as uteis, e
estimaveis profissões das Artes, abolindo por Decreto de 29 de Julho
de 1759 o magisterio aos Jesuitas, e a liçaõ da Arte do Padre Manoel
Alvares.

170 Nos extraordinarios accidentes do terremoto, e incendio, que
fatalmente destruiraõ Lisboa no anno de 1755, se vio a grandeza do
coraçaõ deste augusto Monarca; porque conservando-se inalteravel
em hum caso taõ repentino, e horrendo, em que vacilaraõ os mayores
talentos, elle se applicou pio, e providente a soccorrer, e acautelar
a consternaçaõ, do afflicto Povo: e como se fora pequeno este empenho,
intentou d’entre as cinzas de Lisboa abrazada reproduzir outra de
novo com mayores vantagens, excedendo nas circustancias a grandeza de
Trajano.[737]

171 Com igual constancia de animo tolerou aquelle barbaro desacato, com
que a aleivosia, rompendo as obrigações da fidelidade Portugueza, se
atreveo a insultar a sua veneravel Pessoa em a noite de 3 de Setembro
de 1758. Mas a Providencia de Deos, salvando-lhe com prodigio a vida,
fez que naõ ficassem sem castigo os perfidos delinquentes, fazendo-os
justiçar a 13 de Janeiro do seguinte anno em o Caes de Belém; porque o
Principe, que dissimula a malicia, reina só no nome; o que a castiga,
reina no nome, e no officio.

172 Ainda naõ havia bem descançado de punir traições, e acautelarse
de insultos, quando os Reys Catholico, e Christianissimo com o _Pacto
de Familia_, que entre si estipularaõ, querendo por força que nos
declarassemos contra Inglaterra, invadiraõ, e atacaraõ com cavilozos
pretextos algumas das nossas Praças Trasmontanas; commetendo o Marquez
de Sarria, e outros Generaes Castelhanos muitas hostilidades desde 8,
15, e 21 de Mayo de 1762, em que se introduziraõ em Miranda, Bragança
e Chaves, e em cujas acções tem perturbado a paz publica, e fé dos
Tratados estabelecidos com a antiga solemnidade.

173 Porém como da nossa parte milita a justiça, e a razaõ, espera ElRey
Fidelissimo triunfar do poder, e industria de seus inimigos. Para
este bom exito mandou fazer promptas as suas Tropas, cujo total mando,
e manejo entregou plenamente ao Conde Soberano de Lippa Guilherme de
Schaumburg, Cavalleiro da Real Ordem Prussiana da Aguia Negra, Pessoa
que ElRey da Grã Bretanha, como nosso Alliado, elegeo, por ser de
huma distincta reputaçaõ, e de conhecido valor, e fama nas guerras da
Europa. Sua Magestade Fidelissima o nomeou Marechal General dos seus
Exercitos, e Director geral de todas as suas Tropas por Decreto de 3 de
Julho de 1762.

174 Toda esta boa razaõ, e justiça, em que se estriba a nossa
defensa, fez persuadir tambem ao Principe Carlos Luiz Federico Duque
de Meckelburgo, Streliz, Principe de Vandalia, a que passasse dos
exercitos Britanicos onde era Marechal de Campo, para as Tropas delRey
Fidelissimo, o qual logo o nomeou Coronel General de hum Regimento de
Cavallaria, a que deu titulo de Meckelburgo. Naõ só prometem estas
antecedencias felicidades às Armas Portuguezas, mas animo. Será cada
coraçaõ Portuguez hum escudo à vida, e gloria de nosso Augusto Monarca,
o qual em militares campanhas amedrentará com o ecco do seu valor
dilatados climas do Universo.

  +----+----------------+--------------+-------------+-------+---------+
  |_N._|    _Nome._     |   _Cognome._ |  _Patria._  |_Nasc._|_Coroaç._|
  +----+----------------+--------------+-------------+-------+---------+
  |  1 | D. Affonso I.  | Conquistador.| Guimarães.  | 1109  | 1128    |
  |    |                |              |             |       |         |
  |  2 | D. Sancho I.   | Povoador.    | Coimbra     | 1154  | 1185    |
  |    |                |              |             |       |         |
  |  3 | D. Affonso II. | Gordo.       | Coimbra.    | 1185  | 1211    |
  |    |                |              |             |       |         |
  |  4 | D. Sancho II.  | Capello.     | Coimbra.    | 1202  | 1223    |
  |    |                |              |             |       |         |
  |  5 | D. Affonso III.| Bolonhez.    | Coimbra.    | 1210  | 1246    |
  |    |                |              |             |       |         |
  |  6 | D. Diniz       | Lavrador.    | Lisboa.     | 1261  | 1279    |
  |    |                |              |             |       |         |
  |  7 | D. Affonso IV. | Bravo.       | Coimbra.    | 1291  | 1325    |
  |    |                |              |             |       |         |
  |  8 | D. Pedro I.    | Justiceiro.  | Coimbra.    | 1320  | 1357    |
  |    |                |              |             |       |         |
  |  9 | D. Fernando.   | Formoso.     | Coimbra.    | 1345  | 1367    |
  |    |                |              |             |       |         |
  | 10 | D. Joaõ I.     | Boa memoria. | Lisboa.     | 1357  | 1385    |
  |    |                |              |             |       |         |
  | 11 | D. Duarte.     | Eloquente.   | Viseu.      | 1391  | 1433    |
  |    |                |              |             |       |         |
  | 12 | D. Affonso V.  | Africano.    | Cintra.     | 1432  | 1438    |
  |    |                |              |             |       |         |
  | 13 | D. Joaõ II.    | Perfeito.    | Lisboa.     | 1455  | 1481    |
  |    |                |              |             |       |         |
  | 14 | D. Manoel.     | Venturoso    | Alcochete.  | 1469  | 1495    |
  |    |                |              |             |       |         |
  | 15 | D. Joaõ III.   | Piedoso.     | Lisboa.     | 1502  | 1521    |
  |    |                |              |             |       |         |
  | 16 | D. Sebastiaõ.  | Desejado.    | Lisboa.     | 1554  | 1557    |
  |    |                |              |             |       |         |
  | 17 | D. Henrique.   | Casto.       | Almeirim.   | 1512  | 1578    |
  |    |                |              |             |       |         |
  | 18 | D. Filippe II. | Prudente.    | Valhadolid. | 1527  | 1581    |
  |    |                |              |             |       |         |
  | 19 | D. Filippe III.| Pio.         | Madrid.     | 1578  | 1598    |
  |    |                |              |             |       |         |
  | 20 | D. Filippe IV. | Grande.      | Valhadolid. | 1605  | 1621    |
  |    |                |              |             |       |         |
  | 21 | D. Joaõ IV.    | Restaurador. | Villa Viços.| 1604  | 1640    |
  |    |                |              |             |       |         |
  | 22 | D. Affonso VI. | Vitorioso.   | Lisboa.     | 1643  | 1656    |
  |    |                |              |             |       |         |
  | 23 | D. Pedro II.   | Pacifico.    | Lisboa.     | 1648  | 1667    |
  |    |                |              |             |       |         |
  | 24 | D. Joaõ V.     | Fidelissimo. | Lisboa.     | 1689  | 1706    |
  |    |                |              |             |       |         |
  | 25 | D. Joseph I.   | Fidelissimo. | Lisboa.     | 1714  | 1750    |
  +----+----------------+--------------+-------------+-------+---------+

   +-------+-------+------+------------+------------------------------+
   | _ Ann._ |  _Ann._ | _Anno_ |   _Lugar_    |                      |
   |  _que_  |  _que_  |  _da_  |    _da_      | _Lugar da sepultura_ |
   |_reinou._| _viveo._|_morte._|   _morte._   |                      |
   +-------+-------+------+------------+------------------------------+
   |  57   |  76   | 1185 | Coimbra.   | Santa Cruz de Coimbra.       |
   |       |       |      |            |                              |
   |  26   |  57   | 1211 | Coimbra.   | Santa Cruz de Coimbra.       |
   |       |       |      |            |                              |
   |  12   |  38   | 1223 | Coimbra.   | Alcobaça.                    |
   |       |       |      |            |                              |
   |  25   |  46   | 1248 | Toledo.    | Sé de Toledo.                |
   |       |       |      |            |                              |
   |  32   |  69   | 1279 | Lisboa.    | Alcobaça.                    |
   |       |       |      |            |                              |
   |  46   |  63   | 1325 | Santarem.  | Odivelas.                    |
   |       |       |      |            |                              |
   |  32   |  66   | 1357 | Lisboa.    | Sé de Lisboa.                |
   |       |       |      |            |                              |
   |   9   |  46   | 1367 | Estremoz.  | Alcobaça.                    |
   |       |       |      |            |                              |
   |  16   |  38   | 1383 | Lisboa.    | Santarem.                    |
   |       |       |      |            |                              |
   |  48   |  76   | 1433 | Lisboa.    | Batalha.                     |
   |       |       |      |            |                              |
   |   5   |  46   | 1438 | Thomar.    | Batalha.                     |
   |       |       |      |            |                              |
   |  43   |  49   | 1481 | Cintra.    | Batalha.                     |
   |       |       |      |            |                              |
   |  14   |  40   | 1495 | Alvor.     | Batalha.                     |
   |       |       |      |            |                              |
   |  26   |  52   | 1521 | Lisboa.    | Belém.                       |
   |       |       |      |            |                              |
   |  35   |  55   | 1557 | Lisboa.    | Belém.                       |
   |       |       |      |            |                              |
   |  21   |  24   | 1578 | Africa.    | Belém.                       |
   |       |       |      |            |                              |
   |   1   |  68   | 1580 | Almeirim.  | Belém.                       |
   |       |       |      |            |                              |
   |  18   |  71   | 1598 | Escurial.  | Escurial.                    |
   |       |       |      |            |                              |
   |  23   |  43   | 1621 | Madrid.    | Escurial.                    |
   |       |       |      |            |                              |
   |  19   |  60   | 1665 | Madrid.    | Escurial.                    |
   |       |       |      |            |                              |
   |  15   |  51   | 1656 | Lisboa.    | S. Vicente de Fóra           |
   |       |       |      |            |                              |
   |  11   |  40   | 1683 |  Cintra.   | Belém.                       |
   |       |       |      |            |                              |
   |  39   |  58   | 1706 | Alcantara. | S. Vicente de Fóra.          |
   |       |       |      |            |                              |
   |  44   |  60   | 1750 |  Lisboa.   | S. Vicente de Fóra.          |
   |       |       |      |            |                              |
   +-------+-------+------+------------+------------------------------+


NOTAS DE RODAPÉ:

[559] Rib. de Maced. na Geneal. do Conde D. Henr.

[560] Sousa. Histor. Genealog. da Casa Real Port. tom. 1. pag. 31.

[561] Brand na Monarq. liv. 11. cap. 38.

[562] Apud Maced. allegad. e Far. no tom. 2. da Europ. Port. part. 1.
cap. 2.

[563] Exempl. Flor. _Alteram filiam, sed non ex conjugali thoro natam
Ainrico.. dedit._

[564] Far. Com. de Cam. Cant 3. est 25.

[565] Baron. tom. 11. ad an. 1080 _Constat enim à Rege Catholico
Alphonso... uxorem diversam à consanguinea defunctæ conjugis accepisse._

[566] Monarq. Lusit. liv. 8. cap. 13. fin. Ribeir. de Maced. allegad

[567] Barbos. Catal. das Rainhas de Port. pag. 7. Vide etiam Sous. na
Hist. Genealog. tom. 1. pag. 33. Berganç. Antiguid. de Hesp. part. 1.
liv. 5. n. 451.

[568] Barbos. ut supr. p. 37.

[569] Sousa ut supr. p. 32.

[570] Monarq. Lusit. liv. 8. cap. 10.

[571] Marian. Histor. de Hesp. tom. 1. liv. 13. cap. 20. Garibay tom.
2. liv. 13. cap. 11. Ortiz, Anales de Sevilla liv. 2. p. 205. Garma
Theatr. univers. de Hesp. tom. 3. pag. 288.

[572] Barbos. Catalog. das Rainh. pag. 38.

[573] Brochado na conta de 13 de Mayo de 1723 das Mem. Academ. Veja-se
tambem a Monarq. Lusitan. liv. 8. cap. 9.

[574] Monarq. Lusit. liv. 8. cap 22.

[575] Far. no Com. de Cam. Cant. 3. est. 27.

[576] Barbos. Catalog. das Rainh. p. 79. & seqq.

[577] Estaço nas Antig. de Port. cap. 12. n 7.

[578] Monarq Lusit. liv. 9. cap. 8. Mariz Dialog. 2. cap 3. Duart. Nun.
Chronic. do Conde D Henriq. Telles Chronic. da Comp. part. 1. liv. 1.
cap. 16. n 4. Far. na Europ. tom. 2. part 1. cap. 3. n 4. Maced. Excel
de Port. cap. 21. excel. unic. n 9. Vasconc. Anac. Maced. Propugn.
Lusitan. Galic. confut. 20. §. 1. Clede Hist. de Port. tom. 2. p. 67.

[579] Monarq. Lusit. liv. 9. cap. 14.

[580] Brand. Monarq. Lusit. liv. 9. cap. 16.

[581] Brit. na Chronic. de Cister part 1. liv. 3. cap. 4. Cam. Lusiad.
cant. 3. est. 35. Benedict. Lusit. tom. 2. p. 275. Monarq. Lusit. liv.
9. cap 19. Toscan. Paral. devar. illustr. cap. 26. Maced. Flor. de
Hesp. cap. 12. excel. 2.

[582] Resend. lib. 4. Antiq. _Tantas congregavit copias, ut millia
quadringenta exercitus superaret._

[583] Horat. Tursellin. Epitom. Histor. liv. 8. ad ann. 1140. _Itaque
victoriis ingens ab Alphonso Rege Castellæ, Rex Lusitaniæ appellatur._

[584] Conserva-se na Torre do Tombo tit. 1. p. 1. dos Breves.

[585] Monarq Lusit. liv. 10. cap. 5. Sousa Histor. Geneal. tom 1. das
Prov. n. 3.

[586] Cam. Lusiad. cant. 3. est. 45 e seg. e seu Commentador Manoel de
Far. Brit. Chron. de Cist. liv. 3. c. 2. Monarq. Lusit. liv. 10. cap.
5. Paes Viegas nos Princ. de Port. liv. 4. Resend. liv. 4 de Antiq.
Dam. de Goes in Descript. Olisip. Man. da Cost. celebre Jurista, na
Oraçaõ funeb. delRey D. Joaõ III. em 25 de Junho de 1557, e impressa em
Coimbr. ann. 1558. Osor. de reb. Emm. l. 8. & de Nobil l. 3. Vasconc.
Anacephal. n. 5. Freit. de just. Imp. Lusit. cap. 18. n. 16. Duart.
Galv. na Chronic. deste Rey cap. 15. e outros, que allega o Doutor
Joseph Pinto Pereira no Appar. Histor de argum. sanctit. Reg. Alphons.
Henr. arg. 1. Os Authores Estrangeiros saõ os seguintes: Thom. Boss.
de Sign. Eccles. tom. 2. l. 7. c. 7. Beyerlinck verb. _Apparitio_.
Delr. Disquis. magic. lib. 2 quæst 26. sect. 5. Thyræus de Christi
apparition. impersona lib. cap. 3. Rosignol de actib. virtut. lib.1.
cap. 16. Bagat. de admir. orb. Christian tom. 2. lib 5. cap. 1. n. 45.
Petra sancta in Tesseris gentilic. Jarric. Thesaur. rer. indic. p.
2. cap 3. Birag. Histor del Port. part. 13. Tracagnot. Histor. Ital.
Morel. Reduccion de Port. part. 1. n. 10. e outros, que allega D.
Anton. Caetano de Sousa no tom. 4. do Agiolog. Lusit. a 25 de Julho.

[587] Marian. liv. 10. cap. 17. tom. 1. Histor. de Hespanh.

[588] Brit. Chron. de Cister l. 3. cap. 4. e 5. Manriq. Annal. Cisterc.
ann. 1142. cap. 4. Brand. Monarq. liv. 11. cap. 4. liv. 16. cap. ult.
e liv. 19. cap. ultim. Maced. de Div. tutelar. p. 240. Maced. Philipp.
Portug. cap. 19. Velasc. Justa Acclam. part. 1. §. 4. n. 24. Baron. ad
ann. 1144. in Lucio II. Aguirre tom. 3. Concil. ad ann. 1144. n. 92.

[589] Mariz. Dialog. 2. cap. 7. Garibay liv. 34. cap. 14. Mend. da
Silv. Catal. Real §. 59. Mendoça in Viridar. lib. 6. or. 3. num. 67.
Vieg. in Apocalyps. cap. 21. sect. 5. num. 6.

[590] Brit. Chron. de Cister liv. 3. cap. 21.

[591] Monarq. Lusit. liv. 11. cap. 13.

[592] Idem ibid. cap. 27.

[593] Monarq. Lusit. liv. 11. cap. 27.

[594] Brand. ibid. l. 12. c. 1.

[595] Sousa Histor. Genealog. tom. 1. pag. 80.

[596] Monarq. liv. 12. cap. 1. e 11.

[597] Ibid.

[598] Idem ibid cap. 3.

[599] Monarq. Lusit. liv. 12. c. 7. e no fim do Prologo da quarta parte.

[600] Idem cap. 13.

[601] Clede tom. 2. pag. mihi 165.

[602] Monarq. Lusit. liv. 12. cap. 31.

[603] Ibid. cap. 35. Sousa Histor. Genealog. tom. 1. das Prov. n. 10.
Cled. tom. 1. p. 166.

[604] Barbos. Catal. das Rainh. de Port. p. 143.

[605] Brand. na Monarq. Lusit. liv. 12. cap. 27.

[606] Cled. tom. 2. Histoir. de Port. p. 174.

[607] Far. na Europ. Port. tom. 2. part. 1. cap. 7. n. 7.

[608] Brand. Monarq. liv. 13. cap. 10. e liv. 14. cap. 8.

[609] Bzovius tom. 13. Annal. ad ann. 1225. apud Barbos. Catalog. das
Rainh. p. 160.

[610] Sá de Mirand. cart. 5. est. 11.

[611] Monarq. Lusit. liv. 14 cap. 25.

[612] Monarq. Lusit. liv. 14. cap. 29.

[613] Monarq. Lusit. liv. 15. cap. 5.

[614] Ibid. cap. 12.

[615] Ibid. cap. 13.

[616] Cunh. Catalog. dos Bisp. do Port. part. 2. c. 12. Monarq. Lusit.
liv. 16. cap. 10.

[617] Barbud. Emprezas Militar. p. 12. e outros.

[618] Barbos. Catalog. das Rainh. pag. 61. e seqq. Brand. na 4. part.
da Monarq. Lusit. e liv. 16. cap 41. Lim. Geograf. Histor. tom. 2. p.
288. & seq. Far. Epitom. part. 4. cap. 8.

[619] Far. na Europ. Port. tom. 2. part. 2. c. 1. n. 22.

[620] Cam. cant. 3. est. 94.

[621] Esperanç. Histor. Serafic. part. 1. liv. 5. cap. 11. Monarq.
Lusit. liv. 15. cap. 47.

[622] Monarq. Lusit. liv. 16. cap. 1. 2. e 3.

[623] Ibid. cap. 4.

[624] Monarq. Lusitan. liv. 16. cap. 34.

[625] Far. Europ. Port. tom. 2. part. 2. cap. 2. n. 7. Monarq Lusit.
liv. 16. cap. 50.

[626] Monarq. Lusit. liv. 16. cap. 72. ep. 320. Sous. tom. 1. das
Provas da Histor. Geneal. p. 74.

[627] Monarq. Lusit. liv. 17. cap. 7.

[628] Far. Europ. tom. 2. p. 2. cap. 2. n. 20. Monarq. liv. 18. cap. 2.
Barbud. Emprez. Milit. pag. 17. vers.

[629] Leit. Ferr. Notic. Chronol. da Universid. de Coimbr. num 310.

[630] Ibid. num. 312.

[631] Monarq. Lusit. tom. 7. Liv. 3. cap. 3. num. 1.

[632] Ruy de Pin. Chron. cap 5.

[633] Sousa Histor. Genealog. tom. 1. p. 306.

[634] Leit. Ferr. Notic. Chron. n. 321. e 333.

[635] Monarq. Lusit. part. 7. liv. 10. cap. 22. e 23.

[636] Leit. Ferr. Notic. Chronol. da Universid. de Coimbr. num. 404.

[637] Nunes de Leaõ Chronic. delRey D. Pedro fol. 179.

[638] Sá Elegia à morte do Principe D. Joaõ pag. mihi 277. Vide Barbud.
nas Emprez. Milit. pag. 23.

[639] Ferrei. Notic. Chronolog. de Coimbr. n. 495 & seqq.

[640] Fern. Lop. Chron. cap. 2.

[641] Cam. Lusiad. cant. 3. est. 138.

[642] Monarq. Lusit. tom. 8. liv. 22. cap. 6.

[643] Nunes de Leaõ na Chronic. deste Rey.

[644] Monarq. Lusit. tom. 8. liv. 22. cap. 21.

[645] Cam. cant. 3. est. 138.

[646] Monarq. Lusitan. tom. 8. liv. 22. cap. 24. Barbud. Emprez.
Militar. pag. 32.

[647] Far. no Comm. da est. 138. do cant. 3. de Cam.

[648] Monarq. Lusitan. part. 8. liv. 22. cap. 26.

[649] Notic. Chronol. da Univ. de Coimbr. n. 438.

[650] Monarq. Lusitan. part. 8. p. 211.

[651] Idem ibid. liv. 22. cap. 47.

[652] Idem ibid. liv. 23. cap. 4. Pufendorf, Introduct. a la Histoire
tom. 1. cap. 3. p. 128.

[653] Fern. Lopes Chronic. deste Rey cap. 14. Monarq. Lusit. part.
8. p. 460. Silv Memor. delRey D. João I. tom. 1. p. 116. Quanto ao
dia, mez, e anno natalicio delRey D. Joaõ I. ha muita variedade entre
os Chronistas: ninguem investigou melhor este ponto que o Academico
Francisco Leitaõ Ferreira nas eruditas Noticias Chronologicas da
Universidade de Coimbra desde o num. 623. para diante, a qual assenta,
seguindo a Fernaõ Lopes, que o Mestre de Aviz nascera aos 15 de Abril
de 1358; porém nós seguimos a opiniaõ commummente recebida, e approvada
pelo Academico Joseph Soares da Silva tom. 1. p. 64. das Memorias deste
Rey.

[654] Fr. Man. dos Sant. na 8. part. da Monarq. Lusit. liv. 23. cap. 19.

[655] Notic. Chronol. da Univ. n. 534.

[656] Soar. da Silv. nas Memor. delRey D. Joaõ I. liv. 1. c. 42. n. 281.

[657] Lim. Geograf. Histor. tom. 1.

[658] Monarq. Lusit. part. 8. liv. 23. cap. 29.

[659] Fern. Lop. Chron. delRey D. Joaõ I. part. 2. cap. 37. pag. 91.
Monarq. Lusit. part 8. liv. 23. c. 40. Clede, Histoir. de Portug.
tom. 3. liv. 10. Pufendorf, Introduct. a la Histoir. tom. 1. cap 3.
Teixeir. Vida de D. Nun. Alvar. Pereir. liv. 3. n. 173. p. 359. Conde
da Ericeira Vida delRey D. Joaõ I. liv. 2. p. 200. e liv. 3. p. 230. Sá
Memor. Historic. do Carmo part. 1. pag 82.

[660] Soares da Silv. Memor. delRey D. Joaõ I. pag. 1505. Leit. Ferr.
Notic. Chronol. n. 733.

[661] Sous. tom. 1. das Prov. da Histor. Genealog. num. 5.

[662] Sous. Histor. Geneal. tom. 2. pag. 23. Far. Europ. Portug. tom.
2. part. 3. cap. 1. Mariz Dialog. 4. Silv. Memor. delRey D Joaõ I. tom.
4. document. 19. p. 140. Argot. Memor. de Brag. tom. 3. p. 36.

[663] Soar. da Silv. allegado p. 267.

[664] Sous. allegad. tom. 2. p. 24.

[665] Soar. da Silv. Mem. delRey D. Joaõ I. liv. 2. cap. 104. e 105.

[666] Anno Histor. tom. 2. 14. de Agost. Teixeir. Vida do Condestav. p.
589.

[667] Soar. da Silv. Memor. delRey D Joaõ I. tom. 1. cap. 53. p. 270.

[668] Sousa na Histor. de S. Doming part. 2. fol. 330.

[669] D. Anton. Caetan. de Sousa no tom. 1. das Prov. p. 529.

[670] Fern. Lop. Chronic. delRey D. Joaõ I. part. 2. pag. 323. col. 1.

[671] Clede Histoir. de Portug. tom. 3. p. 203.

[672] Far. tom. 2. da Europ. part. 3. cap. 2. n. 7. Cled. Histoir. de
Portug. tom. 3. p. 205.

[673] Idem ibid. p. 233.

[674] Duart. Nun. de Leaõ cap. 18. Soar. da Silv. Memor. delRey D. Joaõ
I. pag. 494.

[675] Cled. Histor. de Portug. tom. 3. p. 233.

[676] Notic. Chronolog da Univers. de Coimbr. n. 750.

[677] Far. na Europ. Portug. tom. 2. part. 3. cap. 3. n. 14. & seqq.

[678] Sous. tom. 1. das Prov. da Histor. Genealog. n. 17.

[679] Ruy de Pin. Chronic. delRey D. Affonso V. cap. 21. e 22.

[680] Cam. cant. 4. est. 57.

[681] Garc. de Resend. Chron. delRey D. Joaõ II. cap. 16. e 17. Duart.
Nun. Chron. delRey D. Affonso V. cap. 62.

[682] Faria no Comm. de Cam. cant. 4. est. 57.

[683] Idem no Epitom. part. 3. cap. 13. n. 24. Pint. Ribeir. no Trat.
da Prefer. das letr. às armas.

[684] Garibay Damiaõ de Goes, Barbuda, Ferreras, e outros apud Leit.
Ferreir. Notic. Chron. da Universid. de Coimbr. n. 861.

[685] Garc. de Resende na Vida deste Rey cap. 5.

[686] Zerit. Anal. liv. 20. cap. 44. Sousa Histor. Geneal. tom. 5. liv.
6. cap. 7. p. 455.

[687] Telles da Silv. de reb. gest. Joann. II. pag. 92. _Sed in
universum æstimanti sanè fuit meliori facto dignus._

[688] Garcia de Resend. na vida deste Rey cap. 50., 76., e 146. Far.
Europ. Portug. tom. 2. part. 3. cap. 4. n. 98.

[689] Resende cap. 167.

[690] Resende cap. 109 Sá de Mirand. cart. 2. est. 39. Telles da Silv.
de reb. gest. Joann II. pag. 33.

[691] Garcia de Resende cap. 211. e 213. Dam. de Goes Chronic. delRey
D. Manoel p. 1 cap. 1. Fonseca na Evora gloriosa p. 97.

[692] Cam. nas Lusiad. cant. 4. est. 66.

[693] Leit. Ferr. Notic. Chronolog. num. 905. & seqq.

[694] Goes Chronic. delRey D.Manoel part. 1. cap. 9.

[695] Idem ibid. cap. 17. Faria tom. 2. da Europ. Port. part. 4. cap.
1. n. 10. Sous. Histor. Genealog. tom. 3. p. 185.

[696] Goes Chronic. delRey D. Manoel part. 1. cap. 18. e 20.

[697] Pufendorf Introduct. à la Histoir. tom. 1. cap.3.

[698] Far. Europ. Port. tom. 2. part. 4. cap. 1. n. 23. Sous. Histor.
Geneal. tom. 3. p. 226.

[699] Goes part. 4. cap. 85.

[700] Far. no cant. 1. das Lusiad. pag. 111.

[701] Descrevem esta Embaixada largamente Damiaõ de Goes na Chronica
delRey D. Manoel part. 3. desde o cap. 55. Osor. de reb. Emman. Ann.
Hist. a 12 de Fever.

[702] Leit. Ferr. Notic. Chronol.

[703] Goes na Chronic. delRey D.Manoel part. 1. cap. 62. Far. na Europ.
Port. tom. 2 part. 4. cap. 2.

[704] Idem ibid. n. 3.

[705] Cabed. de Patron. cap.47. Cunha no Catal. dos Bisp. do Port. p.
451. Fr. Anton. da Purific. na 2. part. da Chron. liv. 7. tit. 1. §. 3.
fol. 215. Faria na Vida de Camões, que vem no principio do Corrimento
das Rimas.

[706] Leitaõ Ferr. Notic. Chronol. n. 1150.

[707] Bento Pereir. de Academ. n. 111. Maced. nas Flor. de Hespanh.
cap. 8. excel. 7.

[708] Bossius de Sign. Eccles. tom. 1. liv. 5. cap. 3.

[709] Faria allegad. na Europ. Port. Sousa Histor. Genealog. tom. 3. p.
488.

[710] Faria na Europ. Port. tom. 3. part. 1. cap. 1. n. 8. Veja-se
tambem o Anno Historico a 4 de Agosto.

[711] Far. Europ. Port. tom. 3. part. 1. cap. 1. n. 39. Sousa Histor.
Genealog. tom. 3. p. 591. Lima Success. de Port. cap. 30. Anno Histor.
a 23 de Junh.

[712] Clede tom. 5. pag 496.

[713] Sousa Histor. Genealog. tom. 3. pag. 594. Anno Histor. a 5 de
Agosto num. 2.

[714] Damiaõ de Goes 3. part. da Chronic. delRey D. Manoel cap. 27.
Barbos. nos Fast. da Lusit. a 31 de Janeiro §. 5.

[715] Far. Europ. Portug. tom. 3. part. 1. cap. 3 n. 20. Sousa Histor.
Geneal. tom. 3. pag. 376. Torres de Lima nos Successos de Portug. part.
1. cap.33.

[716] Herrer. liv. 3. §. 52. diz que eraõ cem mil homens.

[717] Fr. Man. Hom. na Disposiçaõ das Arm. Castelhan. cap 3.

[718] Bonacin. tom. 2. Restitut. disp. 2. quæst. ult. sect. 1. punct.
ultim. §. 2. Sá verb. _Bellum_ n. 8. Suar. de Charit. disp. 13. de
Bello sect. 6. n. 4. 5 & 6. Vasq. in l. 2. disp. 64. cap. 3. Molin. de
Justit. tom. 1. tract. 2. disp. 103. n. 2. & 11. etc.

[719] Faria Europa Portug. tom. 3. part. 2. cap. 1. n. 15. Anno
Historic. a 29 de Junho.

[720] Faria Europ. Port. Joaõ Pinto Ribeiro na Usurpaçaõ de Portug.
Joaõ Bapt. Morelli na Restituiçaõ de Portug part. 1. Maced. Lusit.
liberat. D. Francisco Man. Eco politic. O Author da Arte de furtar cap.
17. que supponho he Joaõ Pinto Ribeiro, e outros muitos.

[721] Velasco na Justa Acclamaç part. 2. punct. 1. §. 1. Joaõ Salgad.
no Marte Port. certam. 2. art. 5. Portug. restaurad. liv. 1.

[722] D. Francisc. Man. Epanafor. 1. pag. 21. 42. 74. O Abbade de
Vertot nas Revolutions de Portugal pag. mihi 81.

[723] O Padre Anton. dos Reys in Epist. ad Jamet. Nota 115. traz hum
Catalogo dos Fidalgos confederados para a acclamaçaõ delRey D. Joaõ IV.
e saõ mais dos quarenta, que refere o tomo 1. do Portug. Restaurad.
pag.98. Sousa Histor. Genealog. tom. 7.

[724] Almeid. Restaur. prodigiosa part. 2. cap. 10.

[725] _Hæc mutatio dexteræ Excelsi est._ Psalm. 76. vers. 11.

[726] Morelli na Restituiç. de Portug. pag. 114.

[727] D. Franc. Manoel no Manifesto de Portug. Sousa Histor. Genealog.
tom. 7. p. 162. Vieir. Histor. do futuro pag. 94. & seqq. Portug.
Restaur. tom. 2. Evor. glor. p. 166. Ann. Histor. a 29 Agosto.

[728] Monarq. Lusit. part. 6. liv. 19. cap. 23.

[729] Sous. Hist. Geneal. tom. 7. p. 204.

[730] Catastrofe de Portug. pag. 77.

[731] Catastrofe de Port. pag. 225.

[732] Portug. Restaurad. part. 2. pag. 919.

[732a] Clede tom. 8. pag. 533.

[733] Sousa Histor. Genealog. tom. 7. pag. 639.

[734] Clede tom. 8. pag.535. Anno Histor. tom. 2.

[735] Franc. Botelho no Alfonso da impressaõ de Salamanc. de 1741. liv.
1. est. 6.

  _Roma, de quien fue throno el mundo intero,
  Buscó tu auxilio en riesgo furibundo,
  Y fuiste con tu armada, oh Real guerrero,
  Arbitro de los arbitros del mundo._

[736]

  _...Lysiae reliquos nunc adspice Reges,
  Ut collata videns illorum insignia gesta
  Joannes gestis, quantum caput efferat omnes
  Hic suber agnoseas......._

Padre Antonio dos Reys no Enthusiasmo Poetico prope finem.

[737] _Magnum hoc tuum, non erga homines modo, sed erga tecta ipsa
meritum, sistere ruinas, solitudinem pellere, ingentia opera, eodem quo
extructa sunt animo, ab interitu vendicare._ Plin. in Panegyr. Trajani.



                             CAPITULO VII.

 _Catalogo das Serenissimas Rainhas de Portugal._


O preclarissimo titulo de Rainha neste Reino he mais antigo que o dos
Reys; porque foy costume daquelles primeiros Monarcas de Leaõ dar em
vida titulo de Reys aos filhos, e de Rainhas às filhas para ficar assim
nelles mais estabelecida, e segura a successaõ Real;[738] e ainda que
alguns erradamente disseraõ, que o illustrissimo Conde D. Henrique
assentara o senhorio de Portugal debaixo do titulo de Condado,[739]
ninguem até agora duvidou que sua mulher a Senhora Dona Teresa, como
filha, que era delRey D. Affonso de Castella, deixasse de se chamar
sempre Rainha, e naõ Condessa; e do mesmo modo se chamaraõ Rainhas
suas filhas, cujo estylo se praticou neste Reino até D. Sancho I.[740]
do qual tempo até este nosso tomaraõ o nome de Infantes, o que naõ
entendendo alguns Historiadores Flamengos, attribuiraõ a ambiçaõ
chamarse Rainha, e naõ Condessa a Senhora Dona Teresa, filha delRey D.
Affonso I. que casou com o Conde de Flandes Filippe de Alsacia.[741]
Isto supposto, entremos a executar o promettido.

2 _Dona Teresa_, mulher do Conde D. Henrique, era filha delRey D.
Affonso VI. de Leaõ, e herdeira de seus Estados, Senhora de notavel
formosura. Casou com o illustrissimo Conde no anno de 1093, trazendo
em dote todo o Reino de Portugal, que ella governou dezaseis annos
depois da morte do Conde seu marido, como senhora proprietaria
delle;[742] e porque se aproveitava dos conselhos de hum Cavalhero
Galego, chamado D. Fernando Peres, Conde de Trastamara, quizeraõ muitos
dizer[743] que a Rainha Dona Teresa contrahira segundo casamento com o
tal Conde; porém he certo que tal naõ houve, como efficazmente prova o
erudito Padre D. Joseph Barbosa.[744] Fundou a Igreja de S. Pedro de
Rates na Cidade de Braga: fez varias doações às Sés de Braga, Porto, e
Coimbra: admittio em Portugal os Cavalleiros Templarios; e finalmente
morreo em o primeiro de Novembro de 1130. Jaz na Capella mór da Sé de
Braga.

3 _Dona Mafalda_, filha de Amadeo III. Conde de Saboya, e Moriana,
casou com D. Affonso Henriques, primeiro Rey de Portugal, no anno
de 1146. Fundou, e dotou hum Hospital na Villa de Canavezes para
nove passageiros, e peregrinos terem nelle agazalho com todo o
commodo possivel: unio-lhe as rendas da ponte, que mandou fabricar
grandiosamente. Edificou a Igreja de Santa Maria de Sobre-Tamaga, e o
Morteiro da Costa de Guimarães, que deu aos Conegos Regulares de Santo
Agostinho, e hoje possuem os Religiosos de S. Jeronymo. Faleceo a 4 de
Novembro de 1157, e está sepultada no Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra
junto de seu marido.[745]

4 _Dona Dulce_ foy filha de D. Ramon Berenguer, Conde de Barcelona,
e Principe de Aragaõ. Casou com ElRey D. Sancho I. no anno de 1175,
confirmou com ElRey seu marido algumas doações pias, e morreu em
Coimbra no primeiro de Setembro de 1198. Está sepultada no Mosteiro de
Santa Cruz da mesma Cidade.[746]

5 _Dona Urraca_ era filha de D. Affonso IX. Rey de Castella. Casou
com D. Affonso II. de Portugal no anno de 1201. Teve a felicidade
de receber em seu Palacio a S. Francisco, e aos cinco Martyres de
Marrocos; e sendo trazidos seus corpos a Coimbra, os foy buscar, e
deu sitio para se fundar na mesma Cidade o primeiro Convento de S.
Francisco em o Reino. Viveo com exemplar virtude, e mereceu que Deos
lhe revelasse o dia de sua morte, que foy a 3 de Novembro de 1220. Jaz
no Mosteiro de Alcobaça.[747]

6 _Dona Brites_ filha delRey D. Affonso X. de Castella, chamado o
_Sabio_, e ella Princeza de singular perfeiçaõ, e prudencia, casou com
D. Affonso III. de Portugal no anno de 1253. Fundou o Hospital dos
Meninos Orfãos de Lisboa, e o Convento de S. Francisco de Estremoz.
O mayor louvor, que se lhe póde dar, he a grande fidelidade, que
mostrou a ElRey D. Affonso seu pay, socorrendo-o com seus thesouros.
Morreu em 27 de Outubro de 1303, e está sepultada no Real Mosteiro de
Alcobaça.[748]

7 _Santa Isabel_ foy filha delRey D. Pedro III. de Aragaõ, chamado o
_Grande_. Casou com ElRey D. Diniz em 24 de Junho de 1282. Instituio
com seu marido a Igreja, e Festa do Espirito Santo em Alenquer. Fundou
a Capella de Nossa Senhora da Conceiçaõ no Convento da Trindade de
Lisboa. Por morte de seu marido se recolheo ao Mosteiro de Santa Clara
de Coimbra, tambem fundaçaõ sua, onde viveo com taõ grandes evidencias
de santidade, obrando Deos por sua intercessaõ muitos prodigios em
vida, e depois de sua morte, que alcançou ser numerada no Catalogo
dos Santos por Urbano VIII. em 25 de Mayo de 1625. Partio desta vida
a gozar da eterna em 4 de Julho de 1336. Está seu veneravel corpo no
Mosteiro de Santa Clara de Coimbra.[749]

8 _Dona Brites_ filha de D. Sancho IV. Rey de Castella, chamado o
_Bravo_, casou com D. Affonso IV. de Portugal em 12 de Setembro de
1309. Instituio na Sé de Lisboa as Mercearias, que chamaõ de Affonso
IV. por concorrer tambem seu marido para esta instituiçaõ. Morreo em
Lisboa no anno de 1359 a 25 de Outubro. Jaz na antiga Sé de Lisboa.[750]

9 _Dona Constança_ foy filha de D. Joaõ Manoel, Duque de Peñafiel,
Marquez de Vilhena. Casou no anno de 1340 com ElRey D. Pedro I. sendo
ainda Infante, e foy sua primeira mulher. Morreo de parto do Infante
D. Fernando a 13 de Novembro de 1345. Está sepultada no Convento de S.
Francisco de Santarem.[751]

10 _Dona Ignez de Castro_ foy filha de D. Pedro Fernandes de Castro,
grande Senhor em Galiza. Casou com o Principe D. Pedro no anno de 1354
occultamente. Fundou a Capella, em que está sepultado S. Gervaz na
Paroquia da Villa de Basto. Por mandado delRey D. Affonso IV. foy morta
com grande tyrannia, e injustiça aos 7 de Janeiro de 1355. Passados
dous annos, declarou ElRey D. Pedro que havia sido sua legitima
mulher, e como a tal a fez sepultar em Alcobaça com insignias Reaes,
onde jaz em primoroso tumulo.[752]

11 _Dona Leonor Telles_, filha de Martim Affonso Tello de Menezes,
casou com ElRey D. Fernando, que se namorou della, e a recebeo no
anno de 1371 contra o parecer de todos, porque a usurpou a seu marido
Joaõ Lourenço da Cunha, com quem estava casada, sem embargo de alguns
dizerem que indevidamente em razaõ de affinidade, e sem dispensa.
Em vida de seu marido foy causa dos excessos escandalosos de Joaõ
Fernandes Andeiro, Conde de Ourem. Passou-se a Castella, e morreo em
Tordesilhas a 27 de Abril de 1386. Jaz no Convento de Valhadolid.[753]

12 _Dona Filippa de Lancastro_ foy filha do Duque de Lancastro Joaõ de
Gante. Casou com ElRey D. Joaõ I. de Portugal a 2 de Fevereiro de 1387.
Edificou a Igreja de S. Francisco de Leiria, e fez muitas obras pias, e
acções de caridade, por ser huma Senhora de grande virtude. Morreo no
Lugar de Sacavem aos 18 de Julho de 1415, para onde tinha ido por causa
da peste, e dalli foy conduzida para Odivellas, onde se fizeraõ as
exequias, e depois se transferio para o Convento da Batalha, onde agora
jaz. He fama, que na hora do seu transito a consolara Maria Santissima
com a incomparavel graça da sua vista, cujo favor parece que se faz
provavel, porque dalli a hum anno foy achado seu corpo incorrupto, e
cheiroso.[754]

13 _Dona Leonor_ era filha delRey D. Fernando I. de Aragaõ. Casou com
ElRey D. Duarte a 22 de Setembro de 1428. Deixou-a ElRey seu marido
por tutora, e Governadora do Reino na menoridade delRey D. Affonso
seu filho, o que naõ consentindo os Infantes seus cunhados, houveraõ
discordias grandes entre elles, e a Rainha, até que ultimamente largou
o governo ao Infante D. Pedro, e se foy para Castella, onde morreo em
Toledo a 18 de Fevereiro de 1445, sendo depois seu corpo conduzido para
o Convento da Batalha, onde jaz.[755]

14 _Dona Isabel_ foy filha do Infante D. Pedro, Duque de Coimbra,
Regente do Reino. Casou com ElRey D. Affonso V. em 6 de Mayo de 1448,
sendo que o insigne Genealogico D. Antonio Caetano de Sousa diz, que
fora no anno antecedente, e o prova com escritura authentica. Mandou
edificar hum Convento para os Conegos Seculares de S. Joaõ Evangelista,
e he o que se vê hoje no sitio de Xabregas. Morreo finalmente em 2 de
Dezembro de 1455 na Cidade de Evora, e jaz no Convento da Batalha.[756]

15 Bem se pudera unir a este Catalogo a pouco venturosa Rainha _Dona
Joanna_, filha delRey D. Henrique IV. de Castella, de quem foy jurada
herdeira, e casou em Mayo de 1475 com ElRey D. Affonso V.; mas como
este matrimonio naõ se consumou, porque lhe embaraçaraõ a dispensa
de parentesco a Rainha de Aragaõ, e ElRey D. Fernando o _Catholico_
seu marido, por isso he infelizmente exclusa da ordem das Rainhas de
Portugal, sem embargo de que conservou até à morte estado de Rainha,
e lhe chamavaõ a _Excellente Senhora_. Morreo em Lisboa nos Paços do
Castello no anno de 1530. Jaz no Mosteiro de Santa Clara.[757]

16 _Dona Leonor_ filha do Infante D. Fernando, Duque de Viseu, casou
com ElRey D. Joaõ II. a 22 de Janeiro de 1470. Foy Princeza adornada de
singular formosura, e virtudes admiraveis. Governou o Reino em tempo,
que ElRey D. Manoel seu irmaõ esteve em Castella. Fundou o Mosteiro
da Madre de Deos de Lisboa, e o adornou de preciosas Reliquias, e de
huma estimavel Imagem. Tambem edificou o Mosteiro da Annunciada no
primeiro sitio, que teve junto ao Castello, e o Hospital das Caldas
no termo de Obidos, chamadas por seu respeito da Rainha. Instituio a
Irmandade da Misericordia de Lisboa, donde emanaraõ todas as mais de
Hespanha. Estabeleceo cinco Mercearias na Igreja de Santa Maria de
Obidos, e outras tantas em Nossa Senhora da Graça de Torres Vedras.
Faleceo em Lisboa a 17 de Novembro de 1525, deixando de si, e de suas
virtuosissimas acções saudosas, e eternas memorias, que entre as
Princezas Portuguezas he recommendavel por singular. Está sepultada
no claustro do Mosteiro da Madre de Deos à porta do Refeitorio em
sepultura raza.[758]

17 _Dona Isabel_, filha dos Reys Catholicos D. Fernando, e Dona
Isabel, casou primeiramente com o Principe D. Affonso, filho delRey
D. Joaõ II. de Portugal, aquelle, que depois de estar casado com esta
Senhora naõ mais que seis mezes, acabou lastimosamente a vida junto a
Santarem. Como do Principe lhe naõ ficaraõ filhos, tornou a casar com
ElRey D. Manoel em Outubro de 1497, e passando a Castella, foy jurada
Princeza herdeira daquelle Reino juntamente com ElRey seu marido; e
indo a Aragaõ para serem tambem jurados alli, morreo em Çaragoça de
parto do Principe D. Miguel aos 24 de Agosto de 1498. Jaz no Coro das
Religiosas de Santa Isabel a Real de Toledo.[759]

18 _Dona Maria_ era filha dos mesmos Reys Catholicos, e foy a segunda
mulher delRey D. Manoel seu cunhado, com quem casou em 30 de Outubro de
1500. Foy Senhora de notavel governo. Fundou nas Berlengas o Convento
dos Monges de S. Jeronymo, que depois se mudaraõ para Val bem feito.
Morreo em Lisboa a 7 de Março de 1517. Está sepultada no Convento de
Belém.[760]

19 _Dona Leonor_, terceira mulher delRey D. Manoel, filha delRey
Filippe I. de Castella, casou em 24 de Novembro de 1518. Foy Senhora
muito formosa. Deu principio ao Mosteiro de Nossa Senhora da Assumpçaõ
de Faro das Religiosas de Santa Clara. Por morte delRey D. Manoel
voltou para Castella, e passou a segundas vodas com ElRey Francisco I.
de França. Faleceo em Talavera junto a Badajoz em 18 de Fevereiro de
1558. Jaz no Pantheon do Escurial.[761]

20 _Dona Catharina_, filha delRey D. Filippe I. de Castella, casou com
ElRey D. Joaõ III. em 5 de Fevereiro de 1525. Foy Senhora de muita
bondade, zelosa do augmento da Religiaõ, e adornada de huma singular
prudencia. Governou felizmente o Reino por morte de seu marido na
minoridade delRey D. Sebastiaõ seu neto. Teve huma natural perspicacia
na boa eleiçaõ dos Ministros. Fundou o Convento de Val bem feito de
Monges Jeronymos, e o Mosteiro de Freiras de S. Francisco na Cidade de
Faro, e a Paroquial Igreja de Santa Catharina de Lisboa. Instituio no
Convento de S. Domingos da mesma Cidade huma Cadeira de Moral com renda
para trinta Clerigos assistirem às lições, que ainda hoje se practica
no mesmo Convento. Dotou o Collegio dos Meninos Orfãos. Estabeleceo
no Convento de Belém vinte Mercearias para Cavalleiros pobres, que
tivessem servido em Africa, ou nas Conquistas, e quatro na Capella do
Santo Christo de Cintra. Alcançou de Roma a instituiçaõ do Tribunal do
Santo Officio em Goa. Faleceo a 12 de Fevereiro de 1578 na Cidade de
Lisboa, e jaz no Real Mosteiro de Belém.[762]

21 _Dona Anna de Austria_, filha do imperador Maximiliano II. foy a
quarta mulher de Filippe II. com quem casou a 12 de Novembro de 1570,
sendo sua sobrinha. Foy fecunda, e virtuosa. Morreo em Badajoz a 26 de
Outubro de 1580, e jaz no Escurial.[763]

22 _Dona Margarida de Austria_, filha de Carlos Archiduque de Austria,
casou com Filippe III. em 18 de Abril de 1599. Morreo no Escurial a 3
de Outubro de 1611, e jaz sepultada no Pantheon do mesmo Escurial.[764]

23 _Dona Isabel de Borbon_, filha de Henrique IV. Rey de França, foy a
primeira mulher de Filippe IV. com quem casou no anno de 1615, e morreo
a 6 de Outubro de 1664. Jaz no Escurial.[765]

24 _Dona Luiza Francisca de Gusmaõ_, filha de D. Joaõ Manoel Peres de
Gusmaõ, oitavo Duque de Medina Sidonia, casou com o Serenissimo Senhor
D. Joaõ, oitavo Duque de Bragança, e depois Rey de Portugal em 12 de
Janeiro de 1633. Foy Princeza de espirito altivo, e de admiraveis
virtudes. A restauraçaõ de Portugal esteve pendente da sua industria,
e magnanima resoluçaõ, com que soube persuadir taõ grande empreza ao
Duque seu marido. Este fiou sempre della os negocios mais arduos do
Reino, e ella o governou depois da morte delRey na minoridade de D.
Affonso VI. seu filho, em cujo tempo fez resplandecer no Throno todas
as grandes qualidades de hum Soberano. Introduzio neste Reino a Ordem
da Descalcez de Santo Agostinho, e fundou dous Conventos no Valle de
Xabregas para os Religiosos, e Religiosas desta Ordem. Tambem fundou o
Convento dos Religiosos Dominicos Irlandezes ao Corpo Santo, e o dos
Carmelitas Descalços aos Torneiros. Excitada de mayores pensamentos se
recolheo ao Mosteiro das Religiosas Descalças de Santo Agostinho, que
havia fundado no sitio do Grilo, onde totalmente se esqueceo de que
tivesse reinado, e a 27 de Fevereiro de 1666 faleceo, deixando de suas
virtudes eterna memoria, e jaz sepultada no Mosteiro do Grilo.[766]

25 _Dona Maria Francisca Isabel de Saboya_, filha de Carlos Amadeo de
Saboya, Duque de Neomurs, casou primeiramente com ElRey D. Affonso
VI. de Portugal em 27 de Junho de 1666; porém como este matrimonio
foy julgado por nullo, tornou esta Princeza a casar segunda vez, e se
recebeo com seu cunhado o Principe Regente, que depois foy Rey D. Pedro
II. precedendo para isto dispensa do Pontifice, e se celebraraõ estas
segundas vodas em 2 de Abril de 1668. Foy esta Senhora de estremada
formosura, e dotada de muita prudencia, e por isso conservou com seu
marido hum amor muy reciproco. Mandou fazer a Capella de S. Francisco
de Sales na Igreja dos Padres do Oratorio de Lisboa, e no Noviciado da
Cotovia dos Padres da Companhia mandou edificar a Capella da Conceiçaõ.
Fundou o Mosteiro das Religiosas Capuchinhas Francezas do Santo
Crucifixo em Lisboa. Morreo a 27 de Dezembro de 1683 na quinta do
Conde de Sarzedas em Palhavã, e jaz no Coro das Religiosas do Mosteiro,
que edificou.[767]

26 _Dona Maria Sofia Isabel de Neoburg_, Filha do Eleitor Palatino do
Rhim Filippe Vilhelmo, foy a segunda mulher delRey D. Pedro II. com
quem se recebeo em 11 de Agosto de 1687. Foy Princeza muito benigna, e
caritativa, em cujos actos se exercitava continuamente. Venerou muito
a Religiaõ da Companhia de Jesus, e foy muy devota de S. Francisco
Xavier, em cujo obsequio mandou edificar hum Collegio para os seus
Padres na Cidade de Béja, ao qual dotou grandiosamente. Morreo no Paço
da Corte-Real a 4 de Agosto de 1699, e está sepultada no Convento de S.
Vicente de Fóra.[768]

27 _Dona Maria Anna de Austria_, filha do Imperador Leopoldo I.
casou em 27 de Outubro de 1708 com ElRey D. Joaõ V. Era Princeza muy
affavel, e por isso estimada de seus vassallos: muy devota, muy pia, e
exercitada na cultura das principaes linguas da Europa. Quando ElRey
seu esposo passou ao Alentejo no anno de 1716, ficou esta Senhora com o
governo do Reino, em o qual mostrou a sua rara capacidade, prudencia,
e justiça, virtudes, que praticou com a mesma incumbencia na molestia
delRey. Soube medir as suas acções, e distribuir o tempo com ordem
inalteravel. Concorreo para se extinguirem os theatros profanos das
Comedias, e para exemplo de occupaçaõ mais segura visitava os Templos
com frequencia. Em final da sua verdadeira piedade, e Religiaõ fundou
o Convento dos Carmelitas Descalços Alemães em Lisboa, dedicado a
S. Joaõ Nepomuceno, cuja nova Igreja se benzeo a 6 de Mayo de 1741.
A todos estes habitos de taõ grandes virtudes, que esta augusta
Heroina praticou com edificaçaõ, se ajuntaõ os repetidos actos de
caridade, com que remediava generosa, e liberalmente os pobres. Parece
que o exercicio destes pios, e santos impulsos era hereditario da
augustissima Casa de Austria, a qual em toda a Igreja Catholica se
singulariza em religiosa piedade, e em benigna clemencia, sem embargo
que para a execuçaõ de tantas virtuosas perfeições nunca a Magestade
desta perfeitissima Princeza necessitou de estimulo, nem de exemplo. Em
fim foraõ as suas virtudes, e attributos tantos, e taes, que excedendo
a todos os elogios, mal poderaõ caber nas breves clausulas desta nossa
humilde expressaõ. Faleceo no palacio de Belém aos 14 de Agosto de
1754, e foy seu corpo sepultado na Igreja dos Carmelitas Descalços
Alemães que ella mandara edificar.

28 _Dona Maria Anna Victoria_, filha delRey Catholico Filippe V., e da
Rainha Dona Isabel Farnese, casou em 19 de Janeiro de 1729 com ElRey
Fidelissimo D. Joseph I. He Princeza dotada de huma natural vivacidade,
a qual se nos bosques faz admirar as Ninfas, e as Deosas com os seus
tiros, he igualmente fervorosa nos seus retiros, e cheia de grande
devoçaõ, e piedade. O primoroso Templo de S. Francisco de Paula he
hum grande testemunho da sua grandeza; nem a sua inviolavel soberania
necessita de ser elogiada, para ser immortal.

  +---+---------------------+-------------+---------+-----------------+
  | N.|        Nome.        |   Naçaõ.    |Ann. em  |    Marido.      |
  |   |                     |             |q̃ casou.|                 |
  +---+---------------------+-------------+---------+-----------------+
  | 1 | D. Teresa.          | Castelhana. |  1093   | D. Henrique.    |
  |   |                     |             |         |                 |
  | 2 | D. Mafalda.         | Saboyana.   |  1146   | D. Affonso I.   |
  |   |                     |             |         |                 |
  | 3 | D. Dulce.           | Aragoneza.  |  1175   | D. Sancho I.    |
  |   |                     |             |         |                 |
  | 4 | D. Urraca.          | Castelhana. |  1201   | D. Affonso II.  |
  |   |                     |             |         |                 |
  | 5 | D. Brites.          | Castelhana. |  1253   | D. Affonso III. |
  |   |                     |             |         |                 |
  | 6 | Santa Isabel.       | Aragoneza.  |  1282   | D. Diniz.       |
  |   |                     |             |         |                 |
  | 7 | D. Brites.          | Castelhana. |  1309   | D. Affonso IV.  |
  |   |                     |             |         |                 |
  | 8 | D. Constança.       | Castelhana. |  1340   | D. Pedro I.     |
  |   |                     |             |         |                 |
  | 9 | D. Ignez.           | Castelhana. |  1354   | D. Pedro I.     |
  |   |                     |             |         |                 |
  |10 | D. Leonor.          | Portugueza. |  1371   | D. Fernando.    |
  |   |                     |             |         |                 |
  |11 | D. Filippa.         | Ingleza.    |  1387   | D. Joaõ I.      |
  |   |                     |             |         |                 |
  |12 | D. Leonor.          | Aragoneza.  |  1428   | D. Duarte.      |
  |   |                     |             |         |                 |
  |13 | D. Isabel.          | Portugueza. |  1448   | D. Affonso V.   |
  |   |                     |             |         |                 |
  |14 | D. Leonor.          | Portugueza. |  1470   | D. Joaõ II.     |
  |   |                     |             |         |                 |
  |15 | D. Isabel.          | Castelhana. |  1497   | D. Manoel.      |
  |   |                     |             |         |                 |
  |16 | D. Maria.           | Castelhana. |  1500   | D. Manoel.      |
  |   |                     |             |         |                 |
  |17 | D. Leonor.          | Flamenga.   |  1518   | D. Manoel.      |
  |   |                     |             |         |                 |
  |18 | D. Catharina.       | Castelhana. |  1525   | D. Joaõ III.    |
  |   |                     |             |         |                 |
  |19 | D. Anna.            | Castelhana. |  1570   | D. Filippe II.  |
  |   |                     |             |         |                 |
  |20 | D. Margarida.       | Alemã.      |  1599   | D. Filippe III. |
  |   |                     |             |         |                 |
  |21 | D. Isabel.          | Franceza.   |  1615   | D. Filippe IV.  |
  |   |                     |             |         |                 |
  |22 | D. Luiza.           | Castelhana. |  1633   | D. Joaõ IV.     |
  |   |                     |             |         |                 |
  |23 | D. Maria Francisca. | Franceza.   |  1668   | D. Pedro II.    |
  |   |                     |             |         |                 |
  |24 | D. Maria Sofia.     | Alemã.      |  1687   | D. Pedro II.    |
  |   |                     |             |         |                 |
  |25 | D. Maria Anna.      | Alemã.      |  1708   | D. Joaõ V.      |
  |   |                     |             |         |                 |
  |26 | D. Maria Anna.      | Castelhana. |  1729   | D. Joseph I.    |
  +---+---------------------+-------------+---------+-----------------+

  +--------+-----------+---------------+---------------------------+
  | Filhos.|  Anno em  |Lugar da morte.|    Lugar da sepultura.    |
  |        |que morreo.|               |                           |
  +--------+-----------+---------------+---------------------------+
  |    4   |   1130    | ...           | Sé de Braga.              |
  |        |           |               |                           |
  |    7   |   1157    | Coimbra.      | Santa Cruz de Coimbra.    |
  |        |           |               |                           |
  |   11   |   1198    | Coimbra.      | Santa Cruz de Coimbra.    |
  |        |           |               |                           |
  |    4   |   1220    | Coimbra.      | Alcobaça.                 |
  |        |           |               |                           |
  |    7   |   1303    | ...           | Alcobaça.                 |
  |        |           |               |                           |
  |    2   |   1336    | Estremoz.     | Santa Clara de Coimbra.   |
  |        |           |               |                           |
  |    7   |   1359    | Lisboa.       | Sé de Lisboa.             |
  |        |           |               |                           |
  |    3   |   1345    | Santarem.     | S. Francisco de Santarem. |
  |        |           |               |                           |
  |    4   |   1355    | Coimbra.      | Alcobaça.                 |
  |        |           |               |                           |
  |    3   |   1386    | Tordesilhas.  | Valhadolid.               |
  |        |           |               |                           |
  |    8   |   1415    | Odivelas.     | Batalha.                  |
  |        |           |               |                           |
  |    9   |   1445    | Toledo.       | Batalha.                  |
  |        |           |               |                           |
  |    3   |   1455    | Evora.        | Batalha.                  |
  |        |           |               |                           |
  |    1   |   1525    | Lisboa.       | Madre de Deos.            |
  |        |           |               |                           |
  |    1   |   1598    | Saragoça.     | Santa Isabel de Toledo.   |
  |        |           |               |                           |
  |   10   |   1517    | Lisboa.       | Belém.                    |
  |        |           |               |                           |
  |    2   |   1558    | Badajoz.      | Escurial.                 |
  |        |           |               |                           |
  |    9   |   1578    | Lisboa.       | Belém.                    |
  |        |           |               |                           |
  |    3   |   1580    | Badajoz.      | Escurial.                 |
  |        |           |               |                           |
  |    7   |   1611    | Escurial.     | Escurial.                 |
  |        |           |               |                           |
  |    7   |   1664    | Madrid.       | Escurial.                 |
  |        |           |               |                           |
  |    7   |   1666    | Lisboa.       | Grilo.                    |
  |        |           |               |                           |
  |    1   |   1683    | Palhavã.      | Francezinhas.             |
  |        |           |               |                           |
  |    7   |   1699    | Lisboa.       | S. Vicente de Fóra.       |
  |        |           |               |                           |
  |    6   |   1754    | Lisboa.       | S. Joaõ Nepomuceno.       |
  |        |           |               |                           |
  |    4   |           |               |                           |
  +--------+-----------+---------------+---------------------------+


NOTAS DE RODAPÉ:

[738] Mariz Dialog. 2. pag. mihi 42.

[739] Monarq. Lusitan. liv. 8. cap. 11. pag. 34.

[740] Sousa Histor. de S. Dom. part. 1. liv. 1. cap. 11.

[741] Marchanc. liv. 2. Descripç. de Fland. Veja-se a Monarq. Lusit.
liv. 11. cap. 37.

[742] Monarq. Lusit. liv. 8. cap. 29.

[743] Conde D. Pedro no seu Nobiliario tit. 4. Estaç. nas Antiguid. de
Port. cap. 21. n. 5.

[744] Barbos. no Catalog. das Rainh. p. 87.

[745] Vide Joaõ Bap. Lavanh. nas Notas do Conde D Pedro tit. 7. Brand.
Monarq. Lusit. liv. 10. c. 19. Goes part. 4. cap 71. Estaço nas
Antiguid. de Port. cap. 25. num. 21. Corogr. Portug. tom. 1. p. 135.
Barbos. Catalog. das Rainh. p. 110. Sous. Histor. Genea. tom. 1. pag. 6.

[746] Barbud. Emprez. Militar. pag. 7. Benedict. Lusit. tom. 2. p. 318.
Duarte Ribeiro p. 301. part. 1. Barbos. Catalog. das Rainh.

[747] Idem ibid. p. 143. Esperança na Histor. Serafica tom. 1. liv. 2.
cap. 28. num. 2.

[748] Idem tom. 2. liv. 1 cap. 15. Monarq. Lusit. liv. 15. cap. 16. e
liv. 16. cap. 32. e liv. 18. cap. 9.

[749] Lacerda na Vida desta Santa. Mendoça in Viridar. liv. 6. Barbos.
Catalog. das Rainhas.

[750] Duarte Nun. Chronic. delRey D. Affonso IV. p. 172. Sous. Histor.
Genealog. tom. 1. p. 307.

[751] Monarq. Lusit. liv. 10. cap. 6.

[752] Duart. Nun. Chronic. delRey D. Pedro, Mariz Dialog. 3. cap. 3.
Caram. Philipp. Prud. p. 138. Barbos. no Catalog. das Rainh. e Sousa
tambem allegado na Histor. Geneal. tom. 1.

[753] Monarq. Lusit. tom. 8. p. 147. Vejaõ-se tambem as razões, que
allegou o Doutor Joaõ das Regras, e se achaõ na 8. part. da Monarq.
Lusitan. pag. 651.

[754] Sous. Histor. de S. Doming. part. 1. liv. 6. cap. 25. Barbos. no
Catal. das Rainh.

[755] Damiaõ de Goes, Chron. do Princip. D. Joaõ cap. 17. Agiolog.
Lusit. tom. 3.

[756] Barbos. no Catalog. das Rainh. Sous. Hist. Geneal. tom. 3. p. 64.
Chronic. dos Padres Loyos liv. 2. cap. 26.

[757] Sous. Hist. Geneal. tom. 3. p. 67. Histor. Seraf. part. 3. liv.
3. cap. 16. n. 528.

[758] Sousa Histor. Geneal. tom. 3. pag. 139. Goes Chron. delRey D.
Manoel part. 4. cap. 26. p. 282. Santuar. Marian. tom. 2. p. 329. e
tom. 7. p. 219. Duart. Nun. Descripç. de Port. cap. 77.

[759] Damiaõ de Goes na Chronic. delRey D. Man. part. 1. cap. 46.
Barbos. no Catalog. p. 383.

[760] Idem ibid.

[761] Barbos. nos Factos da Lusit. a 25. de Fevereiro p. 664.

[762] Barbos. no Catalog. das Rainh. p 404. e o Doutor Ignacio Barbosa
seu irmaõ nos Fast. da Lusit. a 12 de Fevereir. p. 511. Sous. Histor.
Genealog. tom. 3. p. 525.

[763] Barbos. allegad. Les Delices de l’Espagne tom. 2. p. 285

[764] Ibid.

[765] Ibid.

[766] Os irmãos Barbos. hum no Catal. das Rainh. e outro nos Fast. da
Lusit. tom. 1. p. 691. Sousa Histor. Geneal. tom. 7. p. 247. Catastrof.
de Port. p. 133. Passarel. de Bell. Lusit. L’Abbé de Vertot Histoir.
des Revolut. de Portug. pag. mihi 52. e 152. Santuar. Marian. tom. 7.
pag. 10. e 132.

[767] Sous. Histor. Geneal. tom. 7. p. 725. e segg. Barbos. no Catalog.
das Rainh.

[768] Iidem ibid.



                            CAPITULO VIII.

 _Dos Filhos legitimos, e illegitimos dos soberanos Reys de Portugal._


Neste Reino assim como a succesaõ dos Serenissimos Reys se introduzio
por via de morgado, conforme o uso de Castella, tambem o portentoso
Heroe D. Affonso Henriques depois de acclamado Rey deu o mesmo Regio
titulo a seus filhos,[769] e se costumou até ElRey D. Affonso II. que
a todos chamou Infantes, o qual titulo nos primogenitos igualmente com
seus irmãos durou até o tempo delRey D. Duarte, que à imitaçaõ dos
Reys de Inglaterra ordenou, que seu filho D. Affonso V. fosse chamado
Principe, e foy o primeiro, que em Portugal começou a intitularse
assim.[770] O mesmo tratamento de Princeza tinha tambem a filha delRey,
que nascia primeiro, em quanto naõ havia filho varaõ. Os outros filhos
se chamavaõ Infantes; porém os filhos destes tinhaõ só o tratamento de
Senhores. Isto supposto, daremos huma breve noticia de todos os filhos,
que os Senhores Reys de Portugal tiveraõ.

       *       *       *       *       *


_Filhos do Conde D. Henrique._

1 _ElRey_ D. _Affonso Henriques_, de quem já dissemos no Capitulo VI.
num. 12.

2 _A Infanta Dona Sancha Henriques_ casou com Fernaõ Mendes de
Bragança, chamado o _Bravo_, Fidalgo aventureiro, que se achou na
batalha do Campo de Ourique. Era Senhor de Bragança, e naõ teve
filhos.[771]

3 _A Infanta Dona Urraca_ nasceo em Guimarães antes que seu irmaõ
D. Affonso Henriques. Casou com D. Bermudo Paes de Trava, Conde de
Trastamara, de que nasceraõ duas filhas, de huma das quaes procedem os
Viscondes de Villa-Nova de Cerveira, e outras Familias illustres.[772]

4 _A Infanta Dona Teresa_ casou com D. Sancho Nunes de Barbosa,
descendente do Conde D. Nuno de Cella-Nova, como diz Brandaõ liv. 10.
cap. 20.

Teve mais outros dous filhos, de que naõ se sabe o nome, e morreraõ de
pouca idade.

5 Fóra do matrimonio teve de huma mulher nobre a _D. Pedro Affonso_,
valerosissimo Capitaõ, como o deu a conhecer em varias batalhas, em
que se achou com seu irmaõ D. Affonso Henriques. Em França, onde ElRey
o mandou como Embaixador, teve grande estimaçaõ; e com a amizade, que
lá teve com S. Bernardo, voltando a Portugal, e dando noticia a seu
irmaõ do Santo, foy causa principal, para que ElRey fundasse o insigne
Convento de Alcobaça, no qual D. Pedro se recolheo, assistindo-lhe
ElRey com toda a Corte no dia, que tomou o habito. Morreo mais
honradamente ainda do que tinha vivido, porque deixou de ser Principe
para ser Santo. Nunca se quiz ordenar de Missa, julgando-se indigno de
exercicio taõ soberano. Faleceo a 9 de Mayo de 1169. Jaz em Alcobaça ao
pé do Altar mór da parte do Evangelho.[773]

       *       *       *       *       *


_Filhos delRey D. Affonso Henriques._

1 O _Infante D. Henrique_, filho primogenito, nasceo a 5 de Março de
1147, e faleceo de poucos annos.

2 _ElRey D. Sancho_, que lhe succedeo na Coroa.

3 O _Infante D. Joaõ_. Deste naõ consta mais que morrera a 25 de
Agosto.[774]

4 _A Infanta Dona Urraca_ nasceo no anno de 1148. Casou no de 1160 com
D. Fernando II. Rey de Leaõ; mas por causa de parentesco o Papa fez
dissolver este matrimonio no anno de 1171. Manoel de Faria diz, que
àcerca deste divorcio se fizera hum Concilio em Salamanca. Morreo a 16
de Outubro.[775]

5 _A Infanta Dona Mafalda_. No anno de 1160 esteve contratada para
casar com D. Affonso II. de Aragaõ; mas nunca sahio de Portugal, nem
o casamento se ajustou, por falecer esta Infanta pouco depois do tal
contrato.[776]

6 _A Infanta Dona Teresa_, a quem os Flamengos chamaõ _Mathilde_, casou
com Filippe I. de Alsacia, Conde de Flandres, em Agosto de 1184, o qual
morrendo no sitio de Acre no anno de 1191, ficou a Infanta governando
aquelles seus Estados com muita prudencia. Depois passou a segundo
matrimonio, e o celebrou com Eudo III. Duque de Borgonha no anno de
1194; mas foraõ separados por causa de parentesco no anno seguinte, e a
Infanta passados alguns annos morreo desastradamente affogada em huma
lagoa a 6 de Mayo de 1218. Jaz no Convento de Claraval em Borgonha.[777]

7 _A Infanta Dona Sancha._ Naõ consta mais que morreo a 14 de
Fevereiro.

8 Fóra do legitimo matrimonio teve a _Fernando Affonso_, Alferes Mór do
Reino, e a _D. Affonso_, Mestre da insigne Ordem de Rhodes. Foy muito
valeroso; e renunciando a dignidade, passou a Portugal, onde morreo, e
jaz sepultado na igreja de S. Joaõ da Villa de Santarem.[778]

9 _Dona Teresa Affonso._ Naõ consente o Doutor Brandaõ[779] que ElRey
D. Affonso Henriques tivesse esta filha, porque naõ vira memoria della
em escrituras authenticas; porém D. Antonio Caetano de Sousa diz, que a
houvera ElRey em Elvira Gualter.[780]

10 Teve mais a _Dona Urraca Affonso_, que casou com D. Pedro Affonso
Viegas, neto de D. Egas Moniz.

       *       *       *       *       *


_Filhos delRey D. Sancho I._

1 A _Infanta Dona Constança_ nasceo em Mayo de 1182, e morreo a 3 de
Agosto de 1202.

2 _A Infanta Beata Teresa_. Estando casada com ElRey D. Affonso IX. de
Leaõ, e já com tres filhos, foy separada pelo Papa Celestino III. no
anno de 1195 por causa do parentesco, e casar sem preceder dispensa.
Voltou para Portugal, e restaurando o Mosteiro de Lorvaõ, collocando
nelle Freiras da Ordem de Cister, professou o mesmo Instituto, e nelle
morreo santamente a 17 de Junho de 1250. Passados trezentos annos, foy
achado seu corpo incorrupto, por cujo motivo, e pelos milagres, que
obrava, o Papa Clemente XI. lhe confirmou o culto de Beata por Bulla
de 23 de Dezembro de 1705, e no anno de 1724 approvou, e concedeo o
Officio proprio para todo o Reino de Portugal. Jaz seu veneravel corpo
na Capella mór da Igreja de Lorvaõ.[781]

3 _A Infanta Beata Sancha_ foy Senhora de Alenquer, onde fundou hum
Convento da Ordem de S. Francisco em vida do mesmo Santo, e foy o
primeiro desta Ordem, que houve em Portugal. Tambem fundou a Igreja da
Redonda na mesma Villa, e o Mosteiro de Celas em Coimbra, onde fez vida
Monacal, e morreo a 13 de Março de 1229, e neste Mosteiro he venerada
pelos Fieis, e resplandece em milagres, tributando-lhe os Fieis os
mesmos cultos, que a sua gloriosa irmã a Beata Teresa.[782]

4 _O Infante D. Affonso_, que lhe succedeo no Throno.

5 _O Infante D. Pedro_ nasceo a 23 de Março de 1187. Por desavenças,
que teve com seu irmaõ ElRey D. Affonso, sahio do Reino, e foy militar
nos exercitos delRey de Leaõ. Depois se passou para a Corte delRey
de Marrocos, e servio nas tropas do Imperador Miramolim, e de lá fez
transito para Aragaõ, onde casou no anno 1228 com Aurembiaux, Condessa
de Urgel, a qual morrendo sem lhe ficarem filhos, deixou a D. Pedro seu
marido por herdeiro de seus Estados, que depois elle trocou com ElRey
D. Jayme I. pela Ilha de Malhorca, que havia conquistado aos Mouros; e
naõ tendo D. Pedro armas para a defender delles, lha restituio, e houve
delle a Cidade de Segorbe, Morelha, e outras Praças. Ajudou tambem este
Infante a Guilherme de Mongrio, Prelado de Tarragona, a ganhar a Ilha
de Iviça, que possuiaõ os Mouros no anno 1230. Finalmente faleceo a
2 de Junho do anno 1258, deixando dous filhos bastardos, D. Rodrigo
insigne em letras, e D. Fernando.[783]

6 _O Infante D. Fernando_ nasceo a 24 de Março de 1188. Foy Principe de
altos pensamentos. No anno de 1211 casou com a Princeza Joanna, filha
do Imperador Balduino de Constantinopla, e herdeira dos Estados de
Flandres. Deu grandes mostras do seu valor na batalha de Bovinas, em
que se achou militando por parte do Imperador Othon IV, e Joaõ I. Rey
de Inglaterra contra Filippe Augusto, Rey de França; e sendo o Infante
prezo, o levaraõ para o Castello de Louvre, onde esteve alguns annos.
Depois de livre ajudou a Rainha Dona Branca de França contra Pedro,
Duque de Bertanha, e outros Potentados, que embaraçavaõ àquella Senhora
a tutoria delRey S. Luiz seu filho. Morreo em fim na Cidade de Noyon
a 26 de Julho de 1233, e está sepultado na Abbadia de Market junto a
Lila.[784]

7 _O Infante D. Henrique_ nasceo no anno de 1189, e morreo a 8 de
Dezembro, e naõ ha delle mais memoria.[785]

8 _O Infante D. Raymundo_ faleceo a 9 de Março.

9 _A Infanta Dona Mafalda_ casou com Henrique I. de Castella no anno de
1215; porém sendo este casamento julgado nullo, por serem parentes em
gráo prohibido, foraõ separados; e voltando a Infanta para Portugal,
se recolheo ao Mosteiro de Arouca de Freiras Benedictinas, que ella
reformou com as da Ordem de Cister; e aqui tomando o habito viveo
em continuo exercicio de virtudes, e morreo com opiniaõ de Santa no
primeiro de Mayo de 1256. Jaz no Mosteiro de Arouca.[786]

10 _A Infanta Dona Branca_ foy Senhora da Cidade de Guadalaxara em
Castella; mas naõ se sabe porque titulo lhe veyo aquelle dominio. Foy
muito devota da Religiaõ dos Pregadores, e por isso lhe fundou em
Coimbra o Convento de S. Domingos o velho no Arnado, de que por causa
das enchentes do Mondego naõ ha vestigios, só sim do campanario, como
ainda havia no tempo do Author da Benedictina Lusitana. Morreo aos 17
de Novembro de 1240. Jaz em Santa Cruz de Coimbra.[787]

11 _A Infanta Dona Berenguella_, ou _Berengaria_ casou no anno de 1213
com ElRey Valdemaro II. de Dinamarca, a quem chamaraõ o _Vitorioso_, e
de quem teve tres filhos, e huma filha. Morreo no primeiro de Abril de
1220.[788]

12 Fóra do matrimonio teve os seguintes filhos. _D. Martim Sanches_,
que nasceo de huma Fidalga chamada Dona Maria Annes, ou Ayres de
Tornellos. Por differenças, que teve com seu irmão ElRey D. Affonso II
se passou a Castella, e ElRey D. Affonso de Leaõ seu cunhado lhe fez
grandes mercês, e honras. Lá casou com Dona Ello, ou Olaya, filha do
Conde D. Pedro Fernandes de Castro, e naõ teve descendencia. Jaz em
Cosinos terra de Campos.[789]

13 _Dona Urraca Sanches_ irmã do antecedente foy Senhora muito
virtuosa. Casou com o neto de D. Egas Moniz, e a Infanta Dona Mafalda a
nomeou sua testamenteira.

14 Teve mais ElRey D. Sancho de outra Fidalga chamada Dona Maria
Paes da Ribeira a _D. Rodrigo Sanches_, do qual consta que morrera
valerosamente em 7 de Julho de 1245 em huma contenda, que tivera
com D. Martim Gil de Soverosa sobre reciprocas dependencias; e vindo
mortalmente ferido, espirou à porta do Convento de Grijó de Conegos
Regrantes, onde pozeraõ huma Cruz de pedra para memoria.[790]

15 _D. Gil Sanches_. Dizem huns sómente que naõ casara; outros
accrescentaõ que fora Clerigo, e que morrera a 14 de Setembro de
1236.[791]

16 _D. Nuno Sanches_ morreo de tenra idade.

17 _Dona Mayor Sanches_ tambem morreo menina.

18 _Dona Constança Sanches_. Ha tradiçaõ que vivera no Mosteiro
das Donas de Santa Cruz, que estava junto ao proprio Convento dos
Religiosos, e que possuira grandes rendas, as quaes soube distribuir
com piedade, e grandeza. Dizem que lhe appareceraõ os gloriosos S.
Francisco, e Santo Antonio, e que morrera com opiniaõ de Santa a 8 de
Agosto de 1269. Seu corpo foy achado inteiro, e incorrupto em tempo
delRey D. Manoel. Jaz em Santa Cruz de Coimbra.[792]

19 _Dona Teresa Sanches_ foy a segunda mulher de D. Affonso Telles de
Menezes, Rico-Homem, e Senhor de Albuquerque, e outras muitas terras.
Deste fecundo consorcio procedem muitas Casas illustres de Portugal,
como a dos Menezes, Cantanhede, Tarouca, e outras.[793]


       *       *       *       *       *


_Filhos delRey D. Affonso II._

1 O _Infante D. Sancho_ successor.

2 _O Infante D. Affonso_ nasceo a 5 de Mayo de 1210, e succedeo a seu
irmaõ, entrando a governar ainda em vida delle.

3 _A Infanta Dona Leonor_ nasceo no anno de 1211, e casou no de
1229 com Valdemaro III. Rey de Dinamarca, e naõ de Dacia, como diz
eruditamente D. Antonio Caetano de Sousa, emendando a Brandaõ, e outros
Escritores. Morreo de parto a 13 de Mayo de 1231, e naõ deixou sucessaõ
alguma, como bem mostra D. Joseph Barbosa contra o Bispo Caramuel. Está
sepultada esta Infanta em Ringstad.[794]

4 _O Infante D. Fernando_, a quem chamaraõ o Infante de Serpa, porque
foy Senhor desta Villa. Passou a Castella, e lá militou contra os
Mouros valerosamente, por cujas acções ElRey D. Fernando o _Santo_ o
casou no anno de 1241 com a Senhora de Balvas Dona Sancha Fernandes de
Lara, filha do Conde de Lara. Naõ consta de certo quando morreo, nem
onde está enterrado.[795]

5 Fóra do matrimonio teve o sobredito Rey a _D. Joaõ Affonso_, do
qual naõ ha mais memoria, que a que se infere da inscripçaõ de huma
sepultura collocada no Mosteiro de Alcobaça à porta do Capitulo da
parte de fóra da banda esquerda, por onde consta que morrera no anno de
1234.[796]


       *       *       *       *       *


_Filhos delRey D. Affonso III._

1 A _Infanta Dona Branca_ nasceo a 28 de Fevereiro de 1259 na Villa de
Guimarães. Foy Senhora de Montemór o Velho, de Campo-Mayor, e de outras
terras, e foy Abbadessa do Mosteiro de Lorvaõ, onde procedia com tanto
exemplo, que lhe deraõ em Burgos o governo do Mosteiro das Huelgas, de
cujo dominio, e obediencia pendiaõ doze Mosteiros. Naõ se sabe quando
morreo.[797]

2 _O Infante D. Fernando_ naõ se sabe quando nasceo. Morreo ainda
menino em Lisboa no anno de 1262, e jaz em Alcobaça.

3 _O Infante D. Diniz_ que succedeo na Coroa.

4 _O Infante D. Affonso_ nasceo a 8 de Fevereiro de 1263. Foy Senhor
de Portalegre, Castello de Vide, Marvaõ, Arronches, e outras terras.
Por desavenças, que teve com seu irmaõ ElRey D. Diniz, passou-se a
Castella, e lá seguio a Corte, casando com a infanta Dona Violante
Manoel, filha do infante D. Manoel, Senhor de Escalona, e filho do
Santo D. Fernando III. Rey de Castella. Morreo em Lisboa a 2 de
Novembro de 1312. Jaz em S. Domingos de Lisboa collocado em hum tumulo
na parede por cima da porta, que hia do cruzeiro para a Sacristia.[798]

5 _A Infanta Dona Sancha_ nasceo a 2 de Fevereiro de 1264. Perfilhou-a
sua tia Dona Constança Sanches, e lhe largou muitas terras, que
possuia. Tendo naõ mais que cinco annos, foy com a Rainha sua mãy
a Castella, e estando em Sevilha morreo no anno de 1302. Jaz em
Alcobaça.[799]

6 _A Infanta Dona Maria_ nasceo a 21 de Novembro de 1265. Viveo
Religiosa no Mosteiro das Donas de Santa Cruz de Coimbra, e aqui morreo
com opiniaõ de santidade a 6 de Junho de 1304. Jaz em Santa Cruz de
Coimbra.[800]

7 _O Infante D. Vicente_ nasceo a 22 de Janeiro de 1268. Morreu em
Lisboa, e jaz em Alcobaça.[801]

8 Além destes filhos teve fóra do matrimonio seguintes: _D. Affonso
Diniz_, que nasceo de Maria Peres da Enxara, e casou com Dona Maria
Ribeira, donde procedem os Sousas da Casa de Arronches.[802]

9 _D. Martim Affonso Chichorro_. O Chronista Fr. Antonio Brandaõ, diz
que a mãy deste Senhor fora huma filha do Alcaide, ou Governador de
Faro, muito formosa, de quem nosso Rey D. Affonso se namorara; e que
casando D. Martim na Casa dos Sousas, foy progenitor dos Sousas da
Familia dos Marquezes das Minas; porém naõ assegura esta origem com
certeza.[803]

10 _D. Fernando Affonso_. Foy Cavalleiro Templario, e filho de Dona
Chamoa Gomes, filha do Conde D. Gomes Nunes. Os Freires de Veles o
mataraõ em Evora, e jaz sepultado na Igreja de S. Braz de Lisboa.[804]

11 _D. Gil Affonso_. Foy tambem Cavalleiro Templario, e Ballio da
Igreja de S. Braz de Lisboa, onde está sepultado.

12 _D. Rodrigo Affonso_. Parece que Fr. Antonio Brandaõ dá a entender,
que ElRey D. Affonso tivera dous filhos com este mesmo nome. Vejaõ-se
os lugares citados.[805]

13 _Dona Leonor Affonso._ Foy esta Senhora casada duas vezes: a
primeira com D. Estevaõ Annes, filho de D. Joaõ Garcia de Sousa,
chamado o _Pinto_. Por morte de D. Estevaõ tornou a casar com D.
Gonçalo Garcia de Sousa, Alferes Mór delRey D. Affonso, a quem tambem
fez Conde. De nenhum destes matrimonios teve filhos Dona Leonor.[806]

14 _Dona Urraca Affonso_ casou com D. Pedro Annes, que governava a
Provincia de Tras os Montes.[807]

15 _Dona Leonor Affonso_. Foy Religiosa no Mosteiro de Santa Clara de
Santarem, e alli resplandeceo em grandes actos de virtude.[808]

16 _Dona Urraca Affonso_. Viveo, e morreo no Mosteiro de Lorvaõ em
4 de Novembro de 1281. Jaz no mesmo Convento em sepultura ha pouco
descuberta.[809] O grande Genealogico D. Antonio Caetano de Sousa
numera mais outro filho a ElRey D. Affonso III. e diz que foy o
_Infante D. Henrique Affonso_, mas poem-no em duvida. O Padre D. Luiz
de Lima[810] entre os filhos bastardos deste Rey assina tambem a _D.
Pedro Affonso_, de que naõ achamos noticia em outra parte.

       *       *       *       *       *


_Filhos del Rey D. Diniz._

1 A _Infanta Dona Constança_ nasceo a 5 de Janeiro de 1290, e no de
1302 casou com D. Fernando IV. Rey de Castella, de que teve dous
filhos, cuja descendencia se póde ver em D. Antonio Caetano de Sousa.
Morreo a 18 de Novembro de 1313.[811]

2 _O Infante D. Affonso_ successor.

3 Teve mais fóra do matrimonio de differentes mulheres os seguintes
filhos. _D. Affonso Sanches_ nascido de Dona Aldonça Rodrigues Telha.
Foy muito querido de seu pay, o qual o fez seu Mordomo Mór, e Senhor
da Villa do Conde, e outras muitas terras. Esta nimia affeiçaõ causou
tal inveja a seu irmaõ D. Affonso, que o perseguio fortemente depois
que principiou a governar. Casou com Dona Teresa Martins, filha do
Conde de Barcellos, e fundou com sua mulher o Mosteiro de Santa Clara
da Villa do Conde, dotando-o grandiosamente. Faleceo no anno de 1329,e
jaz sepultado no mesmo Mosteiro com opiniaõ de virtuoso. Ha tradiçaõ,
que depois de morto apparecera com sua mulher às Religiosas do seu
Mosteiro, animando-as em huma occasiaõ de guerra em Castella.[812]
Deste matrimonio descendem por allianças muitas Familias illustres
deste Reino.

4 _D. Pedro Affonso_ havido em Dona Garcia Froyas, mulher de qualidade,
natural de Torres Vedras. Foy o sobredito D. Pedro Conde de Barcellos,
Alferes Mór do Reino, Mordomo Mór da Infanta Dona Brites, e possuio
muitas terras, com cujo dominio, e rendas conservava huma casa
magnifica. ElRey D. Diniz seu pay o estimava muito, e elle o merecia
pelo seu valor, e letras. Compoz o celebre Nobiliario, em que descreve
a origem de quasi todas as Familias de Hespanha, e he estimavel, por
naõ haver outro deste genero mais antigo. Casou tres vezes, mas naõ
teve descendencia. Morreo no anno de 1354, e jaz enterrado no Convento
de S. Joaõ de Tarouca da Ordem de Cister. A estatura do seu corpo tinha
de comprido onze palmos.[813]

5 _D. Pedro Affonso._ Este foy outro filho delRey D. Diniz, e casou
com Dona Maria Mendes. Muitos se enganaraõ com este D. Pedro, fazendo-o
Author do famoso Nobiliario, o que desfaz facilmente o insigne D.
Antonio Caetano de Sousa.[814]

6 _D. Joaõ Affonso_. Foy legitimado a 13 de Abril de 1317, e nascido
de Maria Pires, mulher de qualidade. Foy Mordomo Mór da Rainha Santa
Isabel, e ElRey D. Affonso, irmaõ deste D. Joaõ, o mandou degollar a 4
de Junho de 1325.[815]

7 _D. Fernaõ Sanches_. ElRey seu pay lhe fez muitas mercês. Casou com
Dona Froilhe Annes de Briteiros.

8 _Dona Maria Affonso_ havida em Dona Marinha Gomes, mulher nobre de
Lisboa, e que fundou a Igreja de Santa Marinha. Casou com D. Joaõ de
Lacerda, de quem houve descendencia.[816]

9 _Dona Maria Affonso_. Foy Freira em Odivellas, e faleceo no anno de
1320 com opiniaõ de virtuosa.

       *       *       *       *       *


_Filhos delRey D. Affonso IV._

1 A _Infanta Dona Maria_ nasceo no anno de 1313, e no de 1328 casou com
ElRey de Castella D. Affonso XI. a quem soffreo muitas desattenções
originadas dos illicitos amores, que elle havia contrahido com Dona
Leonor Nunes de Gusmaõ. Morto seu marido, voltou ella para Portugal,
e em Evora faleceo a 18 de Janeiro de 1357, porém seu corpo foy
trasladado para a Capella dos Reys em Sevilha, onde jaz junto delRey
seu marido.[817]

2 _O Infante D. Affonso_ nasceo no anno de 1315 na Villa de Penella,
e morreo menino na mesma Villa. Jaz sepultado em S. Domingos de
Santarem.[818]

3 _O Infante D. Diniz_ nasceo em Santarem a 12 de Janeiro de 1317, e
dahi a hum anno morreo, e jaz em Alcobaça.

4 _O Infante D. Pedro_ successor.

5 _A Infanta Dona Isabel_ nasceo a 21 de Dezembro do anno de 1324, e
dahi a dous annos morreo. Jaz no Mosteiro de Santa Clara de Coimbra.

6 _O Infante D. Joaõ_ nasceo a 23 de Setembro de 1326, e morreo a 21 de
Junho de 1327. Está sepultado em Odivellas.

7 _A Infanta Dona Leonor_ nasceo no anno de 1328, e no de 1347 casou
com ElRey de Aragaõ D. Pedro IV. Morreo na Villa de Exerica no ultimo
de Outubro de 1348.[819]

       *       *       *       *       *


_Filhos delRey D. Pedro I._

1 A _Infanta Dona Maria_ nasceo a 6 de Abril de 1342 na Cidade
de Evora. Casou na mesma Cidade a 3 de Fevereiro de 1354 com D.
Fernando, Infante de Aragaõ; e passando-se para aquelle Reino, logrou
poucos annos a uniaõ de seu marido, pois no de 1363 o mandou matar
aleivosamente ElRey D. Pedro de Aragaõ seu irmaõ. Voltou a Infanta para
Portugal, e vivendo na Villa de Aveiro, alli faleceo, e descançaõ suas
cinzas no Mosteiro de Santa Clara de Coimbra.[820]

2 _O Infante D. Luiz_ naõ teve mais que oito dias de vida.

3 _O Infante D. Fernando_ successor.

4 De sua segunda mulher Dona Ignez de Castro teve os seguintes filhos.
_O Infante D. Affonso_ faleceo de tenra idade.

5 _O Infante D. Joaõ_ casou a primeira vez com Dona Maria Telles de
Menezes no anno de 1376, irmã de sua cunhada; porém induzido por esta,
que era a Rainha Dona Leonor, matou injustamente sua mulher, por cujo
crime, passando-se a Castella, ElRey D. Henrique II. o fez Conde de
Valença, e lhe deu o senhorio de outras terras, e sua filha bastarda
Dona Constança, com quem casou. Morto seu irmaõ ElRey D. Fernando,
temendo-se ElRey D. Joaõ de Castella, que pertendia o Reino de Portugal
pela Rainha Dona Brites sua mulher, que levantassem os Portuguezes por
seu Rey ao infante D. Joaõ, o mandou prender, e na prisaõ morreo. Jaz
no Convento de Santo Estevaõ de Salamanca.[821]

6 _O Infante D. Diniz_. Por naõ querer beijar a maõ a sua cunhada a
Rainha Dona Leonor, sahio de Portugal, e passou-se para Castella, onde
ElRey D. Henrique o casou com huma filha bastarda, chamada Dona Joanna.
Jaz no Mosteiro de Nossa Senhora de Guadalupe, em cuja sepultura se lê
o titulo de Rey de Portugal pela pertençaõ, que tinha ao Reino.[822]

8 Fóra do matrimonio teve a _D. Joaõ_, Mestre

7 _A Infanta Dona Brites_ casou no anno de 1377 com D. Sancho, Conde de
Albuquerque, filho bastardo delRey D. Affonso XI. de Castella, donde
procede huma dilatada, e Real descendencia. Está sepultada na Sé de
Burgos.[823]

8 Fóra do matrimonio teve a D. Joaõ, Mestre de Aviz, havido em huma
nobre Senhora de Galiza, chamada Dona Teresa Lourenço, e depois foy
Rey.[824]

9 Teve ElRey D. Pedro mais outra filha bastarda, a que naõ se sabe o
nome, mas consta que se criara no Mosteiro de Santa Clara de Coimbra.

       *       *       *       *       *


_Filhos delRey D. Fernando._

1 O _Infante D. Pedro_, que morreo menino.

2 _O Infante D. Affonso_ tambem morreo de pouca idade.

3 _A Infanta D. Brites_ nasceo em Coimbra no anno de 1372. Casou
a 14 de Mayo de 1383 na Cidade de Badajoz com ElRey D. Joaõ I. de
Castella, precedendo dispensa Pontificia no gráo do parentesco, que
havia entre os esposos, e celebrando-se esta funçaõ com grande pompa, e
magnificencia. Pouco durou esta uniaõ, porque morrendo ElRey no anno de
1390, ficou a Rainha Dona Brites sem filhos, e desamparada de parentes,
e amigos em Portugal, e Castella. Em Portugal, porque ElRey D. Joaõ I.
seu tio havia tomado posse do Reino, contrariando para mayor força a
sua legitimidade; e em Castella era mal aceita por causa das guerras,
que entaõ houve na pertençaõ de Portugal. Sem embargo desta afflicçaõ,
em que se via, considerando-se na flor dos seus annos, e formosissima,
sendo procurada para segundas vodas pelo Duque de Austria, foy esta
Princeza taõ virtuosa, e prudente, que mandou dizer aos Embaixadores,
que as mulheres como ella naõ casavaõ duas vezes; de cuja resposta
ficaraõ admirados. Morreo em fim na Villa de Madrigal.[825]

4 Fóra do matrimonio teve a _Dona Isabel_, que nasceo no anno de 1364,
e no de 1378 casou em Burgos com D. Affonso, Conde de Gijon, e Noronha,
filho bastardo delRey D. Henrique II. de Castella. Deste matrimonio
procedem muitas Familias illustres deste nosso Reino, os Condes de
Monsanto, Marquezes de Cascaes, os Condes de Valladares, os de Arcos,
os de Villa Verde, os Marquezes de Angeja, os de Marialva, os Condes de
Cantanhede, os Senhores de Ilhavo, etc. Por morte de seu marido voltou
esta Senhora para Portugal, onde seu tio ElRey D. Joaõ I. lhe fez
muitas mercês.[826]

       *       *       *       *       *


_Filhos delRey D. Joaõ I._

1 A _Infanta Dona Branca_ nasceo em Lisboa a 13 de Julho de 1388, e
morreo no de 1389. Jaz na Basilica de Santa Maria, antiga Metropolitana
de Lisboa, junto delRey D. Affonso IV. seu bisavô.

2. _O Infante D. Affonso_ nasceo em Santarem a 30 de Julho de 1390.
Foy jurado successor do Reino. Viveo dez annos, porque faleceo a 22 de
Dezembro de 1400. Jaz na Cathedral de Braga em hum tumulo de bronze
dourado, que lhe mandou de Borgonha a Infanta Dona Isabel sua irmã.[827]

3 _O Infante D. Duarte_ successor.

4 _O Infante D. Pedro_ nasceo em Lisboa a 9 de Dezembro de 1392.
Foy Duque de Coimbra, e Senhor de Montemór o Velho, e outras terras
do Infantado. Casou com Dona Isabel de Aragaõ, filha do Conde de
Urgel D. Jayme II. no anno de 1429. Foy este Principe illustre na
paz, e na guerra. No anno de 1424 sahio de Portugal, e fazendo huma
larga peregrinaçaõ na companhia de alguns Fidalgos, vio as Cortes
dos principaes Soberanos da Europa, Africa, e Asia. Na do Imperador
Sigismundo se demorou mais tempo, a quem ajudou na guerra contra os
Turcos. Naõ foy só excellente na disciplina militar, porque tambem
cultivou o seu engenho com as letras divinas, e humanas, e foy perito
nas linguas estrangeiras, e versado nas artes liberaes. Ficou por
tutor delRey D. Affonso V. seu sobrinho, e no governo do Reino se
houve com singular prudencia, mas com inveja de muitos emulos, cuja
ambiçaõ nunca pode saciar. Sahindo ElRey da idade pupilar, e tomando
o governo do seu Reino, em lugar das graças, que houvera de dar ao
Infante seu tutor, tio, e sogro, o desterrou; e pelas calumnias de seu
irmaõ D. Affonso, Conde de Barcellos, e de outros seus inimigos, vindo
o Infante a Santarem para se desculpar, ElRey lhe sahio ao encontro
com hum exercito. Poz-se o Infante em natural defensa com alguma gente
da sua facçaõ, deu-se a vergonhosa batalha chamada da Alfarrobeira,
e nella foy morto o Infante atrevidamente do tiro de huma destinada
setta a 20 de Mayo de 1449. Foy sepultado na igreja de Alverca, e daqui
trasladaraõ o corpo para Abrantes, depois para Santo Eloy de Lisboa,
e de Lisboa para a Batalha, onde jaz. Teve seis filhos, que foraõ:
_D. Pedro_, Condestavel de Portugal, e acclamado Rey de Aragaõ. _D.
Joaõ_, chamado de Coimbra. _Dona Isabel_, Rainha de Portugal, mulher
delRey D. Affonso V. _Dona Brites_, que casou em Flandes com Adolfo de
Cleves, Senhor de Revestein. _Dona Filippa_, que morreo recolhida em
Odivellas. _D. Jayme_, Arcebispo de Lisboa, e depois Cardeal do titulo
de Santo Eustaquio.[828]

5 _O Infante D. Henrique_ nasceo na Cidade do Porto a 4 de Março de
1394. Foy Duque de Viseu, e Mestre da Ordem Militar de Christo, em
gloria da qual peleijou contra os infieis em muitas occasiões, dando
sempre mostras de seu grande valor. Desde a flor dos seus primeiros
annos se applicou tanto às Mathematicas, que a puras contemplações, e
igual constancia de quarenta annos, emprendendo novos descubrimentos
de Ceos, terras, e climas differentes, deu a conhecer ao mundo o que
o mesmo mundo ignorava. Além de tanto valor, e sciencia era dotado
de hum heroico espirito, vida santa, e pura, até que acabou como
virtuoso em Sagres do Reino do Algarve a 13 de Novembro de 1460. Jaz na
Batalha.[829]

6 _A Infanta Dona Isabel_ nasceo em Evora a 21 de Fevereiro de 1397, e
a 10 de Janeiro de 1430 se recebeo com D. Filippe III. o _Bom_, Duque
de Borgonha, e Conde de Flandes, em cujo dia, para que fosse celebrado
com mayor solemnidade, instituio o Duque a Ordem Militar do Tusaõ de
ouro na Cidade de Bruges, onde se festejaraõ as vodas com huma rara, e
extraordinaria magnificencia. Teve esta Princeza tal dom de conselho,
que nenhuma acçaõ executava seu marido sem o seu parecer, ainda nas
resoluções militares; porque além do grande juizo, e prudencia, existia
nella hum valor verdadeiramente varonil, como em algumas occasiões o
mostrou. Morreo a 17 de Dezembro de 1471, e jaz no Convento da Cartuxa
de Dijon, Cidade capital daquelle Estado.[830]

7 _O Infante D. João_ nasceo em Santarem a 13 de Janeiro de 1400. Casou
no anno de 1424 com a Infanta Dona Isabel sua sobrinha, e filha de D.
Affonso, primeiro Duque de Bragança, seu irmaõ. Era o Infante terceiro
Condestavel de Portugal, Mestre da Ordem de Santiago, e Principe muy
prudente, valeroso, e bemquisto de todos. Morreo na Villa de Alcacer
do Sal a 18 de Outubro de 1442, e jaz no Templo da Batalha na mesma
Capella delRey seu pay.

8 _O Infante D. Fernando_ nasceo em Santarem a 29 de Setembro de
1402. Foy Mestre de Aviz com o titulo de Administrador, e Governador
perpetuo da dita Ordem. A sua vida sempre foy de procedimento naõ só
inculpavel, mas exemplar, pelo continuo exercicio de virtudes, com que
se fazia amado de todos. Sendo dado em refens aos Mouros até lhes ser
entregue a Cidade de Ceuta por concerto, que os Portuguezes fizeraõ com
os barbaros na infeliz jornada de Tangere em tempo delRey D. Duarte,
padeceo ignominias, e injurias naquelle cativeiro com huma paciencia
santa, até que morreo depois de seis annos de escravidaõ a 5 de Junho
de 1443. obrando Deos por intercessaõ deste Santo Infante muitos
prodigios. Jaz no Convento da Batalha.[831][832]

9 Sendo ElRey D. Joaõ ainda Mestre de Aviz teve antes de casar o
_Senhor D. Affonso_, primeiro Duque de Bragança, que nasceo no Castello
de Veiros do Alentejo no anno de 1370, e havido em Dona Ignez Pires,
mulher nobre, a qual depois foy Commendadeira de Santos. Casou a 8
de Novembro de 1401 com a Senhora Dona Brites Pereira, Condessa de
Barcellos, filha unica do Condestavel D. Nuno Alvares Pereira, de
cujo feliz consorcio descende, como de tronco glorioso, a Serenissima
Casa de Bragança hoje reinante. Morreo na Villa de Chaves em o mez
de Dezembro de 1461. Foy sepultado na Igreja dos Capuchos da mesma
Villa.[833]

10 _A Senhora Dona Brites_ naõ se sabe quando nasceo; porém casou a 26
de Novembro de 1405 com Thomaz Fitz, Conde de Arundel em Inglaterra,
onde foy esta Senhora recebida com pomposa magnificencia. Deste
casamento naõ teve successaõ, e pela morte de seu marido passou
a segundas vodas no anno de 1415 com Gilberto Talbot, Baraõ de
Irchenfield, de que tambem ficou viuva no anno de 1419. Ignora-se o
anno, em que morreo.

       *       *       *       *       *


_Filhos delRey D. Duarte._

1 O _Infante D. Joaõ_ nasceo em Lisboa em Outubro de 1429, e morreo de
tenra idade.

2 _A Infanta Dona Filippa_ nasceo em Santarem a 27 de Novembro de 1430,
e morreo a 24 de Março de 1439 ameaçada de peste.

3 _O Principe D. Affonso_ successor.

4 _A Infanta Dona Maria_ nasceo a 7 de Dezembro de 1432 na Villa do
Sardoal, e naõ teve mais que hum dia de vida.

5 _O Infante D. Fernando_ nasceo em Almeirim a 17 de Novembro de
1433, e no de 1438 foy jurado Principe successor do Reino. Era Duque
de Viseu, Condestavel do Reino, Senhor de Béja, e de outras muitas
terras. Casou nas Alcaçovas com a Infanta Dona Brites, filha de seu
tio o Infante D. João no anno de 1447. Como o Infante era de elevados
espiritos, sahio do Reino occultamente, e foy ter a Ceuta com a idéa
de ser alli Fronteiro; porém ElRey D. Affonso seu irmaõ o fez voltar
ao Reino, e depois se servio do seu valor na jornada, e expugnaçaõ de
Africa. Morreo em Setubal a 18 de Setembro de 1470, e jaz no Mosteiro
da Conceiçaõ de Béja, que a infanta sua mulher fundara. Desta Real
uniaõ nasceraõ o_Senhor D. Joaõ_, o _Senhor D. Diogo_, o _Senhor D.
Duarte_, o _Senhor Rey D. Manoel_, a _Rainha Dona Leonor_, a _Duqueza
Dona Isabel_, communicando-se tambem por via deste casamento o Regio
sangue dos Serenissimos Senhores Duques de Bragança a quasi todos os
soberanos Principes da Europa.[834]

6 _Infanta Dona Leonor_ nasceo em Torres Vedras a 18 de Setembro do
anno 1434. Casou com o Imperador Federico III. no anno de 1451, e a
16 de Março de 1452 o Papa Nicoláo V. a recebeo em Roma, e a coroou
Imperatriz a 19 do mesmo mez; e passando depois a Alemanha, foy
coroada Rainha de Hungria, e Bohemia. Foy esta Princeza igualmente
muito formosa, e discreta, cujos predicados fazia realçar mais com
huma singular modestia, que era o atractivo de todos a amarem, e
respeitarem. Faleceo em Neustadt a 3 de Setembro de 1467. Jaz no
Mosteiro de Cister da mesma Cidade.[835]

7 _O Infante D. Duarte_ nasceo em Alenquer a 12 de Julho de 1435, e
morreo de tenra idade.

8 _A Infanta Dona Catharina_ nasceo a 25 de Novembro de 1435. Esteve
desposada com D. Carlos, Principe de Navarra, e com ElRey de Inglaterra
Duarte IV. mas nenhum casamento se effetuou. Foy Princeza de muitas
virtudes, e com tanta applicaçaõ ao exercicio das letras, que chegou
a traduzir em Portuguez o livro da perfeiçaõ dos Monges, que em Latim
compoz S. Lourenço Justiniano. Morreo no Mosteiro de Santa Clara de
Lisboa com opiniaõ de virtuosa aos 17 de Junho de 1463. Jaz no Convento
de Santo Eloy desta Cidade.[836]

9 _A Infanta Dona Joanna_ nasceo no fim de Março de 1439 na quinta do
Monte Olivete da Villa de Almada. Casou com Henrique IV. de Castella
a 21 de Mayo de 1455. Foy muito formosa, e naturalmente alegre, e
esperta, donde se lhe originaraõ as calumnias, de que a arguiraõ. Teve
huma unica filha, que foy a Princeza Dona Joanna, jurada herdeira de
Castella, a quem a fortuna, que lhe usurpou o Reino, contentou com o
nome de _Excellente Senhora_. Morreo a Rainha Dona Joanna em Madrid a
13 de Junho de 1475. Foy sepultada no Mosteiro de S. Francisco da mesma
Villa, cuja sepultura está hoje desfeita.[837]

10 Ainda que Manoel de Faria tem por certo que ElRey D. Duarte naõ
tivera mais filhos fóra do matrimonio, os Genealogicos mais indagadores
affirmaõ, que tivera a _D. João Manoel_, nascido de Dona Joanna Manoel,
Dama da Rainha Dona Leonor. Criou-se em casa do inconquistavel, e
grande D. Nuno Alvares Pereira, e de quatorze annos tomou o habito da
Religiaõ do Carmo em Lisboa, e aqui foy Prior, e Provincial, donde a
merecimentos das suas virtudes foy elevado à dignidade de Bispo de
Ceuta, depois Bispo da Guarda. ElRey D. Affonso V. seu irmaõ o fez
tambem seu Capellaõ Mór, e se aproveitou muito da sua prudencia,
virtude, e conselhos. Morreo em Lisboa, e jaz no Convento do Carmo da
mesma Cidade na Casa do Capitulo velho, como nos mostra o moderno, e
insigne Chronista desta Religiaõ; e naõ na Sé de Lisboa, como escreve o
Author da Corografia Portugueza.[838] Daqui procedem os illustrissimos
Condes de Atalaya.

       *       *       *       *       *


_Filhos delRey D. Affonso V._


1 O _Principe D. Joaõ_ nasceo em Cintra a 29 de Janeiro do anno de
1451, e morreo de tenra idade.

2 _A Infanta Beata Joanna_ nasceo em Lisboa a 6 de Fevereiro de 1452.
Foy de singular virtude, e admiravel formosura, por cujas prendas
muitos Principes a pertenderaõ para esposa; mas repudiando a todos,
viveo em perpetua castidade. Consagrando-se toda a Deos, tomou o habito
de Religiosa de S. Domingos no Mosteiro de Jesus de Aveiro no anno de
1475, onde vivendo dezoito annos em continuo exercicio de todas as
virtudes, em que floreceo, acabou o circulo dos seus dias neste mundo
a 12 de Mayo de 1490. Jaz sepultada no mesmo Mosteiro em hum primoroso
tumulo, que lhe mandou fazer o Senhor Rey D. Pedro II. para onde se
trasladaraõ as veneraveis Reliquias em 22 de Outubro de 1711, por
ordem delRey D. Joaõ V. O mesmo Senhor D. Pedro II. alcançou do Papa
Innocencio XI. o culto de Beata desde 4 de Abril do anno de 1693.[839]

3 _O Principe D. Joaõ_ successor.

       *       *       *       *       *


_Filhos delRey D. Joaõ II._

1 O _Principe D. Affonso_ nasceo em Lisboa a 18 de Mayo do anno
1475. Casou com a Princesa Dona Isabel, filha delRey D. Fernando o
_Catholico_, a 23 de Novembro de 1490. Nas suas vodas se fizeraõ
as mayores festas, e demonstrações de alegria em variedade de
espectaculos, profusaõ monstruosa de manjares, e invenções exquisitas
de bailes, quaes nunca se viraõ, nem ouviraõ; porém como se toda
aquella magnificencia, divertimento, e grandeza fora feita por jogo, e
brinco da fortuna, dentro de poucos dias se mudou em subitos prantos, e
lutos, porque este Principe na florida idade de dezaseis annos, casado
de sete mezes, cahindo de hum cavallo, em que risonho corria pelas
margens do Tejo junto a Santarem, se fez em pedaços; e deitado sobre a
humilde cama de feno na choça de hum pobre pescador, exhalou a alma a
13 de Julho de 1491, nos braços delRey seu Pay, da Rainha sua Mãy, e da
Princeza sua Esposa, desfeitos todos em lagrimas, e sentimento por taõ
lastimosa fatalidade. Jaz na Batalha na Casa do Capitulo.[840]

2 Teve fóra do matrimonio a _D. Jorge_, que nasceo em Abrantes a 12 de
Agosto de 1481. Foy sua mãy Dona Anna de Mendonça, Dama da Rainha Dona
Joanna, e Senhora muito nobre, e taõ estimada, e querida delRey, que a
seu respeito (diz o Author do Anno Historico) mandou erigir o Mosteiro
de Santos o Novo, e a nomeou Commendadeira perpetua, onde faleceo
virtuosamente no anno de 1545. Naõ foy menor o amor, que ElRey teve a
este filho, o qual se criou em casa da Senhora Dona Joanna sua tia; e
falecendo esta Princeza, o trouxe para o Paço a Rainha sua madrasta, e
o conduzio a Evora, onde ElRey estava, o Bispo do Porto. Foy esperallo
fóra da Cidade o Principe Affonso seu irmaõ com toda a Nobreza,
mandou-o seu pay tratar de Excellencia, mas por lisonja lhe fallavaõ
por Alteza. Quiz ElRey deixallo por successor do Reino, ao que se oppoz
a Rainha, por ser em prejuizo de seu irmaõ D. Manoel, a quem de direito
tocava, e tambem naõ quiz vir nisso o Papa Alexandre VI. havendo por
esta causa grandes discordias entre ElRey, e a Rainha. Mas como ElRey
naõ pode conseguir o que desejava, fez a D. Jorge o mayor Senhor, que
havia em Hespanha, porque quiz que succedesse aos bens de seu bisavô
o infante D. Pedro, e assim ficou sendo Duque de Coimbra, Senhor
de Montemór o Velho, Marquez de Torres Novas, Mestre das Ordens de
Santiago, e Aviz, e Senhor de outras muitas rendas. Morto ElRey, foraõ
muitos Fidalgos a Villa-Nova buscar o Senhor D. Jorge, e o conduziraõ
a Montemór o Novo, onde estava ElRey D. Manoel. Foy logo em direitura
apearse ao Paço vestido de burel, e assim subio a beijar a maõ a ElRey;
e o Prior do Crato D. Diogo de Almeida, que era seu Ayo, pegando-lhe
pela maõ, se pozeraõ ambos de joelhos, e o entregou a ElRey seu tio,
fazendo-lhe huma eloquente oraçaõ, em que lhe dizia como ElRey defunto
lho deixara encommendado. ElRey D. Manoel lhe fez grandes honras, e lhe
deu casa no Paço. Contava já o Senhor D. Jorge vinte annos de idade,
quando ElRey o casou com Dona Brites de Vilhena, filha de D. Alvaro,
irmaõ do Duque de Bragança D. Fernando II. e deste matrimonio descende
a illustre Familia dos Alencastres. Morreo o Senhor D. Jorge no anno
de 1550, e jaz no Convento de Palmella.[841]

       *       *       *       *       *


_Filhos delRey D. Manoel._

1 O _Principe D. Miguel da Paz_ foy filho da primeira mulher a Rainha
Dona Isabel. Nasceo na Cidade de Saragoça a 24 de Agosto de 1498. Foy
jurado Principe herdeiro de Castella, e de Portugal. Naõ viveo mais que
dous annos, porque a 20 de Junho de 1500 expirou na mesma Cidade, onde
jaz.

2 _O Principe D. Joaõ_, filho da segunda mulher a Rainha Dona Maria,
foy successor do Reino.

3 _A Infanta Dona Isabel_ nasceo em Lisboa a 24 de Outubro de 1503.
Foy rara a formosura, com que a dotou a natureza. Casou em Sevilha com
o Imperador Carlos V. a 11 de Março de 1526. As suas virtudes foraõ
mayores que os seus elogios, e estes foraõ innumeraveis. Adoeceo em
Toledo, e aqui expirou no primeiro de Mayo de 1539. Foy conduzido
o cadaver da imperatriz pelo Marquez de Lombay a ser sepultado na
Cathedral da Cidade de Granada; e como fosse preciso para aquella
entrega abrirse o caixaõ, chegando-se o Marquez a tirar a toalha,
que cubria o macilento rosto, vendo-o taõ demudado, e espantoso à
vista, foy causa do prodigioso desengano do Marquez, porque dalli se
converteo em hum S. Francisco de Borja, cujo resplandor de virtudes
illustrou tanto a Companhia de Jesus. No mesmo dia desta portentosa
transformaçaõ, que foy a 7 de Mayo do sobredito anno, vio a grande
serva de Deos Soror Francisca de Jesus, Abbadessa do Mosteiro de
Gandia, estando em oração, sahir do Purgatorio a alma da Imperatriz
assistida de alguns Anjos. A 4 de Fevereiro de 1574 foy trasladado
o corpo para o Escurial, onde jaz. Deste consorcio nasceo ElRey D.
Filippe II.[842]

4 _A Infanta Dona Brites_ nasceo em Lisboa a 31 de Dezembro de 1504.
Casou com Carlos III. Duque de Saboya a 29 de Setembro de 1521. Foy
esta Princeza ornada de grandes virtudes, pelas quaes era muito amada
de seu esposo, e tida por huma singular Heroina daquelles tempos.
Morreo em Niza, Cidade de Saboya, a 8 de Janeiro de 1538.[843]

5 _O Infante D. Luiz_ nasceo em Abrantes a 3 de Março de 1506. Foy
este Principe Duque de Béja, Condestavel de Portugal, Administrador do
Priorado do Crato, e ornado de tantas virtudes, que, como diz Damiaõ
de Goes, para a natureza cumprir de todo com os dotes, que lhe deu,
lhe havia de conceder tambem occasiões para poder conquistar mayores
Reinos, e Senhorios do que Alexandre, porque para a execuçaõ disso
lhe sobejou animo. Assim se vio na famosa expediçaõ, e conquista de
Tunes, que o Imperador Carlos V. seu cunhado fez no anno de 1535, onde
se achou o Infante D. Luiz governando o celebre Galeaõ _Botafogo_, e
Armada auxiliar, que ElRey D. Joaõ III. mandou ao Imperador, devendo-se
à animosa deliberaçaõ do Infante cortarse a fortissima cadea, que
atravessava o porto da Goleta, de que tanta gloria se seguio à
Christandade, credito à Naçaõ Portugueza, e fama ao valor do Infante.
Além destas prendas teve hum sublime engenho, que com o exercicio
das artes liberaes, ensinadas pelo grande Mestre Pedro Nunes, soube
adquirir hum lugar eminente na Republica das letras. Na Religiaõ foy
exemplar, e taõ pio, como o testifica o Mosteiro das Maltezas de
Estremoz, que elle edificou, e outras acções de caridade. Finalmente
faleceo na quinta de Marvilla junto a Lisboa a 27 de Novembro de 1555,
e jaz em Belém. De Violante Gomes, chamada a _Pelicana_, donzella
humilde, mas de rara formosura, a qual morreo professa no Mosteiro de
Almoster, teve ao _Senhor D. Antonio_, que foy Prior do Crato.[844]

6 _O Infante D. Fernando_ nasceo em Abrantes a 5 de Junho de 1507. Foy
Duque da Guarda, e Principe de condiçaõ sincera, muito animoso, amigo
da verdade, e dizia o que entendia sem o rebuço da politica adulaçaõ.
Foy muito dado à lição da Historia verdadeira, e naõ fabulosa, e por
ajuntar quantas Chronicas havia escritas em qualquer lingua que fosse,
gastou grosso cabedal. Mandou fazer huma arvore genealogica illuminada
pelo mais insigne Pintor, que havia em Flandes, e constava desde Noé
até ElRey D. Manoel seu pay. Casou com Dona Guiomar Coutinho, filha
herdeira do Conde de Marialva D. Francisco Coutinho, e morreo em
Abrantes a 7 de Novembro de 1534. Jaz em Belém.[845]

7 _O Infante D. Affonso_ nasceo em Evora a 23 de Abril de 1509. O Papa
Leaõ X. o creou Cardeal Diacono de Santa Luzia. Foy Bispo da Guarda, e
de Viseu, Arcebispo de Lisboa, e o primeiro Prelado, que nestes Reinos
ordenou se lesse o Cathecismo da Doutrina christã nas Igrejas aos
meninos, e que nas Paroquias houvesse livros, onde se assentassem, e
escrevessem os nomes dos bautizados, e casados, sendo elle o que muitas
vezes conferia estes, e os mais Sacramentos com grande caridade. Foy
muito dado à lição dos livros, e teve por Mestres aos insignes Ayres
Barbosa, e Pedro Margalho. Morreo em Lisboa a 21 de Abril de 1540, e
jaz em Belém.[846]

8 _O Infante D. Henrique_, Cardeal, que succedeo no Throno.

9 _A Infanta Dona Maria_ nasceo conforme a conjectura do incansavel D.
Joseph Barbosa entre o anno de 1511, e 1513. Morreo em Evora no anno de
1513 e jaz em Belém.[847]

10 _O Infante D. Duarte_ nasceo em Lisboa a 7 de Setembro de 1515.
Desde os primeiros annos foy muito inclinado às letras, nas quaes
fez bons progressos, ajudado da portentosa memoria, que tinha, e das
bem ordenadas instrucções de seu Mestre o celebrado, e erudito André
de Resende. Na musica foy destro, e sciente, e no exercicio da caça
incansavel. Casou em Villa Viçosa a 23 de Abril de 1537 com a Senhora
Dona Isabel, filha de D. Jayme, quarto Duque de Bragança, de cujo
matrimonio nasceraõ a Senhora _Dona Maria_, Princeza de Parma, e a
Senhora _Dona Catharina_. Antes deste Infante falecer, predisse elle
mesmo o dia da sua morte, que foy a 20 de Outubro de 154O. Jaz em
Belém.[848]

11 _O Infante D. Antonio_ nasceo em Lisboa a 9 de Setembro de 1516.
Morreo logo, e jaz em Belém. Deste parto ficou a Rainha Dona Maria taõ
mal, que tambem faleceo dahi a pouco tempo; e tornando ElRey D. Manoel
a casar com a Rainha Dona Leonor, teve della

12 _O Infante D. Carlos_, que nasceo em Evora a 18 de Fevereiro de
1520. Morreo em Lisboa a 15 de Abril de 1521, e jaz em Belém.

13 _A Infanta Dona Maria_ nasceo em Lisboa a 8 de Junho de 1521.
Era Princeza, que em gentileza, e virtudes excedeo as melhores do
seu tempo. Seu Palacio era huma universidade de mulheres singulares
em letras, e outras artes de engenho, a quem presidia a famosa Dama
Toledana, chamada Luiza Sigea, cuja erudiçaõ fez aturdir a Europa.
Fundou o Mosteiro de Nossa Senhora da Luz, huma legua distante de
Lisboa, e o sumptuso Hospital alli vizinho: o Mosteiro da Incarnaçaõ de
Commendadeiras de Aviz em Lisboa, e em Evora o Mosteiro de Santa Helena
do Monte Calvario, e em Torres Vedras o Convento de Nossa Senhora dos
Anjos para os Religiosos Arrabidos, alcançando da Sé Apostolica para
esta Igreja o Jubileo da Porciuncula _in perpetuum_. Morreo a 10 de
Outubro de 1577. Jaz no Convento da Luz.[849]

       *       *       *       *       *


_Filhos delRey D. Joaõ III._

1 O _Principe D. Affonso_ nasceo em Almeirim a 24 de Fevereiro de 1526.
Faleceo passados poucos dias, e jaz em Belém.[850]

2 _A Infanta Dona Maria_ nasceo em Coimbra a 15 de Outubro de 1527.
Casou com D. Filippe, Principe de Castella, e se celebraraõ as vodas em
Salamanca a 15 de Novembro de 1543. Morreo de parto a 12 de Julho de
1545, estando em Valhadolid. Jaz no Escurial.

3 _A Infanta Dona Isabel_ nasceo em Lisboa a 28 de Abril de 1529.
Morreo de poucos mezes, e jaz em Belém.

4 _A Infanta Dona Brites_ nasceo em Lisboa a 15 de Fevereiro de 1530, e
morreo de tenra idade. Jaz em Belém.

5 _O Principe D. Manoel_ nasceo em Alvito no primeiro de Novembro de
1531. Faleceo em Evora a 14 de Abril de 1537, e jaz em Belém.

6 _O Infante D. Filippe_ nasceo em Evora a 25 de Março de 1533. Foy
jurado Principe herdeiro do Reino. Viveo pouco, porque faleceo a 29 de
Abril de 1539. Jaz em Belém na mesma sepultura de seu irmaõ D. Affonso.

7 _O Infante D. Diniz_ nasceo em Evora a 26 de Abril de 1535, e na
mesma Cidade morreo no primeiro de Janeiro de 1537. Jaz em Belém.

8 _O Principe D. Joaõ_ nasceo em Evora a 3 de Junho de 1537. Foy jurado
Principe herdeiro nas Cortes, que se celebraraõ em Almeirim a 30 de
Março de 1544. Casou com a Princeza Dona Joanna de Austria, filha do
Imperador Carlos V. e se recebeo por procuraçaõ na Cidade de Toro a 11
de Janeiro de 1552, e no fim de Novembro do mesmo anno entrou por Elvas
em Portugal. Gil Gonzales Davila faz honorifica memoria desta Princeza
no cap. 9. das Grandezas de Madrid, mas discreta na Chronologia,
que seguimos. Deste augusto thalamo nasceo _D. Sebastiaõ_ que sendo
Principe de esperanças, depois foy Rey de pouca ventura. Morreo em fim
o Principe D. Joaõ a 2 de Janeiro de 1554, e jaz em Belém em magnifico
mausoleo. Mereceraõ as bellas prendas, e saudosa memoria deste
Principe serem eternizadas na mais illustre, e canora Egloga do Homero
Portuguez, e nas citharas de outros insignes Poetas daquelle tempo.[851]

9 _O Infante D. Antonio_ nasceo em Lisboa a 9 de Março de 1539, e
morreo a 20 de Janeiro de 1540. Jaz em Belém.

10 Fóra do matrimonio teve ElRey a _D. Duarte_, que nasceo no anno
de 1521. Foy sua mãy Dona Isabel Muniz, moça da Camera da Rainha
Dona Leonor, e filha de hum Alcaide de Lisboa, homem honrado, a quem
chamavaõ o _Carrança_, e ella depois foy Freira de Santa Clara do
Porto. Criou-se D. Duarte no Convento de S. Jeronymo, chamado da Costa,
junto de Guimarães, e aqui estudou com exemplar progresso as boas
letras, e costumes. Mandou-o ElRey buscar ao dito Convento com grande
ostentaçaõ, e trazello a Cintra, onde estava a Corte; porém sendo
preciso a ElRey vir a Lisboa, tanto que D. Duarte chegou a Cintra,
foy o Conde da Castanheira buscallo, e o conduzio a Lisboa, e ElRey
o veyo esperar ao Convento de S. Domingos de Bemfica, onde o recebeo
com grandes honras, e expressões de alegria. Foy D. Duarte Arcebispo
de Braga, muy pio, e muy versado nos estudos de Filosofia, Theologia,
e ambos os Direitos. Começou a escrever em lingua Latina a Historia
dos Reys de Portugal, de que deixou elegantemente composta a delRey D.
Affonso Henriques, da qual fazem memoria D. Nicoláo Antonio, e o Abbade
de Sever. Morreo na flor dos seus annos a 11 de Novembro de 1543. Jaz
em Belém.[852]

11 _D. Manoel_ morreo menino.

       *       *       *       *       *


_Filhos delRey D. Filippe II._

1 O _Principe D. Carlos_ nasceo a 12 de Julho de 1545. Os Castelhanos
lhe chamaõ o _Infeliz_; porque sendo de genio turbulento, o pay
temeroso das extravagancias do filho, naõ desapprovou os meyos, que lhe
assinaraõ para lhe abreviar a vida, e assim veyo a acabar violentamente
em 24 de Junho de 1568. Foy filho da sua primeira mulher.

2 _A Infanta Dona Isabel_ nasceo a 12 de Agosto de 1566. Casou com o
Archiduque Alberto no anno de 1599, e sem successaõ morreo a 29 de
Novembro de 1633.

3 _A Infanta Dona Catharina_ nasceo a 10 de Outubro de 1567. Casou
com o Duque de Saboya Carlos Manoel no anno de 1585, e morreo a 6 de
Novembro de 1597. Estes dous foraõ filhos do terceiro matrimonio.

4 _O Principe D. Fernando_ nasceo a 4 de Dezembro de 1571, e morreo a
18 de Outubro de 1578.

5 _O Infante D. Carlos Lourenço_ nasceo a 12 de Agosto de 1573. Morreo
a 30 de Julho de 1582.

6 _O Principe D. Diogo_ nasceu a 12 de Julho de 1575, e morreo a 21 de
Novembro de 1582.

7 _O Principe D. Filippe_, que lhe succedeo.

8 _A Infanta Dona Maria_ nasceo a 21 de Março de 1580, e morreo a 4 de
Agosto de 1583. Estes cinco foraõ filhos do quarto matrimonio.

       *       *       *       *       *


_Filhos delRey D. Filippe III._

1 A _Infanta Dona Anna Mauricia de Austria_, Rainha de França, nasceo
em Valhadolid a 22 de Setembro de 1601. Casou com Luiz XIII. Rey de
França no anno de 1615, morreo a 14 de Mayo de 1643, jaz em S. Diniz.
Deste matrimonio nasceraõ Luiz XIV. Rey de França, e Filippe de França,
Duque de Orleans.

2 _O Principe D. Filippe_ successor.

3 _A Infanta Dona Maria_ nasceo em Valhadolid a 18 de Agosto de 1606.
Casou com o Imperador de Alemanha D. Fernando III. e morreo a 13 de
Mayo de 1646.

4 O _Infante D. Carlos_ nasceo em Madrid a 14 de Setembro de 1607, e
morreo a 13 de Julho de 1632.

5 _O Infante D. Fernando_ nasceo no Escurial a 16 de Mayo de 1609. O
Papa Paulo V. o creou Cardeal a 29 de Julho de 1619, naõ tendo mais que
dez annos, e lhe deu logo o governo do Arcebispado de Toledo, e o fez
Capitaõ General dos Paizes baixos, onde morreo a 9 de Novembro de 1641.

6 _A Infanta Dona Margarida_ nasceo em Lerma a 25 de Mayo de 1610, e
morreo a 11 de Março de 1617.

7 _O Infante D. Affonso Mauricio_ nasceo no Escurial a 22 de Setembro
de 1611, morreo a 16 de Setembro de 1612.

       *       *       *       *       *


_Filhos delRey D. Filippe IV._

1 A _Infanta Dona Margarida Maria_ nasceo a 14 de Agosto de 1621, e
morreo no mesmo dia.

2 _A Infanta Dona Maria Margarida_ nasceo a 25 de Novembro de 1623, e
morreo a 22 de Dezembro do mesmo anno.

3 _A Infanta Dona Maria_ nasceo a 21 de Novembro de 1625, e morreo a 21
de Julho de 1627.

4 _O Principe D. Balthasar Carlos_ nasceo a 17 de Outubro de 1629. Foy
muito festejado o seu nascimento. Morreo a 9 de Outubro de 1646.

5 _A Infanta Dona Isabel Teresa dos Santos_ morreo no primeiro de
Novembro de 1627.

6 _A Infanta Dona Anna Antonia_ nasceo a 17 de Janeiro de 1635, e
morreo a 5 de Dezembro de 1636.

7 _A Infanta Dona Maria Teresa_, Rainha de França, nasceo a 20 de
Setembro de 1638. Casou com ElRey de França Luiz XIV. a 4 de Julho de
1660, e morreo em Versalhes a 30 de Julho de 1683. Todos estes foraõ
filhos do primeiro matrimonio; e do segundo teve.

8 _A Infanta Dona Margarida Maria Teresa_, que nasceo a 12 de Julho de
1651. Casou com o Imperador Leopoldo no anno de 1666, e morreo a 12 de
Março de 1673.

9 _A Infanta Dona Maria Ambrosia_ morreo menina a 21 de Dezembro de
1659.

10 _O Principe D. Filippe Prospero_ nasceo a 20 de Novembro de 1657, e
morreo no primeiro de Novembro de 1661.

11 _O Infante D. Fernando_ nasceo a 22 de Dezembro de 1658, e morreo a
22 de Outubro de 1659.

12 _O Principe Carlos II._ successor no Throno, nasceo a 6 de Novembro
de 1661, e casando duas vezes, morreo sem successaõ no primeiro de
Novembro de 1700.

13 Fóra do matrimonio teve a _D. Joaõ de Austria_, que nasceo a 7 de
Abril de 1629, e teve por mãy Dona Maria Calderon. Foy Graõ Prior
de Malta em Castella, Vice-Rey de Sicilia, Governador de Flandes,
General de todas as forças maritimas da Monarquia de Castella, primeiro
Ministro delRey Carlos II. e hum dos mais valerosos soldados daquelle
seculo. Morreo a 17 de Setembro de 1679, e jaz no Escurial.

       *       *       *       *       *


_Filhos delRey D. Joaõ IV._

1 O _Principe D. Theodosio_ nasceo em Villa Viçosa a 8 de Fevereiro
de 1634. Foy jurado Principe de Portugal a 28 de Janeiro de 1641, e
segundo as memorias felicissimas, que existem delle, foy certamente hum
portento da natureza, e da graça, sabendo accrescentar, e augmentar
os dotes de huma, e outra com as prendas adquiridas na continuada, e
illustre occupaçaõ das virtudes. Acabou na flor da sua idade a 15 de
Mayo de 1653, e jaz em Belém.[853]

2 _A Senhora Dona Anna_ nasceo em Villa Viçosa a 21 de Janeiro de l635.
No mesmo dia expirou, e jaz no Coro das Religiosas do Mosteiro das
Chagas da mesma Villa.

3 _A Infanta Dona Joanna_ nasceo em Villa Viçosa a 18 de Setembro de
1636. Morreo a 17 de Novembro de 1653, e jaz em Belém.

4 _A Infanta Dona Catharina_ nasceo em Villa Viçosa a 25 de Novembro
de 1638. Casou com Carlos II. Rey de Inglaterra em 18 de Mayo de 1661.
Padeceo em Londres com varonil paciencia fortissimos contratempos,
culpando-a o Parlamento de querer introduzir em Inglaterra a Religiaõ
Catholica, por cujo motivo intentarão darlhe veneno, de que a
innocencia de sua virtuosa vida a livrou, até que passados sete annos
depois da morte de seu marido, voltou para Portugal, e chegou a Lisboa
a 20 de Janeiro de 1693. No anno de 1704, quando ElRey D. Pedro seu
irmão passou à Beira, ficou governando o Reino com grande satisfaçaõ
de todos; mas a 31 de Dezembro de 1705 deixou com sua morte a todos
saudosos. Jaz em Belém.[854]

5 _O Senhor D. Manoel_ nasceo em Villa Viçosa a 6 de Setembro de 1640,
e logo morreo. Jaz no Convento de Santo Agostinho da mesma Villa.

6 _O Infante D. Affonso_ successor.

7 _O Infante D. Pedro_, que succedeo a ElRey D. Affonso seu irmaõ.

8 Fóra do matrimonio teve a _Senhora Dona Maria_, que nasceo no anno
de 1643. Criou-se em casa do Secretario Antonio Cavide, ao qual passou
Alvará a Rainha Dona Luiza de tutor, curador, e administrador da
pessoa, e bens da dita Senhora. De casa do sobredito Secretario foy
para o Mosteiro de Carnide no anno de 1649, onde vestio o habito da
Religiaõ de Santa Teresa, mas naõ professou. Nunca veyo à Corte em
publico; porém indo às Caldas, foy acompanhada de Antonio Alvares da
Cunha, e de sua irmã a Condessa de Villa-Flor. ElRey D. Joaõ a declarou
por filha, e lhe deixou feita a mercê da Commenda mayor de Santiago, e
das Villas de Torres Vedras, e Colares, cujas disposições foraõ todas
inteiramente satisfeitas pela Rainha Regente, e o Serenissimo Rey D.
Affonso, os quaes em todos os Decretos, Alvarás, e Cartas, em que
fallavaõ nella, lhe chamavaõ _Dona Maria, muito amada, e prezada irmã_,
sem o titulo de Infanta; porque, como elegantemente prova o Doutor
Chronista Fr. Antonio Brandaõ,[855] nunca em Portugal se deu aos filhos
illegitimos o titulo de Infante. Fez esta Senhora varios, e grandiosos
donativos ao Mosteiro, em que viveo, até que aos cincoenta annos da sua
idade acabou esta vida a 6 de Fevereiro de 1693. Jaz no Coro debaixo do
mesmo Mosteiro.[856]

       *       *       *       *       *


_Filhos delRey D. Pedro II._

1 A _Infanta Dona Isabel_, filha do primeiro matrimonio, nasceo em
Lisboa a 6 de Janeiro de 1669. Foy jurada Princeza herdeira do Reino,
e esteve desposada com o Duque de Saboya Victorio Amadeo; mas a
intempestiva morte embaraçou este desejado consorcio, porque a Infanta
faleceo 21 de Outubro de 1690. Jaz no Mosteiro do Santo Crucifixo de
Capuchas Francezas junto da Rainha Dona Maria Francisca sua mãy.

2 Do segundo matrimonio teve o _Principe D. Joaõ_ que nasceo em Lisboa
a 30 de Agosto de 1688, e morreo a 17 de Setembro do mesmo anno. Jaz em
S. Vicente de Fóra.

3 _O Serenissimo Principe D. Joaõ_ succesor na Coroa.

4 _O Serenissimo Infante D. Francisco_ nasceo em Lisboa a 25 de Mayo
de 1691. Foy Graõ Prior do Crato, e fez o officio de Condestavel do
Reino nas Cortes de 1697, e no Auto do levantamento delRey D. Joaõ V.
seu irmaõ. Possuio as grandes, e opulentas Casas do Infantado, e da
Feira, com outras muitas rendas, jurisdições, e prerogativas. Deveo-lhe
a sciencia Nautica hum particular desvelo, como se fora seu professor,
e não menos todo o manejo bellico, para que tinha natural viveza, e
propensaõ. A caça foy todo o seu divertimento, em que era perito,
destro, destemido, e incansavel, por cujo motivo mais era habitador
do campo, que da Corte. Teve entranhavel devoçaõ com a Imagem da
Senhora da Atalaya, a quem tributou liberaes offertas; e aos Religiosos
Capuchos da Conceiçaõ lhes mandou edificar hum Hospicio junto do seu
Palacio da Bemposta de Lisboa, delineado pela simetria do Convento da
Arrabida. Achando-se finalmente na quinta de Bernardo Freire, meya
legua distante das Caldas da Rainha, para onde tinha hido acompanhar a
ElRey, faleceo de hum volvulo a 21 de Julho de 1742. Jaz em S. Vicente
de Fóra.

5 _O Serenissimo Infante D. Antonio_ nasceo em Lisboa a 15 de Março de
1694. Participou logo da natureza attributos verdadeiramente Reaes;
porque a bizarria da sua magestosa presença, revestida de hum soberano
agrado, e de numa seria affabilidade, era a fortissima cadea de ouro,
com que atava suavemente a todos, para que o amassem; mas muito mais
poderoso attractivo para o nosso affecto eraõ aquellas nobres prendas
do animo, e alma, que brilhavaõ grandemente em todas as suas acções, e
inculcavaõ a grandeza do seu espirito heroicamente generoso, sublime,
pio, e benigno. Faleceo finalmente a 20 de Outubro de 1757 em Alcantara
na quinta chamada da Tapada. Jaz em Belém.

6 _A Senhora Infanta Dona Teresa_ nasceo em Lisboa a 24 de Fevereiro de
1696. ElRey seu Pay ajustou casalla com o Archiduque Carlos, mas desfez
este ajuste a morte da Infanta, que foy buscar ao Ceo outra coroa mais
perduravel em 16 de Fevereiro de 1704. Jaz em S. Vicente de Fóra.

7 _O Serenissimo Senhor Infante D. Manoel_ nasceo em Lisboa a 3 de
Agosto de 1697. Para mostrar que no sangue Real Portuguez naõ estava
adormecida aquella natural aversaõ contra os sequazes da seita de
Mafoma, levado de hum sobrenatural impulso, e ardor militar, que
o naõ soffria conter nos limites da patria, naõ contando mais que
dezasete annos de idade, sahindo occultamente do porto de Lisboa em
4 de Novembro de 1715, passou a Hollanda, e daqui a Hungria, onde
militando sempre ao lado do famoso Principe Eugenio nas perigosas
batalhas de Peterwaradin, Temeswar, e Belgrado, obrou com tanto valor,
e desembaraço, que mais parecia Mestre, que discipulo de Marte. Depois
de serenadas as campanhas, e passando a ver algumas Cortes da Europa,
adquirindo ao seu augusto nome immortal fama, se restituio a Portugal
no anno de 1723, fazendo com as suas gloriosas proezas, que as Musas
tivessem heroico assumpto para os elogios, e as virtudes exercicio nos
seus louvaveis, e generosos empregos.

9 _A Senhora Infanta Dona Francisca_ nasceo em Lisboa a 30 de Janeiro
de 1699. Ornou-a a natureza liberalmente em gráo supremo de huma
formosura magestosa, alegre, affavel; de hum genio compassivo, pio,
magnifico; e por todos estes, e outros muitos virtuosos predicados
dominava esta Princeza o coraçaõ de todos, attrahindo a Nobreza, e o
povo a amalla, e adoralla tanto, que arrebatando-a o Ceo em 15 de Julho
de 1756, ainda cá na terra a saudade existe viva em nossa memoria.
Jazem as suas cinzas em S. Vicente de Fóra.

9 Teve ElRey D. Pedro fóra do matrimonio a _Senhora Dona Luiza_, que
nasceo a 9 de Janeiro de 1679. Criou-se em casa do Secretario de
Estado Francisco Correa de Lacerda, e de oito annos passou a viver
recolhida no Mosteiro de Carnide em companhia de sua tia a Senhora Dona
Maria. Em 14 de Mayo de 1695 se recebeo na Ermida de Nossa Senhora das
Necessidades com o Duque D. Luiz Ambrosio de Mello, filho do Duque de
Cadaval D. Nuno Alvares Pereira de Mello; porém morrendo o Duque D.
Luiz a 13 de Novembro de 1700, e ficando a Senhora Dona Luiza viuva, e
sem filhos, tornou a casar em 16 de Setembro de 1702 com seu cunhado
o Duque D. Jayme, do qual tambem naõ teve successaõ. Faleceo a 23 de
Dezembro de 1732, e jaz no Mosteiro de S. Joaõ Evangelista da Cidade de
Evora.

10 _O Senhor D. Miguel_ nasceo em Lisboa a 15 de Outubro de 1699.
Criou-se em casa do Secretario das Mercês Bartholomeu de Sousa Mexia,
onde aprendeo as bellas letras, como se houvera de as professar; e
unindo à intelligencia das artes liberaes outros muitos dotes heroicos,
conseguio justamente fazerse crédor de huma estimaçaõ universal.
ElRey D. Joaõ V. o reconheceo por seu irmaõ, e ordenou se lhe désse
tratamento de Alteza, fazendo-lhe muitas honras devidas ao seu sublime
nascimento. Casou em 30 de Janeiro de 1715 com Dona Luiza Casimira de
Sousa, herdeira da illustrissima Casa de Arronches, a quem ElRey D.
Joaõ V. fez a mercê das honras de Duqueza. Deste plausivel matrimonio
nasceo em 11 de Novembro de 1716 a Senhora _Dona Joanna Perpetua_, a
quem ElRey D. Joaõ V. concedeo as honras de Duqueza, e casou em 20 de
Setembro de 1738 com o quarto Marquez de Cascaes D. Luiz, que morrendo
em 14 de Março de 1745, ficou esta Senhora viuva, e sem successaõ.
_O Senhor D. Pedro de Bragança_, Duque de Lafões, nasceo em 19 de
Janeiro de 1718, foy Regedor das Justiças da Casa da Supplicaçaõ, em
que entrou no anno de 1749, e falleceo no de 1761, e o _Senhor D. Joaõ
de Bragança_ nasceo em 6 de Março de 1719. Morreo em fim o Senhor D.
Miguel desgraçadamente, naufragando no Tejo em 13 de Janeiro de 1724,
e apparecendo o corpo a 5 de Fevereiro, foy conduzido ao Convento de
Santa Catharina de Ribamar, da Provincia da Arrabida, onde jaz.

11 _O Senhor D. Jofeph_ nasceo a 6 de Mayo de 1703. Foy sagrado
Arcebispo de Braga a 5 de Fevereiro de 1741 pelo Eminentissimo Cardeal
Patriarca, e a 23 de Julho do referido anno fez a sua entrada publica
naquella Cidade com grandes festas, obsequios, e alegrias de seus
Cidadãos, onde depois de hum feliz governo acabou os seus dias.

       *       *       *       *       *


_Filhos delRey D. Joaõ V._

1 A _Serenissima Princeza Dona Maria Barbara_ nasceo em Lisboa a 4 de
Dezembro de 1711. Desde a abençoada indole dos seus primeiros annos
se instruio com tanta perfeiçaõs nos solidos dictames da prudencia, e
das virtudes, que ainda hoje possue a gloria de ser venerada por huma
das Princezas mais benemeritas da attençaõ entre as expectaveis da
Europa. No anno de 1729, a 19 de Janeiro se desposou com o Serenissimo
Senhor D. Fernando, Principe das Asturias, passando a viver em Castella
com seu Regio esposo em reciproco affecto, e universal contentamento
dos Hespanhoes, até que a 27 de Agosto de 1758 foy gozar da eterna
Bemaventurança, como as suas virtudes nos persuadem.

2 _O Principe D. Pedro_ nasceo em Lisboa a 19 de Outubro de 1712. Naõ
viveo mais que dous annos, e dez dias, porque a 29 de Outubro de 1714
foy para o Ceo, e jaz seu corpo em S. Vicente de Fóra.

3 _O Serenissimo Principe D. Jofeph_ successor na Coroa, e hoje
felizmente reinante.

4 _O Serenissimo Senhor Infante D. Carlos_ nasceo em Lisboa a 2 de Mayo
de 1716, e dando evidentes mostras de huma vasta capacidade para acções
heroicas, a sua intempestiva morte, supposto que succedida depois de
huma larga enfermidade, deixou a todos magoados em 30 de Março de 1736.
Jaz em S. Vicente de Fóra.

5 _O Serenissimo Senhor Infante D. Pedro_ nasceo em Lisboa a 5 de Julho
de 1717. Sua Magestade o collocou na alta dignidade de Graõ Prior do
Crato, pondo nesta forma em praxe o grande conceito, que merece o
relevante de suas admiraveis prendas. A 6 de Junho de 1760 se recebeo
com a Serenissima Senhora Dona Maria Princesa da Beira, e herdeira
do Reino, sua sobrinha, na Capella Real de Nossa Senhora da Ajuda.
De cujo consorcio nasceo a 21 de Agosto do anno seguinte pelas 10
horas da noite o Serenissimo Principe _D. Jofeph Francisco Xavier_,
e foy bautizado na Igreja do Palacio de Nossa Senhora da Ajuda pelo
Cardeal Patriarca D. Francisco Saldanha, festejando-se tudo com muitos
repiques, e luminarias.

6 _O Serenissimo Senhor Infante D. Alexandre_ nasceo a 24 de Setembro
de 1723, e morreo de bexigas a 2 de Agosto de 1728. Jaz no Convento de
S. Vicente de Fóra.

7 Teve o Senhor D. João V, fóra do matrimonio ao _Senhor D. Antonio_,
que nasceo em o primeiro de Outubro de 1714, ao _Senhor D. Gaspar_ em 8
de Outubro de 1716, o qual a 24 de Agosto de 1758 foy sagrado Arcebispo
de Braga, onde felizmente governa com o exemplo, e justiça, de que
nasce o affecto que todas as suas ovelhas lhe tributaõ. Ao _Senhor D.
Joseph_ que nasceo a 8 de Setembro de 1720, e foy erecto em Inquisidor
Geral pela Bulla _Cum Officium_ de Benedicto XIV. de 15 de Março de
1758.

       *       *       *       *       *


_Filhos delRey D. Jofeph I._

1 A _Serenissima Senhora Princeza da Beira Dona Maria Francisca_
nasceo a 17 de Dezembro de 1734, de quem já fallámos. A _Serenissima
Senhora Infanta Dona Maria Anna_, que nasceo a 7 de Outubro de 1736. A
_Serenissima Senhora Infanta Dona Maria Francisca Dorothea_, que nasceo
a 21 de Setembro de 1739. A _Serenissima Senhora Infanta Dona Maria
Francisca Benedicta_, que nasceo a 25 de Julho de 1746.


NOTAS DE RODAPÉ:

[769] Monarq. Lusit. liv. 16. cap. 10.

[770] Estaço nas Antiguid. de Portug. cap. 12. n. 9. Duart. Nun.
Descripç. de Portug. cap. 89. Alvar. Ferr. de Vera Orig. da Nobr. cap.
6. Monarq. Lusit. liv. 8. cap. 12.

[771] Monarq. Lusitan. liv. 9. cap. 23.

[772] Idem liv. 8. cap. 27. Sousa Histor. Genealog. tom. 1. pag. 40

[773] Caram. Philip Prud. lib. 1 p.14. Monarq. Lusit. liv. l0. cap. 33.
e liv. 11. cap. 1. Sousa Histor. Genealog. tom. 1. pag. 40. e seqq.

[774] Monarquia liv. 10. cap. 19. Vide Fastos da Lusit. tom. 1. pag 189.

[775] Faria no Epitom. part. 3 cap. 2.

[776] Monarq. Lusit. liv. 10. cap. 42. Duarte Nun. Chronic. delRey D.
Affons. Henriq. Sousa Histor. Geneal. tom. 1. pag. 61.

[777] Barbos. no Catalog. das Rainhas.

[778] Cardos. Agiolog. Lusitan. tom. 2. Sousa Histor. Genealog. tom. 1.
pag. 61.

[779] Brand. Monarq. Lusit. liv. 10. cap. 20.

[780] Sousa Histor. Geneal. tom. 1. pag. 63.

[781] Barbos. no Catalog. das Rainh. p. 126. Cardos. Agiolog. Lusit.
tom. 3. a 17 de Junh. Sous. Histor. Genealog. tom. 1. p. 109.

[782] Barbos. no Catalog. das Rainh. e Sousa allegad. na Histor.
Geneal. tom. 1.

[783] Barbos. no Catalog. das Rainh. p. 127. Sousa Histor. Geneal. tom.
1. p. 100.

[784] Ibid. p. 103. Monarq. Lusit. liv. 15. cap. 35. p 232.

[785] Barbos. allegad. p. 127.

[786] Monarq. Lusit. tom. 4. liv. 12. cap. 21. Sous. Histor. Geneal.
tom. 1. liv. 1. cap. 9. Caram. Philipp. Prud. lib. 1. pag. 19.

[787] Barbos. Catal. das Rainh. p. 127. Monarq. Lusitan. tom. 4. liv.
12. cap. 21. Sous. Histor. Geneal. tom. 1. cap. 9. Benedict. Lusitan.
tom. 2. p. 318. Garibay tom. 4. liv. 34. c. 15.

[788] Barbos. no Catal. das Rainhas p. 134. Sous. Histor. Geneal. tom.
1. p. 125.

[789] Sous. Histor. Geneal. tom. 1. p. 89. Benedictin. Lusit. tom. 2.
p. 318. Mariz Dial. 2. p. 93. Monarq. Lusit. liv. 13. cap. 6.

[790] Monarq. Lusitan. liv. 14. cap. 24. Corograf. Port. tom. 2. p. 171.

[791] Monarq. Lusitan. liv. 12. cap. 21. Sous. Histor. Genealog. tom.
1. p. 91.

[792] Monarq. Lusitan. liv. 15. cap. 35. Barbos. no Catalog. das Rainh.
p. 129. Sousa Histor. Geneal. tom. 1. p. 92.

[793] Monarq. Lusit. liv. 12. cap. 21.

[794] Sous. Histor. Geneal. tom. 1. p. 144. Barbosa no Catal. das
Rainh. p. 237.& seqq.

[795] Monarq. Lusit. liv.13. cap.20. Sousa allegad. tom.1. p.141.

[796] Monarq. allegad.

[797] Barbos. Catalog. das Rainh. p. 257.

[798] Sous. Histor. Genealog. tom 1. p. 185. Monarq. Lusit liv. 16.
cap. 31. e tom. 6. p. 178. Cardos. Agiol. Lusit. tom. 1. p. 62.

[799] Sous. Histor. Geneal. tom. 1. p. 176. Monarq. Lusit. liv. 16.
cap. 48.

[800] Cardos. a 6 de Junh.

[801] Monarq. Lusit. liv. 15. cap. 28.

[802] Ibid. cap. 29. Sous. Histor. Geneal. tom. 1. p. 177. Moreir.
Theatr. Geneal. da Casa dos Sous. p. 319. diz, que este D. Affonso
Diniz naõ fora bastardo.

[803] Brand. Monarq. Lusit. liv. 15. cap. 29. Emprez. Militar. p. 13.
Benedict. Lusit. part. 2. p. 322.

[804] Sous. Histor. Geneal. tom. 1 p. 177. Malt. Port. tom. 1. liv. 2.
cap. 6. n. 71.

[805] Monarq. Lusit. liv. 15. cap. 29. e no Prol. da part.5. Veja-se
tambem a Leitaõ Ferr. nas Notic. Chronol. n. 71.

[806] Monarq. Lusit. liv. 15. cap. 29. e cap. 36.

[807] Idem ibid. Sous. Histor. Geneal. tom. 1. p. 179.

[808] Cornej. Chronic. da Ord. tom 2. p. 61. Esperança Histor. Serafic.
liv. 5. cap. 9.

[809] Sous. Histor. Geneal. tom. 1. p. 180.

[810] Lima Geograf. Histor. tom. 1. p. 210.

[811] Sousa Histor. Geneal. tom. 1. p. 286.

[812] Monarq. Lusit. tom. 6. p. 271. e tom. 5. p. 39. e 270. Agiol.
Lusit. no primeiro de Janeiro. Sous. Histor. Geneal. tom. 1. p 237.

[813] Idem ibid. p. 254. e seg. Rodrig. Mend. da Silv. Catal. Real.
Monarq. Lusitan. liv. 18. cap. 48.

[814] Sous. Histor. Geneal. tom. 1. p. 280.

[815] Idem ibid. p. 281.

[816] Salazar Casa de Lara tom. 1. liv. 3. cap. 8. §. 3. Torre do Tombo
liv. 3. delRey D. Diniz fol. 34. e fol. 36.

[817] Garibay tom. 2. liv. 14. cap. 5. e 6. Barbos. no Catal. das
Rainh. p. 279.

[818] Monarq. Lusit. liv. 18. cap. 32.

[819] Zurit. Annaes de Aragaõ tom. 2. liv. 8. cap. 13. 14. e 42.

[820] Barbos. no Catal. das Rainh. p. 295. Leitaõ Ferreir. Notic.
Chronol. num. 512. Sous. Histor. Geneal. tom. 1. p. 383. Garam.
Philipp. Prudent. p. 142. Far. no Com. de Cam. cant. 3. est. 101.

[821] Faria Epitom. part. 3. cap. 9.

[822] Monarq. Lusitan. liv. 16. cap. 1.

[823] Sous. Histor. Geneal. tom. 1. p. 387. e seg.

[824] Á cerca da verdadeira Mãy de D. Joaõ, Mestre de Aviz, veja-se
Joseph Soares da Silva nas Memorias delRey D. Joaõ I. e a D. Antonio
Caetano de Sousa no tom. 2. da Historia Genealogica da Casa Real
Portugueza.

[825] Sous. Histor. Geneal. tom. 1. p. 431. Monarq. Lusit. tom. 8. p.
651. Duart. Nun. Descr. de Port. p. 139. Anno Historic. a 14 de Mayo.
Pint. Ribeir. nos Injust. Success. dos Reys de Leaõ §. 13.

[826] Sous. allegad. p. 427.

[827] Cunh. Histor de Brag. tom. 2. cap. 58. n. 1. Soares da Silva nas
Memorias delRey D. Joaõ I. liv. 1. cap. 45. n. 292.

[828] Fernaõ Lopes Chronica delRey D. Joaõ I. cap. 148. Nunes Chronic.
do mesmo Rey c. 101.

[829] Sous. Histor. Geneal. tom. 2. pag.103. Vieira tom. 11. num. 622.
Sous. Histor. de S. Dom. part. 1. liv. 6. cap. 15. Soares da Silva nas
Memorias delRey D. Joaõ I. liv. 1. cap. 75. e segg.

[830] Sous. Histor. Genealog. tom. 2. p.115. e segg. Duart. Nun.
Descripç. de Port. p. 144

[831] Silv. Memor. delRey D. Joaõ I. liv. 1. cap. 94. Sous. Histor. de
S. Doming. liv. 6. cap. 15. p. 332

[832] Nun. de Leaõ na Chron. delRey D. Duarte, e na Descr. de Port. p.
120. Cardos. Agiolog. Lusit. tom. 3 a 5 de Junh. Sous. Histor. de S.
Dom. part. 1. liv. 6. cap. 27. e 28. Soar. da Silv. Memor. delRey D.
Joaõ I. liv. 1. Sousa Histor. Geneal. tom. 2. liv. 3. cap. 6. Vasco
Mousinho no Affonso Africano cant. 4. est. 52 e segg.

[833] Sousa Histor. Geneal. tom. 5. lib. 6. Per. Chron. dos Carm. tom.
1. Lorena perseg. p. 405.

[834] Nun. Chronic. delRey D. Affonso V. cap 1 Barbos. no Catal. das
Rainh. Sous. Histor. Genealog. tom. 2.

[835] Faria Europ. Port. tom. 2. part. 3. cap. 2. n. 28. Duarte Nun.
Descr. de Port. p. 140. Sousa allegad.

[836] Agiolog. Lusitan. tom. 3. a 17 de Junho.

[837] Sous. Histor. Genealog. tom. 2. p. 661.

[838] Benedict Lusit. tom. 1. p. 381. Per. Chron. dos Carm. tom. 1. n.
1655. Corog. Port. tom.2. p. 341.

[839] Fr. Luiz de Sous. Chron. de S. Dom. part. 2. liv. 5. Agiol. Dom.
a 12 de Mayo. Sous. Histor. Geneal. tom. 3. cap. 2. p. 79.

[840] Garcia de Resend. Chron. delRey D. Joaõ II. cap 8. e 131. Anno
Historico a 12, e 13 de Julho. Sous. Histor. Geneal. tom. 3. cap. 4.
Fonseca Evora gloriosa pag. 96.

[841] Garcia de Resend. Chron. delRey D. Joaõ II. cap. 112. e 213. Goes
Chron. delRey D. Manoel part. 1. cap. 45. Faria Europ. Port. tom. 2. p.
492. n. 5. Leitaõ Miscelan. Dialog. 20. p. 632. Osor. de reb. Emmau.
lib. 1. cap. 1. Fr. Jeron. Rom. Histor. da Ordem Militar de Santiago
cap. 9. Anno Histor. a 12 de Agosto.

[842] Barbos. no Catal. das Rainh. p. 282. Sous. Histor. Geneal. tom.
3. p. 247. Duarte Nun. Descripç. de Port. p. 145. Clensueg. Vid. de S.
Francisco de Borja liv. 2. cap. 6. e 7. Anno Historico no primeiro de
Mayo. Barbos. nos Factos da Lusitan. a 21 de Março.

[843] Sous. Histor. Geneal. tom. 3. p. 293. Barbos. nos Fact. da Lusit.
tom. 1. p. 108.

[844] Damiaõ de Goes Chron. delRey D.Manoel part. 1. cap. 101. Mariz
Dial. 4. cap. 22. Telles part. 1. liv. 3. cap. 17. Sousa Histor.
Geneal. tom. 3. p. 357. Far. Epitom. part. 3. cap. 16 n. 9. Paul. Jor.
liv. 34. Tarcagnot Histor. del mondo part. 3. liv. 3. p. 170. Ilhescas
Histor. Pontif. part. 2. liv. 6. cap. 27. §. 1. Sandoval part. 2. liv.
22. §. 4. Anno Historic. a 12 de Julho.

[845] Damiaõ de Goes Chronic. delRey D. Manoel part. 2. cap. 19.
Faria Europ. Portug. tom. 2. part. 4. cap 1. n. 57. O Author do Anno
Historico assina superfluamente o nascimento deste Infante a 5 de
Julho, tendo já delle feito memoria a 5 de Junho, dia proprio, e
verdadeiro.

[846] Goes Chron. delRey D. Manoel part. 2. cap. 42. Agiol. Lusitan.
tom. 2. p. 658. e 666. Sous. na Histor. Geneal. Barb. nos Factos da
Lusit.

[847] Barbos. no Catal. das Rainh. p. 391.

[848] Goes Chron. delRey D. Manoel part. 3. c. 79. Barbos. no Catal.
das Rainh. p 388. Rodrig. Mendes da Silv. Catal. Real p. 98. Manoel de
Galheg. Templo da fama liv. 4. est. 50. Sousa Histor. Geneal. tom. 3.
p. 421.

[849] Barbos. Catalog. das Rainh. p. 396.

[850] Sous. Histor. Genealog. tom. 3. p. 459. Camões cent. 1. Sonet.
83. Joaõ de Barr. no Panegyric. desta Princeza, que vem no fim das
Noticias de Sever. Maced. Flores de Hespanh. cap 8. excell. 11.
Santuar. Marian. tom. 2. Anno Histor. a 10 de Outubro. Duarte Nun,
Descr. da Port. p. 151.

[851] Os eruditos irmãos Barbos. no Catal. das Rainh. p. 403. e nos
Fast. da Lusit. tom 1 p. 33. Cam. Eglog. 1. Sá de Miranda na Elegia à
morte deste Principe. Anton. Ferr. Eglog. 7. Luiz. Pereir. na Elegiada
cant. 1. p.11.

[852] Sous. Histor. Geneal. tom. 3. p. 539. Nicol. Anton. na
Bibliothec. Hisp. Barbos. na Bibliothec. Lusitan. tom. 1. p. 721.

[853] Menezes Port. Restaurad. tom. 1. liv. 11. p. 796. Vieir. tom. 13.
p. 92. Agiol. Lusit. a 15 de Mayo. Os eruditos irmãos Barbos. no Catal.
das Rainh. p. 426. e nos Fastos da Lusitan. tom. 1. a 8 de Fevereiro.
Anno Historico tom. 2. p. 81.

[854] Sous. Histor. Geneal. tom. 7. p. 281. Anno Historic. tom. 2. p.
98.

[855] Monarq. Lusitan. liv. 8. cap. 12.

[856] Sous. Histor. Geneal. tom. 7. p 257. Barbos. nos Fast. da Lusit.
tom. 1. p. 464.



                             CAPITULO IX.

 _Do Governo antigo, e moderno da Casa Real._


1 Ainda que alguns Escritores nossos se inclinassem[857] a que os
officios, com que se servio a Casa Real até ElRey D. Fernando, fossem
somente Mordomo da Corte, Alferes, e Trinchante,[858] todavia varios
outros Officiaes tiveraõ muitos dos Reys, que lhe precederaõ, dos quaes
daremos breve informaçaõ por aquella ordem, que nos for lembrando, sem
darmos exacta preferencia aos taes officios, que requer a grandeza da
sua dignidade.

2 _Modome Mór._ He entre todos os officios titulares da Casa Real o que
tem o primeiro lugar. No Regimento, que fez Gomes Annes de Azurara,
(se acaso naõ foy Martim Affonso de Mello) dos officios Móres do Reino
por mandado delRey D. Affonso V. que foy o Principe, que reduzio a
singular ordem a Fidalguia Portuguesa nos empregos de Palacio, se lê,
que em outras Cortes chamavaõ à preeminencia deste officio _Senescal_,
que vale o mesmo que _Senex calculi_, ou Presidente das contas,[859]
porque a seu cargo toca tomallas de todas as despezas dos Reys; porém
Scipiaõ Amirato affirma, que Senescalco era o Architriclino antigo, e
que o officio de Mordomo Mór tivera origem no Reino de França, donde se
derivou a outras Cortes da Europa.

3 Neste Reino devia começar com o Conde D. Henrique; porque em tempo
delRey D. Affonso seu filho assina, e confirma muitas vezes as doações
o Mordomo Mór Gonçalo Rodrigues. O que temos por infallivel he, que
esta dignidade andou sempre nos principaes Senhores de Portugal. ElRey
D. Diniz honrou com ella a seu filho illegitimo D. Affonso Sanches,
de quem foy summamente affeiçoado. O Conde D. Nuno Alvares Pereira
foy Mordomo Mór delRey D. Joaõ I. e assim a tiveraõ outros muitos
Cavalheros da primeira Nobreza.

4 Além da superintendencia, que o Mordomo Mór tem na Casa Real,
entende particularmente em receber todos os criados, e moradores
della; e porque antigamente em lugar do verbo _Tomar_ se dizia
_Filhar_, conserva ainda hoje esta palavra, chamando-se a estas
recepções _Filhamentos_. Os Fóros, que ha na Casa Real, em que
entraõ os novamente filhados saõ elles: _Moços da Camera_, _Moços da
Guardaroupa_, _Escudeiros Fidalgos_, _Cavalleiros Fidalgos_, _Moços
Fidalgos_, _Fidalgos Escudeiros_, _Fidalgos Cavalleiros_, _Fidalgos do
Conselho_.

4 No foro de _Moços Fidalgos_ filha o Mordomo Mór aos filhos, e
netos dos já filhados, ou a outros, a quem ElRey faz mercê de novo,
ainda que seus antepassados naõ fossem filhados. O filhamento dos
primeiros he ordinario, porque naõ se póde negar ao filho do criado
delRey o foro, e moradia de seu pay. Chegando os Moços Fidalgos a
vinte annos, os accrescentaõ a _Fidalgos Escudeiros_; e depois sendo
armados Cavalleiros em algum acto de guerra, lhe daõ foro de _Fidalgos
Cavalleiros_; porém nisso póde haver dispensa com facilidade. O
ultimo accrescentamento he de _Fidalgos do Conselho_, porém naõ he
accrescentamento ordinario, nem os filhos o podem requerer, mas ElRey
dá este titulo a quem lhe parece, e anda annexo a todos os Arcebispos,
e Bispos, Priores Móres de Aviz, e Santiago, a todos os Inquisidores
do Conselho Geral do Santo Officio, a todos os Condes, Desembargadores
do Paço, Chancelleres da Casa da Supplicaçaõ de Lisboa, e Relaçaõ do
Porto, e Chanceller Mór, Reitor da Universidade de Coimbra, Governador
do Algarve, aos Governadores das Praças de Africa, Brasil, e Angola, e
presentemente o concedeo Sua Magestade aos setenta e dous Mon-Senhores
Prelados da Santa Igreja Patriarcal.

6 Os moradores da Casa delRey, que naõ entraõ por Moços Fidalgos, saõ
tomados por _Moços da Camera_, e depois se accrescentaõ a _Escudeiros
Fidalgos_, e ultimamente a _Cavalleiros_ com a terceira, ou quarta
parte mais de moradia, conforme suas qualidades. Os Moços da Capella,
Porteiros, Resposteiros, e toda a mais gente daqui para baixo tem
accrescentamento ordinario a Escudeiro sómente, e esse menor, e de
quantia certa.

7 O foro dos _Fidalgos Cavalleiros_, que sómente se dava em algum
famoso acto militar, mais era dignidade que foro, e começou neste
Reino a ser accrescentamento ordinario depois da tomada de Alcacere,
como diz Gomes Annes de Azurara; porque até entaõ como o Reino estava
sem Conquistas, naõ havia ocasiaõ, senaõ rara, de alcançar semelhante
honra; e os que hiaõ buscalla fóra do Reino, eraõ poucos, e por isso
esta dignidade era taõ estimada, que todos os Principes daquelle
tempo a procuravaõ alcançar com grande cuidado: assim lemos que
para este effeito vieraõ a Hespanha, e Portugal grandes Senhores em
varios tempos; e os que nesta parte alcançaraõ mayor gloria, foraõ os
nossos Infantes, filhos delRey D. João I. porque só com este intento
emprenderaõ a expugnaçaõ de Ceuta, e ElRey D. Joaõ II. sendo Principe,
a de Arzilla.

8 Dava-se tambem esta dignidade em tempo de paz, e com grandes festas,
quando alguma Personagem subia ao novo titulo, como fez ElRey D. Pedro
I. quando creou Conde de Barcellos a D. Joaõ Affonso Tello, seu grande
privado,[860] para o qual acto mandou fazer cinco cirios, que outros
tantos homens tiveraõ nas mãos toda a noite, que o Conde velou as armas
no Convento de S. Domingos de Lisboa, estando postos em duas alas desde
a Igreja até os Paços do Castello. ElRey D. Affonso V. armou Cavalleiro
a seu irmaõ o Infante D. Fernando com tanta solemnidade, que o menor
apparato desta pompa foy precederem diante deste magnifico acto mil
tochas, que levavaõ quatrocentos Cavalleiros, e seiscentos Escudeiros
dos mais luzidos da Corte todos vestidos de huma libré, e traje.

9 _Camareiro Mór_ he o segundo officio da Casa Real, conforme a
distribuiçaõ, que lhe assina a Ordenaçaõ do Reino.[861] Chamava-se
esta dignidade em tempo dos Imperadores Romanos _Primicerius sacri
cubiculi_. Os Reys Godos intitularaõ ao Camareiro Mór _Comes
cubicularius_, e havia outros, a que chamavaõ Condes do cubiculo, que
eraõ os que agora saõ os Gentis-homens da Camera.[862]

10 Esta dignidade começou mais tarde neste Reino, pois no governo
delRey D. Affonso III. he a primeira vez, que se encontra este titulo
em Joaõ Fernandes; e antes que a houvesse, fazia este offcio o
Reposteiro Mór. Sua particular obrigaçaõ he vestir, e despir a pessoa
delRey, aos pés de cujo leito costumava dormir. Ultimamente andou
este officio na familia dos Sás, Condes de Penaguiaõ, e Marquezes de
Abrantes, que exercitava com o titulo de Camarista, ou Gentil-homem da
Camera em companhia de outros, que todos servem às semanas, e trazem
chave dourada.[863]

11 _Guarda Mór da Casa._ Desta dignidade se faz mençaõ no Regimento
dos officios móres delRey D. Affonso V. o qual ordena, que o Guarda
Mór traga sempre vinte Cavalleiros para guarda da pessoa delRey, que o
acompanhem em toda a parte. Na Chronica delRey D. Manoel escreve Damiaõ
de Goes,[864] que o dito Rey, em quanto viveo, tivera sempre guarda da
Camera, e dos Ginetes, de que muito se prezava. Constava a sobredita
guarda de vinte e quatro Cavalleiros dos mais assinalados da Corte, que
dormiaõ no Paço junto da Camera delRey, e na mesma casa dormiaõ tambem
alguns Moços Fidalgos, e na outra sala outros tantos Moços do monte.
Na guarda dos Ginetes havia duzentos Cavalleiros muito valentes, que
armados com lanças, e adargas, acompanhavaõ a ElRey para onde hia.

12 Tanto que ElRey se deitava na cama, antes de se lhe correr a
cortina, entrava o Guarda Mór, e via a ElRey, e entaõ corria a cortina
o Sumilher; e sahiaõ para fóra. Fechava o Guarda Mór a porta, e junto
della se lhe fazia a cama, onde dormia, e mais afastado se seguiaõ as
camas dos outros Fidalgos da guarda. Pela manhã, quando ElRey chamava,
entrava o Guarda Mór com o Sumilher; este levantava a cortina, e o
Guarda Mór assistia ao vestir delRey. Este costume se usou até o
tempo delRey D Sebastiaõ,[865] e o officio expirou em Pedro de Mendoça
Furtado no reinado delRey D. Joaõ IV. que depois naõ se tornou mais a
prover.

13 _Reposteiro Mór._ Chamavaõ os Romanos a este officio _Comes
Castrensis_, e presidia aos Castrensianos, que punhaõ a meza ao
Imperador; aos Lampadarios, que tratavaõ das luzes, que de noite havia
no Paço; aos Cellarios, que tinhaõ cuidado na despensa, e a outros
muitos. Neste Reino serve de chegar a cadeira, ou almofada a ElRey,
quando se assenta, ou poem de joelhos; e preside aos Reposteiros,
cujos officios provê. Anda hoje esta dignidade na Casa do Conde de
Castello-Melhor, que a herdou por morte de Bernardim de Tavora.

14 _Veador da Casa._ O primeiro Veador, de que ha noticia neste
Reino, he de Egas Moniz em tempo do invicto Rey D. Affonso Henriques;
e os mais, que se lhe seguiraõ, foraõ sempre Cavalheros de grande
caracter.[866] Estava a seu cargo naõ só o governo total das oxarias,
mas grande parte do regimen da Casa Real, porque servia inteiramente
o officio de Mordomo Mór, quando este por qualquer ausencia, ou
molestia faltava no Paço: assim o determinou ElRey D. Affonfo V. no
seu Regimento,[867] e se vê tambem no da Fazenda,[868] estylo, que em
muitos Reinos he estabelecido.[869]

15 Ha muitos exemplos de servirem os Veadores o officio de Mordomo Mór,
como foy Vasco Annes Corte-Real pelos annos 507, 512, e 515; Ruy Lopes
em 527, e 529; D. Francisco de Sousa em 541, Thomé de Sousa em 551, D.
Diogo Lopes de Lima em 570, e Damiaõ Borges em 579, sendo estes tempos
comprehendidos nos governos dos Senhores Reys D. Manoel, D. Joaõ III.
D. Sebastiaõ, e D. Henrique. Na mesma fórma continuou Francisco Barreto
no tempo delRey Filippe II.

16 He verdade que servindo o Veador Francisco Barreto de Mordomo Mór,
se moveraõ entre elle, e o proprietario varias duvidas. Primeira sobre
qual delles havia de levar o ordenado de Mordomo Mór. Segunda como se
havia de dizer nos Alvarás: _Eu ElRey faço saber a vós F. meu Mordomo
Mór_; ou _F. meu Veador, que hora servis de meu Mordomo Mór_. Terceira,
se quando tornava a servir o Mordomo Mór, lhe havia de entregar
o Veador as Consultas, e mais papeis, que, quando tinha servido,
despachara, ou se haviaõ de ficar em seu poder. Resolveo-se que ambos
levassem o ordenado de Mordomo Mór; que nos Alvarás se dissese:
_Veador, que servis de Mordomo Mór_; e que os papeis fossem todos para
o Cartorio, em que costumavaõ estar.

17 Em todo o tempo dos Senhores Reys D. Joaõ IV., e D. Affonso VI.
governavaõ os Veadores às semanas pela precisa, e continua assistencia,
que faziaõ no Paço, assistindo aos comeres de Suas Magestades, e naõ
mandando os ditos Senhores fazer nem ainda para si cousa alguma,
que naõ fosse ordenando-o vocalmente ao Veador de semana, e este
aos Officiaes subalternos. Quando as pessoas Reaes estavaõ doentes,
eraõ obrigados a assistir nas juntas dos Medicos, para verem o que
lhe mandavaõ comer, e receitar. Aos Veadores tocava o mando de todos
os Officiaes pertencentes à meza delRey: elles tinhaõ o governo dos
Moços da Camera: a seu cargo estava a enfermaria, onde se curavaõ os
criados pobres; e nas jornadas, que os Reys faziaõ, corriaõ com todos
os gastos inteiramente, e era totalmente sua a disposiçaõ. No governo
do Serenissimo Senhor D. Pedro II. como se servia com os Camaristas,
e comia pela Casa da Rainha, e as despezas ordinarias se faziaõ pela
do Infantado, quasi ficaraõ sem exercicio os Veadores. Anda hoje este
officio nas Casas dos illustrissimos Condes do Redondo, e Assumar, e D.
Francisco Xavier de Sousa.


NOTAS DE RODAPÉ:

[857] Naõ fazem mençaõ de outros Officiaes até o dito tempo Fr. Antonio
Brandaõ, Ruy de Pina, e Duarte Nunes, sendo estes dos mais principaes
Chronistas entre os nossos.

[858] Os que contaõ em hum dos tres officios ao Trinchante, he porque
entendem que isto significava _Dapifer_; mas enganaõ-se, porque este
officio corresponde ao de Veador, entre o qual, e o de Mordomo Mór naõ
havia antigamente differença. Danet. in Diction. antiq. Roman. verb.
_Comes._ Castr. Palat. Ducange verb. _Dapifer_.

[859] Veja-se a Bluteau no vocab. _Mordomo Mór_, e _Senescal_, e a Gil
Gonçalves Davila no Theatro de las grandezas de Madrid p. 313. Nunes de
Castro no livro _Solo Madrid es Corte_ liv. 1. cap. 10. Villasboas na
Nobiliarq. Port. cap 12. Lima Geograf. Histor. tom. 1. p. 481. Solan.
Succo de Pegas tom. 2. p. 376. verb. _Æconomus_.

[860] Faria na Europ. Port. tom. 2. part. 2. cap. 4. num. 22.

[861] Orden. liv. 3. tit. 5. no princip.

[862] Petr. Pantin. de Offic. Regis domus Gothor. Garm. Theatr. de
Hesp. tom. 3. p. 143 e 223.

[863] Vide Gil Gonçalv. Theatr. de las grandez, de Madrid p. 315.
Peg. à Orden. tit. 13. liv. 3. tit. 5. gloss. 2. n. 64. Barbos. à
dit. Orden. n. 2. Carv. in cap. Raynald. de test. part. 1. n. 364.
Villasboas Nobiliarq. Port. cap. 12.

[864] Goes part. 4. cap. 84.

[865] Sous. Histor. Geneal. tom. 3. p. 552. Lim. Geograf. Histor.tom.
1. p. 444. Veja-se a Argote no Discurso da Montaria Real cap. 6. e a D.
Franc. Xavier de Garma no Theatr. Univ. de Hesp. t. 3. c. 14.

[866] Monarq. Lusit. liv. 9. cap. 5. e liv. 10. cap. 4. Chron. del Rey
D.Joaõ I. cap. 68.

[867] No tit. de Mordomo Mór.

[868] Cap. 241.

[869] L’Etat de la France, e de la Gran Bretaña. Ethiquetas de Hespanha.



                              CAPITULO X.

 _Dos Officiaes, e ordem, com que se assistia à meza dos Reys._


1 Costumavaõ os Senhores Reys deste Reino comer ordinariamente em
publico, e com magestoso apparato desde o tempo delRey D. Affonso V.
que imitou a seu tio o Infante D. Pedro.[870] Assistia à meza hum
_Trinchante_, que cortava. Até o tempo delRey D. Joaõ III. foy hum
só, depois se accrescentou mais outro, e no reinado delRey D. Joaõ
IV. houveraõ tres Trinchantes de tres differentes Casas. Hoje anda na
de D. Antonio Alvares da Cunha, Senhor da Taboa, e na de D.Joseph de
Vasconcellos e Sousa, que herdou este officio por casar com huma filha
herdeira de Diogo de Brito Coutinho.[871] Á maõ direita do Trinchante
ficava o _Uchaõ_, e junto com elle o Servidor da toalha. Da parte
esquerda se seguia o _Mantieiro_.

2 Traziaõ os Moços da Camera as iguarias, vindo diante o _Prestes
da Cozinha_, que he hum accrescentado, e nas festas grandes o
_Mestre-Sala_. Davaõ-se os pratos ao Servidor da toalha, que os punha
na meza, e o Uchaõ os chegava para o Trinchante por ordem, conforme
se havia de comer. Depois de trinchados os que eraõ para iso, fazia a
salva o Servidor da toalha, e o Trinchante os chegava a ElRey; e tanto
que ElRey comia, os tirava o Mantieiro, e metia outros, e novamente
guardanapo.

3 _Uchaõ_ he o que tinha cuidado de mandar guardar a caça na ucharia,
ou dispensa da Casa Real, e por isso parece que se lhe deu o nome
de Uchaõ, tomado de _Uccello_, que em italiano significa passaro. O
officio de _Copeiro Mór_, a que os Godos chamavaõ Conde das Escancias,
ou _Comes scanciarum_, que he o mesmo, que se dissessemos Conde das
bebidas, he o que dá o pucaro de agua a ElRey para beber, e anda hoje
este officio na Casa do Conde de Villa-Flor. Quando ElRey lhe fazia
sinal, hia buscar o pucaro à porta da casa, onde ElRey comia, e lho
entregava o Copeiro menor; e tornando a entrar acompanhado do mesmo
Copeiro, e dous Porteiros da cana, que faziaõ suas cortezias, e se
punhaõ de joelhos, chegava o Copeiro Mór à meza, dava o pucaro a ElRey,
que acabando de beber, o tomava, estando até entaõ inclinado sobre a
meza, tendo a salva debaixo do pucaro. Depois se levantava, e tres pés
atraz fazia a cortezia, e dava o pucaro ao Copeiro menor, que o levava
à copa acompanhado dos Porteiros.

4 Nas solemnidades grandes se fazia este acto com muito mayor
ceremonia; porque hiaõ diante os Porteiros da maça dous e dous, os
Reys de armas, Arautos, e Passavantes, o Porteiro Mór, Mestre-Sala,
Veador da Casa, os Védores da Fazenda, e detraz de todos o Mordomo Mór,
e todos hiaõ descubertos até o estrado, onde faziaõ suas cortezias.
Os Védores da Fazenda tiravaõ os chapeos no meyo da sala, e o Mordomo
Mór até o fazer da cortezia, que juntamente a fazia, e tirava o
chapeo, e neste tempo se tocavaõ os intrumentos musicos. Este mesmo
acompanhamento se fazia nas primeiras, e ultimas iguarias, que vinhaõ
à meza, e quando traziaõ a fruta.[872] Todos estes Officiaes, que
assitiaõ à meza, levavaõ certas iguarias de gajes da copa, as quaes
eraõ de tanta importancia, que mandando ElRey D. Filippe II. que lhas
dessem a dinheiro, se lhes arbitrarão por ellas grossos ordenados.

5 Todos os Senhores, que assistiaõ à meza, estavaõ em pé encostados à
parede, e nenhum dos Grandes tinha assento, porém cubriaõ-se os que
tinhaõ esse privilegio. Á roda da meza estavaõ de joelhos os Moços
Fidalgos; e quando no fim vinha a confeiteira, repartia ElRey com elles
dos doces, e frutas.[873] Em quanto os Reys comiaõ, costumavaõ praticar
com os Fidalgos, principalmente com aquelles, que tinhaõ andado fóra
do Reino; e com os doutos, que sempre estavaõ presentes, se excitavaõ
questões curiosas, e uteis.

6 Muitas vezes nos Domingos, e dias Santos jantavaõ, e ceavaõ com
musicas; e nas Festas principaes com atabales, e trombetas. Vespera de
Natal consoava ElRey em publico com todo o estado, e entretanto davaõ
de cear a todos os Escudeiros, e Fidalgos, que estavaõ na sala. Depois
mandavaõ de consoar às Damas, e aos Officiaes delRey se lhes mandava
a suas casas. Os Moços da Camera consoavão na Guarda-reposta, e aqui
mesmo se dava consoadas aos Capellães, e daqui para baixo até os moços
da estribeira, e do monte.

7 O fausto, e grandeza, com que ElRey D. Joaõ II. celebrou as vodas
de seu filho o Principe D. Affonso com a Senhora Dona Isabel,
especialmente nos banquetes, que deu em Evora, foraõ taõ notaveis,
que nos obriga a transcrever o mais raro delles pelas formaes palavras
do seu Chronista Garcia de Resende cap. 113. o qual diz: _Logo à
entrada, da meza veyo huma grande carreta dourada, e traziaõ-na dous
grandes boys assados inteiros com cornos, e mãos, e pés dourados, e o
carro vinha cheyo de muitos carneiros assados inteiros com os cornos
dourados, e vinha tudo posto num cadafalso taõ baixo com rodetas
no fundo delle, que naõ se viaõ, que os boys pareciao vivos, e que
andavaõ. E diante vinha hum Moço Fidalgo com huma aguilhada na maõ,
picando os boys, que parecia que andavaõ, e levavaõ a carreta, e vinha
vestido como carreteiro com hum pelote, e hum gaibaõ de veludo branco
forrado de brocado, e assim a carapuça, que de longe parecia proprio
carreteiro, e assim foy oferecer os boys, e carneiros à Princeza,
e feito o serviço, os tornou a virar com sua aguilhada por toda a
sala até sahir fóra, e deixou tudo ao povo, que com grande grita, e
prazer foraõ espedaçados, e levava cada hum quanto mais podia. E assim
vieraõ juntamente a todas as mezas muitos pavões assados com os rabos
inteiros, e os pescoços, e cabeça com toda sua penna, que pareceraõ
muito bem, por serem muitos, e outras muitas sortes de aves, e caças,
manjares, e frutas, tudo em muito grande abundancia, e muita perfeiçaõ._

8 A ultima vez, que as Magestades Portuguezas comeraõ em publico, foy
quando veyo de Alemanha a Rainha Dona Maria Anna de Austria. A primeira
cea, e jantar se deu na casa da galé, e foy de grande esplendor,
disposiçaõ, asseyo, e apparato. Tinha a meza de comprido quatorze
palmos e meyo, e de largo seis e meyo. Constava de quatro cubertas de
vinte e hum pratos cada huma: as tres primeiras de cozinha, e a ultima
de doces, e frutas. A disposiçaõ era nesta formalidade, segundo o
mappa, que vimos em casa do Excellentissimo Conde do Redondo.

       K      K      K      K

  X   +-----------------------+   Z
      |    A             B    |
      |                       |
  X   | C                   E |Y  Z
      |                       |Y
      |    *             *    |
  X   | D  G             H  F |   Z
      +-----------------------+
     I L M N             O P Q I
  X  S V T V             V T V R  Z


  A Lugar do talher delRey Nosso Senhor.

  B Lugar do talher da Rainha nossa Senhora.

  C Lugar do guardanapo do Senhor Infante D. Francisco.

  D Lugar do guardanapo do Senhor Infante D. Antonio.

  E Lugar do guardanapo da Senhora Infanta Dona Francisca.

  F Lugar do guardanapo do Senhor Infante D. Manoel.

  G Primeiro aviamento de trinchar.

  H Segundo aviamento de trinchar.

  I Moços Fidalgos com abanos.

  L Lugar do Veador.

  M Lugar do Mantieiro.

  N Lugar do primeiro Trinchante.

  O Lugar do segundo Trinchante.

  P Lugar do Servidor da toalha.

  Q Lugar do Mestre-Sala.

  R Lugar do Copeiro Mór.

  S Lugar do Escrivaõ da cozinha.

  TT Dous Moços da Camera com pratinhos.

  VV Moços da Camera, que servem à Meza.
  XX Lugar dos Titulos.

  ZZ Lugar dos Officiaes da Casa.

  YY Fysico Mór, e Cirurgião Mór.

  KK Lugar das Senhoras, que acompanharaõ a Rainha nossa Senhora.

  ** Girandulas, ou serpentinas de luzes.


NOTAS DE RODAPÉ:

[870] Nun. Chronic. delRey D. Affonso V. cap. 125. Soares da Silva nas
Memorias delRey D. Joaõ I. p. 366.

[871] Lim. Geograf. Histor. tom. 1. p. 511. Sous. Grandes de Portug. p.
279.

[872] Garcia de Resend. Chron. delRey D.Joaõ II. cap. 123.

[873] Goes Chron. delRey D. Manoel part. 4. cap. 84.



                             CAPITULO XI.

 _Do acompanhamento, com que os Reys sahiaõ pela Cidade, e caminhavaõ
 com a Corte._


1 Quando os Reys caminhavaõ pela Cidade, hiaõ nesta fórma: Os Porteiros
da cana, e os Reys de armas precediaõ a todos a cavallo, e descubertos.
Depois os Moços da estribeira tambem descubertos. Seguia-se o
Estribeiro Mór a cavallo, e cuberto. Dahi a espaço a pessoa delRey; e
atrás delle todos os Fidalgos a cavallo cubertos sem ordem. Só havendo
algum Infante, ou Senhor grande, hia este mais chegado à Pessoa delRey,
conforme o parentesco. Sendo dia solemne, hiaõ os trombetas, e timbales
diante delRey.

2 Na Cidade naõ usaraõ alguns Reys de guarda. ElRey D. Joaõ II. e
ElRey D. Manoel a traziaõ: já ElRey D. Joaõ III. muitas vezes usava
sahir fóra só com dous Porteiros da cana diante de si, a que alludio
Francisco de Sá e Miranda, quando disse:[874]

  _Que se póde ir mais à vante
  Com quanto alcança o sentido,
  Sem ferro, ou fogo, que espante,
  Com duas canas diante
  His amado, e his temido._

ElRey D. Sebastiaõ pelos muitos estrangeiros, que havia em Lisboa,
introduzio a guarda de pé de Alabardeiros Portuguezes, e naõ Tedescos,
com seu Capitaõ Fidalgo dos principaes. ElRey Filippe II. admittio
guarda Tedesca, e a deixou ao Archiduque Alberto, depois do qual se
continuou com os Governadores, e Vice-Reys. ElRey D. Joaõ IV. fez duas
Companhias de guarda, huma de Alemães, outra de Portuguezes, como
explica o douto, e diligente Padre D. Luiz de Lima.[875]

3 Tinhaõ por costume os Senhores Reys ir fóra todos os Domingos depois
de jantar ver correr a carreira, e algumas vezes elles mesmos a
corriaõ.[876] Para isto se ajuntavaõ além dos familiares do Paço muita
outra gente dos contornos, onde ElRey estava, e corriaõ diante delle a
cavallo. Eraõ os Reys taõ benignos, e humanos, que quando hiaõ pelas
ruas, e viaõ alguns homens nobres à porta, se detinhaõ, e fallavaõ com
elles.[877] Honravaõ tanto a seus criados, que a alguns hiaõ levar
a suas casas em dia de noivado: assim se lê delRey D. Joaõ III. que
recebendo-se nos Paços dos Estáos (hoje da Inquisiçaõ) Dona Maria de
Menezes com o avô de D. Antaõ de Almada, sahio ElRey acompanhando-a,
atravessou o Rocio, e chegou até à esquina das casas de D. Braz da
Silveira; e apontando para as dos Almadas, lhe disse galantemente:
_Dona Maria, até aqui cheguey para vos mostrar as vossas casas, porque
vos naõ enganassem, e levassem a outras._[878]

4 Quando ElRey hia fóra da Corte, o acompanhavaõ ordinariamente os
moradores da sua Casa, Conselho de Estado, e outra muita gente, que
o seguia, assim por este respeito, como por seus requerimentos, e
despachos; pelo que em qualquer parte, que a Corte estava, havia tanta
frequencia, como em huma boa Cidade, e por isso ordenaraõ que a Corte
trouxesse comsigo todos os Officiaes assim politicos, como de justiça,
que saõ necessarios para o governo de huma Republica. Eraõ estes o
Aposentador Mór, Almotacé Mór, Correyo Mór, Corregedores do Crime da
Corte, Corregedores do Civel com seus Officiaes de justiça inferiores.

5 O Aposentador Mór tem por obrigaçaõ ir diante da Corte hum, ou dous
dias, para ter prevenido o alojamento delRey; porque he costume antigo
neste Reino aposentarem os moradores de qualquer povo a ElRey, e sua
Corte, dando a metade das casas para se recolherem os que acompanhaõ a
ElRey. Esta distribuiçaõ de aposentos faz o Aposentador Mór, e he Juiz
de todas as duvidas, que sobre esta materia occorrerem. Hoje anda este
Officio na Casa dos illustrissimos Condes de Santiago.[879]

6 Ao Almotacé Mór pertence prover a Corte, onde quer que estiver, de
mantimentos, e para isso tem grande jurisdiçaõ, que se extende cinco
leguas da Corte. Antes que ElRey faça jornada para alguma parte, manda
adiante fazer promptos os mantimentos, e convocar certo numero de
Regatões, que chamaõ da Corte, cujos officios elle dá, os quaes tem
por obrigaçaõ prover a Corte de caça, e do mais preciso, com tanto que
naõ tragaõ os mantimentos dos povos cinco leguas à roda do lugar, onde
a Corte está; e para ser provida melhor, quando a Corte está fóra de
Lisboa, se quita meya ciza a quaesquer outros Regatões, a que fóra das
cinco leguas trazem mantimentos. Anda este cargo de Almotacé Mór em
Joaõ Gonçalves da Camera Coutinho.[880]

7 Ao Correyo Mór compete prover de cavalgaduras para os moradores
da Corte caminharem, e pôr as postas ordinarias no Reino; e quando
ElRey corre a posta, serve elle de Postilhaõ. Despacha os Correyos
ordinarios de pé, e cavallo, assim para o Reino, como para fóra delle.
A propiedade deste officio concedeo D. Filippe II. e confirmou ElRey D.
Joaõ de juro e herdade à Familia dos Matas.[881] Nestas jornadas usavaõ
os Reys às vezes de guarda cavalleiros, e particularmente a trazia
ElRey D. Joaõ II. a quem sempre acompanhava o Capitaõ dos Ginetes com
ella. ElRey D. Manoel lhe accrescentou o numero, que faziaõ duzentos
Cavalleiros, que com o mesmo Capitaõ lhe precediaõ sempre.

8 Com a mudança de governo houve tambem mudanças na formalidade da
guarda Real. Para idéa da que hoje se pratica nas funções solemnes,
mostraremos brevemente a ordem, com que as Pessoas Reaes caminharaõ de
Elvas para o Caya em 19 de janeiro de 1729 para as reciprocas entregas,
e desposorios dos Principes, e Princezas. Principiava aquelle vistoso
acompanhamento por mais de quarenta coches dos Fidalgos titulares
do Reino, a mayor parte delles tirados a seis frizões. Seguia-se
huma partida de quinze Cavalleiros com hum Alferes, vinte e quatro
trombetas, e atabaleiros da Casa Real vestidos de veludo carmesim
apassamanados de galões de ouro. Logo os cavallos de maõ dos Infantes
D. Francisco, e D. Antonio cubertos de telizes de veludo verde bordados
de ouro, e trinta delRey, do Principe, e do seu Estribeiro Mór. Depois
marchava hum Tenente com quinze cavallos, e logo doze postilhões
de gabinete com fardas de panno encarnado com alamares de prata.
Seguiaõ-se muitos coches, e berlindas, em que hiaõ muitos Officiaes
do Paço de mayor graduaçaõ. Logo os coches de respeito dos Infantes,
da Princeza, do Principe, e delRey, e ultimamente o coche magnifico,
em que hia a Familia Real, e atrás delle muitos moços da estribeira a
cavallo, e sete berlindas com as Camareiras Móres, e outras Senhoras,
e cento e trinta seges da Familia, e no fim de tudo hum esquadraõ de
guarda com quinhentos cavallos, que desde Lisboa foraõ acompanhando a
ElRey, e governavaõ quatro Fidalgos da primeira Nobreza. Naõ fallamos
na magnificencia, e magestosa pompa desta jornada mais extensamente,
porque se póde ver nos Authores allegados;[882] só advertimos, que
para esta funçaõ mandou ElRey que a libré antiga da Serenissima Casa
de Bragança, que era de panno silvado de verde e branco guarnecida de
galões de prata, se mudasse sómente para a sua Casa Real, da Rainha, e
Principes do Brasil na cor, de que usaraõ os antigos Reys, que era de
panno encarnado com os cabos, e vesteas azuis agaloadas de prata, e aos
Archeiros da guarda da mesma cor com a differença de serem os galões de
ouro.[883]


NOTAS DE RODAPÉ:

[874] Sá de Mirand. Epist. 1.

[875] Lim. Geogr. Histor. part. 1. p. 399.

[876] Goes Chronic. delRey D. Manoel p. 341.

[877] Clede tom. 3. pag. mihi 421. na vida delRey D. Joaõ II.

[878] Sous. Histor. Geneal. tom. 4. p. 258.

[879] Veja-se a Pegas à Orden. t. 13 add. t. 5. gloss. 2. num. 100.
Far. no Epitom. pag. mihi 665. Villasb. na Nobiliarq. Port. cap. 12.
Lima Geogr. Histor. tom. 1. pag. 337. Navarret. Conservac. de las
Monarq. cap. 20.

[880] Orden. liv. 1. tit. 18.

[881] Corogr. Portug. tom. 3. p. 390.



                             CAPITULO XII.

 _Dos Officiaes destinados para a caça, e montaria, e das principaes
 coutadas do Reino._


1 O Exercicio da caça assim de volateria, como de montaria foy
sempre a mais ordinaria recreaçaõ dos Reys Portuguezes, para a qual
mantinhaõ com grande pompa Officiaes, e Caçadores, que fossem destros,
e intelligentes em semelhantes artes.[884] Do Infante D. Duarte,
filho delRey D. Manoel, se conta,[885] que era nelle taõ dominante
este divertimento, que naõ reparava em descommodo algum só para matar
hum veado, chegando muitas vezes a dormir vestido no campo exposto à
inclemencia do tempo. Continuou este passatempo até o reinado delRey D.
Sebastiaõ; depois conforme o genio, e inclinaçaõ dos Principes assim
hia crescendo, ou diminuindo.

2 Quanto aos Officiaes para este ministerio, he o _Monteiro Mór_ o que
preside aos mais ministros da caça, o qual aceita todos os Monteiros de
cavallo, e de pé, e moços do monte, de que ElRey se serve. Havia tambem
_Caçador Mór_ para a caça de volateria, e _Falcoeiro Mór_ para a que se
fazia com falcões. Hoje todas estas tres occupações unidas ao officio
de Monteiro Mór andaõ na Familia dos Mellos.[886]

3 As coutadas antigas do Reino em tempo delRey D. Affonso V. occupavaõ
grande quantidade de terra, e por isso pediraõ os povos a ElRey D.
Joaõ II. nas Cortes de Montemór o Novo, que descoutasse parte dellas
para os campos se poderem aproveitar, e se escusarem os damnos, que as
caças silvestres faziaõ nas sementeiras. ElRey como Principe taõ amante
de seus vassallos o consentio, e descoutou muitas terras. O mesmo fez
ElRey D. Manoel nas Cortes de Lisboa de 1498,[4] e Filippe II. no anno
1594,[887] descoutou as montarias de Palmella, a de Montemór o Novo, a
de Montemor o Velho, e a de Aveiro, ordenando que naõ houvesse mais
coutadas que as de Lisboa, Cintra, Collares, Almeirim, e Salvaterra.

4 A coutada de Lisboa principiava das portas de Santo Antaõ, estrada
direita até o Lugar de Bemfica, e de Bemfica até Agualva, e da Agualva
a S. Marcos, e de S. Marcos a Oeiras, e daqui direito ao mar. As de
Cintra, e Collares tinhaõ duas leguas em circuito ao redor de cada
huma das ditas Villas. As de Almeirim, e Salvaterra principiava a sua
demarcaçaõ de Santo Eustacio direito pela estrada de aguas vivas acima
até as Simalhas, e dahi atravessando até a ribeira de Muja por cima da
mouta das Corvas, e atravessando a dita ribeira para o Zebro, e arneiro
dos Cruzentes, e daqui às Bezerras: dahi atravessando a ribeira da
Lamarosa direito às Cortezinhas, e das Cortezinhas à Erra, depois pela
estrada de Coruche, e pela mesma estrada abaixo até S. Romaõ, e logo a
Santo Estevaõ, atravessando a ribeira de Canha direito para as casas de
Belmonte, e dahi ao longo das terras do Duque até a ponta da mata de
Payo Real, que parte as lavouras, e daqui pela banda do Tejo a Santo
Eustacio.[888]

5 Naõ obstante isto, ficou sempre conservando as montarias de
_Santarem_, que constaõ de muito mais de vinte e seis matas, com outras
de particulares: as de _Alenquer_, as de _Obidos_ com quinze matas,
e outras particulares: as de _Leiria_ com o famoso pinhal de quatro
leguas de comprido, e huma de largo: as de _Pombal_, as de _Coimbra_,
as de _Coruche_, as de _Benavente_, e as de _Alcacere do Sal_, onde
junto ao rio, que vay para a dita Villa, ha hum pinhal de huma legua de
comprido, e de largo hum quarto de legua bastecida de muita caça.

6 As mais notaveis coutadas, que servem hoje de divertimento aos
Principes de Portugal, são as dos sitios de _Alcantara_, e _Belém_
abundantes de perdizes, lebres, coelhos, e gamos: a de_Cintra_, que se
extende por dilatados bosques, cujo sitio excede em qualidades a todos
os do Reino, e chega até a Villa de Cascaes, fertil todo o seu terreno
de perdizes, lebres, coelhos, e de certa especie de caça de arribação,
que a fertiliza nos mezes de Setembro, e Outubro. Ao Sul da serra de
Cintra da parte opposta do rio corre a serra da Arrabida, taõ povoada
de todo o genero de caça, e em particular de veados, que além de serem
os mayores de toda a Hespanha, excedem em quantidade a outras coutadas
do Reino, com tanto commodo para os Caçadores, quantas saõ as quintas,
e casas de campo, que tem o seu assento nos vistosos, e fertilissimos
sitios de Azeitaõ, Cezimbra, e Calhariz, situadas nas margens, e
visinhanças da mesma serra.

7 Para o tempo de Inverno he a celebre coutada de _Pancas_, tres leguas
de Lisboa da outra banda do rio, taõ fertil de todo o genero de caça,
que em pouca distancia da terra costuma entreter muitos Caçadores.
Tanta he a abundancia, e variedade, que no mesmo tempo se occupaõ os
Monteiros em correr à lança grandes javalis, e generosos veados, e os
Caçadores em tirar às perdizes, correr às lebres, e matar os coelhos,
além de outra muita caça de arribaçaõ, que concorre às lagoas, e
pantanos daquelle sitio. Com pouca mais distancia de leguas no termo da
grande Villa de Setubal nas ribeiras do rio Sado estaõ as duas grandes
coutadas do _Pinheiro_, e _Palma_, notaveis pela abundancia de veados,
e porcos montezes muito pingues, e grande quantidade de perdizes,
lebres, coelhos, e outras variedades de caças.

8 Apartadas de Lisboa dez, e quatorze leguas se seguem as Reaes
Casas de campo de _Salvaterra_, e _Almeirim_, que pelo Tejo acima se
communicaõ por mar, sendo o caminho de terra facil, ameno, e commodo
pelo assento, e concurso de muitos lugares vistosos, que em toda
aquella distancia se vaõ continuando por huma povoaçaõ successiva, onde
a Corte se entretinha todos os annos por espaço de quarenta dias com
diversos exercicios de passatempo.[889] Saõ ferteis de veados, porcos,
e toda a especie de caça; commodas para as montarias de cavallo; faceis
para as caçadas de lança, e de espigarda; abundantes nas volaterias;
dispostas para o entretenimento das Damas com tal commodidade, que
dos mesmos coches vem alancear os porcos, matar os veados, correr
as lebres, apanhar os coelhos. e voar as aves tão suavemente, e sem
fadiga, que na mayor distancia se escusa todo o desvelo, porque a
fecundidade do sitio facilita os exercicios igualmente a quem os vê, e
a quem os segue.

9 De mais destas grandes coutadas se aparta de Lisboa em distancia de
trinta leguas aquella mais celebre da Serenissima Casa de Bragança,
que com o nome de _Tapada_ tem o seu assento em _Villa Viçosa_, aonde
os javalis saõ ferozes, e muitos, e em grande quantidade os veados,
e muita caça miuda, que ainda sendo o sitio fertil por natureza, os
sustenta por maravilha.[890] Porém melhor que todas he a _Tapada
Real de Mafra_, depois que se acabaraõ de fechar os seus muros
pela circumvalaçaõ de tres leguas, servindo para mayor grandeza, e
divertimento as Ermidas, bosques, rios, pontes, e outras officinas, que
ha dentro do seu circuito, tudo igualmente magnifico, e perfeito.


NOTAS DE RODAPÉ:

[882] Sous. Histor. Geneal. tom. 8. p. 286. Barbos. nos Fast. da Lusit.
tom 1. p. 229.

[883] Veja-se o livrinho Francez intitulado: _Description de la Ville
de Lisbonne_ pag. 82.

[884] Diogo Fernandes na Arte da caça de altanaria pag. 4.

[885] Dam. de Goes Chron. delRey D. Manoel part. 3. cap. 78. Sous.
Histor. Geneal. tom. 3. p. 424.

[886] Vide Solano Succo de Peg. tom. 3. p. 413. Cabedo decis. 90. part.
2. Ord. liv. 3. tit. 5. e gloss. 2. n. 115. Villasboas Nobiliarq.
Portug. cap. 12.

[887] Damiaõ de Goes Chronic. delRey D. Manoel part. 1. cap. 26.

[888] Veja-se o Regimento do Monteiro Mór.

[889] Luiz Mendes de Vasconcel. no Sitio de Lisboa p. 207. Nicol. de
Oliveir nas Grandez. de Lisb. trat. 2. cap. 5. Brand. Monarq. Lusit.
liv. 16. cap. 41 e liv. 18 cap. 2. Sous. Histor. de S. Doming. part. 2.
pag. 256.

[890] Sous. Histor. Geneal. tom. 5. p. 559. e tom. 6. p. 408.



                            CAPITULO XIII.

 _Do estylo, com que os Principes, e Embaixadores estrangeiros eraõ
 recebidos pelos nossos Reys, e do modo, com que estes assistem no acto
 das Cortes._


1 Dos estylos, que os Reys tinhaõ no recebimento de outros grandes
Principes, que vinhaõ ao Reino, ha poucos exemplos, por serem raras as
vezes, que isto aconteceo em Portugal; e ainda que algumas memorias
referem, que ElRey D. Affonso II. de Castella veyo a este Reino pedir
a ElRey D. Affonso IV. o soccorro, com que o foy ajudar na batalha
de Tarifa, com tudo naõ se escrevem as ceremonias, que neste acto
passaraõ. E quando ElRey D. Pedro de Castella expulso fóra do Reino por
seu irmaõ veyo a Portugal valerse delRey D. Pedro I. naõ se vio com
elle; porque como os nossos Principes em razaõ, e respeito de estado
o naõ quizeraõ ajudar, evitaraõ as vistas, e o mandaraõ acompanhar
sómente por alguns Fidalgos principaes do Reino até à raya de Galiza;
porém he facil de entender que em semelhantes occasiões seriaõ tratados
nos recebimentos das Cidades com as mesmas ceremonias dos Reys
naturaes, pois assim em Castella, e em França se fez o mesmo aos Reys
deste Reino.

2 Em tempo delRey D. Fernando veyo a este Reino Aymon, Conde de
Cambrix, Infante de Inglaterra, trazendo comsigo a Infanta Dona Isabel
sua mulher, e filha delRey D. Pedro de Castella, por cujo respeito o
Conde pertendia aquelle Reino. Chegados os Infantes a Lisboa, ElRey os
foy visitar à náo, e desembarcados foraõ fazer oraçaõ à Sé, indo todos
a pé, e levando ElRey a Infanta pelo braço. Á vinda montaraõ todos a
cavallo, e ElRey, por ser grande cortezaõ, levou a infanta de redea até
S. Domingos, onde havia ordenado que pousassem.[891]

3 No anno de 1670 veyo à Corte de Lisboa o Graõ Duque de Toscana Cosme
III. e se aposentou no Collegio de Santo Antaõ. Fallou com ElRey D.
Pedro em audiencia particular com a formalidade seguinte: Entrou às
oito horas da noite pelo picadeiro da Corte Real em hum coche de
respeito de Sua Alteza, e D. Joaõ de Sousa, Védor da Casa Real, o veyo
buscar com doze Moços da Camera com tochas; e depois de responder ao
cumprimento de D. Joaõ de Sousa, mandou cubrir os Moços da Camera; e
subindo pela escada recondita, o veyo buscar huns poucos de degráos
abaixo o Gentil-homem da Camera, que estava de semana, do Principe
Regente, a cuja presença o conduzio, e em cuja Camera estava huma cama
rica de téla azul, hum bofete cuberto, e huma cadeira. O Principe
Regente o recebeo com agrado, dando os passos necessarios para chegar
ao meyo da casa; e tornando para o seu lugar, disse ao Graõ Duque:
_Cubra-se V. Alteza_; e no discurso da conversaçaõ lhe deu sempre o
tratamento de Vós, e o Graõ Duque ao Principe Regente o de Magestade.
Os Gentis-homens da Camera sahiraõ para fóra; e quando o Duque se
despedio, o Principe deu os mesmos passos, e elle foy acompanhado da
mesma fórma, que no principio.[892]

4 Tambem no anno de 1688 veyo incognito a Lisboa o Principe Jorge
Augusto de Saxonia, que depois foy Rey Augusto II. de Polonia, e
fallou a ElRey D. Pedro com quasi a mesma formalidade.[893]

5 O recebimento dos Embaixadores se fazia com muita solemnidade.
Mandava-os ElRey acompanhar ao Paço no dia da audiencia por Fidalgos
da primeira Nobreza, segundo a graduaçaõ, e grandeza dos Principes,
de que eraõ enviados; e entrando pela casa, onde ElRey os esperava,
se levantava ElRey da cadeira, e punha a maõ no chapeo, e tornava
a abaixalla; e encostando-se no braço da cadeira, lhe vinhaõ os
Embaixadores beijar a maõ, e lhes tomava as cartas de crença, e em
pé os ouvia até os despedir. Depois para tratar dos negocios, a que
vinhaõ, se lhes dava audiencia em casa particular em cadeira raza com
alcatifa por cima.[894]

6 As Cortes em Portugal correspondem às Assembleas de França, Dietas de
Alemanha, e Parlamentos de Inglaterra. Compõem-se dos tres Estados do
Reino, Ecclesiastico, Nobreza, e Povo, aos quaes costuma ElRey convocar
para as determinações publicas, e de grandes interesses. Juntaõ-se as
pessoas dos tres Estados em huma sala ricamente adornada: na cabeceira
della se levanta hum estrado de seis degráos com a elevaçaõ de sete
palmos, que he para o throno delRey: na parte inferior arrimados
à parede se põem bancos, e pelo corpo da sala, para se sentarem
os chamados, que saõ os Titulos, Prelados, Senhores de terras, e
Procuradores das Cidades, e Villas.

7 Principia este acto com a assistencia delRey, o qual costuma vir
com oppa rossagante de brocado, e Cetro de ouro na maõ. Vem diante
delle o Condestavel do Reino com o estoque levantado, e mais adiante o
Alferes Mór com a bandeira Real enrolada, precedendo os Reys de armas,
Arautos, e Passavantes vestidos em cottas, onde se vê bordado o escudo
do Reino. A estes antecedem os Porteiros com maças de prata; e se o
acto he de juramento de algum Principe, precedem a tudo os atabales,
e clarins. Chegando ElRey à cadeira, se accommodaõ todos nos seus
assentos determinados.


_Preferencia dos Procuradores das Cidades, e Villas do Reino, que tem
assento em acto de Cortes._

  _Bancos._

  1  Porto, Evora, Lisboa, Coimbra, Santarem, Elvas.
  2  Tavira, Guarda, Viseu, Braga, Lamego, Silves.
  3  Lagos, Faro, Leiria, Béja, Guimarães, Estremoz, Olivença.
  4  Portalegre, Bragança, Thomar, Montemór o Novo, Covilhã, Setubal,
   Miranda.
  5  Ponte de Lima, Vianna, Foz de Lima, Villa-Real, Moura, Montemór o
   Velho.
  6  Cintra, Torres Novas, Alenquer, Obidos, Alcacere, Almada.
  7  Niza, Torres Vedras, Castellobranco, Aveiro.
  8  Mouraõ, Serpa, Villa do Conde, Trancozo.
  9  Aviz, Arronches, Pinhel, Abrantes, Loulé.
 10  Alter do Chaõ, Freixo de Espada à cinta, Valença, Monçaõ, Alegrete.
 11  Castello Rodrigo, Castello de Vide, Penamacor, Marvaõ, Certã.
 12  Crato, Fronteira, Monforte, Veiros, Campo Mayor.
 13  Caminha, Torre de Moncorvo, Castro Marinho, Palmella, Cabeço de
   Vide.
 14  Barcellos, Coruche, Monsanto, Gravaõ, Panoias, Ourem.
 15  Arrayolos, Ourique, Albofeira, Borba, Portel.
 16  Atouguia, Monsarás, Villa Viçosa, Penela, Santiago de Cacem.
 17  Vianna junto de Evora, Villa-Nova de Cerveira, Porto de Mós,
   Pombal.
 18  Alvito, Mertola.


NOTAS DE RODAPÉ:

[891] Far. Europ. Portug. tom. 2. part. 2. cap. 5. n. 63.

[892] Sousa Histor. Geneal. tom. 2. p. 441.

[893] Sousa Histor. Genealog. tom 7 p. 694.

[894] Garcia de Resend. Chron. delRey D. Joaõ II. cap. 77. p. 50. vers.
Chron. delRey D. Joaõ III. part. 1. Cap. 25. Far. na Europ. Port. part.
4. cap. 2. n. 26.



                             CAPITULO XIV.

 _Das ceremonias, e estylo, que se praticava nas mortes dos Reys._


1 Havia costume antigamente em Portugal, deduzido desde o tempo da
gentilidade, tanto que morria alguem, conduzirem a preço certas
mulheres, chamadas pranteadeiras, para virem assistir aos defuntos, e
acompanhallos até à cova, chorando, e pranteando sobre elles. Por esta
ceremonia começava a demonstraçaõ do sentimento; e quando a pessoa
era Real, se executava com muito mayor excesso, e mayor numero de
pranteadeiras, ou carpideiras, as quaes entre as lagrimas, e os gemidos
misturavaõ louvores do defunto, que se era Rey, diziaõ delle o bom
tratamento, que fizera ao seu povo, que o naõ vexara com tributos, que
introduzira tanto dinheiro no thesouro, accrescentando tanto mais sobre
o que herdara; e com estes, e outros elogios gritando, e soluçando
faziaõ mais lustuoso aquelle Regio funeral.[895]

2 Assim consta que se fizera no enterro delRey D. Diniz, e no delRey
D. Fernando,[896] até que no tempo delRey D. Joaõ I. fez o Senado da
Camera de Lisboa extinguir semelhante costume,[897] conservando-se
porém ainda até o tempo delRey D. Manoel o luto de burel branco,
porque o primeiro luto negro, que se usou neste Reino, foy o que se
vestio na morte da Senhora Dona Filippa, tia delRey D. Manoel.[898]
Isto supposto, tanto que falecia algum dos Reys Portuguezes, se
despachavaõ logo Correyos para as Comarcas do Reino, com a qual noticia
se levantavaõ nas Cathedraes, e Paroquias tumulos de madeira cubertos
de lutos para se fazerem os Officios, e funeraes, dobrando ao mesmo
tempo os sinos.

3 Depois sahia em dia determinado da Casa do Senado a comitiva
seguinte: A principal pessoa hia a cavallo vestida de luto, e levava
huma bandeira negra ao hombro, que arrastava até o chaõ. Com o mesmo
luto, e da mesma sorte o seguiaõ os tres Vereadores daquelle anno
acompanhados de toda a Nobreza, e assistidos de tres Ministros, que
lhes levavaõ tres escudos pretos; e caminhando para a parte mais
publica do lugar, onde já estava prevenido hum estrado com alguns
degráos, cuberto tudo de pannos negros, se subia nelle o primeiro
Vereador com hum escudo preto nas mãos, e voltado hum pregoeiro para o
povo, dizia tres vezes em voz alta: _Ouvide_, _ouvide_, _ouvide._ Logo
o primeiro Vereador dizia estas palavras, que levava escritas: _Choray,
povo, choray a morte do vosso Rey, que vos governou com justiça, e amor
de pay_. E subindo o escudo sobre a cabeça, o deixava cahir em terra, e
se quebrava. Com as mesmas circunstancias se repetia a mesma ceremonia
pelos outros Vereadores, levantando ao mesmo tempo o povo grandes
clamores, e prantos. Depois caminhavaõ para a Igreja, na qual assistiaõ
ao funeral, que tambem se fazia com aquella expressaõ de pena, e dor,
que merecia a grandeza da perda. Veja-se a Damiaõ de Goes, Garcia de
Resende, e outros Chronistas antigos, que as descrevem com miudeza.

4 Na Corte se fazia este acto com mayor pompa, porque ao Alferes da
Cidade pertencia levar a bandeira, aos Vereadores varas pretas nas
mãos, a dous Juizes do Crime, e hum do Civel o levarem sobre a cabeqa
os tres escudos, que pela referida ordem se quebravaõ, o primeiro
no taboleiro da Sé, o segundo no meyo da rua nova, o terceiro no
Rocio.[899] As mayores demonstrações de sentimento, que neste Reino se
tem feito por pessoas Reaes, foraõ as que se viraõ na morte do Principe
D. Affonso, filho delRey D. Joaõ II. refere-as por extenso Garcia de
Resende;[900] porém as de mayor formalidade, e pompa foraõ as que se
executaraõ no enterro delRey D. Joaõ I. vindo-se a concluir tudo nas
breves, e verdadeiras clausulas desta sentença:[901]

  _Tot mundi Principes, tanta potentia:
  In ictu oculi clauduntur omnia._


NOTAS DE RODAPÉ:

[895] Monarq. Lusit. liv. 19. cap. 44. e liv. 22. cap. 52.

[896] Ibid.

[897] Ibid.

[898] Soar. da Silv. Memorias delRey D. Joaõ I. n. 153.

[899] Monarq. Lusitan. part 7. liv. 5. cap 1. Far. Europ Portug tom. 2.
part. 1. cap. 6.

[900] Resend. cap. 131. e 133.

[901] Drexelio no Prodrom. æternitat. cap. 3. §. 3. n. 4.

                                 FIM.



INDICE DAS COUSAS NOTAVEIS _deste primeiro Tomo._

=A=


_Abrantes_, antigamente se chamava _Tubuci_, pagin. 29.

_Abundancia_ da Provincia do Minho, 47.

_Academia Real_ da Historia Portuguesa por quem foy instituida, 353.

_Açumar_, ou Alegrete se chamava _Ad septem aras_, 28.

_D. Affonso VI._ Rey de Castella, suas conquistas, 271.

_D. Affonso Henriques_ onde nasceo, 286. Alcançou milagrosamente saude
da Senhora de Carquere por supplicas de Egas Moniz, 287. Elle mesmo se
armou Cavalleiro na Igreja Cathedral de Çamora, _ibid._ Excluio sua mãy
do Governo por força de armas, _ibid._ Ganhou huma batalha na Veiga
de Valdevez, _ibid._ Triunfou de cinco Reys Mouros confederados no
campo de Ourique, onde lhe appareceo Christo crucificado, dando-lhe o
Escudo das Armas de Portugal, 288. He acclamado Rey pelo seu exercito,
cujo titulo confirmou o Papa Alexandre III. 289. Mostra-se a verdade
da appariçaõ de Christo, _ibid._ Responde se aos argumentos oppostos,
290. Offerece D. Affonso Henriques por liberal tributo à Sé Apostolica
dous marcos de ouro, 291. E a Santa Maria de Claraval cinco escudos
cada ano, 292. Edificou cento e cincoenta Templos, _ibid._ Inftituio
as Ordens Militares da Aza, e de Aviz, _ibid._ Casou com a Rainha
Dona Mafalda, _ibid._ Filhos que teve, _ibid._, e 378. Sua morte, e
sepultura, 293.

_D. Affonso II._ Rey de Portugal chamado o _Gordo_, quando, e onde
nasceo, 296. Foy livre prodigiosamente de hum achaque por virtude de
Santa Senhorinha, _ibid._ Teve grande parte na victoria das Navas
contra os Mouros, auxiliando a ElRey de Castella, _ibid._ Intentou
usurpar as terras que eraõ de suas irmãs, _ibid._ Conquistou aos Mouros
Alcacer do Sal, e defendeo Elvas, _ibid._ Filhos que teve, 384. Quando
morreo, e onde jaz seu corpo, 297.

_D. Affonso III._ Rey de Portugal, chamado o _Bolonhez_, casou com a
Condessa Matilde, 299. Conquistou o Algarve, _ibid._ Reduzio a seu
dominio algumas terras de Andaluzia, 300. Repudiou sua legitima mulher,
e casou com Dona Brites filha natural delRey D. Affonso de Castella,
_ibid._ Disturbios que houve no Reino por este motivo, _ibid._ Fez
violencias ao Estado Ecclesiastico, mas sujeitou-se às Censuras dos
Pontifices, 301. Edificou os Conventos de S. Domingos de Lisboa,
o de Elvas, e Santa Clara de Santarem, _ibid._ Alimpou o Reino de
facinorosos, _ibid._ Filhos que teve, 385. Quando morreo, e onde jaz,
301.

_D. Affonso IV._ Rey de Portugal chamado o _Bravo_, quando nasceo,
306. Com quem casou, _ibid._ Foy excessivo no exercicio da caça,
_ibid._ Ajudou na batalha do Salado a ElRey de Castella, 307. Fez por
duas vezes mudar os Estudos publicos de Lisboa para Coimbra, _ibid._
Reedificou a Sé, estabelecendo nella varias Capellanias, _ibid._
Consentio que matassem a Dona Ignez de Castro, _ibid._ Filhos que teve,
389. Quando morreo, e onde jaz, 307.

_D. Affonso V._ Rey de Portugal chamado o _Africano_, quando nasceo,
320. Onde foy acclamado Rey, _ibid._ Dá batalha ao Infante D. Pedro
seu irmaõ em o sitio de Alfarrobeira, 321. Passou a Africa onde ganhou
muitas Praças aos Mouros, de que se lhe originou o titulo de Africano,
322. Com quem casou, _ibid._ Contendeo com D. Fernando de Aragaõ que
o desbaratou na batalha de Toro, _ibid._ Passou a França a varias
negociações, e intenta ir ver os Lugares Santos de Jerusalem, 323. Foy
muy liberal, e o primeiro que ajuntou livraria em Palacio, _ibid._
Filhos que teve, 400. Onde morreo, e onde jaz, 324.

_D. Affonso VI._ Rey de Portugal chamado o _Victorioso_, quando nasceo,
346. Foy acclamado Rey, e quando tomou posse, _ibid._ Alcançou contra
Castella muitas victorias, especialmente a do Amexial, Canal, e Montes
claros, _ibid._ Entregou-se todo às disposições de hum Antonio Conti,
que o desencaminhava, 347. Casou com a Princeza Dona Maria Francisca
Isabel de Saboya, _ibid._ Separou-se della por nullidade do Matrimonio,
_ibid._ Foy deposto do governo, e em seu lugar se admittio o Principe
D. Pedro seu irmaõ, _ibid._ Onde morreo, e onde jaz, 348.

_Aguas celenas_, povoaçaõ antiga, onde ficava, 5. --_Flavias_, onde
existiu, 6. --_Layas, ibid._

_Agualva_, antigamente se chamou _Ceciliana_, 28.

_Alanos_, seu dominio, 256.

_Albofeira_, terra do Algarve, 37.

_Alcacere do Sal_ antigamente _Salacia_, 29. He ganhada aos Mouros por
ElRey D. Affonso II. 297.

_Alcoutim_, onde existe, 37.

_Alentejo_. Descreve-se esta Provincia, 72.

_Alenquer_, antigamente se chamava _Jerabrica_ 28.

_Alfayates_, Praça na Beira, 40.

_Algarve_. Descreve-se esta Provincia, 77.

_Almeida_, Praça na Beira, 40.

_Almorol_, antigamente _Moro_, 29.

_Alpalhaõ_, antigamente _Fraxinum_, 28.

_Alvor_, antigamente chamado _Portus Anibalis_, 36.

_Ambracia_, povoaçaõ antiga, 7.

_Anibal_, suas acções em Portugal, 238.

_D. Antonio_ Prior do Crato, de quem foy filho, e se oppoem à successaõ
do Reino de Portugal, 337. Foy acclamado Rey em Santarem, 339. Entrou
em Lisboa com o mesmo titulo, _ibid._ He destruido pelo Duque de Alva
na ponte de Alcantara junto a Lisboa, _ibid._ Morreo em Pariz. _ibid._

_Araduca_, povoaçaõ antiga, 7.

_Araducta_, onde existia esta povoaçaõ, 8.

_Aramenha_, antigamente _Medrobica_, 29.

_Arcadio, e Honorio._ No governo destes Imperadores se acabou o dominio
dos Romanos em Portugal, 244.

_Armas de Portugal_, foraõ dadas por Christo ao primeiro Rey D. Affonso
Henriques, 288.

_Aricio Pretorio_, onde existio, 8.

_Aroche_, povoaçaõ antiga, 8.

_Arrayolos_, antigamente _Calantica_, 28.

_Arrifana_, sua enteada, 36.

_Atributus_ especiaes dos Portuguezes, 218.

_Aveiro_. Descreve se a sua barra, 31.

_Aves_ que ha no Reino, 164.

_Azeite_ que ha em Portugal, 162.

_Azeviche_ em que parte do Reino se acha, 175.


=B=

_Balfa_, Cidade antiga, 9.

_Banquete publico_ que nas vodas do Principe D. Affonso fez ElRey D.
Joaõ II. 430.

_Barbaros_ quando invadiraõ Portugal, 254.

_Barros_ excellentes que ha no Reino, 175.

_Batalha_. Dos Arcos de Valdevez, 287. Do campo de Ourique, 288. A do
Arganhal, 293. Das Navas, 296. De Alcacer do Sal, 297. A do Salado,
307. A de Aljubarrota, 315. A de Alcantara junto a Lisboa, 339. A do
Montijo, 344. A do Ameixial, Canal, e Montes claros, 346. A de Almança,
350.

_Baucio Capeto_, insigne Capitaõ da Turdetania, 237.

_Béja_, antigamente se chamava _Paz Julia_, 29. Costume antigo que
havia nos moradores desta Cidade quando cazavaõ seus filhos, 2l5.

_Benis_, povoaçaõ antiga, 10.

_Beira._ Descreve-se esta Provincia, 59.

_Benavente_, antigamente se chamava _Aricio Pretorio_, 28.

_Becelga_, Cidade antiga, 10.

_Braga_, antigamente _Brachara Augusta_, 28.

_Bragança_, seu sitio, 41.

_Britenia_, povoaçaõ antiga, 10.


=C=

_Cabo de Espichel_, 35.

_Caça_, e seu exercicio, 216. e 438.

_Caldelas_, antiga povoaçaõ, 11.

_Cale_ que significa, 3.

_Callantia_, povoaçaõ antiga, 10.

_Calliabria_, povoaçaõ antiga, 11.

_Cambeto_, povoaçaõ antiga, 11.

_Camareiro Mór_, sua obrigaçaõ, 424.

_Caminha_, sua barra, 29.

_Campos Elysios_ se na verdade os houve, e onde existiraõ, 12.

_Campo Mayor_, sua Praça, 38.

_Canace_, Cidade antiga do Algarve, 14.

_Capara_, povoaçaõ antiga, 14.

_Catalogo_ Chronologico dos Reys das Asturias que governaraõ Portugal,
273.

_Cauca_, povoaçaõ antiga, 15.

_Cava_, ou _Florinda_, foy causa da ruina de Hespanha, 259.

_Castro-Marim_, sua foz, 37.

_Cartagineses_, quando entraraõ em Portugal, 236.

_Cascaes_, seu porto, 32.

_Ceciliana_, onde existio esta povoaçaõ, 15.

_Chaves_, como se chamava antigamente, 28.

_Christo crucificado_, apparece no Campo de Ourique a ElRey D. Affonso
Henriques, 289.

_Collipo_, foy Cidade antiga, onde hoje está Leiria, 18.

_Coitadas_ do Reino, 438.

_Comarcas._ De quantas consta a Provincia do Minho, 51. A de Tras os
Montes, 57. A da Beira, 61. A da Estremadura, 70 A do Alentejo, 75. A
do Algarve, 79.

_Conceiçaõ da Senhora_, erecta em Padroeira do Reino, 345.

_Copeiro Mór_, sua dignidade, e obrigaçaõ, 429.

_Cortes._ Modo com que se celebraõ, 444.

_Costumes dos Portuguezes._ Saõ naturalmente esforçados, e valerosos,
201. Leaes a seus Soberanos, 202. Conquistadores, 204. Zelosos, e
constantes na Religiaõ, 205. Aptos para as sciencias, 206. Pouco
inclinados a aprender linguas estrangeiras, 208. Saõ pomposos nas
occasiões publicas, _ibid._ Saõ imitadores das modas estrangeiras, 209.
Nos trages saõ inconstantes, 210. Saõ muy namorados, 212. Muito dados à
caça, 216. E ao combate de touros, _ibid._ Amaõ a Poezia, e a Musica,
217.


=D=

_Descripçaõ_ circular do Reino, 29.

_D. Diniz_ Rey de Portugal, chamado o _Lavrador_, quando nasceo, 302.
Quando foy acclamado Rey, _ibid._ Casou com a Rainha Santa Isabel,
303. Incorporou no Padroado Real todas as fazendas que havia doado
injustamente, _ibid._ Teve discordias com seu irmaõ, _ibid._ Separou
a Ordem Militar de Santiago da sujeiçaõ de Castella, 304. Instituio
em Lisboa a primeira Universidade de letras, _ibid._ Fundou o Real
Mosteiro de Odivellas, e o de Santa Clara de Coimbra, e Villa do
Conde, 304. Teve em summo gráo as virtudes da Justiça, verdade, e
liberalidade, 305. Instituio rezarem-se no Paço as Horas Canonicas,
_ibid._ Instituio a Ordem Militar de Christo, _ibid._ Foy chamado o
_Pay da Patria_, e o _Lavrador_ pelo affecto que tinha à Agricultura,
_ibid._ Teve no Reino algumas guerras civis, 306. Quantos filhos teve,
387. Sua morte, e sepultura, 306.

_D. Duarte_ Rey de Portugal chamado o _Eloquente_, onde, e quando
nasceo, 318. Foy muito dado ao estudo das letras, _ibid._ Quando foy
acclamado, e quando casou, _ibid._ Quiz resgatar seu irmaõ D. Fernando
mas frustradamente, 319. Filhos que teve, 397. Sua morte, e sepultura,
320.


=E=

_Eburobricio_, onde existio esta antiga povoaçaõ, 20.

_Egas Moniz_ foy Ayo delRey D. Affonso Henriques, suas virtudes, 288.

_Egitania_, Cidade antiga, 19.

_Egoas_ que concebiaõ do vento, se as havia em Portugal, 97.

_Elvas_, sua Praça, 38.

_Embaixadores_, como eraõ recebidos, 442.

_Empreza das mulheres_, foy huma insigne vitoria que alcançaraõ as
Portuguezas do Minho contra os Cartaginezes, 238.

_Eremitica vida_, teve principio na Provincia do Minho, 50.

_Ervas_ medicinaes que ha em Portugal, 167.

_Eritrea_, onde existio, 19.

_Esposende_, sua barra, 30.

_Estoi_, antigamente Ossonoba, 29.

_Estrangeiros_, estimados dos Portuguezes, 209.

_Estremadura._ Descreve-se esta Provincia, 67.

_Evandria_, povoaçaõ antiga, 20.

_Evora_, Cidade antigamente chamada _Liberalitas Julia_, 28.


=F=

_Faro_, sua barra, 37.

_Fenices_, quando entraraõ em Portugal, 236.

_Feira_, Villa antigamente chamada _Lancobriga_, 29

_D. Fernando_ Rey de Portugal, chamado o _Formoso_, quando nasceo,
309. A sua brandura o fez cair em muitas desordens, 310. Reedificou
as Praças do Reino, _ibid._ Seus casamentos, _ibid._ Fez pazes com
ElRey de Castella, 312. Cercou Lisboa de novos muros, _ibid._ Mudou
a Universidade de Coimbra para Lisboa, _ibid._ Filhos que teve, 392.
Quando morreo, 313.

_D. Fernando_ filho delRey D. Joaõ I. ficou em refens na Praça de
Tangere, 396. Morreo em Berberia, e jaz na Batalha, _ibid._

_Fertilidade_ do Reino em geral, 160.

_Fidalgos Portuguezes_, saõ reputados por vãos, 208.

_Filippe II. III. IV._ Reys de Portugal, suas acções que obraraõ neste
Reino, 340.

_Filhamentos_, que cousa he, 422.

_Filhos_ dos Senhores Reys Portuguezes, 376. até 420.

_Flaviobriga_, povoaçaõ antiga, 20.

_Flores_ de varias especies que nascem em Portugal, 167.

_Florinda_ filha do Conde D. Juliaõ foy causa da destruiçaõ de
Hespanha, 259.

_Fome_ extraordinaria que houve na Hespanha, 235.

_Fontes_ notaveis que ha em Portugal, 148.

_Foro dos Limicos_, povoaçaõ antiga, 21. --_Dos Narbassos_, outra
antiga povoação, _ibid._

_Foros_ que ha na Casa Real, 422.

_Frutas_ de varias castas que ha em Portugal, 164.


=G=

_Genio Portuguez._ Vide _Costumes_.

_Gerabrica._ Vide _Jerabrica_.

_Godos_, quando começaraõ a dominar em Portugal, 255. Catalogo dos Reys
que governaraõ neste Reino, 263.

_Governo_ antigo, e moderno da Casa Real, 421.

_Guarda Mór_, sua dignidade, e obrigaçaõ, 425.

_Guarda Real_, 433.

_Guimarães_ cercada, e por quem, 288. Foy a antiga _Araduca_, 7.


=H=

_Dom Henrique_ Conde de Portugal quem foy, 282. Com quem casou, 284.
Quando passou a Jerusalem, 285. Batalhas que venceo, 286. Filhos que
teve, 376. Sua morte, e sepultura, 286.

_D. Henrique_ Cardeal he acclamado Rey, 336. Sua morte, e sepultura,
338.


=I=

_Jantar_ esplendido que deu o Senhor Rey D. Joaõ V. quando se desposou
com a Serenissima Rainha Dona Maria Anna de Austria, 431.

_Iberos_ Hespanhoes se foraõ primarios descendentes de Tubal, 222.

_Idanha_, antigamente _Ægedita_, 28.

_Jerabrica_, povoaçaõ antiga dos Romanos, 21.

_Igrejas Cathedraes_ na Provincia do Minho, 50. Em Tras os Montes, 56.
Na Beira, 61. Na Estremadura, 69. No Alentejo, 74. No Algarve, 78.

_Incendio_ notavel que houve nos Pyrineos, 235.

_D. Joaõ I._ Rey de Portugal chamado de _Boa memoria_, quando nasceo, e
de quem era filho, 314. Antes de ser Rey matou ao Conde Joaõ Fernandes
Andeiro, _ibid._ Foy declarado pelo povo Defensor, e Governador do
Reino, _ibid._ Foy acclamado Rey em acto de Cortes, 315. Triunfou dos
Castelhanos na famosa batalha de Aljubarrota, _ibid._ Com quem casou,
316. Foy expugnar Ceuta, _ibid._ Mandou supprimir a antiga computaçaõ
da Era de Cesar, e que se usasse da Epoca do Nascimento de Christo,
_ibid._ Erigio em Metropolitana a Cathedral de Lisboa, 317. Templos que
edificou, _ibid._ Obras insignes que fez, _ibid._ Filhos que teve, 393.
Sua morte, e sepultura, 318.

_D. Joaõ II._ Rey de Portugal chamado _Perfeito_, quando nasceo, 324.
Com quem casou, _ibid._ Quando foy acclamado Rey, _ibid._ Mandou
degolar ao Duque de Bragança, por ser comprehendido em huma conjuraçaõ
contra elle, 325. Seu caracter, _ibid._ Foy opposto aos jogadores,
326. Templos que edificou, _ibid._ Dispoz a formalidade de Coro na
sua Capella, _ibid._ Descobrimentos que se fizeraõ em seu tempo,
_ibid._ Filhos que teve, 401. Sua morte, 327. Jaz seu corpo na Batalha
incorrupto, _ibid._

_D.Joaõ III._ Rey de Portugal chamado _Piedoso_, quando nasceo, 330.
Quando, e onde foy acclamado Rey, 331. Fez muitas conquistas na India,
e largou muitas Praças de Africa aos Mouros, _ibid._ Introduzio no
Reino o Tribunal da Inquisiçaõ, _ibid._ Reformou muitas Religiões, e
admittio em Portugal a dos Jesuitas, _ibid._ Removeo a Universidade
para Coimbra, _ibid._ Obras insignes que fez, 332. Com quem casou, 369.
Filhos que teve, 407. Sua morte, e sepultura, 332.

_D. Joaõ IV._ Rey de Portugal chamado _Restaurador_, quando nasceo,
343. Com quem casou, _ibid._ Foy acclamado Rey em Lisboa, 344. Alcançou
muitas vitorias contra os Castelhanos, _ibid._ Castigou os cabeças de
varias conjurações, 345. Institue muitos Tribunaes, _ibid._ Tomou em
acto de Cortes por Protectora do Reino a Maria Santissima da Conceiçaõ,
_ibid._ Filhos que teve, 413. Sua morte, e sepultura, 346.

_D. Joaõ V._ Rey de Portugal _Fidelissimo_, quando nasceo, 350. Em que
dia foy acclamado Rey, _ibid._ Celebra pazes com Castella, _ibid._ Com
quem casou, 351. Erigio em Basilica Patriarcal a sua Real Capella, 352.
Mandou hum grande soccorro a favor da Igreja contra o Turco, _ibid._
Instituio a Academia Real da Historia Portugueza, 353. Erigio varios
Bispados de novo, _ibid._ Templos, e edificios que fabricou, 354.
Obteve do Papa Benedicto XIV. o indulto de poderem os Sacerdotes dos
seus Dominios celebrar cada hum tres Missas no dia da Commemoraçaõ dos
Fieis defuntos, 355. Filhos que teve, 419. Morte, e sepultura, 355.

_D. Joseph I._ Rey de Portugal _Fidelissimo_, quando nasceo, 357.
Quando foy acclamado Rey, 356. Quando, e com quem casou, 357. Leys
que tem promulgado, _ibid._ Restaura o exercicio das letras com
melhores methodos, extinguindo o magisterio aos Jesuitas, _ibid._ No
extraordinario terremoto de Lisboa, se houve magnanimamente, 358.
Escapou milagrosamente de tres tiros com que o queriaõ matar, 358. Faz
justiçar os delinquentes no Caes de Belém, _ibid._ Resiste às Tropas
Castelhanas que injustamente invadiraõ Portugal _ibid._ Admitte para
Generalissimo das suas Armas ao Conde Soberano de Lippe Guilherme de
Schaumburg, 359. Filhos que tem, 420.

_Julio Cesar_ veyo à conquista de Portugal, 242.


=L=

_Lacobriga_ povoaçaõ antiga onde hoje he Lagos, 21.

_Lagos_, seu porto, 36.

_Lagoas_ mais notaveis que ha no Reino, 81.

_Lamego_, antigamente _Lama_, 29.

_Legoas_ que tem Portugal de comprido, e de largo, 2.

_Leiria_, antigamente _Collipo_, 28.

_Lingua Portugueza._ A primeira que se fallou em Portugal foy a dos
Turdulos que Tubal communicou, 193. Muitos se capacitaõ que fora a
Hebraica, outros a Vasconça, ou Biscainha, _ibid._ Conforme foraõ as
Nações que dominaraõ em Portugal, assim foy a lingua que se fallou,
194. Pela entrada dos Godos entrou tambem neste Reino a lingua
Portugueza, _ibid._ He misturada com vocabulos de outros idiomas, 196.
No tempo delRey D. Diniz começou a adquirir mayor perfeiçaõ, _ibid._
Participa de todas as circunstancias para ser perfeita, _ibid. & seq._

_Lisboa_, antigamente _Olisipo_, ou _Fælicitas Julia_, 29. Descreve-se
a sua barra, 32. Todos os seus portos pelo Tejo, 33.


=M=

_Magneto_, Cidade antiga, 22.

_D. Manoel_ Rey de Portugal, chamado _Venturoso_, quando nasceo, 327.
Quando foy coroado, 328. Embaixadas que mandou ao Papa Alexandre VI.
_ibid._ E a Leaõ X. 330. Expulsou fora do Reino aos Judeos, _ibid._ Com
quem casou, _ibid._ Accrescentou ao seu Imperio muitas terras da India,
que no seu tempo se descobriraõ, 329. Libertou o Estado Ecclesiastico
de muitos tributos, _ibid._ Foy jurado Rey de Castella, _ibid._ Templos
que fundou, _ibid._ Filhos que teve, 403. Sua morte, e sepultura, 330.

_Mappa_ do que comprehendem as seis Provincias de Portugal, 80.

_Marco_ de ouro, e prata que valor tem tido em todos os Reinados, 192.

_Merobriga_, povoaçaõ antiga, 22.

_Mertola_ onde existe, 38.

_Mestre-Sala_, sua dignidade, e obrigaçaõ, 428.

_Mineraes_ que ha no Reino, 169.

_Minho._ Descreve-se esta Provincia, 45.

_Miranda do Douro_, antigamente _Concia_ 28. Seu sitio, 41.

_Moedas_ de varios metaes que se tem lavrado em Portugal, 177.

_Mondego_, sua barra, 31.

_Monsanto_, 39.

_Montes_ que ha no Reino, 81.

_Monteiro Mór_, sua dignidade, e obrigaçaõ, 438.

_Mordomo Mór_, sua dignidade, e obrigaçaõ, 421.

_Morte_ dos Reys como se publicava, 446.

_Moura_, antigamente _Arucitana_, 28.

_Mouros_, quando invadiraõ a Portugal, 269.

_Mulheres Portuguezas_, seu valor, 238.

_Municipios_ o que eraõ, e quantos havia em Portugal, 44.


=N=

_Nabancia_, povoaçaõ antiga junto a Thomar, 23.

_Nomes Latinos_ de algumas povoações de Portugal, 28.

_Norba Cesarea_, onde existio, 23.

_Numancia_, onde existio esta famosa Cidade, 23.

_D. Nuno Alvares Pereira_ Condestavel de Portugal. Suas proezas, 315.


=O=

_Obidos_, sua grande lagoa, 133.

_Obobriga_, povoaçaõ antiga, 24.

_Octaviano Augusto_ conciliou a paz em Portugal, 262.

_Odemira_, sua barra, 36.

_Ordens Militares_ que instituio ElRey D. Affonso, 292.

_Ossel_, onde existio, 24.

_Ossonoba_, foy povoaçaõ antiga no Algarve, 25.

_Ourique_, celebre campo do Alentejo onde ElRey D. Affonso Henriques
alcançou huma grande vitoria contra os Mouros, 288.


=P=

_Panonias_, onde existio esta antiga povoaçaõ, 26.

_Pederneira_, sua enseada, 32.

_Pedras preciosas_, que se achaõ em muitas terras de Portugal, 172.

_D. Pedro I._ Rey de Portugal, chamado _Justiceiro_, quando nasceo,
308. Quando foy acclamado, _ibid._ Vingança que tomou dos que mataraõ
Dona Ignez de Castro, _ibid._ Demonstraçaõ publica que fez de ser Dona
Ignez sua legitima mulher, 309. Caracter deste Rey, _ibid._ Filhos que
teve, 390. Sua morte, e sepultura, 309.

_D. Pedro II._ Rey de Portugal, chamado _Pacifico_, quando nasceo, 348.
Quando se intitulou Rey, _ibid._ Seus casamentos, _ibid._ Seu caracter,
349. Bispados que de novo erigio, _ibid._ Entrou na grande alliança com
o Imperador, Inglaterra, e Hollanda, _ibid._ Rompe guerra com Castella
para onde foy em pessoa por introduzir Carlos III. Rey de Hespanha,
_ibid._ Filhos que teve, 415. Sua morte, e sepultura, 350.

_Peixe_, abundancia delle que ha em Portugal, 168.

_Penagarcia_, Seu Castello, 39.

_Penamacor_, seu Castello, 39.

_Pertendentes_ de Portugal quaes foraõ depois do Cardeal Henrique, 337.

_Pineto_, povoaçaõ antiga, 26.

_Portalegre_, antigamente _Amæa_, 28.

_Porto_, antigamente _Calem_, 28. Sua barra, 31.

_Portos_ que ha no Tejo, 34.

_Portuguezes_, seu genio, e costumes, 201. Attributos proprios, 218.

_Povoadores_ primeiros de Portugal, 225.

_Pretores Romanos_ no governo de Portugal, 241.

_Provincias_ antigas, e modernas de Portugal, 43.

_Punhete_, antigamente _Moro_, 29.


=R=

_Rainhas_ de Portugal, 362. & seq.

_Reys_ das Austurias que governaraõ Portugal, 273.

_Reposteiro Mór_, sua dignidade, 426.

_Rios._ Do Minho, 48. De Tras os Montes, 56. Da Beira, 60. Da
Estremadura, 68. Do Alentejo, 73. Do Algarve, 78. Dos mais notaveis que
ha no Reino, 99. _& seq._

_D. Rodrigo_ ultimo Rey Godo, sua ruina, 259.

_Romanos_, quando invadiraõ, e se senhorearaõ de Portugal, 241.

_Rosmaninhal_, sua Praça, 38.


=S=

_Sabugal_, seu Castello, 40.

_Sagres_, sua enseada, 36.

_Sal_, abundancia della que ha em Portugal, 176.

_Salacia_, onde existio esta povoaçaõ, 26.

_Salvaterra da Beira_, seu Castello, 39.

_D. Sancho I._ Rey de Portugal, chamado _Povoador_, quando nasceo, 293.
Com quem casou, _ibid._ Acções que obrou antes de Rey, 294. Quando foy
acclamado, _ibid._ Conquistou o Algarve, _ibid._ Templos, e edificios
que erigio, 295. Filhos que teve, 379. Sua morte, e sepultura, 295.

_D. Sancho II._ Rey de Portugal, chamado _Capelo_, quando nasceo, 298.
Quando entrou a governar, _ibid._ Recuperou muitas Praças do Alentejo
que os Mouros nos tinhaõ usurpado, _ibid._ Opprimio muito o Estado
Ecclesiastico, por cujo motivo Innocencio IV. o depoz do governo,
_ibid._ Substituio-lhe seu irmaõ D. Affonso, 299. Recolheo-se a Toledo
onde morreo, _ibid._

_Santarem_, antigamente _Scalabis_, ou _Præsidium Julium_, 29.

_Santiago de Cacem_, antigamente _Merobriga_, 29.

_D. Sebastiaõ_ Rey de Portugal, chamado o _Desejado_, quando nasceo,
333. Quando tomou posse do Reino, _ibid._ Seu caracter, _ibid._ Passou
a Africa a primeira vez, 334. Foy segunda vez soccorrer a Hamet,
onde ficou destruido, e todo o seu exercito, 335. Jaz seu corpo com
incerteza no Convento de Belém, _ibid._

_Secca_ extraordinaria que houve na Hespanha, 235.

_Serras_ que ha no Reino, 81.

_Setubal_, antigamente _Cetobriga_, 28. Sua barra, 36. Foy fundada por
Tubal, 224.

_Sines_, seu surgidouro, 36.

_Suevos_, Catalogo dos seus Reys que governaraõ Portugal, 261.


=T=

_Talabrica_, foy povoaçaõ onde hoje he Aveiro, 27.

_Tapada_ de Mafra, e Villa Viçosa, 441.

_Tavira_, antigamente chamada _Balsa_, 28. Sua barra, 37.

_Templos_ que os Portuguezes erigiraõ ao Imperador Octaviano Augusto,
253.

_Trage Portuguez_, 210.

_Tras os Montes._ Descreve-se esta Provincia, 55.

_Trigo_ que ha em Portugal, 160.

_Trinchante_, sua dignidade, 428.

_Tubal_, seus descendentes foraõ os primeiros povoadores de Portugal,
222.

_Tubuci_, povoaçaõ antiga, 27.

_Tuntobriga_, onde existio esta povoaçaõ, 27.


=U=

_Vaca_, povoçaõ antiga, 27.

_Valença_, fronteira a Cidade de Tuy, 41.

_Uchaõ_, que occupaçaõ era na Casa Real, 429.

_Veador da Casa_, sua dignidade, 426.

_Viana de Caminha_, descreve-se a sua barra, 30. ----_Do Conde_, sua
barra, _ibid._

_Villas_ de que consta a Provincia do Minho, 52. A de Tras os Montes,
56. A da Beira, 63. A da Estremadura, 71. A do Alentejo, 75. A do
Algarve, 79.

_Vinho_ que ha em Portugal, 162.

_Viola_, instrumento proprio dos Portuguezes, 217.


                                =FIM.=

                             [Illustração]



                              =LICENÇAS=


                           Do Santo Officio.

Pódem-se reimprimir os cinco Tomos, de que se faz menção, e depois
voltaráõ conferidos para se dar licença que corraõ, sem a qual naõ
correraõ. Lisboa, 23 de Abril de 1762.

_Trigoso._ _Lima._


Do Ordinario.

Póde-se reimprimir os Tomos de que trata a petiçaõ, e depois tornem
para se dar licença para correr. Lisboa, 23 de Abril de 1762.

_D. J. Arceb. Lacedemonia._


Do Desembargo do Paço.

Que se possaõ reimprimir, e depois de impressos tornaraõ conferidos
para as licenças de correr. Lisboa, 24 de Abril de 1762.

_Carvalho._ _Emaús._ _D. Velho._ _Affonseca._



*** End of this LibraryBlog Digital Book "Mappa de Portugal antigo, e moderno, tomo 1 (of 3): Parte I, II" ***


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